análise da presen lobo-guará chrysocyon bra estado do rio álise
TRANSCRIPT
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Análise da presenlobo-guará Chrysocyon brachyurus
estado do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Análise da presença e estratégias de conservaçãoChrysocyon brachyurus (Illiger, 1815)
estado do Rio de Janeiro.
Bernardo Eckhardt
Rio de Janeiro
2016
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
ça e estratégias de conservação do (Illiger, 1815) no
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Análise da presença e estratégias de conservação do lobo-guará Chrysocyon brachyurus
estado do Rio de Janeiro.
Aluno: Bernardo Luiz Eckhardt da Silva
Orientador: Ronaldo Gonçalves Morato
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Análise da presença e estratégias de conservação do Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815)
estado do Rio de Janeiro.
Bernardo Luiz Eckhardt da Silva
Orientador: Ronaldo Gonçalves Morato
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Ecologia Aplicada Biodiversidade em Unidades de Conservação, Escola Nacional de Botânica tropical, do Instituto de Botânico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Ecologia.
Rio de Janeiro
2016
II
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Análise da presença e estratégias de conservação do (Illiger, 1815) no
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Ecologia Aplicada Biodiversidade em Unidades de Conservação, Escola Nacional de Botânica tropical, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de
III
Análise da presença e estratégias de conservação do lobo-guará Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815) no
estado do Rio de Janeiro.
Bernardo Luiz Eckhardt da Silva
Dissertação submetida ao corpo docente da Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro – JBRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
Prof. Dr. Ronaldo Gonçalves Morato (Orientador) ____________________________
Prof. Dra. Katia Torres Ribeiro ____________________________
Prof. Dr. Eduardo Ildefonso Lardosa ____________________________
Em _____/_____/_____.
Rio de Janeiro
2016
IV
V
AGRADECIMENTOS
Ao lobo-guará pelo seu exemplo de perseverança, tolerância e paz. Um amigo que
esteve ao meu lado ao longo dessa jornada de conhecimento e inspiração.
Ao meu orientador Ronaldo Gonçalves Morato por acreditar no projeto e me
direcionar de forma muito conciliadora, objetiva e coerente. Por mudar minha forma de
enxergar o mundo e me motivar e me inspirar a seguir nos caminhos da pesquisa.
Ao amigo Rogério Cunha de Paula pela sua generosidade e inspiração, sem seu
trabalho e dedicação aos lobos essa pesquisa, simplesmente não seria possível.
À Cecilia Cronemberger de Faria pelo exemplo profissional e principalmente pelas
palavras de incentivo que determinaram meu futuro. Palavras de amizade.
À Escola Nacional de Botânica Tropical, ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
do Rio de Janeiro e ao corpo docente do mestrado profissional, em especial aos professores
Kátia Torres Ribeiro e Fernando Fernandez. Vocês mudaram minha forma de olhar e
pensar a conservação. Muito obrigado!
Aos colegas e amigos do mestrado, que são esperança para um futuro melhor. Em
especial ao Tiago Castro Silva que me auxiliou na modelagem.
Às pessoas que colaboraram diretamente para os registros de ocorrência da espécie
no âmbito da pesquisa, uma rede inicial de colaboradores e amigos do lobo-guará no
estado do Rio de Janeiro: 1° Sgt. Silvio (BPMA Cachoeiro de Itapemirim), Abelardo
Lauriggio, Alexandre Bezerra Souza (SEMA Macaé), Alexandre Rodrigues da Conceição,
Ana Cristina (Animavida), Angelo Tassi (SEMA Duas Barras), Antonio Oswaldo Camilo,
Antonio Sergio Martins Fernandes (Fazenda Santa Cecília), Bernardo Lacombe (Pousada
Paraíso), Biro-Biro (SEMA SJV Rio Preto), Bruno Baetas, Cecilia Cronemberger
(PARNASO/ICMBio), Daniella Nakad (Connecta), David Belshoff ( IBAMA), Delson de
Queiroz (Concer/Essati), Diana Levacov (Gefau/Inea), Dione Storck (Mosaico Central
Fluminense), Eduardo Treptow Ferreira, Eliana Regina Maia Gouvea (SEMA Itatiaia),
Felipe Facklan, Flavia Cristina de Almeida Cordovil Pires (INB), Flavio Gonçalves de
Souza (SEMA Porciúncula), Francisco Neto (SEMA Pirai), Giselle Mazzoni (SEMA Paty
do Alferes), Graciana (Connecta), Gustavo Tomzhinski (PARNA Itatiaia/ICMBio), Glauco
(Concer/Essati), Helena K. Hokamura (NEPAS), Heraldo (Fazenda Sucupira), Izar
VI
Aximoff, Jeferson Pires (CRAS/UNESA), João Carlos (Projeto Fauna Viva), José da
Penha (Projeto Cereias), José Eduardo Pegoraro (SEMA Cambucí), José Luiz Ferreira de
Sá (Fazenda Sucupira), Juvenal de Souza Brasil Neto (SEMA Areal), Landirlei da Silva
(SEMA Sumidouro), Lico e Jaqueline (Fazenda Pitangueiras), Lidiane Cardoso (SEMA
Areal), Karin Brandenburg (Fazenda Plenitude), Leonardo Candido (ICMBio), Luciene
Zanoline (Fazenda Plenitude), Luiz Henrique (Concer/Essati), Mara P. Pais (PARNA Serra
da Bocaina/ICMBio), Marcelo Guena de Oliveira (PARNA Serra da Bocaina/ICMBio),
Márcia Porto (ARIE Floresta da Cicuta/ICMBio), Marco Bruno Lopes (Posto Capivari),
Mariana Cordeiro (SEMA Volta Redonda), Mariana Sampaio Xavier (UFRJ), Pablo
Rodrigues Gonçalves (NUPEM-UFRJ), Paulo Pegas (Instituto Alto Montana da Serra
Fina/RPPN Alto Montana), Rafael Miranda, Rafael Puglia (REBIO Poço das
Antas/ICMBio), Raphael da Costa, Ricardo Ganem Leal e Guarda-Parques (Rebio
Araras/Inea), Santiago (Associação de Amigos do PARNA Itatiaia), Sérgio Pereira
(Laboratório de Mastozoologia, Instituto de Biologia, UFRRJ), Subtenente Martins
(CBMERJ Italva),Valter Xavier (Condomínio Santa Malha), Victor Corguinha (SEMA
Sumidouro), Virgilio Dias Ferraz (APA da Serra da Mantiqueira/ICMBio), Whitson Jose
da Costa Junior (Rebio União/ICMBio) e a todas as pessoas que ajudaram de forma
voluntária.
Ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, em especial ao
Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros - CENAP.
A todas as unidades de conservação federais e estaduais pesquisadas, em especial
ao Parque Nacional Serra dos Órgãos e a Reserva Biológica Estadual de Araras que
dedicam tempo e energia à conservação, proteção e à pesquisa da fauna silvestre.
Aos órgãos municipais e instituições diversas que colaboraram, em especial aos
amigos do Núcleo de Fauna do Ibama e CETAS de Juiz de Fora.
À equipe do GEOPEA/Inea pela colaboração técnica.
Por fim, gostaria muito de agradecer a todos os amigos e familiares, em especial os
meus pais Christina (in memorian) e Luiz Afonso, aos meus irmãos Flávia e Daniel, a
minha querida esposa Vanessa e a pessoa que mais me inspira na vida, meu filho Eric. A
família é uma rede de pessoas que se amam! Muito obrigado por tudo e mais um pouco!
VII
O JOVEM LOBO
Naquela manhã recebi um chamado. Havia um jovem lobo-guará preso em uma
espécie de galpão localizado na fazenda de uma cervejaria no município de Petrópolis.
Aparentemente ferido e debilitado, ao entrar naquele lugar, o lobo foi trancado por
funcionários da empresa que acionaram os órgãos ambientais. Por sorte do destino e nunca
por acaso, eu estava lá naquela manhã, em meus primeiros dias trabalhando em uma
unidade de conservação federal, na Área de Proteção Ambiental da Região Serrana de
Petrópolis, pela primeira vez recebendo o chamado para socorrer uma espécie ameaçada.
Não era nada comum aquele tipo de situação: um lobo-guará no estado do Rio de Janeiro.
Mas também não era a primeira vez que acontecia. Só para mim. Nesse dia começou
minha jornada junto aos lobos e se existe uma mística de que eles têm o poder de enfeitiçar
pessoas, acredito que eu também seja uma prova disso.
Não sabia por onde começar, não tinha equipamentos e ninguém da unidade quis ir
comigo. O que aparentemente era um evento importantíssimo e que necessitava de toda
ajuda, atenção e energia possível, para algumas pessoas passou despercebido. Mais tarde
eu compreenderia que por mais que algo seja importante para alguns, para outros pode não
ter importância alguma... O desafio sempre será convencer e tentar abrir olhos, mentes e
corações: inspirar pessoas! E temos um longo caminho a seguir se resgatar um lobo-guará
não é por si só inspirador... Levei o que eu tinha: a pick-up da unidade, uma máquina
fotográfica e meu coração.
Chegando ao local, me encontrei com a equipe da Reserva Biológica Estadual de
Araras, representantes da sociedade civil organizada, médicos veterinários e voluntários. A
ação de resgate foi liderada pelo Felipe, um dos poucos médicos veterinários que atendem
animais silvestres na região. O jovem lobo estava ferido e muito debilitado, por horas
ficara deitado quase que imóvel. Era um animal que já tinha sido avistado diversas vezes
por funcionários e vigilantes da fazenda. De acordo com os relatos, um dia o lobo se
enroscou em uma cerca de arame farpado e na tentativa de se ver livre acabou se ferindo.
Ele ficou por alguns dias vagando com dor até ser vencido pela infecção.
O resgate havia começado. O animal foi sedado, mas no início achei que não era
necessário. Por precaução e segurança, uma corda foi envolta no seu pescoço, para conter
qualquer extinto de sobrevivência capaz de ferir. Talvez fosse só o caso de dizer ao lobo
que estávamos tentando ajudar e tudo ficaria bem. No entanto, após a injeção, feita com
VIII
elasticidade pelo Felipe e sua companheira também veterinária, com a corda no pescoço o
jovem lobo-guará ficou em pé, deixando todos impressionados com sua altura e sua
pelagem alaranjada que brilhava sob o sol. Eram diferentes pessoas, profissionais ou
curiosos, que nunca tinham visto um animal daqueles ao vivo e em cores, inclusive eu. Foi
algo realmente surpreendente.
Após adormecer, ele foi colocado no soro fisiológico e em uma caixa de transportes
que havia sido emprestada pela Sônia, uma voluntária. Infelizmente, nenhum órgão
ambiental ou instituição naquele dia tinha uma caixa para transportar um lobo-guará. Até
esse momento eu tinha usado a máquina fotográfica, era hora de utilizar a pick-up. Nós
colocamos o lobo na caçamba e como não tinha suporte para o soro fisiológico, um bravo
guarda-parque da Rebio serviu. Ele foi do início ao fim do longo trajeto segurando a
hidratação, literalmente, no braço forte. No caminho também faltou sirene e luz
giroscópica, afinal era um paciente ilustre que precisava de socorro rápido e estava sendo
transportado naquela ambulância improvisada. No engarrafamento, alguns curiosos
perguntavam que bicho era aquele dentro da caixa: “É uma onça? – alguém perguntou. E o
guarda-parque segurando o soro respondeu: “Não! É um lobo-guará!!!”
Tudo havia sido planejado antes, destino, quem iria arcar com os custos, quem iria
capturar e sedar o animal, quem o levaria e para onde. Muitas pessoas, algumas
instituições, voluntários, trabalhando juntos em uma ação bem sucedida de resgate de
fauna silvestre. Eu iria descobrir que ações como essa são difíceis de acontecer, mas
animais silvestres têm o poder de unir as pessoas.
Chegamos à clínica veterinária, que ficava do outro lado da cidade, a essa altura o
sol estava se pondo: céu alaranjado para o negro, como um lobo-guará. Colocamos o lobo
sedado em uma manta e o levamos para o raio-x. Já era noite e também era preciso saber a
extensão da lesão. Aparentemente era algo grave, um inchaço incomum na parte negra da
fina perna do guará, seu joelho não estava no lugar. O guarda-parque e eu ajudamos no
procedimento, virando, contendo e confortando o lobo, enquanto os veterinários faziam o
trabalho duro da melhor e mais rápida forma possível.
Em algum momento ficamos sozinhos, eu e o jovem lobo. Olhei em seus olhos e
recebi sua energia, ele falava comigo sem emitir qualquer som, me contava uma história,
algo passado de geração para geração, nos detalhes sutis da aventura evolutiva da sua
espécie. Um lobo que não é lobo, que não forma alcatéia, quase sempre solitário, mas que
IX
sabe o valor da família, que adora comer frutas! Que conquista seu espaço na natureza se
adaptando, sem a agressividade culturalmente atribuída aos lobos em geral. Um lobo-bom!
Aquele lobo persistia como tantos outros da sua espécie e apesar de ser um jovem
carregava essa sabedoria. Naquela sala de raio-x o coração que eu tinha levado bateu mais
forte, e eu fui enfeitiçado pelo jovem lobo... Naquele dia eu cheguei em casa muito tarde,
no entanto, muito feliz em ter vivido aquele resgate. Minha noite de sono seria
reconfortante e tranqüila, diferente do lobo que teria uma cirurgia difícil pela frente.
A lesão era muito grave, houve um consenso entre os médicos veterinários de que o
membro posterior esquerdo deveria ser removido completamente. E assim aconteceu...
Mas o lobo persistiu e uma semana depois eu tive que translocá-lo para outro lugar, porque
sua natureza selvagem já não cabia dentro de uma clínica veterinária tradicional.
Antes disso entrei em contato com o Rogério, um dos maiores pesquisadores e
admiradores da espécie, uma pessoa iluminada que de forma muito generosa me ajudou e
me inspirou de várias formas, naquele caso ele encontraria um destino para o guará
que seria então encaminhado para o único criadouro conservacionista da espécie no estado
do Rio de Janeiro. Até lá o animal permaneceria alguns dias no Centro de Triagem de
Animais Silvestre em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde ficou sob os cuidados do André,
analista dedicado e amigo e do simpático tratador de animais Pinguim. Houve um consenso
de que o jovem lobo não teria condições de retornar à natureza. Ainda hoje me pergunto:
será que não? Mas o jovem lobo, muito mais do que todos nós, sabia bem qual seria o seu
destino.
Após alguns dias eu estaria dirigindo novamente a mesma pick-up, novamente com
o jovem lobo sedado dentro de uma caixa de transporte emprestada. Só que agora o lobo
iria para o cativeiro. A viagem foi difícil, mais longa e quente do que imaginávamos.
Quem me acompanhou foi a Ana, uma pessoa que dedicava seu tempo a defender a fauna
de forma voluntária e que vinha acompanhando a história desde o início. O sedativo não
foi suficiente e na metade do caminho, o jovem lobo acordou. Era possível escutar a sua
tentativa de fugir da caixa. O calor aumentava e nessa hora percebi a importância da
estrutura que não tínhamos. Preocupados, nós paramos a pick-up e recorremos novamente
à ajuda de voluntários. Com uma mangueira nós molhamos e hidratamos o guará.
Chegamos ao nosso destino e fomos recebidos pela Nina. O lobo estava bem,
observando tudo, agora quieto. Ele ainda seria carregado por uma trilha no meio da mata
X
até o viveiro onde seria colocado. Um espaço relativamente pequeno, porém cercado de
verde e na companhia de uma loba, só que em recintos diferentes. A ideia era que no futuro
os dois pudessem conviver na união dos espaços. O lobo não demorou muito para sair da
caixa de transporte, fui eu mesmo que abri a porta para que ele pudesse ganhar sua relativa
liberdade. Afinal ele saia de uma caixa para entrar em outra um pouco maior. E logo
pudemos ver o jovem lobo dar uma espiada ao seu redor e andar com três pernas, muito
pouco tempo depois da cirurgia.
Foi assim que o vi pela primeira ultima vez: na companhia de uma loba, separados
por uma grade, próximos um do outro, próximos de um encontro, distantes da natureza
selvagem. Mas bem cuidados pela mulher. Eu ainda não sabia, mas teria outras histórias de
lobo para viver. Em muitas dessas histórias, os lobos não resistiram como o jovem lobo
resistiu mostrando sua coragem e sua persistência, apesar de todos possuírem tais
qualidades. Ele clara e diretamente me mandou uma mensagem naqueles eventos e
cobrava, na minha partida e com seus olhos a sua resposta. Certamente eu voltaria a
encontrá-lo anos depois trazendo comigo e para ele, algumas palavras.
XI
RESUMO
No Brasil, Chrysocyon brachyurus ocorre principalmente no bioma Cerrado. No entanto,
devido, principalmente, à degradação de seus ambientes naturais, a espécie têm sido
registrada também em paisagens alteradas do bioma Mata Atlântica, em especial no estado
do Rio de Janeiro. O presente estudo reuniu registros de ocorrência dos últimos 10 anos e
analisou a presença da espécie no estado fluminense. Adicionalmente, realizou a
modelagem preditiva de distribuição da espécie e identificou áreas prioritárias para ações
diretas e indiretas relacionadas à conservação da mesma. Ao todo foram reunidos 70
registros de ocorrência de lobos-guarás dentro ou próximos dos limites geográficos do
estado. A grande maioria (86.56%) estava localizada em áreas consideradas de pastagem;
61.42% foram realizados por meio de fotografia ou vídeo; e 17.14% dos lobos foram
registros de atropelamento. De acordo com os dados, os atropelamentos são a maior
ameaça à espécie no estado, representando 75% dos óbitos observados. Outros fatores, em
especial os relacionados a conflitos ou à proximidade com populações humanas e animais
domésticos, também são preocupantes. Os registros de ocorrência serviram de base para a
modelagem preditiva de distribuição da espécie que mostrou áreas com adequabilidade
ambiental em aproximadamente 38% do estado. Grandes remanescentes florestais
preservados de Mata Atlântica, principalmente nas Serras dos Órgãos e da Bocaina, são
também limites de dispersão para os lobos. Adicionalmente, a distribuição da espécie
acontece em regiões com boa disponibilidade hídrica o que pode facilitar a permanência de
indivíduos e populações. Muitas unidades de conservação federais e estaduais estão
inseridas em áreas adequadas para a espécie, no entanto as áreas com maior grau de
adequabilidade ambiental não estão protegidas. Nesse sentido, as unidades precisam
trabalhar em rede, utilizando-se de estratégias diferenciadas para que possam contribuir
para a conservação do lobo-guará no estado. Entre os conflitos territoriais observados pela
modelagem, destacam-se a interseção das áreas adequadas para a espécie com áreas
urbanas, rodovias e áreas de agricultura. Entre os principais resultados deste estudo
destacam-se o resgate e a documentação da história da espécie no estado do Rio de Janeiro;
a identificação de áreas prioritárias para ações diretas e indiretas relacionadas à
conservação dos lobos; e as possibilidades de envolvimento da sociedade nessas ações.
Palavras-chave: conservação de fauna, Chrysocyon brachyurus, conservação do lobo-
guará, distribuição do lobo-guará, Rio de Janeiro (estado), Mata Atlântica.
XII
ABSTRACT
In Brazil, Chrysocyon brachyurus occurs mainly in the Cerrado biome. However, mainly
due to the degradation and loss of their natural habitat, the species have also been recorded
in altered landscapes in the Atlantic Forest biome, particularly in the state of Rio de
Janeiro. This study gathered occurrence records of the last 10 years and analyzed the
presence of the species in Rio de Janeiro state. Additionally, this study held species
distribution predictive modelling and identified priority areas for direct and indirect actions
to species conservation. In total, the study gathered 70 maned wolves records in or close to
the border of Rio de Janeiro state. The vast majority (86.56%) were located in pastureland
areas; 61.42% were photographic or video records; and 17.14% were records of maned
wolves killed or injured on roads by vehicles. According to the data, the road kills are the
biggest threat to the species in the state, accounting for 75% of observed deaths. Other
factors especially those related to conflicts or proximity to human populations and
domestic animals are also worrying. The records were the basis for species distribution
predictive modelling that showed areas with environmental suitability in approximately
38% of the state. Large preserved forest remnants of Atlantic Forest, especially on the
Serra dos Órgãos and Bocaina, are also dispersal limits to the wolves. In addition, the
distribution of the species occurs in areas with good water availability which can ease the
permanence of individuals and populations. Many national and state parks and other
categories of protected areas are located in areas suitable for the species, but the areas with
the highest degree of habitat suitability are not protected. For this reason, parks and other
protected areas need to work together making use of different strategies and network so
that they can contribute to the conservation of the maned wolf in the state. The intersection
of the suitable areas for the species to urban areas, roads and agricultural areas are the main
land conflicts observed by species distribution predictive modelling. The history research
and documentation of the maned wolf in the state of Rio de Janeiro and in altered
landscapes in the Atlantic Forest biome; the identification of priority areas for direct and
indirect actions to conservation of the species; and the opportunities of involvement of the
society in such actions are the main results of this study.
Keywords: wildlife conservation, Chrysocyon brachyurus, maned wolf conservation,
maned wolf distribution, Rio de Janeiro (state), Atlantic Forest.
XIII
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
O JOVEM LOBO
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO GERAL
1. Espécie
1.1. Chrysocyon brachyurus
1.2. Influências ambientais e climáticas na distribuição de Chrysocyon brachyurus
1.3. Status de conservação
1.4. Principais ameaças
1.5. Ações de Conservação
2. A presença de Chrysocyon brachyurus em áreas alteradas do bioma Mata Atlântica e no
estado do Rio de Janeiro.
2.1. Histórico de devastação da Mata Atlântica
2.2. Alterações nos habitats naturais e expansão da distribuição de Chrysocyon brachyurus para
ambientes alterados do bioma Mata Atlântica
2.3. O estado do Rio de Janeiro no contexto da Mata Atlântica e a presença de Chrysocyon
brachyurus no estado do Rio de Janeiro
3. Registros de ocorrência e modelagem preditiva da distribuição de Chrysocyon brachyurus:
caminhos para a compreensão da presença da espécie no estado do Rio de Janeiro.
4. Objetivos da dissertação
4.1. Objetivo geral
4.2 Objetivos específicos
5. Área de estudo
5.1. Estado do Rio de Janeiro
5.2. Mata Atlântica
V
VII
XI
XII
XIII
1
2
2
4
6
6
7
7
7
8
10
13
15
15
15
15
15
17
XIV
CAPÍTULO 1 - Registros de ocorrência da espécie Chrysocyon brachyurus no
estado do Rio de Janeiro no período de 2004 a 2014: análises e sistematização
dos dados.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esforço de pesquisa
Histórico de ocorrências de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro
Análise e sistematização dos registros de ocorrência da espécie
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPÍTULO 2 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie Chrysocyon
brachyurus no estado do Rio de Janeiro.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Tratamento dos pontos de ocorrência
Tratamento e escolha das variáveis ambientais
Escolha do algoritmo de modelagem
Modelagem
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Modelo de distribuição da espécie Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro
Percentual do território estadual com áreas ambientalmente adequadas para a espécie
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e Regiões Administrativas e Municípios
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e o Uso e Cobertura do Solo
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e remanescentes de Mata Atlântica
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e Unidades de Conservação
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e hidrografia
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e a Malha Viária
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e outras unidades da federação
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
18
19
20
22
22
24
33
41
43
44
46
46
47
48
49
51
51
52
52
54
55
56
58
59
60
61
XV
DISCUSSÃO GERAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Anexo 1
65
74
74
78
1
INTRODUÇÃO GERAL
Imagem: Bernardo Eckhardt
2
1. Espécie
1.1. Chrysocyon brachyurus
Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815) conhecido no Brasil como lobo-guará
(Figura 1), é um canídeo silvestre de grande porte, o mais alto do mundo. Está presente em
diversas regiões do continente Sul-Americano, habitando áreas de outros cinco países:
Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru e Uruguai (Paula & Gambarini, 2013). No Brasil,
Chrysocyon brachyurus ocorre principalmente nos biomas Cerrado e Pampa (Paula et al.
2013), sendo registrado também no Pantanal, em áreas de transição do Cerrado com a
Amazônia e Caatinga e recentemente em partes não florestadas do bioma Mata Atlântica,
inclusive no estado do Rio de Janeiro. A espécie é territorialista e sua área de vida pode
variar de 10 a 115 km² (Paula et al. 2013). Vive, preferencialmente, em habitats abertos,
como campos, cerrados e veredas e campos úmidos (Rodden et al. 2004).
Figura 1 - Chrysocyon brachyurus (Lobo-Guará). Imagem: Adriano Gambarini.
Os lobos têm em média 80 cm de altura de cernelha, podendo chegar até 90 cm,
pesando entre 20 e 33 kg (Paula & Gambarini, 2013). O lobo-guará adulto possui uma cor
laranja-avermelhado, que à luz do sol pode parecer dourada (Paula & Gambarini, 2013),
com uma crina negra, mesma cor das patas até uma determinada altura. Suas grandes
3
orelhas, brancas por dentro, combinam com sua garganta também branca fazendo o seu
focinho negro parecer relativamente curto e fino. Sua calda também é parcialmente branca
e parece curta por causa das longas patas que a afastam do chão. Paula & Gambarini
(2013) lembram que apesar de sua aparência o lobo-guará na verdade não é um lobo,
também não tem relação com as raposas, coiotes ou outro grande canídeo conhecido, sendo
o seu parente evolutivo mais próximo, o cachorro-do-mato-vinagre (Speothos venaticus),
que diferente do lobo-guará ocupou áreas florestais ou de vegetação mais densa,
principalmente na Amazônia e na Mata Atlântica.
O lobo-guará é onívoro generalista e oportunista (Paula et al. 2013), se alimenta de
pequenos vertebrados, em especial roedores, e principalmente de frutas e plantas (Paula et
al. 2013; Motta-Junior et al. 2014), com destaque para a fruta-do-lobo ou lobeira (Solanum
Lycocarpum). A relação com essa fruta confere a ambas as espécies vantagens de
adaptação em diferentes ambientes e possibilidades de ampliação de suas áreas de
ocorrência. Com efeito, estudos indicam que frutas e plantas têm grande importância na
dieta dos lobos, correspondendo em média a 50% dos itens consumidos (Motta-Junior et
al. 2014). Essa característica confere ao guará um grande potencial de dispersão de
sementes que o apelidaram de o “agricultor do Cerrado” (Paula & Gambarini, 2013). Ao
revisar a ecologia alimentar da espécie, Motta-Junior et al. (2014) destacam que os lobos
não são apenas legítimos dispersores de frutas e outras plantas de habitats abertos, mas
também são eficientes, uma vez que na maior parte das vezes defecam em locais abertos
adequados para a germinação das sementes e estabelecimento de plântulas. Segundo Paula
& Gambarini (2013) o lobo-guará participa da recomposição de campos degradados e até
mesmo de florestas ciliares.
Os lobos são animais solitários na maior parte do ano, no entanto a unidade social é
o casal (Dietz, 1984; Melo et al. 2007; Paula & Gambarini, 2013). O lobo-guará é
monogâmico facultativo (Dietz, 1984; Rodden et al. 2008), macho e fêmea ficam juntos na
época reprodutiva e durante alguns meses com os filhotes (Paula & Gambarini, 2013). O
ciclo reprodutivo, segundo Paula & Gambarini (2013), começa com o acasalamento nos
meses de março a junho e o nascimento dos filhotes acontece de maio a agosto, prazo que
pode ser estendido em casos de acasalamentos tardios. A gestação dura aproximadamente
60 a 65 dias, nascendo de 1 a 5 filhotes (Paula et al. 2013). A amamentação ocorre até os
quatro primeiros meses de vida e a partir daí, até o décimo mês, a alimentação é ofertada
por meio da regurgitação (Paula et al. 2013). Estudos recentes indicam que além do pai e
4
da mãe, os filhotes podem receber os cuidados de uma irmã ou irmão mais velho que ainda
não tenha se dispersado (Melo et al. 2007; Emmons, 2012). A dispersão acontece a partir
de 1 ano e meio de vida indo até os 2 anos em média (Paula & Gambarini, 2013). Os
indivíduos jovens dispersam para as vizinhanças ou para longe e estabelecem sua própria
área de uso (Paula & Gambarini, 2013).
1.2. Influências ambientais e climáticas na distribuição de Chrysocyon brachyurus
Songsasen et al. (2014) analisam que o ciclo de reprodução dos lobos (Figura 2)
pode estar associado ao período de luz do dia. Um dos argumentos utilizados é de que
existe uma diferença de 6 (seis) meses na reprodução de indivíduos no hemisfério Sul em
relação aos indivíduos em cativeiro no hemisfério Norte. A espécie geralmente é mais
ativa ao entardecer, noite e amanhecer (Paula & Gambarini, 2013), no entanto há estudos
indicando que esse padrão está também associado à umidade relativa do ar e à temperatura
ambiente (Paula et al. 2013).
Figura 2 - Ciclo de reprodução e dispersão de Chrysocyon brachyurus no hemisfério Sul, sistematizado de Paula & Gambarini (2013) e sobreposição com as estações do ano.
De fato, a ecologia e o comportamento da espécie estão sujeitos a influências
ambientais ou climáticas. Emmons (2014) estudou os lobos no Parque Nacional Noel
Kempff Mercado, localizado na província José Miguel de Velasco, Santa Cruz, Bolívia,
perto da fronteira com o Brasil. A autora mostrou, por meio do monitoramento dos lobos
por GPS (telemetria), que a atividade deles é principalmente noturna na estação seca, mas
5
parcialmente diurna nos meses de chuva. Considerando 24 horas do dia, o estudo mostrou
que os lobos se deslocam aproximadamente 14 km no período noturno dos meses mais
secos contra 7 km nos meses chuvosos, apresentando uma média de 14,6 e 12 horas de
atividade, respectivamente. Segundo a autora os lobos andam durante o dia, na época seca,
em busca de locais com disponibilidade de água. Emmons (2014) analisa que a escassez da
água pode forçar o aumento da área de vida do lobo-guará, exatamente no sentido de
incluí-la em seu território, especialmente no caso de fêmeas em período de lactação, em
que o stress aumenta em função das necessidades metabólicas do organismo. Em relação
ao calor, o estudo mostrou que a atividade dos lobos diminui com temperaturas maiores do
que 27°C e quase zera com temperaturas acima de 30°C. A disponibilidade de água
associada à temperatura ambiente, à estação do ano, a eventos climáticos ou a processos de
degradação dos ecossistemas, influenciaria no tamanho da área de vida do lobo-guará.
Como consequência, o padrão de atividade e os deslocamentos da espécie também seriam
afetados.
As mudanças nas variáveis climáticas de temperatura e precipitação também podem
ser determinantes para os níveis de produtividade dentro da cadeia trófica que dá suporte
aos lobos (Emmons, 2014). Nesse sentido, a autora destaca que nas savanas da Bolívia:
“De todas as ameaças futuras para os lobos-guarás, as secas prolongadas, causadas pelo
desmatamento ou pelas alterações climáticas, podem ser as mais graves, uma vez que
prejudicam todos os recursos alimentares dos lobos, promovem incêndios excessivos e,
talvez, contribuam para o aumento da susceptibilidade a doenças, mesmo em animais
dentro de unidades de conservação distantes da agroindústria.” (Emmons, 2014; tradução livre)
Por outro lado, esses processos associados a dinâmicas climáticas e territoriais
podem fazer com que os lobos, além de aumentarem sua área de vida, se desloquem para
outras áreas, o que ajudaria a justificar a atual presença da espécie em outros biomas. A
Mata Atlântica, por exemplo, embora degradada, possui um cenário hídrico confortável e
com uma provável disponibilidade de recursos alimentares, principalmente no interior do
estado do Rio de Janeiro. Utilizando a logística reversa do pensamento de Emmons (2014),
a boa disponibilidade hídrica e alimentar de algumas regiões, como por exemplo, do
interior do estado fluminense, poderiam fazer com que os lobos precisassem de uma área
menor para viver, ajudando na adaptação da espécie em ambientes relativamente alterados
da Mata Atlântica.
6
1.3. Status de conservação
A espécie Chrysocyon brachyurus é considerada ameaçada, com risco de extinção
considerado Vulnerável (VU) A3c;E, pela avaliação nacional do estado de conservação da
espécie (Paula et al. 2013) que subsidiou a atualização do “Livro Vermelho da Fauna
Brasileira Ameaçada de Extinção” (Chiarello et al. 2008) por meio da Portaria do
Ministério do Meio Ambiente n°444, de 17 de dezembro de 2014. A espécie é considerada
quase ameaçada, Near Threatened (NT), pela classificação internacional da Red List -
International Union for Conservation of Nature - IUCN (2008). A espécie também está
incluída no Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e
Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES, que o Brasil é signatário desde 1975.
1.4. Principais ameaças
Dentre as principais ameaças à espécie destacam-se a redução da capacidade de
suporte em função da perda de habitat, perda de indivíduos devido a conflitos com
humanos e a mortalidade devida aos atropelamentos (Paula et al. 2013). Paula et al. (2008)
analisam que o processo adaptativo de organismos visando à sobrevivência no contexto da
perda de habitat, como acontece com os lobos, pode resultar em alterações na dinâmica
natural da espécie, como por exemplo, nos padrões de dispersão e nos ciclos reprodutivos.
O contato direto com populações humanas também teria impactos na ecologia e no
comportamento dos lobos. Já os atropelamentos, que afetam na maioria das vezes
indivíduos jovens em fase de dispersão (Paula et al. 2013), assim como a perda de habitat,
são também grandes ameaças para pequenas populações. Em algumas localidades estima-
se que eles sejam responsáveis pela morte de um terço à metade da produção anual de
filhotes (Rodrigues, 2002). Além dos atropelamentos, a caça, o comércio ilegal e a
domesticação do lobo-guará representam perdas não naturais de dimensões ainda
desconhecidas (Paula et al. 2008). A contaminação epidemiológica de patógenos advindos
do contato com populações humanas e animais domésticos, principalmente cães (Canis
familiares) (Lacerda et al. 2009) e os conflitos relacionados à predação de animais
domésticos em comunidades rurais, também são ameaças preocupantes, mas de potencial
também ainda pouco avaliado (Paula et al. 2008; Paula et al. 2013). Em relação a cães
domésticos, Lacerda et al. (2009) estudaram o conflito com lobos-guarás no Parque
Nacional de Brasília, no Distrito Federal. Nessa unidade de conservação existem relatos de
perseguições de cães a indivíduos da espécie nativa e por esse e outros motivos, segundo o
7
estudo, aparentemente os lobos evitam áreas onde é notória a presença da espécie exótica
invasora. A competição por recursos alimentares e território certamente direcionam os
lobos para áreas muitas vezes não adequadas. Paula et al (2008) ainda destacam a falta de
políticas públicas voltadas à proteção dos biomas onde a espécie ocorre e a falta de suporte
aos projetos direcionados à conservação dos lobos, principalmente às pesquisas científicas
e iniciativas de educação ambiental.
1.5. Ações de Conservação
No Brasil, a principal iniciativa ou ferramenta para a conservação da espécie é o Plano de
Ação Nacional para a Conservação do Lobo-Guará - PAN Lobo-Guará, elaborado pelo
Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros – CENAP,
vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio. No
âmbito da revisão desse plano de ação, definiu-se como o objetivo principal para a
conservação da espécie, em curto prazo, a redução das perdas de indivíduos decorrentes da
degradação e alteração de habitats adequados e por conflitos com atividades antrópicas.
Para isso o PAN Lobo-Guará pretende promover a integração de diferentes atores, desde
instituições de pesquisa e sociedade civil; caracterizar, avaliar e fazer a gestão do impacto
de alterações ambientais sobre as populações de lobos; aumentar a efetividade da educação
para a conservação da espécie; e reduzir conflitos humanos (Paula et al. 2013). Entre as
pesquisas prioritárias para espécie destacam-se: análises da área de vida, do uso de habitats
e padrões de dispersão de lobos-guarás que ocupam áreas de íntimo contato com a
população humana ou sob influências de atividades antrópicas; análise quantitativa e
qualitativa dos conflitos entre lobos-guarás e a população humana; e a avaliação da
adequabilidade ambiental dos biomas de ocorrência da espécie (Paula et al. 2013).
2. A presença de Chrysocyon brachyurus em áreas alteradas do bioma
Mata Atlântica e no estado do Rio de Janeiro.
2.1. Histórico de devastação da Mata Atlântica
“A devastação da Mata Atlântica é um reflexo direto da exploração desordenada de seus
recursos naturais, principalmente madeireiros, e da sua ocupação (Barbosa, 2006; Dean,
1996), o que resultou em milhões de hectares de áreas desflorestadas convertidas em
pastagens, lavouras e centros urbanos (Myers et al. 2000; Galindo Leal & Câmara, 2003).
Devido aos sucessivos ciclos de uso do solo e também à pressão pelo crescimento
populacional, grande parte das regiões tropicais apresenta sua cobertura florestal nativa
altamente fragmentada e/ou restrita a pequenas porções de terra (Barbosa & Mantovani,
8
2000; Dean, 1996; Rodrigues & Gandolfi, 2004). (...)Desde as primeiras etapas da
colonização do Brasil, a Mata Atlântica tem passado por uma série de surtos de conversão
de florestas naturais para outros usos, cujo resultado final observa-se nas paisagens hoje
fortemente dominadas pelo homem. A região foi tradicionalmente a principal fonte de
produtos agrícolas, e atualmente abriga os maiores pólos industriais, silviculturais e
canavieiros, além dos mais importantes aglomerados urbanos do Brasil. A maior parte dos
ecossistemas naturais foi eliminada ao longo de diversos ciclos desenvolvimentistas,
resultando na destruição de habitats extremamente ricos em recursos biológicos. A
dinâmica da destruição foi mais acentuada durante as últimas três décadas do século XX,
resultando em alterações severas para os ecossistemas que compõem esse bioma,
especialmente pela alta fragmentação do habitat, com consequente redução e pressão
sobre sua biodiversidade (Pinto et al. 2006). Por isso a vasta maioria dos animais e
plantas ameaçadas de extinção do Brasil são formas representadas nesse bioma, e das oito
espécies brasileiras consideradas extintas ou extintas na natureza, seis encontravam-se
distribuídas na Mata Atlântica (Paglia et al. 2008), além de várias outras espécies
exterminadas localmente ou regionalmente” (Instituto BioAtlântica, 2009).
Após diversos ciclos de uso e ocupação exploratórios da floresta, como a
mineração, as monoculturas e a pecuária, na primeira metade do século XX o crescimento
da população humana acelerou a destruição da Mata Atlântica (Dean, 1996). Já na segunda
metade do século, em um cenário de pós-guerra mundial, a idéia de desenvolvimento
econômico surgiu estimulando o acumulo de capital, a industrialização e a urbanização que
acentuaram ainda mais a pressão sobre a floresta (Dean, 1996). Segundo o autor, os
estados da região sudeste, inseridos no bioma Mata Atlântica, e principalmente as grandes
cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro receberam os principais
investimentos de corporações multinacionais e estatais. No início da década de 70, a
população da região da Mata Atlântica se elevava em dezenas de milhões de pessoas. O
desenvolvimento econômico e o crescimento populacional nas últimas três décadas
continuariam a pressionar os remanescentes preservados da Mata Atlântica, em um
processo que perdura até os dias atuais.
2.2. Alterações nos habitats naturais e expansão da distribuição de Chrysocyon
brachyurus para ambientes alterados do bioma Mata Atlântica
A segunda metade do século XX é marcada também pela destruição de outro
bioma, onde o lobo-guará ocorre predominantemente, o Cerrado. Principalmente pela
conversão da vegetação nativa em áreas agrícolas, com destaque para o cultivo da soja, e
áreas de pastagem. De acordo com Klink (2014), de 1970 a 1995, essas áreas dentro do
bioma Cerrado cresceram 250% e 520%, respectivamente.
9
Adicionalmente, nos últimos anos, a área de distribuição geográfica de Chrysocyon
brachyurus vem sofrendo alterações, com a diminuição de áreas no Pampa e no Cerrado e
a expansão em outras regiões (Figura 3).
Figura 3 - Distribuição geográfica de Chrysocyon brachyurus (Paula et al. 2013) e sobreposição com os limites geográficos dos biomas do Brasil.
O Cerrado, onde a espécie ocorre predominantemente, teve uma área desmatada
estimada em 983.348Km², ou seja, 48.2% de sua cobertura vegetal, sendo historicamente o
bioma mais alterado pela ocupação antrópica, depois da Mata Atlântica (MMA & Ibama,
2011). No entanto, Klink (2014) alerta que mais de 50%, ou cerca de 1.000.000 km², do
bioma foram convertidos para áreas de pastagem, para o agronegócio ou para outros tipos
de uso até 2014. O Cerrado possui apenas 7,44% de sua área protegida por unidades de
conservação, federais, estaduais e municipais. No entanto, desse pequeno total, apenas
2,91% estão protegidos na forma de unidades de conservação de proteção integral
(Campanili, M. & Schaffer, W.B., 2010). Nesse contexto, poucas são as unidades de
conservação federais que se destacam pela manutenção de populações de lobos-guarás,
entre elas o Parque Nacional Serra da Canastra e o Parque Nacional das Emas (Paula &
Gambarini, 2013). Já em relação ao Pampa, considerando a área total do bioma de
177.767,19Km², até o ano de 2009, 64,2% da cobertura vegetal também tinha sido
destruída e convertida para outros tipos de uso (MMA & Ibama, 2011).
10
De acordo com Paula et al. (2008), entre as principais causas das mudanças na
distribuição da espécie estariam, exatamente, a retração dos campos sulinos devido à perda
de elementos-chave da paisagem original, a degradação acelerada do Cerrado e a
substituição de floresta atlântica e floresta amazônica por áreas abertas e alteradas por
atividades humanas (Figura 4).
Figura 4 – Percentual de áreas desmatadas nos biomas Cerrado, Pampa e Mata Atlântica e as mudanças na distribuição de Chrysocyon brachyurus.
A rápida degradação do Cerrado e do Pampa, que ameaça a sobrevivência do lobo-
guará, estaria também forçando o deslocamento deles para o bioma mais degradado do
Brasil. Na Mata Atlântica, por sua vez, a espécie estaria encontrando oportunidades para a
permanência de indivíduos e até populações. De fato, Queirolo et al (2011) explicam que o
lobo-guará tem expandido sua distribuição para regiões originalmente ocupadas por
floresta atlântica que com o desmatamento, se tornaram áreas abertas, ambientes mais
apropriados para a espécie. Paula et al. (2013) analisam que as ocorrências de lobos têm
aumentado em áreas extensamente alteradas para cultivo e pastagem, principalmente nos
estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Para Paula & Gambarini
(2013) os registros de Chrysocyon brachyurus em regiões de Mata Atlântica, também
estariam associados a alterações nos habitats naturais da espécie. Os autores analizaram
que a degradação da Mata Atlântica, proporciona um ambiente aberto não florestal que se
apresenta como uma alternativa para recolonização, segundo eles “uma expansão de seus
limites de ocupação após uma severa redução” que poderia representar “um passo da
espécie rumo à sua evolução ou um último suspiro na tentativa de evitar um declínio e
extinção”.
2.3. O estado do Rio de Janeiro no contexto da Mata Atlântica e a presença de
Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro
O estado fluminense presenciou a devastação da Mata Atlântica em diferentes
ciclos históricos e econômicos. Com destaque para o cultivo do café no século XIX que
11
induziu o crescimento demográfico, a urbanização, a industrialização e a implantação de
ferrovias (Dean, 1996). De acordo com o autor as florestas primárias do estado do Rio de
Janeiro eram completamente destruídas na preparação para o plantio: “O café avançou,
portanto, pelas terras altas, de geração para geração, nada deixando em seu rastro além
de montanhas desnudadas”. Ainda hoje é possível observar os impactos do cultivo do
café, principalmente nas regiões do Médio-Paraíba e Centro Sul Fluminense.
Figura 5 - Remanescentes de Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro (SOMA, 2012).
O desenvolvimento econômico e o crescimento populacional continuaram a
pressionar a floresta ao longo do tempo. O processo de devastação da Mata Atlântica no
estado do Rio de Janeiro, só seria contido, apenas e de forma relativa, pelo conjunto de
unidades de conservação, federais e estaduais, criadas nas últimas décadas. De fato, o
estado possui importantes remanescentes florestais, principalmente sobre as vertentes das
cadeias montanhosas da Serra do Mar, com destaque para a Serra dos Órgãos, Serra da
Bocaina e o Maciço de Itatiaia, sendo que boa parte deles estão inseridos em unidades de
conservação, federais e estaduais, incluindo nessa conta as Reservas Particulares do
Patrimônio Natural – RPPN.
Atualmente o estado do Rio de Janeiro tem 30,7% (Figura 5) ou cerca de 13.000
km² de sua vegetação original (SOMA, 2015), o que representa aproximadamente, em uma
análise conservadora, 5.29% da vegetação remanescente de todo o bioma Mata Atlântica,
12
utilizando para essa conclusão os 22,23% de cobertura vegetal (em todos os estágios de
regeneração), apontados pelo Ministério do Meio Ambiente em 2012. Considerando os
dados da SOMA (2012), esse percentual seria de aproximadamente 14%. Por outro lado,
de acordo com o mapeamento do uso e cobertura do solo do estado do Rio de Janeiro, na
escala de 1:100.000 elaborado pelo órgão ambiental estadual, aproximadamente 58% do
território estão classificados como pastagem (Inea, 2012).
Figura 6 - Paisagem alterada do bioma Mata Atlântica em Paty do Alferes, RJ. Imagem: Bernardo Eckhardt.
No estado do Rio de Janeiro, a paisagem fragmentada e alterada do bioma Mata
Atlântica serve de refúgio para os lobos que encontram, nas áreas de pastagem e nas
características particulares do território, oportunidades para se estabelecerem. Entre essas
características, destacam-se o cenário hídrico do estado, os fragmentos preservados de
florestas que servem de refúgio para indivíduos, a disponibilidade alimentar associada às
duas primeiras e questões relacionadas ao clima e ao relevo. De fato em muitas
localidades, a paisagem não florestal e o clima seco fazem lembrar o Cerrado (Figura 6).
Em contrapartida, a espécie conhecida pelo seu potencial de dispersar sementes, poderia
estar contribuindo para o enriquecimento florístico de áreas degradadas dentro do estado
do Rio de Janeiro, processo que juntamente com sua participação na cadeia trófica e
13
consequências associadas, poderia resultar em melhores condições ambientais para a
recuperação de ecossistemas.
Por outro lado, a espécie poderia estar contribuindo para o desenvolvimento de um
ecossistema emergente (Hobbs et al. 2009) resultante do processo de adaptação da natureza
frente as mudanças bióticas (ex: extinção e ou invasão) e ou abióticas (ex: uso e ocupação
do solo e ou alterações climáticas), locais ou globais, promovidas principalmente por ações
humanas. De acordo com Hobbs et al. (2009), os ecossistemas emergentes são resultado de
mudanças ambientais significativas, que resultam na ocorrência de novas espécies, novas
interações e novas funções ecológicas. Nesse sentido, esses novos ecossistemas vão exigir
uma revisão das práticas e dos conceitos da conservação tradicional, principalmente porque
será cada vez mais importante reconhecer, entender e fazer a gestão desses novos
ecossistemas.
Nos últimos anos a espécie tem sido avistada, em zonas rurais e urbanas, que
transpassam por quase toda a extensão territorial do estado. Muitos desses registros
evidenciam o processo adaptativo do lobo-guará pela sobrevivência, revelando conflitos
advindos da proximidade com os humanos. De fato, além de oportunidades como água,
alimento e abrigo, existem diversas ameaças a permanência da espécie no território
fluminense, como por exemplo, os atropelamentos, uma vez que o estado possui uma densa
malha viária. Mas a verdade é que pouco se sabia sobre a abrangência da distribuição da
espécie no estado. Nesse sentido, o presente estudo se apresenta como uma importante
contribuição para a melhoria do conhecimento sobre a presença atual da espécie em
ambientes alterados da Mata Atlântica, em especial no estado do Rio de Janeiro.
3. Registros de ocorrência e modelagem preditiva da distribuição de Chrysocyon brachyurus: caminhos para a compreensão da presença da espécie no estado do Rio de Janeiro.
Um lobo que não é lobo, quase sempre solitário, se alimenta de frutas e semeia
florestas. As características de Chrysocyon brachyurus ou Lobo-Guará evidenciam sua
natureza exploradora e adaptativa. Junto com a ecologia e o comportamento, aspectos da
biologia também ajudam na compreensão do caminho evolutivo trilhado pela espécie.
Patas longas que auxiliam nos grandes deslocamentos por meio de ambientes abertos, por
cima do capim das savanas e nas atividades de caça, uma audição amplificada e atenta que
permite captar pequenos ruídos, facilitando a busca de presas, e um olfato apurado (Paula
14
& Gambarini, 2013). Conhecido por percorrer grandes distâncias, estima-se que a área de
vida de um indivíduo adulto seja em média de 50 a 70 Km², dependendo da qualidade do
ambiente, da disponibilidade de alimento, abrigo e água, e da composição da paisagem
(Paula & Gambarini, 2013). O lobo-guará possui uma dieta generalista, com destaque para
o consumo de frutas, que lhe confere relativa facilidade para o estabelecimento de novas
áreas de ocorrência (Paula & Gambarini, 2013). Muitas dessas características somadas à
principal ameaça aos lobos, ou seja, a degradação e destruição de seus ambientes naturais
ajudam a compreender melhor as recentes mudanças na distribuição da espécie.
De fato, a distribuição do lobo-guará vem se expandindo para ambientes alterados,
em grande parte, como resposta, principalmente, a acelerada degradação do Cerrado
Brasileiro, que vem perdendo rapidamente a sua cobertura vegetal. Ao se deslocar em
busca de novas oportunidades ou fugindo de problemas, Chrysocyon brachyurus se depara
com uma paisagem cada vez mais heterogênea e fragmentada, na maioria das vezes
alterada significativamente por atividades humanas, associadas principalmente à
agricultura e à expansão urbana. Nesse cenário de incertezas, lobos estão sendo
sistematicamente avistados e registrados, em regiões consideradas atípicas para a espécie,
como em áreas de pastagem inseridas no bioma Mata Atlântica. Nesse sentido, faz-se
necessário analisar melhor o histórico e a distribuição da espécie nessas áreas de expansão,
em especial no estado do Rio de Janeiro onde os registros de ocorrência são cada vez
maiores. Cada um desses registros de ocorrência possui uma história de um lobo-guará e
da sua luta para persistir na natureza. A soma desses registros e dessas histórias representa
uma base de dados relevante para diversas outras análises que, por sua vez, podem
contribuir para o maior conhecimento da espécie.
Com o propósito de contribuir para a conservação do lobo-guará, o presente estudo
foi dividido em dois capítulos que são também dois caminhos interligados: o levantamento
dos registros de ocorrência da espécie; e a modelagem preditiva da distribuição da espécie.
De fato, a partir dos dados de presença e das variáveis ambientais selecionadas, a
modelagem preditiva de distribuição de espécies se apresenta como um instrumento de
análise relevante. Essa análise proporciona uma visão diferenciada em relação às questões
que envolvem o lobo-guará e o território por ele utilizado, enxergando o indivíduo no
contexto ambiental territorial e vice-versa. Nesse sentido, dentre os resultados esperados
15
destaca-se, exatamente, a identificação de áreas prioritárias para ações diretas e indiretas
relacionadas à conservação da espécie.
A história evolutiva e adaptativa do lobo-guará tem um enorme potencial de
inspirar pessoas e nesse sentido espera-se que o presente estudo contribua também para a
sensibilização e o envolvimento de parte da sociedade nos projetos e ações voltados à
conservação e proteção da espécie, não só no estado do Rio de Janeiro, mas em todo o
território nacional, em especial no bioma Cerrado.
4. Objetivos da dissertação
4.1. Objetivo geral
Analisar a presença e estabelecer estratégias para a conservação do lobo-guará
Chrysocyon brachyurus (Illiger,1815) no estado do Rio de Janeiro de modo a contribuir
com a estratégia continental e nacional de conservação da espécie.
4.2 Objetivos específicos
• Pesquisar, reunir e organizar os registros de ocorrência da espécie;
• Contar as histórias dos lobos do estado do Rio de Janeiro;
• Realizar a modelagem preditiva de distribuição da espécie no âmbito estadual;
• Identificar áreas prioritárias para ações de proteção e conservação da espécie;
• Propor ações diretas e indiretas de conservação para a espécie;
• Promover o envolvimento e sensibilizar parte da sociedade para a conservação da
espécie;
5. Área de estudo
5.1. Estado do Rio de Janeiro
O estado do Rio de Janeiro está localizado na Região Sudeste (Figura 7), a mais
desenvolvida economicamente e com a maior densidade demográfica do Brasil (Bastos &
Napoleão, 2011), possuindo uma área total de 43.777,954 km² (IBGE, 2015), dividida por
92 municípios. O estado faz divisa com os estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito
Santo. De acordo com aspectos históricos, físicos e políticos, o estado fluminense foi
subdividido nas seguintes regiões administrativas: Baixadas Litorâneas, Centro-Sul
16
Fluminense, Costa Verde, Médio Paraíba, Metropolitana, Noroeste Fluminense, Norte
Fluminense e Serrana (Bastos & Napoleão, 2011).
Figura 7 - Localização geográfica do estado do Rio de Janeiro no Brasil e divisão das regiões administrativas.
O estado é também dividido em 10 regiões hidrográficas e faz parte, junto com São
Paulo e Minas Gerais, do projeto de integração da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do
Sul. A população estimada em 2015 foi de 16.550,024 habitantes, com uma densidade
demográfica calculada em 365.23 habitantes/km² (IBGE, 2015). O estado fluminense
possui o segundo maior produto interno bruto (PIB) do país, tendo um papel de destaque
no cenário econômico brasileiro. A economia do estado é diversificada, embora sua
principal atividade esteja ligada essencialmente à prestação de serviços (Fecomércio,
2010). Dentre a grande diversidade climática existente no estado, explicada pelo relevo e
pela proximidade do mar, destacam-se os climas tropical e tropical de altitude, mas o
estado também apresenta regiões quentes e secas (Bastos & Napoleão, 2011). O estado do
Rio de Janeiro está completamente inserido no bioma Mata Atlântica possuindo uma
vegetação florestal diversificada composta também por ecossistemas associados, como por
exemplo, manguezais e restingas. Em relação à fauna, o estado possui 257 espécies
ameaçadas de extinção (Bastos & Napoleão, 2011), número que reflete as características
do bioma onde está inserido. O relevo fluminense é composto de terras altas, baixadas e
maciços costeiros, sendo o seu maior ponto de altitude o Pico das Agulhas Negras,
localizado no município de Itatiaia, com 2.791m (Bastos & Napoleão, 2011).
17
5.2. Mata Atlântica
A Mata Atlântica (Figura 8) é considerada o bioma mais ameaçado do Brasil, com
apenas 7.9% de remanescentes florestais bem conservados, acima de 100 hectares (SOMA,
2012). Sua cobertura vegetal em diferentes estágios de regeneração é estimada em 22% de
sua área original, tendo como referência a área total do bioma de 1.103.961Km² (MMA &
Ibama,2012).
Figura 8 - Biomas do Brasil com destaque para a Mata Atlântica e o estado do Rio de Janeiro (IBGE, 2004).
O bioma é constituído por diversas formações florestais (Florestas: Ombrófila
Densa, Ombrófila Mista, Estacional Semidecidual, Estacional Decidual e Ombrófila
Aberta) e ecossistemas associados como campos naturais, restingas, manguezais e outros
tipos de vegetação que compõem paisagens diferentes, belas e ricas em biodiversidade
(Campanili, M. & Schaffer, W.B., 2010). Uma das principais características da Mata
Atlântica é seu alto grau de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção (Myers et al.
2000). Mesmo reduzida e muito fragmentada, calcula-se que na Mata Atlântica existam
cerca de 20.000 espécies vegetais (cerca de 35% das espécies existentes no Brasil). Essa
riqueza é maior que a de alguns continentes (17.000 espécies na América do Norte e
12.500 na Europa) (Campanili, M. & Schaffer, W.B., 2010).
Em relação à fauna silvestre, os levantamentos já realizados indicam que a Mata
Atlântica abriga aproximadamente 849 espécies de aves, 370 espécies de anfíbios, 200
espécies de répteis, 270 de mamíferos e cerca de 350 espécies de peixes. De acordo com a
lista de espécies ameaçadas do Brasil, publicada em 2003, a Mata Atlântica se destaca com
185 espécies de vertebrados (69,8% do total de espécies ameaçadas no Brasil), dos quais
118 aves, 16 anfíbios, 38 mamíferos e 13 répteis, (Campanili, M. & Schaffer, W.B., 2010).
Além dessas espécies, o bioma abriga mais de 60% da população brasileira (Campanili, M.
& Schaffer, W.B., 2010).
18
CAPÍTULO 1 - Registros de ocorrência de lobo-guará Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815) no estado do Rio de Janeiro no período de 2004 a 2014: análises e sistematização dos dados.
Imagem: Bernardo Eckhardt
19
INTRODUÇÃO
Chrysocyon brachyurus é um dos maiores canídeos silvestres do mundo. Vive
preferencialmente em ambientes abertos ou não florestais. Onívoro generalista e
oportunista (Paula et al. 2013) sua dieta é constituída em boa parte por frutas. A espécie é
territorialista e de hábitos solitários na maior parte do tempo (Paula & Gambarini, 2013).
Atualmente, o lobo-guará se encontra ameaçado, principalmente pela rápida degradação de
seus habitats naturais, conflitos com humanos e atropelamentos (Paula et al. 2008). A
espécie está presente em grande parte do território Sul-Americano, habitando terras de seis
países, entre eles o Brasil (Paula & Gambarini, 2013). No país, ocorre predominantemente
no bioma Cerrado. No entanto, os lobos têm sido registrados em áreas de transição entre
biomas e mais recentemente em ambientes alterados de Mata Atlântica, em especial no
estado do Rio de Janeiro.
Objetivando uma melhor análise da presença e distribuição da espécie, o presente
estudo reuniu registros de ocorrência de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de
Janeiro por meio de uma ampla pesquisa. Os registros aqui apresentados são importantes
evidências do processo adaptativo da espécie, principalmente da expansão de sua
distribuição para ambientes alterados de Mata Atlântica. De fato, o número de registros nos
limites geográficos no estado fluminense é significativo, principalmente quando são
consideradas a quantidade, a extensão geográfica e as datas de ocorrência.
Até o momento, a maioria dos estudos com Chrysocyon brachyurus foram
realizados em âmbito continental, nacional ou local, neste último, principalmente em
unidades de conservação. Ao se considerar a ecologia, o comportamento e as recentes
ocorrências de lobos, são necessárias também análises da distribuição e presença da
espécie que considerem uma escala regional. Do mesmo modo, fazem-se necessários
estudos que objetivem o preenchimento de lacunas de conhecimento identificadas pelo
Plano de Ação Nacional para a Conservação do Lobo-Guará - PAN Lobo-Guará (2008),
principal instrumento de conservação da espécie no Brasil. Entre eles, a avaliação da
adequabilidade ambiental dos biomas de ocorrência e análises da área de vida, do uso de
habitats e padrões de dispersão de lobos-guarás em áreas de contato com populações
humanas.
Adicionalmente, os métodos de levantamento e sistematização de dados
relacionados à fauna silvestre, necessitam de constante aprimoramento. Por isso, o presente
20
estudo também se apresenta como uma proposta metodológica para pesquisas futuras
relacionadas ao lobo-guará, em especial para outros estados ou recortes territoriais
regionais. Os dados de presença, por sua vez, também podem ser utilizados em análises de
modelagem preditiva de distribuição da espécie com propósitos de conservação.
Neste capítulo, será apresentada a metodologia que possibilitou reunir a base de
dados da espécie no estado do Rio de Janeiro, considerando para os registros a janela
temporal de 2004 a 2014. Um esforço de pesquisa que teve como base os municípios e
unidades de conservação federais e estaduais e que contou com a colaboração direta de
mais de 60 (sessenta) pessoas, dentre representantes da sociedade civil e de instituições
diversas (governamentais e privadas).
Além dos dados relacionados à ocorrência da espécie, o contexto dos registros
oferece muitas informações sobre a qualidade da presença de Chrysocyon brachyurus. Ou
seja, possibilita a identificação de ameaças e de oportunidades relacionadas à conservação
dos lobos. De fato, o estado do Rio de Janeiro possui características sócio-ambientais e
culturais diferenciadas em relação a outras regiões onde a espécie ocorre naturalmente,
principalmente pelo grau de ocupação humana do território e a paisagem fragmentada.
Adicionalmente, a maioria das ocorrências foi relatada no texto de forma a contextualizar o
histórico de registros nos últimos anos, oferecendo uma visão mais próxima da realidade
da espécie no estado.
Os resultados das análises de toda a base de dados foram apresentados de forma
sistematizada, possibilitando discussões e reflexões específicas sobre a quantidade e a
qualidade da presença da espécie no estado do Rio de Janeiro.
METODOLOGIA
A pesquisa reuniu registros de Chrysocyon brachyurus dentro ou próximos dos
limites geográficos do estado do Rio de Janeiro. A definição da área de estudo foi feita
considerando a falta de informações da espécie no estado, mas a escolha também está
associada ao tamanho (escala regional) e a qualidade do território estudado (ambientes
alterados do bioma Mata Atlântica). O período considerado foi de janeiro de 2004 a
dezembro de 2014. O esforço de pesquisa foi concentrado nas prefeituras municipais e
unidades de conservação federais e estaduais, entre diversas outras instituições. Foi feito
uma ampla consulta a literatura disponível, publicações diversas, matérias jornalísticas e
21
especialistas. Além disso, após o contato com as prefeituras e UC, vistorias técnicas foram
realizadas para confirmar relatos e caracterizar melhor alguns dos registros. Em outros
casos, os registros foram confirmados nas próprias atividades profissionais do dia-a-dia do
autor desta pesquisa, como resgates e atendimentos a lobos nas regiões de Petrópolis e
Paraíba do Sul.
O contato com as instituições foi realizado por telefone e e-mail e consistia,
inicialmente, em um questionamento básico sobre a existência ou não de relatos ou
registros de lobo-guará e o posterior envio, pelos entrevistados, de informações e imagens.
As respostas foram sistematizadas por meio de planilhas. No caso das prefeituras
municipais, grupo com maior representatividade no estudo, a pesquisa se concentrou nas
secretarias de meio ambiente e agricultura. No caso das unidades de conservação, optou-se
pela não consulta de unidades litorâneas ou marinhas, ou inseridas em ambientes
metropolitanos. Sendo o esforço de coleta de informações concentrado nas unidades de
conservação mais próximas dos registros ou relatos apontados pelos órgãos municipais ou
de acordo com o histórico de ocorrência da espécie nas regiões de influência das unidades.
Nesse sentido, os gestores ou técnicos das áreas protegidas foram consultados sobre a
ocorrência ou relatos da espécie, dentro dos limites geográficos da UC ou em seu entorno.
Em relação às outras instituições consultadas, foram priorizados o Centro de Triagens de
Animais Silvestres e o Núcleo de Fauna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – Ibama, os centros de reabilitação ou recuperação de fauna
silvestre do estado, a Gerência de Fauna do Instituto Estadual do Ambiente – GEFAU Inea,
e instituições relacionadas a relatos e registros dos órgãos municipais e unidades de
conservação, entre outros.
Para cada registro de ocorrência confirmado foi preenchido um formulário
específico (Anexo 01) para a reunião de informações diversas em relação a cada lobo-
guará. Para o preenchimento desses documentos, foram consideradas primeiramente as
seguintes informações mínimas: data, coordenadas geográficas e breve relato. Entre as
outras informações preenchidas destacam-se: o tipo de observação dos registros; sexo,
idade e aspecto geral do animal; elevação do local do registro; localização em área urbana
ou rural; fase lunar da data de ocorrência; e autoria do registro. Nesse sentido, a pesquisa
combinou elementos quantitativos e qualitativos. Os registros deveriam possuir uma
precisão geográfica de até 1 km² e nesse sentido procurou-se determinar com exatidão os
locais de ocorrência, com o uso de metodologias diversas (desde o uso de GPS até
22
localizações feitas por meio de apontamento ou pesquisas utilizando programas de
geoprocessamento). Houve um grande esforço para reunir o máximo de informações
possíveis a respeito de cada ocorrência, incluindo imagens e vídeos, resultando em
documentos que contam histórias particulares de cada lobo. Imagens de satélite (Google
Earth) foram utilizadas no preenchimento dos registros, para ilustrar e analisar elementos
da paisagem. Por fim, em alguns casos, foram realizadas vistorias técnicas complementares
para o preenchimento de informações incompletas ou duvidosas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esforço de pesquisa
Ao todo foram reunidos 70 registros de ocorrência de Chrysocyon brachyurus
dentro ou próximos dos limites geográficos do estado (Figura 7; Tabela 04). O número
supracitado foi resultado da consulta de 87 prefeituras municipais (Tabela 01), 23 unidades
de conservação federais e estaduais (Tabela 02), e aproximadamente 20 outras instituições
(Tabela 03), além de consultas a matérias jornalísticas e publicações diversas.
Foram responsáveis ou ajudaram diretamente para a realização dos registros,
aproximadamente, 60 colaboradores, o que pode ser considerado o primeiro resultado
positivo deste estudo, ou seja, o envolvimento de pessoas e instituições na coleta de
informações que podem contribuir para a proteção e conservação da espécie. Nesse
sentido, por meio da participação social e institucional foi identificada uma oportunidade
de formalizar uma rede ativa de colaboradores no estado em algum momento futuro. Essa
rede poderia contribuir, a partir de uma visão sistêmica, em ações diretas e indiretas
relacionadas à conservação da espécie no estado fluminense. O pensamento sistêmico é
definido por Capra & Luisi (2014), como uma nova concepção da vida que se processa por
meio de relações, padrões e contextos. Muito diferente do pensamento linear, cartesiano e
reducionista. Essa visão integrada parte do pressuposto de que todos os sistemas vivos são
redes complexas com incontáveis interconexões entre dimensões biológicas, cognitivas,
sociais e ecológicas. Sendo assim, os principais problemas do nosso tempo, como por
exemplo, energia, meio ambiente, segurança alimentar e conservação da biodiversidade
não podem ser compreendidos de forma isolada. Nesse sentido, Capra & Luisi (2014)
enfatizam que os projetos criados a partir dessa visão devem incorporar os princípios
básicos da ecologia. Adicionalmente, são iniciativas de pequena escala, com abundante
diversidade, eficientes no uso de energia, não poluentes e orientados para a comunidade.
23
Tabela 01. Municípios do estado do Rio de Janeiro consultados sobre a existência de registros ou relatos de lobo-guará Angra dos Reis Aperibé Araruama Areal Armação dos Búzios Arraial do Cabo Barra do Piraí Barra Mansa Belford Roxo Bom Jardim Bom Jesus do Itabapoana Cabo Frio Cachoeiras de Macacu Cambuci Campos dos Goytacazes Cantagalo Carapebus Cardoso Moreira Carmo Casimiro de Abreu Comendador Levy Gasparian Conceição de Macabu
Cordeiro Duas Barras Duque de Caxias Guapimirim Iguaba Grande Itaboraí Itaguaí Italva Itaocara Itaperuna Itatiaia Japeri Laje do Muriaé Macaé Macucu Magé Mangaratiba Maricá Mendes Mesquita Miguel Pereira Miracema
Natividade Nilópolis Niterói Nova Friburgo Nova Iguaçu Paracambi Paraíba do Sul Paraty Paty do Alferes Petrópolis Piraí Porciúncula Porto Real Quatis Queimados Quissamã Resende Rio Bonito Rio Claro Rio das Flores Rio das Ostras Rio de Janeiro
Santa Maria Madalena Santo Antônio de Pádua São Fidélis São Francisco de Itabapoana São Gonçalo São João da Barra São João de Meriti São José de Ubá São José do Vale do Rio Preto São Pedro da Aldeia São Sebastião do Alto Sapucaia Seropédica Silva Jardim Sumidouro Tanguá Teresópolis Valença Varre-Sai Vassouras Volta Redonda
Municípios sem resposta: Engenheiro Paulo de Frontin, Pinheiral, Saquarema, Trajano de Moraes e Três Rios.
Tabela 02. Unidades de Conservação consultadas sobre a existência de registros e relatos de lobo-guará Federais
Estaduais
PARNA Serra da Bocaina PARNA Serra dos Órgãos PARNA Itatiaia PARNA Jurubatiba APA Petrópolis APA Bacia do Rio São João (MLD) APA Serra da Mantiqueira REBIO Poço das Antas REBIO União REBIO Tinguá ARIE Floresta da Cicuta
Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Sim Sim SR Sim
Parque Estadual Cunhambebe Parque Estadual da Lagoa do Açu Parque Estadual da Pedra Selada Parque Estadual da Serra da Concórdia Parque Estadual do Desengano Parque Estadual dos Três Picos Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba Reserva Biológica Estadual de Araras APA da Bacia dos Frades APA de Macaé de Cima APA de Massambaba APA do Rio Guandu
Não Não Sim Sim Não Não Não Sim Não Não Não SR
Obs.: No total foram 23 UCs pesquisadas, as outras 27, também inseridas nos limites geográficos do estado do Rio de Janeiro, não foram pesquisadas por serem muito litorâneas, metropolitanas ou muito afastadas dos registros. SR= sem resposta.
Tabela 03. Outras instituições pesquisadas
• Fazenda Plenitude
• RPPN Fazenda São Benedito / Projeto Connecta
• Núcleo de Estudos e Pesquisa em Animais Silvestres -NEPAS/UENF
• RPPN e Instituto Alto-Montana, MG
• Museu Nacional do Rio de Janeiro - MNRJ
• Escritório IBAMA – Cachoeiro de Itapemirim, ES
• Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé - NUPEM/UFRJ
• Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de mamíferos Carnívoros - CENAP/ICMBio
• Indústrias Nucleares do Brasil - INB
• Núcleo de Fauna IBAMA/RJ
• GEFAU INEA/RJ
• CONCER/ESSATI
• CBMERJ
• Centro de Triagem de Animais Silvestres -CETAS/IBAMA/RJ
• Centro de Triagem de Animais Silvestres -CETAS/IBAMA/JF
• Mosaico Central Fluminense
• Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas -CBEE/UFLA
• Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC
• Clínica de Recuperação de Animais Selvagens - CRAS/UNESA
• Projeto Cereias
24
Histórico de ocorrências de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro
No universo de todos os registros pesquisados, foi possível ter uma dimensão do
grau de presença dos lobos no estado do Rio de Janeiro, analisar particularidades em
relação ao território em que estão ocorrendo, observar aspectos relacionados à ecologia e
comportamento da espécie e identificar as ameaças reais ou em potencial. Os registros
ajudam a contar a história dos lobos no estado fluminense e na Mata Atlântica degradada.
Nesse sentido, antes de uma análise mais técnica dos registros, torna-se fundamental relatar
os principais acontecimentos em ordem cronológica (por ano), ainda que resumidamente,
utilizando como base as informações contidas no histórico de cada indivíduo registrado e
de cada formulário preenchido. Assim é possível ter uma dimensão qualitativa da realidade
da espécie no estado com base nas ocorrências registradas.
2004: O primeiro registro considerado na pesquisa foi a publicação de um estudo
sobre conservação de mamíferos em uma unidade de conservação do estado fluminense em
2004. O documento relatou a ocorrência da espécie Chrysocyon brachyurus na Reserva
Biológica de Poço das Antas, localizada em sua maior parte no município de Silva Jardim.
Embora o animal não tenha sido registrado pelo trabalho técnico de campo, o estudo
considerou arquivos da unidade para relacionar o lobo-guará (Brito et al. 2004). É o único
registro da espécie encontrado na região de Baixadas Litorâneas e um dos poucos em
publicações oficiais. De acordo com técnicos da reserva, o avistamento teria acontecido em
meados da década de 90.
2007: No âmbito da pesquisa, o primeiro registro fotográfico de lobo-guará no
estado acontece somente em agosto de 2007. Uma fêmea vítima de atropelamento na
rodovia RJ-145 que liga os municípios de Valença e Barra do Piraí, na região Médio-
Paraíba, registro feito por Abelardo Lauriggio.
2008: Em 2008, o levantamento de mamíferos de grande e médio porte em
fragmentos florestais localizados no terreno das Indústrias Nucleares do Brasil – INB
(Aximoff et al. 2009) capturou imagens de lobo-guará em duas localidades, por meio de
armadilhas fotográficas. Segundo relatos, a espécie vinha sendo avistada desde 2004.
Monitoramentos posteriores registraram a espécie até 2012, inclusive filhotes.
2009: Em 2009, um lobo-guará foi fotografado na Fazenda Sucupira, em Paty do
Alferes (Figura 1). De acordo com as informações prestadas, a espécie vinha sendo
25
avistada pelo menos cinco anos antes. Em 2014, por ocasião de uma visita técnica, foram
encontrados vestígios da presença da espécie, principalmente fezes e rastros, inclusive de
filhotes.
Figura 1 - Lobo-guará registrado no município de Paty do Alferes, RJ (2009)e fruta-do-lobo encontrada em vistoria
técnica no local (2014). Imagens: José Luiz Ferreira de Sá (E) e Bernardo Eckhardt (D).
O proprietário da fazenda, Sr. José Luiz Ferreira de Sá, deu o seguinte depoimento
que também ilustra uma percepção diferenciada em relação à espécie, encontrada em
alguns casos no interior do estado, levantando ainda, a hipótese de que os lobos tivessem
sido introduzidos:
“Neste ultimo final de semana, continuamos observando de longe a loba nas pastagens da
fazenda. Como lhe contei, soubemos por um vizinho que um lobo-guará macho teria sido
morto recentemente nas redondezas e seu corpo jogado na estrada Arlindo José Lisboa,
que nos liga a Avelar. Uma campanha de conscientização, visando à preservação das
espécies silvestres da região e principalmente as com risco de extinção, como o lobo-
guará, junto aos vizinhos, talvez evitasse novas matanças. (...) Em 2009, e em dois ou três
anos seguintes, o lobo era visto esporadicamente nos nossos pastos, sobretudo na época
de seca, em que talvez fosse mais fácil para ele se esconder, pelo mimetismo. Porém, já faz
muito tempo que não o encontro. Nosso gerente nos dá noticias dele, cada vez menos
frequentes. Podemos dizer que é um animal dócil que jamais manifestou qualquer atitude
agressiva, contra nós, que nos colocasse na defensiva nos encontros de surpresa. Nem os
nossos cães o atacam quando o encontram no campo. Parece que ele vive de predar ratos
do mato e quando possível também caça galinhas d’angolas próximo das sedes das
fazendas. Também se alimenta de frutas silvestres, cujas sementes são encontradas nas
suas fezes denunciando a sua presença. Sabemos que ele não é um animal originário das
26
regiões de Mata Atlântica, como a nossa, dai a surpresa de encontrá-lo nos nossos
campos. Ouvi contar que um fazendeiro teria introduzido na região, dezenas de casais do
lobo, que teriam sido soltos nas extensas matas de sua propriedade, hipótese que poderia
ser investigada.”
Ainda em 2009, outro lobo foi fotografado, por Marcelo Guena de Oliveira bem
próximo aos limites geográficos do Parque Nacional da Serra da Bocaina, no município de
São José do Barreiro, estado de São Paulo. Registro localizado menos de 1 km de distância
da divisa entre os estados. De acordo com servidores do parque, existem vários relatos de
lobos-guarás atacando gansos e galinhas nas fazendas, mas sempre na parte do entorno
voltada para o Vale do Paraíba, São Paulo (cerca de 500 a 600m de altitude), onde
predominam pastagens e pequenas manchas de floresta estacional.
2010: Em agosto de 2010, foi realizado outro registro perto de um parque nacional,
dessa vez no município de Resende, o servidor do Parque Nacional de Itatiaia, Gustavo
Tomzhinski, fotografou o animal na rodovia BR-354 enquanto ia de carro para a parte alta
do parque. Nesse mesmo ano, uma fêmea adulta e um filhote foram resgatados, em julho e
outubro respectivamente, na localidade de Sebastiana, no município de Teresópolis, região
Serrana do estado do Rio de Janeiro (Figura 2). Ambos foram atacados por cães
domésticos. A fêmea foi devolvida a natureza e o filhote acabou não resistindo aos
ferimentos. Os cuidados veterinários foram possíveis por conta do apoio do Parque
Nacional da Serra dos Órgãos.
Figura 2 - Fêmea e filhote capturados em Teresópolis (2010). Imagens: autor desconhecido (E) e Roberto Ferreira (D).
2011: Além de dois lobos, vítimas de atropelamento, registrados pelo
monitoramento de fauna silvestre impactada, realizado pela CONCER na rodovia BR-040,
no município de Comendador Levy Gasparian, o ano de 2011 foi marcado por um registro
27
fotográfico simbólico. Um lobo-guará fugindo do fogo foi registrado, por Bernardo
Lacombe, durante uma ação de combate a um incêndio florestal no bairro da Posse, no
município de Petrópolis, Região Serrana do estado do Rio de Janeiro (Figura 3). Ainda em
2011, um lobo-guará seria capturado no município de Presidente Kennedy, estado do
Espírito Santo, após predar galinhas em uma propriedade rural, numa localidade também
muito próxima da divisa entre os estados. O animal foi entregue ao IBAMA e
posteriormente foi devolvido à natureza pelo Projeto Cereias.
Figura 3 - Lobo-guará fugindo de um incêndio na região serrana do estado do Rio de Janeiro em 2011. Imagem: Bernardo Lacombe.
2012: Em 2012, uma fêmea, filhote, foi encontrada por moradores dentro de um
buraco na comunidade Vila Rica, no município de Petrópolis. O animal veio a óbito após
receber atendimento médico veterinário viabilizado por meio do apoio da ONG
Animavida. Em vistoria técnica no local, em 2014, foram avistadas inúmeras lobeiras
(Solanum lycocarpum). Segundo o relato de um dos moradores, os lobos são avistados há
aproximadamente 10 anos na sua propriedade, onde existem pequenas atividades agro-
pastoris. Em relação à convivência com a espécie, foi relatado que houve predação de
galinhas, mas que se optou pela retirada delas do local. Também foi relatada a convivência
pacífica dos lobos com o gado e que a espécie gosta de se alimentar das “fezes de leite”
dos bezerros que ainda não desmamaram. Esse caso é considerado o primeiro registro
oficial da espécie dentro dos limites geográficos da Área de Proteção Ambiental de
Petrópolis, unidade de conservação federal de uso sustentável, que não listava a espécie em
seus estudos de fauna silvestre.
28
No mesmo ano, outro animal foi resgatado dentro da unidade, no bairro Retiro das
Pedras, também no município de Petrópolis (Figura 4), em uma ação integrada entre APA
Petrópolis, Reserva Biológica Estadual de Araras, Animavida, Cervejaria Itaipava e
voluntários. O jovem lobo que se enroscou em uma cerca de arame farpado e na tentativa
de se ver livre acabou se ferindo gravemente. Após tratamento médico veterinário e a
remoção completa do membro posterior esquerdo por meio de cirurgia, ele foi destinado ao
único criadouro conservacionista da espécie no estado, localizado no município de Barra
Mansa, onde vive até os dias atuais.
Figura 4 - O jovem lobo resgatado em Petrópolis, RJ (2012). Imagem: Glenn Collard.
Ainda em 2012, um lobo-guará foi avistado se alimentando de coquinhos de uma
Palmaceae, maduros no chão, quando foi avistado pelo pesquisador, Sergio Nogueira
Pereira, na manhã do primeiro dia do mês de agosto, no município de Valença, região
Médio-Paraíba. O pesquisador retornaria ao local e encontraria fezes de lobo-guará em
cima de um cupinzeiro próximo a uma lobeira (Solanum licocarpum) em junho de 2014.
2013: Os registros da espécie aumentaram no ano de 2013, assim como as vítimas
por atropelamento. Mais dois animais na rodovia BR-040, em Comendador Levy
Gasparian. Um óbito em Sapucaia, na rodovia BR-116, monitorada pela Concessionária
29
Rio Teresópolis - CRT. E dois registros na região Norte Fluminense, coincidentemente
duas fêmeas vítimas de atropelamento na rodovia BR-101, nos municípios de Macaé e
Conceição de Macabú, em maio e novembro respectivamente. O primeiro registrado por
Whitson José da Costa Junior, servidor da Reserva Biológica União e o segundo coletado
pelo professor Pablo Rodrigues Gonçalves, NUPEM-UFRJ.
No mesmo ano, em Itaipava, bairro do município de Petrópolis, em vez de
atropelado, um lobo-guará foi filmado correndo pelo asfalto em uma estrada em plena área
urbana. O registro foi feito por Rafael Miranda, que acompanhou o lobo de carro por
aproximadamente 850 metros de distância. Considerando o tempo cronometrado pela
filmagem e um determinado trecho da corrida do animal, foi possível aferir que o lobo-
guará chegou a uma velocidade média de 31.5 km/h ou 8.75 m/s.
Naquele ano, um macho adulto foi capturado pela Defesa Civil em uma área
residencial do município de Porciúncula, região Noroeste Fluminense, divisa com os
estados de Espírito Santo e Minas Gerais. Após recuperação no CRAS/UNESA foi
devolvido à natureza em novembro do mesmo ano com o apoio da GEFAU Inea.
Já em Vassouras, município da região Centro Sul Fluminense, um lobo-guará
apareceu nas imediações da ecovila Fazenda Plenitude e foi fotografado por Luiz Gonzaga
Vieira de Souza após se aproximar durante o dia, em um local onde existe um galinheiro.
Foi relatado um comportamento muito dócil do animal e algumas pessoas cogitaram repor
as galinhas para que o lobo aparecesse mais vezes.
Ainda em 2013, o monitoramento realizado pela organização não governamental
Connecta na RPPN Fazenda São Benedito, em Rio Claro, filmou um lobo-guará. No ano
seguinte, um funcionário conseguiria fazer um registro fotográfico de um indivíduo adulto
nas imediações da fazenda. De acordo com relatos e informações do plano de manejo, a
espécie é avistada com certa frequência nos limites geográficos da UC (APN-RJ, 2009).
2014: Este foi o ano com o maior número de registros documentados na pesquisa.
Em Itatiaia, um lobo-guará foi encontrado preso nas imediações de uma fábrica de pneus,
mais especificamente em um reservatório de águas residuais e de chuva que se encontrava
relativamente vazio (Figura 5). Os bombeiros, em um bote, juntamente com outras pessoas
na margem ou borda dessa espécie de piscina foram direcionando o animal para um local
onde foi improvisada uma escada de pallets. O lobo saiu sozinho e novamente ganhou sua
30
liberdade, em uma ação integrada de SEMA/PMI, CBMERJ e Michelin. Resende,
município vizinho a Itatiaia, foi cenário de mais um registro significativo. Um lobo-guará
fotografado em campos de altitude dentro do Parque Nacional de Itatiaia, por Luiz Eduardo
Dosso, precisamente a 2.454 metros de elevação. A maior altitude relatada na pesquisa.
Figura 5 - Lobo-guará resgatado em Itatiaia, RJ (2014). Imagens: Eliana Regina Maia Gouvêa.
No mesmo ano, do outro lado do estado, um lobo foi registrado a 21 metros do
nível do mar, no município de Macaé. O animal foi fotografado por Alexandre Bezerra
Souza, após escapar de um atropelamento na rodovia RJ-168, debilitado e desorientado,
aparentemente sofrendo com miíase cutânea em uma de suas orelhas. O resgate foi
acionado, mas o lobo foi encontrado sem vida alguns dias depois, com o corpo
parcialmente submerso na água de um córrego local.
Em Cambucí, Noroeste Fluminense, o lobo-guará vem sendo avistado por
moradores e fazendeiros em várias localidades. Os registros acontecem geralmente ao
redor de uma unidade de conservação municipal, o Refugio de Vida Silvestre do Chauá,
considerada uma das maiores do estado em extensão geográfica.
Em outro caso, o funcionário da Fazenda Santa Cecília, Antônio Sergio Martins
Fernandes, fotografou a espécie ao longo de um trecho perto da rodovia BR-116 (Dutra)
que abrange terras dos municípios de Volta Redonda, Pinheiral e Barra Mansa, dando o
seguinte relato:
“Tenho observado eles há quase dez anos, nessa beirada de estrada que vai aqui de Barra
Mansa até Pinheiral. Todos os anos eu acompanho acasalamento, desmame... Quando a
fêmea está recém parida vejo rastros dos filhotes (já teve ninhadas de um e de dois). As
fezes dela mudam de cor nessa época, acho que é a alimentação. Dá uma mudada e ela
deve passar pelo período febril pós-parto. Sempre nos meses de junho a setembro. O
macho é bonito e grande, com detalhes brancos no peito e na cauda. A fêmea fotografada
cria todo ano aqui pertinho de onde passo, num capão de mato.”
31
Em 2014, um lobo-guará foi resgatado pelo CBMERJ em Cardoso Moreira,
município da região Norte Fluminense. O jovem que aparentava ter uma idade máxima de
10 meses estava muito machucado, provavelmente atropelado, ele apresentava fratura de
úmero e ferimento por arma de fogo. Sem os melhores equipamentos e o treinamento
necessário para a ação de resgate de fauna silvestre, o lobo foi transportado na caçamba
fechada de uma picape por volta de meio-dia, chegando ao hospital veterinário com um
quadro de hipertermia grave. O animal foi recebido e atendido pela equipe do NEPAS-
UENF, mas devido à gravidade das lesões veio a óbito dias depois.
Na RPPN Alto Montana, em Itamonte, Minas Gerais, bem próximo da divisa com o
estado do Rio de Janeiro, uma ação de monitoramento de fauna silvestre dentro do escopo
do projeto Controle do Javali na Serra da Mantiqueira, financiado pelo TFCA- FUNBIO,
em parceria com a APA da Serra da Mantiqueira, PARNA Itatiaia, UFLA, EMBRAPA e
prefeitura municipal, tem registrado o lobo-guará sistematicamente em uma gradiente de
altitude de 1400 a 2500 metros dentro da RPPN. Em uma das imagens é possível ver o
lobo predando uma ave silvestre em um ambiente florestal.
Em Areal, 12 registros de lobo-guará em apenas 4 anos fizeram com que a
secretaria de meio ambiente do município publicasse um relatório de avistamentos da
espécie e buscasse parcerias para estudos e projetos de conservação. Trata-se de uma
iniciativa isolada entre todos os municípios do estado. Entre os registros, dois relatos de
lobos mortos por conflitos relacionados à predação de animais domésticos, possivelmente
galinhas.
Ainda em 2014, na região Centro Sul Fluminense, Paraíba do Sul seria o cenário de
uma das histórias mais impressionantes relacionadas à ocorrência do lobo-guará no estado
do Rio de Janeiro. Ao longo da pesquisa, em algumas oportunidades, diferentes pessoas
relataram a existência de um lugar onde lobos eram avistados facilmente, quase que todos
os dias. Uma extensa área de terra que possui água em abundância, cercada de muito
verde, com uma grande presença de lobeiras em toda sua extensão e com uma grande
variedade de espécies de fauna silvestre. Há uma relativa segurança para os animais,
patrocinada pelo proprietário do lugar. Lá, anos atrás, foram instalados dois galinheiros,
em dois pontos distantes um do outro, com o objetivo de atrair os lobos de forma
proposital, para a realização dos avistamentos. No entanto, de acordo com o relato de
32
funcionários, os lobos já estariam sendo avistados há muitos anos, aproximadamente 10 ou
mais. Semanalmente ou diariamente, um funcionário vai até os galinheiros dirigindo uma
caminhonete barulhenta e com uma buzina peculiar que imita o som de uma galinha,
chamando os lobos para o jantar. Os lobos aparecem pouco tempo depois, perto dos
galinheiros, onde então, uma ou duas galinhas são retiradas e oferecidas vivas com as mãos
aos animais (Figura 6).
Figura 6 - Lobos são atraídos com galinhas em Paraíba do Sul, RJ. Imagens: Bernardo Eckhardt.
A historia é conhecida na região e moradores e funcionários do condomínio
existente nessa área costumam visitar os lobos, levando parentes e amigos, inclusive
crianças, para vê-los e alimentá-los, em alguns casos reunindo mais de 20 pessoas para
esse tipo de evento. Essas e outras práticas que acontecem no local, sem o
acompanhamento técnico especializado e, em alguns casos, sem o bom senso necessário,
podem constituir uma ameaça para os lobos, como por exemplo: mudanças no
comportamento e nos hábitos alimentares; contaminação por doenças relacionadas à
proximidade com humanos e animais domésticos; ou mesmo capturas e abates. Por outro
lado, naquele contexto existem diversas oportunidades de geração de conhecimento e
pesquisa, projetos e iniciativas que podem contribuir para a conservação da espécie,
incluindo o envolvimento da sociedade nesse processo.
O ano de 2014 termina com um lobo-guará aparecendo em um posto de
combustíveis na rodovia BR-040, inserido em área urbana do município de Petrópolis,
região Serrana, exatamente na semana entre o natal e o ano novo. O animal foi fotografado
por Marco Bruno Lopes. O local é praticamente uma ilha cercada de rodovias e estradas
muito movimentadas, mas aparentemente, de acordo com relatos, o lobo parece não se
incomodar e se aproxima cada vez mais das pessoas e das construções, procurando
33
alimento nas lixeiras e atravessando as vias de um lado para o outro, na tentativa de se
adaptar a uma paisagem nada amigável.
Análise e sistematização dos registros de ocorrência da espécie
Nos últimos anos Chrysocyon brachyurus vem sendo registrado no estado,
principalmente em áreas de pastagem, nas regiões Serrana, do Médio-Paraíba e Centro Sul
Fluminense, mas existem, também, registros importantes nas regiões Noroeste e Norte
Fluminense (Figura 7). A pesquisa não encontrou registros nas regiões Costa Verde e
Metropolitana, embora existam relatos nessas áreas. Um único registro foi observado na
região Baixadas Litorâneas.
Figura 7 - Registros de ocorrência da espécie Chrysocyon brachyurus dentro ou próximos dos limites geográficos do estado do Rio de Janeiro. Os nomes correspondem às regiões político-administrativas do estado.
Dos 70 registros, 67 estão localizados no estado do Rio de Janeiro e outros três nos
estados de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Esses três registros foram
considerados porque estão localizados em um raio aproximado de 1 km da divisa entre os
estados. No total, são 29 municípios com registros da espécie, sendo 26 municípios no
estado do Rio de Janeiro. É importante considerar que não foi possível obter informações
de cinco municípios do estado fluminense, por dificuldade de comunicação com as
secretarias de meio ambiente e agricultura ou pela ausência de resposta. A título ilustrativo,
os municípios com maior número de registros de Chrysocyon brachyurus dentro deste
34
estudo foram: Areal (12), Cambucí (7), Comendador Levy Gasparian (6), Petrópolis (6),
Resende (4), Valença (4), Paraíba do Sul (3) e Sapucaia (3). Esses dados são evidências da
presença do lobo-guará no estado.
A Tabela 04 lista os 70 registros de Chrysocyon brachyurus dentro ou próximos
dos limites geográficos do estado do Rio de Janeiro, no período de 2004 a 2014, em ordem
cronológica com as respectivas coordenadas geográficas em graus decimais:
Tabela 04. Registros de ocorrência de Chrysocyon brachyurus dentro ou próximos dos limites geográficos do estado do Rio de Janeiro (2004 a 2014). Registro
Longitude Latitude Município UF Ano
2004_00_00 Silva Jardim - Poço das Antas -42.250026 -22.60003 Silva Jardim RJ 2004 2007_08_00 Valença - Santa Terezinha -43.76037 -22.298811 Valença RJ 2007 2007_08_27 Valença - Santa Terezinha -43.76844 -22.322774 Valença RJ 2007 2008_00_00 Resende – INB – Mata do Rodolfo -44.656695 -22.522918 Resende RJ 2008 2008_00_01 Resende - INB - Talhão 42 -44.656032 -22.507758 Resende RJ 2008 2009_00_00 Barra do Piraí - Dorândia -43.90539 -22.399868 Barra do Piraí RJ 2009 2009_00_01 Valença - Fazenda Paraízo -43.94527 -22.226255 Valença RJ 2009 2009_05_02 Paty do Alferes - Avelar -43.378973 -22.29031 Paty do Alferes RJ 2009 2009_09_23 SP São José do Barreiro - Formoso -44.536557 -22.624833 São José do Barreiro SP 2009 2010_07_21 Teresópolis - Sebastiana -42.859266 -22.312947 Teresópolis RJ 2010 2010_08_22 Resende - Engenheiro Passos - PN Itatiaia -44.70922 -22.477897 Resende RJ 2010 2010_10_06 Teresópolis - Sebastiana -42.863621 -22.309943 Teresópolis RJ 2010 2010_11_25 Sapucaia - BR 116 Km 15 -42.744289 -21.969996 Sapucaia RJ 2010 2011_00_01 Areal 01 - Fazenda Tapera - Jurioca -43.111494 -22.221375 Areal RJ 2011 2011_00_02 Areal 02 - Fazenda Tapera - Jurioca -43.111603 -22.2542 Areal RJ 2011 2011_00_03 Areal 03 - Fazenda Tapera - Jurioca -43.110381 -22.222286 Areal RJ 2011 2011_08_07 Comendador Levy Gasparian - Km12 -43.197919 -22.050131 C. Levy Gasparian RJ 2011 2011_08_18 Comendador Levy Gasparian - Km10 -43.206817 -22.044467 C. Levy Gasparian RJ 2011 2011_09_06 Petrópolis - Posse -43.06242 -22.272941 Petrópolis RJ 2011 2011_10_01 ES Presidente Kennedy -41.179829 -21.215419 Presidente Kennedy ES 2011 2012_08_01 Valença - Chaves -43.81834 -22.171446 Valença RJ 2012 2012_10_24 Petrópolis - Vila Rica -43.135455 -22.350983 Petrópolis RJ 2012 2012_11_29 Petrópolis - Retiro das Pedras -43.165862 -22.354671 Petrópolis RJ 2013 2013_00_00 Volta Redonda - Parque do Ingá -44.075959 -22.449089 Volta Redonda RJ 2013 2013_00_01 Mendes - Maristas -43.746564 -22.513563 Mendes RJ 2013 2013_02_21 Sapucaia - BR 116 Km 28 -42.796061 -22.071354 Sapucaia RJ 2013 2013_05_01 Vassouras - Fazenda Plenitude -43.676453 -22.391598 Vassouras RJ 2013 2013_05_30 Macaé - BR 101 Km 154 -41.787599 -22.231226 Macaé RJ 2013 2013_08_05 Petrópolis - Itaipava -43.125694 -22.369383 Petrópolis RJ 2013 2013_09_25 Comendador Levy Gasparian - Km12 -43.198372 -22.057262 C. Levy Gasparian RJ 2013 2013_09_26 Porciúncula - João Clovis Brejão -42.036216 -20.96222 Porciúncula RJ 2013 2013_11_08 Comendador Levy Gasparian - Km12 -43.19996 -22.061118 C. Levy Gasparian RJ 2013 2013_11_08 Conceição de Macabu -41.741792 -22.166651 C. de Macabu RJ 2013 2013_11_22 Rio Claro - RPPN Fazenda São Benedito -44.086836 -22.740775 Rio Claro RJ 2013 2014_00_00 Sumidouro -42.666405 -22.103802 Sumidouro RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 01 Fazenda Morro Azul -41.794933 -21.428905 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 02 Fazenda Marimbondo -41.801607 -21.463313 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 03 Lajinha -41.793596 -21.47864 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 04 Fazenda Santa Cruz -41.821274 -21.494514 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 05 Santa Tereza -41.849848 -21.498226 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 06 Areal -41.872749 -21.555686 Cambucí RJ 2014 2014_00_01 Cambucí - 07 Fazenda Engenho D`Água -41.866755 -21.570331 Cambucí RJ 2014 2014_00_02 Volta Redonda -44.087618 -22.57534 Volta Redonda RJ 2014 2014_00_02 Pinheiral -44.025731 -22.552611 Pinheiral RJ 2014 2014_00_02 Barra Mansa -44.088609 -22.554922 Barra Mansa RJ 2014 2014_00_03 MG Itamonte - RPPN Alto-Montana -44.805198 -22.384476 Itamonte MG 2014 2014_00_04 São José do V.R.P. - Pedra das Flores -42.876244 -22.151789 S.J.V. do Rio Preto RJ 2014 2014_01_21 Itatiaia -44.542859 -22.475243 Itatiaia RJ 2014 2014_03_06 Petrópolis - Brejal - Fazenda Pitangueiras -43.037884 -22.234493 Petrópolis RJ 2014 2014_03_19 Macaé - Iriri -41.963416 -22.329537 Macaé RJ 2014
35
2014_04_04 Paraíba do Sul - Membeca -43.283694 -22.282141 Paraíba do Sul RJ 2014 2014_04_14 Comendador Levy Gasparian - Boca da Barra -43.191801 -22.036869 C. Levy Gasparian RJ 2014 2014_04_15 Comendador Levy Gasparian - Km09 -43.215046 -22.045632 C. Levy Gasparian RJ 2014 2014_05_24 Duas Barras -42.521927 -21.919444 Duas Barras RJ 2014 2014_08_10 Resende - PN Itatiaia -44.70334 -22.372224 Resende RJ 2014 2014_08_11 Paraíba do Sul - Membeca -43.278586 -22.282367 Paraíba do Sul RJ 2014 2014_09_17 Rio Claro - RPPN Fazenda São Benedito -44.094478 -22.744098 Rio Claro RJ 2014 2014_10_01 Cardoso Moreira - NEPAS -41.483134 -21.481413 Cardoso Moreira RJ 2014 2014_10_13 Paraíba do Sul - Membeca -43.254983 -22.269282 Paraíba do Sul RJ 2014 2014_12_01 Sapucaia - BR 116 - Km31 -42.812893 -22.082362 Sapucaia RJ 2014 2014_12_28 Petrópolis - Itaipava -43.143009 -22.407945 Petrópolis RJ 2014 2014_00_05 Areal 04 - São Lourenço -43.111494 -22.2542 Areal RJ 2014 2014_00_06 Areal 05 - Fazenda Boqueirão - Mundo Novo -43.123206 -22.199767 Areal RJ 2014 2014_00_07 Areal 06 - Sítio Santa Luzia -43.1105 -22.179358 Areal RJ 2014 2014_00_08 Areal 07 - Fazenda São Roque - São Pedro -43.056514 -22.171731 Areal RJ 2014 2014_00_09 Areal 08 - Boa Esperança -43.163617 -22.227664 Areal RJ 2014 2014_00_01 Areal 09 - Estrada São Roque -43.058814 -22.176239 Areal RJ 2014 2014_00_10 Areal 10 - São Lourenço -43.162514 -22.257208 Areal RJ 2014 0000_00_01 Areal (Abate 01) - Quinta do Ipê -43.113597 -22.224942 Areal RJ ------- 0000_00_02 Areal (Abate 02) - Pedras Negras
-43.123544
-22.219308
Areal
RJ
-------
No estado do Rio de Janeiro, considerando todos os registros pesquisados e também
os relatos informados pelos órgãos municipais, unidades de conservação e outras
instituições, o número de municípios com ocorrência de Chrysocyon brachyurus
aumentaria para 41 (Tabela 05).
Tabela 05. Municípios do estado do Rio de Janeiro com registros de ocorrência ou relatos da espécie Chrysocyon brachyurus.
Angra dos Reis sim Itaocara não Resende sim
Aperibé não Itaperuna não Rio Bonito não
Araruama sim Itatiaia sim Rio Claro sim
Areal sim Japeri não Rio das Flores sim
Armação dos Búzios não Laje do Muriaé sim Rio das Ostras não
Arraial do Cabo não Macaé sim Rio de Janeiro não
Barra do Piraí sim Macucu não Santa Maria Madalena não
Barra Mansa sim Magé sim Santo Antônio de Pádua não
Belford Roxo não Mangaratiba não São Fidélis não
Bom Jardim não Maricá não São Francisco de Itabapoana sim
Bom Jesus do Itabapoana não Mendes sim São Gonçalo não
Cabo Frio não Mesquita não São João da Barra não
Cachoeiras de Macacu não Miguel Pereira sim São João de Meriti não
Cambuci sim Miracema não São José de Ubá não
Campos dos Goytacazes não Natividade sim São José do Vale do Rio Preto sim
Cantagalo sim Nilópolis não São Pedro da Aldeia não
36
Carapebus não Niterói não São Sebastião do Alto sim
Cardoso Moreira sim Nova Friburgo não Sapucaia sim
Carmo não Nova Iguaçu não Saquarema SR
Casimiro de Abreu sim Paracambi não Seropédica não
Comendador Levy Gasparian sim Paraíba do Sul sim Silva Jardim sim
Conceição de Macabu sim Paraty não Sumidouro sim
Cordeiro não Paty do Alferes sim Tanguá não
Duas Barras sim Petrópolis sim Teresópolis sim
Duque de Caxias não Pinheiral sim Trajano de Moraes SR
Engenheiro Paulo de Frontin SR Piraí sim Três Rios SR
Guapimirim não Porciúncula sim Valença sim
Iguaba Grande não Porto Real não Varre-Sai sim
Itaboraí não Quatis sim Vassouras sim
Itaquaí sim Queimados não Volta Redonda sim
Italva não Quissamã Não
Nota: Municípios do estado do Rio de Janeiro com registros ou relatos de Chrysocyon brachyurus (cinza) / SR = sem resposta OBS.: Foram considerados todos os registros confirmados e relatos informados por prefeituras e UC.
A análise da ocorrência da espécie de acordo com o uso e cobertura do solo do
estado foi realizada com o objetivo de verificar se os registros estavam, de fato,
acontecendo nas áreas não florestadas. Diversos autores, como Paula et al. (2008) e
Chiarello et al. (2008) destacam a presença de lobos em áreas alteradas, principalmente em
terras cultivadas para agricultura e pastagens. Nesse sentido, foi realizado em ambiente
SIG a interseção dos pontos de ocorrência da espécie, reunidos pela pesquisa, com o
“Mapa de Uso e Cobertura do Solo no Estado do Rio de Janeiro”, na escala de 1:100.000
(Inea, 2012). A análise verificou que dos 67 (86.56%) registros inseridos dentro dos limites
geográficos do estado, 58 estão localizados na classe “pastagem”.
A escala do mapa de uso e cobertura do solo pode gerar imprecisão em relação a
registros localizados nos limites das áreas de classificação. Nesse sentido, foi realizada
uma análise mais refinada para determinar as características do território com a utilização
de imagens de satélite (GoogleEarth) de aproximadamente 5 km². A conclusão foi que 67
registros ocorreram em área rural e 3 aconteceram em área urbana. Destes, dois indivíduos
registrados em Petrópolis na Região Serrana do Rio e um em Porciúncula, Noroeste
Fluminense, todos em 2013.
Considerando a altitude dos locais onde os animais foram registrados, a elevação
máxima registrada foi de 2.454 metros do lobo-guará fotografado em 10/08/2014 no
Parque Nacional de Itatiaia, município de Resende, e a mínima de 21 metros, do lobo-
guará fotografado em 19/03/2014 em Macaé (Figura 8). A elevação média de todos os
registros é de 528 metros. As medidas foram aferidas a partir da interseção dos pontos de
registro da espécie com o Modelo Digital de Elevação, na escala 1:25.000 do Projeto RJ-
37
25, elaborado pelo IBGE (2014), com correções pontuais realizadas por meio de dados dos
próprios registros (medições feitas por GPS ou aferidas pelo GoogleEarth).
Figura 8 - Altitude mínima, média e máxima dos registros. No centro, o lobo-guará registrado em Macaé (21m) e a direita o animal registrado em Resende (2.454m). Imagens: Alexandre Bezerra Souza (C) e Luiz Eduardo Dosso (D).
Em relação ao calendário lunar, 13 registros aconteceram no quarto crescente, 12 na
lua cheia, 8 na lua nova e 3 no quarto minguante. Não foi possível determinar a fase da lua
em 34 casos. Luas cheia e crescente somadas (25) representam 37.71% das aparições da
espécie, considerando todos os registros pesquisados. Analisando apenas os registros onde
foi possível determinar a fase lunar (36), essa porcentagem sobe para 69.44%. Os dados
referentes ao calendário lunar foram obtidos por meio dos anuários do Observatório
Nacional, considerando a data e horário dos registros.
O intuito foi tentar relacionar um maior número de registros a uma determinada
fase lunar, o que poderia contribuir para análises do comportamento noturno dos lobos em
ambientes alterados ou não naturais. Nesse sentido, um estudo com base na distância
percorrida por lobos em fases lunares distintas, demonstrou que os lobos reduzem as
atividades de caça na lua cheia em relação à lua nova. O motivo provável seria para
conservar energia, por causa da baixa disponibilidade de presas, ou porque a eficiência de
caça estaria aumentando com a luminosidade. Também não foi descartada a possibilidade
de que na lua cheia o lobo-guará invista mais na dieta vegetal (Sábato et al. 2006). Bueno
(2003) estudou o efeito da luminosidade no padrão de atividade de pequenos mamíferos na
Estação Ecológica de Itirapina, São Paulo, chegando à conclusão que, de uma forma geral,
esses animais diminuem o grau de atividade nas noites de lua cheia com o intuito de,
exatamente, evitar a predação. Dentro desse estudo, o roedor Calomys tener, por exemplo,
foi capturado duas vezes mais na lua nova em relação à lua cheia. Em relação ao lobo-
guará, o estudo também mostrou que o consumo de pequenos vertebrados no período de
seca foi mais restrito (Bueno, 2003; Bueno & Motta-Junior, 2005).
38
A proximidade dos lobos com populações humanas no estado do Rio de Janeiro
poderia explicar o maior número de avistamentos nas luas cheia e crescente, onde a
visibilidade humana também é consideravelmente maior. No entanto, os lobos podem estar
mais ativos nessas fases por outros motivos como indisponibilidade de alimentos no
ambiente, restrições territoriais ou ameaças e oportunidades diversas associadas à
paisagem alterada.
Considerando todos os registros pesquisados, o principal tipo de registro foi
fotografia (35), seguido de avistamento (22), vídeo (4), monitoramento com armadilhas
fotográficas (4), publicações ou documentos de texto (3) e relatos de abate por conflitos
relacionados à predação de animais domésticos (2) (Figura 9). Ou seja, foto, vídeo e
monitoramento juntos (43) representam 61.42% do total dos registros no estado do Rio de
Janeiro. Essas imagens constituem evidências concretas da presença e da exposição da
espécie no estado.
Figura 9 – Principais tipos de registro das ocorrências com Chrysocyon brachyurus. *Armadilha fotográfica.
Em relação às causas ou motivos que possibilitaram a realização dos registros, 42
animais foram observados (avistados), 11 atropelados, 6 resgatados, 4 registrados por
armadilha fotográfica, 1 animal caçado e atropelado, 1 animal aprisionado para fins de
domesticação e 5 capturados ou abatidos por causa de conflitos relacionados à predação de
animais domésticos.
A respeito da condição em que os lobos foram registrados, 49 estavam vivos,
aparentemente saudáveis; 12 estavam ou foram presumidos mortos; e 9 feridos. Dos 12
mortos, 10 animais foram vítimas diretas de atropelamento, 50% deles no município de
39
Comendador Levy Gasparian, na rodovia BR-040 e 20% no município de Sapucaia, na
rodovia BR-116; e 2 vítimas de abate por conflitos relacionados à predação de animais
domésticos, ambos no município de Areal. Dos nove animais feridos, 4 vieram a óbito
(caça seguida de atropelamento, ferimentos por ataque canino, fratura em um dos membros
(provável atropelamento) e miíase cutânea foram as causas de morte observadas), 2 foram
devolvidos à natureza após reabilitação, 1 foi destinado a um criador conservacionista após
procedimento cirúrgico, 1 foi avistado ferido e o último estava preso para fins de
domesticação, com uma suposta lesão. Considerando os animais feridos que vieram a
óbito, o número total de animais mortos, no contexto dos registros da pesquisa, sobe para
16, ou seja, 22.85%. Já os números de indivíduos mortos por atropelamento pode chegar a
12, considerando vítimas indiretas. Considerando a “morte ecológica” dos animais
registrados, poderiam ser acrescentados nessa conta mais 2 indivíduos, o destinado ao
criadouro conservacionista e o aprisionado para fins de domesticação, totalizando 18 lobos
retirados da natureza (25.71% do total). Estes são números e informações que expõem os
principais conflitos e desafios para a conservação da espécie no estado fluminense. Tendo
como base os registros de ocorrência, ficou evidente que os atropelamentos são a principal
ameaça ao lobo-guará no estado, dos 16 animais que vieram a óbito 12 foram por
atropelamento, esse número significa 75% das mortes físicas (Figura 10).
Figura 10 - Percentual de óbitos observados e principal causa de morte de indivíduos. * 2 abatidos por conflitos relacionados a predação de animais domésticos, 1 atacado por cães domésticos e 1 por doença (miíase cultânea).
De fato, uma das ameaças mais severas para pequenas populações de lobos, depois
da redução de ambientes ideais para a manutenção de populações de lobo-guará, é o grande
número de atropelamentos, sendo na maioria das vezes de indivíduos jovens,
provavelmente em fase de dispersão (Paula et al. 2013). Em algumas populações estima-se
que os atropelamentos sejam responsáveis pela morte de até 50% da produção anual de
filhotes (Rodrigues, 2002). No caso do estado do Rio de Janeiro, é importante considerar
que a maior parte dos casos foi registrada em duas rodovias que possuem monitoramento
de fauna silvestre impactada, exceções no estado. Ou seja, o grande número de registros
40
nessas rodovias é, em parte, devido ao esforço amostral realizado. Nesse sentido, os
impactos da malha viária certamente são muito maiores e representam uma enorme ameaça
para a persistência da espécie no território fluminense.
Adicionalmente, de acordo com dados do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia
de Estradas – CBEE, da Universidade Federal de Lavras – UFLA, aproximadamente 475
milhões de animais silvestres são atropelados no Brasil todos os anos, estima-se que desse
total, 5 milhões são animais de grande porte como o lobo-guará (www.cbee.ufla.br/portal/).
Nesse sentido, projetos direcionados a espécie, considerada carismática por muitas
pessoas, poderiam contribuir para a mitigação e redução dos impactos das rodovias de uma
forma geral.
Com efeito, outras ameaças também são preocupantes no estado como, por
exemplo, os conflitos com populações humanas, com três casos de captura e dois de abate
relacionados à predação de animais domésticos, um indivíduo atacado por cães domésticos
e um dos lobos atropelados que apresentava ferimento ocasionado por arma de fogo.
Existem também relatos de animais que são abatidos e jogados nas estradas. No entanto, ao
longo da pesquisa foi possível perceber que muitas pessoas não só gostam da presença da
espécie como em alguns casos utilizam de estratégias para atraí-la, como o caso em
Paraíba do Sul onde foram instalados galinheiros para alimentar os lobos. Existem relatos
de fazendeiros interessados em plantar lobeiras em suas terras para atrair a espécie e
promover avistamentos. Dependendo da localidade, as pessoas cogitam repor as galinhas
ou retirá-las para que o lobo-guará possa aparecer. Em um caso extremo, uma fêmea
filhote foi capturada e aprisionada com a intenção de ser domesticada, o animal foi
colocado literalmente na coleira, sendo afastada da mãe do período pós-amamentação até a
fase adulta.
Não foi possível identificar o gênero e maturidade sexual da grande maioria dos
indivíduos registrados. Essas informações poderiam contribuir, por exemplo, para análises
relacionadas à dispersão de indivíduos jovens ou estudos mais amplos associados à
dinâmica de populações. Nesse sentido, como 61.42% (43) do total dos registros foram
realizados por meio de fotografia, vídeo ou armadilha fotográfica, talvez seja possível
extrair mais informações dessas ocorrências num esforço futuro, por meio de análises das
características físicas dos indivíduos.
41
Por fim, o método de consulta às prefeituras municipais e unidades de conservação
e a forma como os registros de ocorrência foram organizados e sistematizados neste
estudo, podem servir de referência para levantamentos de dados e pesquisas futuras,
inclusive no âmbito de outras espécies de fauna silvestre e escalas territoriais. Em outras
palavras, o presente estudo foi norteado pela precisão geográfica dos dados de presença da
espécie o que torna a base de dados confiável do ponto de vista técnico-científico. No
entanto, outras informações também foram coletadas e sistematizadas, proporcionando
assim análises qualitativas de presença e ausência da espécie. Saber em que contexto um
lobo-guará foi atropelado, por exemplo, permite a busca de soluções para o conflito. Assim
como a identificação de outras ameaças a espécie e, por que não, oportunidades para sua
conservação e proteção. Nesse sentido, as diversas etapas do esforço de pesquisa são
igualmente importantes, ou seja, o planejamento prévio; a determinação do grau de
precisão geográfico dos dados de presença; as informações qualitativas a serem
preenchidas; o envolvimento de atores diversos; e por fim, a análise e sistematização de
todos os dados. Além de uma base de dados confiável o resultado muito provavelmente
será um histórico de ocorrências, rico em detalhes técnicos relacionados à biologia,
ecologia e comportamento da espécie e também a formação de uma rede de contatos e
colaboradores para ações ligadas a conservação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Associação Patrimônio Natural. 2009. Plano de Manejo da RPPN Fazenda São
Benedito. Associação Patrimônio Natural. Rio Claro, RJ.
Aximoff, I., Pires, F. & Almeida, B. 2009. Levantamento preliminar de mamíferos
de grande porte em fragmentos florestais de área industrial, Resende, RJ. Anais do IX
Congresso de Ecologia do Brasil. São Lourenço, MG.
Brito, D., Oliveira, L. C. & Mello, M. A. R. 2004. An overview of mammalian
conservation at Poço das Antas Biological Reserve, southeastern Brazil. Journal for Nature
Conservation, 12. Elsevier. Pp 219-228.
Bueno, A. A. 2003. Vulnerabilidade de pequenos mamíferos de áreas abertas a
vertebrados predadores na Estação Ecológica de Itirapina, SP. Tese de doutorado.
Universidade de São Paulo. São Paulo, SP.
42
Bueno, A.A. & Motta-Junior, J.C. 2005. Small mammal selection and functional
response in the diet of the maned wolf, Chrysocyon brachyurus (Mammalia: Canidae), in
southeast Brazil. Mastozoología Neotropical, 13:11-19.
Capra, F. & Luisi, P. L. 2014. A Visão Sistêmica da Vida: Uma concepção
unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Cultrix. São
Paulo, SP. 615p.
Chiarello, A. G., Aguiar, L. M. S., Cerqueira, R., Melo, F. R., Rodrigues, F. H. G.
& Silva, V. M. F. 2008. Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil. Em: Machado,
A.B.M., Drummond, G.M. & Paglia,A.P. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de
extinção. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. Fundação Biodiversitas. Belo
Horizonte, MG. Vol. 2. 1420 p.
ICMBio. 2012. Plano de Manejo do Parque Nacional de Itatiaia: Encarte II.
ICMBio. Brasília, DF.
Inea. 2012. Mapa de uso e cobertura do solo do estado do Rio de Janeiro na escala
de 1:1000. Disponível em <www.inea.rj.gov.br>. Acessado em 22 de maio de 2015.
Paula, R. C., Medici, P. & Morato, R. G. 2008. Plano de ação para a conservação do Lobo-
Guará: análise de viabilidade populacional e habitat (PHVA). Ibama. Brasília, DF. 158 p.
Paula, R.C. & Gambarini, A. 2013. Histórias de um Lobo (Stories of a Golden
Wolf). Avis Brasilis Editora, Vinhedo, SP. 264 p.
Paula, R.C., Rodrigues, F.H.G., Queirolo, D., Jorge, R.P.S., Lemos, F.G. &
Rodrigues, L.A. 2013. Avaliação do estado de conservação do Lobo-Guará Chrysocyon
brachyurus (Illiger, 1815) no Brasil. Biodiversidade Brasileira, 3(1), 146-159.
Rodrigues, F.H.G. 2002. Biologia e conservação do lobo-guará na Estação
Ecológica de Águas Emendadas, DF. Tese (Doutorado em Ecologia). Universidade
Estadual de Campinas. 105p.
Sabato, M. A. L., de Melo, L. F. B., Magni, E. M. V., Young, R. J., & Coelho, C.
M. 2006. A note on the effect of the full moon on the activity of wild maned
wolves, Chrysocyon brachyurus. Behavioural Processes, 73, 228-230.
43
CAPÍTULO 2 - Modelagem preditiva de distribuição do lobo-
guará Chrysocyon brachyurus (Illiger, 1815) no estado do Rio de
Janeiro.
Imagem: Bernardo Eckhardt
44
INTRODUÇÃO
A modelagem preditiva de distribuição de espécies é definada por Soberón &
Nakamura (2009) como uma técnica utilizada para estimar áreas de distribuição reais ou
potenciais ou conjuntos de habitats favoráveis para uma determinada espécie, com base em
dados de presença e, às vezes, ausência da espécie. Anderson et al. (2003) explicam que a
modelagem preditiva de distribuição de espécies é uma técnica de processamento
computacional que combina dados de ocorrência de uma ou mais espécies com variáveis
ambientais, construindo assim uma representação das condições requeridas pelas espécies.
Segundo Giannini et al. (2012), o desenvolvimento de algoritmos específicos para
a modelagem preditiva de distribuição de espécies foi fundamental para a evolução dessa
técnica. Atualmente no processo de modelagem são utilizados diversos algoritmos, como o
Maxent (Maximun Entropy), por exemplo, que além de processar os modelos permitem a
projeção dos resultados por meio de mapas que ilustram as áreas de distribuição potencial
das espécies (Giannini et al. 2012).
Segundo De Marco & Siqueira (2009) esses modelos são “ferramentas importantes
para determinar a distribuição de espécies ameaçadas com finalidades conservacionistas e
para avaliar abordagens teóricas sobre processos biogeográficos”, como é o caso da análise
da presença de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro. De fato, de acordo
com Giannini et al. (2012) a modelagem pode contribuir para o entendimento de questões
relacionadas direta e indiretamente com as ameaças que as espécies enfrentam,
principalmente devido à perda de habitat e dinâmicas associadas. Os autores destacam
outros importantes objetivos de utilização da modelagem de distribuição de espécie, como
por exemplo, a utilização de modelos preditivos de distribuição em análises voltadas à
conservação de espécies raras ou ameaçadas, à reintrodução de espécies e identificação de
possíveis áreas de soltura, à perda de biodiversidade, aos impactos de mudanças climáticas
e ao auxilio na identificação de áreas prioritárias para conservação. Este último, também
inserido nos principais objetivos do presente estudo com o lobo-guará no estado
fluminense.
De Marco & Siqueira (2009) ensinam que um modelo bem executado depende da
quantidade e da qualidade dos dados de distribuição, pois esses dados afetam
significativamente os resultados da modelagem (Suarez-Seasone et al. 2002; Luoto et al.
2005), da mesma forma, é necessário uma análise apropriada para a escolha da resolução
45
espacial e das variáveis ambientais (Robertson et al. 2003; Elith et al. 2006; Austin, 2007).
Nesse sentido, De Marco & Siqueira (2009) explicam que, inicialmente, o conjunto
mínimo de variáveis ambientais deveria ser escolhido com base nos conhecimentos sobre
fisiologia e ecologia geral da espécie que está sendo analisada. No entanto, também é
recomendada a não utilização de variáveis altamente correlacionadas no processo de
modelagem (Guisan & Thuiller, 2005).
Em relação aos limites da área de estudo, a estratégia de utilização das maiores
distâncias geográficas dos pontos de ocorrência da espécie se apresenta mais adequada
para casos onde existam poucos registros, isto para que se tenha uma análise mais
conservadora na modelagem (De Marco & Siqueira, 2009). Já a escolha do algoritmo a ser
utilizado na modelagem preditiva de distribuição de espécies, de acordo com Giannini et
al. (2012), “deve ser baseada na pergunta do estudo e na disponibilidade de dados de
ocorrência”.
Características geoespaciais da espécie podem também afetar a eficiência do
modelo preditivo de distribuição e se espera que espécies de distribuição mais ampla, como
é o caso do lobo-guará, sejam mais suscetíveis a vícios nos dados ambientais gerados por
amostragem deficiente (Luoto et al. 2005; Segurado et al. 2006). Por isso a importância do
número e do grau de precisão dos registros de ocorrência da espécie no território, uma vez
que desses pontos serão extraídos os valores ambientais que serão utilizados na modelagem
preditiva da distribuição da espécie.
Lobo (2008) ensina que a qualidade de previsão do modelo depende da qualidade dos
dados existentes e que os dados de ausência da espécie, quando utilizados, devem ser tão
confiáveis quanto os de presença.
Além de apresentar a metodologia de execução da modelagem, este capítulo irá
analisar a presença da espécie no estado fluminense, utilizando o modelo de distribuição
final gerado, com o objetivo de identificar áreas prioritárias para ações diretas e indiretas
de conservação. Adicionalmente, algumas perguntas nortearam a modelagem preditiva de
distribuição do lobo-guará no estado do Rio de Janeiro: Qual a extensão de áreas
adequadas para a espécie no estado? Existem áreas que podem ser consideradas
estratégicas ou prioritárias para ações diretas e indiretas para a conservação da espécie
nesse recorte geográfico? Quais? A presença dos lobos coincide com as áreas de
pastagem? Quais UC possuem áreas adequadas para a espécie? Quais são as áreas de maior
46
conflito ou maiores ameaças a espécie? O estado do Rio de Janeiro pode contribuir para
uma estratégia continental e nacional de conservação para o lobo-guará?
METODOLOGIA
A partir da base de dados reunida nesta pesquisa que conta com 70 registros de
ocorrência da espécie, foi realizada a modelagem preditiva de distribuição de Chrysocyon
brachyurus no estado do Rio de Janeiro, por meio do tratamento dos registros, escolha das
variáveis ambientais e do algoritmo para modelagem, avaliação do modelo gerado e
procedimentos de pós-modelagem.
Tratamento dos pontos de ocorrência
Dos 70 registros que formam a base de dados de Chrysocyon brachyurus nos estado
do Rio de Janeiro, foram retirados 10 que não possuíam precisão geográfica adequada ou a
certeza absoluta da ocorrência da espécie. Além deles, as duas supostas ocorrências de
abate por conflitos relacionados à predação de animais domésticos no município de Areal
também foram suprimidas do processo de modelagem por serem apenas relatos.
Figura 1 – Tratamento dos pontos de ocorrência para a modelagem preditiva de distribuição da espécie.
Foram considerados apenas registros por meio de fotografia, vídeo,
monitoramento, publicações ou por meio de avistamento, em todos os casos, que
apresentassem precisão geográfica de até 1 km². Os 58 pontos restantes foram então
47
submetidos ao refinamento por meio de análises de autocorrelação, realizado no ArcGis
por meio da extensão SDMToolbox (Brown, 2014). Essa etapa consiste em filtrar dados
muito próximos uns dos outros a partir de uma distância euclidiana específica, no caso 1
km. Ou seja, reduzindo as ocorrências muito próximas a um único ponto. Isso é
importante para o ajuste e a avaliação do modelo, uma vez que a autocorrelação dos pontos
reduz a capacidade de previsão da modelagem (Veloz, 2009; Hijimans et al. 2013; Boria et
al. 2014). Após essa análise mais 7 foram subtraídos, restando 51 pontos para a
modelagem preditiva de distribuição da espécie (Figura 1).
Tratamento e escolha das variáveis ambientais
Para a modelagem foram consideradas, inicialmente, 21 variáveis ambientais. 19
bioclimáticas (WorldClim - Global Climate Data), correspondentes a dados de observação
representativos de 1950 a 2000, na resolução de 30 arc-segundos, ou aproximadamente 1
km, e 2 relacionadas ao meio físico, altitude e declividade (SRTM - Shuttle Radar
Topographic Mission), reamostradas para a mesma resolução espacial das variáveis
climáticas. Foram utilizados os dados organizados e disponibilizados pela base de dados
AMBDATA/INPE <http://www.dpi.inpe.br/Ambdata/> criada com o propósito de facilitar
projetos e pesquisas relacionados à modelagem preditiva de distribuição de espécies
(Amaral et al. 2013). A variável de meio físico, uso e ocupação do solo, importante para a
análise da distribuição, foi utilizada no processo de pós-modelagem. Giannini et al. 2012
explicam que é possível melhorar o modelo gerado subtraindo áreas onde a espécie não
ocorre por fatores geográficos, como por exemplo, uma ilha costeira no caso do lobo-
guará, entre outros motivos. Dados de uso e cobertura do solo podem ser utilizados na pós-
modelagem para a retirada de áreas urbanas ou florestadas do modelo, por exemplo,
(Anderson & Martinez-Meyer, 2004). Áreas que podem ser de ausência notória da espécie
a ser estudada.
Todas as variáveis ambientais foram, então, recortadas para o estado do Rio de
Janeiro, considerando o número de pontos e as distâncias mais extremas dos registros (De
Marco & Siqueira, 2009). A partir delas foi estabelecido um retângulo com
aproximadamente 30 km de distância dos pontos mais extremos, medida definida também
em função da área de vida da espécie. Esse cenário de fundo estabelece o domínio
ambiental do estudo onde a espécie está ocorrendo (Hijmans & Elith, 2013).
48
Figura 2 – Tratamento e escolha das variáveis ambientais.
Para a seleção das variáveis foram utilizados os valores ambientais de cada ponto e
a análise de correlação linear de Pearson, onde as variáveis altamente correlacionadas
foram identificadas e retiradas da modelagem. Para essa etapa, foram utilizadas análises no
ArcGis e, novamente, a extensão do programa SDMToolbox (Brown, 2014). Foram
selecionadas as variáveis com até 0.70 de correlação. Considerando ainda o efeito das
variáveis na fisiologia e no comportamento da espécie, foram então selecionadas 5
variáveis ambientais. Foram definidas, para a modelagem preditiva de distribuição de
espécies, as seguintes variáveis ambientais: média do período diurno (BIO2), sazonalidade
da temperatura (BIO4), precipitação no mês mais seco (BIO14), altitude e declividade
(Figura 2).
Escolha do algoritmo de modelagem
O algoritmo definido para a modelagem preditiva de distribuição da espécie
Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro foi o Maxent (Maximum Entropy),
versão 3.3.3k. De Marco & Siqueira (2009), explicam que “essa é uma técnica de
aprendizagem automática (machine-learning) que estima a distribuição de probabilidades
mais próxima à distribuição uniforme sob a restrição de que os valores esperados para cada
variável ambiental estejam de acordo com os valores empíricos observados nos pontos de
ocorrência”. Segundo Elith et al. 2011, Maxent é um algoritmo para modelagem preditiva
de distribuição que utiliza dados de presença das espécies. Essa é uma das vantagens da
49
utilização do algoritmo que também é conhecido por funcionar bem com números
relativamente pequenos de pontos (Wisz et al. 2008). Estas são duas características dos
dados da pesquisa com os lobos no estado do Rio de Janeiro. De Marco & Siqueira (2009)
realizaram um comparativo entre algoritmos (Maxent, GARP, SVM e Bioclim), tendo
como base 50 registros de ocorrência de uma determinada espécie botânica no estado de
São Paulo, chegando à conclusão que o melhor modelo foi gerado pelo Maxent que
apresentou o maio valor de AUC (area under curve), no entanto, os autores ressaltaram
que as áreas de distribuição da espécie previstas com a utilização dos diferentes algoritmos
eram semelhantes. Em relação ao valor da AUC, quanto mais próximo de 1, maior a
distância da previsão aleatória e melhor o desempenho do modelo (Rushton et al. 2004;
Phillips et al. 2006).
Além disso, os modelos gerados pelo algoritmo escolhido têm uma interpretação
probabilística natural, apresentando uma gradiente que ilustra as condições mais adequadas
para a distribuição da espécie, até as menos adequadas. Os modelos gerados podem ser
facilmente interpretados por especialistas, o que torna a ferramenta prática e funcional
(Phillips et al. 2004).
O Maxent também vem sendo utilizado em diversas análises e modelagens do
Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros – CENAP/ICMBio,
inclusive na modelagem preditiva de distribuição do lobo-guará no Brasil e na América do
Sul. De fato, o CENAP é responsável pelo desenvolvimento das principais pesquisas,
políticas e ações de conservação para mamíferos carnívoros no Brasil (Paula et al. 2014).
Nesse sentido, buscou-se, neste estudo, a utilização de técnicas alinhadas com as utilizadas
pelos especialistas do CENAP, com o objetivo de garantir um equilíbrio mínimo entre
modelos, o que poderia favorecer análises da distribuição da espécie como um todo.
Modelagem (Figura 3)
O Maxent é um algoritmo não determinístico, ou seja, produz resultados diferentes
com os mesmos dados de entrada em cada processamento do programa. Por isso, foram
gerados 10 modelos, sendo utilizada para este estudo a média dos resultados de todos os
modelos gerados. Para minimizar os erros de omissão (subprevisão) e comissão
(sobreprevisão), geralmente associados aos modelos preditivos de distribuição de espécies,
foi utilizada a técnica de bootstrap, que gera diferentes conjuntos de dados aleatórios
(treino e teste) permitindo assim a avaliação do desempenho do modelo (Young et al.
50
2011; Giannini et al. 2012). Os pontos foram divididos na proporção de 70% (treino) e
30% (teste) (Giannini et al. 2012). O limite de corte (threshold) foi definido considerando a
biologia e ecologia da espécie (principalmente área de vida e deslocamento); a paisagem
fragmentada do estado; a possível falta de precisão geográfica em alguns registros de
avistamento; e os objetivos da modelagem que incluem demonstrar o potencial de
distribuição da espécie e identificar áreas prioritárias para ações de conservação no estado.
Nesse sentido, para definir a probabilidade da presença da espécie, optou-se pelo uso do
limite de corte de 10% minimun, que foi inserido no processo de pós-modelagem em
ambiente SIG. Esse limite de corte utiliza 90% dos dados para definir as áreas
ambientalmente adequadas do modelo gerado (Young et al. 2011), o que proporciona um
resultado mais conservador, equalizando possíveis erros nos dados.
Figura 3 – Sistematização do processo de modelagem preditiva de distribuição da espécie
O modelo gerado no Maxent é probabilístico, com valores entre 0 e 1,
adicionalmente, foi gerado um modelo binário (0 ou 1) a partir do limite de corte
estabelecido, onde 1 representa presença e 0 ausência (Figura 4). Os modelos,
probabilístico e binário, foram então multiplicados um pelo outro para a obtenção do
modelo preditivo final de distribuição da espécie (Ferraz, 2013). A variável de meio físico,
uso e cobertura do solo (Inea, 2012), foi então sobreposta ao modelo final, para que os
erros de sobreprevisão apresentados fossem corrigidos. Nessa etapa, algumas áreas foram
retiradas do modelo como, por exemplo, aquelas inacessíveis para a espécie, como as ilhas
51
costeiras, e parte das regiões Metropolitana, Baixadas Litorâneas e Costa Verde. As áreas
urbanas e de agricultura foram mantidas nas demais regiões para que fosse possível a
identificação dos conflitos com as áreas adequadas para a espécie. De fato a pós-
modelagem proporcionou diversas análises técnicas e objetivas, garantindo a memória do
processamento e a possibilidade de outras análises futuras. Ou seja, a pós-modelagem
trouxe um olhar “não automático” para a análise.
Figura 4 - Modelo Probabilístico (Maxent) e Modelo Binário (com limite de corte aplicado).
Independente do uso prévio de determinadas variáveis no processo de modelagem,
a sobreprevisão pode estar associada a fatores históricos, ecológicos ou biológicos que
impedem a espécie de colonizar certas áreas (Giannini et al. 2012). No caso do lobo-guará,
outros fatores também podem contribuir para o erro, como os relacionados à presença
humana e suas intervenções no território que também podem impedir a chegada da espécie
em determinadas áreas, à disponibilidade hídrica que poderia aumentar (Emmons, 2014)
ou diminuir a área de vida dos lobos e a vegetação existente, principalmente ambientas
florestados que não comportam a espécie.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Modelo preditivo de distribuição de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de
Janeiro
O modelo final (Figura 5) apresentou uma AUC de 0.918, com um desvio padrão
de 0.013. A qualidade do modelo foi considerada excelente pelos critérios de Metz (1986).
A ordem de contribuição das variáveis para o modelo gerado foi: sazonalidade da
temperatura (41.5%), média do período diurno (24.2%), altitude (14.1%), precipitação no
mês mais seco (10.5%) e declividade (9.7%).
52
Figura 5 - Modelo preditivo de distribuição de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro. Áreas mais escuras (com valores mais próximos de 1) indicam maior probabilidade de ocorrência da espécie.
Percentual do território estadual com áreas ambientalmente adequadas para a espécie
Considerando o modelo binário, que indica presença e ausência, as áreas
ambientalmente adequadas para a espécie no estado do Rio de Janeiro foram calculadas em
aproximadamente 16.670.400 km², ou seja, algo perto de 38% da área total do estado.
Considerando o perfil adaptativo dos lobos e o número e extensão geográfica dos registros
no estado fluminense, o modelo binário (presença e ausência) demonstra melhor o tamanho
potencial de distribuição da espécie. Nesse sentido, inicialmente é indicado o seu uso para
fins didáticos.
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie nas Regiões Administrativas e
Municípios
O modelo final apresentou áreas ambientalmente adequadas para a espécie no
estado do Rio de Janeiro, nas regiões Médio-Paraíba, Centro Sul Fluminense, Serrana,
Baixadas Litorâneas, Norte e Noroeste Fluminense (Figura 6). Áreas de presença muito
pequenas foram identificadas também nas regiões Costa-Verde e Metropolitana. A região
Centro Sul Fluminense apresentou a melhor adequabilidade ambiental para a espécie
considerando a base de dados e as variáveis ambientais escolhidas para a modelagem,
principalmente nos municípios de Areal, Comendador Levy Gasparian, Paraíba do Sul,
53
Paty do Alferes, Três Rios e Vassouras. A região Serrana também apresentou áreas de
presença significativas, nos municípios de Petrópolis, Teresópolis, Santa Maria Madalena,
São José do Vale do Rio Preto e São Sebastião do Alto, assim como a região Médio-
Paraíba, principalmente nos municípios de Barra do Piraí, Barra Mansa, Pinheiral, Piraí,
Porto Real, Quatis, Rio Claro, Resende, Rio das Flores e Volta Redonda. Na região
Baixadas Litorâneas o destaque foi o município de Cachoeiras de Macacú. Na região Norte
e Noroeste destacam-se os municípios de São Fidelis e Itaocara, respectivamente.
Figura 6 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e divisão político-administrativa do RJ (IBGE).
A modelagem preditiva de distribuição também indicou áreas ambientalmente
adequadas para a espécie em municípios com ausência de registros e relatos, foi o caso dos
municípios de Cachoeira de Macacú, Rio Bonito e Silva Jardim, na região Baixadas
Litorâneas. Locais onde seria interessante direcionar novas buscas por registros. No caso
de Cachoeiras de Macacú, por exemplo, existem grandes barreiras naturais, como a Serra
dos Órgãos, e artificiais, como rodovias e estradas, que poderiam impedir a espécie de
estar de fato presente na região. O município ainda possui uma boa parcela de sua área
inserida em vegetação florestal, possuindo também áreas destinadas à agricultura. No
entanto, o histórico de Chrysocyon brachyurus no estado fluminense é muitas vezes
surpreendente. Indivíduos têm se deslocado para regiões atípicas, alteradas e muitas vezes
com relativa presença humana, atravessando diversos obstáculos. Já sua permanência
nessas localidades depende de diversos fatores como, por exemplo, o grau de ameaças, a
disponibilidade de recursos naturais e da própria da própria capacidade de dispersão e
54
adaptação da espécie. Com efeito, uma das características principais da modelagem
preditiva de distribuição é exatamente prever áreas com e sem adequabilidade ambiental
para as espécies ocorrerem, no entanto a complexidade da dinâmica de dispersão mostra
que a distribuição de uma espécie pode ir além desse conceito (Pulliam, 2000). Giannini et
al. (2012) analisam que de acordo com essa teoria, uma espécie pode ser encontrada fora
das áreas adequadas ambientalmente para a ocorrência e vice-versa, ou seja, a espécie
pode encontrar barreiras de dispersão e não chegar aos locais adequados. Nesse sentido, a
validação em campo se apresenta como a melhor forma para avaliar a capacidade do
modelo de acertar a distribuição da espécie (Giannini et al. 2012).
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e o Uso e Cobertura do Solo
A análise com o mapa de uso e cobertura do solo do estado do Rio de Janeiro, na
escala de 1:100.000 (Inea, 2012), indicou a presença de áreas urbanas em locais onde foi
prevista alta adequabilidade ambiental (acima de 70%) para a espécie (Figura 7).
Principalmente nos municípios de Barra do Piraí, Barra Mansa, Pinheiral e Volta Redonda
(Médio-Paraíba); Areal, Comendador Levy Gasparian, Paraíba do Sul e Três Rios (Centro
Sul Fluminese); e Petrópolis, Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto (Serrana).
Outros municípios como Santa Maria Madalena, São Fidélis e Rio Claro também
apresentaram áreas urbanas em menor escala, sobrepostas às áreas adequadas aos lobos.
Figura 7 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e o uso e cobertura do solo do RJ (Inea, 2012).
Em relação a áreas convertidas para agricultura, houve sobreposição nos
municípios de Cachoeiras de Macacú, Comendador Levy Gasparian, Paraíba do Sul,
Petrópolis, Teresópolis, São José do Vale do Rio Preto e Sapucaia. Assim como os
registros de ocorrência da espécie evidenciaram, praticamente toda a área do modelo de
distribuição da espécie, coincide com a classificação de pastagem que representa 58% da
cobertura do estado.
55
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e remanescentes de Mata Atlântica
Os remanescentes de Mata Atlântica que se localizam desde o Maciço de Itatiaia,
Serra da Bocaina, Serra dos Órgãos até o Parque Estadual do Desengano, formam uma
grande barreira florestal para a distribuição do lobo-guará (Figura 8). No entanto os
registros de ocorrência na região Norte Fluminense evidenciam o fato de que a espécie
consegue cruzar e contornar áreas florestadas, mas que ainda têm um grau de fragmentação
considerável. Essa paisagem, que conta ainda com as influências hídricas e de relevo, pode
direcionar indivíduos para áreas não adequadas ambientalmente, especialmente por meio
da região entre a Serra dos Órgãos e o Parque Estadual do Desengano.
Figura 8 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e remanescentes da Mata Atlântica (SOMA,2012).
Já na região da Serra da Bocaina existem registros na parte do entorno do Parque
Nacional voltada para o Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. Aparentemente a espécie
não consegue transpor a vegetação e o relevo dentro do estado fluminense, muito embora
haja um relato de lobo-guará em Angra dos Reis. Outro remanescente que pode apresentar
alguma influência na distribuição dos lobos é a unidade de conservação municipal Refúgio
de Vida Silvestre do Chauá, localizada no Município de Cambucí, na região Noroeste
Fluminese.
Na região Baixadas Litorâneas uma área com alto grau de adequabilidade foi
sobreposta pela vegetação florestal, no município de Cachoeiras de Macacú, mas ainda
assim tem condições para a presença da espécie, embora aparentemente improvável. Por
fim, há de se destacar a presença da espécie na região do Maciço de Itatiaia, em campos de
56
altitude. A espécie vem sendo registrada sistematicamente no município de Itamonte,
Minas Gerais, inclusive em ambientes relativamente florestados.
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e Unidades de Conservação
Em relação às unidades de conservação federais e estaduais o modelo final mostrou
que a maior parte de áreas ambientalmente adequadas para a espécie não estão protegidas.
No entanto, diversas UC apresentaram áreas adequadas inseridas em seus limites
geográficos ou no entorno, mesmo que de forma fragmentada (Figura 9).
Figura 9 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e UC Federais e Estaduais (ICMBio;Inea)
Essa análise é importante porque pode contribuir para a atualização dos
instrumentos de gestão e planos de manejo das UC. Elas, por sua vez, podem contribuir
para as ações diretas e indiretas de conservação relacionadas ao lobo-guará. As unidades
pertencentes ao corredor ecológico da Mata Atlântica Central Fluminense também
funcionam como uma barreira natural, impedindo a passagem da espécie para áreas mais
baixas. De fato, relatos e registros da espécie próximos aos limites geográficos de unidades
de proteção integral estão acontecendo. Apesar de mais florestadas essas UC podem
oferecer em suas bordas oportunidades alimentares, hídricas e de refúgio para a espécie.
Em outras palavras, as UC aparentemente podem exercer alguma influência ambiental e
territorial na ocorrência dos lobos no estado do Rio de Janeiro.
57
Entre as UC federais que têm seus limites geográficos inseridos em áreas
ambientalmente adequadas para o lobo-guará, preditas pela modelagem, estão: Área de
Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João, Área de Proteção Ambiental da Região
Serrana de Petrópolis, Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira, Área de
Relevante Interesse Ecológico Floresta da Cicuta, Parque Nacional de Itatiaia, Parque
Nacional Serra dos Órgãos e Reserva Biológica do Tinguá. Entre as UC estaduais estão:
Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima, Área de Proteção Ambiental de
Mangaratiba, Área de Proteção Ambiental dos Frades, Área de Proteção Ambiental
Guandú, Parque Estadual Cunhambebe, Parque Estadual da Pedra Seleda, Parque Estadual
da Serra da Concórdia, Parque Estadual do Desengano, Parque Estadual dos Três Picos e
Reserva Biológica Estadual de Araras. Ao todo são 17 UC federais e estaduais que podem
contribuir de diferentes formas, algumas mais outras menos, para a conservação do lobo-
guará.
Além disso, considerando sua influência territorial, as UC têm um papel estratégico
em ações e projetos futuros para a proteção e conservação de Chrysocyon brachyurus no
estado, como por exemplo, na efetivação de uma rede de contatos e colaboradores para
atuarem em questões relacionadas à espécie.
É preciso ressaltar que a grande maioria dessas UC foram criadas para preservar
remanescentes de Mata Atlântica, ambientes que não comportam os lobos. O que se
propõe é a contribuição para além dos limites geográficos das UC. Ou seja, a contribuição
para a conservação da espécie e da biodiversidade a partir de uma visão sistêmica (Capra
& Luisi, 2014). No caso dos atropelamentos por exemplos, as UC podem e devem agir
diretamente para a redução dos números de mortes dos lobos e da fauna silvestre como um
todo. De fato, essa questão diz respeito à própria efetividade das Unidades de Conservação.
Ter uma visão sistêmica é essencial para projetos de conservação da biodiversidade. A
presença do lobo-guará no Rio de Janeiro é um grande exemplo nesse sentido, ou seja,
dificilmente alguma UC no estado conseguiria preservar a espécie em seus limites
geográficos, ainda que fosse criada uma unidade de conservação com esse propósito. O
trabalho em mosaico ou em rede, além dos limites da UC, é essencial para a conservação
de espécies que não fazem nem idéia de que existem limites, divisas e fronteiras político
administrativas no território. Projetos de integração entre unidades, instituições e sociedade
certamente irão resultar em benefícios diretos para a conservação da biodiversidade de uma
forma geral.
58
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e hidrografia
A proximidade e a disponibilidade de água podem estar influenciando na dinâmica,
territorial do lobo-guará, principalmente quando o modelo de distribuição, os registros de
ocorrência e a hidrografia do estado são analisados (Figura 10). É possível que a
distribuição Chrysocyon brachyurus esteja relacionada aos cursos de alguns rios
importantes da região, principalmente o Rio Paraíba do Sul, seja pelas características
ambientais do território ou pela dificuldade de atravessar as barreiras naturais. De fato,
tanto as ocorrências como as áreas ambientalmente mais adequadas para a espécie,
identificadas pela modelagem, estão localizadas próximas ao Rio Paraíba do Sul. Nesse
sentido, a hidrografia poderia estar contribuindo para a distribuição da espécie no estado.
No entanto, novas análises e pesquisas são importantes para uma melhor conclusão.
Figura 10 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e hidrografia (IBGE).
Adicionalmente, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais fazem parte do Comitê
de Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP, fórum que entre outras
finalidades tem a missão de propor e executar ações relacionadas à gestão dos recursos
hídricos em uma área que coincide, pelo menos no estado do Rio de Janeiro, com a
distribuição predita da espécie. Esse fórum também poderia ser envolvido em ações de
conservação, principalmente porque os lobos poderiam estar contribuindo para o
enriquecimento florístico de áreas degradas, de pastagem e matas ciliares ao longo do Rio
Paraíba do Sul e seus afluentes. Por outro lado, a espécie poderia estar contribuindo para o
59
desenvolvimento de um ecossistema emergente (Hobbs et al. 2009) resultante do processo
de adaptação da natureza frente as mudanças bióticas e ou abióticas, locais ou globais,
promovidas principalmente por ações humanas.
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e a Malha Viária
Tendo como base os registros de ocorrência, a principal ameaça ao lobo-guará no
estado do Rio de Janeiro são os atropelamentos. Nesse sentido, foi realizada uma análise
sobrepondo a malha viária do estado ao mapa de distribuição da espécie gerado pela
modelagem (Figura 11). Essa análise concluiu que, em relação à malha viária, as áreas
indicadas como alta adequabilidade para a espécie (acima de 70%), são cortadas por
rodovias federais importantes. São elas: BR-040 e BR-393, na região Centro Sul
Fluminense; BR040, BR-116 e BR-492, na região Serrana; BR-393, BR-394 e BR-116, na
região Médio-Paraíba; e BR-492 na região Noroeste Fluminense. Essas rodovias federais
são ponto de partida para ações de sinalização, comunicação e conscientização. A BR-101
que liga as regiões Metropolitana, Baixadas Litorâneas e Norte Fluminense se apresenta
como um limite físico da distribuição da espécie. De fato, três lobos foram registrados pela
pesquisa e morreram ao longo da via, dois deles atropelados.
Figura 11 - Modelagem preditiva de distribuição da espécie e malha viária (DENIT).
O cenário geral fica ainda mais alterado quando são consideradas as rodovias
estaduais. Nesse sentido, verificou-se a interseção de áreas ambientalmente adequadas para
a espécie com diversas rodovias estaduais, como por exemplo: Estrada União e Indústria,
60
RJ-115, RJ-116, RJ-125, RJ-130, RJ-131, RJ-134, RJ-135, RJ-139, RJ-141, RJ-143, RJ-
145, RJ-146, RJ-149, RJ-151, RJ-152, RJ-153, RJ-155, RJ-157, RJ-158, RJ-159, RJ-161,
RJ-163, RJ-172, RJ-176, RJ-184, RJ-192, RJ-194, RJ-206, RJ-222 e RJ-234. Essas
rodovias também precisam considerar a espécie em seus instrumentos de gestão.
Adicionalmente, o lobo-guará, como uma espécie carismática, pode contribuir para
a mitigação e redução dos impactos das rodovias de uma forma geral, ou seja, ações
relacionadas a ele podem refletir na redução dos impactos em diversas espécies sujeitas a
mesma ameaça.
Áreas ambientalmente adequadas para a espécie e outras unidades da federação
Embora fora da área de estudo, regiões de alta adequabilidade ambiental foram
identificadas em São Paulo, nos municípios de Areias, Arapeí, Bananal e São José do
Barreiro (Região Administrativa São José dos Campos), e em Minas Gerais, nos
municípios de Chiador, Mar de Espanha, Santana do Deserto e Simão Pereira (Região
Administrativa Zona da Mata), áreas próximas às divisas com o Rio de Janeiro (Figura 12).
Figura 12 – Modelo Probabilístico e outras unidades da federação (IBGE).
61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amaral, S., Costa, C.B., Arasato, L.S., Ximenes, A.C. & Rennó, C.D. AMBDATA:
Variáveis ambientais para Modelos de Distribuição de Espécies. Em: Simpósio Brasileiro
de Sensoriamento Remoto, 16. (SBSR), 2013, Foz do Iguaçu. INPE. São José dos Campos,
SP. Pp 6930-6937.
Anderson, R.P. & Martinez-Meyer, E. 2004. Modeling species’ geographic
distributions for preliminary conservation assessments: an implementation with the spiny
pocket mice (Heteromys) of Ecuador. Biological Conservation 116: 167-179.
Anderson, R.P., Lew, D. & Peterson, A.T. 2003. Evaluating predictive models of
species’ distributions: criteria for selecting optimal models. Ecological Modelling 162:
211-232.
Austin, M. 2007. Species distribution models and ecological theory: a critical
assessment and some possible new approaches. Ecological Modelling 200: 1-19.
Boria, R. A., Olson, L.E., Goodman, S. M. & Anderson, R. P. 2014. Spatial
filtering to reduce sampling bias can improve the performance of ecological niche
models. Ecol Modell 275: 73–77
Brown, J. L. 2014. SDMtoolbox: a pyton-based GIS toolkit for landscape genetic,
biogeographic and species distribution model analyses. Methods in Ecology and Evolution.
The City College of New York. Disponível em <www.sdmtoolbox.org>.
Capra, F. & Luisi, P. L. 2014. A Visão Sistêmica da Vida: Uma concepção
unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Cultrix. São
Paulo, SP. 615p.
De Marco Júnior, P. & Siqueira, M. F. 2009. Como determinar a distribuição
potencial de espécies sob uma abordagem conservacionista? Megadiversidade. Vol. 5. N°
1-2.
Elith, J., Phillips, S. J., Hastie, T. H., Dudík, M., Chee, Y. E. & Yates, C. J. 2011. A
statistical explanation of MaxEnt for ecologists. Diversity and Distributions, 17:43-57.
62
Elith, J., Graham, C.H., Anderson, R.P., Dudik, M., Ferrier, S., Guisan, A.,
Hijmans, R.J., Huettmann, F., Leathwick, J.R., Lehmann, A., Li, J., Lohmann, L.G.,
Loiselle, B.A., Manion, G., Moritz, C., Nakamura, M., Nakazawa, Y., Overton, J.M.,
Peterson, A.T., Phillips, S.J., Richardson, K.S., Scachetti-Pereira, R., Schapire, R.E.,
Soberon, J., Williams, S., Wisz, M.S. & Zimmermann, N.E. 2006. Novel methods improve
prediction of species’ distributions from occurrence data. Ecography 29: 129-151.
Emmons, L.H. 2014. Environmental Influences on Maned Wolf Ecology in Bolivia.
Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the Maned Wolf:
Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 221-234.
Ferraz, K. M. P. M. B. 2013. Modelagem de Distribuição de Espécies: Tutorial de
Práticas. ESALQ/USP. Parte da disciplina de Pós-Graduação LCF5883 “Modelagem de
Distribuição de Espécies para a Conservação da Biodiversidade.
Fundação SOS Mata Atlântica & INPE. 2012. Atlas dos Remanescentes Florestais
da Mata Atlântica – Período 2010-2011 – Relatório Técnico.
Giannini, T. C., Siqueira, M. F., Acosta, A. L., Barreto, F. C. C., Saraiva, A. M. &
Alves-dos-Santos, I. 2012. Desafios atuais da modelagem preditiva de distribuição de
espécies (Current challenges of species distribution predictive modelling). Rodriguésia
63(3).
Guisan, A. & Thuiller, W. 2005. Predicting species distribution: offering more than
simple habitat models. Ecology Letters 8: 993-1009.
Hobbs, R. J., Higgs, E. & Harris, J. A. 2009. Novel ecosystems: implications for
conservation and restoration. Trends in Ecology and Evolution Vol.24 No. 11. 599-605.
Hijmans, R. J. & Elith, J. 2013. Species distribution modeling with R. 77p.
Disponível em: <https://cran.r-project.org/web/packages/dismo/vignettes/sdm.pdf>.
Inea. 2012. Mapa de uso e cobertura do solo do estado do Rio de Janeiro na escala
de 1:1000. Disponível em <www.inea.rj.gov.br>. Acessado em 22 de maio de 2015.
Lobo, J.M. 2008. Database records as a surrogate for sampling effort provide higher
species richness estimations. Biodiversity and Conservation 17: 873-881.
63
Luoto, M., J. Poyry, R.K. Heikkinen & K. Saarinen. 2005. Uncertainty of
bioclimate envelope models based on the geographical distribution of species. Global
Ecology and Biogeography 14: 575-584.
Metz, C.E. 1986. ROC methodology in radiologic imaging. Investigational
Radiology 21:720-733.
Paula, R. C., Rodrigues, F. H. G., Bizerril, M. X., Songsasen, N., Eizirik, E.,
Morato, R. G., Santos, J. P., Azevedo, F. C., May Jr., J. A., Soares, C. C., Rocha, F. L. &
Arrais, R. C. 2014. The Maned Wolf Conservation Project: Serra da Canastra, Minas
Gerais, Brazil. Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the
Maned Wolf: Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 177-192.
Phillips, S. J., Dudík, M. & Shapire, R. E. 2004. A Maximun entropy approach to
species distribution modeling. Em: Proceedings of the Twenty-First International
Conference on Machine Learning. Pp 655-662.
Phillips, S.J., Anderson, R.P. & Schapire, R.E. 2006. Maximum entropy modeling
of species geographic distributions. Ecological Modelling 190: 231-259.
Pulliam, H.R. 2000. On the relationship between niche and distribution. Ecology
Letters 3: 349-361.
Robertson, M.P., C.I. Peter, M.H. Villet & B.S. Ripley. 2003. Comparing models
for predicting species’ potential distributions: a case study using correlative and
mechanistic predictive modelling techniques. Ecological Modelling 164: 153-167.
Rushton, S.P., Ormerod, S.J. & Kerby, G. 2004. New paradigms for modelling
species distributions? Journal of Applied Ecology 41: 193-200.
Segurado, P., M.B. Araujo & W.E. Kunin. 2006. Consequences of spatial
autocorrelation for niche-based models. Journal of Applied Ecology 43: 433-444.
Soberón, J. & Nakamura, M. 2009. Niches and distributional areas: concepts,
methods, and assumptions. PNAS 106: 19644-19650.
64
Suarez-Seoane, S., P.E. Osborne & J.C. Alonso. 2002. Largescale habitat selection
by agricultural steppe birds in Spain: identifying species-habitat responses using
generalized additive models. Journal of Applied Ecology 39: 755-771.
Veloz, S. D. 2009. Spatially autocorrelated sampling falsely inflates measures of
accuracy for presence-only niche models. J Biogeogr 36: 2290–2299
Wisz, M.S., Hijmans, R.J., Li, J., Peterson, A.T., Graham, C.H., Guisan, A. &
NCEAS. 2008. Predicting species distributions working group. Effects of sample size on
the performance of species distribution models. Diversity and Distributions 14: 763-773.
Young, N., Carter, L. & Evangelista, P. 2011. A MaxEnt Model v3.3.3e Tutorial
(ArcGIS v10). Natural Resource Ecology Laboratory at Colorado State University and the
National Institute of Invasive Species Science. 30p.
65
DISCUSSÃO GERAL
Imagem (recorte): Eliana Regina Maia Gouvêa
66
Nos últimos dez anos, Chrysocyon brachyurus vem sendo sistematicamente
avistado e registrado no estado do Rio de Janeiro, principalmente em áreas alteradas do
bioma Mata Atlântica. A espécie ocorre nas regiões Serrana, do Médio-Paraíba e Centro
Sul Fluminense, mas existem, também, registros importantes nas regiões Noroeste e Norte
Fluminense. Poucos são os registros e relatos nas regiões Costa Verde, Metropolitana e
Baixadas Litorâneas. O esforço de pesquisa que gerou a base de dados de lobos do estado,
composta por 70 registros de ocorrência da espécie (Figura 9), contou com a participação
de 87 prefeituras municipais, 23 unidades de conservação federais e estaduais, e
aproximadamente 20 outras instituições, envolvendo mais de 60 colaboradores diretos.
Uma preocupação inicial era a confiabilidade dos dados, por isso a pesquisa buscou
a maior precisão possível tanto em relação à localização geográfica como ao histórico dos
lobos registrados. E de fato, a maioria dos registros (61.42%) foi realizada por meio de
fotografia, vídeo ou monitoramento (por meio de armadilhas fotográficas).
Figura 9 - Sobreposição da base de dados de presença da espécie com o modelo preditivo de distribuição final de Chrysocyon brachyurus no estado do Rio de Janeiro.
Chrysocyon brachyurus tem ocupado áreas degradadas e regiões de pastagem em
sua maior parte, mas também bordas de remanescentes florestais e até campos de altitude,
com um registro a 2.454 m de elevação, provavelmente uma das maiores altitudes
registradas na literatura. Lobos também têm sido avistados próximos a áreas urbanas,
principalmente na região Serrana. Em um dos casos foi possível inclusive aferir a
velocidade de um lobo filmado em Petrópolis que correu a mais de 30 km/h fugindo de um
67
automóvel em uma via pública. No estado, de todos os registros onde foi possível
determinar a fase lunar, a maioria (69.44%) aconteceu nas luas cheia e crescente, sugerindo
um padrão mais ativo da espécie nessas datas, muito provavelmente associado ao processo
de adaptação.
A espécie tem conseguido se adaptar a paisagem heterogênea do estado fluminense,
encontrando abrigo, alimento e também uma boa disponibilidade de água, fatores
determinantes para sua distribuição e seu processo de dispersão. No entanto, existem
ameaças significativas para indivíduos e populações. A mais fatal delas, de acordo com
este estudo, são os atropelamentos, responsáveis por 75% das 16 mortes observadas. No
entanto, outras ameaças são preocupantes como é o caso de conflitos com populações
humanas, principalmente relacionados à predação de aves domésticas. O contato com
animais domésticos e com as próprias pessoas também se apresenta como um problema,
tanto em relação à saúde e integridade física do guará como em relação ao comportamento
da espécie. É comum no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as pessoas terem o hábito
de alimentar animais silvestres. Essa prática funciona também para atrair os lobos que são
animais oportunistas, generalistas e relativamente dóceis e curiosos. A proximidade com
humanos pode favorecer capturas e abates. Existe ainda o risco relacionado ao tipo de
alimento ofertado. No caso de Paraíba do Sul, por exemplo, as galinhas são quase que
diariamente oferecidas aos lobos. Estudos mostram que a espécie tende a comer mais carne
quando ela está disponível e a grande quantidade de proteína consumida poderia aumentar
as chances do desenvolvimento de algumas doenças, entre elas, cistinúria e gengivite
(Motta-Junior et al. 2014). Um caso de tentativa de domesticação da espécie no interior do
estado evidencia até onde a proximidade com humanos pode ameaçar indivíduos e
populações de lobo-guará.
Por isso, é essencial incluir o componente humano no planejamento e gestão de
projetos de conservação que envolvam a espécie no estado. De acordo com Bath (2014)
manejo de vida silvestre exige mais do que o conhecimento de aspectos biológicos e
ecológicos das espécies, é essencial ter a compreensão de que existem dimensões humanas
associadas diretamente à conservação da biodiversidade e que elas necessitam ser
entendidas por um processo científico e objetivo. De acordo com o autor as dimensões
humanas estão diretamente ligadas à questões econômicas, sociais, culturais e políticas.
Nesse sentido, é necessário que os projetos de conservação tenham uma compreensão
integrada dessas dimensões para que possam obter sucesso. Esses projetos certamente terão
68
que envolver a sociedade nas soluções dos problemas. Na Croácia e na Bulgária, envolver
as pessoas desde o início, na participação dos planos de conservação para determinadas
espécies de lobo, foi o fator principal para o sucesso das iniciativas (Bath, 2014).
De fato, o lobo-guará pode ser considerado uma espécie carismática que possui o
poder de inspirar pessoas. Nesse sentido, representantes de diversas instituições,
municípios, unidades de conservação e sociedade civil puderam colaborar diretamente para
o sucesso deste estudo. Esse envolvimento das pessoas é também um dos principais
resultados alcançados. A formalização de uma rede de colaboradores para a proteção e
conservação da espécie no estado do Rio de Janeiro é uma possibilidade real. De fato,
existem demandas contínuas relacionadas a casos recentes, dúvidas a respeito da biologia,
ecologia e comportamento da espécie, além de pedidos de apoio logístico para resgate ou
tratamento de animais feridos, ou relacionados a possíveis conflitos com a espécie. Mas
também existem diversas oportunidades de se trabalhar a conservação da biodiversidade
por meio do lobo e seu inegável carisma.
A criação de uma rede de colaboradores que envolva as UC, instituições públicas e
privadas, mas principalmente que envolva a sociedade, pode contribuir para a conservação
do lobo-guará e da biodiversidade de uma forma geral a partir de uma visão sistêmica
(Capra & Luisi, 2014). O pensamento sistêmico é definido por Capra & Luisi (2014),
como uma nova concepção da vida que se processa por meio de relações, padrões e
contextos. Muito diferente do pensamento linear, cartesiano e reducionista. A visão
integrada defendida pelos autores parte do pressuposto de que todos os sistemas vivos são
redes complexas com incontáveis interconexões entre dimensões biológicas, cognitivas,
sociais e ecológicas. Sendo assim, os principais problemas do nosso tempo, como por
exemplo, energia, meio ambiente, mudanças climáticas, segurança alimentar e conservação
da biodiversidade não podem ser compreendidos de forma isolada. De acordo com os
autores, são problemas sistêmicos, ou seja, interconectados e interdependentes. Nesse
sentido, Capra & Luisi (2014) enfatizam que os projetos e tecnologias criados a partir de
uma visão sistêmica incorporam os princípios básicos da ecologia. São iniciativas de
pequena escala, com abundante diversidade, eficientes no uso de energia, não poluentes e
orientados para a comunidade. Para os autores, nós “temos o conhecimento e as
tecnologias de que necessitamos para construir um mundo sustentável para nossos filhos e
para as gerações futuras. O que precisamos é de vontade política e de liderança. Essa
liderança não é limitada ao domínio político. No mundo de hoje, há três centros de poder:
69
governo, empresas comerciais e sociedade civil. Todos os três (em graus variados)
precisam de líderes ecologicamente alfabetizados, capazes de pensar sistemicamente. A
colaboração entre esses três centros de poder terá importância crucial para o movimento
em direção a um futuro sustentável.”
É necessário pensar no formato e na dinâmica ideal para um projeto que tenha uma
visão integrada, assim como nas estratégias de envolvimento das pessoas, de comunicação
e de ação. Nesse sentido, a análise da presença de Chrysocyon barchyurus no estado do
Rio de Janeiro e em ambientes alterados da Mata Atlântica também se apresenta como uma
contribuição para o “pensar conservação” de forma sistêmica e também como o ponto de
partida para a formalização de uma rede de pessoas ligadas ao lobo-guará e à conservação
da biodiversidade.
Adicionalmente, a modelagem preditiva de distribuição de espécies também se
apresenta como uma importante ferramenta para a identificação de áreas prioritárias para
ações diretas e indiretas relacionadas à conservação da espécie no estado fluminense. Por
meio dela é possível olhar para as questões que envolvem o lobo-guará e o território por
ele utilizado de uma forma diferenciada, analisando o indivíduo no contexto ambiental
territorial e vice-versa, incluindo nessas análises muitos aspectos relacionados às
dimensões humanas e ao pensamento sistêmico.
O modelo preditivo de distribuição da espécie indica as áreas com mais e menos
adequabilidade ambiental para os lobos (onde áreas mais escuras têm maior
adequabilidade). A partir do modelo final, o estado do Rio de Janeiro apresenta três
grandes áreas de adequabilidade ambiental para espécie (Figura 10): a área mais destacada
inserida em grande parte da região Centro Sul Fluminense, com partes na região Serrana e
Médio-Paraíba (Área 1); a área na região Médio-Paraíba situada próximo a divisa com o
estado de São Paulo e a região Costa-Verde (Área 2); e a área entre as regiões Serrana,
Norte e Noroeste Fluminense (Área 3).
A Área 1 está aproximadamente 50 a 100 km de distância, em linha reta, das
demais. Considerando a área de vida da espécie e seus deslocamentos, provavelmente
existe uma dinâmica territorial associada, onde indivíduos dispersam ou se deslocam de
uma região para a outra e em muitas vezes optando por outros caminhos, alguns
promissores outros fatais.
70
Figura 10 - Áreas prioritárias para ações diretas e indiretas de conservação de Chrysocyon brachyurus no RJ.
Muitas das áreas com alto grau de adequabilidade, inseridas em diversos
municípios, estão sobrepostas por áreas urbanas, áreas de agricultura e rodovias. Essas
áreas seriam inicialmente locais potenciais para ações indiretas de conservação como, por
exemplo, iniciativas que possibilitem a resolução de possíveis conflitos relacionados à
predação de animais domésticos e principalmente aos atropelamentos (Figura 11). As
ações indiretas estariam inicialmente mais associadas à mitigação ou minimização de
impactos à espécie, como também a conscientização e mudança de comportamento das
pessoas. De fato, as principais rodovias federais inseridas nos limites geográficos do estado
e que cortam as áreas de alta adequabilidade para espécie podem representar oportunidades
de mitigação dos impactos de atropelamento. Boa parte delas é administrada por
concessionárias que, ainda que não se sensibilizem com a questão, precisam cumprir
condicionantes de licenciamento relacionadas à fauna silvestre. O envolvimento delas na
conservação dos lobos é essencial para a redução de uma das principais ameaças à espécie.
Nas estradas ou fora delas, são necessárias ações de educação e conscientização que
influenciem diretamente o comportamento das pessoas impactando positivamente na
conservação do lobo-guará (Bath, 2014; Paula et al. 2014). De acordo com dados do
Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas – CBEE, da Universidade Federal
de Lavras – UFLA, aproximadamente 475 milhões de animais silvestres são atropelados no
Brasil todos os anos, estima-se que desse total 5 milhões são animais de grande porte
(www.cbee.ufla.br/portal/). Nesse sentido, projetos direcionados ao lobo-guará,
71
considerado por muitas pessoas como uma espécie carismática, podem contribuir para a
mitigação e redução dos impactos das rodovias de uma forma geral, ou seja, ações
relacionadas aos lobos podem refletir na redução dos impactos em diversas espécies
sujeitas a mesma ameaça.
Nas áreas de alta adequabilidade ambiental para a espécie, é importante também
que se estabeleçam estruturas e redes de apoio à logística de atendimento a indivíduos
feridos ou debilitados, com protocolos bem definidos de atendimento e destinação. De fato,
Paula et al. (2008) destacavam também como uma das principais ameaças a espécie, a
destinação e o atendimento inadequados de lobos capturados, principalmente, pela falta de
protocolos para correta destinação e pela falta da infraestrutura adequada para os
atendimentos.
Em áreas de alta adequabilidade ambiental que estejam mais preservadas ou mais
isoladas, medidas voltadas à pesquisa e monitoramento da espécie são alternativas
promissoras que podem contribuir diretamente para a conservação (Figura 11). Algumas
regiões como Paraíba do Sul, poderiam inclusive servir para o estabelecimento de um
criadouro conservacionista do lobo-guará, por exemplo. Local onde seria possível
desenvolver estudos diversos relacionados à biologia, ecologia e comportamento da
espécie, além de poder proporcionar apoio aos pesquisadores nacionais e internacionais.
Promovendo ainda o envolvimento da sociedade na conservação do lobo-guará por meio
da aproximação, conhecimento e interação com os animais. Nesse sentido, um dos
desdobramentos poderia ser também o ecoturismo associado aos lobos e até mesmo o
turismo de interação com fauna silvestre, a exemplo do que acontece no Santuário do
Caraça, em Minas Gerais (Paula & Gambarini, 2013), em que as pessoas poderiam se
aproximar e interagir indiretamente com os animais, obviamente com a supervisão e os
cuidados necessários. Uma possibilidade, por exemplo, poderia ser uma expedição guiada
para a realização de avistamentos e registros fotográficos da espécie.
Além das áreas de maior adequabilidade, identificar os corredores ambientais ou
geográficos que os lobos vêm utilizando é essencial para a manutenção das populações,
uma vez que o território fluminense é bastante alterado e relativamente pequeno para a
espécie. Esses corredores são prioritários para ações de conservação. A modelagem
apresentada pode ser ponto de partida para pesquisas nesse sentido. Como foi destacado
72
anteriormente, a hidrografia poderia estar influenciando na dinâmica territorial da espécie,
no entanto, esse e outros fatores precisam ser melhor estudados.
Figura 11 – Propostas de ações diretas e indiretas para a conservação da espécie no estado do Rio de Janeiro.
As unidades de conservação inseridas na distribuição do lobo-guará também são
áreas prioritárias para ações diversas. Essas unidades precisam trabalhar em rede,
incorporar a espécie nos seus instrumentos de gestão e participar diretamente nas ações de
conservação dos lobos, funcionando como locais de disseminação de conhecimento da
espécie, mobilização e conscientização de pessoas, contribuindo para a logística de
atendimento a indivíduos feridos ou debilitados e participando ou apoiando pesquisas
diversas. Em contrapartida, o lobo-guará, considerado uma espécie bandeira, pode
contribuir para a visibilidade e visitação dessas unidades, aumentando o envolvimento da
sociedade nas questões ligadas à conservação. Além de, obviamente, cumprir o seu papel
ecológico, prestando relevantes serviços ambientais.
73
Outra questão a ser explorada em pesquisas futuras diz respeito à interação dos
lobos com a fauna silvestre nativa da Mata Atlântica. Apesar de estarem ocupando áreas
alteradas, principalmente de pastagem, estudos poderiam ajudar no entendimento dos
benefícios e malefícios causados pelos lobos. Existe a hipótese de que os mesmos estejam
contribuindo para o enriquecimento florístico de áreas degradadas ou de pastagem,
iniciando um processo que em longo prazo pode permitir a conectividade entre fragmentos
preservados, a recuperação de matas ciliares, a formação de florestas e a restauração de
ecossistemas, beneficiando assim diversas espécies da fauna silvestre. Para a Mata
Atlântica, o lobo-guará pode ser um grande aliado, principalmente se a interação da
espécie com a fauna e a flora nativas acontecer de forma harmoniosa. Essa aliança poderia
significar benefícios econômicos e sociais, diretos e indiretos, para as pessoas e as
atividades que dependem dos serviços ecossistêmicos do bioma. Nesse sentido, mais
estudos são necessários para uma melhor compreensão do papel dos lobos na recuperação
da floresta atlântica ou na sua contribuição para o desenvolvimento se ecossistemas
emergentes (Hobbs et al. 2009) resultantes do processo de adaptação da natureza frente as
mudanças bióticas e ou abióticas, locais ou globais, promovidas principalmente por ações
humanas.
Adicionalmente, de forma contraditória, de acordo com as características
ecológicas do lobo-guará, conhecido por viver em habitats abertos, como campos e
cerrados, ambientes mais florestados representariam, teoricamente, ambientes não
adequados para a sua permanência. No futuro, os lobos, então, teriam que procurar novas
áreas para sobreviver ou se adaptar a ambientes de vegetação mais fechada, o que já
acontece em algumas partes do estado, em especial nas regiões Serrana e Médio-Paraíba. O
mais provável, no entanto, é que a paisagem continue cada vez mais alterada pelas ações
humanas. Por fim, até o momento, não há como conferir ao lobo-guará o título de espécie
exótica invasora, não em ambientes alterados e degradados por ações quase que
exclusivamente humanas. Nesse sentido, são necessários novos estudos para tentar
entender melhor e identificar possíveis impactos negativos ou positivos da espécie no
contexto estudado. No entanto, é importante ressaltar que o lobo-guará vai atrás de
ambientes abertos, das oportunidades que um mundo em constantes mudanças e de grande
degradação ambiental pode oferecer.
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo evidencia que Chrysocyon brachyurus está presente no estado do
Rio de Janeiro de forma muito significativa. A expansão da distribuição dos lobos, no
entanto, está diretamente relacionada à degradação e destruição do bioma Cerrado. Ainda é
cedo para avaliar se espécie tem e terá condições de permanecer no território fluminense e
na paisagem alterada da Mata Atlântica. Ainda não existem estudos de viabilidade
populacional para o estado fluminense ou para ambientes alterados do bioma.
Adicionalmente, é preciso refletir sobre a qualidade dessa presença. Nesse sentido,
considerando que os atropelamentos são uma das principais ameaças às populações, a
malha viária do estado se apresenta como uma enorme barreira para a adaptação e
permanência da espécie. Assim como os conflitos relacionados à proximidade com
humanos. Por isso, independente da permanência do lobo-guará em ambientes alterados da
Mata Atlântica e do estado fluminense, a preservação dos remanescentes do bioma Cerrado
se apresenta como uma condição imprescindível para a conservação da espécie. No
entanto, estratégias de conectividade dos ambientes adequados para o lobo-guará também
são essenciais para garantir os fluxos gênicos entre populações (Paula & Gambarini, 2013).
A Mata Atlântica e o estado do Rio de Janeiro, então, poderiam contribuir para essa
dinâmica. Por fim, é necessário mitigar ou minimizar outras ameaças, principalmente às
relacionadas a conflitos com humanos ou atividades humanas. Principalmente porque
existe uma expectativa de que os lobos se aproximem cada vez mais de nós e vice-versa.
Nesse sentido, talvez o maior desafio seja fazer com que o lobo-guará seja percebido e
valorizado pelas pessoas como um grande patrimônio natural e um aliado para a
construção de um mundo melhor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bastos, J. & Napoleão, P. 2011. O estado do ambiente: indicadores ambientais do
Rio de Janeiro. SEA, Inea. Rio de Janeiro, RJ. 160p.
Bath, A. 2014. Introduction to the Human Dimension: A Valuable Research Tool to
Achieve Wildlife Conservtion Objectives and Maned Wolf Conservation. Em: Consorte-
MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the Maned Wolf:
Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 265-281.
75
Campanili, M. & Schaffer, W.B. 2010. Mata Atlântica: patrimônio nacional dos
brasileiros. MMA. Brasília, DF. 408p.
Capra, F. & Luisi, P. L. 2014. A Visão Sistêmica da Vida: Uma concepção
unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Cultrix. São
Paulo, SP. 615p.
Chiarello, A. G., Aguiar, L. M. S., Cerqueira, R., Melo, F. R., Rodrigues, F. H. G.
& Silva, V. M. F. 2008. Mamíferos ameaçados de extinção no Brasil. Em: Machado,
A.B.M., Drummond, G.M. & Paglia,A.P. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de
extinção. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. Fundação Biodiversitas. Belo
Horizonte, MG. Vol. 2. 1420 p.
Dean, W. 1996. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica
Brasileira. Companhia das Letras. São Paulo, SP.
Dietz, J.M. 1984. Ecology and social organization of the maned wolf (Chrysocyon
brachyurus). Smithsonian Institution Press. Washington, DC.
Emmons, L.H. 2012. The Maned Wolves of Noel Kempff Mercado National Park.
Smithsonian Institution Press. Washington, DC. 639p.
Emmons, L.H. 2014. Environmental Influences on Maned Wolf Ecology in Bolivia.
Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the Maned Wolf:
Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 221-234.
Fundação SOS Mata Atlântica & INPE. 2012. Atlas dos Remanescentes Florestais
da Mata Atlântica – Período 2010-2011 – Relatório Técnico.
Fundação SOS Mata Atlântica & INPE. 2015. Atlas dos Remanescentes Florestais
da Mata Atlântica – Período 2013-2014 – Relatório Técnico.
IBGE. 2015. Estados@ - Unidades da Federação - Rio de Janeiro. Disponível em
<http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=rj>. Acessado em 22 de maio de 2015.
Illiger, K. 1815. Uberlick der Saugerthiere nach ihrer Verteilung uber die
Welttheile. Akademie der Wissenshaften Berlin Abhandlungen 1804-1811, p 39-159.
76
Inea. 2012. Mapa de uso e cobertura do solo do estado do Rio de Janeiro na escala
de 1:1000. Disponível em <www.inea.rj.gov.br>. Acessado em 22 de maio de 2015.
Klink. C. A. 2014. Policy Intervention in the Cerrado Savannas of Brazil: Changes
in Land Use and Effects on Conservation. Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E.,
Ecology and Conservation of the Maned Wolf: Multidisciplinary Perspectives. CRC Press.
London, UK. 322p. Pp 293-307.
Lacerda, A. C. R., Tomas, W. M. & Marinho-Filho, J. 2009. Domestic dogs as an
edge effect in the Brasília National Park, Brazil: interactions with native mammals. Animal
Conservation 12 (2009) 477-487.
Melo, L.F.B., Sábato, M.A.L, Vaz Magni, E.M., Young, R.J. & Coelho, C.M. 2007.
Secret lives of maned wolves (Chrysocyon brachyurus Illiger, 1815): as revealed by GPS
tracking collars. Journal of Zoology. London, UK. 271p. Pp 27-36.
MMA & Ibama. 2011. Relatório Técnico de Monitoramento do Bioma Cerrado -
2009 a 2010. Brasília, DF.
MMA & Ibama. 2011. Relatório Técnico de Monitoramento do Bioma Pampa -
2008 a 2009. Brasília, DF.
MMA & Ibama. 2012. Relatório Técnico de Monitoramento do Bioma Mata
Atlântica - 2008 a 2009. Brasília, DF.
Motta-Junior, J.C., Queirolo, D. & Bueno, A.A. 2014. Feeding Ecology – A review.
Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the Maned Wolf:
Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 87-98.
Myers, N., Mittermeier, R. A., Mittermeier, C. G., Fonseca, G. A. B. & Kent, J.
2000. Biodiversity Hotspots for Conservation Priorities. Nature, 403. Pp 853-858.
Paula, R. C., Medici, P. & Morato, R. G. 2008. Plano de ação para a conservação
do Lobo-Guará: análise de viabilidade populacional e habitat (PHVA). Ibama. Brasília,
DF. 158 p.
Paula, R.C. & Gambarini, A. 2013. Histórias de um Lobo (Stories of a Golden
Wolf). Avis Brasilis Editora, Vinhedo, SP. 264 p.
77
Paula, R.C.,Rodrigues, F.H.G., Queirolo, D., Jorge, R.P.S., Lemos, F.G. &
Rodrigues, L.A. 2013. Avaliação do estado de conservação do Lobo-Guará Chrysocyon
brachyurus (Illiger, 1815) no Brasil. Biodiversidade Brasileira, 3(1), 146-159.
Paula, R. C., Rodrigues, F. H. G., Bizerril, M. X., Songsasen, N., Eizirik, E.,
Morato, R. G., Santos, J. P., Azevedo, F. C., May Jr., J. A., Soares, C. C., Rocha, F. L. &
Arrais, R. C. 2014. The Maned Wolf Conservation Project: Serra da Canastra, Minas
Gerais, Brazil. Em: Consorte-MacCrea, A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the
Maned Wolf: Multidisciplinary Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 177-192.
Queirolo, D., Moreira, J. R., Soler, L., Emmons, L. H., Rodrigues, F. H. G.,
Pautasso, A. A., Cartes, J. L. & Salvatori, V. 2011. Historical and Present Geographic
Distribution of Chrysocyon brachyurus (Carnivora: Canidae). Oryx, 45. Pp 296-303.
Rodden, M., Rodrigues, F & Bestelmeyer, S. 2008. Chrysocyon brachyurus. Em:
IUCN Red List of Threatened Species. IUCN. Disponível em <www.iucnredlist.org>.
Acesso em 22 de maio de 2015.
Rodden, M., Rodrigues, F. & Bestelmeyer, S. 2004. Maned Wolf (Chrysocyon
brachyurus). Em: Sillero-Zubirini, C., Hoffmann, M. & Macdonald, D.W. Status survey
and Conservation Action Plan: Canids: Foxes, Wolves, Jackals and Dogs. IUCN.
Cambridge, UK. Pp 38-43.
Rodrigues, F.H.G. 2002. Biologia e conservação do lobo-guará na Estação
Ecológica de Águas Emendadas, DF. Tese (Doutorado em Ecologia). Universidade
Estadual de Campinas. 105p.
Rodrigues, R. R., Brancalion, P. H. S. & Isernhagen, I. 2009. Pacto pela restauração
da mata atlântica: referencial dos conceitos e ações de restauração florestal.
LERF/ESALQ: Instituto BioAtlântica. São Paulo, SP. 256p.
Songsasen, N., Johnson, A.E.M, Reiter, L.E. & Rodden, M. 2014. Reproduction
and Factors Affecting Reproductive Sucess in the Maned Wolf. Em: Consorte-MacCrea,
A. & Ferraz, E., Ecology and Conservation of the Maned Wolf: Multidisciplinary
Perspectives. CRC Press. London, UK. 322p. Pp 99-108.
78
Anexo 1
79
80
81