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Anais da
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XXII Semana de Pedagogia X Encontro de Pesquisa em Educação
05 a 08 de Julho de 2016
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SEQUÊNCIA BÁSICA DE O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ: UMA
PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL II
SURIANO, Edivana Cássia Munhoz
(PROFLETRAS-UEM) CORSI, Margarida da Silva
(UEM)
Eixo Temático Educação e Diversidade
INTRODUÇÃO
Antes de propormos um projeto a ser desenvolvido em sala de aula, com alunos
que entrarão em contato com a literatura, devemos, como professores, ter bem claro o
conceito ou conceitos de literatura que tomaremos como base para o desenvolvimento
de nosso trabalho, além da função da arte literária em nosso contexto, em nossas vidas.
Por isso, valemo-nos do conceito e função da literatura advindos de Candido (1988):
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as
criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis
de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que
chamamos folclore, lenda chiste, até as formas mais complexas e
difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Vista deste modo
a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos
os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que
possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato
com alguma espécie de fabulação. (CANDIDO, 1988, p. 174).
Da “possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” está a
entrega ao mundo da imaginação, da ficção, que leva o homem a sonhar e à fruição
permitida pela literatura, a qual é direito de todo e qualquer indivíduo. “Por isso é que
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nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e
educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento
intelectual e afetivo”, conforme Candido (1988).
OBJETIVOS
Assim, quanto à justificativa da escolha da obra O Gato Malhado e a
Andorinha Sinhá, de Jorge Amado, para a leitura, a nossa insere-se no contexto da
atividade denominada Gincana da Leitura: é brincando que se lê, desenvolvida pelo
colégio público estadual no qual trabalhamos e que tem como intenção incentivar a
leitura individual e coletiva do aluno, juntamente com os professores de todas as áreas e
em todas os anos e séries, do Ensino Fundamental II ao Médio. No nosso caso
especificamente, a atividade será desenvolvida em um 6º ano.
Como já citado, a nossa proposta será aplicada em um 6º ano, do Colégio
Estadual Unidade Polo, Campo Mourão, região do interior do PR. A instituição é
considerada de grande porte, com 51 turmas e 1398 alunos matriculados, de acordo com
os dados recentes. O Ensino Fundamental possui 25 turmas e 738 alunos. Turmas de
atividades complementares – atendimento a alunos com dificuldades em língua
portuguesa e matemática, e com necessidades especiais – são 7, com 162 matrículas. O
critério de seleção para ingresso é o georreferenciamento, constituindo-se de um público
advindo de diversas partes da cidade devido à localização central da instituição, porém
observa-se uma homogeneidade socioeconômica, pois a maioria dos alunos é de classe
média-baixa e baixa.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma sequência básica para o livro
escolhido, conforme proposta sociointeracionista de ação (BAKHTIN, 1992). Sabemos
que a complexidade da linguagem está diretamente ligada à atividade humana. Ela
existe para interagir; sem isso corremos o risco de torná-la artificial, distante, irreal,
assim como postula Bakhtin (2003, p. 261) quando afirma que “todos os diversos
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campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”. Sendo a linguagem
dialógica, é nesse sentido que qualquer atividade de leitura desenvolvida em sala de aula
deve ser significativa e motivadora.
METODOLOGIA
Como metodologia, utilizaremos a sequência básica de leitura proposta por
Cosson (2014), o qual argumenta que sua proposta: “se destina a reformar, fortalecer e
ampliar a educação literária que se oferece no ensino básico. Em outras palavras, ela
busca formar uma comunidade de leitores que, como todo comunidade, saiba
reconhecer os laços que unem seus membros no espaço e no tempo” (COSSON, 2014,
p. 12).
Referindo-se ao letramento literário como um processo de escolarização da
literatura, o autor propõe duas formas de se trabalhar com a literatura em sala de aula: a
sequência básica e a sequência expandida. De acordo com Cosson (2014), a sequência
básica do letramento literário na escola é constituída por quatro passos: motivação,
introdução, leitura e interpretação.
Etapas da Sequência Básica
A motivação visa preparar o aluno para a leitura do texto e essa preparação pode
ser feita de diversas formas, como envolver atividades de leitura, escrita e oralidade.
Como a motivação também visa despertar a consciência de que leitura envolve saber e
prazer, para introduzir o livro O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de Jorge Amado,
aos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental II, escolhemos uma ação lúdica: colocar os
alunos para ouvirem a música O gato, de Vinícius de Moraes, Bacalov e Toquinho, do
CD A arca de Noé (1993), interpretado pela cantora Marina.
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Para dar continuidade ao trabalho motivador com a música, faremos com os
alunos um jogo dramático de observação e imitação, adaptado de Machado e Rosman
(1996). Esse tipo de jogo envolve imitação e espontaneidade. Segundo as autoras,
Um jogo de observação consiste em reproduzir uma atitude corporal, a
maneira de andar dos animais: um gato, um cachorro, um urso, o voo
de uma gaivota etc.; ou de tipos humanos: um velho, um atleta, um
convencido, um medroso, um garção, uma lavadeira, um trocador de
ônibus etc.; ou ainda reproduzir (por expressão corporal) pessoas
sentindo coisas diferentes (...) (MACHADO e ROSMAN, 1996, p.
30).
A execução do jogo seria da seguinte forma: os alunos fariam um círculo de
ciranda, com meninos de um lado e meninas de outro. Outra sugestão para a disposição
dos alunos é que eles podem ser intercalados na ciranda. A ação consistirá em ouvir a
música e imitar as ações do gato na primeira estrofe. Na segunda estrofe, um lado da
ciranda será o gato (meninos) e o outro lado será o passarinho (meninas), na ação de
“Pega e corre, silencioso/Atrás de um pobre passarinho”. Depois, quando repetir a
estrofe, na segunda parte da música, trocam-se os personagens. Todos continuam a
imitação da terceira estrofe, e na quarta, cada aluno reproduz o trecho “Um preguiçoso é
o que ele é/E gosta muito de cafuné”, tentando fazer o gesto do cafuné no outro. Assim,
essa atividade de motivação privilegiará a escuta do texto, a espontaneidade e a
sensibilização em sala de aula, além de descontrair para a apresentação da obra, do
autor e da leitura que será feita adiante. Esquematizando o jogo de observação e
imitação, ficaria assim:
1) Fazer o círculo e/ou ciranda.
2) Seguir a ordem das ações elencadas na música:
a) 1ª estrofe: salta e muda de opinião;
b) 2ª estrofe: pisa mansinho e corre atrás do passarinho;
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c) 3ª estrofe: para, dispara e pula;
d) 4ª estrofe: enrosca, ouriça, espreguiça e quer cafuné;
e) Repete as estrofes e na última estrofe: fadiga e banho.
Encerrada a motivação, seguimos para a introdução, que consiste na
apresentação do autor e da obra a fim de permitir que o aluno receba-a, segundo Cosson
(2014), de maneira positiva. Como a introdução visa explorar elementos paratextuais, o
livro em questão possui duas edições conhecidas que podem ser levadas à sala ou os
alunos podem ser levados à biblioteca para folhearem o livro e compararem as
ilustrações, capa, contracapa, orelha, de cada edição. Neste caso, usaremos a 1ª edição
de 1978; e atual, 2008. Enquanto os alunos conhecem e apreciam fisicamente o livro, o
professor contará ou lerá o que motivou o autor a escrevê-lo. Segue o texto que faz parte
da obra trabalhada:
A história de amor do gato malhado e da andorinha sinhá eu a escrevi
em 1948, em Paris, onde então residia com minha mulher e meu filho
João Jorge, quando este completou um ano de idade, presente de
aniversário; para que um dia ele lesse. Colocado junto aos pertences
da criança, o texto se perdeu e somente em 1976, João, bulindo em
velhos guardados, o reencontrou, dele tomando finalmente
conhecimento. Nunca pensei em publicá-lo. Mas tendo dado a ler a
Carybé por João Jorge, o mestre baiano, por gosto e amizade, sobre as
páginas datilografadas desenhou as mais belas que todos as desejam
admirar. Diante do quê, não tive mais condições para recusar-me à
publicação por tantos reclamada: se o texto não paga a pena, em troca
não tem preço que possa pagar as aquarelas de Carybé. Londres,
agosto de 1976. J. A. (AMADO, 2008, p. 7).
Nessa parte, seria interessante expor aos alunos sobre o escritor Jorge Amado,
citando sua origem baiana e o porquê de ter morado em outros países, aproveitando para
situar o aluno no mapa do país – região Nordeste, Bahia –, e para situá-los também em
relação às cidades citadas, como Paris e Londres, levando mapas ou o globo terrestre
para a sala de aula. As questões poderiam ser:
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a) Você já ouviu falar do escritor Jorge Amado? Sabe de onde ele é?
b) Onde fica a Bahia? O que você conhece da Bahia?
c) E Paris, Londres? Conhece algo sobre esses lugares? Vamos localizá-los no
mapa?
Cosson (2014, p. 60) ressalta que o professor deve explicar a importância da
escolha do autor e da obra. Como foi explanado anteriormente, a nossa insere-se no
contexto da atividade denominada Gincana da Leitura: é brincando que se lê.
Dando continuidade à introdução, ao perguntarmos aos alunos sobre as
impressões que tiveram a respeito das imagens da capa, podemos expandir a pré-leitura,
não apenas questionando sobre os desenhos, mas comparando essas ilustrações com o
personagem gato da música ouvida anteriormente, levantando hipóteses, por exemplo:
Pelos desenhos do livro, será que a atitude do Gato Malhado em relação à Andorinha
Sinhá será a mesma do gato da música em relação ao passarinho (“Pega e corre,
silencioso/Atrás de um pobre passarinho”)?
Exploraremos a temática da letra da música, relacionando-a ao conhecimento de
mundo do aluno, perguntando oralmente se as características e atitudes do gato retratado
na música correspondem aos gatos que conhecemos; se o aluno possui gato e se o seu
animal é parecido com o da música; se não, em que se diferencia, qual a raça, cor, quais
são as atitudes do animal de estimação; quem gosta ou não de gato e o porquê.
Diretamente, as questões que podem ser feitas da seguinte forma abaixo:
1) As características e atitudes do gato retratado na música correspondem aos gatos
que conhecemos?
2) Você possui gato e o seu animal é parecido com o da música?
3) Ou, em que se diferencia? Qual a raça, cor?
4) Quais são as atitudes do seu animal de estimação?
5) Quem gosta de gato? Por quê?
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A terceira parte de nossa sequência básica é a leitura. Segundo Cosson (2014),
pode tratar-se de um acompanhamento através de uma simples conversa; de leitura de
textos com o mesmo tema; leitura conjunta de um capítulo. No nosso trabalho,
dividiremos a leitura em duas partes:
Primeira parte ou leitura inicial: utilizaremos uma das sugestões de Cosson
(2014), a da leitura de textos do mesmo tema. Passaremos à página 11 do livro, a
epígrafe, para a leitura da trova de Estêvão da Escuna, poeta popular estabelecido no
Mercado das Sete Portas, na Bahia:
O mundo só vai prestar
para nele se viver
no dia em que a gente ver
um gato maltês casar
com uma alegre andorinha
saindo os dois a voar
o noivo e sua noivinha
dom gato e dona andorinha.
(AMADO, 2008, p. 11).
Questionaremos os alunos sobre o tema do poema – o casamento de um gato e
uma andorinha –, e da possibilidade desse tema confirmar-se ou não em decorrência da
leitura do livro. Aqui, teríamos o que Cosson denomina de intervalo:
Já os intervalos, que constituem as atividades específicas, podem ser de
natureza variada. Um exemplo é a leitura de outros textos menores que
tenham alguma ligação com o texto maior, funcionando como uma
focalização sobre o tema da leitura e permitindo que se teçam
aproximações breves entre o que já foi lido e o novo texto (COSSON,
2014, p.63).
Para dar continuidade aos trabalhos, abordaremos as questões a seguir:
a) Qual o gênero do texto?
b) Por que esse texto pode ser classificado como poema?
c) Possui rimas? Quais são as palavras que rimam?
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d) Quais personagens aparecem nesse poema?
e) De acordo com o poema, o que “a gente” pode ver um dia?
f) É possível um gato casar com um pássaro? Por quê?
Segunda parte da leitura: tendo em vista que o objetivo desse trabalho é a
leitura do livro O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, tratando-se, então, de texto
longo, a leitura dos capítulos será conjunta, compartilhada em sala de aula, alternando
entre a leitura expressiva (em voz alta) feita pelo professor e pelo aluno que solicitá-la.
Com a leitura sendo desenvolvida, exploraremos o conteúdo de cada capítulo,
oferecendo “possibilidades de compreensão e intervenção”, de acordo com Cosson
(2014, p. 64). Tomemos inicialmente o capítulo intitulado Madrugada (AMADO, 2008,
p. 17 a 24). Alguns exemplos de questionamentos sobre essa parte seriam:
a) Quais são os personagens que aparecem nesse início do livro?
b) Quais as características da Manhã?
c) Qual era o trabalho da Manhã? Ela estava desempenhando seu trabalho
adequadamente? Por quê?
d) Alforje é um saco duplo usado para carregar carga no lombo de animais. No
capítulo, há uma parte que afirma: O Vento “carrega um alforje de histórias”?
Na sua opinião, o que isso significa?
e) A Manhã se atrasa a apagar as estrelas e prejudica o acordar dos bichos, que vão
se queixar ao Vento. O que o Vento faz?
f) Então, qual será a história que a Manhã contará ao Tempo?
Já no capítulo A estação da Primavera, podemos perguntar sobre as
características do Gato Malhado, uma vez que essa parte retrata-o. Por exemplo:
a) Como os outros animais o viam? O que achavam dele?
Quanto à parte que caracteriza o Gato Malhado, podemos compará-la com as do
Gato da música. Linguisticamente, ao responder aos questionamentos, com a mediação
do professor, ambos acabarão elencando as características e atitudes do personagem
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gato por meio dos adjetivos (lindo, cuidadoso, silencioso, assombrado, mal-humorado,
preguiçoso...) e verbos que aparecem no texto (passa, mudando, pisa, pega, corre...). Em
seguida, elencamos os adjetivos relacionados ao Gato Malhado (feio, mau,
preguiçoso...). Assim, o professor pode aproveitar para retomar esse conteúdo,
relacionando o sentido dos termos (adjetivo e verbo) às ações e atitudes do gato. É
possível elaborar um quadro comparativo com as características (adjetivos) do gato da
música e da narrativa e também trabalhar os questionamentos abaixo:
a) Ele tinha amigos? Por quê?
b) Quem tinha uma visão positiva sobre o Gato?
c) Reflita sobre o trecho: “Aliás, a coruja, cujas opiniões eram respeitadas devido à
sua idade (...)”. Por que a coruja era respeitada pela idade?
d) Os bichos ouviam e respeitavam a coruja, mas mesmo assim continuavam a
evitar o Gato Malhado. Por quê?
e) Além da coruja, um outro animal não tinha medo do Gato. Quem era?
As respostas estão na comprovação feita abaixo, sobre os personagens,
principalmente o Gato, no capítulo A Estação da Primavera, parágrafo 4º. Nesse
parágrafo, vemos a visão negativa que os bichos tinham do Gato e a dúvida que o
narrador impõe ao leitor em relação a essa visão, ou seja, somos levados a questionar
essa visão negativa. Veja: “Não apresentavam provas mas quem punha em dúvida a
ruindade do gatarraz?” (AMADO, 2008, p. 32). O outro animal é a coruja, cuja
simbologia de sabedoria e discurso reproduzido pelo narrador leva-nos a uma atitude
positiva ante o Gato:
Aliás, a coruja, cujas opiniões eram muito respeitadas devido à sua
idade, costumava dizer que o gato malhado não era tão mal assim,
talvez tudo isso não passasse de incompreensão geral. Os demais
ouviam, balançavam a cabeça, e, apesar do respeito que tinham à
coruja, continuavam a evitar o gato malhado (AMADO, 2008, p. 34).
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Por fim, a Vaca Mocha, cuja fala transcrita corrobora com a visão dos demais
bichos: “Coração? Quem lhe disse que ele tem coração? Quem?” (AMADO, 2008, p.
56).
Obviamente, não podemos esquecer que o professor trabalhará outros aspectos
da obra no que se refere à leitura, na parte estrutural que devem ser registrados aqui. O
texto se apresenta como uma fábula, gênero com intenção moralizante e cujos
personagens são animais personificados. Quanto aos elementos da narrativa, temos um
narrador onisciente, que sabe tudo o que acontece com os personagens, principalmente
os seus sentimentos, usando, em determinados momentos da narrativa, o discurso
indireto livre, como no exemplo: “Toda essa correria fez um certo ruído, despertando a
atenção do gato malhado. Olhou espantado, por que fugiam todos se era tão belo o
parque naquela hora da chegada da primavera?” (AMADO, 2008, p. 37)
Também podemos ver pelo excerto acima e pelo o que aparece ao longo do
texto, que o tempo verbal da narrativa é o pretérito (verbos fez, olhou...) Isso porque
trata-se de uma história que já aconteceu, contada por narradores fictícios, no capítulo
introdutório denominado Madrugada. Nesse capítulo, quem conta a história é o Vento,
que contou para a Manhã, que contou para o Tempo. Ela chega aos ouvidos do narrador,
que ouvira do Sapo Cururu, e que conta para nós, os leitores, como vemos na parte
denominada Parêntesis:
A história que a manhã contou ao tempo para ganhar a rosa azul foi a do
gato malhado e da andorinha Sinhá; ela a escutara do vento, sussurrada
com enigmática expressão e alguns suspiros – a voz plangente. Eu a
transcrevo aqui por tê-la ouvido do ilustre sapo-cururu que vive em
cima de uma pedra (...) (AMADO, 2008, p. 26).
As personagens são o gato Malhado, a andorinha Sinhá, e os bichos que viviam
no parque, que é o espaço da narrativa. São eles: os pais da andorinha, a coruja, a vaca
Mocha, o galo Dom Juan de Rhode Island, a galinha, o pato, a pata, o rouxinol, o
papagaio, o sapo cururu, a cobra cascavel, o cão dinamarquês, o pombo, a pomba, as
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árvores. E, no início, há os personagens Manhã, Vento e o Tempo. A fábula, ou melhor,
a história de amor propriamente dita, divide-se em quatro momentos distintos,
coincidindo com as estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Há a parte
denominada parêntesis. Como o nome já diz, remete a uma explicação à parte feita pelo
narrador quando este acha necessário. A linguagem é poética, uma prosa poética,
abrangente de personificação. Como exemplo dessa linguagem: “Com um beijo, a
manhã apaga cada estrela enquanto prossegue a caminhada em direção ao horizonte.
Semiadormecida, bocejando, acontece-lhe esquecer algumas sem apagar” (AMADO,
2008, p. 17).
Quanto à interpretação, Cosson (2014, p. 64) afirma que “a interpretação parte
do entretecimento dos enunciados, que constituem as inferências, para chegar à
construção do sentido do texto, dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e
comunidade”. O autor divide-a em dois momentos: um interior e outro exterior. Como
na leitura, já questionamos sobre a visão que os animais tinham a respeito do gato,
exceto a andorinha, podemos explorar na interpretação interior, a parte denominada
Parêntesis das Murmurações, em que todos os bichos externam a não-aceitação do
relacionamento do gato com a andorinha, não-aceitação esta baseada na manutenção de
um status quo vigente em nossa sociedade e no que o senso comum acredita ser
inviolável: a união da e pela diferença. Esse tipo de questionamento pode ser suscitado
no aluno, como:
a) O que os bichos pensam sobre o relacionamento do Gato e da Andorinha?
Trecho comprobatório: “Murmurava a vaca mocha no ouvido do papagaio: ‘Onde já se
viu uma coisa igual?’ (...) E o papagaio murmurava no ouvido da vaca mocha (...) E o
pombo dizia à pomba, numa murmuração: ‘Onde já se viu uma andorinha, linda
andorinha, loca andorinha, às voltas com um gato? Tem uma lei, uma velha lei, pombo
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com pomba, pato com pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato com gata (...)’”
(AMADO, 2008, p. 77).
b) Por que eles pensam assim?
c) Na nossa sociedade, há lugar para pessoas diferentes se relacionarem? Por
quê?
Como as atividades de interpretação, segundo Cosson (2014, p. 16), devem ter
como princípio a externalização da leitura e seu registro, conforme a leitura do livro for
sendo realizada, o professor, oralmente, retomará o que foi lido na aula anterior,
fazendo o registro em forma de resumo no quadro, com a ajuda dos alunos; assim,
haverá a produção coletiva de um texto. Vale ressaltar que esse resumo será feito ao
término da leitura de cada capítulo.
Essa produção, registrada no caderno, servirá depois para a escrita de outro
texto, no caso, um texto teatral. A escrita desse gênero é uma oportunidade de o
professor introduzir as suas características, como a rubrica etc.
O texto teatral produzido coletivamente tem o propósito de aliar a teoria à
prática, pois será encenado na Gincana da Leitura, projeto citado anteriormente.
CONCLUSÕES
Consideramos urgente repensar nossa prática, aprimorando-a frente aos desafios
educacionais contemporâneos, dentre eles o letramento literário. Embora a atividade
proposta tenha sido suscitada a partir de nosso contexto de aperfeiçoamento, urge
colocarmos que o objetivo de incentivar a leitura é nosso alvo constante, além de
intencionarmos desenvolver novos conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e
interacionais com a literatura, a fim de formar sujeitos que aprimorem a leitura,
dialogando cada vez mais com diversos discursos e, consequentemente, refletindo
criticamente sobre.
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REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2008.
AMADO, Jorge. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor. 1ª
edição. São Paulo: Record, 1978.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura, páginas 169-191. In: Vários Escritos.
Editora Ouro Sobre Azul, 2004.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch; VOLOCHINOV, Valentin Nikolaevich. Marxismo
e filosofia da linguagem. Tradução de Maria Emantina Galvão Gomes Pereira. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAKTHIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2ª edição. São Paulo:
Contexto. 2014.
MACHADO, Maria Clara; ROSMAM, Marta. 100 jogos dramáticos: teatro. 2ª edição.
Rio de Janeiro, Agir: 1996.
MORAES, Vinícius de. CD A Arca de Noé. Universal Music Ltda, São Paulo, 1993.