andre castelo branco machado · podemos entender como um período de reorganização do movimento...

66
5 ANDRÉ CASTELO BRANCO MACHADO A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA CIDADE DE CURITIBA NOS ANOS DE 1964 A 1968 Trabalho monográfico apresentado para a conclusão do curso de graduação de História Orientadora: Profa Dra. Judite Trindade Novembro de 2005

Upload: vuminh

Post on 08-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

5

ANDRÉ CASTELO BRANCO MACHADO

A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA CIDADE

DE CURITIBA NOS ANOS DE 1964 A 1968

Trabalho monográfico apresentado

para a conclusão do curso de

graduação de História

Orientadora: Profa Dra. Judite

Trindade

Novembro de 2005

6

Capítulo 1. Introdução

1.1 – Delimitação do Problema

O ano de 1968 guarda, ainda hoje, no imaginário das velhas e novas

gerações, um momento de grandes mobilizações e lutas de diferentes movimentos de

juventude em todo globo. Nas diferentes partes do mundo, os jovens, na sua maioria

estudantes, organizavam manifestações, erguiam barricadas, ocupavam ruas e

universidades, enfrentavam o Estado e seu aparelho repressivo. “Quase sozinhos, em

alguns casos, articulados com diversos setores sociais e políticos, em outros,

expressaram um potencial de crítica e anseio de mudança que abalou as estruturas

de poder vigentes”1.

As motivações que levaram a juventude a se rebelar em 1968 são próprias

da história de cada uma das diferentes nações. No entanto, é inegável que este

movimento extrapola as barreiras nacionais e cria uma unidade mundial. Um mesmo

“espectro” rondava o Mundo, que impulsionava e alimentava as mobilizações da

juventude.

A Guerra do Vietnã matava milhares de soldados jovens. Outros milhares

de jovens saíam às ruas das capitais americanas para fazer um grande movimento

pela paz e pela retirada das tropas de ocupação daquele minúsculo país. A juventude

de todo mundo também se solidarizava com aquele movimento contra a guerra, era o

sentimento anti-imperialista que se expressava no repúdio a maior potência

capitalista, dentro e fora dela.

1 PADRÓS, E. S. 1968 : Contestação e utopia. In: HOLZMANN, L. & PADRÓS. 1968 : contestação e utopia. Porto Alegre, Ed.UFRGS, 2003.p. 09.

7

Mas o “epicentro”2 do ano de 1968 foi a Europa. O combate ao stalinismo

na Tchecoeslováquia e as manifestações estudantis na França contra o general De

Gaulle, acontecimentos batizados de Primavera de Praga e Maio francês, foram os

ícones deste período. Contestações que tinham uma raiz muito profunda na

sociedade, que foram resultado de anos de experiências autoritárias e de

sufocamento econômico dos trabalhadores e jovens.

E foi marcante também a ocupação estudantil e operária da cidade de

Córdoba, na Argentina (já em 1969); o massacre na praça das Três Culturas, em

Tlatelolco, no México; o surgimento do Movimento guerrilheiro urbano dos Tupamaros,

com apoio de massas operárias e estudantis, no Uruguai; da efervescência política e

social no Japão, Alemanha Ocidental, Bélgica, Espanha, Itália, Polônia e inúmeros

outros países.

“Portanto, 1968 foi um ponto de inflexão, resultado dessa miríade de

acontecimentos que desajustaram e tencionaram o espaço social e político

planetário”3, no qual, “de alguma forma, os jovens de todo o mundo sentiam que

tinham algo em comum”4.

A juventude brasileira se antecipou aos atos europeus, quando o

assassinato do estudante Edson Luís, no dia 28 de março de 1968, mexeu a cidade

do Rio de Janeiro. Era o “cadáver que faltava”5, como afirmou Ventura, para iniciar o

processo de eclosão dos atos estudantis. Milhares de jovens estudantes saíram às

ruas para demonstrar sua indignação a repressão dos militares e pedir o fim do

regime autoritário.

2 PONGE, R. & ZEMOR, F. Da primavera de Praga às Barricadas de Paris. In: HOLZMANN, L. & PADRÓS. 1968 : contestação e utopia. Porto Alegre, Ed.UFRGS, 2003. p. 43. 3 PADRÓS, E. S. 1968 : Contestação e utopia. In: HOLZMANN, L. & PADRÓS. 1968 : contestação e utopia. Porto Alegre, Ed.UFRGS, 2003. p. 9. 4 EUNICE MACIEL, M. Quando o mundo era jovem. In: HOLZMANN, L. & PADRÓS. 1968 : contestação e utopia. Porto Alegre, Ed.UFRGS, 2003. p. 35. 5 VENTURA, Zuenir. 1968 – o ano que não terminou. apud VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: O diálogo é a Violência. Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. Campinas, SP, Ed da Unicamp, 1999. p. 99.

8

No entanto, em todos os levantes ocorridos no Brasil e no mundo, que

tiveram seu ápice em 1968, houve um período de construção política, impulsionado na

maioria dos casos pela reação à repressão policial-militar, que tem uma duração e

uma temporalidade específica para cada contexto.

Para pensarmos o Brasil nesse período, buscando as origens do movimento

estudantil de 1968 e a radicalização de sua ação nas principais capitais do país,

poderíamos lançar nossos olhos a diferentes fatores sociais, econômicos e políticos.

Somente na articulação destes fatores poderíamos ter uma visão mais global deste

processo histórico. No entanto, a contribuição deste trabalho é trazer mais um “fio

condutor” desta complexa máquina. O corte cronológico que propomos, assim, serão

os anos de 1964 a 1968, do golpe militar até o ápice das manifestações estudantis.

Esses quatro anos concentram um problema concreto para os estudantes,

que vêem as reivindicações que a juventude se mobilizara no período anterior,

principalmente pelas reformas de base, serem massacradas pelo governo militar e, ao

mesmo tempo, uma dura repressão se institucionalizava nas escolas e universidades.

Esse trabalho tem como objetivo discutir o movimento estudantil nas

Universidades, trazendo em particular uma análise deste período na cidade de

Curitiba, buscando compreender a relação entre as ações/organização dos

estudantes e as leis e atos do governo para bloqueá-las.

Assim, como se processou o confronto entre os estudantes universitários e

a ditadura militar na origem dos acontecimentos de 1968, quando se constituíram

novos sujeitos coletivos no movimento estudantil de Curitiba?

9

1.2 Referências Teórico-Metodológicas

Torna-se necessário, inicialmente, buscarmos delimitar um conceito de

movimento estudantil, para que possamos situá-lo na dinâmica da sociedade em que

ele está imerso. Para Gohn, este tipo de movimento poderia ser inserido dentre os

movimentos sociais, e poderia ser definido como:

“...são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a

diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura

socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na

sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas

e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na

sociedade(...). Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas pública

(estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política

de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade

civil e política(...). Os movimentos participam portanto da mudança social histórica

de um país e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista

como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que

estão articulados, em suas densas redes, e dos projetos políticos que constróem

suas ações”6

Assim, podemos compreender o movimento estudantil como um dos

inúmeros movimentos sociais, interligados e articulados em suas ações e políticas. O

movimento estudantil teria, desta forma, um papel importante nas lutas sociais,

estando ligado diretamente ao desenvolvimento e a transformação da sociedade civil

e política.

Neste recorte espacial e temporal da pesquisa, duas características dos

estudantes serão fundamentais na análise: a sua situação socioeconômica e o

“ambiente político” no qual atuavam. Quanto a primeira, nos dados apresentados pelo

Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais a maioria dos jovens universitários deste

6 GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais. São Paulo, Ed. Loyola, 1997. p. 269.

10

período pertenciam às classes médias da sociedade7, sendo refutada a hipótese em

que a base dos estudantes é tratada como majoritariamente dos filhos dos grandes

proprietários rurais do interior do Estado ou da Burguesia, ou por outro lado, da classe

trabalhadora mais marginalizada da cadeia produtiva. A posterior alternativa da luta

armada está intimamente ligada a esse desespero da esquerda pertencente a classe

média urbana brasileira, como veremos nesse trabalho.

E a segunda, caracteriza-se pelas universidades serem locais privilegiados

tanto para o desenvolvimentos das idéias anti-ditatoriais, anti-imperialistas, e

revolucionárias, quanto para a dura repressão patrocinada pela força militar.

Gohn ainda define uma categoria de movimento social específica para este

tipo de organização estudantil: “movimento construídos a partir da origem social da

instituição que apóia ou obriga seus demandatários”8, no qual a universidade

orientaria “a forma e o próprio conteúdo das demandas”9. Isso significa que os atores

sociais que atuam no movimento estão diretamente ligados a uma dinâmica própria da

instituição em que os unifica, definindo suas pautas e reivindicações em torno da

mesma. Entretanto, sua política é decidida de forma autônoma desta instituição, na

própria organização independente dos estudantes: institucionalizada nas entidades

estudantis. Os interesses, todavia, estão sempre ligados aos demais movimentos

sociais, sejam eles progressistas ou reacionários.

O conceito de experiência de Thompson nos permite analisar esses anos de

elaboração de vivências por parte dos estudantes desde o início da ditadura, que

podemos entender como um período de reorganização do movimento estudantil,

como um processo no qual as lutas sociais impulsionados pelos estudantes criaram

7 Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Caracterização sócio-econômica do estudante universitário. Rio de Janeiro, MEC, 1968. Ver também: SOBRINHO, José Dias. Universidade e Classes Médias: aspectos da realidade brasileira. In: Revista Educação e Sociedade, Ed. Cortez, CEDES, Ano I, nº 4, setembro, 1979. 8 GOHN, Maria da Glória. Op. Cit., 1997. p. 270. 9 GOHN, Maria da Glória. Idem, 1997. p . 272.

11

uma nova consciência, rompendo toda uma estrutura política presente nas

organizações tradicionais, forjando um novo ciclo de lutas e uma nova direção para

tomar a frente das mobilizações. Como define Thompson: “Pela experiência os

homens se tornam sujeitos, experimentam situações e relações produtivas como

necessidades e interesses, como antagonismos. Eles tratam essa experiência em sua

consciência e cultura e não apenas introjetam. Ela não tem um caráter só

acumulativo. Ela é fundamentalmente qualitativa”10

Alguns exemplares de periódicos da época foram utilizados como

instrumentos para recuperar esta experiência dos estudantes neste período. Os

jornais são importantes meios para recuperarmos os fatos marcantes no movimento

estudantil, desde suas ações públicas até os pleitos eleitorais das entidades. Em todo

este período estes veículos da imprensa paranaense mantêm uma preocupação

constante em reportar a dinâmica das entidades estudantis e da universidade. Desta

forma, podemos observar nestes meios de comunicação uma série de elementos

importantes para a análise do período, além de poder contar com um posicionamento

editorial muito claro de alinhamento com a ditadura ("anti-subversivo" e "defensor da

ordem"). No entanto, essa pesquisa não tem como objeto de análise desses jornais,

nem mesmo apresentar uma reflexão sobre esse tipo fonte na metodologia do estudo

da História.

Foram utilizadas algumas entrevistas com dirigentes do movimento

estudantil presentes no trabalho de Bonacordi11, que possibilitam a percepção das

diferentes táticas e estratégias presentes neste movimento, as ligações destes com

diferentes agrupamentos e partidos políticos e a relação das ações locais com os

demais estudantes do país.

10 THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1981. p. 103. 11 BONACORDI, Simone. Movimento Estudantil universitário em Curitiba (1967-1968), Monografia: Dep. Ciências Sociais, Curitiba, UFPR, 1992.

12

Mas, fundamentalmente, serão analisadas as Leis, decretos e discursos

oficiais referentes ao movimento estudantil editadas pela ditadura militar nestes anos.

Apesar de não representarem um imediato reflexo da realidade, demonstram uma

série de regras e visões de mundo que o militares criaram para intervir nas lutas vivas

no interior da sociedade. Os diferentes Decretos e medidas, desde a Lei Suplicy de

Lacerda, o fechamento da UNE, etc., correspondem uma evolução da ação repressiva

do governo da ditadura, assim como um reconhecimento público da importância dos

mesmos no processo de decisão política nacional. Assim, cada tentativa de controle

das práticas estudantis, há uma resposta, mediada pela correlação de forças sociais,

criando diferentes estratégias no interior destas lutas, tanto do aparelho estatal como

dos próprios estudantes.

Desta forma, essas Leis12 nos permitem observar as contradições e tensões

criadas nesse período na dinâmica social das universidades e de sua relação com os

demais campos sociais, assim como compreender as práticas decorrentes da reflexão

dessa juventude frente a tensão com a ditadura.

12 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Legislação Estudantil. Departamento de Assistência ao Estudante, 1980.

13

Capítulo 2. As circunstancias históricas:

o contexto da luta de classes onde emerge a ditadura

“Vocês fizeram uma coisa formidável! Essa Revolução sem sangue e tão rápida!” (Lincoln Gordon - Embaixador dos Estados Unidos no Brasil em 1964)

A América Latina inicia um processo de convulsão revolucionária na década

de 1960. O exemplo da Revolução cubana em 1959 levanta trabalhadores e

principalmente os jovens dos países do Continente, mostrando a possibilidade de uma

ruptura com o sistema capitalista e a construção do socialismo. A resposta do

capitalismo, em sua fase imperialista de expansão econômica e de dominação dos

povos, é a intervenção militar para conter as manifestações e restabelecer a “ordem”.

No Brasil, os governantes norte-americanos saudavam o golpe, dizendo ser um

movimento “genuinamente brasileiro”, o que os fatos comprovam ser uma grande

mentira.

Em todas as ditaduras, segundo Coggiola, alguns aspectos são comuns,

como: “dissolução das instituições representativas, falência ou crise agudados

regimes e partidos políticos tradicionais, militarização da vida política e social”13. Há

ainda como semelhança a própria ingerência do governo americano na vida política

desses países, fornecendo o “álibi ideológico para os golpes militares, que afirmaram

com unanimidade ser a democracia incapaz de conter o comunismo”14.

Mas qual o motivo da maior potência imperialista mundial apostar nas

ditaduras na América Latina?

13 COGGIOLA, O. Governos Militares na América Latina. São Paulo, Ed Contexto, 2001. p. 11. 14 COGGIOLA, O. Idem, 2001. p. 11.

14

Como dissemos na introdução deste trabalho, os americanos tinham medo

da Revolução socialista nos países latino americanos, em especial no Brasil, pois

sabiam que não seria uma nova Cuba, e sim, uma nova União Soviética no mundo.

Outra questão que devemos compreender são as próprias estruturas do

sistema econômico mundial, o capitalismo, e sua nova forma de organização a partir

da década de 60, em decorrência das suas próprias necessidades e crises produtivas.

Do ponto de vista das estruturas, esse período caracteriza-se pela “vitória”

do capital financeiro mundial e a substituição da livre concorrência pelos monopólios.

Na realidade, desde o início do século XX, autores como Hilferding (em 1910), já

analisavam tendência do capitalismo, definindo:

“Os aspectos mais característicos do capitalismo ‘moderno’ são os seus processos

de concentração que, por um lado, ‘eliminam a livre concorrência’ através da

formação de cartéis e trustes e, por outro, envolvem os capitais bancário e industrial

numa estreita relação. Através dessa vinculação (...) o capital assume a forma de

capital financeiro, a sua expressão suprema e mais abstrata (...). Frente aos

proprietários mantêm sempre a forma de dinheiro, é investido por eles sob a forma

de capital monetário, de capital produtor de juros, e pode sempre ser retirado sob a

forma de dinheiro”15.

Assim, desde o fim do liberalismo clássico europeu do século XIX, o que se

expande com maior vigor é a economia bancária, ou o capitalismo financeiro.

Poderíamos encontrar o prenuncio desta análise econômica de Hilferding

nas obras de K. Marx, onde demonstra que a riqueza privada passou a se materializar

em “papéis governamentais, ou é regulada de maneira independente do valor do

capital real que eles representam. Em todos os países capitalistas, existe uma enorme

quantidade do assim chamado capital produtor de juros ou capital monetizado. A

acumulação deste capital-dinheiro significa, fundamentalmente, nada mais do que a

15 Hilferding, R. El Capital Financiero, Madrid, Editorial Tecnos, 1973. p. 166.

15

acumulação destes direitos sobre a produção, a acumulação de valores-capital

ilusórios, porque são baseados nos preços de mercado destes títulos, que na verdade

representam nada mais do que direitos acumulados, ou títulos legais sobre a

produção futura cuja expressão monetária representa nenhum capital, como no caso

das dívidas”16.

Em 1916, V. I. Lênin também analisa o significado desta nova organização

produtiva que vinha tomando corpo no mundo, e classificou-a como fase imperialista

do capitalismo. Lênin dizia que nessa fase há uma “tendência para a dominação em

vez da tendência para a liberdade” 17, ou seja, a exploração de um número cada vez

maior de nações, por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes, assim como

um sistema político muito mais adequado a ditadura que a democracia.

No pós-guerra, com a incapacidade de expansão de novos mercados (já

havia tomado todo globo), o imperialismo necessita mundializar sua nova forma de

organização financeira, dominar as economias pelas dívidas, substituir as micro

economias pelos monopólios e realizar uma dura política de controle social.

A crise revolucionária aberta nos países latino-americanos foi uma resposta

a essa expansão. Enquanto o governo norte americano forçava a remodelação do

sistema econômico e político para permitir a entrada definitiva do capital especulativo

e dos grandes monopólios nessas economias, as massas de jovens e trabalhadores

resistiam, e tinham como exemplo a recente Revolução cubana.

Há nesse período então uma imediata ofensiva conservadora contra esse

movimento revolucionário, na qual as Forças Armadas jogavam papel fundamental em

conter os focos de contestação, como os sindicatos, associações, partidos, escolas e

universidades. Como dizia Trotski, “uma ordem social, mesmo já tendo caducado, não

16 Marx, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo. Martins Fontes. 2003. p. 189. 17 Lênin, V. I. Imperialismo: Fase superior do capitalismo. Ed. Global, São Paulo, 1984. p. 76.

16

cede seu lugar sem opor resistência a uma nova ordem. A sucessão dos regimes

sociais supõe a mais nêspera luta de classes, isto é a revolução. Se o proletariado,

por uma razão ou outra, se mostra incapaz de derrubar a ordem burguesa que

sobrevive, não resta ao capital financeiro, em luta para manter seu domínio abalado,

senão transformar a pequena burguesia, por ele levada ao desespero e à

desmoralização, no exército de terror do fascismo.”18.

A intensidade da repressão e as características das ditaduras na América

Latina são moldadas pela conjuntura própria de cada nação, ou seja, da luta de

classes nos países. James Petras, em uma análise do golpe militar chileno que

originou uma forte ditadura no início da década de 1970, defende a tese que “os EUA

e as forças armadas locais não agiram nem podiam agir independentemente na luta

entre a classe operária e a grande burguesia(...) A ação dos EUA e de militares

chilenos só pôde ter êxito quando a polarização das forças de classes no país criou

condições para a contra-revolução”19.

A mesma relação podemos fazer no caso brasileiro. A polarização criada no

país a partir do movimento pelas Reformas de base e o início de um processo

revolucionário para forçar a aplicação destas políticas durante o governo de João

Goulart, principalmente pela CGT e pela UNE, ou seja, um movimento das massas

oprimidas, contando com o apoio de setores das classes médias, principalmente na

juventude, no sentido da tomada do poder, resultando na reação conservadora das

elites proprietárias.

Utilizo aqui o conceito de massa oprimidas como referência em Lênin, V. I,

quando o autor define: “Sob a influência de uma série de fatores históricos

18 Prefácio a edição Sul-Africana do Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx. In: Marx, Karl - Manifesto do Partido Comunista. Lisboa. Ed. Avante. 1999 19 PETRAS, J. Imperialismo e Classes Sociais no Terceiro Mundo - Uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1980. p. 138.

17

completamente originais, a Rússia atrasada deu ao mundo o primeiro exemplo não só

de um salto brusco, em época de revolução, da atividade espontânea das massas

oprimidas (coisa que ocorreu em todas as grandes revoluções), como também de uma

projeção do proletariado que superava infinitamente o que se podia esperar por sua

pequena percentagem entre a população”20.

A reação conta com apoio dos aparelhos repressivos estatais, em especial

as Forças Armadas, e do apoio das nações centrais para restabelecer a “ordem

social” abalada. Com a incapacidade da vitória do movimento revolucionário sob essa

reação, há um avanço da violência e uma necessidade das elites de cassar a

liberdade, dos diretos democráticos e de organização.

Assim, no dia 1º de abril de 1964, os tanques foram às ruas do Rio de

Janeiro anunciar que os períodos que viriam ser controlado à “chumbo”. A falta de

reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi evidente, nem mesmo a

greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao

governo se efetivou. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1 de abril do

Rio para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava

organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em

1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os

golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser

sepultado, em 1976.

O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu

interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já

ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto,

encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado

"Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro

20 Lênin, V. I. Esquerdismo Doença Infantil do Comunismo. Ed. Global, São Paulo, 1987. P. 10.

18

Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto

Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e

homem-forte do triunvirato.

Essa junta permaneceria no poder por duas semanas. Nos primeiros dias

após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais

mobilizados à esquerda no espectro político, como por exemplo o Comando Geral dos

Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas

e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular

(AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular e a ocorrência de casos de

tortura foi comum, especialmente no Nordeste.

Entretanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade

brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da

Igreja católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da

Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e

amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como

forma de pôr fim à ameaça de “esquerdização” do governo e de controlar a crise

econômica. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano,

satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha

liderada por Che Guevara e Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados

Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos,

principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido

militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta "Operação Brother

Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa

resistência por parte de forças leais a Jango.

No discurso das Forças Armadas via-se como central a acusação do

governo João Goulart como inimigo da “ordem”, e, assim, tornava-se necessária uma

19

intervenção militar. Desta forma, a idéia fundamental para os golpistas era que a

principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através

de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio

país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma

expressão da época. Estes procurariam implantar o comunismo no país pela via

revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados

pelos militares de "subversivos".

O conjunto de medidas adotadas pelos militares para garantir o controle do

estado, foi definida como "Doutrina de Segurança Nacional", e estavam baseadas nas

teorias de "guerra anti-subversiva" ensinadas nas escolas superiores das Forças

Armadas. Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime

democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se

mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à

implantação de um regime político marcado pela utilização da força militar para

cercear as liberdades de expressão e de atuação política. O regime político que

privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder

Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.

Este processo de reorganização do Estado, a princípio, tem um caráter de

conter as manifestações populares, mas no decorrer da edição dos Atos Institucionais,

constituintes de uma política de segurança nacional, até mesmo setores da burguesia

começam a tomar os seus golpes, como é o caso de Jucelino Kubitschek, candidato

do PSD às eleições presidenciais cassado pelo AI-1.

O bipartidarismo também surge no AI-2, nascendo a ARENA e o MDB. Em

1966 o parlamento é fechado, causando crise no interior das Forças Armadas, pois

liquidava até mesmo a expressão política da burguesia. O parlamento somente é

reaberto em 1977, com uma nova constituição ao Brasil.

20

O processo de militarização do Estado, após um recrudescimento no final

dos anos 60, apenas irá começa a entrar em crise em meados dos 70, das

mobilizações e greves do ABC e do renascimento do movimento estudantil nas

universidades.

21

Capítulo 3. Os sujeitos coletivos do Movimento Estudantil

nas circunstâncias históricas da época da ditadura

O movimento estudantil organizado, assim como as demais categorias

sindicais e dos movimentos sociais, apresentou um evidente refluxo após o golpe

militar de 1964. O êxito dos militares no esvaziamento do movimento estudantil nos

primeiros anos da ditadura deveu-se a forte repressão no interior das universidades.

Já no 1º de abril, após a destituição do Governo legal, o prédio da União Nacional dos

Estudantes (UNE), localizado no Rio de Janeiro, que “guardava a história de várias

gerações universitárias, foi depredado, queimado e destruído, em uma ação

comandada por um conhecido apresentador de televisão, que convidou a população a

invadir a entidade”21. Faculdades foram atacadas a tiros, centenas de direções do

movimento foram perseguidas e criou-se um ambiente de pânico nas universidades.

Como afirma Martins Filho: “A repressão à universidade e às organizações estudantis

no imediato pós-golpe deve ser entendida como um capítulo da ofensiva geral das

forças golpistas contra o movimento popular e os meios sociais onde a política

populista encontrara mais respaldo”22.

As universidades são duramente atacadas pela Doutrina de Segurança

Nacional, em decorrência desta resistência aos planos da ditadura em apagar a luta

que ganhava força entre os universitários pelas Reformas de Base, impulsionada

durante o governo de João Goulart. “Ser estudante equivalia a ser subversivo”23. Fazia

parte do objetivo militar realizar um “desenvolvimento dependente”24 no país, sendo

21 MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento Estudantil e Ditadura Militar (1964-1968). Campinas, Papirus, 1987.P. 75. 22 MARTINS FILHO, João Roberto. Idem, 1987. P. 75. 23 POENER, Arthur José. O Poder Jovem. Rio de janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1979. p. 230. 24 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Ed. Vozes, 1984. P. 90.

22

evidente nos primeiros anos do golpe uma forte ligação com o imperialismo norte-

americano (“o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”25).

“Em seu sentido econômico fundamental, ‘desenvolvimento’ designa a expansão da

capacidade produtiva de uma sociedade. Considerado de maneira mais ampla, o

termo refere-se a todo o espectro de mudanças de procedimentos tecnológicos,

sociais, políticos e culturais que acompanham e (em diversos graus) facilitam essa

expansão. Um sistema econômico pode ser denominado ‘autônomo’ quando é

capaz de gerar seu próprio crescimento, o que implica acima de tudo de criar novas

tecnologias , de expandir o setor de bens de capital e de controlar seu sistema

financeiro e bancário. As economias dependentes, em contraste, funcionam na

periferia do sistema mundial, afastadas dos pontos de concentração dos recursos

para o crescimento autogerado”26.

Para aplicar as medidas práticas no sentido desse desenvolvimento

dependente, tornava-se necessário adaptar o ensino superior às exigências da

economia monopolista, criando novos quadros capazes de integrar-se a dinâmica

deste novo tipo de capital e da indústria que entrava no Brasil. Foi necessário

aumentar as vagas no ensino superior, assim como “modernizar” sua estrutura,

entregando a produção científica e as instituições ao controle deste capital.

Uma Reforma Universitária foi gestada durante os quatro anos iniciais da

ditadura pelas Forças Aramadas, em acordos entre o MEC (Ministério da Educação e

Cultura) e a USAID (United States Agency for Internacional Development), e são

referendados pelo Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU) do governo. A

reforma tinha como base a abertura institucional para receber capitais privados para o

financiamento de novas pesquisas, a adequação das universidades às exigências do

mercado e a dinamização da produção do ensino, com o ensino pago e a

departamentalização nas instituições públicas. Ou seja, adequar as instituições a um

Estado mais dependente do capital externo, em especial do governo norte americano.

25 Cf Ministro Juraci Magalhães, apud POENER, Arthur José. Idem, 1979. p 219 26 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Ed. Vozes, 1984. P. 92.

23

O relatório Meira Matos27, um dos mais importantes documentos da repressão

sob o movimento estudantil editado pela ditadura, foi o resultado da Comissão

Especial presidida pelo General Meira Matos criada em dezembro de 1967 para, como

mesmo afirma a introdução do seu texto, “propor medidas relacionadas com os

problemas estudantis”. O Relatório apresenta como conclusões as dificuldades na

implementação da política elaborada pelos acordos MEC/USAID nas Universidades e,

também, quais seriam os reais objetivos dos militares com a Reforma. No capítulo 2.7,

intitulado “Implantação lenta e desordenada da Reforma Universitária, sem uma visão

objetiva da necessidade de reduzir currículos, assim como, também, de diminuir a

duração da formação profissional”, o documento diz:

“...entre a legislação e sua implantação há um imenso hiato que é mister suplantar.

De um lado surge a falta de recursos porque se insiste, demagogicamente, em

querer que o erário público, principalmente o federal, arque com todas as despesas

decorrentes dessa transformação(...) Só por utopia ou má fé se pode defender,

num país de economia fraca como o Brasil, a gratuidade do ensino em todos os

níveis”.

O discurso do Presidente Castelo Branco, em Santa Maria (RS), no dia 13

de março de 1966, confirma o objetivo dos acordo MEC/USAID e da ditadura, quando

diz: “Outro esforço que se pode pedir aos jovens universitários é que contribuam, com

o pagamento de anuidade, para a educação de pelo menos dois alunos do ensino

médio, na qual a despesa por estudantes é anualmente equivalente a cerca de 10%

do dispêndio do aluno do ensino superior”28

E apresenta as dificuldades no capítulo 2.3, chamado de “Crise de

Autoridade no sistema educacional”, no qual aponta: “O Governo, realmente, tem

dificuldade em fazer cumprir qualquer política educacional, visto que esse

27 Relatório Meira Matos. In: Revista Paz e Terra, ano IV, nº 09, Rio de janeiro, outubro de 1969. 28 Jornal do Brasil, 13 de março de 1966 apud FÁVERO, Maria de Lourdes. A UNE em Tempos de Autoritarismo. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1994. p. 30.

24

cumprimento esbarra em várias atribuições que são da competência exclusiva do

Conselho Federal de Educação, por delegação da Lei de Diretrizes e Bases(...). Daí

decorre que – ante a inércia do Conselho federal de Educação, do qual participam

reitores das universidades e professores e diretores de escolas – abusos de toda

ordem podem ser cometidos quer pelo corpo discente, como pelo docente”.

Torna-se claro que os militares acusavam reitores e diretores de escolas,

atacando aí a autonomia que as instituições ainda garantiam, pela incapacidade da

ditadura de aplicar os projetos de implementação do ensino pago. O Relatório Meira

Matos apresenta o problema da seguinte forma: “outro ponto crítico no sistema

educacional brasileiro, com reflexo na crise de autoridade que já se tornou pública e

notória, é resultante dos princípios genéricos de ampla autonomia administrativa e

disciplinar conferida as universidades pela Lei de Diretrizes e Bases”.

No entanto, o principal problema que concentrava as dificuldades da

ditadura em aplicar esses projetos estava no fato das universidades representavam

um reduto de ideais comunistas e anti-ditatoriais, principalmente no movimento

estudantil, que necessitavam ser combatidos para a manutenção da ordem

institucional e avanço destas políticas. “...o que se passa no meio estudantil brasileiro

é, tipicamente, o comando das iniciativas de teor político ou ideológico por um grupo

esquerdista minoritário, com influência principalmente nas capitais mais importantes.

Conta esse grupo com a ajuda de alguns professores e com o apoio de grande parte

da imprensa”.

As organizações dos trabalhadores e dos jovens ganhavam uma

importância fundamental nessa ofensiva contra os “focos subversivos”, em especial a

CGT e a UNE, que representavam a possibilidade de uma articulação nacional capaz

de derrotar a ditadura, mas também em cada sindicato e centro acadêmico. A

intervenção nessas entidades fazia parte de um conjunto de medidas para a

25

consolidação desse projeto econômico e de controle do poder estatal impulsionado no

Brasil pelas forças Armadas.

Mas, diferentes dos sindicatos, que ainda mantinham-se atrelados ao

Estado pela estrutura corporativa vigente desde a CLT do governo Vargas, as

entidades estudantis apresentavam total autonomia de organização frente ao governo.

Essa independência política assegurava aos estudantes uma maior possibilidade de

mobilidade e de organização das inúmeras contestações públicas depois do golpe

militar.

Assim, as primeiras medidas para exercer o controle sob as universidades e

a juventude incidiram exatamente nas entidades estudantis e nos espaços políticos de

organização. Logicamente, os militares não poderiam reproduzir em cada centro

acadêmico e curso, o episódio da destruição física do prédio da UNE. Desta forma, a

virulência da repressão policial-militar, ou o que a ditadura chamava de “tratamento de

choque”, estava intimamente articulada com uma série de medidas institucionais para

controle destas organizações estudantis. A aposta dos militares para conter o

movimento estudantil, então, estava baseada na tática do controle/destruição de suas

entidades e na repressão direta a suas ações.

Assim, no dia 04 de junho de 1964, o Ministro da Educação, Flávio Suplicy

de Lacerda, sugere ao presidente Castelo Branco a extinção das entidades

estudantis, de cada universidade até a UNE. A ditadura irá aplicar suas forças neste

movimento, enquanto muitos estudantes irão resistir duramente.

Os anos de 1964 e 1965 serão marcados em todo o Brasil por inúmeras

prisões, afastamento de Reitores contrários às perseguições, vaias ao presidente,

suspensões dos estudantes anti-regime, greves gerais estudantis. Mesmo a

aprovação no Congresso Nacional, no dia 27 de outubro de 1964, da primeira Lei que

pretendeu extinguir a UNE e a substituí-la por um Diretório Nacional (DNE), conhecida

26

como Lei Suplicy de Lacerda (nº 4.464)29, assinada no dia 09 de novembro deste

mesmo ano, não foi capaz de estancar a crescente insatisfação estudantil e a luta

contra a repressão, mas, inversamente, foi o catalisador de uma nova etapa da

organização do movimento estudantil. Desta maneira, “os aspectos políticos da

estratégia autoritária para a universidade se constituíram na motivação inicial do

protesto estudantil“.30

Entretanto, a UNE ainda pôde continuar a funcionar como entidade civil

depois da Lei Suplicy de Lacerda ter entrado em vigor, pois esta medida tinha como

meta tentar controlar o movimento estudantil através de uma nova entidade “oficial”, o

que partia da premissa que a sua representatividade era apenas formal. O Relatório

Meira Matos apresenta algumas interessantes conclusões, que explicitam os objetivos

da Lei Suplicy de Lacerda, com a criação de entidades “oficiais” para dirigir o

movimento estudantil. Eles baseavam-se na premissa de que os estudantes

“esquerdistas” eram minoria no interior das universidades(citando pesquisa do IBOPE

que indica que cerca de 77% dos estudantes se declaravam antiesquerdistas). Com

isso, concluíam que seria importante criar uma direção no movimento estudantil capaz

de organizar essa grande base de sustentação do regime no interior das instituições.

O Relatório conclui: “No quadro das soluções para a situação diagnosticada nas

considerações acima, cumpre destacar duas necessidades fundamentais: - formar

uma liderança estudantil democrática; - à base dessa liderança, atuar decisivamente

nas disputas eleitorais a fim de conquistar os diretórios de representatividade de

classe”.

No entanto, os militares não viam que a História já havia provado o inverso.

Um plebiscito realizado pela UNE em março de 1965, no qual amplos setores que

29 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Legislação Estudantil. Departamento de Assistência ao Estudante, 1980. 30 MARTINS FILHO, João Roberto. Op. Cit., 1987. p. 78.

27

compunham a entidade participaram, perguntava aos estudantes se estes queriam ou

não o fechamento da UNE pela Lei Suplicy: a resposta da ampla maioria rejeitava a

política dos militares. Assim, os próprios estudantes mostravam que na prática as

entidades estudantis e o movimento de contestação à ditadura tinham apelo na

maioria dos estudantes, e que essas organizações não mantinham sua

representatividade apenas no campo formal.

O mesmo pode ser verificado nas manchetes dos jornais durante todo o ano

de 1965: “Bombas fecham CACO e estudantes vão à greve geral”(13/04), “seis mil

contra Suplicy na Guanabara”(19/05), “Greve estudantil em São Paulo pode ter mais

adesões”(08/06), “Congresso de estudantes decide boicotar a Lei Suplicy”(01/07),

“Estudantes fazem greve contra Suplicy [em Belo Horizonte]” (15/07), “Reitor fecha

diretórios que repudiaram Suplicy” (01/09), “Juraci [Ministro da Justiça] quer uma UNE

nova para haver diálogo com a Revolução” (08/12), “Juraci anuncia decisão: vai

mandar fechar a UNE” (17/12), “UNE adverte que não fecha e acusa Castelo de

Ditador” (11/01/1966)31.

No dia 14 de janeiro de 1966 foi assinado o Decreto nº 57.63432, que

buscava proibir efetivamente o funcionamento da UNE. Com a apresentação desta

Lei, ficou evidente que a ditadura havia sofrido uma primeira derrota, pois tentou

instituir, sem êxito, o Diretório Nacional para controlar os estudantes, mas estes

continuaram ativos. A ditadura achou ser necessário, então, aplicar uma Lei mais

draconiana, para tentar alcançar os seus objetivos de “acabar com a subversão” nas

universidades. Mas também não logrou êxito, nem a “fama” da lei precedente. A

resposta dada pelos estudantes nas manifestações de rua, nas principais capitais, foi

de profunda insatisfação com a política repressiva do governo.

31 Artigos presentes no texto: DE BRITO, Sulamita. A Crise entre Estudantes e Governo no Brasil. Revista Paz e Terra, Rio de janeiro, v. 03, s/d 32 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Legislação Estudantil. Departamento de Assistência ao Estudante, 1980

28

Neste processo, uma das principais características foi que “a defesa da

UNE passou a ser (...) um ponto comum nas manifestações das mais diversas

tendências do movimento, excetuando-se aí alguns grupos francamente

minoritários”33. Cabe salientarmos que até meados de 1965 as entidades estudantis,

na sua maioria, não estavam sob a direção de organizações com programas anti-

imperialistas, anti-capitalistas ou revolucionários, mas de grupos liberais, que

mantinham-se fiel a defesa de uma universidade elitista. Contudo, ambos os grupos

tinham como princípio a autonomia estudantil e a oposição às práticas autoritárias do

regime, salvo uma pequena parcela de estudantes de extrema direita.

Os militares, como já apontado, apostaram na formação de uma nova

direção do movimento estudantil. Apesar de pouco eficaz, utilizaram-se de inúmeros

instrumentos para tal, como a distribuição de cargos nas entidades fantasmas criadas

pelo regime e a organização de cursos de duração de 08 a 60 aulas, com as frações

estudantis de extrema direita, para alimentar com novas lideranças um grupo

chamado “Decisão”, nascido no Rio Grande do Sul e com simpatizantes em vários

outros estados. Realizavam também projetos assistencialistas, em conjunto com a

iniciativa privada, que envolvessem parte da vanguarda estudantil. O mais importante

desses projetos, foi a “Operação Rondon”, que, segundo o relatório Meira Matos “teve

o mérito de modificar a posição de muitos estudantes dela participantes, antes

somente de crítica, dando-lhes agora a consciência de que podem e devem fazer algo

a fim de minorar as deficiências do meio sócio-econômico brasileiro”. Segundo o

Relatório esse projeto seria o que havia alcançado “maior êxito”34.

Mas contraditoriamente foi a oposição estudantil, que tinham Vladimir

Palmeira como ícone no Rio de Janeiro, que começou a ganhar terreno e diálogo com

33 MARTINS FILHO, João Roberto. Op. Cit., 1987. p. 81. 34 Relatório Meira Matos. Op. Cit., 1969.

29

amplos setores universitários a partir da polarização política que a ditadura criou no

meio acadêmico. Em julho de 1965, o XXVII Congresso da União Nacional dos

Estudantes, na escola Politécnica de São Paulo, que reuniu em torno de 400

delegados de todo o país, elegeu Altino Dantas, então diretor da União Estadual dos

Estudantes de São Paulo e militante do Partido Socialista Brasileiro, para a

presidência da entidade nacional. Com a UNE na ilegalidade, a partir de janeiro de

1966, a diretoria mal consegue manter-se funcionando e apenas os setores que se

identificavam como “de esquerda” continuaram na organização do movimento

estudantil. Essa dificuldade irá se perdurar até 1969, passando pela tentativa frustrada

de reoganização da UNE através do Congresso de Ibiúna e na posterior rearticulação

dos Congressos Estaduais.

Todavia, o Relatório Meira Matos demonstra a dificuldade que a ditadura

também encontrava de fazer cumprir os dispositivos de leis que pretendiam impedir a

organização das entidades estudantis: “...quatro anos após a Revolução de 31 de

março, que determinou o fechamento das organizações espúrias que [os grupos

esquerdistas] dominavam – UNE, UME, UBES, AMES e outras versões regionais –

essas associações ainda abertas e atuantes, nem sempre na clandestinidade, pois

que há reitores e diretores que fecham os olhos as seu funcionamento dentro das

próprias escolas(...) A vários casos de atividades subversivas comprovadas , de

órgãos ilegais no interior das unidades escolares, os reitores e diretores fecham os

olhos ou declaram em documento oficial que não tem autoridade para coibir esses

abusos”.35

Segundo Poener, o Ministro Flávio Suplicy de Lacerda recorreu, no final de

1965, no Conselho Nacional de Educação, “aos únicos métodos ‘educacionais’ que

conhecia: mandou fechar, sumariamente, Diretórios Acadêmicos que repudiaram a

35 Relatório Meira Matos. Revista Paz e Terra. Op Cit. 1969.

30

sua lei e decretou intervenções, com bombas e cassetetes; apelou enfim, para o SNI e

autoridades policial-millitares”36.

Assim, ainda que enfraquecidos pela desmobilização causada pela

repressão militar, o quadro de resistência irá começar aumentar no ano de 1966.

Mesmo com o aprofundamento da repressão, do ataque às entidades estudantis e à

UNE, os estudantes passam a reivindicar do governo tanto questões referentes a

liberdade de organização quanto de pautas específicas ligadas a própria educação.

“Este ano [de 1966] assistirá (...) à emergência das manifestações de rua que,

iniciadas em março estender-se-ão até o mês de setembro”37.

Uma passeata em Minas Gerais, na primeira quinzena de março de 1966,

irá impulsionar a mobilização dos estudantes nas principais capitais do país. Os

estudantes foram duramente reprimidos nas ruas de Belo Horizonte, policiais

chegaram a entrar em igrejas para espancar estudantes refugiados e houve várias

prisões. “As passeatas irritam o Governo e reanimam a oposição, à medida que

ampliavam o movimento estudantil, mobilizando-o, também, para a invasão dos

restaurantes universitários, arbitrariamente fechados, e para as greves contra o

pagamento de anuidades(...) o povo reagia, invariavelmente, com aplausos e chuvas

de papel picado do alto dos edifícios”38.

A partir de então, os estudantes resolvem aproveitar as mobilizações que

tomam um caráter nacional para organizar o 28º Congresso Nacional dos Estudantes

em Belo Horizonte, mesmo com todo aparato policial e militar organizado para impedir

que ocorresse o evento. Ficaram enclausurados em um Convento franciscano cerca

de 300 delegados vindos de vários Estados, além de uma delegação convidada com

quatro norte-americanos. Uma nova direção é eleita, em um acordo comum entre as

36 POENER, A. J. Op. Cit, 1979. p. 223. 37 VALLE, Maria Ribeiro do. Op. Cit, 1999. p. 43. 38 POENER, A. J. Op. Cit, 1979. p. 224.

31

diferentes tendências e correntes do movimento estudantil, em uma chapa

encabeçada por José Luís Moreira Guedes, e os eixos aprovados (contra as

anuidades e pelas liberdades democráticas) apostam na mobilização nas bases.

No dia 18 de setembro, então, a UNE chama uma greve geral e no dia 22 o

“Dia nacional da Luta Contra a Ditadura”. Essas datas vão marcar a participação

massiva dos estudantes, principalmente nas capitais, e a necessidade das Forças

Armadas de impedir a organização dos estudantes a fim de preservar o controle

social. Para isso, as manifestações de setembro foram duramente reprimidas.

No entanto, como afirma Poener, “as lideranças universitárias não

souberam (…) promover um recuo organizado para acumulação de forças. Por isso,

de setembro de 1966 até meados de 1968, as lutas estudantis, a respeito do seu

prosseguimento, não assumiu caráter nacional”39.

Os estudantes saem vitoriosos das manifestações de 1966, com a

revogação da Lei Suplicy de Lacerda com o decreto 228, que continua mantendo a

UNE e as UEEs na ilegalidade, mas volta a reconhecer as entidades de base e DCEs.

Ao contrário de uma abertura democrática, como poderia ser entendida a ação do

Marechal Castelo Branco, essa revogação significava a impotência da lei 4.464 no

controle dos estudantes e suas entidades.

No início de 1967 as manifestações passam a radicalizar as palavras-de-

ordem contra a repressão e a violência policial. Em março, na cidade de Belo

Horizonte, “a passeata de calouros acaba dentro de uma Igreja, o que não impede o

lançamento, por policiais, de bombas de gás lacrimogêneo no interior do templo”40.

Um outro fato marcante na história deste período foi a ocupação da

Universidade de Brasília (UnB), no mês de abril de 1967. Em uma manifestação

39 POENER, A. J. Op. Cit.,1979, p.223. 40 FÁVERO, Maria de Lourdes.Op. Cit., 1994. p 33.

32

contra a presença do embaixador americano na UnB, os estudantes foram duramente

reprimidos pela força policial da capital, que cercou o prédio central da instituição com

cerca de 200 homens, levando 50 presos e dois hospitalizados. Seria um prelúdio

para o massacre que os militares iriam fazer na própria UnB no segundo semestre de

1968.

Mas, ainda em 67, as manifestações e greves (como foi ocaso do Ceará)

contra o acordo MEC/USAID, vão dar a tônica deste ano, e será recorrente os

espancamentos e prisões nas manifestações. Esse será o ambiente em que o

movimento estudantil começa a acumular experiências, no qual as lideranças

começam a ter reconhecimento nas universidades e um processo de radicalização

começa a tomar conta do cenário político.

Em agosto, novamente, a UNE chama seu Congresso, era seu 29º. Apesar

da desarticulação Nacional do movimento estudantil desde o final de 1966, o

Congresso procura solucionar as dificuldades e buscar alternativas para, a partir das

lutas que ocorriam nas universidades, voltar a uma atuação unitária por todo território

nacional. Luis Travassos é eleito presidente, com o apoio da maioria dos 400

delegados presentes. No documento final do Congresso, percebe-se uma

radicalização das posições políticas e uma forte negação das alternativas

“reformistas” do próprio movimento nos quatro primeiros anos da década de 60.

Nesse momento, generaliza-se no movimento estudantil a discussão sobre

o que seria a saída Revolucionária que deveriam engajar os jovens, tendo muita

influência no debate do 29º Congresso Nacional dos Estudantes, apesar das apostas

continuarem, nesse momento, para a organização no interior do movimento estudantil.

A experiência cubana contada por Regis Debray, dos focos de guerrilha – o

“foquismo”, que já estava sendo aplicado no Brasil como método de organização

33

armada no campo, fascinará parte importante da vanguarda estudantil após as

manifestações do ano seguinte.

O ano letivo de 1968 começa, e também se inicia o processo de

mobilização, principalmente em relação à falta de verbas, os acordos estrangeiros e a

repressão. No mês de março, em uma quinta feira, às 18h30, no Restaurante

Calabouço, no Rio de Janeiro, um estudante é morto. Edson Luis de Lima e Souto,

secundarista, é alvo do disparo da arma do aspirante Raposo da policia carioca. Foi o

estopim para os estudantes tomarem as ruas do Rio de Janeiro e, como uma onda, se

levantarem nas principais capitais do país. Segundo Poener, a morte de Edson Luís

constitui um marco na história brasileira – despertando forças de oposição e protesto

até então aparentemente adormecidas41, pois era o primeiro estudante a ser

assassinado publicamente pela ditadura. Vladimir Palmeira fez a homenagem final a

Edson Luís, em um enterro com milhares de jovens presentes. Os mesmos estarão

nas mobilizações subseqüentes, como as que ocorrerão no quarto aniversário do

golpe, dia 31 de março.

O Romance autobiográfico de Alfredo Sirkis, intitulado Os Carbonários42,

descreve a vida do protagonista nesse momento de levante da juventude no Rio de

Janeiro. Ele relata: “Naquela noite de 31 de março, quarto aniversário do golpe, a

repressão levara a pior. Havia popular morto a tiros pela polícia, uns vinte feridos e

umas centenas de presos, mas o pandemônio no centro demorara mais de quatro

horas e desta vez dezenas de policiais tinham baixado hospital”43.

As manifestações começam a tomar proporções de Guerra Civil. Barricadas

são montadas no centro do Rio de Janeiro no dia 1º de maio em uma passeata que

reuniu cerca de 100 pessoas. Seria o ponto mais agudo do enfrentamento. Não eram

41 POENER, A. J. Op. Cit., 1979. p. 251. 42 SIRKIS, A. Os Carbonários. São Paulo, Ed Global, 1983. p. 70. 43 SIRKIS, A. Op. Cit., 1983. p. 72.

34

só os estudantes na “batalha campal” contra o exército, mas os populares que se

somavam aos atos.

No entanto, as negociações com os militares não avançavam. O movimento

estudantil mantinha-se mobilizado, mas já não eram 100 mil na segunda

manifestação, e sim, 50 mil. O mesmo se deu no movimento estudantil paulista, com o

que ficou conhecido com a Guerra da Maria Antônia, onde os estudantes ocuparam a

Faculdade de Filosofia da USP e criaram um pátio de guerra contra os militares.

O movimento estudantil chegara no seu ápice, mas não contavam com o

apoio das massas operárias para conseguir avançar. “Estávamos contentes, mas um

pouco desorientados. O movimento atingira o seu ponto culminante. E agora?”44

Dias antes da passeata dos 100 mil, o grupo guerrilheiro VPR (Vanguarda

Popular Revolucionária) invadia um hospital militar, rendia os guardas e roubavam os

fuzis que estavam lá guardados. No dia 1º, enchem o carro utilizado no assalto ao

hospital com explosivos e o fazem colidir contra um batalhão do exército45. Estava

evidente nesse momento a construção de diferentes táticas da juventude para a luta

contra a ditadura, de um lado a guerrilha de vanguarda (seja ela dos focos no campo

ou urbanas) e de outro a organização do movimento estudantil de massas.

O 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, seria decisivo para a decisão dos

caminhos do movimento estudantil. No entanto, já predominava entre os militantes de

São Paulo, que organizava o Congresso, uma concepção militarista de movimento

estudantil. A escolha da cidade de Ibiúna, no interior do estado de São Paulo, para a

realização do Congresso é exemplo disso. Como analisa vinte anos depois Nilton

Santos, vice-presidente da UNE em 1968: “Foi um erro pensar que se poderia manter

clandestino um Congresso com 800 delegados leitos na massa. E é ingênuo pensar

44 SIRKIS, A. Op. Cit., 1983. p. 76. 45 VALLE, Maria Ribeiro do. Op. Cit, 1999. p. 43.

35

que uma segurança com algumas “pistolas 22” poderia defender o Congresso. Não se

podia confiar a segurança em métodos muito mais “militares” do que políticos. Seja

porque o ME não tinha potencial de fogo, seja porque não se apoiava no movimento

de massa, que era de onde vinha a força da UNE”.46

Assim, no dia 14 de outubro de 1968, “quase todos os congressistas de

Ibiúna foram presos, entre eles os quatro principais líderes estudantis brasileiros da

época: Vladimir Palmeira, José Dirceu, Luís Travassos e Jean-Marc Charles Frederic

von der Weid [que seria o novo presidente eleito em Ibiúna]”47. Todas essas direções

do movimento estudantil foram soltas das prisões a partir de ações das guerrilhas

urbanas, como a Ação de Libertação Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário

8 de outubro (MR-8) em 1969, que libertou os três primeiros em troca do Embaixador

norte americano Charles Burke Elbrick, e, em 1971, a libertação de Jean-Marc após a

sua troca pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, seqüestrado pela

Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Em 12 de dezembro, então, os militares fecham o congresso nacional e

instituem o Ato Institucional número 5, pondo uma “pá de cal” sob qualquer forma de

organização de trabalhadores e da juventude.

“Nascida do desespero provocado pela falta de perspectiva de participação

política e do idealismo quase suicida de um punhado de jovens, a luta armada, sob a

forma de guerrilha urbana, foi uma conseqüência natural e óbvia do AI-5, embora as

articulações guerrilheiras já tivessem sido iniciadas antes”48. Com a incapacidade de

reorganização do movimento estudantil, tendo suas principais lideranças presas, “os

estudantes começam a se agrupar e ser arregimentados em organizações de luta

armada. E partiram para uma guerra adulta, única forma de participação política que o

46 Entrevista com Nilton Santos apud do VALLE, Maria Ribeiro do. Op. Cit, 1999. p. 43. 47 POENER, A. J. Op. Cit., 1979. p. 234. 48 POENER, A. J. Op. Cit., 1979. p. 236.

36

regime militar lhes deixara. E o único caminho que acreditavam poder conduzi-los à

libertação do seu povo”49.

49 POENER, A. J. Op. Cit., 1979. p. 234.

37

Capítulo 4. Os estudantes em Curitiba:

da Reorganização ao enfrentamento

4.1 – O Momento da Reorganização

O impacto na cidade de Curitiba do primeiro período da ditadura ganhou

especial relevância pelo caráter “laboratorial” que a Universidade Federal do Paraná

foi encarada pelo governo. Alguns fatores demonstram esse caráter, como a

nomeação do Reitor Flavio Suplicy de Lacerda para Ministro da Educação e Cultura

(MEC), já no primeiro governo militar do General Castelo Branco, e a tentativa de

implantação do ensino de graduação pago no Brasil a partir do curso de Engenharia

desta Universidade.

Do momento do golpe até as mobilizações de 1968, o movimento estudantil

do Paraná sofreu grandes transformações. Logo após o golpe há uma ofensiva

conservadora por uma parte dos alunos e professores, assim como pelos aparelhos

repressivos do Estado, para inibir qualquer atuação política estudantil no interior das

instituições de ensino. Já no dia 15 de abril, um grupo de estudantes lança um

documento com 1500 assinaturas pela destituição da diretoria do DCE da

Universidade do Paraná, acusando a entidade de ser “um baluarte da desordem, da

indisciplina e da subversão”50, em resposta ao panfleto lançado pela direção da

entidade no dia 1º de abril, em conjunto com o Comando Geral dos Trabalhadores

(CGT), a União Paranaense dos Estudantes (UPE), a rente de Mobilização Popular,

além de deputados do Estado, que chamava a greve dos trabalhadores para impedir o

golpe.

50 Mais de 1500 estudantes pedem destituição dos líderes comunistas do DCE. Jornal o Estado do Paraná, 16/04/1964, nº3838, ano XIII, p. 07

38

A Reitoria da Universidade, que contava com o mandato provisório do

Professor José Nicolau dos Santos (que será empossado apenas no dia 20 de maio

de 1964), aprova no dia 24 de abril duas portarias no Conselho Universitário com o

intuito de “purificar o meio universitário” e combater os “focos subversivos”, como

havia apontado o manifesto dos 1500 estudantes. A primeira portaria suspende o

reconhecimento do Diretório Central dos Estudantes (DCE), anula a eleição dos

representantes discentes nos conselhos, aprova a rediscussão do processo eleitoral

dos diretórios da Universidade e do destino da sede do DCE; a segunda, visa verificar

as “atividades subversivas que porventura tenham sido praticadas por professores,

funcionários ou alunos”51.

Inicia-se, a partir de então, uma perseguição implacável aos dirigentes de

entidades, com prisões e abertura de inquéritos contra vários estudantes. No dia 26

de junho, segundo o jornal Gazeta do Povo52, é instalada pela Polícia Militar uma

comissão na Universidade Católica para apurar denúncias de atividades ilegais e

subversivas. Essa comissão (a IPM) desempenha um papel preponderante no ano de

1964 na intervenção militar em todas as organizações estudantis, desde os diretórios,

a UPE, a UCES (União Curitibana de estudantes secundaristas), até a própria Casa

do estudante Universitário (CEU). Alguns estudantes, como Ronaldo Botelho, Romão

Silva e José Pedro da Rocha, foram presos nesse período taxados pela polícia como

comunistas.

Uma reportagem da Gazeta do Povo, de 05 de agosto de 1964, demonstra

esse movimento da repressão em Curitiba, assim como um claro posicionamento do

referido meio de comunicação no período, em matéria com título: “Acadêmico de

Direito Declara-se Marxista-Leninista e Revela a Subversão nos Meios Estudantis”. No

51 Reitoria da UP vai empregar medidas enérgicas. Jornal o Estado do Paraná, 25/04/1964, nº 3846 p. 07 52 Subversão no meio estudantil: inquérito. Jornal Gazeta do Povo, 26/06/1964, nº 13540 p 08

39

texto, se afirma: “...o depoimento prestado , há dias pelo estudante Romão Silva, do 2º

ano da faculdade de Direito da Universidade do Paraná, cujo indiciado confessa haver

freqüentado curo de doutrinação marxista-leninista, quase frequentemente, na sede

do extinto jornal “Novos Rumos”. Acrescentou ter participado de aulas de

conhecimentos marxista-leninistas junto com membros do Centro Popular de Cultura

(CPC) e da Secretaria de Educação e Cultura(...) A uma pergunta sobre se

compareceu a sede do DCE na tarde do dia primeiro de abril, deste ano, respondeu

afirmativamente, afirmando ter lá encontrado microfone, auto-falante e amplificadores

para retransmissão dos discursos e apelos de Leonel Brizola e da chamada ‘cadeia da

legalidade’”53.

No dia 27 de agosto, os jornais já apontavam mais de 96 estudantes

ouvidos pelo IPM, sendo no mês de outubro sete estudantes expulsos e dezesseis

suspensos. Há conseqüências imediatas nas entidades do movimento estudantil, com

a suspensão, também no mês de outubro, das eleições nos diretórios. Essas medidas

serão a base da implementação da lei que proibirá o funcionamento das entidades,

editada em novembro, a lei Suplicy de Lacerda (nº 4464/64).

E conjugado às medidas repressivas, uma forte propaganda ideológica, com

a justificativa do combate ao comunismo e a subversão, procurava explicar os motivos

pelos quais os jovens não poderiam se organizar e intervir nos rumos da política,

como fica demonstrado na matéria do jornal Gazeta do Povo, “Aos Estudantes, o

estudo”, que aqui reproduzimos parte:

“Admitir que o pedreiro venha a participar, com bisturi na mão, de uma

operação cirúrgica, é desejar que o operado tenha um belo e bem descrito atestado

de óbito. A tese é, com traços largos de brocha, a mesma que se vinha perfilando até

53 Acadêmico de Direito Declara-se Marxista-Leninista e Revela a Subversão nos Meios Estudantis. Jornal a Gazeta do Povo, 05/08/1964, nº13563 p. 08

40

antes de 31 de março, quando os estudantes – principalmente os profissionais da

UNE – ingeriram , como força de ação política nos casos da República. É evidente

que, no exemplo inicial, carregou-se nas tintas, com tonalidades exageradas, mas que

servem, numa linha geral, para que se fixe o contorno de uma idéia, agora mais uma

vez expressa pelo Presidente da República, perante líderes universitários brasileiros.

Aos estudantes cabe, primordialmente, a tarefa de estudar, disse Castelo Branco, ao

receber os acadêmico, quando do diálogo travado a respeito do anteprojeto que cria o

Conselho nacional dos estudantes, em substituição à UNE e que ainda,

regulamentará a atividade dos que se ilustravam nos estabelecimentos de ensino do

país. Mas – segundo o Presidente da República – e repetindo um conceito corrente “o

homem é um animal político” e os jovens, pelos seus impulsos tão naturais de moços,

desejarão ter consciência do processo brasileiro e dele participar. Entre esta

manifestação, que é normal e legítima e – como se fazia anteriormente, em armar

políticas para atingir-se um alvo – há uma distância que a compreensão, a

consciência e o civilismo determinam”.54

Também no mês de setembro de 1964, o Ministro da Educação Flavio

Suplicy de Lacerda responde a pergunta de jornalistas sobre o movimento estudantil,

em especial à UNE, e o mesmo responde que “não pretende eliminar a UNE, mas sim

fazer com que exista, no Brasil, uma entidade estudantil como as que existem nos

países livres do mundo, uma entidade estudantil que não esteja pendurada nos cofres

do governo. O que o Ministério pretende é uma organização que não receba dinheiro

do exterior, nem receba orientação de países que tem pensamento e partido único”55.

Mas, no dia 09 de novembro, o Ministro, a despeito das manifestações contrárias dos

estudantes em todo país, institui a nova lei (4464/64) para controle do movimento

54 Aos Estudantes, o estudo. Jornal a Gazeta do Povo, 01/09/1964, nº 13586, ano XLVI, 3 sec, p. 20. 55 Um verdadeiro Ministro. Jornal a Gazeta do Povo, 02/09/1964, nº 13587, 2 sec, p. 16.

41

estudantil, na qual a UNE é substituída por um Diretório Nacional, com a evidente

intenção de eliminação da entidade nacional, e também dos centros acadêmicos que

se colocavam contra a ditadura nas bases das Universidades brasileiras. Conforme

explicita Silva, “a Lei Suplicy, no seu artigo 14, vedava aos órgãos de representação

estudantil qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político partidário,

bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares. O

autor da lei nº 4464, por desaviso ou presunção, não contou com a possibilidade de

seu anteprojeto, uma vez institucionalizado, viesse a transformar-se no maior fator de

aglutinação do ME, que atravessava uma fase de reorganização em virtude da

perseguição aos seus líderes”56. Como já havíamos afirmado nos capítulos anteriores,

a Lei Suplicy realmente teve um efeito inverso do seu propósito no movimento

estudantil nacional, reacendendo mobilizações e debates entre os estudantes.

Em Curitiba, a primeira entidade a não reconhecer a medida implementada

pelo então ex-Reitor foi o centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS), do curso de Direito

da UP. A Gazeta do Povo divulgou a posição da entidade: “Em Assembléia Geral

extraordinária levada a efeito anteontem, o Centro Acadêmico Hugo Simas –

organismo que congrega os estudantes da faculdade de direito da Universidade do

Paraná, decidiu por unanimidade, não acatar os dispositivos contidos na lei 4464 que

regulamenta as atividades dos Diretórios Acadêmicos em todo território nacional”57.1 O

CAHS aparece nesse período, até o final do ano de 1966, como o centro das decisões

e articulações da política acadêmica na Universidade do Paraná, formando os novos

quadros políticos que posteriormente irão dirigir a União Paranaense dos Estudantes

e o Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Paraná.

56 SILVA, Justina A. Iva da. Estudantes e Política: Estudo de um Movimento (RN 1960-1969), São Paulo, Cortez, 1989. p.133 57 CAHS decide não aceitar a lei 4464. Jornal a Gazeta do Povo, 09/04/1965, nº 13767, p 08.

42

Logo após, no dia 14 de agosto, os estudantes de Engenharia também irão

negar a lei Suplicy. A administração da Universidade intensifica os mecanismos de

repressão, colocando essas entidades na ilegalidade, ameaçando sanções aos

dirigentes seus dirigentes e impedindo que as mesmas façam campanhas de

financiamento entre os estudantes que não se adaptassem a lei.

Até mesmo a União Paranaense dos Estudantes, que até então havia se

ausentado dos debates nacionais e das polêmicas sobre as questões “políticas”, e

que seu presidente, Johnson Sade, havia se disposto a adaptar a entidades às

exigências do governo, se torna alvo da lei, que anuncia o fechamento da UPE já no

final do ano de 1965.

A intervenção do Estado na dinâmica do movimento estudantil, somada a

imposição do ato institucional número 2, que previa a ampliação dos poderes

presidenciais e a atribuição a Junta Militar para julgar civis acusados de cometerem

crimes contra a segurança nacional, assim como a extinção dos partidos políticos

tradicionais, muda a configuração dos campos em disputa até então estabelecidos

(pró e contra a ditadura) e alimenta o movimento ainda incipiente que lutava pelas

liberdades democráticas. Esse quadro se agravará ainda mais no mês de fevereiro de

1966, com a instituição do ato institucional número 3, que aumenta o caráter ditatorial

do regime e sua conseqüente polarização na sociedade.

Na Universidade do Federal do Paraná, com a volta de Flavio Suplicy de

Lacerda, que passou o cargo ao Deputado Pedro Aleixo, a administração da

instituição passa a enrijecer ainda mais o controle sobre as ações dos dirigentes do

movimento estudantil, e, assim, as contradições também aumentam.

Uma passeata importante, apesar de numericamente reduzida, ocorre no

dia 17 de março de 1966, organizada pelo Centro Acadêmico Hugo Simas (CAHS),

motivada pela presença do Presidente Castelo Branco na cidade, e a solidariedade

43

aos estudantes de Belo Horizonte, que haviam sido vítimas da violência da polícia em

uma passeata de calouros no dia 12 daquele mês. É a primeira ação pública

organizada com o chamado “contra a ditadura” organizada na cidade pelos

estudantes.

Três estudantes foram presos antes do início da mobilização: Antonio de

Araújo Chaves, Vitorio Sorotiuk e João Batista Tezza Filho58. O DOPS apreendeu

cartazes, materiais e obrigou os estudantes detidos a assinarem um termo de

compromisso de que não haveria qualquer agitação. No entanto, cerca de 50

estudantes iniciaram o ato mesmo sem a presença da direção do Centro Acadêmico,

concomitantemente às prisões. Um manifesto, considerado subversivo pela polícia,

que denunciava a ditadura e a repressão policial em Minas Gerais, foi distribuído no

ato organizado pelo CAHS, chegando também a ser divulgado em outras faculdades

da Universidade do Paraná (já Federal) e até mesmo na Católica.

No final do mês de março, outro manifesto foi lançado, intitulado “Manifesto

da Liberdade”59, com conteúdo similar, e também chegando aos estudantes destas

duas instituições. Estava sendo propagandeado um movimento estudantil que se

enquadrava no campo da esquerda, diferente das direções da União Paranaense dos

Estudantes (UPE) ou do Diretório Estadual dos Estudantes (DEE). Ambos, apesar de

conviverem em constante conflito, disputando o reconhecimento público, eram

dirigidos por estudantes ligados aos partidos conservadores do Paraná, assim como o

Diretório Central dos Estudantes(DCE) da Universidade Federal do Paraná. Uma

demonstração do caráter político da direção da União Paranaense de Estudantes foi

dada pela sua disposição em se adequar a Lei Suplicy de Lacerda, sendo uma das

poucas entidades estaduais que se manteve na legalidade entre 1965 e a1968.

58 Jornal Diário Popular, 18/03/66 nº 3643, ano XI 59 Jornal Diário Popular, 23/03/66 nº 3647, ano XI

44

Entretanto, destas entidades, somente o DEE podia ser considerado inteiramente

atrelado ao governo, sem qualquer autonomia. As outras entidades, dirigidas pela

juventude da Democracia Cristã até então, em vários momentos, se colocaram em

oposição às políticas do regime, como no caso da repressão aos estudantes mineiros.

As disputas entre a UPE e o DEE se mantêm, principalmente na polêmica

das carteirinhas de identificação discente, e o DCE continua em suas parcerias com o

Rotary Club para ações assistenciais. Não existe ainda uma radicalização no interior

destas entidades. No entanto, a direção do DCE entra em crise nesse período. Os

diretores expulsam o Presidente Neilor Rolim, pois o estudante cumpria com exatidão

à frente da entidade o que determinava as orientações do governo: um mandato

completamente horizontal, no qual o presidente teria poderia fazer prevalecer a sua

opinião e não havia mais necessidade de democracia. Sua condenação foi unânime

entre os diretores do DCE: “expulso por traição!”

Da mesma forma, a União Paranaense inicia um processo de

reorganização. Em setembro de 1966, frente às mobilizações nacionais chamada pela

UNE, a União paranaense manifesta sua solidariedade aos estudantes vitimados com

a violência policial em São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais.

Em meados de setembro explodem as manifestações de rua organizadas

pelos estudantes, com forte influencia dos estudantes de Direito da UFP, mas

trazendo junto setores das direções da UPE, e até mesmo do DEE. No dia 17 de

setembro, os estudantes ergueram bandeiras pretas e faixas que diziam: “Salve o dia

18 de setembro, vigésimo aniversário da constituição de 1946”; É livre a manifestação

de pensamento”; “É garantida a liberdade de associação”; “Todo poder emana do

povo”, ou dizeres mais radicalizados como: “Abaixo os Atos Institucionais”; Abaixo a

45

Ditadura”. A maior das faixas estava escrito: “Um irmão teu morreu pela liberdade.

Participe da passeata de protesto”60.

As primeiras páginas dos jornais estampavam: “Suplicy vê dedo de

Moscou no Protesto”61, ou “Nova Passeata estudantil Faz críticas Violentas ao

Governo”62, que demonstravam que o movimento estudantil na cidade de Curitiba,

visto desde 1964, chegava ao pico de suas mobilizações e organização, gerando um

enfrentamento direto com a ditadura.

Em resposta a ação coordenada pelos estudantes da UFPR, a direção da

UPE lança manifesto se contrapondo ás manifestações de rua, antecipando as

polêmicas que iriam se dar no XXII Congresso da entidade que ocorreria no dia 28

daquele mês. Na realidade a direção da entidade estadual, para continuar com sua

política, aprovou uma resolução que mantinha como representantes dos cursos os

mesmos delegados do XXI Congresso ocorrido no ano anterior, mantendo também as

posições trazidas pelos mesmos. Essa decisão provocou grandes polêmicas no

Congresso, principalmente com os estudantes do setor de Floresta da UFPR, que

abandonaram, por esse motivo, o plenário.

A eleição para direção da UPE ocorreu no final de outubro, tendo o

resultado das urnas sido revelado no dia 21 de setembro. A oposição conseguira um

resultado espetacular, tendo em vista sua pequena inserção no interior do Estado. A

chapa da situação, “Reestrutura”, venceu a “Liberdade” por apenas 325 votos, dentre

os mais de 14 mil votantes.

Esse período, que compreende os acontecimentos de abril de 1964 até o

inicio das mobilizações no final de 1966, caracterizam um processo de intensa

mudança na consciência da juventude. Podemos fazer um paralelo deste período

60 Estudante faz passeata sob as vistas do DOPS. Jornal o Estado do Paraná, 17/09/1966, nº 4570, p. 08 61 Jornal Diário Popular, 23/09/1966, nº 3349, p 01 62 Jornal Diário Popular, 23/09/1966, nº 3349, p 01

46

com a descrição realizada por Thompson da década de 1820 na Inglaterra

(“estranhamente calma”), quando “grupos e indivíduos tentaram teorizar

experiências(...) e, no final da década (...) é possível falar em uma nova forma de

consciência”63. O autor exemplifica este processo com a conclusão de um verdureiro

londrino: “As pessoas imaginam que, quando tudo está quieto, está se estagnando. O

propagandismo continua apesar disso. É quando tudo está quieto que a semente

cresce, os republicanos e socialistas levam à frente suas doutrinas”64.

Em Curitiba, o ano de 1966 pode ser visto como este momento de

“teorização da experiência”, que afirma Thompson. A formação do movimento

estudantil combativo e desligado dos setores que apoiavam o golpe, ou que

mantinham alguma relação com os governos, iniciou-se a partir de 1966.

Do ponto de vista da organização das novas direções, torna-se necessário

que compreendamos que foram nos rachas do PCB, partido que concentrava a

grande maioria dos militantes de esquerda antes do golpe de 1964, que a juventude

procurou se identificar neste momento de reorganização. Principalmente os militantes

comunistas jovens fizeram neste período um balanço do papel de suas direções e de

sua política. Dezenas de novos agrupamentos se formaram já desde 1961, e foram se

consolidando no meio estudantil nos anos de 1964 a 1967, dentre eles a POLOP, o

PCdoB, o MNR e a Ação Popular65.

No dia 1º outubro, o jornal curitibano Diário Popular publicou uma matéria

que ilustra esta retomada, com o título: “O silêncio só Durou Dois Anos”66. O periódico

estava alertando ao Estado e às classes dominantes de um aumento da participação

estudantil na vida política no Paraná, como estava se vendo em outros estados

63 THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa.v. III. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1987. p. 416 64 THOMPSON, E. P. Idem, 1987. p. 416 65 REIS FILHO, Daniel Aarão(org). Imagens da Revolução. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985. 66 Jornal Diário Popular. O Silêncio só Durou Dois Anos. 01/10/1966, nº 3356, Ano XII.

47

brasileiros, em decorrência da resistência a aplicação da Reforma Universitária do

governo.

O ano de 1967 inicia-se com um movimento estudantil consolidado na

cidade de Curitiba, tanto secundarista quanto universitário. Já em janeiro aparece uma

questão que toma conta das discussões do movimento estudantil da UFP: os

excedentes. De acordo com as normas do concurso para ingresso na Universidade, o

critério de julgamento foi classificatório. Não havia, portanto, provas eliminatórias, nem

estudantes aprovados ou reprovados, mas apenas candidatos aptos para entrar na

instituição, em ordem de pontuação.

Segundo Bonacordi, “o curso de medicina da UFPr oferecia 160 vagas, para

um total de 1768 vestibulandos, que deveriam obter nota média igual ou superior a 4.

As notas (...) divulgavam um número de 163 alunos aprovados e mais 470 alunos com

nota igual ou superior a 4”67.

Os estudantes excedentes organizaram passeatas e acampamentos para

reivindicar o acesso a universidade pública. No dia 24 de janeiro se reuniram em torno

da faculdade de medicina, com faixas: “fechado para balanço, estudantes em

excesso”.

Somente em abril, esses estudantes conseguiriam a lista dos aprovados no

vestibular, com nota acima de 4. O MEC, em conjunto com a UFP, conseguiu vagas

para alguns estudantes (com nota superior a 5) em outras Federais do país. Alguns

estudantes tiveram que ir para Manaus, como é o caso de Pedro Paulo Soares

Mourão, para cursar a faculdade naquele ano, ficando ainda 91 estudantes-

excedentes lutando pela vaga. No final de abril, os jovens montam um acampamento

em frente à faculdade.

67 BONACORDI, Simone. Op. Cit , 1992. p. 56.

48

Os estudantes de Medicina não aprovam a reivindicação dos excedentes,

alegando que não haveria estrutura para receber mais aquele número de calouros no

ano, e chamam greve no dia 26 de abril contra “a demagogia” do governo, exigindo

melhores condições do ensino e exigindo imediata resolução do problema. A greve irá

durar até o final de maio, e apenas em junho a justiça federal dá um parecer,

obrigando a faculdade a matricular 33 dos 91 excedentes, ficando o restante

aguardando abertura de vagas em outras instituições no país.

Outro problema que marcou o ano de 67 foi a falta de verbas para a

manutenção dos Restaurantes Universitário, que eram geridos pelos próprios

estudantes. Vitório Sorotiuck, presidente do CAHS naquele ano, relata: “Para ter uma

idéia, na UPE alimentavam-se ao meio dia e à tarde, 5000 estudantes(...) No DCE,

2000 estudantes. E cada Universidade, cada Engenharia, tinha seu restaurante. O

CAHS na faculdade de Direito, tinha o seu restaurante.”68

Essa alimentação provida pelos diretórios tiveram, por vários anos, um

regime de subsídios do governo Federal e do governo Estadual, gerando uma grave

crise com a diminuição deste orçamento. No dia 05 de fevereiro uma matéria

publicada no jornal Gazeta do Povo, “estudantes fazem Pernoite na fila para Poder

Comer”, alertava: “[a UPE] enfrenta sérias dificuldades financeiras para fazer subsistir

o restaurante, advertiu aos jovens estudantes que, em função de uma verba

complementar que precisa ser liberada pelo Governo do estado, as inscrições

poderão ou não servir a mais de cinqüenta interessados do interior do Paraná(...)”69

O problema se prolonga pelo mês de março, com intensas tentativas de

negociação com o Governador do estado, Paulo Pimentel. No dia 16, os

Restaurantes reabrem servindo apenas arroz, pão e banana para os estudantes. O

68 Entrevista com Vitório Sorotiuk em BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. 69 Jornal a Gazeta do Povo, 05/02/1967, nº 14805, p36.

49

Governo estadual intervém com aporte financeiro no dia 18 possibilitando a

manutenção da oferta das refeições.

Mas a crise abre caminho para o então empossado Reitor da Universidade,

Flavio Suplicy de Lacerda, alegando que os estudantes do DCE estariam roubando

materiais dos restaurantes e colocando dúvidas acerca das contas, manda a PM

ocupar o local no dia 09 de abril. Após negociações intensas com a direção da

entidade e a abertura das contas, o Reitor mandou encerrar a interdição da Polícia.

No entanto, a crise das verbas não será solucionada nesse mês,

prolongando-se por todo ano de 67. Duas táticas marcaram a luta por verbas para os

Restaurantes: a primeira, as manifestações e negociações com os poderes públicos,

que tiveram êxito em inúmeras ocasiões. A segunda, ficou conhecida como ”pindura”,

quando os estudantes deixavam de pagar aos fornecedores e à própria Universidade,

para poder suportar a crise financeira.

Articulado com esse problemas está latente a questão da Reforma

Universitária e do ensino pago. A UPE realiza no dia 20 de maio um Seminário, sob o

olhar atento da polícia federal, onde indica o posicionamento contrário às medidas

apresentadas pelo governo para as universidades públicas. A entidade lança no mês

seguinte uma nota explicando sua posição contrária a transformação das instituições

públicas em fundações, e por conseqüência contra a Reforma Universitária.

“Quinhentos nas ruas em manifestação de protesto estudantil”70, noticiava a

Gazeta do Povo do dia 17 de agosto de 1967. No mês seguinte, o Reitor da

Universidade Federal do Paraná prepara a aprovação do projeto de cobrança de

anuidades. Convoca uma reunião com estudantes, com cobertura da imprensa, para

apresentar o tema. O Estado do Paraná fez a cobertura da reunião, em matéria com o

70 Jornal a Gazeta do Povo, 17/08/1967, nº 14744, p. 08

50

título “Suplicy quer um diálogo franco” (que reproduziremos parte), publicada no dia

23/09/1967, prenunciando suas intenções:

“Reitor recebeu ontem a tarde uma comissão de alunos da Escola de Engenharia e

do Curso de Ciências Sociais (que foram fazer queixas de projetos e razões do

ensino pago), e pediu o nome de professores que faltam às aulas, dizendo que os

mandará para a rua, e sugestões para a Reforma Universitária pois colocarei em

execução tudo o que estiver certo e afirmou que pretende dialogar sobre qualquer

assunto com os estudantes que forem ao seu gabinete, onde todos são recebidos

por mim de braços abertos. Vocês acham que os sem-recursos não devem pagar

pelo estudo – disse o ex-Ministro da Educação – e eu concordo com vocês. Vocês

sabem que o País atravessa uma má situação financeira, e eu proponho que todos

nós, inclusive eu, que pago as viagens de interesse da Universidade do Paraná

com o meu próprio dinheiro, façamos sacrifícios. Vocês ainda são uma massa, e

eu quero ajudá-los a se transformarem numa classe. Vocês falam de miséria do

povo brasileiro e eu sugiro que vocês e eu aqui da Universidade iniciemos uma luta

contra as injustiças sociais. Sim, vocês agora vão pagar para estudar. Mas isso

não é inovação minha, acontece em todos os países do mundo, menos no Brasil.

O ensino vai ser pago, meus amigos, para que não hajam mais injustiças como a

que eu vejo todos os dias nas nossas faculdades, onde centenas de alunos

estacionam os seus automóveis, enquanto uns miseráveis não podem estudar.

Vocês tem recursos, vão pagar. E os pobres receberão bolsas de estudo71”.

No mês seguinte, Flavio Suplicy aprova no Conselho Universitário um

projeto para cobrar NCr$100,00 de anuidade, em quatro parcelas de NCr$25,00 dos

calouros do ano de 1968, o que irá causar verdadeira revolta na categoria estudantil.

71 Jornal o Estado do Paraná, 23/09/1967, nº 4878, p. 08

51

4.2 - O ano de 1968:

do levante estudantil ao silenciamento provisório

cansei da frase polida por anjos da cara pálida palmeiras batendo palmas ao passarem paradas agora eu quero a pedrada chuva de pedras palavras distribuindo pauladas (Paulo Leminski)

Em março de 1968 o DCE inicia a campanha contra o pagamento de

anuidade. Deste momento até meados do ano, as lutas dos estudantes contra a

Reitoria, para impedir o ensino pago na Universidade, irão marcar o período. Havia

duas questões que envolviam o problema das cobranças: o primeiro, a anuidade de

NCr$100,00 aprovada pelo Conselho Universitário no final de 1967, e a segunda, a

implementação do curso de Engenharia noturno pago.

Quanto a primeira, a tática inicial do DCE é resumida na matéria do jornal O

Estado do Paraná, de 02 de março: “Os calouros deste ano estão sendo exortados a

solicitar em massa a isenção das anuidades”, a matéria ainda cita parte do manifesto

da entidade: “talvez a maioria dos calouros possa pagar NCr$100,00 sem maiores

sacrifícios. Ainda mais que se afirma que o dinheiro todo vai para ajudar os calouros

mais pobres, na forma de bolsas de estudo. Mas é preciso enxergar um pouco mais

além. Em primeiro lugar, enquanto se pretende destinar essa importância para bolsas

para calouros, foram cortadas as verbas que davam bolsas para estudantes de todos

os anos. A demagogia é evidente(...). A intenção, como se verifica, é cobrar o preço

real do ensino, começando com pequenas medidas, tentando evitar que os

52

estudantes se levantes como evidentemente fariam, se tal medida fosse aplicada

integralmente, de uma só vez”72.

A organização desta posição expressa pelo Diretório, de solicitar em massa

a isenção, vinha sendo construída a partir do anuncio, no final de 1967, da medida

pelo Reitor Flávio Suplicy de Lacerda. Os universitários haviam construído uma forte

relação com os estudantes secundaristas, inclusive com campanhas conjuntas na

frente de escolas. Desta maneira, quando chegaram os novos calouros, já havia se

constituído contatos com diversos jovens para debater e organizar a posição da

entidade.

A resposta da Reitoria chega já no dia 12 de março com uma declaração de

Suplicy, que tentava ameaçar os estudantes ingressos dizendo que “Só fica nas

faculdades quem paga”, e completa: “Não vamos mudar a política que estamos

adotando com relação a cobrança de anuidades. Ou o estudantes paga ou terá a sua

matrícula cancelada imediatamente. Não admitiremos que os diretórios acadêmicos

venham descartar as decisões tomadas pelo Conselho Universitário. Só não vai pagar

quem provar que é pobre e não pode dispor de dinheiro73”. Naquela mesma data, o

Reitor trazia a notícia que as verbas para a Universidade Federal do Paraná teriam

um corte de 30% naquele ano, apresentando como única alternativa à crise financeira

a “ajuda” daqueles que podem pagar.

A tática do DCE havia dado certo. Um número expressivo de calouros havia

solicitado a isenção e a adesão dos diretórios acadêmicos era integral, o que fica

evidenciado na fala da estudante e dirigente estudantil Elizabeth Franco Fontes: “o

fato de todos terem requerido isenção pode não convencer o senhor Suplicy de mudar

sua política, mas prova que estamos unidos contra a forma camuflada de

72 Jornal o Estado do Paraná, 02/03/1968, nº 5007, p. 08 73 Jornal o Estado do Paraná, 12/03/1968, nº 5015, p. 06

53

prepotência”74. A Reitoria aprova, então, uma comissão para investigar as solicitações

de inscrição, que havia sido requerida por mais de 80% dos alunos, com prazo até o

dia 30 de abril para concluir os trabalhos e definir que teria direito a isenção.

Enquanto isso, os estudantes apostavam na mobilização para derrubar a

medida. Dia 31 de março, no dia da comemoração dos 4 anos da ditadura, os

estudantes em todo Brasil saíram às ruas em decorrência ao assassinato pela polícia

do estudante carioca. Em Curitiba uma passeata que segundo os jornais locais reuniu

cerca de mil estudantes, impulsionou as ações programadas pelo calendário nacional.

Saíram às ruas “portando uma faixa com a inscrição Edson Luiz Santos, herói da luta

contra a política educacional do Governo, (...), e uma longa faixa negra significando o

luto pelo falecimento do jovem, os estudantes subiram a Rua XV de Novembro,

provocando engarrafamento e conseqüente desvio do trânsito. Liderada pela União

Paranaense dos Estudantes, Diretórios Centrais das Universidades Federal e Católica

do Paraná, a concentração na Praça Stos Andrade começou15 minutos antes da 11

horas. Quando eram passados 30 minutos já estavam presentes a maioria dos que

participaram da passeata, em número aproximadamente de mil(...) Inicialmente

cantaram o Hino Nacional Brasileiro e depois bradavam “Viva a Liberdade” e “Justiça”,

além de convocar os “abaixo à ditadura e às autoridades constitucionais”75. Houve

manifestação também na cerimônia de abertura dos II Jogos Universitários do Paraná,

no Colégio Estadual, onde, no desfile de atletas, vários estudantes portavam um

bracelete preto, em sinal de luto pelo assassinato de Edson Luiz Souto, e a multidão

fez um minuto de silêncio.

A força dos protestos nas principais capitais brasileiras dá o tom de unidade

nacional estudantil nas ações, elemento que havia sido interrompido com as ofensivas

74 Campanha contra anuidade é geral. Jornal o Estado do Paraná, 26/03/1968, nº 5027, p. 8a 75 Estudantes Programaram nova passeata para Hoje. Jornala Gazeta do Povo, 31/03/1968, nº 15026, p56-7s

54

à UNE e as iniciativas contra a organização coletiva dos estudantes na Universidades.

A mobilização curitibana desemboca em um movimento de greve de dois dias

em vários campi da Universidade Federal e da Católica, e a organização de uma nova

manifestação no dia 03 de abril. Os jornais tentavam atacar o movimento estudantil

alegando que não havia uma pauta clara de reivindicações nos protestos. A notícia da

mobilização no jornal O Estado do Paraná tem como título “A passeata foi bem calma,

mas protestou contra tudo”76, dizendo: “Os oradores atacaram tudo: política do

Governo Federal, fechamento do restaurante do DCE, falta de verbas, pagamento de

anuidades, supressão de bolsas de estudo, protestos contra política salarial”.

Na realidade, ao contrário de um sintoma de falta de orientação, o

movimento estudantil mostrava que seus dirigentes estavam cada vez mais

conscientes do processo político ao qual viviam naquele período. Seus quadros e

dirigentes, cada vez mais, se agrupavam nas correntes políticas e partidárias

ilegalizadas pelos militares, e, desta forma, atuavam no movimento estudantil

buscando ligar os problemas concretos da vida universitária à política mais geral

implementada pelos militares.

Ao mesmo tempo, a pauta de mobilização da grande maioria dos

estudantes nesse período torna-se cada vez mais clara: a luta contra o ensino pago.

Mais uma mobilização, no dia 16 de abril, leva centenas de jovens às ruas de Curitiba,

sendo o terceiro grande protesto no mês. Desta vez, a segunda problemática, o curso

de Engenharia noturno pago, é que toma o centro do cenário das disputas políticas.

O Diretório Acadêmico de Engenharia impulsiona, com amplo apoio das

demais entidades estudantis, inclusive o DCE, uma campanha contra a inscrição dos

76 A passeata foi bem calma, mas protestou contra tudo. Jornal o Estado do Paraná, 04/04/1968, nº 5035, p. 06.

55

jovens no vestibular do curso pago. Os estudantes argumentavam aos candidatos que

chegavam a faculdade de Engenharia, onde era realizada a inscrição, para que não

ingressassem no curso pago, e muitos saíam sem efetivar sua concorrência. Tal cena

foi reproduzida na matéria “Vestibular pago tem apenas 40 inscritos”, na qual relata a

cena: “Apenas 2 candidatos procuraram ontem a secretaria da escola de Engenharia

para fazer suas inscrições. Depois de conversar com os veteranos por cerca de 30

minutos, declaram que ‘não vamos entrar neste vestibular por uma questão de

solidariedade com os colegas mais pobres’. Acrescentaram que ‘não houve qualquer

coação dos veteranos’”77.

A reação da Reitoria para intimidar a ação dos estudantes, que um dia

antes do prazo final para fechamento das inscrições não havia conseguido o mínimo

de 140 concorrentes estipulado pelos conselhos superiores da Universidade para

iniciar o processo seletivo do curso, foi os convocar para depor junto à Polícia Federal.

O presidente do Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná é “convidado a

estabelecer diálogo em torno do problema suscitado pelo vestibular noturno pago na

polícia federal, onde compareceu acompanhado de um grupo de estudantes”78, diz a

matéria do O Estado do Paraná, publicada no dia 24 de abril.

A Reitoria consegue fechar o número mínimo de inscritos para o vestibular,

mesmo sem a divulgação dos nomes e dos números das mesmas para o público, e

marca a primeira prova para o dia 30 de abril. Os estudantes, então, partirão para a

ofensiva.

Segundo o jornal O Estado do Paraná do dia 01 de maio “cerca de 800

universitários da escola e de outras faculdades da UFP dirigiram ao centro politécnico

uma hora antes do exame reunindo-se no restaurante, dividiram-se em grupos para

77 Jornal o Estado do Paraná, 25/04/1968, nº 5052, p. 08 78 Federais dialogam sobre o ensino pago. Jornal o Estado do Paraná, 24/04/1968, nº 5051, p 08

56

evitar de qualquer maneira, a sua realização, ‘dentro de nossa oposição intransigente

ao ensino pago’, segundo declarou uma dirigente estudantil. Durante mais de 2 horas

os estudantes cercaram o pavilhão onde seria feito o exame a espera dos professores

e candidatos. Quando o senhor Leitner, acompanhado por 12 professores da banca

examinadora, se dirigiu ao pavilhão, foi vaiado pela multidão, que cantou em seguida

o Hino nacional enquanto os professores se retiravam para se reunir em local

próximo, dentro da escola”79. A matéria ainda relata a posição dos estudantes, que

declaram: “depois de esgotas as vias legais como o boicote pacífico contra as

inscrições, e levando em conta que o diretor da escola utilizou de meios totalmente

irregulares para arrebanhar inscrições, decidimos evitar de qualquer maneira o

exame. Com este curso, estarão abertas as portas para a instalação do ensino pago –

A NCr$ 1300,00 ao ano – em toda a Universidade Federal do Paraná”80. As

declarações do Diretor da faculdade de Engenharia, Ralph Leitner, confirmavam a

afirmação dos estudantes, quando dia que “o ensino não pode ser gratuito”81, e

animava ainda mais as mobilizações.

A suspensão do vestibular representou a primeira vitória estudantil,

obrigando a Reitoria remarcar a data da prova para o dia 12 daquele mês. Os

estudantes ganham tempo e voltam novamente os olhos ao problema das anuidades.

Os dirigentes do movimento estudantil organizam os calouros para coordenarem o

boicote às taxas, envolvendo mais de 1500 jovens (com uma parcela grande de

veteranos) em grupos de trabalho, para desempenhar a função de amplo

convencimento dos demais calouros e para mobilizar para o enfrentamento com a

Administração da Universidade.

79 Crise faz engenharia suspender vestibular. Jornal o Estado do Paraná, 01/05/1968, nº 5057, p. 08 80 Crise faz engenharia suspender vestibular. Jornal o Estado do Paraná, 01/05/1968, nº 5057, p. 08 81 Crise faz engenharia suspender vestibular. Jornal o Estado do Paraná, 01/05/1968, nº 5057, p. 08

57

O Reitor Flavio Suplicy de Lacerda ameaça os calouros, dizendo nos jornais

que quem não pagasse a anuidade até o dia 15 daquele mês iria perder a matrícula.

Há então um momento de grande tensão na luta travada na Universidade Federal do

Paraná, com uma radicalização da posição da Reitoria frente a ação do movimento

estudantil. A comissão responsável por averiguar as solicitações de isenção chegara a

conclusão que “do total de 1733 calouros, apenas 229(...) poderão receber isenção do

pagamento da anuidade”82.

No dia 12, sábado, no segundo intento de realização do vestibular do

curso de Engenharia noturno, o policiamento foi mais intenso, impedindo qualquer

resistência estudantil a realização do primeiro dia de prova. Na noite daquele sábado,

aconteceria o baile organizado pelos estudantes de Engenharia. Estava programado

que na saída da festa, na madrugada de Domingo, os estudantes se reuniriam e se

dirigiriam ao Centro Politécnico, para furar o bloqueio policial que protegia o campus

onde estava sendo realizado o vestibular. Houve um enfrentamento com a polícia com

os policiais, que montados a cavalos e com seus sabres, combatiam os estudantes

com suas pedras, estilingues e rojões. Foram levados 59 presos e 10 ficaram feridos.

Uma entrevista ao jornal Folha de Londrina, 20 anos depois, um dos

então estudantes participantes do enfrentamento com os policiais no centro

politécnico, José Ferreira Lopes, que cursava medicina, relata como se deu aquele

processo: “quando chegamos no Centro Politécnico, ele estava tomado pela

repressão. Tada vez que nos aproximávamos, os policiais vinham por cima, a cavalo.

Eu estava na frente de uma casa que ficava no alto de uma escadaria. Ela dava para

uma rua que ia ao Centro Politécnico. Desci com uma turma e fomos adiante. Veio a

cavalaria e os estudantes caíram. Si despontou um soldado, parei, mirei e fiquei

82 Nova faceta na UFP por Causa das Anuidades. Jornal o Diário Popular, 11/05/1968, nº 3846, p. 06

58

esperando. Quando ele chegou bem perto, dei a estilingada(...) e fui me esconder na

casa do alto do barranco. A família me deu guarida”83.

Outro personagem dessa história, que ficou marcado pela sua foto

enfrentando um policial no episódio da ocupação do Centro Politécnico, tirada pelo

jornalista Edison Janssen, foi o José Ferreira Lopes Neto, o Zequinha, que, em

depoimento no ano de1990, lembrava: “quando nós tomamos o Centro Politécnico, eu

lembro que nós saímos enfiados na caminhonete e o povo da rua ajudando, nós

pensávamos assim: olha, eu acho que vai acontecer a Revolução daqui há uma

semana, duas semanas. Nós tomamos esse poder, pegamos tudo isso”84

O fato do centro politécnico generaliza as manifestações pelas faculdades

da UFP. Uma greve geral, que envolve 6000 acadêmicos que paralisam suas

atividades, é deflagrada na segunda, dia 13, para exigir que os 59 estudantes fossem

libertados e contra o curso de engenharia pago. Durante todo o dia continuava a

campanha pelo boicote nas anuidades e, no final daquela tarde, os estudantes presos

seriam libertados.

O movimento decidiu então organizar uma manifestação para pôr fim ao

curso pago e às anuidades. Reunidos no Diretório Acadêmico Nilo Cairo (DANC), do

curso de medicina, como demonstra uma entrevista com um dos dirigentes do

período, Mauro Goulart, o comando, que reunia representantes de curso, escolas,

diretórios e correntes políticas, “optou e decidiu pela Tomada da Reitoria”. Segundo

ele, “nós achávamos o seguinte: tem que estar definitivamente no meio da massa, não

pode se excluir, se isolar, se marginalizar. E ir para o Centro Politécnico (...) é algo

periférico para Curitiba”85.

83 Jornal Folha de Londrina, 29/05/1988 apud BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. p. 122 84 BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. p. 192 85 BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. p. 124

59

O DCE convoca, então, para às 7 horas do dia 14 uma concentração na

Praça Stos Andrade. O número de estudantes presentes naquele momento não pode

ser muito preciso, variando, de acordo com as fontes, entre os 2 a 10 mil. O primeiro

dado informado pela imprensa oficial e o segundo pela estudantil. Todo discurso

público dos oradores chamava a ocupação do Centro Politécnico, o que fez todo o

efetivo da polícia se deslocar para proteger aquele local.

Secundo Bonacordi, os estudantes teriam uma senha para anunciar o

momento da ocupação do prédio da Reitoria, há poucas quadras da praça onde se

concentravam os estudantes. Ao ouvirem o grito de um dos dirigentes: “vocês sabem

o que fazer”86, as lideranças dos cursos iriam conduzir todos ao objetivo previamente

traçado na reunião do dia anterior. Foi então iniciada a marcha da manifestação pelo

percurso que, passando pelo prédio da Reitoria, supostamente levaria o ato até o

Centro Politécnico.

Um grupo de 100 estudantes já havia ocupado, momentos antes da

chegada da manifestação, o prédio da Reitoria, desligando os telefones e retirando os

funcionários que estavam no interior do edifício. O jornal O Estado do Paraná

reproduz o momento: “Um ‘grupo de assalto’ composto por 100 estudantes ocupou

ontem – de surpresa – a sede da Reitoria, por volta das 8 horas, invadindo o edifício e

detendo, em uma sala, os funcionários e professores presentes. Logo em seguida,

cerca de 2000 estudantes concentrados na Praça Stos Andrade dirigiram-se para o

mesmo local, isolando o quarteirão com Barricadas de paralelepípedos. O movimento

dos estudantes era esperado no centro Politécnico, onde estavam aguardando

centenas de homens da Polícia Militar do estado, a pedido do diretor da Escola, Sr.

Ralpgh Georg Leitner. O ataque dos estudantes, uma reprise do domingo último, foi

86 BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. p. 125

60

decidido em assembléia realizada em cada um da maioria dos diretórios

acadêmicos”87.

Somente às 9 horas começaram “a chegar os primeiros contingentes da

Policia Militar, transferidos do Centro politécnico, onde era aguardado em “ataque” na

manhã de ontem. A PM cercou a quadra(...) tendo a frente a Companhia de

Operações Especiais(COE) , a pé, com máscaras e bombas de gás lacrimogêneo,

que não chegaram a usar. Atrás dos homens da COE vinha a infantaria da PM, com

cassetete em punho. Depois chegaram reforços e veio também um carro tanque do

corpo de bombeiros, preparado para repelir os estudantes a jato d`água”88

Mas, os estudantes haviam constituído uma organizada proteção ao redor

da quadra do prédio da Reitoria, envolvendo todo perímetro da Faculdade de Filosofia

e de Ciências Econômicas. Teresa Urban relata que “no centro da cidade os

estudantes (...) destroem paralelepípedos das ruas e do quarteirão da Reitoria,

levantam barricadas e fecham aquele quarteirão. Aquele quarteirão se tornou nosso e

ninguém chegava(...) E de fato a polícia não tinha como chegar ali, a não ser com um

massacre. Essas barricadas tinham carros virados, fechando todas as ruas. As

meninas da CEUC tinham o controle das ruas laterais, então tinha centenas de sacos

plásticos cheios de água e que se jogasse lá de cima era uma verdadeira bomba. E

com isso elas evitaram a movimentação dos soldados daquele lado de lá, e dos outros

lados também. Uma capacidade de se organizar, de negociar, de fechar a questão

que foi espantosa. O pessoal realmente tomou a Reitoria”89.

Com o cerco fechado, enquanto ambos os lados se organizavam para uma

batalha, uma comissão de estudantes foi negociar com os representantes do Estado e

da Reitoria que estavam acompanhando os acontecimentos. Os representantes do

87 Reitoria Foi Ocupada por três horas. Jornal O Estado do Paraná, 15/05/1968, nº 5068, p. 08 88 Reitoria Foi Ocupada por três horas. Jornal O Estado do Paraná, 15/05/1968, nº 5068, p. 08 89 Entrevista com Teresa Urban em BONACORDI, S. Op. Cit., 1989.

61

movimento apresentaram duas reivindicações, acabar com o ensino pago

(representado pelo curso de Engenharia noturno e pelas anuidades) e não haver

qualquer represália policial.

No interior das barricadas, os estudantes discursavam “a quase meio metro

do batalhão da polícia”, como nos conta Mauro Goulart. Ele ainda dia que “o discurso

era (...) que estávamos defendendo o direito de algum dia o filho de algum policial vir

a estudar numa universidade. Era contra o ensino pago. No momento em que se

instituísse o ensino pago, hoje o filho do policial, que estava distante da escola, ficaria

mais ainda. E era uma coisa impressionante, porque olhávamos para os policiais e

víamos que eles também estavam com medo”90.

Uma outra ação dos estudantes que sintetizava o conteúdo daquela

manifestação foi a derrubada do Busto de Suplicy de Lacerda. O Estado do Paraná

remonta o episódio: “O busto do Sr. Suplicy de Lacerda, instalado ao lado do auditório

da Reitoria, foi arrancado por um grupo de estudantes em fúria com o auxílio de

cordas, pés de cabra, alavancas de madeira, até tombar sobre a grama, onde sofreu

ainda várias deformações na boca, nariz foi cerrado e cabelos”91.

No relato de Divosnir Lopes fica evidente o ânimo dos estudantes naquele

ato: “derrubamos o busto do Suplicy, pegamos uma corda, amarramos no pescoço

dele e saímos na quadra arrastando. Peguei um pedaço de ferro e bati na cabeça do

busto para ver o que tinha e era oca”92.

E Vitório Sorotiuck explicita o conteúdo político daquela ação: “A derrubada

do busto significou outra tomada da reitoria em si. Porque o Suplicy foi Ministro da

educação em nível federal. Foi o Ministro que tinha voltado como Reitor introduzindo o

ensino pago e foi o ministro que tentou garrotear o ME através das suas entidades.

90 Entrevista com Mauro Goulart em BONACORDI, S. Op. Cit., 1989. 91 Reitoria Foi Ocupada por três horas. Jornal O Estado do Paraná, 15/05/1968, nº 5068, p. 08 92 Entrevista com Divosnir Lopes em BONACORDI, S. Op. Cit., 1989.

62

Então o fato de derrubar aquele busto, de ter sido carregado pelos estudantes no

meio da rua e aparecer na imprensa nacional, aquilo foi um símbolo muito poderoso

do ME. A tomada da Reitoria e a derrubada do busto teve um efeito nacional muito

grande”93.

Depois de três horas de tensão no episódio da tomada da Reitoria, chega à

voz do estudante Kencho Yamada, membro da comissão de negociação, a notícia:

“Vencemos! Vencemos!”. A imprensa relata que “imediatamente a massa começou a

soltar foguetes – guardados para derrubar a cavalaria da PM – numa explosão de

alegria”

Os resultados são apresentadas no jornal O Estado do Paraná do dia

seguinte: “Decidiu-se que o vestibular noturno pago de Engenharia – semente da crise

– seria realizado, mas os alunos que tiveram aprovação não farão suas matrículas

enquanto o Governo Federal não se decidir a suspender a cobrança dos NCr$1300,00

anuais”. Realmente a manifestação dos estudantes seria uma vitória.

Mas o problema das anuidades não estava ainda resolvido, e mesmo a

garantia da gratuidade do curso de Engenharia noturno estava determinado pela

manutenção da pressão sobre a Reitoria, que havia afirmado nos meses anteriores

que a cobrança estava certa e não estava mais em discussão. A matricula dos novos

calouros daquele curso foram marcadas para o dia 29 de abril.

O Reitor Flavio Suplicy envia um oficio à diretoria do DCE já no dia seguinte

a manifestação, último prazo determinado pela administração para o pagamento das

taxas, que fazia uma proposta: “Serão abolidas as bolsas de estudos uma vez que a

Reitoria não tem recursos para tais atendimentos; como a questão posta pelos

estudantes é não pagar, o DCE levará ao Conselho a decisão de aceitar ou não a

sugestão da reitoria com um sim ou um não, para a apreciação e decisão do

93 Entrevista com Vitório Sorotiuk em BONACORDI, S. Op. Cit., 1989.

63

Conselho; o DCE assumirá inteira responsabilidade à vista das conseqüências que

puderem advir”94.

Os estudantes foram chamados pelo Reitor a dar uma resposta até o

Conselho Universitário que iria decidir sobre o assunto, no dia 21. O DCE convoca

então no dia 18 uma assembléia para que os estudantes analisassem a proposta,

decidindo por recusá-la, declarando: “somos contrários ao ensino pago, tanto para os

calouros de 1968, como para qualquer curso especial – diurno ou noturno(...) A

proposta da reitoria é capciosa, pois quando oferece a suspensão das anuidades para

os calouros, esquece o pagamento de NCr$1200,00 no curso noturno de

Engenharia”95. O Presidente da UPE, Stênio Sales Jacob, ainda alerta a Reitoria que

“na medida em que as contradições geradas pela política educacional do Governo

começaram a atingir a Universidade do Paraná, os estudantes passaram a tomar

atitudes que se vinculam às tomadas pelos estudantes de todo Brasil”96. A campanha

do DCE de boicote a anuidade continua a envolver a maioria dos calouros.

Os Deputados Estaduais paranaenses se envolvem na polêmica da

Universidade, censurando as declarações do Reitor a imprensa, chamando os

estudantes de “bandidos e selvagens”. Os jornais noticiaram no dia 17de abril:

“Assembléia: Censura a Suplicy e Apoio a Munhoz”97, “Deputados Violentos Contra

Reitor”98 e até mesmo “Deputados Pedem Exame de sanidade do Reitor”99.

Esse conjunto de fatores marcam a vitória estudantil contra o ensino pago

no Conselho Universitário no dia 24 de abril. Apesar de numericamente minoritários

em todas as propostas contra as anuidades e ao curso pago durante todo o período

militar, a proposta apresentada pelo Vice-Reitor, Brasil Pinheiro Machado, que

94 Sem anuidade não haverá bolsas. Jornal Diário Popular, 16/05/1968, n 3850, p. 01-02c 95 DCE Recusa proposta da reitoria. Jornal Diário Popular, 19/05/1968, nº 3853, p. 09 96 DCE Recusa proposta da reitoria. Jornal Diário Popular, 19/05/1968, nº 3853, p. 09 97 Jornal Diário Popular, 17/05/1968, nº 3851, p. 03 98 Jornal O Estado do Paraná, 17/05/1968, nº 5070, p. 01 99 Jornal O Estado do Paraná, 17/05/1968, nº 5070, p. 08

64

revogava a portaria 4382, de 31/10/1967, e tornava gratuito o curso noturno de

Engenharia foi aprovada. A Reitoria aprovou no Conselho o fim das bolsas por

empréstimos, uma das modalidades de financiamento estudantil, no intuito de

minimizar a derrota que havia sofrido naquele momento, além de recolocar o busto de

Suplicy novamente do local arrancado pelos estudantes.

O estudante Kencho Yamada declara ao jornal Diário Popular, logo após o

Conselho: “Finalmente, hoje respiramos tranqüilos e concluímos que o desfecho da

crise estudantil teve seu resultado positivo, principalmente por abrir aquele diálogo

com os professores, que sempre procuramos conseguir. A vitória não é somente de

um Centro acadêmico. É a vitória de todos os universitários”100

A vitória no combate ao ensino pago alimentou a organização estudantil no

Paraná. Os dirigentes do movimento da Universidade Federal tornaram-se referência

na cidade de Curitiba e passam a recolocar Curitiba no cenário nacional. No mês de

outubro, o Paraná levou mais de 60 estudantes ao Congresso em Ibiúna, tendo sido

49 presos, além de contribuir financeiramente para a realização do mesmo.

Os estudantes do Paraná ficam presos durante 5 dias, e voltam para

organizar as manifestações marcadas para o dia 19, pela liberdade das lideranças

nacionais da UNE. A manifestação radicaliza o enfrentamento com a polícia. O

movimento estudantil do Paraná assume como as bandeiras de frente de suas

marchas o combate a ditadura e o combate ao imperialismo, conforme as resoluções

do movimento estudantil nacional. Nacionaliza também as grandes polêmicas do final

de 1968, principalmente a questão da guerrilha urbana e camponesa.

A chapa encabeçada por Vitório Sorotiuck vence as eleições do DCE da

UFP. No entanto, o presidente tem que assumir na cadeia. Isso porque, na realização

da etapa Estadual do Congresso da UNE, que aconteceria conforme havia sido

100 Caem Anuidades e Bolsas de Estudo. Jornal Diário Popular, 21/05/1968, nº 3854, p. 01

65

decidido pelas direções das organizações políticas nacionais do movimento após o

fracasso de Ibiúna, foi convocado pela direção da UPE o evento para a Chácara do

Alemão, longe da cidade, reproduzindo a tendência militarista que predominava nos

grandes centros. A mesma tática, levou ao mesmo fim: as lideranças foram presas,

entre eles Vitório.

Com as lideranças presas e com o movimento estudantil impactado com o

recrudescimento da ditadura com o AI-5, o refluxo, que é nacional, leva a ação

estudantil em Curitiba à marginalidade.

66

Capítulo 5. Considerações finais

Compreendermos a dialética do processo histórico vivido pela juventude, a

partir da sua prática política diante o Estado autoritário, no período de 1964 a 1968, é

fator fundamental para explicarmos o processo que levou milhares de estudantes às

ruas, principalmente no último desses anos, contra a ditadura instaurada pelos

militares no Brasil.

Como entender, diante das relações instituídas no interior da sociedade

brasileira no pós-golpe de 64, com a militarização da vida política e social, a

organização dos estudantes universitários, tomando em conta que a repressão

buscou desmantelar as estruturas tradicionais de agremiação dessa juventude já nos

primeiros meses no poder do Estado?

Essa pesquisa procurou desvendar essas relações, a partir da análise da

prática do movimento estudantil, desde suas táticas de organização da luta até as

ações de rua, muitas vezes massivas.

No entanto, em que pese às diferenças entre as pesquisas visitadas para

feitura desse trabalho, há um fator preponderante que as unificam, que é estarem

restritas a análise do movimento estudantil do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo

Horizonte e Brasília. Desta forma, buscamos fazer um paralelo entre esse movimento

dito “nacional” e o caso específico da cidade de Curitiba.

E nesse percurso encontramos similaridades e aproximações,

principalmente nos anos de 1966 a 1968, no qual os estudantes de Curitiba, como um

todo, seguiam uma orientação da UNE, seja em seu calendário ou nas suas palavras

de ordem. Pudemos observar também que, mesmo nos primeiros anos da ditadura, o

fato do ensino superior ser nacional, as problemáticas gerais encontram ressonância

no particular. Desde a falta de verbas para os Restaurantes Universitários, o problema

67

dos excedentes e os cortes no orçamento para manter as instituições públicas pelo

Estado são temáticas que pautam a ação estudantil nas diferentes partes do país,

assim como a solidariedade entre os estudantes cariocas, mineiros, paulistas,

paranaenses contra a repressão policial-militar. Essas similaridades nos permitem

falar em movimento estudantil nacional, e até mesmo em União nacional dos

Estudantes, quando o governo havia decretado a dispersão do primeiro e o fim

(inclusive físico) do último.

No estudo da realidade curitibana esbarramos no problema de escassez

bibliográfica sobre o tema e no pouco interesse do objeto nos diferentes trabalhos

sobre o período pelos pesquisadores da História contemporânea. Assim, com uma

preocupação essencial em explorar os jornais e periódicos, procuramos elementos

que pudessem responder a problemática dessa pesquisa. Foram utilizados a Gazeta

do Povo, o Estado do Paraná e Diário Popular.

Agregada a questão central do trabalho, o recorte cronológico dessa

pesquisa demonstra uma necessidade de compreendermos as origens do levante

estudantil do ano de 1968, que em todo mundo contou com um protagonismo da

juventude, seja nos embates contra DeGaulle no maio francês, no combate ao

stalinismo na primavera de Praga, ou no Brasil, na luta estudantil contra a ditadura

militar, que contou com importantes episódios na cidade de Curitiba. No início da

pesquisa, tínhamos como hipótese que essas origens deveriam ser procuradas nos

anos que antecederam aqueles acontecimentos, o que nos “obrigou” a termos uma

visão mais abrangente da complexidade desse processo histórico. Em grande parte

isso foi comprovado pelos fatos. Digo isso porque há motivações muito fortes no ano

de 1968, que acenderam uma chama no meio estudantil, em especial pela ameaça

concreta do curso pago na Universidade Federal do Paraná.

68

Contudo, é inegável, a partir dos processos discutidos nesse trabalho, que

houve um profunda elaboração e teorização das experiências vividas pelos

estudantes, que constituíram novas direções e adotaram pautas próprias de

mobilização. Assim, o movimento estudantil de 1964 a 1968 vivencia uma realidade,

principalmente na relação de conflito com as instituições “Estado” e “Universidade”,

que irá, a partir da elaboração dessas experiências, formar uma nova consciência,

mudando assim a configuração de sua própria organização e jogando um papel

preponderante no processo de construção das ações estudantis daquele ano de 1968.

69

6. Referências Bibliográficas

01 - ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1977.

02 - ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Ed. Vozes, 1984.

03 - BONACORDI, Simone. Movimento Estudantil universitário em Curitiba (1967-1968), Monografia: Dep. Ciências Sociais, Curitiba, UFPR, 1992.

04 - REIS FILHO, Daniel Aarão(org). Imagens da Revolução. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985.

05 - COIMBRA, Marcos Antônio. Estudantes e Ideologia no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Achiamé, 1981.

06 - DE BRITO, Sulamita. A Crise entre Estudantes e Governo no Brasil. Revista Paz e Terra, Rio de janeiro, v. 03, s/d

07 - DIAS, Reginaldo. O Movimento Estudantil na UEM e a Luta pela universidade pública democrática e gratuita in: SHEEN, Maria Rosemary(org). Recortes da História de uma Universidade Pública : O caso da Universidade Estadual de Maringá. Maringá, Eduem, 2001.

08 - FÁVERO, Maria de Lourdes. A UNE em Tempos de Autoritarismo. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1994.

09 - GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais. São Paulo, Ed. Loyola, 1997.

10 - HOLZMANN, Lorena & PADRÓS, Enrique Serra (org). 1968 : Contestação e Utopia. Porto Alegre, Ed. UFRGS, 2003.

11 - HAGEMEYER, Rafael. 1968 : ano da derrubada do ensino pago no Paraná. In MARTINS FILHO, João Roberto.(org) 1968 faz 30 anos. São Carlos, Ed. UFSCAR, 1998.

12 - MAGALHÃES, Marion Brepohl de. Paraná : Política e Governo. Coleção História do Paraná, Curitiba, SEED, 2001.

13 - MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento Estudantil e Ditadura Militar (1964 – 1968). Campinas, Ed. Papirus, 1987.

14 - MARTINS FILHO, João Roberto. A Rebelião Estudantil. 1968 : México, França e Brasil. Campinas, Ed. Mercado das Letras, 1996.

15 - MARTINS FILHO, João Roberto.(org) 1968 faz 30 anos. São Carlos, Ed. UFSCAR, 1998.

16 - NAPOLITANO, Marcos. Cultura e Poder no Brasil Contemporâneo. Curitiba, Ed. Juruá, 2002.

17 - PELEGRINI, Sandra. A UNE nos Anos 60 : Utopias e Práticas Políticas no Brasil. Londrina, Eduel, 1998.

70

18 - POENER, Artur José. O Poder Jovem : História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1979.

19 - SOBRINHO, José Dias. Universidade e Classes Médias: aspectos da realidade brasileira. In: Revista Educação e Sociedade, Ed. Cortez, CEDES, Ano I, nº 4, setembro, 1979.

20 - THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1981

21 - THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa.v. III. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1987.

22 - VALLE, Maria Ribeiro do. 1968 : O diálogo é a Violência. Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil. Campinas, Edunicamp, 1999.

23 - COGGIOLA, O. Governos Militares na América Latina. São Paulo, Ed

Contexto, 2001

24 -SILVA, Justina A. Iva da. Estudantes e Política: Estudo de um Movimento (RN

1960-1969), São Paulo, Cortez, 1989

25 - SIRKIS, A. Os Carbonários. São Paulo, Ed Global, 1983

7. Fontes

1 - Jornais: Diário popular, Gazeta do Povo e O Estado do Paraná. De janeiro de 1964 a dezembro de 1968.

2 - Entrevistas realizadas por BONACORDI, S., com dirigentes do movimento estudantil no ano de 1968:

a) Teresa Urban, entrevistado em 28/04/1990

b) Vitório Sorotiuk, entrevistado em 18/05/1990

c)José Ferreira Lopes Neto (Zéquinha), entrevistado em 20/06/1990

d) Mauro Goulart, entrevistado em 29/06/1990.

e) Divosnir Lopes, entrevistado em 02/05/1990.

3 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Legislação Estudantil. Departamento de Assistência ao Estudante, 1980.

4 - Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Caracterização sócio-econômica do estudante universitário. Rio de Janeiro, MEC, 1968