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ANICEIA MARIA IELEN
INTERTEXTUALIDADE: AS DIVERSAS VOZES EXISTENTES NAS
COMPOSICOES DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA
Trabalho de Conclusao de Curso apresentadoao curso de Letras da Faculdade de CitmciasHumanas, Letras e Artes da UniversidadeTuiuti do Parana, como requisite parcial para aobtenr;:llo do grau de Licenciatura em Letras -Portugu~s Ingl~s.
Orientadora: Prof! Ms. Oich!!ja Schaffel.
CURITIBA
2011
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SUMARIO
INTRODU<;Ao ...
1. FUNDAMENTA<;AO TEDRICA ..
1.1 CITA<;AO .
1.2ALUsAo .
1.3 ESTILlZA<;Ao ..
1.4 EPiGRAFE .
1.5 PAR6DIA .
1.6 PARAFRASE .....
1.7INTERTEXTUALIDADE ...
2. 0 COMPOSITOR, SUAS ORIGENS E INFLUENCIAS ..
2.1 AS COMPOSI<;OES E SUAS VOZES .....
2.1.1 Calice ...
2.1.2 Flor da Idade ...
2.1.3 Doze Anos ....
2.1.4 Ate 0 Fim ..
2.1.5 Bom Conselho ...
3. CONSIDERA<;OES FINAlS ...
REFERENCIAS .....
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RESUMO
Este trabalho analisa a ocorrencia de Intertextualidade em cinco poemasmusicados, compostos par Chico Buarque de Holanda no decorrer dos anos 70,sendo que alguns foram desenvolvidos em parceria com DutroS compositores. Ametodologia usada e com base em pesquisa bibliografrca e tern coma abjetiva,apresentar as diversas vozes que falam nos textos de Buarque. Sob a enfoque dateoria de palifania e dialogismo, desenvalvida pelo russa Mikhail Bakthin e deseritapar Fiorin (1994), e no conceito de intertextualidade apresentado nos anos 60 pelate6rica francesa Julia Kristeva (1974). 0 estuda abarda de que maneira aearremessas rela96es de inter-textes e com quais textos da literatura as dialogos saoestabelecidas. 0 trabalho esta dividida em tres partes principais, sendo que naprimeira estao cantidos as aspectos teoricos, na segunda as analises das can-r5es esuas respectivas rela~5ese na terceira as considerayoes finais. A analise dascomposiyoes evidenclam a presenya de variades textos da literatura na elaborayaodas musicas, bern como a infiuencia do contexto hist6rico nestas composiyoes. Aanalise tambem revela que a intertextualidade oearre em certos casas de formaexplicita e em Qutrosde maneira implicitas au velada.
Palavras-chave: Intertextualidade; musicas; Julia Kristeva; Chica Buarque deHolanda;
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INTRODUC;Ao
Este trabalho, que tern como titulo "Intertextualidade: As diversas vozes
existentes nas composiyoes de Chico Buarque de Holanda", busca estabelecer
o dialogo entre as composi90es do autor Chico Buarque de Holanda e variadas
obras da literatura brasileira. Busca tambem desenvolver uma analise
interpretativa e contexlualizada de algumas composiyoes do poeta e musico
brasileiro.
Tendo em vista a extensa produ<;ao do compositor e a sua contribuiyao
para a formay8:o da musica popular brasileira, pretende-S8 tambem, com 0
desenvolvimento desta pesquis8, ampliar 0 conteudo de tentes a respeito da
intertextualidade em suas musicas, sendo que essa amilise sera pautada no
momento hist6rico, social e politico em que as poem as foram compostos.
A pesquisa sera desenvolvida sob a perspectiva do conceito de
intertexlualidade estabelecido pela teorica Julia Kristeva (1974), que afirma que
a escrita dissemina textos anteriores em um novo texto, e que a
intertextualidade pode ocorrer em varios niveis, desde uma alusao, que e a
forma mais leve, a men~ao, que e onde urn texto acaba servindo como
componente para outro, a estilizac;ao que ocorre quando urn autor escreve ao
estilo de outro, a epigrafe, a par6dia que e a escrita de urn novo texto que tern
como base outro ja escrito anteriormente, porem a novo e acrescido de ironia e
humor, a parafrase e a citac;ao que e a forma mais explfcita.
No que se refere ao objetivo geral, este trabalho almeja estabelecer as
relayoes intertextuais entre as composiyoes selecionadas e 0 folclore, a Biblia,
poesias e proverbios populares. Em relal'80 aos objetivos especificos, busca-
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S8 constatar as possiveis lnterpretac;oes de urna composic;ao musical, bern
como identificar nelas elementos que reflitam 0 momenta politico vivid a no
Brasil no periodo em que foram compostas.
A metodologia utilizada foi realizada por meio de leituras e pesquisa
bibliografica com conceitos e teoricos que servirao como base para as
definic;oes e analises desenvolvidas.
o embasamento te6rico que servira como elemento fundamental para a
consecugao do trabalho e expresso no segundo capitulo, e foi pautado nos
conceitos apresentados e desenvolvidos pela te6rica francesa Julia Kristeva,
criadora da teoria denominada intertextualidade. As analises tambem sao
constituidas de conceitos discutidos pelos autores Jose Luiz Fiorin (1994) e
Diana Luz de Barros (1994) no livro Dia/ogismo, Po/ifonia e /nterlextua/idade,
publicado em 1994. Neste livro, os autores exploram as teorias descritas pelo
autor russo Mikhail Bakhtin. E tambem servin. como base a perspectiva dos
autores Graga Paulino e Maria Zilda Cury, bern como suas explanac;6es a
respeito dos tipos de intertextualidades, apresentadas no livro
/nlerlexlualidades: leona e pralica (1997).
Todo 0 corpus analisado com exemplos das relagoes intertextuais
estabelecidas entre as composic;oes de Chico Buarque com diversas textas da
literatura, assim como a execuC;8o dos abjetivos inicialmente propostos e dados
biogr;!lficos do poeta relevantes para a pesquisa, est'; contido no terceiro
capitulo.
As considerac;oes finais ap6s a cansecuC;8o da pesquisa, e sugestoes de
novas estudos que podem ser realizadas sob a foco da intertextualidade em
cima da obra de Chico Buarque estao descritas no quarto capitulo.
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1 FUNDAMENTACAo TEORICA
Muitos sao as tipos de textos que estaa disponiveis para 0 estudo em
questao, sejam eles literarios, cientlficos, poeticos au informativQs, e tantos outros
passiveis de discuss6es. No casa especifico deste trabalho, as textos utilizados sao
varios: composi~6es musicais do poeta em parceria com Qutros autores seus
contemporaneos au nao, que S8 prestarao as analises e varies textes que
embasarao as conceitos utilizactos. E preciso, antes de iniciar a analise e a aplica~ao
das teorias pesquisadas, estabelecer 0 conceito de texto.
A definiyao rnais acessivel existente e talvez a mais consultada e a presente
nos diciamirios. No verbete presente no diciomirio Aurelio (2004), texta e definido
como "as proprias palavras dum autor au livfO. Palavras citadas para demonstrar
alguma coisa" (AURELIO, 2004, p.697). Ja no dicianario online Priberam, esta
incluso tam bern na definiyao "conjunto de palavras que citam em apoio de opiniao
au dautrina (PRIBERAM, 2011).
Para este trabalho, a defini,ao adotada e rna is ampla porque possui urn vies
mais cientffico, tendo em vista que se trata de um trabalho academico. Em seu livre
introduqiia a Semanaiise, a autora Julia Kristeva (1974) conceitua texta como:
o texto nao e um conjunto de enunciados gramaticais ou agramaticais; eaquilo que se deixa ler atraves da particularidade dessa conjunytio dediferentes estratos da significflncia presente na lingua, cuja mem6ria eledesperta: a hist6ria. (KRISTEVA, 1974, p.18)
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o conceito estabelecido na pagina anterior apresenta a ideia sob a qual e
considerado 0 texto, e S8 aplica diretamente ao modo como os mesmas seraa
abordados neste estudo.
Outra abordagem que servira como base para 0 desenvolvimento deste
trabalho e em rela,ao ao conceito de texto litera rio. E preciso compreender que
definir texto literario implica em algo mais amplo do que apenas usar textos de
romances ou textos necessariamente poeticos como exemplos. E a1go que engloba
elementos que compreendem desde a escolha das palavras para a composic;ao ate
a reay030 que a texto, como urn todD, desperta no leitor no momento da leitura. E que
para isse, e necessario S8 ter como base 0 conhecimento de mundo do leitor, pais
S8 seu conhecimento for restrito, as rea96es e inferemcias no momento da leltura
serao igualmente restritas.
Preen,a (2003), no livre A linguagem literaria tambem ressalta a importancia
do papel do leitor e seu repert6rio cultural para a desencadeamento das emoc;oes
propostas pelo texto. Pois para 0 autor essa gama de constru,oes, de textos,
discursas e suas intengoes explicitas ou nao, despertam constantemente interesse e
torna-se objeto de estudo. 0 autor nos apresenta uma definic;ao de texto litera rio
bastante singular, que se aplica de forma positiva para 0 desenvolvirnento das
analises que serea efetivamente desenvolvidas neste trabalho. Para ele 0 texto e:
urn objeto de linguagem ao qual se aSSDcia uma representa<;ao derealidades fisicas, sociais e emocionais midiatizadas pelas palavras dalingua na configuracao de urn objeto estetico. 0 texto repercute em n6s namedida em que revele emocOes profundas, coincidentes com as que emnos 5e abriguem como seres sociais. 0 artista da palavra, coparticipe danossa humanidade, incorpora elementos dessa dimensao que nos saoculturalmente comuns. Nosso entendimento do que nele se comunica passaa ser proporcional ao nosso repert6rio cultural, enquanto receptores eusuarios de um saber comum. (PROEN9A FILHO, 2003, p. 8)
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o auter refere-se ao escritor do texto como "0 artista da palavra", forma pela
qual tambem design amos as letrista5, tendo em vista que as anadises a serem
desenvolvidas terao como base composi90es musicais de urn artista da musica
popular brasileira ern especifico.
Norma Goldstein em seu livre Versos, sons e ritmos, (1988), apresenta outra
deliniyao de texto que, de certa lorma, complementa os conceitos apresentados
anteriormente neste trabalho. 0 loco da autora na explicayao e a escolha e
signific8C;:80 das palavras, aspectos que se integram e direcionam a analise que sera
desenvolvida no proximo capitulo. Para Goldstein (1988), a escolha e combinayao
das palavras em textes comuns e feita apenas pela significac;:ao, ja em textos
literarios esse processo de selec;:aodas palavras e feito na male ria das vezes tendo
tambem como criteria, a parentesco sonoro.
"nos textos comuns, n.::io literarios, 0 autor seleciona e combina as palavrasgeralmente pela sua significaryao.Na elaborayao do texto liter8rio, ocorreuma outra opera(fao, tao importante quanto a primeira: a sele(fao e acombinayao de palavras se fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Porisso se diz que 0 discurso literario e urn discurso especlfico, em que aseleyao e a combinay:ilo das palavras se fazem nao apenas pelasignifica(fao. mas tambem por outros criterios, um dos quais, 0 sonoro.Como resultado, 0 texto literario adquire certo grau de tens80 ouambigOidade, produzindo mais de urn sentido. Dar a plurissignificay80 dotexto literario. (GOLDSTEIN,19B8, p.S.)
Assim, como resultado dessa seleyao 0 discurso/texto literario adquire certo
grau de tensao ou ambiguidade, ou seja, produz rna is de urn sentido, 0 que seria a
plurissignificaC;8o do texto litera rio.
Posto isso, cabe ressaltar que os textos que servirao como base para 0
desenvolvimento das analises neste trabalho sao composiyoes musicais, mas sera
que esses textos se enquadram em uma categoria a parte em nossa literatura, ou
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naD passam de poesias e textos literarios que foram musicadas e acrescidas de uma
melodia?
Letras de musicas, assim como poesias, sao compostas por versos, a
disposi9aO das palavras, estrotes, retrao, rimas e as semelhan9as literarias vao al8m
destes elementos. Norma Goldstein (1988) em seu livro Analise do Poema utiliza um
trecho da mllsica "Aguas de mar90", de Tom Jobim, para analisar os verb os de a9aO
presentes no texto e 0 eteita que proporcionam no momenta da leitura, a que nos
fornece uma garantia de que uma bela composiyc3.omusical nada mais e do que uma
poesia e as vias de analise S8 equiparam.
E pau e pedraE 0 tim do caminhoE urn resto de tocoE urn paueo sozinhoE urn caco de vidroEavidaeosoJE a noite e a marteE urn la9Q e anzol(JOBIM apud GOLDSTEIN, 1966. p.31)
A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim e justiticada pelo uso do verba
de li9a9aO ser, no presente do indicativa, a que segundo Goldstein indica uma
permanencia, uma enumeraC;8o de elementos ligados a certa periodo da vida, a
infancia, que par mais que acabe, de certa forma permanece na lembranya das
pessoas ( por isso 0 usa do presente indicativo e e nM no preterito perfeito fo/).
Ao realizar a leitura de urn texto, constituido par elementos gerais
(gramaticais, semanticos, lexicais e pragmaticos) a passivel obter no minima duas
reayoes: uma hip6tese possivel a a de que nenhuma emoc;ao ou reay8.o seja
despertada no leitor, e a outra seria 0 contriuio. No momenta da leitura, uma sarie de
emoyoes, infer€mcias e possiveis interpretayoes ocorrem, pode ocorrer ainda que
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urn texto possa tambem despertar no leitor a sensac;;ao ou mesma certeza de que
aquila ja fora dito par outro alguem, em algumas vezes de uma maneira urn tanto
quanta diferente. E nesse momento que estas sensac;ao que sentimos vai nos
revelar as diversas vozes presentes em urn texto. E esse processo e definido como
intertextualidade.
o primeiro fatar importante para que esse reconhecimento ocorra e a
correla980 entre as textes aconte9a e a conhecimento de mundo do individuo que
laz a leitura. A respeito disso a te6rica Ines Lacerda Araujo (2004) cita, em seu livro
Do signa aD discurso, a austriaco fil6sofo da linguagem Wlttgenstein, 0 qual afirma
em seu mais importante livro, Tractatus Logico - Phifosophicus, que "os limites da
minha linguagem sao os limites do meu mundo" (WITIGENSTEIN apud ARAUJO,
2004, p.76). Isto revela que e preciso que 0 leitor seja conhecedor dos latos
enunciados, pois serta impassivel discutir com alguem a respeite do emedo de urn
filme sem que 85sa pessoa tenha assistido au ao men os lido algo a respeito do
mesma.
A doutora em Linguistica da Universidade de Sao Paulo, Diana Luz Pessoa
de Barros (1994), explicita em seu artigo "Dialogismo, Polilonia e Enunciayao", que
dialogisma para 0 te6rica sovietico Bakthin e:
a condi9~10 do sentido do discurso. Filosofia de vida, fundamenta9aO dapoHtica, concep98o de mundo, a dialogismo neste trabalho, restringe·se aosdomlnios da Iinguagem. Essa delimita9ao nao indica afastamento dasposi90es de Bakthin, pais a linguagem e 0 centro de suas investiga90es.Ignorar a natureza dos discursos e 0 mesmo, para 0 autor, que apagara aIiga9ao que existe entre a Iinguagem e a vida (BARROS,1994, p.2)
E entaa passive I inferir que, 0 dialogisma gera uma condiyao de sentido ao
texta, ao qual a autora se refere como discurso, e que necessaria mente 5e aplica
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quando ocorre na interac;:ao entre tres elementos: 0 enunciador, 0 leitor e a relac;ao
estabelecida entre as textos. Barros (1994) usa como termos eu (enunciador) e 0 tu
(Jeilor), no lexto, para explicar esta relac;ao de interac;:8.o entre as tres elementos.
o dialogo entre os textos e estabelecido como uma teia de vozes de outros
textos que polemizam e falam, como explicita Barros:
o dialogo e a condiyao da linguagem e do discurso, mas ha textospoHf6nicos e monofOnicos, segundo as estrategias discursivas acionadas.No primeiro casc, (... ] as vozes se mostram; no segundo (... ] etas se ocuJtamsob a aparllncia de uma (mica voz. Monofonia e polifonia de urn discursosao, dessa forma, efeitos de sentidos decorrentes de procedimentosdiscursivas que se utilizam em textas, par defini9aO, dialogos. Os textos saodial6gicos porque resultam do embate de muitas vozes sociais; podem. noem tanto, produzir efeitos de polifonia, quando essas vozes ou algumasdelas deixam·se escutar, au de monofonia, quando 0 dic~:logo e mascarado euma voz, apenas, faz~se ouvir. (BARROS,1994, p.6)
Ja 0 autor Jose Luiz Fiorin (1994), em seu artigo "Polifonia textual e discursiva",
estabelece claramente os limites entre a teoria de Mikhail Bakhtin (BAKHTIN apud
FlORIN, 1994) e a de Julia Kristeva(1974). Fiorin(1994) defende Kristeva (1974)
como a criadora do conceito de intertextualidade, que aparece no estruturalismo
somente nos anos 60, na Franc;a. Ja sabre Bakthin, 0 autor apresenta, de uma
maneira bastante didatica, 0 principal ponto de sua teoria, 0 dialogismo, e de que
forma este ponto aparece na constituic;ao e dentro de outro texto.
Para Fiorin (1994), 0 te6rico russo teve como principal objetivo mostrar que
um discurso (no sentido amplo do termo) nao se constr6i sabre si mesmo, mas sim
que se elabora a partir do outro. Isso quer dizer que 0 discurso de um (entenda-se
tambem como 0 texto) influencia na constituic;ao do texto Idiscurso do outro. Esta
influencia no momento da criaC;ao pode aparecer de varias fomms, au pode·se
pensar em varios niveis de acontecimentos, do mais simples, mais expllcito, ate 0
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mais aGulta, dissimulado ou implicito. De forma geral, ocorrem dais tipos gerais
principais: a interdiscursividade e a intertextualidade, sendo que as mesmas se
subdividem conforme a maneira como ocorrem.
Interdiscursividade e processo em que se incorporam a urn discurso, temas
ou figuras de outro discurso. Nao implica diretamente no processo da
intertextualidade. Ja 0 processo da intertextualidade, tendo em vista a sua extensao
e relevancia para 0 desenvolvimento deste trabalho, sera esmiuc;:ado e exemplificado
de forma mais completa.
Oiante disso e preciso partir do principia de que os fen6menos que seraa
descritos referem-se a presenya de pelo menes duas vozes no mesmo discurso au
texto, eles apresentam diferenc;as, sendo que estas disparidades ocorrem em
diversos niveis. As pr6ximas set;oes iran apresentar e definir as principais desses
fen6menos.
1.1 CITAl;AO
Ocorre tanto na interdiscursividade quando na intertextualidade. Em nivel de
intertextualidade, pode ser considerado 0 mais comum dos fen6menos em questao,
por ser 0 mais frequentemente utilizado em artigos cientlficos, trabalhos academicos,
reportagens, poemas e ate, sob outra semi6tica, como citac;oes feitas em filmes,
pec;as teatrais e musicas. A citac;ao tern a capacidade de confirmar ou reforc;ar 0
sentido do texto citado, sendo que sempre ocorre de maneira rna is expHcita e deve
constar a fonte que serviu como referencia.
Como exemplo deste processo Maria Zilda Cury (1997) cita a composi9ao
musical de Caetano Veloso "Cinema Novo". A letra foi desenvolvida atraves de
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inumeras cita90es, que acabam de certa forma sendo imprescindiveis para que
ocorra produc;ao de sentido:
o filme quis dizer "Eu sou 0 samba"A voz do morro rasgou a tela do cinemaE comer;:aram a se configurarVisoes das eoisas grandes e pequenasQue nos formaram e estao a nos formarTodos e muitos: Deus e 0 Diabe, Vidas Secas, as Fuzis,Os Cafajestes, 0 Padre e a MOya, a Grande Feira,o DesafioQutras conversas, Qutras conversas sabre as jeitosDo Brasil.Qutras conversas sabre as jeitos do Brasil.(VELOSO apud CURY, 1997, p.29)
J;, Fiorin (1994) usou como exemplo 0 poema "Satelite" de Manuel Bandeira,
que cita as mesmos elementos presentes e constituintes do poema "Plenilunio", de
Raimundo Correia. 0 poem a de Bandeira altera 0 sentido e nega, 0 que Correia
afirmou, conforme e passivel observar abaixo:
Oespojada do velho segredo de melancolia,Nao e agora a golfao de sismas.o astra dos loucos enamorados,Mas tao somenteSattelite(BANDEIRA apud FlORIN, 1994, p.30)
Ha tantos olhos nela arroubados,No magnetismo do seu fulgor!Lua dos tristes enamorados,Golfao de sismas fascinador.(CORREIA apud FlORIN, 1994, p.30)
o autor tambem nos apresenta 0 exemplo de citar;2Io ocorrido na per;a de
teatra Bella Ciao encenada em Sao Paulo em 1982, na qual a montagem cita a
est;,tua Pieta de Michelangelo. Sob a perspectiva da interdiscursividade, a cita9ao
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ocorre quando urn discurso repete as icteias, au seja, elementos figurativos OU
tematicos de Qutros.
1.2 ALUSAO
Outro processo existente nas relac;5es intertextuais e a alusao, que tambem
ocorre tanto nos aspectos da intertextualidacte, quanta da interdiscursividade.
Oiferente da maneira como acontece na citaC;030, nao S8 citam palavras au elementos
em Dutra semi6tica, como no case da estatua de Michelangelo. a que ocorre e a
reproduc;ao da estrutura sintatica, sendo que apenas algumas figuras sao
substituidas par Qutras, mantendo 0 mesma tema e as relac;oes hiperonimicas,
conforme defini9ao de Marina Cabral (2010) no site brasil escola: ··palavras que
apresentam significado mais abrangente do que a de seu hiponimo (vDcabultuio de
sentido mais especifico)".
Como exemplo do processo de alusao. Fiorin (1994) cita os dois primeiros
versos do poema intitulado ··Can9aodo Exilio" do poeta Murilo Mendes. que faz
alusao ao poema com 0 mesmo titulo escrito anteriormente peto poeta Gon<;alves
Dias.
Minha terra tern macieiras da Calif6rniaOnde cantam gaturamos de Veneza(MENDES apud FlORIN. 1994, p. 31)
Minha terra tem patmeirasOnde canta 0 sabia(DIAS apud FlORIN. 1994. p.31)
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Assim como no exemplo utilizado na secrao anterior, 0 poema de Murilo
Mendes faz alusao ao texto de Gonr;alves Dias, porem a relac;ao e estabelecida com
o sentido oposto. Mendes ironiza e mostra que ve a patria de maneira mais critica,
enquanto que Gonc;alves Dias a descreve de maneira patri6tica.
Sob os aspectos da interdiscursividade, a alusao ocorre quando elementos
como temas au figuras de urn discursoltexto servem de contexte para 0
entendimento do que foi incorporado. Fiorin (1994) usa como exemplo os seguintes
versos da musica "Sampa" composta par Caetano Veloso: "quando eu te encarei
frente a frente nao vi 0 meu rosto e que Narciso acha feio 0 que nao e espelho"
(VELOSO apud FlORIN, 1994, p. 34). Caetano faz alusao ao mito de Narciso para
explicar sua reac;ao ao visualizar a cidade em questao, que em sua imagina~o
possuia uma imagem diferente, possivelmente mais bonita da qual ele viu.
1.3 ESTILlZAC;;Ao
A estilizac;ao constitui-se basicamente na reproduc;ao da mesma forma de
elaborayao de um discurso, que outro ja tenha desenvolvido ou utilizado. Esta
reprodw;ao pode ser tanto no conteudo, quanto no plano da expressao. Pod em
tam bern ser estabelecidas como contratuais ou polemicas. Para exemplificar relagao
contratual e polemica, Fiorin (1994) cita como exemplo:
a) 0 estilo de escrita do poeta Manuel Bandeira, que escreveu "a rnaneira de"
Alberto de Oliveira, Olegario Mariano, Augusto Frederico Schmidt e outros
autores com os quais assim estabeleceu relagoes contratuais.
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b) Trecho retirado do livre Macunalma, de Mario de Andrade, intitulado "Cartas
pras Incamiabas", que estabelece rela\Oiio no plano da estiliza,ao com fun,ao
polemica.
Senhoras:Nao pouco vas surpreenderA, por certa, a endereyo e a leitura destamissiva. Cumpre-nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudade e muitoarnor com desagradavel nova. E bern verdade que na boa cidade de saoPaulo, a maior do universo no dizer de seus prolixos abitantes, nao soisconheecidas por uicamiabas", voz espurias. senae que pelo apelativo deAmazonas; e de voz 5e afirma cavalgardes bellgeros ginetes e virdes daHelade classica [ ... 1Nem cinco s6is eram pass ados que de v6s nos partiramos, quando a maistemerosa desdita pesou sabre N6s. {...) 0 que vas interessara mais, porsem duvida, e saberdes que as guerreiros de ca nao buscam mav6rticasdamas para a enlace epitalamico, mas antes as preferem d6ceis efacilmente tracaveis par valateis falhas de papel a que a vulga chamaradinheira, a "curriculum vitaeH da Civilizacaa a que fazemas hanra empertencermas(ANDRADE, Mario. 1997,p.55)
Alguns aspectos de recorrencias formais como:
b1) usa de lexica preciosista.
b2) a tratamento na segunda pessoa do plural.
b3) utiliza,ao de elementos da sintaxe classica.
Indicam que ocorre a processo de estilizac;ao com fun<;ao poh~mica de urn texto it
moda de autores como Rui Barbosa, Olavo Bilac e Coelho Neto. Mario de Andrade
ridiculariza a literatura brasileira pertencente a escola literaria denorninada
Parnasianisrno.
1.4 EPiGRAFE
Epigrafe pode ser analisada pela questao da etimologia da palavra, que e de
origem grega: epi = em posi,iio superior + graphe = escrita. Eo possivel definir como
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uma escrita introdutoria de Dutra. Pode ser entendida como urn recorte de urn texto
anterior que acaba modificando em seu contata com 0 novo, sabre 0 qual lanc;a
novos sentidos.
o texto acaba alterado e torna-se presente, porque se expoe como urn
recorte a nova leitura, mas tambem modifica 0 texto agregado. Em alguns casos,
funciona como uma forma de ironia ell sua epigrafe au simplesmente ser urn
elemento de continuidade, como se urn autor servisse de inspira~aoao outro. A
epigrafe nao e sempre 0 texto literario, conforme mostra 0 exemplo utilizado por
Maria Zilda Cury (1997), em seu livro Intextextualidades: teoria e pratica, cita como
exemplo as epigrafes biblicas que 0 escritor mineiro Murilo Rubiao usa em seu conto
~Edificiotl.·Chegara 0 dia em que as teus pardieiros se transformarao em edificios;
naquele dia ficaras fora da lei (Miqueias, 7-2)". Cury (1997) explica qual 0 sentido 0
texto biblico atribui ao conto:
Relaciona-se a ideia do progresso cego, de que se perde 0 contrale. Nahist6ria de Rubiao, 0 engenheiro usa, sem sucesso, de todos os meios paraparalisar a construt;ao de um ediffcio, slmbolo do pr6prio mundo moderno.[ ... J texto e eplgrafe dialog am na impossibilidade de comunicar;ao presenteno epis6dio brblicoda Torre de Babel. (CURY, 1997, p. 26)
Ja em trabalhos e ensaios academicos recorre-se a textos cientificos,
poeticos au de autra natureza para a utilizac;aoem epigrafes.
1.5 PAROOIA
Para a te6rica Maria Zilda Cury (1997), par6dia e um processo ou maneira de
apropria,9o que ocorre quando, um autor ao inves de endossar 0 modelo
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apropriado, rompe com ele. Seja de maneira sutil ou abertamente. Em alguns casos
o novo texto conserva algumas caracteristicas do rompimento, e funciona como
forma de prestar uma homenagem ao texto retomado au ao seu autor, pais a
escolha implica em reconhecimento de seu valor em dada tradi980.
Cury (1997) usa como exemplo os seguintes casos de acontecimento de
par6dia:
a) Alguns poemas da poetisa Adelia Prado que se declarava leitora de Carlos
Drummond de Andrade, porem ela assume uma postura diferente e ate
discordante. Um exemplo em que se torna possivel perceber esta posi980
adotada por Prado e quando 0 poema "Com Iicen9a poetica", do seu primeiro
livro, estabelece um dialogo com 0 texto de Drummond, "Poema de sete
faces".
Com licen~ poeticaQuando nasci um anjo esbelto,desses que tocam trombeta, anunciou:vai carregar bandeira.Cargo muito pesado pra mulher,esta especie ainda envergonhada.Aceito as 5ubterfugios que me cabem,sem precisar mentir.Nao sou tao feia Que nao possa me casar,acho 0 Rio de Janeiro uma beleza eora sim, ora nac, creio em parte sem dor.Mas, 0 que sinta escrevo. Cum pro a sina.Inauguro linhagens, fundo reinos(dor nao e amargura).Minha tristeza nao tern pedigree,ja a rninha vontade de alegria vai ao meu mil avO.Vai ser coxo na vida, e maldi<;ao pra hornem.Mulher e desdobravel. Eu sou(PRADO apud CURY. 1997. p.3B)
Poema das Sete FacesQuando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: vai Carlos! SeT gauche na vida.IIMeu Deus, por que me abandonastese sabias que eu nao era Deus,
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se sabias que eu era fraca.Mundo rnundo vasto mundo,se eu me chamasse Raimundoseria urna rima, naD serla soJuyao.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto e 0 meu corayao.Eu naD devia te dizermas e5sa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como 0 diabo.(DRUMMOND apud CURY, 1997, p37)
b) 0 poema "Receita de heroi" de Reinaldo Ferreira, onde 0 autor conceitua a
figura de her6i como em uma receita culinaria, tendo em vista que, este
conceito tao presente aparece vastamente estereotipado na literatura.
Receita de Her6iTome-se um homem feito de nadaComo n6s em tamanho naturalEmbeba-se-Ihe a carneLentamenteDe uma certeza aguda, irracionalIntensa como a 6dio au como a fome.Depois perta do timAgite-se um pend~1OE toque-se um clarim,Serve-5e morto(FERREIRA, apud, CURY, 1997, p.38)
c) A desconstru9ao leita por Oswald de Andrade, no poema "Meus sete anos",
do mito da infancia feliz escrito anteriormente par Casimiro de Abreu em
"Meus Oito Anos". 0 bucolismo e substitufdo par aspectos urbanos e
prosaicos. Oswald de Andrade rompe inclusive com a ritmo e 0 metro.
Meus sete anosPapai vinha de tardeDa faina de labutarEu esperava na caicadaPapai era gerentedo Banco Popular
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Eu aprendia com eleOs names dos neg6ciosJuras hipotecasPrazo amortizacaoPapal era gerentedo Banco PopularMe descontava chequesNo guich~ do coraCao.(ANDRADE apud CURY, 1997, pAO)
Meus Oito Anos
Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infancia QueridaQue as anos naD trazem mais!Que arnor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasA sombra das bananeiras,Debaixo dos laranjais!
Como sao belos as dias00 despontar da existencial
- Respira a alma inocenciaComo perfumes a flor;o mar - eo lago sereno,a ceu - um manto azulado,o mundo - um sonho dourado,A vida - um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,Que noites de melodiaNaquela doce alegria,Naquele ingenuo folgar!o ceu bordado d'estrelas,A terra de aromas cheiaAs ondas beijando a areiaE a lua beijando 0 mar!
Oh! dias da minha inf~mcia!Oh! meu ceu de primavera!Que dace a vida nao eraNessa risonha manha!Em vez das magoas de agora,Eu tinha nessas deliciasDe minha mae as cariciasE beijos de minha irma!
Livre filho das montanhas,Eu ia bem satisfeito,Da camisa aberta 0 peito,- Pes descal90s, bra90s nus·Correndo pelas campinasAroda das cachoeiras,Atras das asas ligeirasOas borboletas azuis!
Naqueles tempos ditososla col her as pitangas,
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Trepava a tirar as mangas,Brincava a beira do mar;Rezava as Ave-Marias,Achava 0 ceu sempre lindoAdormecia sorrindoE despertava a cantarl
Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infancia QueridaQue as anos nao trazem mais!- Que arnor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasA sombra das bananeirasDebaixo dos laranjais!
(ABREU,1967, p.29)
1,6 PARAFRASE
A simples tarefa de resumir ou recontar uma hist6ria ja implica em uma
pan;frase. Segundo Curry (1997), parafrasear e quando um lexto recupera oulro,
retomando seus efeitos de sentido assim como seu processo de constru9ao. Porem
nao oeorre a simples repetic;ao, pais pequenas transforma90es implicam em versoes
diferentes . Como exemplos deste processo, a autora eita 0$ seguintes casas:
a) A figura do ca9ador na hisl6ria infantil "Chapeuzinho Vermelho", que com 0
passar dos tempos acabou por apresentar um efeita consolador que nao
aparecia nas primeiras vers6es.
b) 0 poema "Ora980" de Jorge Lima, alem das relomadas explicitas a ora98o
"Ave Maria" 0 poeta justap6e a figura da mae de Jesus, a de sua propria mae.
"-Ave Maria chela de grayas ... "A tarde era tao bela, a vida era tao pura,as maos de minha mae eram tao doces,havia, la no ceu, urn crepusculo de ouro ... la longe ..."-Cheia de graya, a Senhor e convosco, bend ita!"Bendita!Os outros meninos, minha Irma, meus irmaosmenores,
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meus brinquedos, a casaria branca deminha terra, a burrinha do vigariopastandojunto a capela ... la longe ...Ave cheiade gra~- .. ."bendita sois entre as mulheres, bend ito e 0
fruto do vasso ventre .. ,"E as maDS do sono sabre as meus 01has,e as maos de minha mae sabre 0 meu sonho.e as estampas de meu catecismopara 0 meu sonho de ave!E issa tude tao longe ... tao longe ...(LIMA apud CURY, 1997, p.31)
AVE MARIA
Ave-Maria, cheia de graca!o Senhor e canvaseDBendita sois v6is entre as mulheresE Bendito e 0 Fruto do vasso ventre, JesusSanta Maria Mae de Deus,Rogai par n6s as pecadoresAgora e na hara de nossa morte. Amern
c) 0 processo paralrastico atravessado pela ideologia ulanista quando
expressado por alguns autores a visao idealizada ao se referirem a nossa
patria. Como 0 poeta parnasiano Olava Bilac em:
Arna, com fe e orgulho, a terra em que nasceste,crian((a!Nao veras nenhum pais como este!Olha que ceu! Que mar! Que rios! Que floresta!A natureza aqui, perpetuamente em festa, e um seio de maea transbordar carinhos.(BILAC apud CURY, 1997, p. 32)
o compositor Jorge Ben Jor em sua cang80 "Pais tropical" nos anos 70.
Mora num pars tropicalAben((oado par DeusE bonito par naturezaQue belezaEm fevereiro, em fevereiroTem carnaval, tem carnavalT enho urn fusca e urn violao
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Sou f1amengo e tenho urnaNl!ga chamada TeresaSambaby, sambabyPosso nao ser urn band leader, pais 8.Mas todos meus amigos, meus camaradinhasMe respeitam, pais eEsta e a razao do algo mais, da simpatiaE d'ategria(BEN JOR apud CURY, 1997, p.331
E na musica que anunciou a celebrac;:ao da conquista do tricampeonato de futebol
de 1970:
Noventa milhOes em altaePm frente Brasil do meu cora~oTodos juntos vamosPra frente BrasilSalve a Seley.3oDe repente e aquela corrente pra frenteParece que tode a Brasil deu a maoTados ligados na mesma emo9~10Tude e urn 56 corayaoTodos juntos, vamosPra frente Brasil, Brasil.Salve a Selec;:ao.
1.7INTERTEXTUALIDADE
Intertextualidade e um conceito criado nos anos 60 pela teorica Irancesa Julia
Kristeva. IS50 nao quer dizer que antes desse periodo nao se pensava au teorizava
sobre esta questao. A propria Kristeva (1974) cita 0 legado de Bakhtin em sua obra,
e acrescenta ao pensamento dele 0 seu aperfei90amento do conceito de dialogismo,
s6 entao passa a ser usado, 0 termo intertextualidade.
Angelica Soares (2003) doutora em Letras e prolessora da Universidade do
Rio de Janeiro, explica em seu livro Generos Uterarios, 0 pensamento da te6rica
francesa. Para Soares, Kristeva acrescenta ao conceito de dialogismo (a escrita em
que se Ie 0 outro. escrita plural e nao monologica). 0 lato de que se ha a
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coexistencia em urn unico texto do falar de duas au mais vozes, acarre sempre uma
absoryao au replica de Qutros text08. 0 que gera uma relac;ao intertextual.
Para Kristeva (1974), 0 pensamento de Mikhail Bakhtin e importante, po is a
partir de seus conceitos passou-se a pensar em texto situado na hist6ria e na
sociedade. Passou-se a admitir que todo texlo possui sentido no momento em que eescrito e no momento em que e lido. Bakhtin tamhem afirma que "0 autor se insere
no texlo quando 0 reescreve" (BAKHTIN apud KRISTEVA, 1974, p. 62). Outre fator
importante destacado por Kristeva (1974) e a questao que ela chama de estatuto da
pa/avra. Para a teorica, as palavras possuem fun96es e estabelecem relac;6es dentro
de urn texto, sendo que urn texto sempre estabelece relac;6es em tres dimensoes:
quem escreve, 0 destinatario e os textos exteriores. Julia Kristeva (1974) define a
ocorrencia do estatuta da palavra em niveis:
a) horizontalmente: a palavra no texto pertence simultaneamente ao sujeito daescritura e ao destinatario e
b) verticalmente: a palavra esta orientada para 0 corpus literario anterior ousincrOnico. [...]0 eixo horizontal (sujeito-destinatario) e 0 eixo vertical (texto-contexto) coincidem para revelar um fato maior : a palavra (0 texto) e umcruzamento de palavras (de textos) onde se Ie, pelo menos um outrapalavra (texto). (KRISTEVA, 1974, p.64)
Outra te6rica que S8 ocupou em trabalhar com a intertextualidade e a brasileira
prefessora da Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Zilda Cury (1997), que
aborda 0 tema de forma bastante didatica e objetiva. Segundo Cury (1997), um novo
texto que foi produzido a partir de outro vern para iluminar a que foi usado como
referencia. Esta relac;:ao ganha em produtividade e acaba proporcionando uma visao
mais aberta dos estudos liten3rios.
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A autora ainda afirma que, toda a sociedade esta em uma constante inter-
re1898o, e toda e qualquer inveny80 au descoberta 56 ocorre com a apropr;a98o de
conhecimentos anteriores, seja em aspectos cientificos au culturais. A professora
usa como exemplo dessa constru9ao e apropria9ao a simples elabora9ao de um
bolo. Em sua grande maioria, a base das receitas e constituida por leite e farinha,
entretanto, pode ser transformado em bolo de chocolate, laranja ou cenoura. Cada
cozinheira pode recriar a receita anterior, com mais au menos de algum
ingrediente e produzir uma caisa nova. 0 bolo sera Dutro e 0 mesmo da receita
inicial.
Da mesma maneira ocorre nos textas e produgoes culturais/literiuias a
intertextualidade em seu sentido amplo, envolve todos as objetos e processos
culturais e como resultado, tem-S8 algo novo concebido a partir de algo anterior.
Cury (1997) cita 0 legado de Bakhtin, que foi 0 responsavel pela
caracteriZ8980 do romance mademo como dialogica, "tipo de texto em que diversas
vozes da sociedade estao presentes e S8 entrecruza, relativizando a poder de uma
unica voz condutora" (BAKHTIN, apud, CURY, 1997, p.21).
A respeito do pensamento de Kristeva, Maria Zilda Cury (1997) afirma que a
autora e a responsavel pela criac;ao do termo interlextualidade, que consiste em
todD texto ser urn mosaicD de cita~6es,au seja, uma retDmada de outros textos
sendo que esta apropria~aopode ocorrer desde a simples vinculayao a urn genera,
ou mesmo a utiliza9ao explicita de um determinado texto. (KRISTEVA, apud,
CURY, 1997, p.22).
E preciso entaD a partir deste instante ter-S8 claro que no momenta da leitura
de todo e qualquer texto, instala-se uma rela9ao de intertextualidade e nao mais de
intersubjetividade como se pensava ate entM. Toda leitura pode-se ler pelo menos
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como dupla, sendo que ah~m dos elementos fundamentais, sujeito e destinatario, a
contexto assume tambem um papel importante.
2. 0 COMPOSITOR, SUAS ORIGENS E INFLUENCIAS
Para a leitura e compreensao de urn romance ficcional, naD e preciso a
conhecimento biograficos previa do autor, po is se trata de uma ficC80, a realidade
vivid a par ele, ern nada ira implicar para compreensao. Dados relevantes serao 0
periodo em que escreveu, escola lileraria a que pertenceu, bern como as
caracteristicas de escrita especificas daquele autor.
No caso especifico deste trabalho alguns dados biograficos do compositor em
questao sao de extrema contribuicao para a analise que sera desenvolvida, tendo
em vista que a hist6ria vivid a par ele influencia diretamente em algumas das
composic6es Chico Buarque de Hollanda tern prodw;6es na literatura, cinema,
teatro e na musica popular brasileira. Nasceu em 1944, no Rio de Janeiro, e devido
a vida profissional de seu pai, morou em Sao Paulo e na Italia. Sua casa sempre fai
frequentada par intelectuais e artistas, tata que contribuiu para a aumento do
interesse e desenvolvimento do talento do compositor. Ainda muito jovem assinou
cr6nicas no jamal da escola, ja na universidade inicia sua jornada pelos palcos, e
teve cantata com jovens que S8 tornaram grandes nomes da musica popular
brasileira.
Na decada 60, conhece Caetano Veloso e Gilberto Gil, seus companheiros no
momento de camp~r e tambem no chamado Movimento Tropicalista. As cinco letras
de musicas escolhidas para serem analisadas neste trabalho, fcram compostas nos
anos 70, periodo da hist6ria em que nosso pais passava por momentos de opressao
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e censura, mas mesmo assim, Chico Buarque driblando a censura estabelecida pelo
AI-5 compos grandes classicos da musica popular brasileira.
2.1 AS COMPOSIQOES E SUAS VOZES
2.1.1 Calice
A composi,ao data do ana de 1973. mas foi lan,ada em LP somente em
1978. Buarque teve como parceiro de escrita 0 tambem cantor Gilberto Gil. Eo neste
momento que a historia vivida pelo poeta, e mesmo 0 contexte hist6rico de nossa
pais. se tornam elementos relevantes para a leitura do texlo. Em 1973 0 regime
politico no Brasil era a ditadura militar, quem estava no comando neste periodo era 0
General Emilio Medici. Este regime teve inicio em 1964 e tivemos a democracia de
volta aD nossa pais muito tempo depois, com a promulga9ao da Constituiyao de
1988. Buarque em 1962 optou par um auto-exilio na Italia. retornando ao seu pais
de origem. em mar,o de 1970.
Os anos de governo comandados per Medici sao denominados como "as
anos de chumbo", periodo em que a repressao foi bastante forte, a censura abrangia
as rna is variadas formas de manifestayoes artisticas como a literatura, peyas de
teatro e a music8. A partir de 1970 Chico foi alva constante da censura, teve seu 4°
LP recolhido das lojas. ap6s a venda de 100 rnil exemplares. Um dos recursos
utilizadas pelo autor para tentar burlar a censura e criticar a momenta, era utilizar a
figura de uma mulher repressora em suas letras, entretanta esta figura naa passava
de uma metafara para criticar 0 governo da epoca.
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No case especificamente de "Calice", 0 recurso escolhido tai a utilizaC;8o do
texto biblico pertencente ao Evangelho segundo Marcos capitulo 14, versiculo 34-
36, para protestar contra as injustiyas vivid as pelo movimento, conforme podemos
constatar confrontando as textos abaixo.
GalicePai, afasts de mim esse ctllicePai, atasla de mim esse calicePai, afasla de mim esse calice
De vinho finto de sangue
Como beber dess8 bebida 8m8rg8Tragar a dor, engalir a labuta
Mesma calada a boca, resta a peitoSil~ncio ns cidade nao S6 escutaDe que me vale ser mho da santaMefhor seria ser filho da DutraOutra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta (orr;a bruta
Como e diffcif aeordsr ca/adoSe na calada da noile eu me danaQuero lam;ar urn grito desumano
Que ~ ums maneira de ser escutadoEsse si/~ncio lodo me atordoa
Atordoado eu permaner;o atentoNa arquibancada pra a qua/quer momento
Ver emergir 0 monstro da lagoa
De muito gorda a porea jtJ n~o andaDe muito usada a faea jtJ nao eorta
Como e difleiJ, pai, abrir a portaEssa palavra presa na gargantaEsse pileque home rico no mundoDe que adianta ter boa vontade
Mesmo ealado 0 pelto, resta a eueaDos Mbados do centro da eidade
Ta/vez 0 mundo nao seja pequenoNem seja a vida um fato consumadoQuero inventar 0 meu pr6prio peeadoQuero morrer do meu proprio veneno
Quero perder de vez tua eaber;aMinha caber;a perder teu juizo
Quero cheirar fumar;a de 61eo dieselMe embriagar ate que a/guem me 8squ8r;a
(BUARQUE, Gil, 1973).
E disse-lhes: A minha alma esta profundamente triste ate a morte; ficai aqui, e vigiai.E, tendo ido um pouco mais adiante, prostrou-se em terra; e orou para que, se fosse possivel,
passasse dele aquela hora.
![Page 29: ANICEIA MARIA IELEN INTERTEXTUALIDADE: AS …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/06/24.pdf · A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim ejustiticada pelo uso do verba de li9a9aO ser,](https://reader033.vdocuments.net/reader033/viewer/2022052608/5abcf2b47f8b9a567c8e623f/html5/thumbnails/29.jpg)
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E disse: Pai, todas as coisas te sao possiveis; afasta de mim este caHce; nao seja, parern, 0 que euquero, mas 0 que tu queres.
(Marcos 14:34·36).
Torna-se praticamente impassivel naD ler 0 texto biblico dentro da musica,
pais as compositores citam a mesma senten((a, "pai afasta de mim esse calice",
utilizada par Jesus para se direcionar ao Pai no seu momento de sofrimento, na
Cant;;c30e utilizada pelo "eu lirico" para referir-se aD seu momento de sofrimento.
Assim como tambem e passivel de observa9ao a alusao ao texto biblico leita por
Chico Buarque e Gilberto Gil.
A letra expressa clara mente a insatisfa.yao diante da censura imposta, afinal 0
engajamento politico tanto de Gilberto Gil, como de Chico Buarque sempre fcram
explicitados em suas can90es. Ocorre a exposi9ao do uso de for9a bruta e a
tentativa do governo em tentar calar as vozes que protestavam diante da situayao
imposta e atos de barbarie praticados pelo governo.
Le-se, ainda, na palavra calice e expressao cale-se ordem que era exigida
pelo regime militar, e que a censura cobrava de forma aterradora: quem falasse seria
preso, torturado e ate mesmo marta.
2.1.2 Flor da Idade
Outro recurso utilizado como fonte de inspirayao para as composi90es de
Chico Buarque fcram outros poetas da literatura brasileira. Na musica "Flor da Idade"
composi9ao datada de 1973, laz parte da trilha sonora da pe9a "Gota d'agua" de
1975, fruto de uma parceria de Chico Buarque com Paulo Pontes. 0 dialogo e
![Page 30: ANICEIA MARIA IELEN INTERTEXTUALIDADE: AS …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/06/24.pdf · A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim ejustiticada pelo uso do verba de li9a9aO ser,](https://reader033.vdocuments.net/reader033/viewer/2022052608/5abcf2b47f8b9a567c8e623f/html5/thumbnails/30.jpg)
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estabelecido com 0 poem a "Quadrilha" do poeta modernista Carlos Drummond de
Andrade.
Drummond em seu poema composto em versos livres, 0 que e uma das
principais caracteristicas do Modernismo, aborda com ironia e humor as
desencontros nos relacionamentos amorosos. As relagoes aparecem como se
fassem uma sucessao em cadeia, e a ironia pade ser representada quando 0 autor
cita a casamento de "Lili, que naD amava a ninguem, com J. Pinto Fernandes",
Drummond insinua que casamento e amor naD sao necessariamente itens
complementares como normal mente sao convencionados.
QuadrilhaJoao amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lilique nao amava ninguem.
Joao foi para as Estados Unidos, Teresa para 0 convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para a tia,
Jaaquim suicidau-se e Lili casau com J. Pinto Fernandesque noaatinha entrada na hist6ria.
IDRUMMOND, 1998, p.146)
Ja na composi980 de Chico Buarque, aparece a descri98a da rela980 de urn
primeiro amor entre urn homem e uma mulher. Mas no final, 0 compositor se refere a
"Dora que amava toda a quadrilha". Fica assim mais explicita a presen9a de outra
vaz no texto de Chico Buarque, pais alem da paratrase feita pelo autor, ele usa 0
terma quadrilha, que faz uma referencia direta ao titulo do poema drummondiana.
Flor da /dadeA gente faz hora, faz fila na vila do meio-dia
Pra verMariaA gente a/mo9a e s6 se c09a e se ro9a e s6 se vicia
A porta dela nlio tem tramelaA janela e sem gelosia
![Page 31: ANICEIA MARIA IELEN INTERTEXTUALIDADE: AS …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/06/24.pdf · A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim ejustiticada pelo uso do verba de li9a9aO ser,](https://reader033.vdocuments.net/reader033/viewer/2022052608/5abcf2b47f8b9a567c8e623f/html5/thumbnails/31.jpg)
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Nem desconfiaAi, a primeira festa, a primeifa fresta, 0 primeiro amor
Na hora certa, a casa aberta, 0 pijama aberto, a familiaA armadilha
A mesa posta de peixe, deixa urn cheirinho da sua filhaEta viva parada no sucesso do radio de pi/ha
Que maravilhaAI~0 primeiro copo, 0 primeiro carpa, 0 primeiro amor
Ve passar eta, como danry:8,balanc;a, avanqa e reeuaA gente sua
A {oupa suja da cuja S8 lava no meio da ruaDespudorada, dada, a danada agrada andar seminua
E continuaAi, a primeifa dama, 0 primeifo drama, 0 primeiro amor
Carlos amava Dora que amava Lia que amava L~a que amava PauloQue amava JUGa que amava Dora que amava
Carlos que amava DoraQue amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanlo que amavaa tilha que amava Carlos que amava Dora que amava loda a quadrilha
(BUARQUE, 1973)
2.1.3 Doze Anos
Prova da grande infiuencia de outros artistas na forma98o do repertorio
(entenda-se aqui como conhecimento de mundo e nao repert6rio musical) de Chico
Buarque, e a intertextualidade utilizada par ele na composi9aO de 1977, 'Voze
Anos" Composi9aOesta que faz parte da trilha sonora da pe9a teatral "Opera do
Malandro" escrita tambem pelo compositor em 1978.
Doze Anos
Ai, que saudades que eu tenhoDos meus doze anosQue saudade ingrataDar banda par al
Fazendo grandes pianosE chutando lata
Trocando figurinha
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Ma/ando passarinhoColecionando minhocaJogando muiro batao
Rodopiando pi{,oFazendo troea-troca
Ai, que saudades que eu tenhoDuma travessurao futebol de rua
Sair pu/ando muroOlhando fechaduraE venda muther nuaComendo (ruta no peChupando picole
Pe-de-mo/eque, pa9(JcaE, disputando trofeuGuerra de pipa no c{wConcurso de piroca
(BUARQUE, 1977,1978).
Tendo em vista que 0 processo de redemocratizayEio no Brasil teve seu inicio
somente em 1979, esta musica tambem fai composta durante 0 regime militar,
porem nesta composiyao a rede de vozes dialoga com 0 poema "Meus Oitos Anos",
do poeta carioca pertencente ao segundo grupo, periodo que corresponde de 1850
a1860, seculo XIX, da escola litera ria denominada Romantismo, Casimiro de Abreu.
Meus Oito Anos
Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,Oa minha infancia querida
Que as anos nao trazem maislQue amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueirasA sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjaisl
Como sao belos as diasDo despontar da exist~ncia!- Respira a alma inocencia
Como perfumes a flor;a mar - e lago sereno,
a ceu - um manto azulado,a mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,Que noiles de melodia
![Page 33: ANICEIA MARIA IELEN INTERTEXTUALIDADE: AS …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/06/24.pdf · A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim ejustiticada pelo uso do verba de li9a9aO ser,](https://reader033.vdocuments.net/reader033/viewer/2022052608/5abcf2b47f8b9a567c8e623f/html5/thumbnails/33.jpg)
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Naquela doce alegria,Naquele ingenu~ folgar!o ceu bordado d'estrelas,A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areiaE a lua beijando 0 mar!
Ohl dias da minha infancia!Ohl meu ceu de primavera!Que dace a vida nao eraNessa risonha manha.!
Em vez das magoas de agora,Eu tinha nessas deliciasOe minha mae as cariciasE beijos de minha irmal
Livre filho das montanhas,Eu ia bem salisfeito,
Oa camisa aberta a peito,- Pes descah;:os, bra90s nus -
Correndo pelas campinasAroda das cachoeiras,AIres das asas ligeirasDas borboletas azuis!
Naqueles tempos ditososla col her as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,Brincava a beira do mar;Rezava as Ave-Marias,
Achava 0 ceu sempre lindo.Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infancia querida
Que os anos nao trazem mais!- Que amor, que son has, que flores,
Naquelas lardes fagueirasA sam bra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
(ABREU,1967, p.29)
Em ambos os textos 0 "eu lirico" expressa a saudade dos tempos de infancia,
Casimiro de Abreu pertenceu a cham ada corrente "mal do seculo" em que os poetas
expressavam uma constante sensac;ao de mal estar diante de seu desencanto pel a
vida, mas em seu poem a a infancia dos oitos anos, e expressa de forma ingenua e
d6cil, 0 poeta tam bern faz constantes referencias a natureza. Ja Buarque, por estar
vivendo 0 momento de opressao e represaiias praticadas peios Iideres pOliticos da
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Ditadura, sente saudades dos tempos de inf€mcia,tempos estes em que podia andar
pelas ruas e tazer travessuras, eoisas tipicas de uma crianc;a que gaza da liberdade
e felicidade, pertencentes a epoca de descobertas, e que nao voltam mais. Mas
seus doze anos sao expressos com palavras fortes e com uma conotac;ao sexual,
maliciosa. Apesar da semelhan9a do tema, cada poeta usou uma abordagem
bastante distinta.
Este mesma poema tambem serviu como recurso de intertextualidades para
outros autores como Oswald de Andrade por exemplo; este fez uma par6dia do texto
de Casimiro de Abreu, ja Chico Buarque optou por parafrasear 0 poema de Abreu,
pais retoma os efeitos de sentido e uma nova versao do poema original e
apresentada.
2.1.4 Ate 0 tim
Outra composi9aO de Chico Buarque que dialoga com um texto
drummondiano e "Ate 0 Fim" composta em 1978.
Ar~ofim
Quando nasci veio um anjo safadoo charo dum querubim
E decretou que eu lava predestinadoA ser errado assim
Ja de saida a minha estrada entonouMas vou attJ 0 (im
Inda garoto deixei de if ~ eseoJaCassaram meu bolerim
Nao sou ladrao, eu nao sou bom de bolaNem posso ouvir c/arim
Um bom futuro ~ 0 que jamais me esperouMas vou are 0 tim
![Page 35: ANICEIA MARIA IELEN INTERTEXTUALIDADE: AS …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/06/24.pdf · A escolha do trecho da mllsica de Tom Jobim ejustiticada pelo uso do verba de li9a9aO ser,](https://reader033.vdocuments.net/reader033/viewer/2022052608/5abcf2b47f8b9a567c8e623f/html5/thumbnails/35.jpg)
Eu bern que tenho ensaiado urn progressoVirei cantor de (estim
Mamae con tau que eu (atyo um bruto sucessoEm Quixeramobim
Nl!Jo sei como 0 maracatu cometyouMas vou ate a fim
Por conta de umas questOes para/elasQuebraram meu bandolim
Nao querem mais ouvir as minhas maze/asE a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacouMas vou ate a fim
Nao tem cigarro, acabou minha rendaDeu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com a dono da vendao que sera de mim?
Eu j~ nem lembro pronde mesmo que vouMas vou ate a fim
Como jtJ disse era um anjo safadoo chalo dum querubim
Que decretou que eu lava predestinadoA ser todo roim
JtJ de sa/da a minha estrada entortouMas vou ale a fim
(BUARQUE. 1978)
Poema das setes faces
Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homensque correm atras de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,nao houvesse tantos desejos.
o bande passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu cora~o.Porem meus olhos
nao perguntam nada.
o homem atras do bigodee seno, simples e forte.Quase nao conversa.
Tern poucos, raros amigoso homem atras dos 6culos e do -bigode,
Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu nao era Deus
se sabias que eu era fraco.
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Mundo mundo vasto mundo,se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, nao seria uma solu~ao.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto e meu carayao.
Eu na~ devia te dizermas e5sa lua
mas esse conhaquebotam a gente comovido como 0 diabo
(DRUMMOND, 1998, p.13 )
Chico, assim como Drummond, usa a figura do anjo, sendo que aquele usa 0
termo "safado" para se referir a figura do querubim, enquanto este chama de "torto".
Ambos S8 distanciam da FIgura angelical e aparecem como anjo torto e safado. 0 "eu
Hrico" expressa urn alguem que na~ S8 sente adaptado ao ambiente em que esta
inserido.
Chico conta uma sequencia de infortunios vividos par urn homem, enquanto
Drummond narra a infelicidade de alguem que naD S8 sente enquadrado ao contexte
que esta inserido e expressa sua tristeza diante de simples fatos do cotidiano, que 0
fazem beber para quem sabe esquece-Ios.
2.1.5 Bom Conselho
Chico Buarque usa com frequencia em suas composiyoes os mais variados
tipos de intertextualidade, e plausivel te-Io como um poeta intertextual, por muitas
vezes usou e ainda usa desde recurso para suas composiyoes, alguns mais
explicitos e de forma consciente outros implicitos e de forma mais velada. Na
camposi9aa "Born Conselha" datada de 1972, a cantor nas apresenta uma par6dia,
onde ere desconstr6i 0 sentido original de varios ditados populares. Buarque se
apropria do discurso do outro e rompe abertamente com ele, invertendo 0 sentido do
modelo retomado
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Born Conselha
Ouc;a um born conselhaQue eu Ihe dou de graq8
InuW dormjr que a dor nao passaEspere sentadoOu voce S6 cansa
Esis provado, quem espera nunca a/canc;a
Venha, meu amigoOeixe esse reg890
Brinque com meu fogoVenha S6 queimarFac;a como eu digoFaC;8como eu (890
Aja duas vezes antes de pensar
Corro alras do tempoVim de nao se; ande
Devagar e que nao S6 va; fongeEu semeia vento na minha cidadeVou pra roa e bebo a tempestade
(BUARQUE, 1972)
Ao prom over essa inversao de sentido que antes era atribuida aDs ditados
populares, Buarque utiliza-se do processo proposto pelo teorico russo Mikhail
Bakthtin, denominado carnavalizac;:ao, au seja, procedimento que assim como 0
proprio carnaval identifica-se com a inversao dos valores, e uma subversao cultural.
o mundo e apresentado as avessas. Neste caso especifico os ditados sao
apresentados, mas as avessas de seus sentidos originais.
Ditados populares fazem parte da cultura (folclore) de um povo, e sao
transmitidos pela oralidade ou por repeti9aO. Podem ser lendas como: curupira ou
saci perere. Cantigas de roda: roda cutia, atirei 0 pau no gato. Assim como
adivinhac;6es, receitas, musicas, danc;as, promessas e ditos populares.
Buarque usa 0 discurso do outro, au seja da sabedoria popular, mas de forma
oposta ao que ja havia side dito. Sua poesia expressa uma crltica a sociedade, que
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se comporta como mera repetidora de habitos, costumes, atitudes. Quando usa a
expressao "OU9aurn born conselho que Ihe dou de gra9a", e possivel perceber a
inversao feita no ditado popular "se canselha fosse born, nao se dava, vendia", assim
como em "espere sentado senaa voce cansa" refere-se ao ditado "quem espera
sempre alcan98" e em "eu semeio vento em minha cidade, vou pra rua e bebo a
tempestade~ nos remete ao ditado "quem semeia vento calhe tempestade".
E preciso ressaltar, que as exemplos aqui utilizactos compreenctem apenas ao
periodo de uma ctecada de composic;oes de Chico Buarque. 0 cantor e compositor
esta com 34 anos de carreira, ao seu nome sao atribuidas centenas de
composi90es, sendo as mais recentes no ano de 2011. Ja suas publica90es
literarias tiveram inicio em 1966 com 0 songbook A Banda I e a mais recente Leite
Derramado foi lan9ada em 2009.
Se tivermos como ponto de partida, 0 fatc de que a sociedade esta em
constante transformayao, ainda mais na atualidade com 0 advento da internet, as
fontes para intertextualidade tornam-se inesgotaveis. Analisar os poemas de Chico
Buarque sem fazer uso da teoria apresentada por Julia Kristeva (intertextualidade) e
nos conceitos de Bakthin (polifonia), soa como algo inconcebivel, pois Chico e urn
poeta intertextual.
Varias sao as possibilidades de analises, e sob enfoques distintos. Seja por
periodos hist6ricos, questoes sociais, 0 papel da mulher, aspectos culturais (futebol,
feijoada, folclore, cantigas de roda entre outros). Dentre varias possibilidades destas
rela90es tem-se Joao e Maria e Teresinha com 0 folclore brasileiro, Angelica e 0
meu guri com a pintura Deposiqao de Vicente do Rego Monteiro e a Pieta de
Michelangelo.
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3. CONSIDERA~6ES FINAlS
Eo interessante pontuar, apos a pesquisa e 0 desenvolvimento desta analise, 0
quanta a intertextualidade esta inserida em nossa dia a dia sendo que este
fenomeno ocorre nos mais variados tipos de textos.
As composi90es de Chico Buarque especificamente utilizadas neste trabalho
correspondem a urn periodo delimitado, os anos 70, porem Chico faz 0 usa deste
recurso ainda hoje e com bastante frequencia
A utiliza9ao desta teoria pelo poeta em questao e para nos uma duvida
quanta a intenl):ao apresentada pelo compositor, pais naD ha como afirmar que a
utilizaC;80 deste recurso seja intencionaL
Isto vern nos provar que, ao intensificarmos as estudos sabre urn autor, em
meu case especificamente Chico Buarque de Holanda, urn icone da musica popular
brasileira, e passivel perceber a importancia das pesquisas te6ricas que nos sao
apresentadas durante a nossa formal):ao academica e descobrir nos grandes autores
n090e5 dessas teorias que aprendemos, constatando assim que podemos aplica-tas
em situaryoes muito pr6ximas da nossa realidade e ate corriqueiras.
Verificou-se tambem que nenhum texto e totalmente puro e intocavel, mas
sim que ideias e mensagens que nos sao transmitidas pela literatura, pintura,
mlisica, teatro, fotclore e tantas outras artes servem e servirao sempre como fonte
de inspira9E1o para novas produ90es, mostrando com isso a certeza de que as artes
sao as nossas grandes companheiras e mestras da vida.
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