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1 ANÁLISE DOS PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO EM CIDADES MÉDIAS PAULISTAS. José Diego Gobbo Alves [email protected] Faculdade de Ciências Aplicadas/ FCA-UNICAMP Resumo Partindo da convergência dos padrões contemporâneos de produção de cidades e seus impactos na distribuição da população, este trabalho visa contribuir para a formação de um aporte teórico-metodológico para apreender a distribuição da população nas cidades brasileiras. Utilizando como estudo de caso as cidades médias paulistas, traz uma escala intraurbana de análise do fenômeno. Como proposta metodológica, utilizamos as medidas de estatística espacial: Average Nearest Neighbor, Directional Distribution (Standard Deviational Ellipse) e Standard Distance. Respectivamente, elas oferecem resultados da forma como a população está distribuída (clustered, aleatória e não-clustered), a orientação da distribuição da população e o grau de concentração ou desconcentração desta. Os resultados nas cidades médias paulistas avaliadas (Araraquara, Bauru, Franca, Mauá, Mogi das Cruzes, Jundiai, Limeira, Piracicaba, São Carlos e São José do Rio Preto) mostraram que há similaridades no padrão de distribuição da população, com diferenças em relação ao grau de concentração e a orientação da ocupação territorial da população. A metodologia utilizada mostrou um potencial significativo para o aprofundamento nas pesquisas relacionadas à temática de população e ambiente no contexto urbano. Palavras-chaves: Cidades médias Paulista; População; Urbanização.

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ANÁLISE DOS PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

EM CIDADES MÉDIAS PAULISTAS.

José Diego Gobbo Alves [email protected]

Faculdade de Ciências Aplicadas/ FCA-UNICAMP

Resumo Partindo da convergência dos padrões contemporâneos de produção de cidades

e seus impactos na distribuição da população, este trabalho visa contribuir para

a formação de um aporte teórico-metodológico para apreender a distribuição da

população nas cidades brasileiras. Utilizando como estudo de caso as cidades

médias paulistas, traz uma escala intraurbana de análise do fenômeno. Como

proposta metodológica, utilizamos as medidas de estatística espacial: Average

Nearest Neighbor, Directional Distribution (Standard Deviational Ellipse) e

Standard Distance. Respectivamente, elas oferecem resultados da forma como

a população está distribuída (clustered, aleatória e não-clustered), a orientação

da distribuição da população e o grau de concentração ou desconcentração

desta. Os resultados nas cidades médias paulistas avaliadas (Araraquara,

Bauru, Franca, Mauá, Mogi das Cruzes, Jundiai, Limeira, Piracicaba, São Carlos

e São José do Rio Preto) mostraram que há similaridades no padrão de

distribuição da população, com diferenças em relação ao grau de concentração

e a orientação da ocupação territorial da população. A metodologia utilizada

mostrou um potencial significativo para o aprofundamento nas pesquisas

relacionadas à temática de população e ambiente no contexto urbano.

Palavras-chaves: Cidades médias Paulista; População; Urbanização.

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Introdução

As cidades médias, àquelas de caráter intermediários na hierarquia

urbana, possuem funções específicas na troca de fluxos de uma rede urbana.

Elas são nós fundamentais de ligação entre as cidades pequenas e grandes,

entre as outras cidades médias e grandes e entre as próprias cidades médias.

Essas trocas passaram a ser muito mais complexas com o advento das

telecomunicações e a mundialização da economia, como apontado por Sposito

(2006).

Os termos “cidades médias” e “de porte intermediário” designam o mesmo

tipo de cidade. Não são palavras sinônimas, mas pressupõe uma série de

elementos comuns que a definição entre cidades médias não-intermediarias e

cidades médias intermediárias é desnecessária. É claro que o grau de presença

desses elementos varia de uma cidade média para a outra, mas em geral todas

possuem as mesmas características econômicas, sociais, espaciais e

demográficas.

Dito isso, o objetivo deste artigo é contribuir para a discussão sobre os

padrões de distribuição da população encontrado nas cidades brasileiras,

partindo de uma análise preliminar sobre as cidades médias paulistas. Buscando

aprofundar os estudos realizados por Ojima (2007a, 2007b) sobre a dispersão

urbana em escala regional, procuramos contribuir para a criação de

metodologias capazes de mensurar a distribuição da população em uma escala

local: intra-urbana e intra-municipal.

A hipótese discutida aqui é que estas cidades sofrem com um processo

de expansão aos moldes metropolitanos: espraiado, de baixa densidade e com

a criação de ilhas isoladas em relação a mancha urbana consolidada, que por

sua vez, são influenciadas por um período neoliberal de produção de

mercadorias, relações de trabalho, culturas e modos de vida. Tais aspectos

reverberam nas formas de distribuição da população, com áreas segregadas e

vulneráveis.

Devido a significativa quantidade de cidades médias no estado de São

Paulo, foi estabelecido um recorte de dez cidade para esta análise: Araraquara,

Bauru, Franca, Jundiaí, Limeira, Mauá, Mogi das Cruzes, Piracicaba, São Carlos

e São José do Rio Preto. Estas cidades foram escolhidas por estarem entre a

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faixa de população de 100 mil a 500 mil habitantes, critério definido pelo IBGE

para definir uma cidade média.

Claro que há muita heterogeneidade entre as cidades médias, porém, o

recorte possibilita uma análise mais aprofundada do que se propõe. Além disso,

permite iniciar um debate a partir de questões como: Estamos diante de uma

convergência no padrão de crescimento? Tal padrão leva uma homogeneização

espacial e demográfica das cidades médias paulistas? Como articular tais

questão com a crescente especialização das cidades que criam configurações

distintas, diferenciando-as? Tais ideias vão de encontro com a contradição

levantada pela Geografia ao determinarem o fim da região com o período

neoliberal. Há um processo semelhante de definição do fim da heterogeneidade

das cidades médias brasileiras? Qual o liame que interliga as cidades médias

brasileiras, sobretudos as paulistas?

Contudo, de fato, as cidades médias também apresentam uma

homogeneidade em aspectos mais formais, o que possibilita, como escrito por

Calvino (1990), começarmos a entender o padrão de crescimento de uma cidade

sem mesmo termos estado lá. Ou seja, ao pensarmos em cidade médias,

surgirem ideias como: dispersão urbana, baixa densidade, fragmentação

espacial, especulação imobiliária, vazios urbanos, privatização, entre outras. Isto

ocorre porque há uma tendência a uma padronização da configuração espacial

nestas cidades. A diferença é que o conteúdo entre elas muda, como mostrado

por Calvino ao descrever as dinâmicas internas das cidades invisíveis.

A complexidade em estuda-las está na articulação entre as escalas (não

cartográficas) em que os fenômenos se dão, como colocado por Sposito (2006).

Para a autora, os papeis que as cidades desempenham na divisão econômica e

social do trabalho se alteram muito rapidamente na contemporaneidade, onde

as decisões ultrapassam as escalas locais e pode se dar até em âmbito

internacional. Essa articulação requer um recorte temporal e espacial de analise,

que incidem na compreensão das trocas que se dão em um determinado tempo

e um espaço.

Um exemplo característico dessas articulações escalares comum nas

cidades médias, são as empresas transnacionais. Constata-se uma clara

articulação entre a matriz e a filial, em que as decisões externas impactam

diretamente a vida das pessoas na cidade (demissões em massa, fechamento

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da unidade, troca de administração, etc), além, claro, de toda a infraestrutura

criada para atender as demandas que essas unidades impõem e as isenções de

impostos. Ou seja, é uma nítida articulação entre espaços distantes

territorialmente, mas interligados espacialmente e demonstra a já citada divisão

do trabalho apontada por Sposito.

A mundialização da economia e o desenvolvimento das telecomunicações ampliaram muito os fluxos que uma cidade pode estabelecer com espaços distantes, e esses fluxos não se desenham, apenas, com cidades maiores ou menores, ao contrário, eles também se estabelecem entre cidades da mesma importância e entre essas e outras cidades constitutivas de outras redes urbanas (SPOSITO, 2006, p.148).

Devido a essa característica, é que os estudos não devem ser restritos

cartograficamente aos limites de uma cidade, já que ela faz parte de uma rede

urbana com trocas verticais e horizontais entre os agentes que produzem

cidades. A reestruturação produtiva no período neoliberal, marcado pela

flexibilização (da produção, das leis trabalhistas, da inserção espacial) redefine

os papeis das cidades médias, tornando-as mais instáveis economicamente e

mais sujeitas as variabilidades externas em relação ao seu papel na divisão

territorial do trabalho.

As configurações das cidades paulistas de início refletiam à sua formação

socioeconômica e a localização geográfica, Landim afirma que:

A homogeneidade dos padrões morfológicos urbanos no interior paulista está ligada a ciclos de desenvolvimento semelhantes, tais como a expansão cafeeira e o consequente incremento da rede ferroviária, e depois rodoviária, que imprimiram às cidades um padrão de urbanização bastante similar (LANDIM, 2002, p.111).

Contudo, os aspectos formais das metrópoles influenciaram o ritmo de

suas configurações espaciais e nos seus valores estéticos, como no caso da

modernização das metrópoles nas décadas de 1950 e 1960 que remodelaram

as cidades médias com novas infraestruturas, asfaltamento das ruas de

paralelepípedos, abertura e alargamento de vias, prédios, shoppings em prol do

estágio de modernização em que o país se encontrava. Essas mudanças só

foram possíveis pela disponibilidade tecnológica que conectaram estes espaços

distantes territorialmente.

As cidades médias tiveram um importante papel no crescimento urbano

da população paulista e de todo o Brasil na segunda metade do século XX. Entre

as décadas de 1940 e 1970, em que há um forte vínculo entre urbanização e

industrialização, as cidades com mais de 500 mil habitantes, sobretudo as

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metrópoles, tiveram um rápido crescimento condicionado pela migração campo-

cidade e entre as regiões. Porém, entre 1970 e 1990 as cidades médias ganham

importância na redistribuição da população, absorvendo parte significativa de

população migrante (ANDRADE E SERRA, 1998).

Em relação ao interior paulista, os autores destacam que as cidades

médias, sobretudo as pertencentes as regiões metropolitanas, serviram como

uma válvula de escape para as indústrias que estavam na capital paulistana.

Devido as deseconomias de aglomeração, isto é o fim das vantagens de estar

aglomerado em um espaço com o aumento da rigidez das leis ambientais e dos

congestionamentos, levaram essas empresas a procurarem outros espaços para

produzir. Assim, as cidades médias cresceram pela desconcentração industrial

paulista, aliada ao desenvolvimento dos transportes que possibilitaram que as

pessoas não morassem na capital, mas que ainda continuasse trabalhando nela.

Landim (2002) observou semelhanças nas paisagens urbanas das

cidades médias paulistas muito antes das políticas de desenvolvimento territorial

e de moradias populares adotadas pelo Governo Federal em meados da década

de 2000, que remodelaram toda a estrutura física e social das cidades.

Objetivando analisar como as paisagens se formalizam e configuram através de

agentes homogeneizadores, a autora analise algumas cidades do interior

paulista e conclui que são cidades horizontais, onde a verticalização é pontual

no espaço ou restringe-se as áreas centrais.

Apesar da leitura feira por Landim ser próxima do que é observado

atualmente, as cidades médias sofrerem com um processo de verticalização

também na periferia a partir dos incentivos financeiros dados pelo Governo

Federal para as moradias populares. As consequências desse processo são

amplamente discutidas na bibliografia, principalmente, sobre o Programa Minha

Casa Minha Vida: a qualidade dos empreendimentos, a segregação

socioespacial, a vulnerabilidade dessas famílias, o tipo de moradia, entre outros.

Finalizando, Landim (2002, p. 121) destaca que:

A homogeneidade da paisagem urbana das cidades de porte médio do interior central do estado de São Paulo pode, então, ser compreendida a partir de dois componentes: seus determinantes locais, fundamentados nas origens semelhantes destas, e as atuais aspirações da população, induzidas pelos padrões das grandes cidades, considerados representantes de um status civilizado e moderno.

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Complementando a ideia da autora, mais do que os determinantes locais

de origem e as aspirações da população em prol de uma modernidade, as

paisagens das cidades médias são influenciadas fortemente pela articulação das

escalas temporais e geografias que as cidades mantêm com outros espaços da

rede urbana que geram mudanças em suas paisagens.

É justamente estas interlocuções que trazem um paradoxo para as

cidades médias: ao mesmo tempo que essas relações entre as escalas nacional

e internacional trazem uma homogeneização da lógica de reprodução capitalista

no espaço, elas se diferenciam através das especializações de cada cidade. Ou

seja, mesmo que estejam submetidas há uma mesma lógica, cada cidade

responderá de forma diferente a este processo, mesmo que as respostas sejam

semelhantes, elas nunca serão idênticas. Isto posto, mesmo que as cidades

apresentam semelhanças em sua imagem formal os conteúdos econômicos,

políticos, sociais e culturais destas diferem-se significativamente uma das outras.

Por fim, esse trabalho é fruto da pesquisa financiada pela Fundação de Amparo

à Pesquisa do Estado de São Paulo (nºnº2016/24641-3).

MÉTODOS

A metodologia utilizada para compor este trabalho está baseada no uso

da Grade Estatística e na aplicação de medidas de estatística espacial: Average

Nearest Neighbor, Directional Distribution (Standard Deviational Ellipse) e

Standard Distance. Para isso, foi criado um banco de dados que concentrasse

os arquivos vetoriais utilizados e os resultados das aplicações das medidas

estatísticas. O software utilizado na pesquisa para a criação do banco de dados

e a aplicação das ferramentas citadas foi o ArcGis, versão 10.5.

A Grade Estatística é um sistema de células regulares para agregação e

disseminação de dados censitários utilizada recentemente pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na divulgação dos resultados do

Censo Demográfico de 2010. As células possuem dimensão de 200m x 200m

para as áreas urbanas e 1km x 1km para as áreas rurais (IBGE, 2016).

Esta técnica traz avanços significativos para os estudos populacionais,

principalmente, pela dimensão das células serem menores que as áreas dos

setores censitários, contribuindo para a redução do MAUP (Modifiable Areal Unit

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Problem). Além disso, traz diversas vantagens: possui uma estabilidade espaço-

temporal, já que as células não terão sua forma alterada através do tempo;

hierarquia e flexibilidade entre as células, podendo ser agregadas em escalas

cartográficas menores e, possui uma maior resolução espacial dos dados (ver

os trabalhos de BUENO, 2014; BUENO e D’ANTONA, 2014)

Foram selecionadas apenas as células urbanas com população das dez

cidades paulistas avaliadas. O IBGE segue a delimitação municipal para

diferenciar o espaço urbano do espaço rural, portanto, a seleção das células

exclusivamente urbanas permite uma leitura da área urbana próxima ao qual o

poder público municipal considera como de caráter urbano.

Sobre as células urbanas foram utilizadas as medidas de análise de

padrões de concentração e de distribuição geográfica. A primeira é o Average

Nearest Neighbor, que calcula o índice médio de vizinhança próxima entre cada

feição (célula com população) e classifica o comportamento destas feições em

clustered, aleatório e não-clustered (ver figura 02). O primeiro indica que as

feições possuem um comportamento de concentração em cluster; o segundo

indica que as feições possuem um comportamento aleatório, não permitindo

qualquer inferência sobre o comportamento, já que não seguiria um padrão de

clustered e nem não-clustered; ao terceiro indica que a distância entre as feições

segue um padrão não agrupado, em que a distância entre as feições são

praticamente as mesmas em toda a extensão.

Esta medida aponta o comportamento da distribuição da população,

portanto, os resultados que indicam cluster significa que há uma descontinuidade

na forma em que a população está distribuída no espaço. Por outro lado, o

padrão em não-clustered, indica que há uma certa continuidade nesta

distribuição. Entretanto, ela por si só não possibilita afirmar que não há um

processo de dispersão e espraiamento urbano nas cidades que possuem um

comportamento de não-clustered, apenas demonstra uma menor fragmentação.

A densidade demográfica e a segunda medida utilizada, a Directional

Distribution (Standard Deviational Ellipse), possibilitam avaliar se há ou não esse

espraiamento e qual a orientação deste. Sendo assim, a Directional Distribution

é uma ferramenta que mede o grau em que as feições estão concentradas em

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torno de um centro médio e se estas feições possuem uma orientação. Logo, é

possível avaliar se a distribuição da população possui uma orientação espacial.

Os resultados de saída desta ferramenta é uma variável espacial em forma de

um arquivo vetor de uma elipse (shapefile).

A ferramenta Standard Distance mede o grau em que as feições estão

concentradas ou dispersas em torno de um centro médio principal. Portanto,

quando maior for a área do polígono, maior será a desconcentração da

população. Os resultados de saída desta ferramenta é uma variável espacial em

forma de um arquivo vetor de um círculo (shapefile).

Ressalta-se que nas ferramentas Directional Distribution e Standard

Distance, os resultados se dão a partir da definição de um centro médio pelas

próprias ferramentas, com base em todas as feições da área. Entretanto, se a

seleção deste centro se der de forma arbitrária, com base no centro comercial

por exemplo, os resultados tenderiam a ser diferentes.

Resultados e Discussão

Os resultados apresentaram uma semelhança quanto ao padrão de

distribuição da população nas cidades médias paulistas. A tabela 01 apresenta

o número de células ocupadas nas áreas urbanas dos municípios e em sua área

total.

Tabela 1: Número de células ocupadas por municípios.

Municípios Área Urbana Área do município

Total de Células

Células Ocupadas

População Total de Células

Células Ocupadas

População

9

Araraquara 3.474 1.703 205.596 4.455 1.959 209.859

Bauru 7.102 2.455 339.029 7.564 2.571 340.348

Franca 3.172 1.842 313.210 3.777 2.170 318.246

Jundiai 6.405 3.079 365.281 8.554 3.206 375.779

Limeira 6.085 1.915 268.082 9.478 2.165 274.999

Mauá 1.708 1.143 403.585 1.708 1.143 403.585

Mogi das Cruzes

8.098 3.028 357.686 8.554 3.350 380.672

Piracicaba 8.527 2.919 354.255 9.709 3.297 360.194

São Carlos 3.108 1.322 214.378 4.248 1.722 221.292

São José do Rio Preto

4.455 2.458 389.131 4.776 2.629 407.277

Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

Considerando o conjunto de células com população, observa-se que o

número destas são menores do que o conjunto total de células, tanto nas áreas

urbanas, quanto considerado os municípios como um todo. Em um primeiro

momento, os dados indicam que há áreas sem população nas áreas urbanas e

nas áreas rurais dos municípios. É sabido que a população não ocupa toda a

extensão rural de um município, o problema está quando avaliamos as áreas

urbanas.

Entre os municípios estudados o número de células urbanas ocupadas

varia, entretanto, apenas cerca de 50% das células urbanas estão ocupadas em

cada cidade. Casos como o de Bauru, Limeira, Mogi das Cruzes, Piracicaba e

São Carlos, mostram um problema ainda maior por terem um número

significativamente menor de células ocupadas.

Como a quantidade de células urbanas seguem as divisões municipais,

há uma significativa parcela de terra urbana não ocupada. Essas áreas possuem

características rurais e confundem-se com a área rural do município, porém,

fazem parte de um forte processo de especulação imobiliária, principalmente,

devido a sua proximidade com a área central ocupada e por estarem próximas

às áreas dotadas de infraestruturas.

A figura 01 apresenta um exemplo dessas áreas que não estão ocupadas.

Figura 01: População em Piracicaba – São Paulo.

10

Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

Pela figura é possível observar que entre parte dos fragmentos que

concentram a população, há áreas que são de características fortemente rurais,

não condizendo com o caráter urbano imposto pelo perímetro urbano.

Bauru e Piracicaba apresentam casos emblemáticos, os utilizaremos

como exemplo. Considerando que as células urbanas possuem uma dimensão

de 200 m x 200 m (40 m²), a área urbana total de Bauru é de 284 km², a área

ocupada é de 98,2 km², o que resta 185,8 km² de área urbana não ocupada. O

mesmo ocorre com Piracicaba, a área urbana total é de 341 km² e a área urbana

ocupada é de 116, 8 km², restando 224,2 km² de área urbana desocupada.

Como a preocupação deste texto é contribuir para a discussão da

distribuição da população em áreas intra-urbana, os dados apresentados não

são suficientes para demonstrar o comportamento desta distribuição. Por isso,

como apresentado na metodologia, foram utilizadas ferramentas de estatística

espacial para mensurar tal distribuição.

Em relação a densidade demográfica, a cidade de Mauá é a que

apresenta a maior densidade por hectare, com 88,27 hab./ha. A densidade

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demográfica das outras cidades são: Araraquara (30,18 hab./ha.) Bauru (34,52

hab./ha), Franca (42,50 hab./ha), Jundiai (29,65 hab./ha), Limeira (34,99

hab./ha), Mogi das Cruzes (29,53 hab./ha), Piracicaba (30,34 hab./ha), São

Carlos (40,54 hab./ha) e São José do Rio Preto (39,57 hab./ha).

Para compararmos essas densidades, pensando em um modelo de

cidade sustentável, Mascaró (1986) coloca que a densidade por hectare deve

ser de cerca de 450 a 540 habitantes, para se ter uma redução de custos com

infraestruturas (água, luz, esgoto, pavimentação, etc.) e no uso de energia

(iluminação, refrigeração, transporte, etc). Isto posto, observa-se que as cidades

médias avaliadas estão muito abaixo de um padrão considerado sustentável

ambientalmente e economicamente.

A cidade de Mauá apresenta uma densidade demográfica mais elevada

devido a sua proximidade com a capital paulista, sendo influenciada diretamente

pelo comportamento de expansão da metrópole.

A tabela 02 apresenta os resultados da variável Standard Distance nas

cidades avaliadas.

Tabela 02: Resultado da variável Standard Distance nas cidades selecionadas.

Nome Comprimento (em m) Área (em m²) Centro X Centro Y Standard Distance

Araraquara 26.618,52 56.382.833,59 792.525,42 7.589.085,42 4.236,52

Bauru 35.400,46 99.723.382,35 698.449,23 7.530.508,06 5.634,23

Franca 26.541,28 56.056.084,87 875.720,27 7.725.781,20 4.224,23

Jundiai 43.514,43 150.676.537,77 919.834,19 7.431.039,65 6.925,62

Limeira 35.600,03 100.850.941,92 870.236,66 7.497.590,75 5.665,99

Mauá 21.593,49 37.104.357,58 964.950,13 7.375.306,45 3.436,75

Mogi das Cruzes 52.239,68 217.160.109,05 989.942,37 7.389.286,03 8.314,31

Piracicaba 48.432,59 186.661.373,14 843.741,14 7.483.409,69 7.708,38

São Carlos 36.203,12 104.296.824,42 820.806,43 7.562.903,65 5.761,98 São Jose do Rio Preto 30.635,46 74.684.056,24 668.753,48 7.698.246,43 4.875,85

Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

Com a variável Standard Distance tem-se os resultados do grau de

concentração da população nas áreas urbanas. Quanto mais próximo de 0, maior

será a concentração. Portanto, Mauá é o que apresenta o maior grau de

concentração da população entre as áreas estudadas. Já Jundiai, Mogi das

Cruzes, Piracicaba e São Carlos são as áreas que apresentam o menor grau de

concentração.

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Como o grau de concentração se dá com base em um centro geográfico

determinado, o menor grau de concentração se dá justamente pelo

espraiamento e dispersão da população que não está concentrada no espaço a

partir do centro (como pode ser visto na área urbana ocupada da Figura 02).

Para aprofundar esta análise, a tabela 03 apresenta os resultados da

variável Directional Distribution (Standard Deviational Ellipse) nas cidades

avaliadas.

Tabela 3: Resultado da variável Directional Distribution nas cidades

selecionadas.

Nome Comprimento (Em

metros) Área (em m²) Centro X Centro Y Eixo X Eixo Y Rotação (em graus) EixoY - EixoX

Araraquara 26.498,28 54.343.912,56 792.525,42 7.589.085,42 3.628,43 4.767,68 152,91 1.139,25

Bauru 35.302,89 97.523.875,99 698.449,23 7.530.508,06 5.011,45 6.194,71 137,93 1.183,26

Franca 26.350,09 52.820.916,22 875.720,27 7.725.781,20 3.445,32 4.880,37 154,40 1.435,04

Jundiai 43.158,23 140.791.675,11 919.834,19 7.431.039,65 8.065,32 5.556,89 111,51 -2.508,43

Limeira 35.341,82 94.990.274,12 870.236,66 7.497.590,75 4.617,34 6.548,82 142,84 1.931,48

Mauá 21.347,42 33.712.204,57 964.950,13 7.375.306,45 4.092,02 2.622,58 54,96 -1.469,45 Mogi das Cruzes 51.696,90 199.064.643,68 989.942,37 7.389.286,03 6.442,33 9.836,25 177,45 3.393,92

Piracicaba 47.933,66 171.240.215,91 843.741,14 7.483.409,69 9.114,07 5.980,97 110,31 -3.133,11

São Carlos 35.149,60 79.760.895,92 820.806,43 7.562.903,65 3.436,58 7.388,55 16,70 3.951,97 São Jose do Rio Preto 30.595,16 73.898.215,30 668.753,48 7.698.246,43 4.509,37 5.216,64 150,07 707,27

Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

Para avaliar a distribuição da população urbana, foi necessário avaliar os

eixos X e Y. Portanto, na subtração do Eixo Y pelo Eixo X, quanto mais próximo

de 0 for o resultado, mais a população estará distribuída de forma equânime no

território e quanto mais distante de 0 (positivo ou negativo) for o resultado, maior

será a tendência de uma orientação da distribuição da população.

Com isso, a área urbana de São José do Rio Preto é a que apresenta uma

distribuição da população de forma mais equânime do que as outras. Por outro

lado, nas áreas urbanas de Jundiaí, Mogi das Cruzes, Piracicaba e São Carlos

são as que apresentam uma maior tendência da população urbana está

distribuída de forma orientada.

Isto é, quanto maior a orientação da distribuição da população, mais

elíptica fica o vetor resultante da varável (ver Figura 02). Quanto menor for a

tendência de orientação, mais circular ficará o vetor resultante da variável.

13

A coluna intitulada “Rotação” indica a orientação em que se dá a

distribuição da população. Portanto, se o resultado der um valor entre 0º e 5º, de

175º a 180º e 355º a 360º indica que a orientação da distribuição da população

é entre Norte e Sul. Se o resultado for entre 86º e 94º e 266º a 274º a orientação

será de Leste a Oeste. Por fim, se o resultado for entre 6º a 84º, 96º a 174º, 186º

a 264º e 276º a 354º a distribuição tende a ser sentido Nordeste a Sudoeste ou

Noroeste a Sudeste. A orientação de cada cidade segue as características

econômicas, sociais e ambientais particulares de cada uma.

A figura 02 espacializa as características de distribuição da população nas

cidades médias paulistas estudadas.

Figura 02: Distribuição da população em cidades médias paulistas.

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Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

Com base na figura, é possível observar que a distribuição da população

possui uma extensão territorial e concentração variada. Para avaliar este padrão

de distribuição, foi utilizado o Índice de Vizinhança Próxima (Average Nearest

Neighbor). A figura 03 a seguir mostra a síntese dos resultados para esta

variável.

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Figura 03: Índice de Vizinhança Próxima nas cidades médias paulistas.

Fonte: IBGE, 2016. Elaborado pelo autor.

A distribuição da população poderia ser classificada em três tipos:

clustered, aleatório e não-clustered. Os resultados mostraram que os municípios

de Bauru, Jundiai, Limeira, Mogi das Cruzes, Piracicaba e São Carlos

apresentam um padrão de distribuição da população urbana em cluster, isto é, a

população está distribuída concentrada em diversos cluster ou fragmentos ao

longo do território.

Em contrapartida, os municípios de Araraquara, Franca, Mauá e São José

do Rio Preto possuem um padrão considerado não-clustered, isto é, todos os

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vizinhos próximos possuem a mesma distância um do outro, o que mostra que

há uma regularidade na distribuição da população e tende a ser mais

concentrado do que os municípios com a distribuição da população agrupada.

Considerações Finais

A proposta deste texto surgiu pela necessidade de se estabelecer

metodologias operacionais para os estudos teóricos sobre as cidades brasileiras,

especialmente, as cidades médias. Traz um caráter mais quantitativos para as

significativas pesquisas qualitativas sobre o processo de espraiamento e

dispersão urbana no Brasil, buscando ser uma proposta para articular análises

qualitativas e quantitativas sobre o fenômeno. A estatística espacial mensura os

padrões de distribuição da população, permitindo comparações entre as cidades

e abrindo um leque de oportunidades para estudos de caso mais empíricos que

delimitem as causas gerais e específicas da distribuição da população em cada

cidade.

De todo modo, a metodologia traz uma possibilidade de avaliação e

interpretação dos padrões de distribuição da população tanto nas cidades,

quanto nas áreas rurais dos municípios. Mesmo que não seja o escopo deste

trabalho, a metodologia pode ser aplicada nas áreas rurais, visando destacar

como a população esta assentada no espaço.

Além disso, a metodologia permite diálogos com os trabalhos de Ojima

(2007a, 2007b), Marandola e Hogan (2009), Marandola Jr. (2011) e Marandola

Jr. e Ojima (2014) quanto às questões de distribuição da população,

vulnerabilidade e risco. Em um contexto de riscos de diversas ordens crescentes

e onipresentes, como bem apontado por Beck (2010), pensar no modo como a

população ocupa o espaço é fundamental para criarmos políticas de atenuação

dos riscos e diminuição do grau de vulnerabilidade.

Mas para que isso ocorra, é necessário que sejam criadas bases teóricas

e empíricas de mensuração e apreensão sobre as formas que a população

ocupa o espaço. Um primeiro esforço para esta análise da relação entre

distribuição da população, vulnerabilidade e risco, utilizando a grade estatística,

pode ser visto em IWAMA et al (2016). Porém, outras pesquisas necessitam ser

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realizadas, divulgando novas metodologias e novos modos de pensar o espaço

urbano.

Comparando as cidades médias paulistas estudadas, encontramos em

um primeiro momento uma distribuição da população que se dá de forma

dispersa no território. Observa-se que há um núcleo principal de ocupação mais

antiga e mais conectado e, quando se vai em direção a periferia, tem se uma

distribuição da população cada vez mais rarefeita, com vários espaços vazios

formados por essa desconcentração.

São José do Rio Preto tem a área urbana que possui uma distribuição

mais concentrada, se comparado com outras cidades, mas mesmo assim

apresenta uma distribuição mais alongada para a região Sul. Já as cidades

Jundiai, Mogi das Cruzes, Limeira, Piracicaba e São Carlos apresentam o sério

problema de desconcentração da população, com a população distribuída de

forma dispersa.

A maioria das cidades avaliadas, possui um comportamento em cluster,

significa dizer que há uma dispersão e fragmentação territorial nessas cidades,

tendo a presença de ilhas que concentra grupos de população de forma que gera

uma descontinuidade da mancha urbana.

Pensando em padrões metropolitanos, mencionados no início deste texto,

as cidades médias analisadas de fato apresentam padrões semelhantes, com

um espraiamento e dispersão da população no espaço, áreas vazias e baixa

densidade populacional.

Os resultados trazem indícios para pensarmos teoricamente sobre o

comportamento da população que vivem cada vez mais distantes do aglomerado

principal nas cidades. Refletindo em como o modo de vida foi alterado, pautado

pela crescente presença dos automóveis e motocicletas e a negação do espaço

de convivência público e coletiva, fazendo com que haja um maior isolamento de

parte da população. Além disso, abre caminhos para pensarmos em como as

cidades estão sendo produzidas, os impactos que este modelo causa para a

sociedade, o meio ambiente e a economia local e regional.

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP (número do processo 2016/24641-3) pelo

financiamento da pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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