anÁlise e planejamento ambiental
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
REA DE CONCENTRAO: ANLISE E PLANEJAMENTO AMBIENTAL
GEOPOLTICA DAS GUASO BRASIL E O DIREITO INTERNACIONAL FLUVIAL
AGUINALDO ALEMAR
UBERLNDIA/MG
2006
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AGUINALDO ALEMAR
GEOPOLTICA DAS GUAS
O BRASIL E O DIREITO INTERNACIONAL FLUVIAL
Tese de Doutorado apresentada ao Programa dePs-Graduao em Geografia da UniversidadeFederal de Uberlndia, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Geografia.
rea de Concentrao: Anlise e PlanejamentoAmbiental
Orientador: Prof. Dr. Samuel do Carmo Lima
Uberlndia/MGINSTITUTO DE GEOGRAFIA2006
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
A367g Alemar, Aguinaldo, 1962-Geopoltica das guas : o Brasil e o direito internacional fluvial /Aguinaldo Alemar. - 2006.
253 f. : il.
Orientador: Samuel do Carmo Lima.Tese (doutorado) Universidade Federal de Uberlndia, Programa
de Ps-Graduao em Geografia.Inclui bibliografia.
1. Geografia fsica - Teses. 2. Poltica ambiental - Teses. 3. guasterritoriais - Teses. 4. Direito internacional pblico - Aspectos ambien-tais - Teses. I. Lima, Samuel do Carmo. II. Universidade Federal deUberlndia. Programa de Ps-Graduao em Geografia. III. Ttulo.
CDU: 911.2
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogao e Classificao
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
Aguinaldo Alemar
Geopoltica das guas: o Brasil e o Direito Internacional Fluvial
_______________________________________________________
Prof. Dr. Samuel do Carmo Lima (Orientador)
________________________________________________________Prof. Dr. Luiz Otvio Pimentel
________________________________________________________Prof Dr Terezinha Cssia de Brito Galvo
________________________________________________________Prof Dr Marlene Terezinha Muno Colesanti
_______________________________________________________Prof. Dr. Washington Luiz Assuno
Data: _____/______/_______.
Resultado: ___________________
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Eu dedico,
minha esposa Jusclia,
aos meus filhos Isa e Rafael
Aos meus pais Leri e Maria Jos
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Eu agradeo,
A Deus,
Ao prof. Dr. Samuel do Carmo Lima, orientador que tornou possvel esta conquista,
Ao Instituto de Geografia da UFU, que me abriu as portas,
Cinara, Dilza, Janete e Lcia pelo suporte acadmico
Aos profs. Drs. Beatriz Soares, Joo Cleps Jr., Suely del Grossi e Vnia Vlach.
E reconheo,
Que algumas coisas, algumas vezes, se consegue sozinho,
Mas muitas coisas, na maioria das vezes, no.
E, normalmente, estas ltimas so as mais importantes.
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Mas nada pode ser completamente explicado, analisado e prospectadose no se eleva a um outro nvel, o dos mecanismos de produo ou decomercializao que se graduam, desde a escala regional at a escalade um continente ou de uma frao do planeta; escala dos problemas de
grupos dos interesses nacionais ou internacionais e de seu confronto.(Pierre George, 1975, p. 31)
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RESUMO
A gua tem sido chamada nos ltimos tempos de o ouro azul. Ocorre que grande
parte dos recursos hdricos do planeta so compartilhados por dois ou mais Estados
soberanos. Isto traz tona a necessidade de se pensar numa gesto conjunta, numa
espcie de solidariedade internacional. Esta ao recproca, por sua vez, implica numa
nova viso do conceito de soberania estatal sobre seus recursos naturais. Este estudo se
debrua sobre a forma como os Estados se organizam, ou deveriam se organizar, para
equacionar os enormes conflitos que surgem quando se trata de administrar um bem
insubstituvel, inclusive quando se tem que equilibrar a abundncia natural de alguns
Estados e o estresse hdrico de outros. Assim, este trabalho tem como objetivo geral
propor novas formas de se tratar os recursos hdricos transfronteirios no Brasil,
especificamente, e na sociedade mundial em geral. Para alcanar este objetivo, analisa-
se a evoluo da proteo ambiental no planeta, estuda-se a proteo dos recursos
hdricos transfronteirios no plano internacional, avalia-se a postura jurdica e poltica do
Brasil frente a esses recursos e, ao final, prope-se uma nova forma de se lidar com os
recursos de gua doce superficial transfronteiria, alm de se sugerir a criao de uma
Organizao Mundial da gua como forum internacional para aglutinar interesses
comuns dos pases com grandes reservas de gua doce.
Palavras chave: gua; Direito Internacional; Meio Ambiente; Rios Transfronteirios.
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ABSTRACT
Water has been being called in the last times of the blue gold. However, a
big part of the water resources of the planet are shared by two or more sovereignState. This brings afloat the need from thinking in a joint administration, in a species
of international solidarity. This reciprocal action, then, implies in a new vision of the
state sovereignty concept over their natural resources. This study is about the form
witch the States organizes, or they would organize, to resolve the enormous conflicts
that arise in the management of one very irreplaceable good, even when it has to
equilibrate the natural abundance of any State and the water stress of another. This
way, this work has as general goal to propose new forms to treat the transboundary
water resources in Brazil, specifically, and in the world in general. To reach this
objective, it analyzes the evolution of the environmental protection in the planet, it
studies the transboundary water resources protection in the international plan, it
evaluates the juridical posture and Brazil's Policy front to these resources and, at the
end, it proposes a new form to work with the transboundary superficial fresh water
resources, besides it suggest the creation of a World Organization of Water as
international forumto agglutinate common interests of the countries with fresh water
big reserves.
Key words: Water; International Lawt; Environment; International rivers
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LISTA DE FIGURAS
Figura Pg.
1 Preocupaes humanas segundo o Clube de Roma .............................. 5
2 Faixa de fronteira do Brasil ............................................................... 106
3 Usos possveis da gua .................................................................... 123
4 Rio Solimes saindo do Peru e ingressando em territrio Brasileiro 124
5 Rio Paran, na fronteira entre a Argentina e o Paraguai .................. 125
6 Rio Danbio, que nasce na Floresta Negra (Alemanha) .................. 125
7 Distribuio planetria das bacias internacionais ............................. 126
8 Diagrama do ciclo hidrolgico .................................................................... 128
9 O Encolhimento do mar de Aral ................................................................ 131
10 Fluxo das guas nas bacias Amaznica e do Prata ......................... 182
11 Cabeceira do Rio Paran, na trplice fronteira (MG, SP, MS) .......... 189
12 Regio do conflito entre Argentina e Uruguai ................................... 215
13 Regio da foz do rio Apa .................................................................. 21914 Regio do rio Madeira a ser influenciada pelas represas ................. 222
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LISTA DE QUADROS
Quadro Pg.
1 Exemplos de atos multilaterais promulgados pelo Brasil no campo
do Direito Internacional Pblico ........................................................ 152 Exemplos de atos multilaterais promulgados pelo Brasil no campo do
Direito Internacional Privado ...................................................................... 15
3 Bacias hidrogrficas internacionais na Amrica do Sul, ordenadas
por bacias ......................................................................................... 179
4 Bacias hidrogrficas internacionais na Amrica do Sul, ordenadas
por pas ............................................................................................. 180
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LISTA DE TABELAS
Tabela Pg.
1 gua virtual contida em alguns produtos ............................... 121
2 Fronteiras entre o Brasil e os pases da Amrica do Sul ....... 181
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LISTA DE ABREVIATURAS
ANA Agncia Nacional de guas
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CARU Comisso Administradora do Rio Uruguai
CEE Comisso Econmica Europia
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina
CIDEMA Consrcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Integrado das Baciasdos rios Miranda e Apa
CIJ Corte Internacional de Justia
CIMI Movimento Indigenista Missionrio
CITES Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Faunaand Flora
CNRH Conselho Nacional dos Recursos Hdricos
COAGRET Coordinadora de Afectados por Grandes Embalses y Trasvases
CTGRHT Cmara Tcnica de Gesto dos Recursos Hdricos Transfronteirios
D.C. District of Columbia
DA Diviso de Atos Internacionais
DI Direito Internacional
DIP Direito Internacional Pblico
ECE Economic Council for Europe
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental
EUA Estados Unidos da Amrica
FAO Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e Agricultura
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, cincia e Cultura
FMI Fundo Monetrio Internacional
FOREN Frum de Debates de Energia de Rondnia
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GATT General Agreement on tariffs and trade
GEF Global Environment Facility
GWP Global Water Partnership
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IIHA Instituto Internacional da Hilia Amaznica
IIRSA Integrao de Infraestrutura Regional da Amrica do Sul
ILA International Law Association
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia
IRN International Rivers Network
ITLOS International Tribunal for the Law of the Sea
IUPN Unio Internacional para a Proteo da Natureza
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MAP Madre de Dios, Acre e Pando
MDGs Millenium Development Goals
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
MSIa Movimento de Solidariedade Ibero-Americana
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
OEA Organizao dos Estados AmericanosOIT Organizao Internacional do Trabalho
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OMS Organizao Mundial da Sade
ONG Organizao No-Governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
OPEP Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo
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OSR Organizao dos Seringueiros de Rondnia
OTCA Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica
OVMs Organismos Vivos Geneticamente Modificados
PACD Plano de Ao de Combate Desertificao
PIEA Programa Internacional de Educao Ambiental
PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente
POPs Persistent Organic Pollutants
UN United Nations
UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development
UNEP United Nations Environment programan
UNESCO United Nations
UNSCCUR Conferncia Cientfica das Naes Unidas sobre a Conservao eUtilizao de Recursos
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
WCED Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
WEHAB Water, Energy, Health, Agriculture and Biodiversity
WWC Conselho Mundial da gua (World Water Council)
WWF Fundo Mundial para a Natureza)
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................ 1
Captulo I
Direito Internacional e Meio Ambiente........................................................ 9
1.1 A sociedade internacional .............................................................. 9
1.2 Direito Internacional Pblico e Direito Internacional Privado ......... 13
1.3 A Personalidade jurdica de Direito Internacional .......................... 16
1.4 Os atos internacionais dos Estados .............................................. 17
1.4.1 A estrutura do tratado internacional ............................................... 181.5 A responsabilidade internacional dos Estados .............................. 19
1.6 Direito Internacional Ambiental ...................................................... 24
1.6.1 A questo semntica .................................................................... 24
1.6.2 Direito Ambiental Internacional e a vida no planeta ...................... 26
1.7 Evoluo histrica da proteo do ambiente no planointernacional .................................................................................. 32
1.8 Marcos internacionais relacionados ao ambiente ......................... 411.8.1 Princpios do Direito Internacional Ambiental ............................... 84
1.9 Meio ambiente, Direito Internacional e Direitos Humanos ............ 92
CAPTULO II
A soberania estatal....................................................................................... 98
2.1 O territrio em questo .................................................................. 98
2.2 A soberania como elemento do Estado ......................................... 107
CAPTULO III
A proteo dos recursos hdricos internacionais..................................... 116
3.1 Planeta gua? ................................................................................ 116
3.1.1 A gua virtual ................................................................................. 120
3.2 Muitos rios, pouca gua disponvel ............................................... 122
3.2.1 O ciclo hidrolgico.......................................................................... 127
3.3 A proteo jurdica da gua no plano internacional ....................... 134
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3.3.1 Evoluo histrica .......................................................................... 134
3.3.2 Principais acordos e tratados relacionados aos rios e lagosinternacionais .................................................................................
141
3.4 Fruns Mundiais pela gua 167
3.4.1 Primeiro Frum Marrakesh, 1997 ............................................... 167
3.4.2 Segundo Frum Haya, 2000 ....................................................... 168
3.4.3 Terceiro Frum Tkio, 2003 ....................................................... 169
3.4.4 Quarto Frum Mxico, 2006 ....................................................... 171
CAPTULO IV
O Brasil e os recursos hdricos internacionais.......................................... 175
4.1 Prolegmenos geogrficos ............................................................ 178
4.1.1 Bacias hidrogrficas internacionais na Amrica do Sul ................. 178
4.2 Prolegmenos histricos ............................................................... 183
4.3 A Gesto integrada das guas transfronteirias ............................ 185
4.3.1 As Bacias da Lagoa Mirim e do rio Quara .................................... 185
4.3.1.1 Tratado da Bacia da Lagoa Mirim .................................................. 186
4.3.2 A Bacia do Prata ............................................................................ 188
4.3.2.1 Tratado da Bacia do Prata ............................................................. 190
4.3.3 A Bacia Amaznica ........................................................................ 192
4.3.3.1 O Tratado de Cooperao Amaznica .......................................... 197
4.4 Acordo-Quadro sobre Ambiente do Mercosul ............................... 202
4.5 A Declarao de Buenos Aires ...................................................... 204
CAPTULO V
Conflitos pela gua ..................................................................................... 2055.1 A realidade dos conflitos internacionais pela gua ........................ 205
5.2 Alguns casos contemporneos ...................................................... 210
5.2.1 As fbricas de papel no Uruguai .................................................... 215
5.2.2 O caso do rio Apa .......................................................................... 218
5.2.3 As hidreltricas no rio Madeira ...................................................... 222
CAPTULO VIA Organizao Mundial das Hidropotncias .................................................. 229
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Concluso ..................................................................................................... 237
REFERNCIAS.............................................................................................. 244
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INTRODUO
Atualmente, o progresso cientfico e tecnolgico, aliado a uma crescente
capacidade comercial permitiram ao homem interferir cada vez mais no ambiente,
dele retirando no s o seu sustento, mas tambm o lucro. Este lucro, em princpio
no errado. O que , ou pelo menos deveria ser inaceitvel, o lucro a qualquer
preo, custa de prejuzos ambientais para toda uma comunidade.
Dentre os recursos naturais renovveis, desponta a gua, cuja renovabilidade
parece inexorvel, mas com a potabilidade constantemente ameaada pelas aes
antrpicas, especialmente a ausncia de saneamento. Neste sentido, os recursos
hdricos dispersos pelo planeta revelam, ao mesmo tempo, possibilidades de
progresso econmico e de atraso nas condies de vida. Isto porque, do manejo
correto das guas vai depender uma srie de variveis ambientais que se inter-
relacionam, como por exemplo, as condies climticas, a flora e a fauna.
Estima-se que o volume total de gua no planeta seja de aproximadamente
1,38 bilho de km, dos quais 97.5% corresponde s guas salgadas. Logo, restam
apenas 2,5% de gua doce. Entretanto, aproximadamente 68,7% da gua doce est
sob a forma de gelo e neve permanente na Antrtica, no rtico, e nas regies
montanhosas. Cerca de 29,9% da gua doce disponvel no planeta, so guas
subterrneas. Em nmeros aproximados, apenas 0,26% do total de gua doce est
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concentrado nos lagos, rios e outros reservatrios de fcil acesso para a
humanidade (Shiklomanov, 1998, p.4)
No ritmo atual de crescimento econmico e populacional, prev-se que, antes
de 2025, dois teros da populao global estaro vivendo em pases com estresse
hdrico. Para 2020, prev-se que o uso da gua aumentar em 40% e que ser
necessrio um adicional de 17% de gua para a produo de alimentos, a fim de
satisfazer as necessidades da populao em crescimento. (PNUMA, 2004, p. 163).
A gua pode ser elemento de unio entre os povos, mas tambm pode os
conduzir s armas. Um rio pode levar alimentos e vida para um pas faminto, como
tambm pode levar destruio e morte. Tudo depende do modo como os Estados se
organizam interna e externamente para a gesto dos seus recursos hdricos, que
muitas vezes, so compartilhados por mais de dois pases.
Numa perspectiva na qual se leva em conta a imprescindibilidade da gua e,
mais que isso, o fato da mesma ser insubstituvel, levou alguns estudiosos a
proclamarem-na como patrimnio comum da humanidade. Esta noo de patrimnio
comum inspira cuidados especiais, sobretudo quando se trata daqueles cursosdgua, ou lagos que integram ecossistemas de mais de um Estado soberano. Esses
cuidados especiais vo desde o uso responsvel e solidrio dos recursos hdricos,
de modo a no causar danos a um outro Estado, at a gesto conjunta dos
mananciais compartilhados.
A interdependncia entre os Estados, quando se fala em recursos hdricos,
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faz com que conceitos clssicos para o Direito e para a Geografia, como territrioe
soberania, hoje se debatam, agonizantes, frente a uma realidade que os confronta
sem possibilidade de retrocesso. o florescimento de uma nova gerao de idias que
tratam o ambiente como um todo unitrio constantemente interligado e necessariamente
mutvel. Talvez um organismo vivo, como quer Lovelock (1991, p. 7 -10).
Embora, como visto antes, somente uma parte muito pequena do volume total
de gua do planeta esteja disponvel para uso imediato pelo homem, em tempos
remotos a preocupao com o uso deste recurso se limitava apenas aos aspectos
navegacionais e de segurana territorial. No entanto, com o aumento exponencial da
populao e com o crescimento avassalador das atividades agro-pastoril, industrial e
comercial, quantidade de gua per capitadisponvel tende a ser cada vez menor,
considerando-se constante o seu volume absoluto.
O fato que desperta maior ateno a m distribuio da gua pelo planeta, pois
pesquisas recentes do conta de que um tero da populao mundial vive em pases
que sofrem de estresse hdrico entre moderado e alto. E mais: aproximadamente 40%
da populao mundial, distribuda por cerca de 80 pases, sofriam de grave escassez
de gua em meados da dcada de 1990 (PNUMA, 2004, P. 22).
Esses dados, associados ao fato de que existem hoje mais de 260 bacias
hidrogrficas compartilhadas por dois ou mais pases (WOLF, 2002, p. 2), faz
crescer a necessidade de que estudos sistmicos e interdisciplinares devam ser
levados a cabo, sempre na expectativa de que uma guerra pela gua, hoje bem
provvel, no ultrapasse o campo das possibilidades.
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Fatos recentssimos apontam na direo da necessidade de uma viso
integradora dos recursos hdricos. Veja-se o exemplo do Brasil, pas
nomeadamente pacfico, no qual uma disputa interna, entre irmos, sobre a
transposio de um rio leva vrias comunidades a uma situao de conflito
incluindo, por exemplo, o religioso Dom Luiz Cappio, bispo de Barra (BA) que
deflagrou uma greve de fome em Cabrob (BA), por ocasio das discusses
sobre a transposio das guas do Rio So Francisco, em setembro de 2005, ou
ainda o projeto de construo de usinas de lcool na regio da bacia do rio
Paraguai que conduziu o ambientalista Francisco Anselmo de Barros a atear fogo
ao prprio corpo em novembro do mesmo ano.
Quando a disputa pela gua envolver Estados, naes, culturas diferentes,
imagina-se que a soluo seja ainda mais difcil. guisa de exemplo, registre-se o
caso envolvendo a Argentina e o Uruguai a respeito da construo de duas fbricas
de celulose no rio Uruguai (que os une ou separa), cuja soluo est sendo
encaminhada para a Corte Internacional de Justia, em Haia, na Holanda.
Esta pesquisa procura demonstrar que s uma atitude coordenada, calcada
nos princpios de solidariedade internacional e intergeracional, com uma viso interou multidisciplinar, corporificada em acordos internacionais passveis de serem
exigveis luz do Direito, pode contribuir de forma eficaz para o manejo correto dos
recursos hdricos e, por extenso, no planejamento ambiental, num mundo em que,
por exemplo, enquanto mais de 70% da gua doce utilizada pela agricultura, cerca
de 1,1 bilho de pessoas no tm nenhuma fonte de gua potvel segura e 2,4
bilhes carecem de melhor saneamento (PNUMA, 2004, p.164).
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Imbudo da preocupao com o que se est fazendo com os recursos hdricos
transfronteirios no planeta, o presente estudo se inclui no canto superior direito do
conhecido quadro proposto pelo Clube de Roma, relacionando a populao e suas
preocupaes (fig. 1). Neste quadro, procura-se mensurar durante quanto tempo,
em mdia, um determinado grupo de pessoas se preocupa com determinada causa.
Por exemplo, no canto inferior esquerdo se encontra a maior concentrao de
pessoas. Isto significa que muita gente se preocupa com a famlia num perodo de
uma semana. Por outro lado, poucas pessoas se preocupam com as questes
planetrias num perodo relativamente longo (canto superior direito da figura 1).
Fig. 1: Preocupaes humanas segundo o Clube de RomaFonte: Meadows (1978, p. 16)
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Prximasemana
Prximosanos
Durao davida
Durao da vidadas crianas
Famlia
Raa,nao
Mundo
ESPAO
TEMPO
Negcios,cidade,
vizinhana
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Nesse empenho de provar que na utilizao dos seus recursos naturais,
no caso a gua, um Estado no senhor absoluto do seu territrio, mesmo
contrariando princpio expresso na Carta da ONU, demonstrar-se- que o
planeta requer medidas urgentes e multilaterais, num enfoque globalizador das
questes ambientais, ainda que internas, posto que a imbricao dos
fenmenos naturais, que faz com que, por exemplo, a poeira do Saara provoque
doenas respiratrias no Caribe (por conta das oscilaes do Atlntico norte),
ou a utilizao do mercrio ou pesticidas nas proximidades do rio Paranaba (na
divisa de Minas Gerais com Gois) possam afetar a agricultura na Argentina ou
ainda a construo de uma usina hidreltrica na Turquia provoque escassez de
gua no Iraque e na Sria, no permite mais a apropriao exclusiva, e imune de
conseqncias, dos recursos hdricos transfronteirios.
O gerenciamento integrado dos recursos hdricos requer no apenas o
uso sustentvel das guas de superfcie - e tambm das subterrneas - para
satisfazer as necessidades scio-econmicas, mas tambm o desenvolvimento
de novas tcnicas de apropriao e reaproveitamento das guas imprprias
para o consumo humano ou animal, como por exemplo, as guas poludas, ou
processos economicamente viveis de dessalinizao das guas marinhas. Ouso sustentvel (ou ambientalmente correto), implica em que o desenvolvimento
econmico da sociedade esteja ajustado numa correlao de valores onde o
mximo econmico reflita igualmente um mximo ecolgico (DERANI, 2001, p. 198)
Com o objetivo de abordar as formas pelas quais os recursos hdricos tm
sido utilizados pelo homem, e os modos pelos quais esses usos foram e so
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geridos, procedeu-se a uma anlise histrica da atuao humana no trato da
gua. Isto implicou no estudo de acordos internacionais celebrados desde o
sculo XVIII, passando por conferncias e convenes internacionais que se
agigantavam medida que o avano tecnolgico propiciava ao homem meios
para uma apropriao cada vez maior dos recursos naturais. Esta pesquisa
histrica no teve outro motivo seno demonstrar que a evoluo jurdico-
poltica dos conceitos de territrio e propriedade, no tocante aos recursos
naturais, num plano internacional, resultado de uma seqncia de decises
multilaterais, expressas em tratados internacionais, como, por exemplo, a
Conveno das Naes Unidas sobre o uso dos rios internacionais para fins
diversos da navegao, de 1997.
A avaliao histrica e geogrfica, numa viso sistmica da realidade do
elemento gua no planeta, aliada aos avanos jurdicos na interpretao de direitos
e obrigaes, permitir uma viso de como se organiza, nos dias que correm, a
geopoltica das guas internacionais, baseada em princpios de solidariedade e
responsabilidade compartilhada, quando se tem em mente o planejamento ambiental
de uma cidade, de um estado ou de um pas.
A noo de geopoltica, neste trabalho, ser aquela que considera o estudo
do Estado em funo do territrio, e no do territrio em funo do Estado, o que se
aproximaria da geografia poltica, na lio de Moraes (1990, p. 175).
Ao final do trabalho, prope-se a unio, sob a forma de uma Organizao
Internacional, dos pases detentores dos maiores mananciais de gua doce, cujas
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reservas hdricas possam fazer deles potncias mundiais num futuro prximo, tanto
no que tange gerao de alimento e energia, quanto no que se refere maior das
necessidades: a dessedentao humana.
Ressaltando a atualidade e relevncia do tema, basta lembrar que a ONU
escolheu a dcada de 2005-2015 para ser a segunda Dcada Internacional da gua,
perodo no qual se pretende reduzir metade a proporo de pessoas sem acesso a
gua potvel, como prescreve, alis, a Declarao do Milnio, assinada por 191
pases ao final da Cpula do Milnio, realizada em Nova York em 2000.
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CAPTULO I
DIREITO INTERNACIONAL E MEIO AMBIENTE
1.1 A Sociedade internacional
Sabe-se que desde os tempos primitivos, quando surgiram os primeiros
grupamentos humanos, de forma organizada, um aqui outro acol, comearam os
mesmos a se inter-relacionarem, o que, de certa forma, pode ser considerado como
o grmen do que hoje se conhece como relaes internacionais.
Depois de constituda a sociedade interna, vale dizer, o Estado Nacional, nos
moldes como se conhecesse atualmente, com fronteiras perfeitamente definidas, um
governo soberano e um povo sob esta soberania, comearam a florescer em seu
seio vrias relaes (jurdicas e no-jurdicas), que direta ou indiretamente
repercutem no plano exterior, isto , atingem outros Estados ou deles dependem.
Do mesmo modo que a sociedade interna, ou seja, aquele contingente
humano que forma a dimenso pessoal dos Estados, tambm estes, em suas
mltiplas relaes, erigiram regras de comportamento que foram variando de acordo
com as circunstncias temporais e espaciais.
O desenvolvimento das relaes entre os Estados, nos mais diversos campos
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de atuao (econmico, social, militar, etc.), fez com que, paulatinamente, fossem
surgindo outros entes na comunidade internacional, que basicamente se resumem
na unio de alguns Estados que tenham um interesse comum em determinada rea.
Essas unies receberam o nome de Organizaes Internacionais inter-
governamentais1.
So as inter-relaes entre Estados que formam o arcabouo da sociedade
internacional. a partir destas relaes que os Estados se mostram ao mundo,
celebram acordos entre si, desenvolvem laos de amizade (ou de animosidade),
formam os grupos de Estados e as Organizaes Internacionais (Cf. LITRENTO,
2001, p. 36-40).
O que diferencia as relaes entre os Estados, das relaes entre os
indivduos dentro de um ordenamento jurdico nacional (ou interno), que naquelas
no existe um governo superior, ou nico, um poder central, posto que na sociedade
internacional, os Estados s atuam segundo a mescla resultante de suas vontades
(ALLEMAR, 2006, p. 16).
Desse modo, no plano internacional, os Estados procuram, ao mesmo tempo,preservar a sua soberania e estabelecer relaes com os demais membros que
compem a sociedade planetria.
A sociedade internacional possui caractersticas que a diferenciam,
substancialmente, da sociedade interna (isto , o Estado isoladamente considerado).
1 Estas organizaes no se confundem com as conhecidas ONGs, as quais so organizaes no-governamentais.
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Tais diferenas vo desde a forma de organizao at o modo como se exerce o
poder coercitivo do Direito. O que caracteriza as relaes entre os Estados o fato
de que sua estrutura horizontal, diferentemente das relaes de Direito interno,
que so marcadas pela idia de verticalidade. Isto significa que no plano
internacional no h, pelo menos em tese, uma hierarquia entre seus membros.
No plano interno as normas compem, como se sabe, uma estrutura
piramidal, na qual a Constituio Nacional ocupa o topo da pirmide, e da defluem
as normas das constituies estaduais e das leis orgnicas municipais, assim como
as demais leis e atos normativos exarados pelos poderes competentes, que sempre
devero estar em consonncia com a lei maior. Nas relaes internacionais no
existe esta estrutura, sendo certo, entretanto, que o tratamento que cada Estado
confere a uma norma internacional variar de acordo com o disposto em sua lei
domstica, que determinar o modo pelo qual aquela norma ser recepcionada pelo
seu Direito interno.
Em decorrncia da estrutura horizontal e descentralizada da sociedade
internacional, que os Estados s obedecem quelas normas com as quais haja
previamente concordado, prevalecendo o princpio da isonomia entre os Estados,donde se conclui pela ausncia, em tese, de um poder mundial, capaz de sobrepor
um pas a outro, obrigando este ltimo a determinado comportamento em funo da
vontade do primeiro.
Entretanto, foroso reconhecer que essa afirmao de ausncia de um
poder mundial , antes de tudo, um axioma jurdico, posto que o poderio econmico
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de determinados pases faz com que eles, em qualquer mesa de negociao
internacional, tenham, no mnimo, maior poder de barganha, sendo de se salientar
que essa supremacia econmica a matriz de onde se originam os demais poderes,
como o militar e o poltico (ALLEMAR, 2006, p. 17).
Uma outra caracterstica da sociedade internacional, que faz inclusive com
que se discuta a existncia de um Direito Internacional, a suposta ausncia de
sanes. Tal caracterstica peculiar , no entanto, enganosa, posto que existem sim,
sanes no plano internacional. O que ocorre que no existem sanes nos
moldes do Direito interno. Temas cada vez mais em evidncia, como o da
responsabilidade internacional do Estado por danos ambientais transfronteirios,
corroboram com esta afirmao. A maior parte das sanes aplicadas aos Estados
no mundo moderno so de ndole econmica, no necessariamente punitivas, mas
tambm compensatrias.
Nesse sentido so, por exemplo, algumas decises tomadas no mbito de
Organizaes Internacionais, como a ONU, o Mercosul e a Unio Europia, ou
mesmo por um Estado isoladamente, que determinam, entre outras medidas, o
embargo a determinados produtos, baseado em pressupostos ambientais, ou comomedida retaliativa contra algum outro ato perpetrado pelo Estado discriminado, como
o caso de um pas suspender a importao de produtos de outro at que se
elimine a utilizao de mo de obra infantil, escrava ou em condies degradantes.
De toda forma, as medidas de retaliao, represlia e retorso sempre tero a
finalidade principal de compelir um Estado, violador de determinada regra, a adotar
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um comportamento adequado aos propsitos de determinado sistema.
No plano interno, os indivduos esto submetidos ao ordenamento jurdico
independentemente de sua vontade. Excetuados os casos de plebiscito e
referendum, as normas so editadas e devem ser cumpridas sem a oitiva direta dos
seus destinatrios. claro que se pode conjecturar que, pelo menos nos pases
democrticos, as leis so prolatadas por pessoas s quais o povo concedeu poderes
para edit-las. Mas pensar desta forma seria raciocinar com base na regresso ao
infinito. O fato que ao cidado que comete um determinado ato tipificado como
crime pelo ordenamento jurdico, no questionado se ele deseja ou no responder
juridicamente pelo mesmo: esta sujeio coercitiva.
No plano internacional, os Estados s esto juridicamente obrigados a
determinado ato (comissivo ou omissivo) se com isto previamente concordaram, seja
num acordo bilateral, seja numa negociao coletiva.
desta forma, em breves linhas, que se organiza a sociedade internacional,
cabendo agora um estudo sobre como o Direito passou a regular as diversas
manifestaes que ocorrem em seu seio.
1.2 Direito Internacional Pblico e Direito Internacional Privado
Tanto o Direito Internacional Pblico (D.I.P.) quanto o Direito Internacional
Privado (D.I. Privado) possuem a caracterstica comum de envolver relaes que
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possuem pelo menos um componente internacional, mas enquanto o primeiro cuida
das relaes entre os Estados no tocante ao Direito Pblico, o segundo trata
daquelas relaes entre particulares que possuem reflexos internacionais. Assim,
pertence ao campo do D. I. Privado, por exemplo, questes como a dos efeitos do
casamento entre pessoas de diferentes nacionalidades, de herana e mesmo de
atividades empresariais nas quais as partes sejam pessoas privadas (fsicas ou
jurdicas). Por outro lado, pertencero ao D.I. Pblico aquelas questes que
envolvem os Estados entre si, e os Estados e outras pessoas jurdicas de Direito
Internacional como, por exemplo, as Organizaes Internacionais. Estes campos
estaro a concesso de asilo poltico, a expulso de estrangeiro, a guerra, as
questes ambientais e comerciais, etc.
Em vrios aspectos, o DIP e o DI privado se interpenetram, como por
exemplo nos casos de nacionalidade, porm, ambos se distinguem quanto ao
objeto. Enquanto o DIP se ocupa das relaes entre pessoas de direito
internacional, o DI privado se ocupa da condio das pessoas, coisas e atos, de
Direito interno, levando-se em conta a determinao de qual a legislao nacional
aplicvel a uma determinada relao jurdica, podendo esta (lei aplicvel) depender
da nacionalidade do indivduo, de seu domiclio ou ainda da norma que rege a formae os efeitos dos atos jurdicos.
O que se verifica nos dias que correm, com a crescente aproximao dos
povos, tanto nos aspectos polticos quanto econmicos e jurdicos, uma interao
cada vez maior entre o DIP e o DI Privado, sem no entanto se confundirem.
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Na verdade, o DI Privado tem muito pouco de "internacional" posto que ele se
resume a disciplinar, no mbito interno de um Estado, qual lei dever ser aplicada a
um determinado caso concreto, que tenha conexo internacional. Veja-se, por
exemplo, que no caso do Brasil, a norma que regula a maior parte dos casos com
um ou mais componentes internacionais a Lei de Introduo ao Cdigo Civil, que
uma lei eminentemente interna.
Para incio de estudo, e apenas como uma viso geral dos assuntos
pertinentes ao campo do Direito Internacional Pblico e ao Direito Internacional
Privado, cita-se como exemplos de acordos firmados pelo Brasil nestas reas
(Quadros 1 e 2):
Quadro 1
Exemplos de atos multilaterais promulgados pelo Brasilno campo do direito internacional pblico
ATO Assinado emConveno sobre Tratados 20/02/1928Conveno sobre Deveres e Direitos dos Estados nos Casos de Lutas Civis 20/02/1928Conveno sobre Asilo 20/02/1928Conveno sobre Direitos e Deveres dos Estados 26/12/1933Conveno sobre Asilo Poltico. 23/03/1937Conveno sobre Asilo Diplomtico 28/03/1954Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas 18/04/1961Tratado de Institucionalizao do Parlamento Latino-Americano 16/11/1987
Quadro 2
Exemplos de atos multilaterais promulgados pelo Brasilno campo do direito internacional privado
ATO Assinado emConveno de Direito Internacional Privado (Cdigo Bustamante) 20/02/1928Conveno Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional 30/01/1975Conveno Interamericana sobre Prova e Informao Acerca do Direito Estrangeiro 08/05/1979Conveno Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matria de Adoo de Menores 24/05/1979
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1.3 A personalidade jurdica de Direito Internacional
Assim como no plano interno existem aquelas pessoas (particulares ou
empresas, isto , fsicas ou jurdicas) que possuem a capacidade de se vincular
juridicamente, contraindo entre si direitos e obrigaes recprocas, tambm no plano
internacional encontramos os chamados sujeitos de DIP. So estes sujeitos,
possuidores de personalidade internacional, que corresponde capacidade que
possuem determinados entes de se mostrar no cenrio internacional como unidade,
com capacidade prpria para celebrar acordos, vinculando-se, sendo por
conseguinte, possuidores de direitos e obrigaes na comunidade de Estados.
Dos entes que so tidos como possuidores de personalidade internacional, o
mais antigo o Estado. De fato, a sociedade internacional s existe porque existe
uma pluralidade de Estados.
O outro ente, de origem bem mais recente, a Organizao Internacional,
que pode ser definida, por ora, como uma sociedade de Estados que visam a um
objetivo comum, seja ele econmico, poltico ou militar, por exemplo.
Estas duas pessoas de Direito, Estado e Organizao Internacional, possuem
unanimidade na doutrina ptria e aliengena, quanto sua personalidade
internacional.
Tal unanimidade, entretanto, no si ocorrer quanto ao indivduo, pessoa
fsica. Alguns autores entendem que o mesmo possui personalidade internacional,
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posto que existem normas internacionais que se dirigem, ou melhor, afetam
diretamente a ele, enquanto pessoa individualmente considerada (Cf. ACCIOLY,
1956, v. I, p. 101-105; ACCIOLY, 1956, v. II, p. 107-122; SOARES, 2002, p. 155 -
158). De outra parte, encontra-se estudiosos da matria que, entretanto, negam
esta personalidade ao indivduo, pois consideram que para que qualquer norma
internacional possa afet-lo diretamente, antes se faz necessria a anuncia do
Estado ao qual o mesmo se acha juridicamente vinculado (ver por todos: REZEK,
2005, p. 152-153).
Houve poca, inclusive, que se considerava unicamente o Estado como
possuidor de personalidade internacional. Nessa poca, evidentemente, ainda no
se haviam desenvolvido as Organizaes Internacionais, o que s veio a ocorrer
aps o sculo XX.
1.4 Os atos internacionais dos Estados
Na sociedade interna, a maioria das relaes jurdicas regulada por um
contrato, verbal ou escrito, que lhes define o mbito, a finalidade, o modo deexecuo e as conseqncias. No plano internacional, tambm as relaes, na sua
maioria, so regidas por uma espcie de contrato entre as pessoas de DIP. O que
ocorre que aqui o ajuste de vontades recebe, geralmente, o nome de tratado
internacional. este instrumento que definir as partes envolvidas, o mbito de
aplicao de suas normas, a finalidade das partes, enfim, tudo que seja necessrio
para o bom e fiel cumprimento da vontade das partes.
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1.4.1 A estrutura do Tratado internacional
Via de regra, um tratado internacional composto de trs partes, distintas e
nesta ordem: Prembulo, dispositivo e anexos (REZEK, 2005, p. 44-46; SILVA,
2002, p. 57).
No prembulo do tratado encontram-se as partes pactuantes, as causas que
levaram sua concluso e suas finalidades. Normalmente se identificam no
prembulo expresses do tipo: "Considerando...", "Tendo em vista...",
"Reconhecendo...", "Esperando...", "Desejando...", etc.
O dispositivo constitui o cerne do tratado. a parte jurdica propriamente dita.
aqui que as partes estabelecem os direitos e obrigaes juridicamente exigveis,
as formas de execuo e concluso do pactuado, os modos de soluo de
divergncias e as conseqncias para os casos de inadimplemento.
Os anexos so formados por peas apensas parte dispositiva, compostas
por grficos, mapas, estatsticas, relatrios, etc. A colocao como anexo se justifica
apenas para no se misturar a linguagem eminentemente jurdica da partedispositiva com a linguagem prpria destes ltimos.
Vale ressaltar, ainda, as chamadas clusulas finaisou processualstica, que
dizem respeito forma de entrada em vigor, durao, reservas, emendas e trmino
dos atos internacionais.
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1.5 A Responsabilidade Internacional dos Estados
Em 2003 a Comisso de Direito Internacional das Naes Unidas, em seu 55
perodo de sesses2, chamou a ateno para a responsabilidade internacional dos
Estados por danos causados ao meio ambiente, ressaltando, por exemplo, o
Convnio de Lugano, de 1993, sobre a responsabilidade civil por danos resultantes
de atividades perigosas para o meio ambiente, que ainda no entrou em vigor e o
Protocolo Conveno da Basilia sobre a responsabilidade e indenizao por
danos resultantes dos movimentos transfronteirios de dejetos perigosos e sua
eliminao3, no qual as diferentes partes so individual ou solidariamente
responsveis nas vrias etapas do movimento de dejetos perigosos
(PNUMA/CHW/5/29). Alm dessas, a Comisso menciona tambm a Conveno
sobre a responsabilidade civil por danos causados durante o transporte de
mercadorias perigosas por rodovias, ferrovias e meios fluviais, de 1989, (ONU-
ECE/TRANS/79).4
Alm dos acordos internacionais (bi ou multilaterais) visando a proteo
ambiental, os Estados individualmente tm tomado atitudes no mesmo sentido, seja
proibindo a exportao e/ou importao de determinados produtos, seja restringindoo comrcio dos mesmos.
2 Informe da Comisso de Direito Internacional - 55 perodo de sesses, 2003, p. 85.3 Esta Conveno tem como objetivo estabelecer obrigaes com vistas a reduzir os movimentos
transfronteirios de resduos perigosos ao mnimo e com manejo eficiente e ambientalmenteseguro, alm de minimizar a quantidade e toxicidade dos resduos gerados e seu tratamento(depsito e recuperao) de forma ambientalmente correta e prxima da fonte geradora. Foiconcluda em Basilia (Sua) em 22 de maro de 1989 e entrou em vigor em 5 de maio de 1992,contando, em novembro de 2006, com 168 Estados-partes. Fonte: (United Nations, Treaty Series,
vol. 1673, p. 57). O Brasil a ela aderiu em 1992, tendo sido promulgada no plano interno, peloDecreto n 875 de 19/07/93, publicado no D.O.U. em 20/07/93. O Protocolo citado ainda no estem vigor. Fonte: Doc. UNEP/CHW.1/WG/1/9/2.
4 Ainda no est em vigor (Fevereiro/2007)
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guisa de exemplo, destaca-se neste passo, lio apresentada por Corra
(1998, p. 25) quando, ao relacionar comrcio e meio ambiente, enumera algumas
medidas restritivas ao comrcio com o objetivo de proteo ambiental que, "alm
dos evidentes efeitos comerciais, tendem a bloquear sinais de preo e mascaram
mudanas na competitividade internacional". So elas:5
a) proibies, sanes, ou restries a importaes;
b) proibies ou restries a exportaes [principalmente no caso de
recursos naturais no-renovveis];
c) proibio ou restries a venda, compra, circulao ou consumo
domstico [...] podem ser implementadas por restries a importaes,
verificaes de fronteira e outros controles autorizados pela legislao
interna para assegurar a integridade das regulaes do mercado
domstico);
d) quotas para uso de recursos [exemplo: quotas para pesca, colheita ou
extraes vegetal];
e) procedimentos de informao para consentimento prvio, que visam o
aumento da transparncia no comrcio dos produtos envolvidos.
A essas medidas Corra (1988, p. 26) acrescenta: "(i) tarifas de importao
relacionadas ao mtodo e processo de produo; (ii) ajustes fiscais de fronteira
(border tax adjustements); (iii) direitos compensatrios e (iv) selos ambientaismandatrios".
Para o Direito, a configurao da responsabilidade internacional do Estado,
exige a presena simultnea das seguintes condies:
5 Segundo informa Corra (1988, p. 26), essas medidas foram relacionadas pelo Secretariado doGATT em 1992, para os trabalhos do Grupo sobre Medidas Ambientais Internacionais.
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a) o ato ilcito, que pode ser caracterizado pela prtica de algum ato proibido
ou no tolerado pela comunidade nacional, por exemplo o descumprimento
imotivado de um tratado;
b) a existncia deum dano. Isto significa que atos que no causem nenhum
prejuzo (material ou imaterial) no ensejam a responsabilidade
internacional do Estado; e
c) a imputabilidade, que significa a possibilidade de se atribuir a autoria do
fato a uma pessoa de DIP. Em outras palavras, o fato que originou o dano
deve ter sido praticado por um Estado ou uma Organizao Internacional
ou por algum particular vinculado juridicamente ao Estado ou O. I. e cujo
comportamento poderia (e deveria) ter sido evitado pelos mesmos.
Apesar da existncia de um ato ilcito constar como pressuposto para a
responsabilidade internacional do Estado, pode acontecer, entretanto, de um Estado
se ver obrigado a reparar um dano provocado por ato seu que, na origem,
perfeitamente lcito.
Tome-se como exemplo a construo de uma usina hidreltrica num rio
nacional, isto , aquele cujo curso completo (da nascente foz) se encontre no
territrio de um nico Estado. Esta construo perfeitamente lcita. Entretanto,
dependendo do tamanho da usina, pode haver um comprometimento do
ecossistema regional, que poder incluir rea de um outro Estado. Neste caso,
havendo dano ambiental6 neste outro Estado, o causador ser chamado a
6 Vale lembrar que, s vezes, um dano ambiental pode levar dcadas para ser percebido.
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responder pelos prejuzos. Se ele prontamente ressarcir o Estado prejudicado,
nada mais haver para ser feito ou discutido. Por outro lado, se o Estado
causador do dano, ao ser interpelado sobre os prejuzos causados ao outro ou
mesmo outros Estados, se furtar a responder por sua conduta, esquivando-se
de tomar medidas que atenuem os danos provocados, ou at interrompendo
determinada atividade por ser nociva aos legtimos interesses de outros Estados
em proteger seu meio ambiente, a sim, estar configurado o ato ilcito.
de se reparar que a ilicitude do ato no est na construo da usina,
perfeitamente lcita dentro dos cnones da soberania absoluta dos Estados
sobre seu territrio e seus recursos naturais. A ilicitude surgir no momento em
que o Estado se recusar a tomar medidas relacionadas aos prejuzos causados
a terceiros.
Verificada a responsabilidade do Estado, surge a necessidade de reparar
o dano causado pelo mesmo. A extenso da reparao de um dano provocado
ir variar de acordo com a espcie e o tamanho do prejuzo sofrido. Destarte, as
formas de se reparar o prejuzo sofrido por um Estado podem ficar restritas a
um simples pedido de desculpas (tambm conhecido como retratao) quando,por exemplo, um representante de determinado Estado agride de forma verbal a
gesto ambiental de outro Estado, mas pode tambm assumir a forma de
reparao financeira, quando se tem a hiptese em que um pas provoque
danos materiais irreversveis a um outro Estado, momento em que a nica
reparao possvel ser aquela sob a forma de indenizao em dinheiro.
Quando os danos causados forem do tipo reversvel, poder o Estado, causador
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do dano, promover a volta ao estado original das coisas, conhecida como volta
ao status quo ante.
Na hiptese de configurao de responsabilidade internacional por danos
provocados a terceiros, se no houver a composio amistosa do conflito
surgido pela recusa do Estado causador do dano ambiental, os Estados tm a
disposio tribunais internacionais especializados em razo da matria, por
exemplo o Tribunal Internacional do Mar7 e a Organizao Mundial do
Comrcio8 (OMC), alm de foros mais amplos como a Corte Internacional de
Justia.9
Imperioso ressaltar, ainda, que o Estado pode vir a ser responsabilizado por
ato de um particular, pessoa fsica ou jurdica, sempre que couber ao Estado a
obrigao de evitar que tal conduta ocorra, ou que ocorra de determinada maneira.
Nestas circunstncias, entende-se que o Estado deve ser responsabilizado porque
falhou no seu dever de vigilncia, de prudncia, quando, na verdade, deveria ter
atuado de forma preventiva ou repressiva.
7 Este Tribunal mais conhecido pela sigla ITLOS (do ingls International Tribunal for the Law of theSea). Foi criado por determinao da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar,realizada na Jamaica, em 1982, mas entrou em vigor apenas em 1994, a qual conta em novembrode 2006 com 151 Estados membros. Fonte: UN Treaty Series, vol. 1833, p. 3. Compete a esteTribunal Julgar disputas envolvendo direitos martimos que vo desde a navegao at, porexemplo, a conservao e explorao sustentvel do peixe-espada (demanda que envolve o Chileversusa Unio Europia). Foi instalado oficialmente em 18 de outubro de1996 e no um rgo daONU, mas um Tribunal independente com fortes ligaes com aquela. Sua sede em Hamburgo eo Brasil membro dede 22 de dezembro de 1988.
8Uma das mais novas organizaes internacionais. Estabelecida em 1995, a sucessora do GATT(General Agreement on Tariffs and Trade). Apenas guisa de registro, em maio de 2006 o Brasilaparece com 35 casos perante o rgo de Resoluo de Disputas da OMC, sendo 22 comodemandante e 13 como demandado. Sua sede em Genebra, na Suia.
9 Esta Corte o principal rgo judicirio da ONU. Tem sua sede em Haia, na Holanda e foiestabelecida em 1945 (a primeira sesso ocorreu em 1946), substituindo a Corte Permanente deJustia Internacional, que funcionava desde 1922 no mesmo local, tendo sido esta ltimaformalmente dissolvida em abril de 1946.
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1.6 Direito Internacional Ambiental
Quando [eu] somente estudo o particular no estou sendo holstico, no
estou percebendo o movimento geral. Mas tambm no posso pensar emser holstico sem trabalhar com o particular.[] No posso falar daTOTALIDADE sem falar na cisco, porque estaria esvaziando o movimento,trabalhando com um mundo sem movimento, com um pas sem movimento,com uma cidade sem movimento. Estaria subtraindo a histria. E ela queme diz que o uno mltiplo, no momento seguinte, para voltar a ser uno nomovimento vindouro. No s o TODO que explica o mltiplo, o mltiploexplica o TODO. Essa a lei que explica a insero de cada lugar noespao total e o critrio de anlise que leva em conta o acontecer concretoem cada ponto da terra.
(SANTOS, 1998, p. 168)
1.6.1 A questo semntica
Primeiramente, urge por em destaque o conceito pelo qual entender-se-,
neste trabalho, a expresso meio ambiente.
Utilizar-se- o conceito fornecido pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981,
que dispe no seu artigo 3, inciso I, que meio ambiente , o conjunto de condies,
leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Esta conceituao no difere muito da que foi utilizada pela Conveno
Europia sobre a Responsabilidade Civil pelos Danos Resultantes de Atividades
Perigosas para o Meio, assinada em Lugano, a 21 de Junho de 1993, a qual em seu
artigo 2, alnea 10, considera que o ambiente compreende: os recursos naturais
abiticos e biticos, tais como o ar, a gua, o solo, a fauna e a flora, e a interao
entre estes mesmos fatores; os bens que compem a herana cultural; e os
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aspectos caractersticos da paisagem.10
Vale mencionar, tambm, que o meio ambiente pode ser considerado sob quatro
enfoques diferentes: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente
cultural e meio ambiente do trabalho (SIRVINSKAS, 2005, p. 29-30; FIORILLO, 2004, p.
20-23; e sobre o patrimnio cultural, ver MACHADO, 2005, p. 898-957).
Por recursos ambientais, nos termos do art. 3, inciso V, da Lei n 6.938/81,
entender-se- a atmosfera, as guas interiores, superficiais e subterrneas, os esturios,
o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
Por "Administrao ambientalmente saudvel de resduos perigosos ou outros
resduos" se entender a tomada de todas as medidas prticas para garantir que os
resduos perigosos e outros resduos sejam administrados de maneira a proteger a
sade humana e o meio ambiente de efeitos nocivos que possam ser provocados por
esses resduos, conforme estabelecido pelo art. 2 da Conveno da Basilia sobre o
Controle de Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos e seus Depsitos.11
Ainda na esteira do art. 2 da Conveno da Basilia, se entender por "reasob a jurisdio nacional de um Estado" qualquer rea terrestre, martima ou area
dentro da qual um Estado exera responsabilidade administrativa e regulamentadora
de acordo com o Direito internacional em relao proteo da sade humana ou
do meio ambiente.
10 Ainda no entrou em vigor (Fevereiro/2007).11 Vide nota de rodap n 3.
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Provavelmente em virtude de sua incipincia, este ramo do conhecimento
cientfico, que se dedica ao estudo das questes ambientais num cenrio
transfronteirio, ainda no goza de uma unanimidade na doutrina e nos atos estatais
quanto ao seu nome. Assim, por exemplo, alguns o denominam Direito Ambiental
Internacional (SILVA, 1995), outros como Direito Internacional do Meio Ambiente
(SOARES, 2001) e ainda Direito Internacional da Solidariedade ou Direito
Internacional do Ambiente (PUREZA, 1998).
1.6.2 Direito Internacional Ambiental e a vida no planeta
As relaes sociais necessitam, para sua efetiva realizao, de condies
favorveis s novas possibilidades decorrentes de novos modos de pensar. Partindo
desta premissa, o Direito Ambiental Internacional objetiva regular as constantes
alteraes provocadas no meio ambiente pelo atuar humano que possam, de algum
modo, produzir efeitos transfronteirios. Isto significa que mesmo um ato praticado
exclusivamente dentro dos limites territoriais de um Estado pode estar submetido a
regras internacionais de conduta, posto que pode provocar danos ambientais em
outro pas. So exemplos disso a construo de uma fbrica prxima o suficiente dafronteira para que a poluio do clima ou da gua por ela gerada provoque
alteraes na qualidade do clima, ou na qualidade/quantidade da gua no pas
vizinho.
Durante muito tempo, a estrutura econmica de determinado pas ditava o
ritmo do seu crescimento ou, se se preferir, do seu desenvolvimento. Embora esta
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afirmao contenha em si mesma uma verdade, os Estados perceberam que apenas
o crescimento/desenvolvimento econmico no seria suficiente para a manuteno
da vida do planeta, sobressaindo-se evidncia, a necessidade de impor limites a
esse crescimento.
Ocorre que esta concluso chegou num momento em que os pases se
encontravam em patamares diferentes de desenvolvimento econmico. Isto fez com
que as reaes a estas novas idias tivessem diferentes matizes. Os pases em
desenvolvimento, que recm adquiriram modelos econmicos capazes de propiciar
uma maior apropriao dos recursos naturais, se viram, de repente, numa situao
de ter que limitar seus empreendimentos em nome da chamada preservao
ambiental, que ento vinha ganhando contornos de poltica de salvao da
humanidade.
E no era totalmente descabida a resistncia dos pases em desenvolvimento,
pois tinha-se, de um lado, aqueles pases que em decorrncia de uma evoluo
precoce dos meios de produo, exploraram o ambiente durante sculos de forma
predatria e sem medir conseqncias, e de outro lado aqueles que estavam ainda
na pr-adolescncia da industrializao. Estes ltimos, no totalmente sem razo,questionavam se seria justo impedir-lhes o desenvolvimento econmico e mant-los
numa espcie de neo-colonialismo, por conta de danos ambientais provocados por
outros pases que, por conta mesmo destes danos, se encontravam numa posio
industrial e comercial de superioridade. Afinal, no tinham os pases em
desenvolvimento o direito de industrializarem-se? No tinham eles a prerrogativa de
se auto-gerirem, evocando direitos soberanos de explorao de seus prprios
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recursos naturais? E, por outro lado, seria justo que os Estados j desenvolvidos
impedissem que os outros Estados alcanassem um melhor nvel scio-econmico
por conta de restries de ordem ambiental, quando eles prprios, os primeiros,
pouco se importavam com isso em sua busca frentica por riquezas?12 Se os pases
ricos pouco se preocupavam com as condies ambientais vigentes para a
sociedade de ento, que preocupaes teriam para com as futuras geraes?
As ento consideradas futuras geraes, que pareciam distantes e
inatingveis pela explorao ambiental, entretanto, chegaram e encontraram um
planeta com srios problemas ambientais, como os relacionados devastao de
florestas e a poluio dos mananciais hdricos. Problemas no presente, num futuro
prximo e num futuro distante. Pois bem, coube a essa nova gerao, cuja
adolescncia intelectual floresceu no incio do sculo XX, mas que ganhou
maturidade apenas por volta de 1970, a difcil tarefa de limitar o crescimento
econmico como forma de garantir a perenidade dos recursos naturais e, por
conseqncia, da prpria vida no planeta.
nesse embate que aflora o Direito Ambiental Internacional (D.A.I.). Ele
surge como a nica alternativa pacfica de solucionar conflitos originados por danosambientais sofridos por um ou mais Estados em decorrncia da atividade de outro
ou outros. E mais: cabe ao D.A.I., tambm, a rdua tarefa de compelir os Estados a
uma atuao preventiva, no sentido de promover a satisfao das necessidades
atuais dos mesmos, porm sem comprometer a segurana ambiental dos demais e
12 Barbara Ward e Ren Dubos (1973, p. 21), j advertiam que a experincia mostra que associedades tm se preocupado com as conseqncias ecolgicas a longo prazo somente depoisque a industrializao lhes havia dado um nvel elevado de riqueza econmica.
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sem colocar em risco as geraes futuras.13
Corra (1998, p. 26) lembra que somente no final dos anos 60 do sculo XX,
foi que instrumentos ambientais com implicaes comerciais e polticas comerciais
com objetivos ambientais comearam a ser esboados num tratamento inter-
relacionado.
Para alcanar seus objetivos de regular a utilizao do ambiente num plano
transfronteirio, o D.A.I. contou com a preciosa colaborao daqueles poucos
estudiosos que ento pensavam o ambiente. Surgiu, nesse momento da histria, em
meados do sculo XX, uma nova forma de se ver o mundo. Ganhou vigor a
interpretao sistmica dos fenmenos ambientais em contraposio interpretao
analtica, isolada, que se fazia ento. Com isto as ocorrncias ambientais passaram a
ser observadas no seu conjunto planetrio, nas suas interconectividades e, por
conseqncia, nas redes formadas por suas inter-relaes.
Capra (2000, p.33) ensina que este pensamento sistmico ganhou vigor no
sculo XX, momento em que a interpretao analtica, tambm chamada de
mecanicista, atomstica, ou reducionista, cedeu lugar para o paradigma ecolgico,tambm conhecido como holstico ou organicista.14
Como visto antes, o Direito Internacional, seja ele Ambiental ou no, pode se
manifestar por atos costumeiros, ou seja, por condutas que embora no estejam
13 MORAES (2004, p. 13), ensina que o Direito Ambiental ganhou independncia cientfica em relao
ao Direito Administrativo quando se percebeu que este procura verificar a legalidade da atividade doadministrado, enquanto aquele se preocupa mais com a conseqncia dessa atividade.
14 Capra (2000, p. 33) informa que a perspectiva holstica tornou-se conhecida como sistmica e amaneira de pensar que ela implica passou a ser conhecida como pensamento sistmico.
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prescritas em documento algum, so praticadas e respeitadas por todos os Estados
de uma determinada regio ou mesmo por toda a comunidade internacional, mas
tambm pode se expressar de maneira solene, escrita, via de regra expressa sob a
forma de um tratado internacional.
Embora ambas as formas, costume e tratado, sejam juridicamente vlidas,
no havendo entre ambos sequer hierarquia normativa, isto , nem o tratado vale
mais que o costume nem este vale mais que o primeiro, o certo que o documento
escrito fornece maior segurana jurdica no campo das relaes internacionais,
posto que permite ao intrprete da norma (o julgador, talvez) maior certeza quanto
sua existncia, validade e eficcia.
A questo ambiental num contexto transfronteirio assume a cada dia novas e
enormes possibilidades, mas sempre ficando a depender da boa vontade dos lderes
mundiais, principalmente dos pases desenvolvidos. Isto porque o DA s pode
subsistir por meio de acordos internacionais que reflitam o desejo geral de se
construir um planeta melhor para todos.
Em maio de 2006, o Diretor-Presidente da Organizao Mundial do Comrcio,Pascal Lamy, no lanamento da Semana Verde 2006 da Comunidade Europia,
conclamou todos os Estados membros a envidarem esforos sincronizados para a
celebrao, cada vez mais amide, de tratados internacionais relativos ao ambiente.
Em sua fala, Lamy assinalou que a Rodada de Doha foi mais uma oportunidade para
se afirmar a necessidade de apoio mtuo entre a OMC e os acordos multilaterais
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relacionados ao meio ambiente.15
Apesar de parecer uma posio financeiramente despretenciosa, isto ,
visando apenas a melhoria da qualidade de vida do ser humano, no se deve deixar
iludir pelo lobo em pele de cordeiro. A OMC uma organizao comercial e,
exatamente por isso, tem sempre que, no final das contas, conquistar melhorias para
o cenrio econmico mundial. A idia de disseminar acordos internacionais relativos
ao meio ambiente traz, em seu bojo, ainda que se tente esconder, uma vontade
enorme de manter o consumidor mundial em condies de movimentar a mquina
financeira. Se para isto acontecer, for preciso se engajar em polticas de
conservao/preservao ambiental, certo que os donos do capital o faro. Mas
no por amor ao ser humano, mas por devoo ao dinheiro.
Essa preocupao com o ambiente terrestre, por parte dos senhores do
capital , apesar de tudo, necessria. Seria por demais ingnuo pensar que somente
com as foras de organizaes internacionais, governamentais e no-
governamentais, bem como de alguns Estados, se possa gerenciar o uso de forma
sustentvel dos recursos naturais. Mostrou-se extremamente necessria a
conjugao de foras Estatais e no Estatais. A unio dos Estados em prol doplaneta se manifesta, sobretudo, via tratados internacionais.
Neste sentido, nas prximas pginas analisar-se- como se deu o surgimento
de uma enorme quantidade de acordos internacionais relacionados condio
ambiental do planeta, ressaltando que num primeiro momento tal anlise ficar
15 Fonte: . Acesso em: 30 maio 2006.
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restrita aos tratados que cuidam do ambiente de maneira geral, ficando para mais
frente o estudo daqueles acordos relacionados exclusivamente gua doce
transfronteiria, posto que no faria sentido a abordagem destes ltimos sem o
estudo prvio dos primeiros.
1.7 Evoluo histrica da proteo do ambiente no plano internacional
Ainda que seja bvio que os aspectos biolgicos e fsicos constituema base natural do meio humano, as dimenses socioculturais eeconmicas, e os valores ticos definem, por sua parte, asorientaes e os instrumentos com os quais o homem podercompreender e utilizar melhor os recursos da natureza com o objetivode satisfazer as suas necessidades. (Conferncia Intergovernamentalsobre Educao Ambiental, 1977)
A preocupao com o meio ambiente, no mbito da regulao de seu
aproveitamento, fenmeno relativamente recente na histria da humanidade. Tem-
se notcia de seu nascedouro somente a partir do final do sculo XIX (cf. CORREA,
1998, p. 11; SOARES, 2001, p. 27; Tunkin, 1986, p. 466)
Considerando-se o sculo XIX como o pice do liberalismo econmico e poltico,
no seria exagero imaginar que o tratamento concedido questo ambiental naquela
poca fosse condicionado ao mximo aproveitamento dos recursos naturais em nome
do desenvolvimento industrial que ento se expandia. Essa viso economicista do
ambiente se refletia, inclusive, nas leis das cidades que j emergiam como grande foco
de concentrao humana, como conseqncia do xodo de parte da populao
campesina que, recm sada do feudalismo, via nas metrpoles industrializadas e
comerciais, oportunidades de melhores condies de vida.
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Pureza (1998, p. 267) lembra a incapacidade do Direito do sculo XIX de
incorporar categorias como ecossistema, processo biolgico, stio ou
paisagem. Para o ordenamento jurdico de ento, existiam apenas bens de valor
material transacionvel, o que significa serem suscetveis de compra e venda. Mesmo
naquelas hipteses de exceo a essa regra, ou seja, bens que no poderiam ser
objeto de comrcio, como por exemplo, a gua e o ar, a verdade que a no
regulamentao da sua utilizao comum favorece uma apropriao de fato. Para o
acadmico portugus, a natureza-matria seria simplesmente um objeto de
apropriao, sobre o qual o proprietrio exerce direitos absolutos.
Entretanto, a proteo do meio ambiente j na dcada de oitenta, ostentava
um nmero considervel de acordos internacionais, os quais possuam como objeto,
em sua maior parte: 1) a preservao do meio marinho, incluindo a a proteo e
utilizao racional dos recursos vivos do mar; 2) a proteo das guas e dos
recursos dos rios internacionais; 3) a defesa contra a poluio e outros tipos de
aes perniciosas atmosfera terrestre e ao espao atmosfrico; 4) a proteo e
utilizao racional da flora e da fauna da terra; 5) a proteo dos objetos e
complexos naturais nicos, de determinados sistemas ecolgicos; e 6) a defesa do
meio terrestre contra a contaminao radioativa (cf. TUNKIN, 1986, p. 467).
A impressionante evoluo das tcnicas, verificada especialmente a partir da
segunda metade do sculo XX, que ampliaram consideravelmente o poder do
homem interferir no meio ambiente, trouxe consigo a inevitvel preocupao com o
que se estava fazendo com a "nossa casa" em nome do progresso econmico16.
16 Engels (1979, p. 134) j sinalizava que na medida em que o homem aprendeu a transformar anatureza que a sua inteligncia foi crescendo. A concepo naturalista da histria [...] encara o
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Para Tunkin (1986, p. 466), a ateno dedicada aos problemas do meio
ambiente no casual. Na viso do internacionalista russo, a atividade antrpica
sobre a natureza, incrementada enormemente pela evoluo das tcnicas de
pesquisa e de produo, culminaram com a utilizao intensiva dos recursos
naturais, lanando toda a populao mundial numa srie crise ecolgica.
Esse novo posicionamento, em mbito global, fez com que os Estados
percebessem que a tradicional noo de territrio soberano estava colocada em
xeque. Da surgiram as idias de que o ambiente, na verdade, deveria ser tratado
como uma questo mundialmente interligada, e interdependente, embora
requisitasse aes pontuais, mas coordenadas. Eis a gnese da cooperao
internacional para a preservao do meio ambiente.
No sculo XX, principalmente, a comunidade internacional comeou a
perceber que determinadas atividades antrpicas, possibilitadas em grande parte
pelo imenso desenvolvimento tecnolgico verificado no perodo, podem provocar
conseqncias que ultrapassam as fronteiras nacionais.
A idia de cooperao internacional est na essncia de qualquer proposta deequacionamento dos desafios ambientais, como poluio e escassez de alimentos.
Principalmente a partir do sculo XX, como lembra Soares (2001, p. 27), essa
tendncia de mundializar as vivncias internas como caminho necessrio
proteo ambiental do planeta se mostra irreversvel e se transmuda num imperativo
problema como se exclusivamente a natureza atuasse sobre os homens e como se as condiesnaturais determinassem, como um todo, o seu desenvolvimento histrico. Essa concepounilateral esquece que o homem tambm reage sobre a natureza, transformando-a e criando parasi novas condies de existncia.
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de condutas no mais sujeitas unicamente ao arbtrio ditado pela soberania estatal.
Disso exemplo o constante monitoramento internacional promovido por pases que
podem ser afetados por obras nacionais de grande vulto, como a construo de uma
usina hidreltrica, ou utilizao predatria da irrigao, num curso dgua de
interesse supranacional.
No plano interno, isto , na vida domstica dos Estados, a regulao e
monitoramento das atividades empreendidas pelos particulares (e pelos rgos
pblicos), com o objetivo de explorao das riquezas naturais competncia
exclusiva do poder local, sendo que para isso concorrem as determinaes (jurdicas
e administrativas) a em vigor, e s quais todos os jurisdicionados se encontram
compulsoriamente obrigados.
No plano internacional, entretanto, como ser visto a seguir, as normas so
frutos da vontade dos Estados, o que pressupe o pleno e prvio consentimento do
mesmo para se ver obrigado a alguma atitude - comissiva (fazer) ou omissiva (no
fazer). Da ser possvel concluir que somente uma comunho de interesses, com um
forte sentido de cooperao, pode propiciar humanidade uma sadia qualidade de
vida sem colocar em risco o seu prprio desenvolvimento e os direitos das geraes
futuras. Alcanar essa comunho de interesses uma tarefa herclea, posto que at
bem pouco tempo o mercado da sociedade de massas pouco se importava com as
conseqncias do aproveitamento desmedido dos recursos naturais.
Com efeito, Soares (2001, p. 39), leciona que somente no sculo XX, o meio
ambiente passou a integrar o mundo jurdico como um valor autnomo.
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Entretanto, vale lembrar que Moraes (1990, p. 7) informa que Ratzel, j no
sculo XIX, traava as primeiras linhas do que viria a ser a principal via de
indagao dos gegrafos, ou seja, a questo da relao entre a sociedade e as
condies ambientais.17
verdade que a preocupao com alguns elementos do meio ambiente
so quase to antigas quanto o homem civilizado, como o caso da
preocupao com a quantidade e a qualidade da gua, mas as normas que
regulavam as condutas, por exemplo, na idade mdia, visando a proteo da
gua, no expressavam outra coisa seno uma viso utilitarista e imediatista
dos recursos da natureza. Na lio de Soares (2001, p. 39), tais normas
estavam ligadas noo de Direito de vizinhana ou dos valores econmicos
de desvalorizao da propriedade, e sempre de maneira isolada e tpica, sem
qualquer relao com outros elementos do meio ambiente.18
Por esse raciocnio, as leis relativas caa e pesca no podem ser
tidas como precursoras da atual legislao de proteo ambiental, porque o
objetivo se limitava mera proteo dos indivduos, sem qualquer preocupao
com a espcie e, muito menos, com as relaes entre elas e o meio ambiente e,consequentemente, com a vida humana no conjunto da biosfera (SOARES,
2001, p. 39)
17 Essa preocupao se reveste de maior vulto na obra de Ratzel quando o mesmo se aproxima dateoria do espao vital, a qual ser abordada no captulo dedicado ao territrio.
18 Dallari (2003, p. 39), ao abordar o surgimento da idia de servio de sade pblica, no Estado
liberal burgus do final do sculo dezoito, fala em uma solidariedade de vizinhana, na qual oEstado deveria se envolver apenas se a ao das comunidades locais fosse insuficiente.
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Por outro lado, Tunkin (1986, p. 466) afirma que os primeiros acordos
internacionais de proteo da natureza apareceram no final do sculo XIX e
princpios do sculo XX. Visavam, essencialmente, a defesa e
regulamentao da caa de determinados tipos de animais (por exemplo, o
acordo de 1897 sobre a proteo das otrias). O que ocorreu a partir do
sculo XX, ainda sob a tica de Tunkin, foi uma mudana qualitativa na
regulamentao jurdica internacional das questes de proteo da natureza
do nosso planeta (1986, p. 466).
No Brasil, ressalta-se, guisa de registro, notcia que traz Corra (1998,
p.11), dando conta de que, j em 1799, Jos Gregrio de Moraes Navarro, alertava
para o esgotamento dos solos em reas cultivadas e propunha a criao de
pequenos bosques junto s cidades e vilas e outras medidas para reparar todos os
erros da lavoura do Brazil (sic).
Soares (2001, p. 41) acredita que a verdadeira origem do Direito Ambiental
est no Direito Sanitrio,19 mais precisamente na considerao do Direito Sade
como um dos direitos humanos fundamentais, os quais estariam ligados,
inexoravelmente, a uma boa qualidade ambiental. Em reas como a medicina,psicologia e demais ofcios ligados sade pblica (seja individual ou coletivamente
19 Dallari (2003, p. 39) informa que o Direito Sanitrio, ou Direito da Sade Pblica, um ramo doDireito pblico que se desmembrou do Direito Administrativo. Nas suas palavras O DireitoSanitrio se interessa tanto pelo direito sade, enquanto reivindicao de um direito humano,quanto pelo direito da sade pblica: um conjunto de normas jurdicas que tm por objeto apromoo, preveno e recuperao da sade de todos os indivduos que compem o povo dedeterminado Estado, compreendendo, portanto, ambos os ramos tradicionais em que seconvencionou dividir o direito: o pblico e o privado. Tem, tambm, abarcado a sistematizao da
preocupao tica voltada para os temas que interessam sade e, especialmente, o DireitoInternacional Sanitrio, que sistematiza o estudo da atuao de organismos internacionais que sofonte de normas sanitrias e dos diversos rgos supra-nacionais destinados implementao dosdireitos humanos.
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considerada), as relaes entre o ambiente e a sade so estudadas, pelo menos,
desde o mdico, bilogo e alquimista suo que se auto-intitulou Paracelso20. Da
terem-se hoje em dia reas do conhecimento como a Psicologia Ambiental, Direito
Ambiental do Trabalho, etc.
Relacionar a origem da preocupao ambiental com questes de
saneamento urbano parece encontrar subsdios que a convalidam. Repare-se,
por exemplo que foi no sculo XIX, sobretudo na sua primeira metade, quando
violentas epidemias de clera e febre amarela assolavam vrias partes do
planeta (CHALHOUB, 1996, p. 60), que se proliferaram as idias de higiene
pblica. No Brasil, especificamente, crescia a preocupao com o crescimento
desordenado dos cortios no Rio de Janeiro com as condies de higiene dos
mesmos, sendo este assunto tratado como questo de sade pblica, num
momento que Chalhoub (1996, p. 29), localizou o surgimento de uma ideologia
da higiene.21
No estado de So Paulo, em fins do sculo XIX e incio do sculo XX a
situao era parecida, com grandes epidemias de febre amarela, alm da
varola e da febre tifide, conforme relata Telarolli Jr. (1996, p. 47-51). Noperodo compreendido entre o fim da monarquia e o incio da repblica, as
20 O nome de Paracelso era Philippus Theophrastus Bombast vom Hoheheim, tendo nascido nacidade de Einsiedeln, Sua, em 1493, e morrido em Salzburg, Austria, em 1541.
21 Chalhoub (1996, p. 34) transcreve trecho de um projeto de posturas apresentado CmaraMunicipal da Corte pelo Dr. Jos Pereira Rego, em fevereiro de 1866. Na introduo doreferido projeto, Pereira Rego deixa claras algumas idias que se tornariam em breve osenso comum dos administradores da cidade: O aperfeioamento e progresso da higienepblica em qualquer pas simboliza o aperfeioamento moral e material do povo, que ohabita; o espelho, onde se refletem as conquistas, que tem ele alcanado no caminho da
civilizao. To verdadeiro o princpio, que enunciamos, que em todos os pases maiscultos os homens, que esto frente da administrao pblica, procuram, na rbita de suasatribuies, melhorar o estado da higiene pblica debaixo de todas as relaes, como umelemento de grandeza e prosperidade desses pases....
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aes empreendidas pelas autoridades pblicas em So Paulo limitaram-se
s medidas necessrias ao controle das epidemias, baseadas na
bacteriologia e em aes de polcia mdica e campanha sanitria (Telarolli,
1996, p.67).
Vale lembrar que a situao de miserabilidade das condies ambientais nas
cidades, em grande parte provocada pela recm surgida revoluo industrial e o
conseqente xodo rural que abarrotou os grandes centros, no foi privilgio do
Brasil. Antes, e com maior intensidade, tal fenmeno ocorreu, no mesmo sculo XIX,
na Europa.
Ribeiro (1993, p. 28), chama a ateno para o fato de que o primeiro Cdigo
Sanitrio do Estado de So Paulo, surgido em 1894 e que reunia normas de higiene
e sade pblica, regulamentava o espao pblico e o privado. Estendia as normas
de higiene para outras esferas da vida dos habitantes da cidade de forma mais
rigorosa do que a das Posturas Municipais. Nada escapava do Cdigo.22
Engels (1985, p. 54), em uma de suas visitas Inglaterra, assim se referiu
cidade de Bolton, situada a dezoito km a noroeste de Manchester.:[...] Esta cidade s possui, tal como me foi dado verificardurante vrias estadas, uma rua principal, Deansgate, de restobastante suja, que ao mesmo tempo serve de mercado e que,mesmo com muito bom tempo, no passa de uma passagemsombria e miservel, embora s tenha, alm das fbricas,casas baixas de um ou dois andares. Como sempre, a parteantiga da cidade est particularmente vetusta e miservel.Atravessa-a uma gua negra crrego ou uma sucesso de
22 Talvez no por acaso tantos nomes que ficaram famosos no Brasil, neste perodo, eram de
sanitaristas. Por exemplo, tem-se: Adolfo Lutz (1855-1940), Emlio Ribas (1862-1925), Vital Brasil(1864-1950), Oswaldo Cruz (1872-1917) e Carlos Chagas (1879-1934), todos de certa formainfluenciados pelas pesquisas de Edward Jenner (1749-1823), na Inglaterra e Louis Pasteur (1822-1895), na Frana.
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charcos pestilentos? que contribui para empestearcompletamente um ar j nada puro.23
Entretanto, como lembra Chalhoub (1996, p. 45), as pretenses doshigienistas encontraram limites no pacto liberal de defesa da propriedade privada,o
qual pelo menos durante a vigncia da monarquia, garantia determinados direitos
de uso e gozo do patrimnio.
Aps a II grande guerra, principalmente, o estudo do ambiente ganhou novos
contornos, cedendo lugar a uma abordagem mais ampla, tomando-se por base uma
dimenso ecossistmica, ou, como preferem os autores de lngua inglesa, uma
ecosystem approach.
O que parece claro para este mtodo de abordagem que os componentes
ecolgicos e sociais dos problemas ambientais so inseparveis. E esta regra vale
tanto para as pequenas cidades quanto para as metrpoles (NAES UNIDAS,
2003, p. 9).24
O conceito de ecossistema desenvolveu-se como uma disciplina e como uma
abordagem. Seu enfoque primrio nas interaes entre os seres vivos e seus
ambientes no-vivos forneceu um piv para a cooperao entre um leque de
disciplinas das cincias humanas, naturais e sociais. Destarte, a abordagem
23 De reparar que Engels escreveu estas palavras na mesma poca em que as idias de Jenner, emais tarde de Pasteur, sobre saneamento ambiental e vacinao em massa se difundiam. Engelspercebeu as mesmas condies de insalubridade em todas as cidades inglesas visitadas, entreelas Londres, Manchester, Oldham e Preston. Sobre a realidade londrina, escreveu que as ruasno so planas nem pavimentadas; so sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos
nem canais de escoamento, mas em contrapartida semeadas de charcos estagnados e ftidos(1985, p. 38).
24 Pdua (2006, s/p) escreveu que As desigualdades sociais so sempre desigualdades ecolgicas,definindo os modos e escalas de acesso aos recursos naturais.
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ecossistmica forneceu a inspirao e o suporte de muitos esforos colaboradores
que lidam com assuntos complexos e probl