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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS
SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS
JULIA MAURMANN XIMENES
LEONEL SEVERO ROCHA
Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.
Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie
Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP
Conselho Fiscal:
Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE
Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)
Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP
Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF
Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC
Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP
Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
S678
Sociologia, antropologia e cultura jurídicas [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Sérgio Henriques Zandona Freitas, Julia Maurmann Ximenes, Leonel Severo Rocha – Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-552-2Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34
________________________________________________________________________________________________
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Realidade Social. 3. Cultura. XXVICongresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
São Luís – Maranhão - Brasilwww.portais.ufma.br/PortalUfma/
index.jsf
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS
Apresentação
O XXVI Congresso Nacional do CONPEDI foi realizado em São Luís - Maranhão,
promovido pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) em
parceria com a Universidade Federal do Maranhão – UFMA, por meio do seu Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, no período de
15 a 17 de novembro de 2017, sob a temática “DIREITO, DEMOCRACIA E
INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA”.
O Grupo de Trabalho “Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídicas” desenvolveu suas
atividades na data de 16 de novembro de 2017, no Campus da Universidade CEUMA, em
São Luís-MA, e contou com a apresentação de dezessete artigos científicos que, por suas
diferentes abordagens e aprofundamentos científico-teórico-práticos, possibilitaram
discussões críticas na busca de aprimoramento do renovado sistema brasileiro das ciências
sociais.
Os textos foram organizados por blocos de temas, coerentes com a sistemática do respectivo
Grupo de Trabalho, podendo-se destacar nas pesquisas as discussões sobre a sociedade pós-
moderna, complexa e líquida, com a apresentação, sob viés crítico, de caminhos e soluções
aos problemas abordados.
A coletânea reúne gama de artigos interdisciplinares, maduros e profícuos, que apontam
questões relativas à corrupção sistêmica e as políticas sociais, o “jeitinho” e a
“malandragem” brasileira, questões relativas a via alternativa de resolução de conflitos e a
análise sociológica dos conflitos judiciários brasileiros, as comunidades indígenas e suas
terras, o agronegócio, o etnodireito e o princípio da igualdade, a posse e a propriedade, com
viés de territorialidades rivais, bem como os territórios tradicionais pesqueiros, a sociedade
burguesa, os conflitos afetivos, a instituição policial e a crise do setor público, o
estruturalismo construtivista, as técnicas de ensinagem no Direito, mapas mentais e a
consequente evolução do profissional com atuação no Direito e, finalmente, a ideologia da
universalidade dos Direitos Humanos.
Como se viu, aos leitores mais qualificados, professores, pesquisadores, discentes da Pós-
graduação, bem como aos cidadãos interessados nas referidas temáticas, a pluralidade de
relevantes questões e os respectivos desdobramentos suscitam o olhar sobre os avanços e
retrocessos dos direitos sociais no Brasil e a necessidade de se evoluir na discussão sobre o
comportamento humano e a sociedade de indivíduos, grupos e instituições.
Assim, os coordenadores do Grupo de Trabalho - SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E
CULTURA JURÍDICAS, agradecem a colaboração dos autores dos artigos científicos e suas
instituições multiregionalizadas, pela valorosa contribuição ao conhecimento científico e
ideias para o aprimoramento democrático-constitucionalizado do Direito brasileiro.
Finalmente, de forma dinâmica e comprometida com a formação do pensamento crítico
contemporâneo, o convite do CONPEDI, por meio dos organizadores da presente publicação,
para uma leitura prazerosa dos artigos apresentados, com a possibilidade de (re)construção
crítico-evolutiva do homem e da sociedade, ambos voltados na concretização de direitos e
garantias fundamentais insculpidos na Constituição de 1988.
São Luís/MA, novembro de 2017.
Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes - IDP
Prof. Dr. Leonel Severo Rocha - Unisinos
Prof. Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas - FUMEC
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
BAUMAN E A CRÍTICA À MODERNIDADE LÍQUIDA
BAUMAN AND THE CRITICISM TO LIQUID MODERNITY
Roberto SiquinelSandra Mara Maciel de Lima
Resumo
O artigo tem por objetivo identificar as contribuições epistemológicas e metodológicas de
duas obras de Zygmunt Bauman para o campo jurídico. Os temas discutidos nestas obras se
complementam e permite-nos concluir que vivemos apenas reagindo às crises recentes, sem
projetar um futuro sólido para as próximas gerações. Por meio de pesquisa bibliográfica, foi
possível identificar que ambas as obras utilizam o método indutivo e o empirismo científico
como padrão.
Palavras-chave: Epistemologia, Metodologia, Pós-modernidade, Sociedade de consumo, Desigualdade social
Abstract/Resumen/Résumé
The article aims to identify the epistemological and methodological contributions of two
works by Zygmunt Bauman for the legal field. The themes discussed in these works
complement each other and allow us to conclude that we live only by reacting to recent crises
without projecting a solid future for the next generations. Through bibliographical research, it
was possible to identify that both works use the inductive method and scientific empiricism
as standard.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Epistemology, Methodology, Postmodernity, Consumer society, Social inequality
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Introdução
A sociedade chamada pós-moderna nasceu com a globalização da economia.
A partir da abertura das fronteiras e da superação da época de descobrimento da
industrialização, passou-se a pensar e ver o mundo de forma diferenciada,
atribuindo-se à linguagem o papel transformador dessa sociedade para o estágio da
pós-modernidade.
No cenário filosófico, a linguagem passou a ter papel fundamental nas
relações humanas, pois deu sentido à realidade. Sobre a linguagem como
característica do pós-moderno, Habermas pontua ser um “agir comunicativo”,
destacando ser a comunicação como a dimensão última das sociedades modernas
(HABERMAS, 1987, p. 11). A linguagem, portanto, se sobreporia às coisas reais e
seria a responsável pela rápida transformação dos conceitos até então arraigados
na civilização.
Milhões de pessoas pensam que sim, mas na verdade não entendem a
linguagem dos computadores, e ela é responsável pela comunicação em nossa
sociedade. É dela o monopólio das informações, que são selecionadas em função
do interesse comercial e do controle da massa. É essa comunicação que dita a
mainstream, criando vontades e até mesmo conceitos que são incorporados pelos
seres humanos como algo certo e definitivo.
A globalização, chamada por alguns de ocidentalização globalizada, segundo
Amartya Sen é vista de duas formas, uma otimista e outra pessimista. A primeira a
consideram uma contribuição maravilhosa da civilização ocidental para o mundo, de
onde surgiram os grandes desenvolvimentos mundiais (Europa), tais como a
Renascença, o Iluminismo e a Revolução Industrial, e que proporcionaram melhoria
dos padrões de vida no Ocidente, espalhados hoje pelo planeta. De forma
diametralmente oposta, o capitalismo é visto como uma forma de dominação por
países ocidentais ambiciosos e agressivos, que estabelecem regras de comércio
exterior e relações de negócios que não atendem aos interesses das populações
mais pobres do mundo (SEN, 2010, p. 17 e 18).
Snowden – Herói ou Traidor, do premiado diretor Oliver Stone, é um filme que
conta a história (baseada em fatos reais), de um funcionário do Serviço Secreto dos
EUA, Edward Joseph Snowden, que descobre que seu país não está mirando e
vigiando terroristas, mas mirando o mundo inteiro com o intuito de obter o máximo
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de informações para exercer supremacia e controle econômico e social. Desiludido
com o mundo da inteligência secreta, Snowden vaza documentos sigilosos, inclusive
para aliados dos EUA. Ele é declarado espião, traidor, e sai de seu País. Atualmente
Snowden reside na Rússia, mas sob alerta constante de que o governo russo o
enviará a sua terra natal.
O filme foi lançado em 2016, mas retrata algo que ocorre há décadas: somos
fortemente influenciados em nossas decisões. Desejamos aquilo que nos fazem
acreditar que é nosso desejo. O interesse econômico tenta (e infelizmente está
conseguindo) prevalecer a qualquer custo numa sociedade díspar, onde há 1% das
pessoas no mundo controlando quase toda a riqueza do planeta, enquanto 99%
perecem por ausência de comida, educação, sabedoria (não apenas informação),
sedentos por bens de consumo e preocupados apenas com seus interesses
próprios, individuais.
Essa é a era da pós-modernidade que Zygmunt Bauman rebatizou de
modernidade líquida, título da primeira obra analisada no presente artigo (BAUMAN,
2001). Segundo Bauman, houve uma transformação da sociedade de produção em
uma sociedade de consumo1, a sociedade do “eu”, contaminada pela cultura do
imediatismo, do prazer, da individualização, gerada a partir da ausência de nossa
própria identidade num mundo sem forma definida. A liquidez que aparece no título
diz respeito à fluidez das relações. Nada é mais sólido como antes, tudo se
transforma em questão de segundos, as ideias, os pensamentos, a interação entra
as pessoas. Vivemos num mundo de alta tecnologia, afogados em informações, mas
carentes de sabedoria. Não conseguimos mais conservar as formas durante muito
tempo, tudo dura enquanto deve durar, enquanto alguém que utiliza da linguagem
para alcançar a todos diz que deve durar. As crises das manchetes de hoje
substituem as de ontem e assim sucessivamente. A sociedade escorre pelas mãos e
nada é sólido o bastante para durar.
Na segunda obra objeto do presente estudo, A Riqueza de Poucos Beneficia
a Todos Nós? (BAUMAN, 2015), o autor analisa a ideia, que se tornou comum, de
que a melhor maneira de ajudar os pobres a sair da miséria é permitir que aqueles
que são ricos se tornem cada vez mais ricos e com isso possam gerar mais
1 Em 1970, Jean Baudrillard publicou um livro com esse título “La société de consummation” pela
Éditions Denoël, de Paris, o que demonstram que muito antes da era de informação e tecnologia que vivemos hoje pesquisadores apontavam que a sociedade estava mais preocupada com o ter do que com o ser.
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empregos, rendas, enfim, condições melhores de vida àqueles que estão
abandonados pelo Estado. Entretanto, os dados analisados pelo autor e que são
apresentados em sua obra apontam para um caminho diverso da ideia geral,
mostrando que o mercado não está corrigindo a desigualdade, mas ao contrário,
incentivando o individualismo do mundo do consumo.
A desigualdade social criou um abismo intransponível, capaz de tornar meros
consumidores controlados àqueles que no passado lutaram pelos direitos civis e
públicos.
O presente artigo tem por objetivo identificar as contribuições epistemológicas
e metodológicas de duas obras de Zygmunt Bauman para o campo jurídico.
O artigo apresenta inicialmente, a trajetória de vida de Bauman, desde sua
origem na Polônia até sua consagração como escritor e professor de sociologia na
Inglaterra, bem como seu recente falecimento. Na sequência, buscar-se-á identificar
as contribuições epistemológicas e metodológicas da obra “Modernidade Líquida e
“A Riqueza de Poucos Beneficia a Todos Nós?”.
Trajetória de Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman nasceu na cidade de Poznán, na Polônia, em 1925, tendo
ingressado, aos 19 anos, no serviço militar durante a 2ª Guerra Mundial. Ocupou o
posto de oficial do corpo de segurança interna de seu País durante o período de
1945 a 1953. Nesse período cursou sociologia na Universidade de Varsóvia, e mais
tarde, na fase conclusiva de seu mestrado, tornou-se professor assistente da mesma
instituição, em 1954. Bauman teve grande influência da doutrina marxista, mas ao
longo de sua carreira acadêmica demonstrou que defendia as ideias da ética de
Marx e não as ideias marxistas tal qual foram difundidas.
Em decorrência de seu posicionamento contrário ao governo polonês, em
1968 foi demitido da universidade, sendo obrigado a sair da Polônia também por ter
descendência judia. Reconstruiu sua carreira no Canadá, Estados Unidos e
Austrália, até chegar à Grâ-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular de
sociologia da Universidade de Leeds. Mais tarde voltou a lecionar em Varsóvia,
tendo recebido o título de professor emérito em ambas as universidades.
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Zygmunt Bauman faleceu na cidade de Leeds, Inglaterra, em 09 de janeiro de
2017, aos 91 (noventa e um) anos de idade. Uma perda irreparável para a
sociedade e para a sociologia, pois era um homem que pensava na civilização
moderna, levantando questões notórias, mas que poucas vozes tinham a coragem
de bradar. Foi, e continuará sendo, um sociólogo humanista, ferrenho combatente
dos ideais neoliberais, Bauman fez duras críticas aos sistemas de governo que
deixaram as empresas dominar o mercado e tornar os cidadãos em consumidores
reféns.
A gigantesca obra de Bauman é representada por um conjunto de mais de
cinquenta livros, sendo destes quase quarenta publicados no Brasil. Entre os anos
de 1957 e 2016 (primeira e última publicação original, respectivamente) mostrou ser
um homem sempre a frente de seu tempo, produtor incansável de textos, onde
traduzia para as palavras os anseios, sofrimentos e necessidades vividas pela
civilização moderna.
Através da bibliografia de Bauman percebe-se a constante preocupação com
a humanidade e com as consequências que os males da pós-modernidade trazem
ao cotidiano das pessoas. Mesmo antes de iniciar a leitura de qualquer de suas
obras o leitor poderá ser provocado a pensar. Basta ler alguns dos títulos de seus
escritos e terá em mãos material suficiente para desenvolver um raciocínio crítico a
respeito de cada tema proposto.
Por fim, Bauman recebeu o prêmio Amalfi2 por sua obra Modernidade e
Holocausto e o prêmio Adorno3, pelo conjunto de sua obra.
Contribuição Epistemológica da obra “Modernidade Líquida”
A obra em referência é resultado da análise de cinco conceitos básicos que
organizam a vida humana compartilhada, e que na visão de Bauman são:
emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade. O autor
analisa o que esses conceitos (que para fins do presente artigo os chamaremos de
contribuições) significam para o ser humano em tempos atuais, tão transformados e
diferentes do passado.
2 Prêmio europeu de Sociologia e de Ciências Sociais.
3 Prêmio alemão concedido pela cidade de Frankfurt em 1998.
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A primeira contribuição de Bauman aparece quando trata da necessidade de
libertação do indivíduo em relação à sociedade, chamada por ele de “emancipação”.
Mas essa libertação não significa o abandono de tudo que está à sua volta a fim de
seguir um caminho de nômade em meio a um deserto, mas sim encontrar-se dentro
da própria sociedade por suas vontades, seus próprios desejos.
Uma dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade não seja de fato liberdade; que as pessoas poderem estar satisfeitas com o que lhe cabe mesmo que o que lhes cabe esteja longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo na escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentem a necessidade de se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente livres. (BAUMAN, 2001, p. 27)
Bauman explica que essa emancipação deve ser entendida como o
reconhecimento, pelo próprio indivíduo, da liberdade objetiva, boa, justa. O autor
detalha que a transformação constante da sociedade, entretanto, seda o indivíduo
de maneira que ele passa a duvidar se a liberdade seria algo bom ou ruim, ou seja,
se a emancipação poderia acarretar-se tamanhas responsabilidades e riscos que o
melhor seria permanecer naquele estado inerte, sem as preocupações que os
“libertos” teriam. Ser emancipado, desta forma, não seria significado de felicidade.
Mas o ponto principal destacado por Zygmunt Bauman em relação à
emancipação está relacionado a solução dos problemas instaurados no seio da
sociedade, pelo fato da natureza privada das demandas, conforme demonstra o
recorte a seguir:
Como sempre, o trabalho do pensamento crítico é trazer à luz os muitos obstáculos que se amontoam no caminho da emancipação. Dada a natureza das tarefas de hoje, os principais obstáculos que devem ser examinados urgentemente estão ligados às crescentes dificuldades de traduzir os problemas privados em questões públicas, de condensar problemas intrinsecamente privados em interesses públicos que são maiores que a soma de seus ingredientes individuais, de recoletivizar as utopias privatizadas da “política-vida” de tal modo que possam assumir novamente a forma das visões da sociedade “boa” e “justa”. Quando a política pública abandona suas funções e a “política-vida” assume, os problemas enfrentados pelos indivíduos de jure em seus esforços para se tornarem indivíduos de facto passam a ser não aditivos e não cumulativos, destituindo assim a esfera pública de toda substância que não seja a do lugar em que as aflições individuais são confessadas e expostas publicamente (BAUMAN, 2001, p. 68-69).
Observa-se, portanto, que a pós-modernidade destacou da política pública o
encargo da resolução dos problemas, transferindo-o à iniciativa privada, de forma
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que apenas a coletivização das questões privados pode produzir força capaz de ser
representativa e exigir das autoridades públicas a tomada de medidas protetivas de
seus direitos.
O segundo conceito, que entendemos como contribuição epistemológica de
Bauman diz respeito à “individualidade”, por ele tratada pelo viés da restrição do
indivíduo num mundo controlado, onde a individualidade é reduzida e a vida move-
se como que se fosse programada em decorrência da vigilância e opressão.
Como Karl Marx descobriu, as ideias das classes dominantes tendem a ser as ideias dominantes (proposição que, com nossa nova compreensão da linguagem e de seu funcionamento, poderíamos considerar pleonástica). Por pelo menos 200 anos foram os administradores das empresas capitalistas que dominaram o mundo – isto é, separaram o factível do implausível, o racional do irracional, o sensato do insano, e de outras formas ainda determinaram e circunscreveram a gama de alternativas dentro das quais confinar as trajetórias da vida humana. Era, portanto, sua visão do mundo, em conjunto com o próprio mundo, formado e reformado à imagem dessa visão, que alimentava e dava substância ao discurso dominante (BAUMAN, 2001, p. 73).
Bauman cita o modelo fordista como exemplo da sociedade moderna em
sua fase pesada, sólida, onde fábricas enormes, maquinaria pesada e força de
trabalho maciça eram necessárias para sobreviver no mundo, amarrando os
trabalhadores a seus lugares e impedindo sua mobilidade, cerceando sua
individualidade. Embora parecesse ruim, esse sistema dava alguma segurança aos
indivíduos, no sentido de saber o rumo do barco (BAUMAN, 2001, p. 77).
Hoje, no mundo pós-fordista, com o chamado capitalismo leve, não se sabe
para onde navegar num mar de incertezas, sem referências plausíveis. O controle e
a vigilância permanecem, mas sem um referencial ao indivíduo, que deve buscar
sozinho seu caminho. Bauman ensina que no pós-moderno tudo corre por conta do
indivíduo, cabendo-lhe descobrir o que é capaz de fazer e em que essa capacidade,
em seu grau máximo, poderá servir melhor (BAUMAN, 2001, p. 81).
A terceira contribuição epistemológica refere-se ao “tempo/espaço”. Bauman
analisa a diferença entre espaço civil e espaço público no mundo líquido atual.
Segundo o autor, civil é o espaço em que as pessoas possam compartilhar como
personae públicas, sem serem instigadas, pressionadas ou induzidas. Um espaço
onde os indivíduos possam confessar seus sentimentos íntimos e exibir seus
pensamentos, sonhos e angústias, um lugar onde prevaleça o bem comum. Já o
espaço público tem se mostrado distante desse primeiro modelo, na medida em que
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se tornaram inacessíveis, vazios, e para ilustrar cita o exemplo da praça La Défense,
em Paris, que não é nada convidativa à coletivização. O espaço público no mundo
líquido, segundo Bauman, também tem a função de servir para o consumo, onde
indivíduos estão juntos no mesmo local, mas cada um com seus interesses
individuais.
Esses lugares encorajam a ação e não a interação. Compartilhar o espaço físico com outros atores que realizam atividade similar dá importância à ação, carimba-a com a “aprovação do número” e assim corrobora seu sentido e a justifica sem necessidade de mais razões. Qualquer interação dos atores os afastaria das ações em que estão individualmente envolvidos e constituiria prejuízo, e não vantagem, para eles. Não acrescentaria nada aos prazeres de comprar e desviaria corpo e mente da tarefa. A tarefa é o consumo, e o consumo é um passatempo absoluta e exclusivamente individual, uma série de sensações que só podem ser experimentadas – vividas – subjetivamente (BAUMAN, 2001, p. 124-125).
Bauman explica que o espaço público hoje tem se destinado aos chamados
“templos do consumo”, que são meros ajuntamentos de pessoas, que nenhuma
manifestação pública, de interesse público, proferem. Esses espaços públicos nada
tem de coletivos, pois tornaram-se locais de mero acumulo de pessoas com
finalidades consumistas individuais.
O autor acrescenta, ainda, que as pessoas não vão para esses espaços para
conversar ou socializar. Os encontros devem ser breves, e aqueles que não estão ali
para fazer o mesmo (tais como mendigos, desocupados) são convidados a se
ausentarem.
Quanto ao tempo, Bauman faz críticas severas ao modelo de imediatismo
presente na pós-modernidade, no sentido de que a exigência da transformação
constante das coisas impede que o indivíduo pense a longo prazo e de forma
coletiva.
A nova instantaneidade do tempo muda radicalmente a modalidade do convívio humano – e mais conspicuamente o modo como os humanos cuidam (ou não cuidam, se for o caso) de seus afazeres coletivos, ou antes o modo como transformam (ou não transformam, se for o caso) certas questões em questões coletivas (BAUMAN, 2001, p. 160).
Observa Bauman que os eleitores são muito parecidos com consumidores e
que os políticos são muito parecidos com homens de negócio. Todos fazem
escolhas racionais baseadas na instantaneidade, que significa, na visão do autor,
buscar a gratificação evitando as consequências, e particularmente as
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responsabilidades que essas consequências podem implicar (BAUMAN, 2001, p.
162).
Como quarta contribuição tem-se o tema “trabalho”, onde Bauman trata do
progresso e da modificação do sistema de trabalho, que hoje encontra pouco
estímulo por parte do Estado, substituído pelo capital em sua tarefa de aperfeiçoar o
mundo. Segundo o autor, o progresso não é mais pensado como nação, de forma
coletiva, mas individualizado e por isso desregularizado e privatizado.
Segundo Bauman, na sociedade sólida, o trabalho tinha papel fundamental.
Quaisquer que tenham sido as virtudes que fizeram o trabalho ser elevado ao posto de principal valor dos tempos modernos, sua maravilhosa, quase mágica, capacidade de dar forma ao informe e duração ao transitório certamente está entre elas. Graças a essa capacidade, foi atribuído ao trabalho um papel principal, mesmo decisivo, na moderna ambição de submeter, encilhar e colonizar o futuro, a fim de substituir o caos pela ordem e a contingência pela previsível (e portanto controlável) sequencia dos eventos. Ao trabalho foram atribuídas muitas virtudes e efeitos benéficos, como, por exemplo, o aumento da riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a espécie humana no comando de seu próprio destino. O “trabalho” assim compreendido era a atividade em que se supunha que a humanidade como um todo estava envolvida por seu destino e natureza, e não por escolha, ao fazer história. E o “trabalho” assim definido era um esforço coletivo de que cada membro da espécie humana tinha que participar (BAUMAN, 2001, p. 172).
Mas na modernidade líquida o trabalho teve seu papel original alterado,
desvirtuando suas funções precípuas.
Bauman menciona que
No mundo humano labiríntico, os trabalhos humanos se dividem em episódios isolados como o resto da vida humana. E, como no caso de todas as outras ações que os humanos podem empreender, o objetivo de manter um curso próximo aos projetos dos atores é evasivo, talvez intangível. O trabalho escorreu do universo da construção da ordem e controle do futuro em direção do reino do jogo; atos de trabalho se parecem mais com as estratégias de um jogador que se põe modestos objetivos de curto prazo, não antecipando mais que um ou dois movimentos. O que conta são os efeitos imediatos de cada movimento; os efeitos devem ser passiveis de ser consumidos no ato (BAUMAN, 2001, p. 174).
Pelo recorte acima, mais uma vez, e agora no trabalho, identifica-se a
individualização, o pensar em si próprio, o imediatismo, o consumo pessoal
subjetivo, como característica do comportamento humano. O trabalho mudou de
caráter, transformando-se em um ato único, isolado e, portanto, distante do interesse
coletivo.
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O último conceito trazido por Bauman diz respeito à “comunidade” como
sinônimo de segurança para o indivíduo que se vê hoje num mundo individualizado e
responsável por todas as suas atitudes. Sua intenção é escapar desse risco e
encontrar abrigo na uniformidade, em locais onde seus vizinhos com eles se
parecem. Essa segurança está relacionada a estar trancado e vigiado por guardas
armados em condomínios com muros altos e intransponíveis.
A imagem que se projeta da comunidade é a de uma ilha de tranquilidade que
a cada dia se torna mais valiosa em decorrência dos interesses e propaganda que
os investidores e incorporadores atribuem aos imóveis onde é possível criar esse
arquipélago de segurança e convivência.
Bauman diz que
O mundo comunitário está completo porque todo o resto é irrelevante; mais exatamente, hostil – um ermo repleto de emboscadas e conspirações e fervilhante de inimigos que brandem o caos como sua arma principal. A harmonia interior do mundo comunitário brilha e cintila contra a escura e impenetrável selva que começa do outro lado da estrada. É lá, para esse ermo, que as pessoas que se juntam no calor da identidade partilhada jogam (ou esperam banir) os medos que as levaram a procurar o abrigo comunitário (BAUMAN, 2001, p. 215).
O trecho mostra que a comunidade fechada, enclausurada, vigiada e
monitorada é, para a modernidade líquida, a saída para a ausência de armas de
defesa para todos. Diz Bauman que é razoável que indivíduos mais fracos e mal-
armados procurem a força do número para compensar sua impotência individual
(BAUMAN, 2001, p. 223).
Bauman explica que a segurança é uma questão individual e os poderes
públicos pouco podem fazer. Enquanto isso, as imobiliárias assumem o problema
daqueles que podem pagar para morar em verdadeiras fortalezas.
A ideia força de Bauman quando trata da comunidade é de um conjunto de
pessoas que se unem não para discutir questões coletivas e de interesse público,
mas exclusivamente para obter a segurança que o mundo individualizado não lhes
fornece. A comunidade aparece na modernidade líquida como mais um caminho
para a satisfação das necessidades especiais.
Contribuição Metodológica da obra “Modernidade Líquida”
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A retórica de Bauman impressiona, tanto pela simplicidade com que traça a
linha de raciocínio, no intuito de que mais pessoas compreendam o que quer dizer,
quanto pela profundidade de suas colocações.
Ele é incisivo, cirúrgico em suas colocações, e utiliza de uma técnica
diferenciada da maioria dos sociólogos. Inicia seus capítulos com referências a fatos
históricos, contos, livros de ficção científica, notícias jornalísticas e dados que
demonstram a realidade humana para, a partir de fatos concretos, invocar grandes
pensadores como Adorno, Marx, Weber, Hegel.
A técnica metodológica de Bauman dá sentido ao texto, pois sempre que
possível faz referência a uma situação de fato e a partir dela expõe seu pensamento
de forma clara e rica em argumentos.
O texto corre solto como se estivesse palestrando, citando exemplos e em
inúmeras oportunidades levanta questionamentos que são por ele mesmo
respondidos.
A metodologia de Bauman parte da observação de fatos através do raciocínio
indutivo e do empirismo científico. A base para os questionamentos de Bauman são
informações concretas, dados reais e que refletem o modo que a sociedade vive
atualmente.
Contribuição Epistemológica da obra “A Riqueza De Poucos Beneficia Todos
Nós?”
Através de dados estatísticos Bauman mostra o abismo existente entre as
classes e que vem se ampliando vertiginosamente. A desigualdade entre ricos e
pobres nunca foi tão grande, mas o ponto que surge na obra do autor é: quais
realidades sociais os números refletem?
Uma tentativa de resposta afirma que a desigualdade sempre foi justificada
com base no argumento de que aqueles que estão no topo da escala contribuíam
mais para a economia, desempenhando o papel de “criadores de emprego”
(BAUMAN, 2015, p. 22).
A história, através de dados sociais mostra que a experiência de trinta anos
de disparidade entre ricos e pobres não alcançou o progresso econômico prometido,
149
pois houve aumento do desemprego e decréscimo produtividade na produtividade.
Ou seja, quanto mais polarizada a economia, mais propensas a crises profundas e
impactantes.
Bauman desperta dúvidas no leitor, vejamos:
[...] haverá verdade naquilo em que tantos de nós acreditamos, a que todos nós somos pressionados e tangidos a acreditar, e que estamos lamentavelmente tentados e inclinados a aceitar? É verdade, em suma, que a riqueza de poucos beneficia todos nós? É verdade que toda interferência na desigualdade natural dos seres humanos é prejudicial à saúde e ao vigor da sociedade, bem como a seus potenciais criativos e produtivos, que todos têm o interesse de ampliar e defender até o mais alto nível? É verdade que a diferenciação de posições, capacidades, direitos e recompensas sociais reflete as diferenças de talentos naturais e das contribuições de seus membros para o bem-estar da sociedade? O resto do argumento tentará mostrar porque essas e outras crenças semelhantes são mentirosas e porque têm pouco ou nenhuma chance de jamais se tornarem verdades e cumprir sua (enganosa) promessa. Ele também tentará descobrir por que, apesar da inverdade cada vez mais evidente dessas crenças, nós continuamos a negligenciar a duplicidade de suas promessas e a não desvendar o verdadeiro caráter da total improbabilidade de que venham a cumpri-las (BAUMAN, 2015, p. 27 e 28).
A desigualdade social é, na visão de Bauman, controlada pelo sistema
capitalista. No passado o era por outro sistema, e se num futuro o sistema
econômico prevalecente for outro ainda, este também utilizará da desigualdade
social para manter uma aparente ordem. Segundo o autor, a desigualdade pode
mudar sua natureza, sua estrutura, mas sempre existirá como mecanismo tendente
a manter as coisas em uma suposta ordem, digeríveis, toleráveis, aceitáveis.
Considerada injusta do ponto de vista social, a desigualdade é “justificada”
pelos chamados “princípios de injustiça” citados por Dorling. Arrola-se a crença de
que:
O elitismo é eficiente (porque o bem só pode ser aprimorado por meio da promoção da capacidade que, por definição, relativamente poucos possuem de forma exclusiva); a exclusão é tão normal quanto necessária para a saúde da sociedade, ao mesmo tempo que a ganância é boa para a melhoria da vida; a desesperança daí resultante é inevitável e não pode ser contornada (DORLING apud BAUMAN, 2015, p. 31).
Diante dessa coleção de falsas crenças, Bauman explica que a maioria de
nós, a maior parte do tempo, aceita a oferta e abandona a vital tarefa de fazer o
melhor possível, conformando-se e anulando-se. Julgamos que nossa vida está
traçada daquela maneira e que devemos acreditar que o mecanismo deve funcionar
da forma programada. Escolhemos o mais cômodo. É difícil optar por algo que difere
150
da mainstream, pois quanto mais alto for o custo social de uma escolha, menor será
sua probabilidade de ela ser eleita (BAUMAN, 2015, p. 34).
Bauman nos ensina que nossa trajetória é formada por dois fatores
autônomos, mas que juntos são determinantes para nossas vidas, quais sejam, o
destino e o caráter.
Um é o “destino”, uma classe de circunstâncias sobre as quais não temos nenhuma influência, coisas que “acontecem conosco”, que não são fruto de nossas ações (como o lugar geográfico e a situação social em que nascemos, a época do nosso nascimento). O outro fator é nosso caráter, que, pelo menos em princípio, temos a capacidade de afetar – influenciar, adestrar e cultivar. O “destino” determina a extensão de nossas opções realistas, mas, em última análise, é o nosso caráter que faz as escolhas entre elas (BAUMAN, 2015, p. 33).
Bauman ensina que antes desiguais eram as pessoas que viviam na pobreza,
mas hoje é a classe média que está se transformando no antigo “proletariado”, pois
as pessoas se sentem inseguras em relação a sua posição na sociedade.
Observa-se que o autor faz uma análise detalhada da sociedade e do quanto
a desigualdade social segrega, limita e separa as pessoas. Bauman demonstra que
o controle das camadas sociais criadas pelo capitalismo é aparentemente bom e
justo, mas trata-se de um engodo, uma farsa, e a história provou que nas últimas
três décadas essa desigualdade nada trouxe de benefício para a sociedade.
Contribuição Metodológica da obra “A Riqueza E Poucos Beneficia Todos
Nós?”
Bauman utiliza de um caminho diferenciado da maioria dos escritores para
trazer respostas aos questionamentos que ele próprio levanta a cada tema
abordado. Não se observa na metodologia do autor a busca de conceitos complexos
ou termos rebuscados do passado, ao menos nessa obra. Bauman é atual,
conectado aos recentes resultados de pesquisas científicas divulgadas por
organismos internacionais, notícias de jornais, frases de líderes políticos divulgadas
das mais diversas formas. O autor utiliza de elementos de estatística para levantar
questionamentos de cunho social, capazes de nos fazer refletir sobre nosso papel
na sociedade. Na obra em análise são raras as citações de grandes filósofos (mas
Karl Marx é presença constante), sociólogos, mas repletas de menções a trabalhos
151
acadêmicos de pessoas para nós desconhecidas, mas por ele valorizadas pela
contribuição que seus estudos trazem para a sociedade. Realiza, portanto, uma
análise documental.
Observa-se tratar-se da aplicação do método indutivo, pois o autor parte de
dados reais específicos e levanta questões de ordem sociológica, de cunho geral.
Tal qual a obra Modernidade Líquida, percebe-se a presença marcante do
empirismo científico.
Considerações Finais
A primeira inexorável conclusão é a de que as obras de Bauman, aqui
estudadas, conseguiram traduzir o mundo em textos completos, abrangentes e ao
mesmo tempo pontuais em questões que nos fazem refletir sobre a civilização e
suas transformações. O autor fala sobre o cotidiano de nossas vidas e por isso
aproxima o leitor do texto.
Crítico da pós-modernidade, chamado por ele de modernidade líquida,
Bauman pode ser classificado como um sociólogo a frente de seu tempo, um
visionário. Ele conseguiu, no conjunto de sua obra, apresentar dados concretos das
mazelas da sociedade atual, que se tornou consumista e individualista.
Ao explicar a passagem da modernidade sólida para a líquida, Bauman
mencionou que praticar a arte de vida, tornar a vida uma obra de arte, em nosso
mundo líquido moderno, equivale a estar em estado de permanente transformação,
redefinindo a si mesmo de forma perene, tornando-se alguém diferente do que se
era até então; tornar-se outra pessoa corresponde a deixar de ser o que se foi, a
quebrar e jogar fora a velha forma, como uma cobra faz com sua pele ou alguns
moluscos com suas carapaças (BAUMAN, 2011).
Em uma de suas tantas entrevistas o sociólogo polonês utilizou uma palavra
que resume o estado da sociedade atual: interregno. Disse Bauman que esta
palavra significa que não somos uma coisa ou outra, que estamos num estado de
inércia, de ausência de visão a longo prazo, e que nossas ações consistem
principalmente em reagir às crises mais recentes. Mas diz que também as crises são
líquidas e que mudam constantemente.
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Ambas as obras examinadas demonstram sua crítica ao modelo neoliberal
que soltou as rédeas do sistema econômico nas mãos das grandes empresas, que
acabaram dominando o mercado e que hoje, sem freios, avançam fortemente em
áreas que deveriam ser de competência do poder público, tais como a saúde, a
educação, a segurança, entre outras.
Em sua obra Modernidade Líquida, Bauman abordou os temas emancipação,
individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade.
Quanto à emancipação, que entende estar conectada ao conceito de
liberdade, Bauman destaca que os indivíduos se omitem de exercer plenamente sua
liberdade, pois isto acarretar-lhes-ia mais responsabilidades, inclusive aquelas de
natureza pública. O autor explica que as questões públicas passaram da política
pública para a “política-vida”, na medida em que a sociedade não age mais
coletivamente.
Em relação à individualidade Bauman destaca que na sociedade líquida, cada
um deve buscar sozinho seu caminho, mas diferente do passado, não há mais
referências sólidas a seguir. Os indivíduos não sabem sequer por onde começar a
procurar o fio condutor de suas vidas. Vivem sozinhos, individualizados, sem
conexões capazes de lhes dar segurança no que fazer. Mas o autor destaca que
essa solidão é relativa, porque a modernidade líquida é caracterizada pela vigilância
e controle dos atos dos indivíduos. Diz que esse controle não ocorre de forma
ostensiva e aberta como a retratada por George Orwell, na obra 1984, mas talvez a
forma de controle hoje seja mais cruel, pois cria em nós necessidades e vontades
que acreditamos ser nossas.
No que se refere ao tempo Bauman critica fortemente o imediatismo de nossa
sociedade, interessada apenas em satisfação automática para tudo que é realizado.
Não se pensa mais a longo prazo. O mundo pós-moderno tem como característica a
pressa em praticar os atos e obter resultados instantâneos. Isso é prejudicial ao
extremo, diz Bauman, porque não se está construindo nada para as gerações
futuras, que viverão também dos acontecimentos presentes ao seu tempo.
Relativamente ao espaço, o autor menciona que os espaços públicos que
deveriam servir para a reunião de pessoas com o intuito de debater questões
coletivas, são utilizados apenas como pontos turísticos nada convidativos às
discussões, mas voltados para os interesses individuais expressados através do
consumo. Os espaços públicos, segundo o autor, foram transformados em “templos
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do consumo”. Há pessoas lado a lado, que sequer conversam para não atrapalhar a
“concentração” do ato de comprar.
Em relação ao tema trabalho, Bauman aborda a ausência de estímulo do
Estado. Segundo o autor, não há fomento porque o progresso da nação não está
mais conectado ao trabalho, mas sim ao capital. Cada um pensa no trabalho como
forma individual de progredir.
Por fim, quanto à comunidade, Bauman a vê na modernidade líquida como
sinônimo de segurança, não mais como um conjunto de pessoas com objetivos de
tratar de questões coletivas e de interesse público. Observa-se a comunidade como
um porto seguro, longe das mazelas, incertezas e perigos que habitam o outro lado
do muro do condomínio que protege os integrantes dessa comunidade. O autor cita
que os investidores e incorporadores agradecem a visão de que comunidades
condominiais significam a saída para proteger o indivíduo. Ou seja, a comunidade foi
reduzida a um mero espaço fechado, vigiado, onde podemos falar e andar sem
preocupações.
Já na obra “A Riqueza de Poucos Beneficia a Todos?”, Bauman demonstra
que não aceita as justificativas para a desigualdade social. Ele rejeita todas as teses,
justificando suas respostas, inclusive com dados históricos. Diz que são os
indivíduos que acabam aceitando essa condição de desigualdade como algo natural,
porque sair da comodidade da aceitação significaria perder tempo em pensar no
outro. E num mundo individualista como esse em que nossa sociedade está
inserida, pensar no outro é deixar de pensar em si mesmo.
Por fim, ambas as obras demonstram a utilização do método indutivo e do
empirismo científico como padrão do autor.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia todos nós? tradução Renato Aguiar. – – Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
______. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
______. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. – Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
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______. A Ética é Possível num Mundo de Consumidores? Tradução Alexandre Werneck. – Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
HABERMAS, J. Teoria de La acción comunicativa. Tradução M. J. Redondo. Madrid: Taurus, 1987.
SEN, Amartya. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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