análise de estabilidade de barragens gravidade com modelo
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Setembro 2021
Sebastião de Sousa Peres Duarte Ferreira Licenciado em Ciências de Engenharia Civil
Análise de estabilidade de barragens gravidade com modelo hidromecânico
3D e modelos de fenda discreta
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil – Perfil de Estruturas
Orientador: João Rocha de Almeida, Professor Associado, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Coorientadora: Maria Luísa Mendes de Vasconcelos Braga Farinha, Investigadora Auxiliar, Departamento de Barragens de Betão, Laboratório Nacional de Engenharia Civil
Júri
Presidente: Professor Doutor Armando M. S. N. Antão Arguentes: Professora Doutora Fátima M. P. Gouveia
Professor Doutor Mário Jorge Vicente da Silva Vogal: Doutora Maria Luísa Braga Farinha
Setembro 2021
Setembro 2021
Sebastião de Sousa Peres Duarte Ferreira Licenciado em Ciências de Engenharia Civil
Análise de estabilidade de barragens gravidade com modelo hidromecânico
3D e modelos de fenda discreta
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil – Perfil de Estruturas
Orientador: João Rocha de Almeida, Professor Associado, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Coorientadora: Maria Luísa Mendes de Vasconcelos Braga Farinha, Investigadora Auxiliar, Departamento de Barragens de Betão, Laboratório Nacional de Engenharia Civil
Setembro 2021
Análise de estabilidade de barragens gravidade com modelo hidromecânico 3D e modelos de fenda discreta
“Copyright” Sebastião de Sousa Peres Duarte Ferreira, da FCT/UNL e da UNL.
A Faculdade de Ciências e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa têm o direito, perpétuo e
sem limites geográficos, de arquivar e publicar esta dissertação através de exemplares impressos
reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro meio conhecido ou que venha a
ser inventado, e de a divulgar através de repositórios científicos e de admitir a sua cópia e
distribuição com objetivos educacionais ou de investigação, não comerciais, desde que seja dado
crédito ao autor e editor.
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AGRADECIMENTOS
Finalizada esta dissertação, termina também o meu percurso académico. Um trajeto desafiante,
com momentos altos e baixos, mas que felizmente posso dizer que, no cômputo geral, decorreu de
forma positiva. Muita desta sensação de conquista se deve a diversas pessoas às quais devo
expressar a minha gratidão e reconhecimento.
A todos os docentes da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa
(FCT/UNL), que de uma forma ou de outra, transmitiram-me os ensinamentos e conhecimentos
necessários ao meu crescimento gradual até atingir esta etapa final, preparando-me para desafios
futuros.
Ao meu orientador, Professor Doutor João Rocha de Almeida, pela disponibilidade que sempre
demonstrou em ensinar, e conhecimentos que foi passando no decorrer deste meu percurso
académico. Quero expressar também um agradecimento especial por me ter aberto a porta à
experiência única que foi estar inserido numa instituição tão prestigiante como é o Laboratório
Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
À Doutora Maria Luísa Braga Farinha, pelo apoio, simpatia e disponibilidade constante ao longo
de toda esta estadia no LNEC. As palavras motivadoras, o à-vontade com que sempre me deixou e
todo o conhecimento que me foi transmitindo, facilitaram e enriqueceram a minha experiência de
uma forma extraordinária.
Ao Doutor Nuno Monteiro Azevedo, pelos preciosos conhecimentos que me transmitiu ao longo
de inúmeras reuniões e explicações. Devo agradecer também pela enorme paciência que teve a
ensinar e a explicar, em momentos em que tudo parecia um desafio, mas que com a sua calma e
boa disposição, tudo se resolveu da melhor maneira. Queria agradecer também pelo prazer que
tive em aprender e poder trabalhar com um módulo computacional que o próprio desenvolveu.
Ao LNEC por me ter dado a oportunidade de desenvolver a minha dissertação no âmbito do
projeto de investigação do LNEC “DAMFA: Soluções de ponta para a avaliação sustentável das
fundações de barragens de betão”, que está a ser desenvolvido em parceria com a NOVA.ID.FCT
– Associação para a Inovação e Desenvolvimento da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT)
da Universidade Nova de Lisboa.
ii
Aos meus amigos e companheiros de faculdade, que sempre cumpriram com o referido
companheirismo e que por isso, tornaram o meu percurso académico mais facilitado e
enriquecedor. Pudemos aprender juntos e eu pude aprender com eles. Tenho de lhes agradecer por
isso.
Aos meus amigos de longa data, por serem uma ajuda e inspiração constante. A amizade e a
motivação que sempre me transmitiram é algo que estas palavras não podem representar. Apenas
posso agradecer e esperar poder contar com eles em todos os meus desafios futuros.
À Catarina, pela sua genuína felicidade nos bons momentos e pelo seu apoio e motivação
incansável nos momentos menos bons. Obrigado pela compreensão, incentivo, admiração e por
ser o pilar insubstituível que me acompanhou ao longo do meu percurso. Obrigado pelo teu amor.
Finalmente, agradeço a toda a minha família, em especial aos meus pais. Por estarem
constantemente a meu lado, a desejarem, tanto ou mais que eu, o meu sucesso. Agradeço por toda
a educação e segurança que sempre me transmitiram, pelo esforço constante para que eu evoluísse
não só como estudante, mas também como pessoa. Foram sempre eles a fundação e as bases de
todo o meu percurso enquanto ser humano. Esta dissertação é certamente dedicada a eles. Muito
obrigado.
iii
RESUMO
Neste trabalho é feita uma análise de estabilidade de barragens gravidade para cenários de rotura
por deslizamento, considerando para esse efeito elementos de junta com modelos constitutivos
com enfraquecimento na interface barragem/fundação e no interior do betão. Nas análises
realizadas é tida em consideração a interação hidromecânica na realização de modelos
tridimensionais das barragens em análise.
O estudo desenvolvido nesta dissertação recorre a modelos de barragens gravidade, pelo que foi
realizada uma apresentação introdutória aos principais aspetos relativos a este tipo de barragem,
nomeadamente o seu funcionamento estrutural e principais causas de rotura. Apresentam-se os
princípios fundamentais para a compreensão do comportamento hidromecânico e são
apresentados estudos de verificação e validação do modelo hidromecânico, com recurso ao
módulo computacional utilizado neste trabalho, Parmac3D-FFlow. Apresentam-se também os
modelos constitutivos com enfraquecimento adotados, incluindo uma análise comparativa do
desempenho destes modelos em ensaios de tração, ensaios de corte simples e ensaios de corte sob
compressão constante.
Analisaram-se duas barragens gravidade com alturas diferentes, fundadas em maciços rochosos.
Em ambos os modelos tridimensionais considera-se a existência de cortina de impermeabilização
e de sistema de drenagem. Realizaram-se estudos de estabilidade da superfície de fundação
através do método de redução de resistências e do método de amplificação de carga hidrostática
por aumento da cota de água. Nos estudos apresentados teve-se em consideração o
comportamento linear e não-linear na fundação rochosa, adotando-se modelos com
enfraquecimento no betão e na interface barragem-fundação; analisaram-se também as pressões e
os caudais no inicio de cada análise iterativa.
Palavras-chave: barragem gravidade, fundação rochosa, comportamento hidromecânico,
modelos com enfraquecimento, rotura por deslizamento.
v
ABSTRACT
In this paper, stability analysis of gravity dams is carried out for sliding failure scenarios,
considering joint finite elements with softening based constitutive models in the dam body and in
the dam-foundation contact surfaces. The three-dimensional models developed for the dams under
analysis included hydromechanical interaction.
The study presented herein uses models of gravity dams, so a preliminary presentation was made
concerning the main aspects related to this type of dam, namely its structural functioning and
main failure causes. The fundamental principles for understanding the hydro-mechanical
behaviour are presented as well as verification and validation studies of the hydro-mechanical
model, using the computational module used in this work, Parmac3D-FFlow. Constitutive models
with softening are also presented along with comparative studies of the results obtained with such
models for tensile tests, simple shear tests and shear tests under constant compression.
Two dams with different heights founded on rock masses, were analysed. In both three-
dimensional models, the existence of a grout curtain and a drainage system was considered.
Stability studies of the foundation surface were carried out using the resistance reduction method
and the hydrostatic load amplification method by increasing the water level. In the numerical
analyses carried out, linear and nonlinear behaviour of the rock foundation and softening models
in the concrete and in the dam/foundation interface were considered. The pressure and flow rate
distribution in each model at the start of the iterative analysis are also presented.
Keywords: gravity dam, rock foundation, hydromechanical behaviour, softening models, shear
sliding
vii
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 1
1.1 Enquadramento do tema ................................................................................................................. 1
1.2 Objetivos e metodologia ................................................................................................................. 3
1.3 Organização da dissertação ............................................................................................................. 4
2 BARRAGENS GRAVIDADE ............................................................... 5
2.1 Funcionamento estrutural ............................................................................................................... 5
2.2 Principais problemas associados a barragens gravidade ................................................................... 8
2.3 Legislação e segurança de barragens ............................................................................................. 13
2.3.1 Segurança de barragens .........................................................................................................13
2.3.1.1 Segurança estrutural ......................................................................................................13
2.3.1.2 Monitorização de segurança ..........................................................................................14
2.3.1.3 Segurança operacional...................................................................................................16
2.3.1.4 Plano de emergência .....................................................................................................16
3 COMPORTAMENTO HIDROMECÂNICO DE FUNDAÇÕES DE
BARRAGENS ........................................................................................... 17
3.1 Características dos maciços rochosos de fundação de barragens de betão ....................................... 17
3.2 Interação hidromecânica ............................................................................................................... 21
3.3 Modelação numérica .................................................................................................................... 24
3.3.1 Modelos contínuos e descontínuos ........................................................................................24
3.3.2 Modelo mecânico .................................................................................................................26
3.3.3 Modelo hidráulico.................................................................................................................30
3.3.4 Modelo hidromecânico .........................................................................................................34
3.4 Validação do modelo hidromecânico do módulo computacional Parmac3D-FFlow ........................ 35
3.4.1 Considerações iniciais ...........................................................................................................35
3.4.2 Geometria, propriedades mecânicas e propriedades hidráulicas ..............................................36
3.4.3 Modelo numérico ..................................................................................................................39
3.4.4 Análise de resultados ............................................................................................................41
4 MODELOS CONSTITUTIVOS DE INTERFACE .......................... 53
4.1 Introdução .................................................................................................................................... 53
4.2 Modelo de Mohr-Coulomb com limite de resistência à tração........................................................ 53
4.3 Modelo constitutivo com enfraquecimento bilinear (MC1) ............................................................ 55
4.4 Modelo de fratura/fendilhação de base elasto-plástica (MC2) ........................................................ 56
viii
4.5 Comparação dos resultados numéricos obtidos com os modelos de enfraquecimento ..................... 61
4.5.1 Ensaio de tração ................................................................................................................... 62
4.5.2 Ensaio de corte ..................................................................................................................... 65
4.5.3 Ensaio de compressão/corte .................................................................................................. 68
4.6 Análise dos resultados .................................................................................................................. 73
5 ANÁLISE DE ESTABILIDADE DE BARRAGENS GRAVIDADE
PARA CENÁRIOS DE ROTURA POR DESLIZAMENTO ................. 75
5.1 Considerações iniciais .................................................................................................................. 75
5.2 Geometria, condições de fronteira e propriedades dos materiais .................................................... 76
5.2.1 Geometria do modelo ........................................................................................................... 76
5.2.2 Condições de fronteira mecânicas e hidráulicas ..................................................................... 79
5.2.3 Propriedades dos materiais .................................................................................................... 80
5.3 Modelos numéricos ...................................................................................................................... 81
5.4 Análise de estabilidade da superfície de fundação ......................................................................... 83
5.4.1 Método de redução das resistências ....................................................................................... 84
5.4.1.1 Pressões da água na base da barragem e na cunha do maciço a jusante da obra ............... 88
5.4.1.2 Caudal percolado .......................................................................................................... 89
5.4.2 Método de amplificação da carga hidrostática ....................................................................... 90
5.4.2.1 Pressões na base da barragem e na cunha de fundação ................................................... 95
5.4.2.2 Caudal percolado .......................................................................................................... 97
6 CONCLUSÕES ................................................................................... 99
6.1 Aspetos relevantes dos estudos efetuados ..................................................................................... 99
6.2 Desenvolvimentos futuros .......................................................................................................... 100
7 REFERÊNCIAS ................................................................................ 103
ANEXO - VERIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO DO MÓDULO
COMPUTACIONAL PARMAC3D-FFLOW ....................................... 107
A1.1 Consola ..................................................................................................................................... 107
A1.2 Pórtico com elementos de interface.......................................................................................... 112
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1 - Perfil transversal de uma barragem gravidade (adaptado de INAG, 2001) e
vista geral da barragem de Hoover, EUA (https://www.researchgate.net).......................6
Figura 2.2 – Forças horizontais (FH) e verticais (FV) a considerar no dimensionamento de
uma barragem gravidade (INAG, 2001). .......................................................................7
Figura 2.3 - Barragem de Austin, Pensilvânia (http://www.austindam.net/). ......................... 10
Figura 2.4 - Cidade de Austin antes do acidente (http://www.austindam.net/). ..................... 11
Figura 2.5 - Cidade de Austin depois do acidente (http://www.austindam.net/). ................... 11
Figura 2.6 - Ruínas da barragem de Austin (http://www.austindam.net/). ............................. 11
Figura 2.7 - Barragem de Bouzey, França (http://aufildesmotsetdelhistoire.unblog.fr/) ......... 12
Figura 3.1 - Perfil transversal tipo de uma barragem gravidade com dispositivos de controlo
de escoamento (adaptado de Fel et al., 2005). .............................................................. 20
Figura 3.2 - Diagrama de subpressões na base de uma barragem sem sistema de drenagem. . 21
Figura 3.3 - Diagrama de subpressões na base de uma barragem com sistema de drenagem. 21
Figura 3.4 - Definição de abertura mecânica. ....................................................................... 23
Figura 3.5 - Abertura hidráulica (adaptado de Azevedo & Farinha, 2015). ........................... 24
Figura 3.6 - Ciclo de cálculo do modelo mecânico. .............................................................. 27
Figura 3.7 - Modelo de elemento mecânico de interface (Azevedo et al., 2021). ................... 28
Figura 3.8 - Modelo do elemento de interface - funções de forma e eixos locais (adaptado
de Azevedo & Farinha, 2015)...................................................................................... 29
Figura 3.9 - Elemento de 20 nós e respetivo elemento de interface de 8 nós. ........................ 30
Figura 3.10 - Interface do modelo mecânico, interface hidráulica e elementos de canais de
escoamento. ................................................................................................................ 31
Figura 3.11 - Ciclo de cálculo do modelo hidráulico (Freitas, 2020). .................................... 32
Figura 3.12 - Ciclo de cálculo do modelo hidrodinâmico. .................................................... 35
Figura 3.13 - Geometria do modelo. .................................................................................... 36
Figura 3.14 - Sentido de escoamento da água e identificação das interfaces. ........................ 38
x
Figura 3.15 - Elemento hexaédrico de 20 nós. ..................................................................... 40
Figura 3.16 - Modelo numérico (malha hexaédrica de 20 nós). ............................................ 41
Figura 3.17 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no
modelo hidráulico. ..................................................................................................... 42
Figura 3.18 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no
modelo hidromecânico elástico linear. ........................................................................ 43
Figura 3.19 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no
modelo hidromecânico não-linear. .............................................................................. 44
Figura 3.20 - Caudal escoado para o modelo hidráulico. ..................................................... 45
Figura 3.21 - Ampliação da Figura 3.20 para valores de abertura a0 < 0,0002. .................... 46
Figura 3.22 - Caudal escoado para o modelo hidromecânico – junta elástica linear. ............. 46
Figura 3.23 - Ampliação da Figura 3.22 para valores de abertura a0 < 0,0002. .................... 47
Figura 3.24 - Caudal escoado para o modelo hidromecânico – junta elástica não-linear. ...... 47
Figura 3.25 - Ampliação da Figura 3.24 para valores de abertura a0 < 0,0002. .................... 48
Figura 3.26 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0 × 2 e a0 × 10
para modelo linear dos elementos de junta. ................................................................. 49
Figura 3.27 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0/2 e a0/10
para modelo linear dos elementos de junta. ................................................................. 49
Figura 3.28 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0 × 2 e a0 × 10
para modelo não-linear das juntas. .............................................................................. 50
Figura 3.29 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0/2 e a0/10
para modelo não-linear das juntas. .............................................................................. 51
Figura 3.30 - Variação dos valores de un e a0 com a pressão da água, considerando o
modelo hidromecânico linear...................................................................................... 52
Figura 3.31 - Variação dos valores de un e a0 com a pressão da água, considerando o
modelo hidromecânico não-linear. .............................................................................. 52
Figura 4.1 - Modelo constitutivo de Mohr-Coulomb para tensão de tração limite. ............... 54
Figura 4.2 - Modelo de enfraquecimento unidirecional não acoplado do elemento de junta
(adaptado de Azevedo, 2003). .................................................................................... 55
xi
Figura 4.3 - Modelo constitutivo de enfraquecimento baseado na teoria da plasticidade:
superfície de cedência (F) e potencial plástico (Q) (adaptado de Caballero et al. 2008).57
Figura 4.4 - Evolução de σt e c para diferentes valores de α (adaptado de Caballero et al.,
2008). ......................................................................................................................... 59
Figura 4.5 - Curvas de tan φ para diferentes valores de α (adaptado de Caballero et al.,
2008). ......................................................................................................................... 59
Figura 4.6 - Evolução da superfície de fendilhação em Modo I (adaptado de Caballero et
al., 2008). ................................................................................................................... 60
Figura 4.7 - Evolução da superfície de fendilhação em Modo II (adaptado de Caballero et
al., 2008). ................................................................................................................... 61
Figura 4.8 - Modelo dos ensaios de comparação de modelos constitutivos de junta com
enfraquecimento ......................................................................................................... 62
Figura 4.9 - Modelo frágil no ensaio de tração. .................................................................... 63
Figura 4.10 - MC1 (esquerda) e MC2 (direita) no ensaio de tração. ...................................... 64
Figura 4.11 - Análise comparativa entre MC1 e MC2 no ensaio de tração. ........................... 64
Figura 4.12 - Modo de fratura em tração e correspondente deslocamento ampliado. ............. 65
Figura 4.13 - Modelo frágil no ensaio de corte. .................................................................... 66
Figura 4.14 - MC1 (esquerda) e MC2 (direita) no ensaio de corte. ....................................... 66
Figura 4.15 - Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de corte. ......................................... 67
Figura 4.16 - Modo de fratura em corte e correspondente deslocamento ampliado. .............. 68
Figura 4.17 - Modelo frágil no ensaio de compressão/corte. ................................................. 69
Figura 4.18 - MC1 no ensaio de compressão/corte. .............................................................. 69
Figura 4.19 - MC2 com redução do coeficiente de atrito no ensaio de compressão/corte. ..... 70
Figura 4.20 - MC2 sem redução do coeficiente de atrito no ensaio de compressão/corte. ...... 70
Figura 4.21 – Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de compressão/corte (com redução
de coeficiente de atrito). .............................................................................................. 71
Figura 4.22 – Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de compressão/corte (sem redução
de coeficiente de atrito). .............................................................................................. 71
xii
Figura 4.23 - Modo de fratura em compressão/corte e correspondente deslocamento
ampliado. ................................................................................................................... 72
Figura 5.1 - Geometria dos modelos. .................................................................................. 77
Figura 5.2 - Dimensões do modelo da barragem com altura de 15 m. .................................. 78
Figura 5.3 - Dimensões do modelo da barragem com altura de 30 m. .................................. 78
Figura 5.4 - Malhas 2D geradas em AutoCAD para os Modelos 1 e 2. ................................ 79
Figura 5.5 - Modelo hidromecânico 1. ................................................................................ 82
Figura 5.6 - Modelo hidromecânico 2. ................................................................................ 82
Figura 5.7 - Interfaces dos materiais que constituem o modelo hidromecânico. ................... 83
Figura 5.8 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de redução do
ângulo de atrito para a barragem com altura de 15 m, considerando modelos elásticos
e não-lineares para o betão e fundações lineares e não-lineares. .................................. 85
Figura 5.9 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de redução do
ângulo de atrito para a barragem com altura de 30 m, considerando modelos elásticos
e não-lineares para o betão e fundações lineares e não-lineares. .................................. 86
Figura 5.10 - Distribuição de pressões na base da barragem e na cunha do maciço a jusante
para os Modelos 1 e 2. ................................................................................................ 88
Figura 5.11 - Majoração da pressão hidrostática através do aumento da cota de água........... 90
Figura 5.12 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de aumento da
cota de água para os Modelos de barragem 1 e 2. ........................................................ 91
Figura 5.13 – Modo de rotura (ampliado 20 vezes) da barragem na interface betão/rocha,
considerando os Modelos 1 e 2 com fundação linear. .................................................. 93
Figura 5.14 - Modo de rotura (ampliado 200 vezes) da barragem na interface betão/rocha,
considerando os Modelos 1 e 2 com fundação não-linear. ........................................... 94
Figura 5.15 - Dano nas interfaces considerando MC1 e MC2 para o Modelo 1 de barragem
com fundação linear. .................................................................................................. 95
Figura 5.16 - Dano nas interfaces considerando MC1 e MC2 para o Modelo 2 de barragem
com fundação linear. .................................................................................................. 95
xiii
Figura 5.17 - Distribuição de pressões na base da barragem para os Modelos de barragem 1
e 2. ............................................................................................................................. 96
xv
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1 - Problemas típicos, parâmetros críticos, métodos de análise e critério de
segurança para barragens e fundações (adaptado de Hoek, 2007). ..................................9
Tabela 3.1 - Propriedades mecânicas dos materiais. ............................................................. 37
Tabela 3.2 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface. ......................................... 37
Tabela 3.3 - Propriedades hidráulicas do canal de escoamento e aceleração gravítica. .......... 39
Tabela 3.4 - Discretização da malha do modelo numérico. ................................................... 40
Tabela 3.5 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo hidráulico. ......... 45
Tabela 3.6 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo elástico linear. ... 46
Tabela 3.7 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo não-linear. ......... 47
Tabela 4.1 - Propriedades mecânicas do material dos blocos. ............................................... 62
Tabela 4.2 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de tração. .................. 63
Tabela 4.3 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de corte..................... 65
Tabela 4.4 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de compressão/corte. 68
Tabela 4.5 - Valores esperados das tensões de corte face às tensões normais estipuladas. ..... 72
Tabela 5.1 - Profundidades das cortinas de impermeabilização e de drenagem. .................... 79
Tabela 5.2 - Propriedades mecânicas dos materiais. ............................................................. 80
Tabela 5.3 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface. ......................................... 80
Tabela 5.4 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface em regime não-linear. ....... 81
Tabela 5.5 - Propriedades hidráulicas dos canais de escoamento. ......................................... 81
Tabela 5.6 - Discretização das malhas dos modelos numéricos. ........................................... 83
Tabela 5.7 - Fatores de segurança considerando o método de redução das resistências
(Modelo 1). ................................................................................................................. 87
Tabela 5.8 - Fatores de segurança considerando o método de redução das resistências
(Modelo 2). ................................................................................................................. 87
Tabela 5.9 - Caudais percolados para os Modelos de barragem 1 e 2. ................................... 89
xvi
Tabela 5.10 - Fatores de segurança considerando o aumento de carga hidrostática através
do aumento da cota de água. ....................................................................................... 93
Tabela 5.11 - Caudais percolados para os Modelos de barragem 1 e 2. ................................ 97
xvii
LISTA DE SÍMBOLOS
ah abertura hidráulica [L]
amax abertura hidráulica máxima [L]
amin abertura hidráulica mínima [L]
ao abertura da descontinuidade com tensão normal nula [L]
c constante de amortecimento [-]
a abertura da descontinuidade [L]
A área do elemento plano de interface triangular [L2]
ah,CE abertura média do canal de escoamento [L]
c coesão [L-1MT-2]
𝑐𝑄 coesão aparente [L-1MT-2]
E módulo de elasticidade; módulo de Young [L-1MT-2]
𝐹𝑖(𝑡) forças nodais atuantes num dado instante [LMT-2]
𝐹𝑖𝑐(𝑡)
forças externas devidas ao contacto com blocos vizinhos [LMT-2]
𝐹𝑖𝑒(𝑡)
forças externas aplicadas no ponto nodal [LMT-2]
𝐹𝑖1(𝑡)
forças internas devidas à deformação dos elementos finitos planos
associados [LMT-2]
g aceleração gravítica [LT-2]
GI energia de fratura em modo I [L-1MT-2]
GII energia de fratura em modo II [L-1MT-2]
H altura da barragem [L]
i gradiente hidráulico bidimensional [LL-1]
I momento de inércia [L4]
k coeficiente de resistência do canal de escoamento [LM-1T]
kf condutividade hidráulica [LT-1]
xviii
kh,CE coeficiente de permeabilidade aparente [LT-1]
kn rigidez normal associada ao elemento de interface [L-2MT-2]
ks rigidez tangencial associada ao elemento de interface [L-2MT-2]
kw módulo de compressibilidade da água [L-1MT-2]
Li comprimento de aresta da interface triangular [L]
m massa nodal [M]
NI função de forma associada ao nó I
p peso uniformemente distribuído [MT-2]
Q caudal [L3 T-1]
s segundos [T]
t espessura do elemento de interface [L]
t tempo [T]
�̇�𝑖(𝑡) velocidade do ponto nodal [LT-1]
�̈�𝑖(𝑡) aceleração do ponto nodal [LT-2]
un deslocamento normal da descontinuidade (abertura e fecho) [L]
us deslocamento máximo na direção de corte [L]
v velocidade de escoamento [LT-1]
vk viscosidade cinemática do fluido [L2T-1]
w peso associado ao ponto de integração
w pseudo largura [L]
wcr trabalho interno [LT-2]
y cota; profundidade [L]
z distância a um plano horizontal arbitrário; cota [L]
δ deslocamento [L]
ΔPNH(t) variação de pressão no nó hidráulico [L-1MT-2]
Δt passo de cálculo [T]
xix
μ coeficiente de atrito
ρ massa volúmica [L-3M]
ξII variável adimensional
σ tensão [L-1MT-2]
σn tensão normal na descontinuidade [L-1MT-2]
σt tensão de tração limite [L-1MT-2]
τmax tensão de corte máxima [L-1MT-2]
υ coeficiente de Poisson [-]
φ ângulo de atrito
φ0 ângulo de atrito inicial
φres ângulo de atrito residual
φQ ângulo de atrito aparente
Δun incremento de deslocamento na direção normal da interface [L]
Δus incremento de deslocamento na direção tangencial da interface [L]
ΔQNH(t) soma dos caudais que percorrem os canais de escoamento confluentes num
nó hidráulico [L3T-1]
𝜆 fator multiplicativo [-]
ρw densidade da água; massa volúmica da água [L-3M]
ξI variável adimensional
τs tensão de corte [L-1MT-2]
xx
LISTA DE SIGLAS
ANEPC Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil
APA Agência Portuguesa do Ambiente
CSB Comissão de Segurança de Barragens
FCT/UNL Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
ICOLD International Commission on Large Dams
INAG Instituto da Água
LNEC Laboratório Nacional de Engenharia Civil
NOVA.ID.FCT Associação para a Inovação e Desenvolvimento da FCT
RPB Regulamento de Pequenas Barragens
RSB Regulamento de Segurança de Barragens
LISTA DE ABREVIATURAS
1D 1 dimensão
2D 2 dimensões
3D 3 dimensões
A.C. antes de Cristo
BCC betão compactado com cilindros
EJ elementos de junta
FH força horizontal
FV força vertical
MEF método dos elementos finitos
NH nó hidráulico
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Enquadramento do tema
As barragens, concebidas na sua génese como estruturas para retenção de água, foram criadas
pelo Homem a fim de suprir certas necessidades das populações, sendo utilizadas para diversos
fins, como rega, produção de energia, abastecimento de água para usos domésticos e industriais,
navegação e controlo de cheias. Não surpreende então que, desde a Antiguidade, se tenham
afirmado como uma solução prioritária para um bom funcionamento das civilizações.
A provável primeira barragem a ser construída, por volta do ano de 3000 A.C., estava localizada
na Jordânia a cerca de 100 km da capital Aman e servia como sistema de abastecimento de água à
cidade de Jawa, que deu o nome à referida barragem (Schnitter, 1994). Nos dias de hoje, devido
ao crescimento populacional e desenvolvimento de novas tecnologias, a construção de novas
barragens não está apenas destinada ao abastecimento de água às populações, mas tem também
múltiplos propósitos, como os referidos anteriormente, dos quais se destaca o aproveitamento da
água da barragem como fonte energética.
O crescimento da população global provocou o aumento das necessidades de água nos mais
diversos sectores, nomeadamente, os domésticos, agrícola e industrial. De acordo com a
Comissão Internacional das Grandes Barragens (ICOLD), durante os últimos três séculos, a
quantidade de água doce aproveitada a partir de recursos naturais aumentou 35 vezes e espera-se
que a procura de água aumente anualmente cerca de 2 a 3%, no decorrer das próximas décadas. A
fim de acompanhar a expansão da população e mitigar necessidades socioeconómicas, foi
necessária a construção de grandes barragens (ICOLD, 2021).
Existem atualmente, segundo dados da ICOLD de abril de 2020, 58713 grandes barragens a nível
mundial. A China, o país com o maior número de estruturas deste tipo, possui 23841 exemplares
no seu território, mais do dobro que o segundo país mais representado que são os Estados Unidos
da América. Note-se que, segundo a ICOLD, pode ser considerada como uma grande barragem
aquela que tenha uma altura não inferior a 15 metros, desde a cota inferior da fundação até à cota
de coroamento, ou que tenha uma altura compreendida entre 5 e 15 metros e uma capacidade de
albergar mais de 3 milhões de metros cúbicos de água (ICOLD, 2021).
2
Em Portugal, existem aproximadamente 250 grandes barragens, sendo que parte delas foram
construídas com a finalidade de fornecimento de água para abastecimento público, especialmente
no Sul e no interior do país, ou para regadio. Na região mais a norte, onde os recursos hídricos são
mais abundantes e regulares, construíram-se aproveitamentos hidroelétricos para produção de
energia (APA, 2021).
Para classificar uma barragem é necessário avaliar certas características, como: a dimensão da
estrutura (grandeou pequena barragem), o material utilizado (betão, alvenaria ou aterro), o tipo de
estrutura (gravidade, arco, contrafortes, etc.), a sua utilização (controlo de cheias, regularização de
caudal de rios, produção de energia, etc.), a capacidade de armazenamento e os danos
potenciais/perigosidade. Em Portugal, de acordo com o Decreto-Lei nº 21/2018, de 28 de março,
que agregou num único diploma o Regulamento de Segurança de Barragens (RSB) e o
Regulamento de Pequenas Barragens (RPB), a classificação de barragens é feita em função da sua
perigosidade e dos danos potenciais associados à onda de inundação correspondente ao cenário de
acidente mais desfavorável (classe I, classe II ou classe III, estando a classe I relacionada com
maiores danos) (APA, 2018).
Os maciços rochosos, compostos por blocos de rocha separados por descontinuidades, compõem a
fundação das barragens de betão. É através das referidas descontinuidades que a água atravessa o
maciço desde a zona da albufeira até à zona a jusante da obra. Esta passagem de água (e as
correspondentes pressões instaladas nas descontinuidades) contribui para a deterioração do
maciço e possível deslizamento da estrutura. Segundo o European Club of Icold (2004), os locais
mais prováveis para ocorrer um deslizamento em barragens gravidade são as já referidas
descontinuidades do maciço rochoso, a superfície de contacto betão/rocha e as juntas de ligação
do betão que controlam os esforços de corte e possíveis infiltrações.
Atualmente, de modo a verificar a segurança das barragens, recorre-se a modelos numéricos que
simulam a ligação da barragem e da fundação rochosa, bem como as descontinuidades do maciço.
Um método usualmente utilizado é o Método dos Elementos Finitos (MEF), que permite
representar as descontinuidades das ligações barragem/barragem, barragem/fundação e
fundação/fundação considerando elementos de interface. Estas descontinuidades são
representadas através de elementos de junta com modelos constitutivos, que são apresentados e
discutidos nesta dissertação.
3
1.2 Objetivos e metodologia
A presente dissertação insere-se no projeto de investigação do Laboratório Nacional de
Engenharia Civil (LNEC) “DAMFA - Soluções de ponta para a avaliação sustentável das
fundações de barragens de betão”, que está a ser desenvolvido em colaboração com a
NOVA.ID.FCT – Associação para a Inovação e Desenvolvimento da Faculdade de Ciências e
Tecnologia (FCT/UNL) da Universidade Nova de Lisboa.
Pretende-se com este trabalho averiguar a viabilidade da utilização, na avaliação de segurança ao
deslizamento de barragens de betão, de um modelo descontínuo tridimensional que simule a
interação hidromecânica da fundação. O modelo adotado é uma extensão para 3D do modelo 2D
proposto por Azevedo & Farinha (2015), que admite que o escoamento se dá através de canais
localizados nas arestas de elementos de interface triangulares que simulam as diferentes
descontinuidades.
Este trabalho enquadra-se no seguimento de outras dissertações de Mestrado, nomeadamente as
apresentadas por Reis (2018) e Gomes (2019), onde se consideram modelos não-lineares com
enfraquecimento nas superfícies de contato betão/betão e barragem/fundação, e em que se admite
que a fundação rochosa pode ter um comportamento elástico com coesão nula ou um
comportamento não-linear. A principal diferença para o primeiro dos trabalhos acima é a
utilização de um modelo 3D ao invés do modelo 2D anteriormente utilizado; em comparação com
o segundo trabalho referido acima, procede-se aqui à aplicação de um maior número de modelos
de interface com enfraquecimento.
Foi realizada uma análise de estabilidade de duas barragens gravidade com alturas diferentes,
através de dois métodos distintos: método de redução das resistências e método de amplificação
da carga hidrostática por aumento da cota de água. Determinaram-se os fatores de segurança ao
deslizamento considerando dois modelos constitutivos de interface que simulam as
descontinuidades betão/betão e betão/rocha e avaliou-se o desenvolvimento das pressões e dos
caudais, tendo em conta os diferentes modelos e alturas de barragem. Foi considerado um modelo
com enfraquecimento bilinear apresentado em Azevedo (2003) e outro modelo de fratura com
base elasto-plástica proposto por Caballero et al. (2008).
Por fim, é avaliado o desempenho dos modelos numéricos utilizados na análise para simular
cenários de rotura que envolvam deslizamento pelas superfícies de descontinuidade.
4
1.3 Organização da dissertação
Esta dissertação encontra-se dividida em 6 capítulos, descritos sucintamente de seguida:
i. No primeiro e presente capítulo, apresenta-se sinteticamente o tema abordado ao
longo da dissertação, definindo-se os seus objetivos e a sua metodologia;
ii. O segundo capítulo apresenta uma introdução a diversos aspetos relevantes acerca das
barragens gravidade;
iii. No terceiro capítulo apresentam-se os fundamentos teóricos e práticos alusivos ao
estudo do comportamento hidromecânico de fundações de barragens gravidade, os
modelos numéricos utilizados e a validação do modelo hidromecânico do módulo
computacional utilizado nesta dissertação, Parmac3D-FFlow;
iv. O quarto capítulo apresenta fundamentos teóricos relacionados com os modelos
constitutivos de interface considerados nesta dissertação e estudos de verificação e
validação do modelo mecânico do módulo computacional Parmac3D-FFlow;
v. No quinto capítulo realiza-se uma análise de estabilidade para dois modelos de
barragem diferentes, considerando um cenário de deslizamento na interface
barragem/fundação, adotando-se modelos com enfraquecimento para o betão e
diferentes comportamentos na fundação;
vi. O sexto e último capítulo encerra esta dissertação, apresentando as principais
conclusões que se retiraram do trabalho e perspetivas de desenvolvimento futuro.
5
2 BARRAGENS GRAVIDADE
Neste segundo capítulo são abordados diversos aspetos relativos a barragens gravidade (pois esta
dissertação aborda apenas este tipo de estrutura). Pretende-se expor o modo de funcionamento
estrutural, enunciar os principais problemas associados a este tipo de barragem, relatando alguns
exemplos reais, e por fim, apresentar alguns aspetos da legislação relativos à segurança de
barragens, relevantes para o trabalho que se apresenta.
As barragens gravidade são um dos principais tipos de barragem de betão e alvenaria, a par das
barragens abóbada e barragens de contrafortes. São concebidas e calculadas para resistir, apenas
pelo seu peso próprio, ao impulso da água que retêm e transmitir as solicitações à fundação. A
maioria das barragens de betão são do tipo gravidade, uma vez que estas possuem um elevado
grau de segurança e são, em regra, as mais económicas e simples de construir.
Segundo dados da (ICOLD, 2021), as barragens gravidade totalizam 14% das barragens no
mundo, sendo apenas ultrapassadas em número pelas barragens de aterro, que perfazem 65% do
registo mundial das barragens.
2.1 Funcionamento estrutural
A utilização do betão em obras de barragens gravidade iniciou-se na segunda metade do século
XIX, dado oferecer uma alternativa promissora à típica solução de pedra e alvenaria. Não sendo
perfeita inicialmente, a solução de betão foi sendo modificada, melhorada e atualizada
gradualmente, ajustando-se a composição do cimento e o seu processo de fabrico. No final dos
anos 70 e início dos anos 80 do século XX, surgiu outra alternativa, o betão compactado com
cilindros (BCC) (Schnitter, 1994). O BCC tem a mesma constituição que o betão convencional,
diferindo deste pelo facto de ter um abaixamento praticamente nulo por forma a permitir,
enquanto fresco, o trânsito de equipamentos pesados sobre ele. Comparativamente com as
barragens de betão convencional, as barragens de BCC têm algumas vantagens, tais como (INAG,
2001):
i. Prazos de construção mais reduzidos;
ii. Economia nas obras de derivação provisória;
iii. Menores exigências de qualidade no que se refere aos agregados constituintes do betão;
6
iv. Possibilidade de redução ou eliminação das juntas de contração;
v. Disponibilidade de maior área de trabalho durante a construção e diminuição do risco de
fendilhação associado à retração do betão.
Em Portugal existe uma única barragem de BCC, a barragem de Pedrógão, localizada no rio
Guadiana, cerca de 23 km a jusante da barragem de Alqueva. É uma barragem com 43 m de altura
máxima e comprimento total de 448 m, dos quais 125 m são de betão convencional e 323 m são
de BCC (APA, 2021).
A secção transversal de uma barragem gravidade é aproximadamente triangular, sendo a base
cerca de 80% da altura, e a planta é reta ou com ligeira curvatura. Esta curvatura permite tirar
partido da resistência na direção normal ao eixo do rio, apesar de as barragens gravidade serem
projetadas para resistir tendo em conta apenas a sua secção transversal. As barragens de planta
curva são apropriadas para vales mais estreitos, enquanto as barragens de planta reta são mais
adequadas para vales largos. Na Figura 2.1 a), ilustra-se o perfil tipo de uma barragem gravidade
e em b), uma vista geral da barragem de Hoover, nos EUA, onde se observa a curvatura da
mesma.
Figura 2.1 - Perfil transversal de uma barragem gravidade (adaptado de INAG, 2001) e vista geral da
barragem de Hoover, EUA (https://www.researchgate.net).
No que concerne ao dimensionamento das barragens de gravidade, este deve atender aos seguintes
requisitos: segurança ao derrubamento segundo qualquer plano horizontal, definido no corpo da
7
barragem ou no contacto com a fundação; segurança ao deslizamento em qualquer plano
horizontal, definido no corpo da barragem ou no contacto com a fundação e, ainda, segundo
qualquer descontinuidade geológica na fundação; garantir que as tensões no corpo da barragem e
na fundação não excedem as tensões admissíveis (Thomas, 1979). A relação entre a largura da
base e a altura é definida por forma a verificar estes requisitos.
No dimensionamento, é necessário ter em conta as principais forças atuantes (Figura 2.2). São
estas: as resultantes da pressão hidrostática nos paramentos (FH1, FV1, FH2, FV2); a resultante do
peso próprio (FV3); a resultante da subpressão na base da barragem (FV4); as forças de inércia do
corpo da barragem (FH5, FV5) e as pressões hidrodinâmicas no paramento de montante, devidas
às ações sísmicas (FH6).
Figura 2.2 – Forças horizontais (FH) e verticais (FV) a considerar no dimensionamento de uma
barragem gravidade (INAG, 2001).
Estas forças estão associadas a dois tipos de ações: ações estáticas e ações dinâmicas. As
primeiras incluem o peso próprio da barragem, a pressão hidrostática e a subpressão.
O peso próprio é a principal ação estabilizante a atuar numa barragem gravidade, pelo que o
correspondente esforço vertical deve ser o maior possível. Este é dado pelo volume da secção
considerada multiplicado pelo peso específico do material utilizado, neste caso o betão. Esta ação
deve ser considerada como carga permanente.
A pressão hidrostática corresponde ao impulso provocado pela água nos paramentos a montante e
jusante da barragem. A sua componente é calculada pela altura da água, a partir da base da
8
estrutura até à superfície, multiplicada pelo peso específico da água. No caso ilustrado na Figura
2.2, dado que o paramento a montante tem uma dada inclinação, a pressão da água tem uma
componente horizontal e outra vertical.
A subpressão é o nome dado à pressão hidrostática normal à base da barragem, exercida no
contacto da estrutura com o maciço de fundação ou numa qualquer descontinuidade, devida à
presença de água no maciço de fundação da barragem. Nas barragens gravidade, essa pressão é
nociva à estabilidade da estrutura, devendo ser dimensionados órgãos de drenagem da água na
fundação a fim de diminuir a subpressão (Oliveira, 2018).
Quanto às ações dinâmicas a considerar, estas são as forças de inércia e as pressões
hidrodinâmicas. Ambas podem ser aproximadas a forças estáticas equivalentes, permitindo assim
simular o efeito de um sismo numa barragem.
2.2 Principais problemas associados a barragens gravidade
Segundo dados estatísticos, a fase crítica da vida de uma barragem ocorre durante a sua
construção ou durante o primeiro enchimento completo da albufeira, prolongando-se por 5 a 7
anos após a sua conclusão. No entanto, é importante apontar que esta aferição se refere
fundamentalmente à ocorrência de deficiências construtivas (Antunes do Carmo, 2013).
Segundo Hoek (2007), a principal causa de rotura de barragens gravidade é a falta de resistência
ao corte na superfície de ligação barragem/maciço da fundação ou em descontinuidades do
maciço rochoso de fundação próximas da base da barragem e com orientação desfavorável. Na
Tabela 2.1, esta informação está complementada com os principais problemas e outros parâmetros
e critérios relativos a este tipo de barragem
Como é sabido, as barragens gravidade enfrentam um potencial perigo no que toca ao
deslizamento. Sendo assim, os projetos neste tipo de barragem incluem tradicionalmente um fator
de segurança contra o deslizamento. Este define-se como o fator pelo qual os parâmetros de
resistência ao corte podem ser reduzidos de forma a conduzir a fundação da barragem a um estado
de equilíbrio limite (Morgenstern, 1991). O valor numérico do fator de segurança depende do
grau de confiança do projetista nos parâmetros de resistência ao corte, nas subpressões, no local
da superfície de falha crítica e na magnitude das forças externas que atuam sobre a estrutura.
9
Nas barragens gravidade, é recomendado um fator de segurança de 3.0 para condições normais de
carregamento e quando a informação relativa aos parâmetros de resistência é limitada. Este valor
pode ser reduzido para 2.0 quando os parâmetros de resistência são determinados por amostras de
um programa de investigação ou por experiências anteriores (USBR, 1973).
De seguida, apresentam-se na Tabela 2.1, de forma estruturada, os problemas típicos, os
parâmetros críticos, os métodos de análise e os critérios de segurança referentes às barragens
gravidade e suas fundações.
Tabela 2.1 - Problemas típicos, parâmetros críticos, métodos de análise e critério de segurança para
barragens e fundações (adaptado de Hoek, 2007).
Problemas típicos
Rotura por corte na interface betão/fundação ou no maciço de
fundação.
Formação de fissuras por tração no pé de montante da barragem.
Escoamento pela fundação e descontinuidades.
Parâmetros críticos
Presença de zonas de menor resistência ou mais permeáveis no
maciço rochoso.
Resistência ao corte na interface betão/maciço rochoso.
Resistência ao corte do maciço rochoso.
Eficácia das cortinas de impermeabilização e dos sistemas de
drenagem.
Estabilidade das encostas das albufeiras.
Métodos de análise
Estudos paramétricos, utilizando métodos de equilíbrio limite,
devem ser usados para investigar o deslizamento na interface
betão/maciço rochoso e o deslizamento em descontinuidades de
fraca resistência na fundação.
É necessário efetuar um elevado número de testes à rotura, a menos
que esteja disponível uma análise com deteção automática de
superficies de rotura crítica.
Critério de segurança
O fator de redução contra a rotura da fundação deve exceder 1,5
para condições normais de operação de toda a albufeira, desde que
sejam usados valores de resistência ao corte conservativos (c´≈ 0).
Fator de segurança ˃ 1,3 para cheia máxima provável (CMP).
Fator de segurança ˃ 1 para sismo máximo credível e CMP.
10
A fim de complementar melhor toda a informação enunciada, apresentam-se dois casos de
barragens gravidade em que se deu a rotura pela fundação.
O primeiro caso que se apresenta é o da barragem de Austin (Figura 2.3), construída em 1909 na
Pensilvânia, Estados Unidos da América. A barragem, construída em betão ciclópico,
media 13,1 m de altura e tinha uma extensão longitudinal de 162,8 m, tendo sido fundada em
arenito estratificado horizontalmente com camadas intercaladas de xisto e arenito desintegrado. A
estrutura sofreu dois acidentes, o primeiro em 1910 e o segundo em 1911. A primeira situação
deveu-se a um deslizamento da fundação, causado por chuva e neve derretida, que encheu a
albufeira e provocou um fluxo de água significativo, originando assim infiltrações no maciço que
acabaram por deslocar parte da base da barragem de 0,46 m. Infelizmente, após este primeiro
acidente, não foram realizadas as reparações necessárias e a barragem foi colocada em serviço
novamente. Assim, em 1911, devido a falhas estruturais (testemunhas indicam que um bloco perto
da base da barragem, a 30.5 m da margem direita, cedeu, deixando a água passar) foram
contabilizadas 78 fatalidades. Concluiu-se que o deslizamento se deu ao longo de uma camada de
argila xistosa, que era a zona mais fraca da fundação (USBR, 1998).
Figura 2.3 - Barragem de Austin, Pensilvânia (http://www.austindam.net/).
Nas Figuras 2.4, 2.5 e 2.6, pode-se observar, respetivamente, a cidade antes do desastre, a cidade
depois de ter sido devastada e, finalmente, as ruínas da barragem.
11
Figura 2.4 - Cidade de Austin antes do acidente (http://www.austindam.net/).
Figura 2.5 - Cidade de Austin depois do acidente (http://www.austindam.net/).
Figura 2.6 - Ruínas da barragem de Austin (http://www.austindam.net/).
12
O segundo caso que se apresenta é o da barragem de Bouzey (Figura 2.7), situada no rio
L’Aviere, Nordeste de França. Construída em 1880, esta barragem gravidade de alvenaria media
22 m de altura e tinha 525 m de desenvolvimento no coroamento, tendo sido fundada em estratos
horizontais de arenito. Em março de 1884, devido ao surgimento de fissuras e durante o primeiro
enchimento da albufeira, um troço central da barragem com extensão de 135 m deslizou 0,34 m
causando o primeiro de dois acidentes que a barragem sofreu. Após uma fase de estudo e análise,
iniciou-se um processo de melhoramento que resultou numa adição de um contraforte a jusante e
tratamento das fendas a montante.
Em novembro de 1895, durante o subsequente enchimento da albufeira, a barragem sofreu uma
rotura repentina. A faixa central superior da barragem, com extensão de 170 m e 10,5 m de altura,
desprendeu-se e a estrutura rompeu, inundando a aldeia de Bouzey e provocando a morte a mais
de 100 pessoas.
Foi após a rotura desta barragem que se começou a dar mais atenção aos efeitos da pressão interna
em barragens de alvenaria e aos efeitos da subpressão nas fundações; consequentemente,
começaram a existir critérios de segurança relacionados com estes efeitos. A fundação de estratos
de arenito apresentava descontinuidades e a cortina de impermeabilização no pé de montante não
tinha profundidade suficiente para mitigar a infiltração da água por debaixo da estrutura. Para
além disto, juntas de alvenaria deficientes permitiram a entrada de água a cotas mais elevadas
onde a espessura da barragem era mais reduzida (USBR, 1998).
Figura 2.7 - Barragem de Bouzey, França (http://aufildesmotsetdelhistoire.unblog.fr/)
13
2.3 Legislação e segurança de barragens
2.3.1 Segurança de barragens
Os dois objetivos fundamentais de um sistema de segurança são a mitigação de todos os riscos
associados e o controlo sobre os riscos que não foi possível minimizar. A fim de alcançar estes
objetivos, um sistema de segurança aplicado às grandes barragens deve assentar nos seguintes
elementos chave (Wieland, 2014):
i. Segurança estrutural (elementos principais: critérios de projeto geológico, hidráulico e
sísmico; critérios de projeto e métodos de análise podem ter de ser atualizados quando
nova legislação e regulamentação é introduzida);
ii. Monitorização da segurança da barragem (elementos principais: instrumentação da
barragem, inspeções e avaliações de rotina realizadas por técnicos especializados);
iii. Segurança operacional (elementos principais: regras para o funcionamento do
reservatório sob condições hidrológicas normais e extraordinárias, treinos de formação
para pessoal especializado, manutenção da barragem e descarga de sedimentos. O segredo
fundamental para uma longa duração de vida da barragem é a manutenção de todas as
componentes da estrutura);
iv. Emergência e gestão do risco (elementos principais: planos de ação para emergências,
mapas de inundação, sistemas de alarme, planos de evacuação, etc.).
Avaliações de segurança periódicas são indispensáveis, pois permitem definir que medidas devem
ser tomadas para manter ou melhorar a segurança da barragem. Todas as deficiências
identificadas devem ser imediatamente corrigidas após dado um parecer especializado. Assim,
desde que todos os critérios de segurança sejam garantidos, uma barragem pode ser considerada
segura.
2.3.1.1 Segurança estrutural
A segurança estrutural é o principal pré-requisito para um funcionamento seguro de uma
barragem e, consequentemente, para a sua sustentabilidade. A base para a segurança estrutural
começa na fase de projeto, tornando-se muito importante que todos os riscos que possam afetar a
14
barragem sejam tidos em conta. Os riscos podem estar relacionados com o meio ambiente onde
está inserida a estrutura, mas também serem devidos ao local e a deficiências do projeto. Portanto,
o projeto deve ser desenvolvido tendo em conta o pior cenário possível para ocorrências que
possam afetar o normal funcionamento da barragem, nomeadamente inundações e sismos.
Em Portugal, de acordo com o Artigo 5.º da Secção II do RSB (APA, 2018), o controlo de
segurança é feito pelas seguintes entidades:
a. A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA, I.P.), na qualidade de organismo com
competências genéricas de controlo de segurança das barragens (Autoridade), a quem
compete promover e fiscalizar o cumprimento do Regulamento de Segurança de
Barragens;
b. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), na qualidade de consultor da
Autoridade em matéria de controlo de segurança das barragens;
c. A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), como entidade orientadora e
coordenadora das atividades de proteção civil a nível nacional;
d. A Comissão de Segurança de Barragens (CSB), que funciona junto da APA e tem as
competências definidas no RSB, nomeadamente a de analisar a situação das barragens do
ponto de vista da segurança;
e. Dono de obra, cujo papel é promover o bom funcionamento e segurança de uma barragem
(aspetos principais: promover a elaboração do projeto, plano de observação e primeiro
enchimento, promover a execução da obra, suportar as despesas relativas ao controlo de
segurança e outros estudos considerados indispensáveis pela Autoridade, etc.).
2.3.1.2 Monitorização de segurança
De acordo com a Parte IV dos documentos técnicos de apoio ao RSB (APA, 2018), as atividades
de observação e inspeção das barragens têm por objetivos essenciais a avaliação das condições de
segurança estrutural e da modelação do comportamento das obras, assim como a aferição dos
critérios de projeto. Estas atividades desenvolvem-se ao longo da vida de uma obra e
compreendem, nomeadamente:
i. O planeamento dos trabalhos;
15
ii. A inspeção visual das obras;
iii. A instalação, manutenção e exploração de um sistema de observação, constituído por
dispositivos de medida das grandezas, relativas às ações, às propriedades estruturais e às
respostas das estruturas, selecionadas para o controlo do comportamento das obras;
iv. A compilação, análise e interpretação de toda a informação recolhida.
Para além das já referidas inspeções visuais, o RSB prevê também inspeções conduzidas pela
Autoridade, durante e no final da construção, antes do primeiro enchimento, após o primeiro
enchimento e durante a exploração.
As inspeções visuais têm como objetivos essenciais (APA, 2018):
i. A deteção de sinais ou evidências de deterioração, comportamentos anómalos ou
sintomas de envelhecimento da barragem;
ii. A deteção de anomalias do sistema de observação.
As anomalias que se observam mais frequentemente durante as inspeções visuais relacionam-se
com a ocorrência de movimentos diferenciais entre blocos, existência de fissuração significativa e
percolações não controladas através do corpo da obra ou da fundação (INAG, 2001).
O plano de observação deve conter indicações sobre os locais e aspetos a ter em especial
consideração, em face das características da obra a observar, bem como prever a execução e
conter indicações sobre os resultados relativos aos três tipos de inspeção visual. São estes (APA,
2018):
a. Inspeções visuais de rotina;
b. Inspeções visuais de especialidade;
c. Inspeções visuais de carácter excecional.
Um plano de observação eficiente inclui o planeamento de um sistema de observação
perfeitamente adaptado a todas as fases da vida de uma obra. Entende-se por sistema de
observação o conjunto de dispositivos instalados para medição das grandezas selecionadas para o
16
controlo de segurança da obra, relativas às ações, às propriedades dos materiais e às respostas das
estruturas e suas fundações.
2.3.1.3 Segurança operacional
A segurança operacional de barragens por vezes é esquecida; no entanto, não deve ser
menosprezada. Assim, devem ser tomadas todas as precauções necessárias, nomeadamente:
diretrizes operacionais para o reservatório para condições hidrológicas usuais, incomuns e
extremas, treino de pessoal especializado na manutenção da barragem, procedimentos de
manutenção da barragem, apoio especializado e reativo no caso de comportamentos incomuns na
barragem, etc. (Wieland, 2014).
2.3.1.4 Plano de emergência
O plano de emergência é definido para a pior situação possível, ou seja, é necessário saber lidar
com uma falha na barragem que provoque inundações graves e não controladas. Assim, o
principal objetivo num planeamento de um caso de emergência é assegurar que nenhuma vida
humana é perdida.
Em caso de emergência, o dono de obra é o responsável por monitorizar, determinar níveis de
alarme apropriados, notificar as autoridades competentes que devem avisar e evacuar a população
que pode ser afetada, implementar ações de emergência na barragem, determinar quando o
cenário de emergência já não existe e documentar todas as atividades ao longo do processo.
Segundo a INAG (2001), devem-se considerar dois tipos de planos de emergência: o plano de
emergência interno, referente à barragem, albufeira e zona ao redor do vale a jusante; e o plano
de emergência externo, referente à proteção do vale a jusante afastado da barragem.
17
3 COMPORTAMENTO HIDROMECÂNICO DE FUNDAÇÕES DE
BARRAGENS
No presente capítulo abordam-se os principais fundamentos relacionados com o comportamento
hidromecânico de fundações de barragens. Numa primeira instância, apresentam-se as principais
características dos maciços rochosos requeridas para o bom comportamento de uma barragem de
betão e os dispositivos de controlo da percolação da água. Posteriormente, aborda-se o
comportamento hidromecânico das descontinuidades dos maciços rochosos e, finalmente,
apresentam-se os modelos de cálculo utilizados.
3.1 Características dos maciços rochosos de fundação de barragens de betão
Um maciço rochoso define-se como um conjunto de blocos de rocha que se encontram contíguos
e articulados. Estes são delimitados por superfícies denominadas por descontinuidades, que
afetam as propriedades e o comportamento mecânico do maciço, e cuja resistência à tração é
diminuta ou até mesmo nula. O termo “descontinuidade” pode ser classificado como termo geral
para superfícies de estratificação, planos de xistosidade, diaclases e falhas (ISRM, 2007).
As falhas e as diaclases consideram-se como os tipos de descontinuidades mais frequentes na
natureza. O primeiro tipo de descontinuidade referido (falha) é descrito como uma fratura que
provocou um deslocamento e que varia desde alguns centímetros até vários quilómetros ao longo
da superfície de falha. Importa mencionar que as paredes das falhas são rugosas, mas estão muitas
vezes polidas por consequência de movimentos de fricção entre rochas dos dois lados da falha,
devidos a deslocamentos de corte. Frequentemente, o maciço rochoso encontra-se alterado e
desgastado em ambos os lados da falha. Consequentemente, o material deteriorado pode
contribuir para o preenchimento das falhas. Finalmente, é de referir que as aberturas das falhas
variam entre milímetros até centenas de metros (ISRM, 2007).
A diaclase é um tipo de descontinuidade em que ocorre uma fratura com um deslocamento pouco
significativo ao longo da superfície de falha. Designa-se por família de diaclases, um conjunto de
diaclases que se formam paralelamente numa dada região, sendo que um conjunto de duas ou
mais famílias de diaclases identifica-se como um sistema de diaclases. As diaclases de corte são
aquelas que têm origem em tensões de corte, enquanto as diaclases de tração formam-se por
tensões de tração (Gomes, 2019).
18
Apresentam-se de seguida os parâmetros que caracterizam as descontinuidades ou famílias de
descontinuidades, tanto a nível geométrico como a nível físico (ISRM, 2007). Dentro destes
parâmetros, são de mencionar:
i. A orientação, que define o plano de descontinuidade no espaço e é definida pela
inclinação correspondente ao ângulo da linha de maior declive (mergulho do plano) em
relação ao plano horizontal e pela direção de mergulho que corresponde ao ângulo entre a
linha de máxima pendente do plano de descontinuidade em relação ao Norte, medido no
sentido do ponteiro dos relógios;
ii. O espaçamento, geralmente referente ao espaçamento médio ou modal de uma família de
descontinuidades, condiciona o tamanho dos blocos que constituem um maciço rochoso.
Este parâmetro define a distância entre descontinuidades adjacentes e é medida
perpendicularmente aos seus planos;
iii. A persistência, também classificada como continuidade, define-se como a extensão em
área de uma descontinuidade ou como a dimensão de uma descontinuidade num plano;
iv. A rugosidade, existente nas paredes de uma descontinuidade, pode ser caracterizada por
ondulações relativas ao plano médio da descontinuidade e representa uma componente
importante na resistência ao corte;
v. A abertura, que se define pela distância, medida na perpendicular, que separa as paredes
adjacentes de uma descontinuidade no qual o respetivo espaço está preenchido com ar,
água e outros sedimentos provenientes das paredes das descontinuidades;
vi. O preenchimento, termo utilizado para descrever o material que ocupa o espaço entre as
paredes da descontinuidade e que possui propriedades distintas do material da rocha,
sendo usualmente mais fracas que as deste último.
Assim, sendo os maciços rochosos de fundações de barragens estruturas descontínuas,
heterogéneas e anisotrópicas, a água percola pelas descontinuidades, o que torna imprescindível
considerar o efeito das pressões da água nas descontinuidades do maciço e o efeito das
subpressões na superfície de contacto betão/fundação. Logo, requer-se que as fundações
disponham de algum tratamento para garantir os requisitos necessários de estabilidade,
deformação e estanquidade. Ao aplicarem-se estes tratamentos, deseja-se que certos objetivos
sejam cumpridos, tais como: melhorar o contacto entre a fundação e a barragem, aumentar a
19
resistência ao corte e a rigidez da fundação, aumentar a estabilidade dos encontros, garantir que as
subpressões não são elevadas e reduzir a percolação de água na fundação (ICOLD, 2005). Nesse
sentido, a realização do tratamento envolve: i) injeções de consolidação; ii) injeções para
execução de um sistema de impermeabilização; e iii) criação de um sistema de drenagem.
As injeções de consolidação servem o propósito de aumentar a compacidade do material rochoso
ao melhorar a sua resistência mecânica e o seu módulo de elasticidade na zona adjacente à
superfície de inserção, de modo a diminuir a permeabilidade e a possibilidade de assentamentos
prejudiciais à estabilidade da estrutura. As injeções de calda de cimento são aplicadas em toda a
área de fundação da barragem, garantindo a consolidação de rochas fraturadas de baixa
resistência, sendo usualmente realizadas com uma grelha de furos primários espaçados de 3 m
entre si, excetuando zonas que exijam um tratamento especial. Por norma, é recomendável
realizar os furos em direções opostas, em fiadas alternadas, de maneira a aumentar a
probabilidade de interseção com descontinuidades (Gama, 2012). Este tipo de tratamento é
realizado a profundidades relativamente pequenas, não ultrapassando em geral 10 m para
barragens pequenas e 20 m para barragens grandes (Londe & Le May, 1993)
O sistema de impermeabilização tem o objetivo de reduzir a percolação de água sob as barragens
e atenuar a velocidade de escoamento das mesmas para um nível mais controlado. Em barragens
gravidade, é usual a instalação de uma galeria no seu interior, para efeitos de operações de injeção
da cortina de impermeabilização, bem como para a realização de furos para fins de drenagem. A
cortina é executada com injeção de calda de cimento (ou outro material) preenchendo as fissuras
do maciço. Numa barragem de betão assente num maciço rochoso de condições favoráveis, é
levada a cabo, o mais a montante possível, uma fiada de furos paralelos ao alinhamento da
barragem e orientados de tal modo que garantem o preenchimento com calda de cimento da maior
quantidade de descontinuidades, em regra com orientação perpendicular ao sentido de escoamento
da água (Gama, 2012).
Adicionalmente ao sistema de impermeabilização anteriormente descrito, é realizado, de maneira
complementar, um sistema de drenagem a jusante da cortina de impermeabilização, com o
propósito de recolher a água percolada na fundação que aflui à galeria de drenagem. Este sistema
mostra ser eficaz no controlo das subpressões, na medida em que as pressões na superfície de
contacto entre a barragem e fundação, bem como nos planos de descontinuidades, são aliviadas. É
exemplo da necessidade de execução de furos de drenagem a situação de fundações com
20
descontinuidades de abertura bastante reduzida, onde existe a possibilidade de se instalarem
elevadas pressões de água.
Como referido anteriormente, a cortina de drenagem é executada a jusante da cortina de
impermeabilização, sendo que a primeira, por norma, possui um comprimento em profundidade
de um terço a metade da dimensão da segunda (Mendonça, 2017).
De seguida, representa-se na Figura 3.1 um perfil transversal tipo de uma barragem gravidade que
inclui os dispositivos de tratamento referidos anteriormente.
Figura 3.1 - Perfil transversal tipo de uma barragem gravidade com dispositivos de controlo de
escoamento (adaptado de Fel et al., 2005).
Nos casos em que a instalação de uma cortina de drenagem não é considerada, o diagrama de
subpressões na base da barragem é aproximadamente linear (admitindo-se que o maciço rochoso
de fundação é homogéneo) no percurso de percolação da água entre as posições de montante e
jusante, verificando-se a ocorrência de perdas de energia até a subpressão igualar a pressão de
água existente a jusante.
Quando é utilizado um sistema de drenagem, para além de se considerar a influência da altura da
água a montante e jusante da barragem, também se considera a cortina de drenagem para este
efeito. Nesta situação, o diagrama de subpressões é aproximadamente bilinear.
21
Nas Figuras 3.2 e 3.3, observa-se, respetivamente, o diagrama de subpressões adotado em fase de
projeto de uma barragem gravidade caso não se considere um sistema de drenagem ou se admita
que o sistema de drenagem não está operacional, e outro considerando a presença de uma cortina
de drenagem.
Figura 3.2 - Diagrama de subpressões na base de uma barragem sem sistema de drenagem.
Figura 3.3 - Diagrama de subpressões na base de uma barragem com sistema de drenagem.
3.2 Interação hidromecânica
O escoamento de água em maciços rochosos ocorre sobretudo através das descontinuidades,
havendo de modo simultâneo e interdependente, uma interação entre o comportamento mecânico
e o comportamento hidráulico. Esta interdependência é garantida, na medida em que as variações
na percolação de água causam variações nas forças de escoamento e nas tensões efetivas, pelo que
22
estas ações mecânicas modificam o campo de tensões, provocando deformações no maciço
rochoso alterado. Por sua vez, estas deformações afetam a permeabilidade e, consequentemente, a
percolação. Os mecanismos da interação acima referida, dão-se entre a abertura das
descontinuidades, a permeabilidade do maciço, a pressão efetiva e o campo de tensões no maciço
(Jing & Stephansson, 2007).
De modo a entender o comportamento hidrodinâmico das fundações de barragens de betão, é
essencial compreender o fenómeno do escoamento numa descontinuidade do maciço rochoso.
Esta ocorrência é usualmente analisada através de um modelo de escoamento denominado por
modelo de placas paralelas, que simula a descontinuidade como um espaço vazio (sem
preenchimento material) entre duas placas lisas e paralelas (Snow, 1965; Louis & Maini, 1970).
Tendo em conta a geometria descrita anteriormente para a descontinuidade de um maciço
rochoso, a velocidade média de escoamento para um fluxo laminar incompressível em estado
estacionário é dada por:
𝒗 = 𝒌𝒇 𝒊 (3.1)
Onde 𝑖 [m m-1] representa o gradiente hidráulico e 𝑘𝑓 [m s-1] a condutividade hidráulica da
descontinuidade, dada por:
𝒌𝒇 =𝒂𝟐 𝒈
𝟏𝟐 𝒗𝒌
(3.2)
Onde 𝑎 [m] representa a abertura da descontinuidade, 𝑣𝑘 [m2 s-1] a viscosidade cinemática do
fluido e 𝑔 [m s-2] a aceleração gravítica.
Assim, o caudal por unidade de largura, 𝑞, é expresso por:
𝒒 = 𝒗 𝒂 = 𝒂𝟑 𝒈
𝟏𝟐 𝒗𝒌 𝒊
(3.3)
Verifica-se na Equação (3.3) que o caudal entre placas paralelas é proporcional ao cubo da
abertura da descontinuidade (lei cúbica do escoamento), o que permite concluir que uma ligeira
alteração na componente da abertura tem implicações consideráveis no valor do caudal.
23
Estudos laboratoriais revelam que a rugosidade e a abertura de uma descontinuidade são os
fatores principais que regem o escoamento da água (Barton & de Quadros, 1997). A lei cúbica do
escoamento, apoiada no modelo de placas paralelas, considera apenas a influência da abertura no
escoamento atendendo à impossibilidade de medição do fator de rugosidade em regime de
escoamento, revelando-se assim como um modelo aproximado da realidade. Contudo, apesar de o
modelo referido ser considerado adequado, alguns autores introduziram um coeficiente de
rugosidade para caracterização do escoamento em descontinuidades.
Tendo por base as noções anteriores, Barton et al. (1985) sugeriram a existência de uma abertura
mecânica e uma abertura hidráulica de valores distintos, em adição ao fator corretivo relativo às
descontinuidades do maciço rochoso. A abertura mecânica define-se como a distância média entre
duas superfícies de descontinuidade, medida na perpendicular ao plano estabelecido, como se
observa na Figura 3.4. No que concerne à abertura hidráulica (𝑎ℎ), verifica-se que esta é sempre
inferior à abertura mecânica e que a relação entre as duas depende da rugosidade da
descontinuidade. Para além desta característica, pode-se também aferir que a abertura hidráulica
depende não só da abertura mecânica, como também do caudal de escoamento que percorre a
descontinuidade. A abertura hidráulica pode ser determinada através de análises de escoamento
em laboratório ou através de testes in situ (Olsson & Barton, 2001).
Figura 3.4 - Definição de abertura mecânica.
Em conformidade com o esquema apresentado no programa UDEC (Itasca, 2004), a abertura
hidráulica é obtida em função do deslocamento normal da descontinuidade (abertura mecânica),
𝑢𝑛, e de três parâmetros (𝑎0, 𝑎𝑚𝑖𝑛 e 𝑎𝑚𝑎𝑥), de acordo com:
24
𝒂𝒉 = {𝒂𝒎𝒊𝒏 𝒔𝒆 𝒖𝒏 + 𝒂𝟎 < 𝒂𝒎𝒊𝒏
𝒖𝒏 + 𝒂𝟎 𝒔𝒆 𝒂𝒎𝒊𝒏 ≤ 𝒖𝒏 + 𝒂𝟎 ≤ 𝒂𝒎𝒂𝒙
𝒂𝒎𝒂𝒙 𝒔𝒆 𝒖𝒏 + 𝒂𝟎 > 𝒂𝒎𝒂𝒙
(3.4)
Através da representação gráfica presente na Figura 3.5, é possível compreender melhor o
significado físico dos três parâmetros anteriormente referidos para definição da abertura
hidráulica. O valor 𝑎0 representa a abertura da descontinuidade com tensão normal nula,
traduzindo a permeabilidade do meio quando livre de tensões derivadas de solicitações exteriores.
O valor de 𝑎𝑚𝑖𝑛 representa a abertura hidráulica mínima, que é considerada em situações em que
as descontinuidades estão altamente comprimidas (embora a passagem de água nunca esteja
impedida). Finalmente, o valor de 𝑎𝑚𝑎𝑥 representa a abertura hidráulica máxima, que é adotada a
fim de limitar o caudal que percorre a descontinuidade.
Figura 3.5 - Abertura hidráulica (adaptado de Azevedo & Farinha, 2015).
3.3 Modelação numérica
3.3.1 Modelos contínuos e descontínuos
O comportamento hidromecânico dos maciços de fundação das barragens pode ser simulado
modelando o maciço rochoso através de um meio contínuo equivalente, ou considerando
explicitamente as descontinuidades. No segundo caso considera-se que o escoamento ocorre pelas
descontinuidades, desprezando assim o escoamento através da matriz rochosa. São alguns os
fatores que permitem optar ora pela abordagem contínua (utilizando o método dos elementos
25
finitos, métodos das diferenças finitas ou método dos elementos de fronteira), ora pela abordagem
descontínua (através do método dos elementos discretos ou da análise descontínua de
deformação). Os fatores que devem ser apreciados previamente à escolha do tipo de modelação
são: a extensão e o espaçamento das descontinuidades (quando comparadas com a dimensão da
zona em estudo) e a geometria da fraturação do maciço.
Também é possível adotar um modelo descontínuo com elementos finitos, desde que se adotem
elementos finitos de junta na discretização das descontinuidades. Comparativamente a uma
modelação com elementos discretos, a abordagem com elementos finitos de junta é
computacionalmente menos exigente. No entanto, é necessário realizar um trabalho de pré-
processamento que garanta que a interação entre elementos finitos de volume ou área, é face/face,
em 3D, ou aresta/aresta, em 2D. Uma modelação descontínua com base num modelo de
elementos finitos apresenta, comparativamente a uma abordagem baseada no método dos
elementos discretos, a desvantagem de a análise ter de ser limitada a pequenos deslocamentos. No
entanto em (Azevedo & Farinha, 2015) demonstra-se que uma análise em pequenos
deslocamentos é suficiente para avaliar a segurança ao deslizamento de barragens gravidade, quer
sob ações dinâmicas, quer sob ações estáticas.
Em modelos contínuos equivalentes, devem ajustar-se as propriedades dos materiais de forma que
o comportamento hidrodinâmico do maciço rochoso seja adequadamente representado. Em
relação ao escoamento na fundação, este pode ser estimado através da identificação de diferentes
áreas do maciço rochoso em que são atribuídos valores de permeabilidade equivalente distintos
(obtidos por meio de ensaios in situ). As forças de percolação induzem deformações no meio
contínuo que acabam por alterar a permeabilidade. Assim, este tipo de análise requer o
estabelecimento prévio de correlações entre tensão/deformação e a permeabilidade do maciço
(Farinha, 2010).
Em modelos descontínuos, as descontinuidades são representadas através das suas próprias
propriedades hidromecânicas e assume-se que é apenas através destas que se processa o
escoamento pelo maciço rochoso. A pressão de água origina variações nas aberturas das
descontinuidades que, consequentemente, interferem com o valor do caudal escoado. Este tipo de
solução implica a existência de dados de caracterização do meio hidráulico e do meio mecânico,
tais como orientação e espaçamento das descontinuidades, a rigidez normal e tangencial das
mesmas, aberturas normais e aberturas residuais (Farinha, 2010).
26
Nesta dissertação, é adotado um modelo hidrodinâmico descontínuo tridimensional baseado numa
tecnologia de elementos finitos de junta. Este modelo insere-se no módulo computacional
Parmac3D-FFlow, desenvolvido inicialmente para análise de fratura em betão, e que tem sido
adaptado para a análise do comportamento e da estabilidade de barragens de betão em situações
estáticas e dinâmicas. A adoção de discretizações equivalentes ao longo das arestas dos blocos em
contacto permite que se obtenham campos de tensões compatíveis nas interfaces (Azevedo, 2003;
Azevedo & Farinha, 2015), atingindo-se assim um desempenho superior ao obtido com base em
modelos de elementos discretos.
3.3.2 Modelo mecânico
A análise mecânica, realizada a partir do módulo computacional Parmac3D-Fflow, adota um
método de solução explícita baseado no método das diferenças centrais e em algoritmos de
relaxação dinâmica de modo a obter-se a convergência para a solução estática (Azevedo, 2003). É
possível considerar a deformabilidade dos blocos se o domínio estiver dividido num sistema de
blocos e se o domínio de cada bloco for discretizado através de malhas de: i) elementos
hexaédricos de 8 a 27 nós e elementos tetraédricos e ii) elementos de junta de 3x3, 4x4 e 8x8 nós
(Azevedo et al., 2019). É necessário garantir que a interação entre blocos é sempre face-face, que
as superfícies de contacto entre os mesmos são compatíveis e que as interfaces capazes de deslizar
e ter movimentos de abertura.
Para um dado ponto nodal ou partícula as equações do movimento são dadas por:
𝒎 �̈�𝒊(𝒕) + 𝒄 �̇�𝒊(𝒕) = 𝑭𝒊(𝒕) + 𝒎 𝒈𝒊 (3.5)
Em que, �̇�𝑖(𝑡) é a velocidade, �̈�𝑖(𝑡) é a aceleração, 𝑐 é a constante de amortecimento
(proporcional à velocidade), 𝑚 é a massa modal, 𝑔𝑖 é a aceleração da gravidade e 𝐹𝑖(𝑡) são as
forças nodais a atuar num dado instante, definidas por três termos:
𝑭𝒊(𝒕) = 𝑭𝒊𝒆(𝒕) + 𝑭𝒊
𝒄(𝒕) + 𝑭𝒊𝟏(𝒕) (3.6)
Em que 𝐹𝑖𝑒(𝑡) são as forças externas aplicadas no ponto nodal, 𝐹𝑖
𝑐(𝑡) são as forças externas
devidas ao contacto com blocos vizinhos, existentes apenas nos pontos nodais na fronteira do
bloco, e 𝐹𝑖1(𝑡) são as forças internas devido à deformação dos elementos finitos associados
(Lemos & Cundall, 1999). A integração da Equação (3.5) é efetuada tendo em conta o método das
27
diferenças centrais, que é condicionalmente estável. A definição do passo de cálculo e o esquema
de solução a adotar quando se requer apenas a solução estática do problema podem ser
encontrados em Azevedo (2003). A Figura 3.6 representa o ciclo de cálculo do modelo mecânico
adotado.
Figura 3.6 - Ciclo de cálculo do modelo mecânico.
Como já foi referido, estudos realizados por Azevedo & Farinha (2015) demonstram que é válida
a hipótese dos pequenos deslocamentos na análise do comportamento hidromecânico de
fundações de barragens de betão e em análises de estabilidade sob ações estáticas. Assim, a
interação entre os blocos é estabelecida através de elementos finitos de interface, que requerem
que as malhas de elementos finitos de cada bloco sejam compatíveis e que, por norma, são
adequados para análises em pequenos deslocamentos. Em casos onde se registam deslocamentos
incompatíveis com a hipótese dos pequenos deslocamentos, o comportamento estrutural pode ser
estimado recorrendo a um modelo em grandes deslocamentos (Azevedo & Farinha, 2015). Como
referido, estes elementos finitos de interface requerem que exista compatibilidade entre as malhas
de elementos finitos de cada bloco, ou seja, que as discretizações associadas às faces dos blocos
que estão em contato sejam iguais. Se existir uma perfeita compatibilidade do campo de
deslocamentos ao longo das interfaces, é possível obter também a representação do campo de
tensões ao longo dos elementos de junta (Azevedo et al., 2021).
Na Figura 3.7 ilustra-se a interação entre dois blocos tetraédricos e o correspondente elemento de
interface. É de notar que os pontos de integração do elemento de junta coincidem com os pontos
nodais.
28
Figura 3.7 - Modelo de elemento mecânico de interface (Azevedo et al., 2021).
Em cada ponto de integração do elemento de junta, as tensões nos eixos locais são dadas por:
𝝈𝒏(𝒕 + ∆𝒕) = 𝝈𝒏(𝒕) + 𝒌𝒏 ∆𝒖𝒏(𝒕) (3.7)
𝝉𝒔(𝒕 + ∆𝒕) = 𝝉𝒔(𝒕) + 𝒌𝒔 ∆𝒖𝒔(𝒕) (3.8)
Em que 𝜎𝑛(𝑡) e 𝜏𝑠(𝑡) correspondem, respetivamente, aos valores de tensão normal e tensão de
corte num instante 𝑡, 𝜎𝑛(𝑡 + ∆𝑡) e 𝜏𝑠(𝑡 + ∆𝑡) são as estimativas elásticas dos valores de tensão
normal e de corte no instante posterior (𝑡 + ∆𝑡), ∆𝑢𝑛(𝑡) e ∆𝑢𝑠(𝑡) são os incrementos de
deslocamento na direção normal e tangencial da interface, definidos com base nos deslocamentos
dos pontos nodais que definem a interface, e 𝑘𝑛 e 𝑘𝑠 são os valores de rigidez normal e tangencial
que estão associados ao elemento de junta. Os pontos de integração coincidem com a posição dos
nós da interface no plano médio, cujas coordenadas são dadas pela média das coordenadas dos
pontos nodais dos elementos planos de cada lado da interface.
A integração numérica dos elementos de interface baseia-se na regra de Lobatto, em que os
pontos de integração coincidem com os pontos nodais do elemento de interface. Na Figura 3.8
apresentam-se para um exemplo 2D as interações entre blocos B1, B2 e B3 com base em
elementos de interface, bem como as funções de forma linear associadas ao elemento de interface
e o sistema de eixos adotado (s, n).
29
Figura 3.8 - Modelo do elemento de interface - funções de forma e eixos locais (adaptado de Azevedo
& Farinha, 2015).
Os parâmetros da rigidez normal e tangencial em elementos de interface são dados por:
𝒌𝒏 ≈𝑬
𝒕 (3.9)
𝒌𝒔 ≈ 𝜶𝒌𝒏 (3.10)
Onde 𝐸 representa o módulo de Young, 𝑡 a espessura do elemento de interface e o parâmetro 𝛼
relaciona a rigidez normal e de corte tomando o valor de 0,4.
Em cada ponto de integração, o vetor das tensões nos eixos globais é obtido em função das
tensões locais e dos vetores normal e tangencial do elemento de interface através de:
�⃗⃗� (𝒕) = 𝝈𝒏(𝒕) �⃗⃗� + 𝝉𝒔(𝒕) �⃗� (3.11)
As forças nodais internas em cada ponto nodal fictício do plano médio da interface são dadas por:
�⃗⃗� 𝒊𝒏𝒕,𝑰(𝒕) = ∑�⃗⃗� (𝒕) 𝑵𝑰 𝒘𝒊 𝐝𝐞𝐭 𝑱𝒊 𝒕
𝒏
𝒊=𝟏
(3.12)
Em que 𝑁𝐼 é o valor da função de forma associada ao nó 𝐼 no ponto de integração 𝑖, 𝑤𝑖 é o peso
associado ao ponto de integração 𝑖, det 𝐽𝑖 é o determinante do Jacobiano no ponto de integração 𝑖
e 𝑡 é a espessura da interface, a que normalmente se atribui o valor unitário.
30
As forças internas nos nós superiores e inferiores da interface são definidas por:
�⃗⃗� 𝒊𝒏𝒕,𝑰𝒔𝒖𝒑 (𝒕) = +�⃗⃗� 𝒊𝒏𝒕,𝑰(𝒕) (3.13)
�⃗⃗� 𝒊𝒏𝒕,𝑰𝒊𝒏𝒇 (𝒕) = −�⃗⃗� 𝒊𝒏𝒕,𝑰(𝒕) (3.14)
A Figura 3.9 apresenta o elemento de 20 nós adotado nos modelos apresentados neste trabalho,
bem como o respetivo elemento de junta triangular considerado. Relembra-se que cada vértice
corresponde a um nó mecânico e que os pontos de integração coincidem com os pontos nodais do
elemento de interface.
Figura 3.9 - Elemento de 20 nós e respetivo elemento de interface de 8 nós.
Na Figura 3.9 está representado o elemento de interface de 8 nós utilizado nesta dissertação. Estes
elementos são posteriormente discretizados em elementos triangulares, originando um nó central
no elemento de interface, denominado de nó escravo. O campo de deslocamentos e velocidades
são definidos neste nó escravo em função dos nós adotados na discretização dos elementos finitos
entre as faces em contacto. Este processo de discretização explica-se pelo facto de o modelo
hidráulico ter sido desenvolvido para elementos triangulares.
3.3.3 Modelo hidráulico
O modelo hidráulico é sobreposto ao modelo mecânico, pelo que existe uma sobreposição entre
os nós hidráulicos (NH) e os nós mecânicos (Azevedo & Farinha, 2015). Na Figura 3.10
apresenta-se o modelo mecânico, que inclui o elemento de interface triangular utilizado para a
31
interação entre blocos e duas formulações hidráulicas diferentes para simulação do escoamento
num domínio tridimensional, diretamente relacionadas com o modelo mecânico.
A primeira formulação (Figura 3.10 b), baseada no modelo proposto em Yan & Zheng (2017),
assume que o escoamento se dá ao longo de interfaces bidimensionais do domínio (interfaces
hidráulicas). A segunda formulação utiliza um modelo de escoamento bidimensional baseado
numa discretização unidimensional (1D) com canais de escoamento situados nas arestas das
interfaces triangulares (Figura 3.10 c).
Cada canal de escoamento designa-se como pseudo canal de escoamento. Esta formulação é uma
extensão para 3D do modelo hidromecânico apresentado por Azevedo & Farinha (2015) para
análise de fundações de barragens gravidade (Azevedo et al., 2021).
Figura 3.10 - Interface do modelo mecânico, interface hidráulica e elementos de canais de
escoamento.
Os elementos de interface triangulares hidráulicos são definidos com base nos elementos de junta
(EJ) triangulares, sendo que cada nó hidráulico (NH) representa os respetivos nós adjacentes do
domínio mecânico, que no início da simulação apresentam as mesmas coordenadas. Estas
coordenadas de cada nó hidráulico são dadas pela média das coordenadas do grupo de nós
associado do modelo mecânico (Azevedo & Farinha, 2015).
32
No modelo em que se adotam pseudo canais de escoamento nas arestas das interfaces
triangulares, é necessário definir a largura, 𝑤, do pseudo canal de escoamento associada à aresta
de cada interface hidráulica. Esta largura (ver Figura 3.10 c) é calculada numa primeira fase de
maneira que a área total dos referidos pseudo caudais de escoamento tenha equivalência com a
área da interface hidráulica. Assim, a largura é dada por:
𝒘 =𝑨
𝑳𝟎 + 𝑳𝟏 + 𝑳𝟐
(3.15)
onde 𝐴 representa a área da interface hidráulica e 𝐿𝑖 representa o comprimento de cada aresta da
interface triangular hidráulica. Da análise comparativa entre o modelo de interfaces triangulares e
o modelo de pseudo canais de escoamento, (Sá (2019), verificou-se ser necessário adotar um fator
multiplicativo de 2 na definição da largura do pseudo-canal de modo a se obterem caudais com a
mesma ordem de grandeza. Consequentemente, nos modelos numéricos apresentados adotou-se o
valor multiplicativo de 2.
Na Figura 3.11 apresenta-se o ciclo de cálculo do modelo hidráulico.
Figura 3.11 - Ciclo de cálculo do modelo hidráulico (Freitas, 2020).
Em cada instante, são conhecidas as aberturas mecânicas dos elementos de junta. Tendo em conta
estes valores, para cada canal de escoamento, são calculadas as aberturas hidráulicas, a
condutividade hidráulica, o gradiente hidráulico e o caudal percolado (Equações (3.1) a (3.4)). A
33
partir dos caudais percolados em cada canal de escoamento, definem-se os caudais associados a
cada nó hidráulico e obtém-se novas pressões nos nós (Azevedo & Farinha, 2015).
A abertura média do canal de escoamento é dada em função das aberturas hidráulicas obtidas em
cada extremidade. Este valor é utilizado para o cálculo do caudal que percorre o canal de
escoamento (Equação 3.3) e para o cálculo do volume hidráulico associado ao canal de
escoamento:
𝒂𝒉,𝑪𝑬 =𝒂𝒉,𝟏 + 𝒂𝒉,𝟐
𝟐
(3.16)
Dada a abertura média do canal de escoamento o coeficiente de permeabilidade aparente é dado
por:
𝒌 𝒉,𝑪𝑬 = 𝟏
𝟏𝟐 𝝁𝒂 𝒉,𝑪𝑬
𝟑 = 𝒌 𝒂 𝒉,𝑪𝑬𝟑
(3.17)
em que 𝑘 é o coeficiente de resistência do canal de escoamento, definido em função da
viscosidade dinâmica do fluido (𝜇), a partir de:
𝒌 =𝟏
𝟏𝟐 𝝁
(3.18)
A abertura mecânica de cada canal de escoamento unidimensional é definida de forma direta a
partir dos valores registados nos dois pontos de integração do elemento de junta a que o canal está
associado.
A variação de pressão no nó hidráulico (NH) para um fluido compressível depende do valor dos
caudais confluentes e da variação de volume associado ao NH (Azevedo et al., 2021):
∆𝑷𝑵𝑯(𝒕) =𝒌𝒘
𝑽𝑵𝑯(𝒕)(𝑸𝑵𝑯(𝒕) ∆𝒕 + ∆𝑽𝑵𝑯(𝒕))
(3.19)
onde ∆𝑃𝑁𝐻(𝑡) é a variação de pressão no nó hidráulico (NH), 𝑘𝑤 é o módulo de deformabilidade
volumétrica do fluido, ∆𝑉𝑁𝐻(𝑡) é a variação de volume associado ao NH entre dois passos
consecutivos, 𝑄𝑁𝐻(𝑡) é o somatório dos caudais que percorrem os canais de escoamento
34
confluentes nesse nó hidráulico e ∆𝑡 é o passo de cálculo adotado no domínio hidráulico. Caso se
considere o escoamento em regime permanente, a variação de volume entre dois passos
consecutivos pode ser desprezada. Deste modo, a pressão no instante subsequente é dada por:
𝑷𝑵𝑯(𝒕 + ∆𝒕) = 𝑷𝑵𝑯(𝒕) +𝒌𝒘
𝑽𝑵𝑯(𝒕)𝑸𝑵𝑯(𝒕) ∆𝒕
(3.20)
3.3.4 Modelo hidromecânico
O modelo hidromecânico resulta do acoplamento sequencial do modelo mecânico e do modelo
hidráulico. Adota-se no domínio mecânico e hidráulico um passo de cálculo comum, o menor dos
passos de cálculo de cada um deles. Nas análises em que se admite um escoamento em regime
permanente e se pretende obter apenas a solução estática do modelo mecânico, adota-se um passo
de cálculo unitário nos dois domínios.
Os volumes hidráulicos associados aos nós hidráulicos e as massas associadas aos pontos nodais
do modelo mecânico são escalados assumindo um passo de cálculo unitário de maneira a ser
garantida a estabilidade numérica que existe entre os dois domínios (Azevedo & Farinha, 2015).
As aberturas hidráulicas, 𝑎ℎ,𝐶𝐸 , são calculadas tendo em conta os deslocamentos normais nas
juntas obtidas no modelo mecânico (𝑢𝑛). De seguida, as pressões de água obtidas no modelo
hidráulico (𝑃𝑁𝐻(𝑡 + ∆𝑡)) são utilizadas no modelo mecânico, sendo consideradas no cálculo das
forças internas nas juntas (𝐹𝑖𝑛𝑡(𝑡+∆𝑡)
) correspondentes às tensões efetivas, permitindo assim obter as
novas aberturas mecânicas. No módulo computacional Parmac3D-Fflow existe uma sobreposição
perfeita entre o modelo mecânico e o modelo hidráulico, uma vez que os pontos nodais do modelo
mecânico estão na mesma posição dos pontos nodais do modelo hidráulico, o que facilita a
definição de condições de fronteira e otimiza a transferência de informação entre os dois domínios
(Azevedo et al., 2021).
35
Figura 3.12 - Ciclo de cálculo do modelo hidrodinâmico.
3.4 Validação do modelo hidromecânico do módulo computacional Parmac3D-
FFlow
3.4.1 Considerações iniciais
De forma a avaliar e a compreender o modelo hidrodinâmico utilizado nesta dissertação, analisou-
se o escoamento ao longo de uma descontinuidade horizontal num maciço rochoso. O modelo
analisado traduz-se num sistema com seis blocos impermeáveis, separados por duas
descontinuidades verticais impermeáveis e por uma descontinuidade horizontal através da qual
ocorre o escoamento. O modelo foi discretizado por uma malha com elementos hexaédricos de 20
nós com elementos de interface triangulares. Um estudo similar é apresentado em (Farinha et al.,
2018), onde se utiliza um modelo em que se admite que o escoamento se dá através de canais
localizados nas arestas dos elementos de interface triangulares e elementos finitos de volume
tetraédricos.
Analisaram-se as seguintes hipóteses de comportamento:
i) Cálculo hidráulico sem acoplamento, para avaliar a influência dos parâmetros
hidráulicos no caudal escoado e na distribuição de pressões;
ii) Modelo hidromecânico acoplado em que se admite que os elementos de junta, adotados
na discretização da interface horizontal, têm comportamento elástico linear (junta
aberta/tracionada);
36
iii) Modelo hidromecânico acoplado em que se admite que os elementos de junta, adotados
na discretização da interface horizontal, têm comportamento não-linear de Mohr-
-Coulomb sem coesão (junta fechada/em compressão).
Com as várias hipóteses de comportamento, pretende-se analisar a influência de alguns
parâmetros, nomeadamente a distribuição de pressão da água ao longo da descontinuidade, e
consequentemente, no valor do caudal percolado, tendo em conta a própria influência que outros
parâmetros podem ter nos referidos modelos, tais como a abertura mecânica, a abertura hidráulica
e o coeficiente de resistência do canal de escoamento (𝑘). Este coeficiente, tal como indicado na
Equação (3.18), é obtido a partir do coeficiente de viscosidade dinâmico do fluido.
Esta análise permitiu adquirir conhecimentos relacionados com os parâmetros hidráulicos e
mecânicos inseridos nos cálculos, e em geral, no modelo hidromecânico considerado. Permitiu
também entender e dominar melhor o módulo computacional utilizado, Parmac3D-FFlow.
3.4.2 Geometria, propriedades mecânicas e propriedades hidráulicas
A Figura 3.13 apresenta a estrutura analisada, constituída por seis blocos impermeáveis separados
por duas descontinuidades verticais e uma descontinuidade horizontal. O conjunto total da
estrutura tem um comprimento total (na direção x) de 3 m, 0,5 m de altura (na direção y) e 0,5 m
de largura (na direção z), sendo que cada bloco tem 1 m de comprimento, 0,25 m de altura e 0,5 m
de largura.
Figura 3.13 - Geometria do modelo.
37
Impediram-se os deslocamentos em todas as direções dos pontos nodais adotados na discretização
dos blocos da base (blocos 1, 3 e 5). Nas faces de montante (lado esquerdo dos blocos 1 e 2) e
jusante (lado direito dos blocos 5 e 6) impediram-se os deslocamentos na direção x (ver Figura
3.13). Nas faces exteriores com normal com direção segundo o eixo z, impediram-se os
deslocamentos na direção z.
Na Figura 3.13 observa-se que cada bloco está identificado com o tipo de material que o compõe,
apesar de as propriedades mecânicas dos materiais constituintes de cada bloco serem idênticas
(ver Tabela 1). Contudo, esta distinção do material de cada bloco justifica-se pela existência dos
elementos de junta adotados na discretização das interfaces.
Tabela 3.1 - Propriedades mecânicas dos materiais.
Material
1
Material
2
Material
3
Material
4
Módulo de Young
𝐸 [GPa] 20,0 20,0 20,0 20,0
Coeficiente de Poisson
𝜐 [-] 0,20 0,20 0,20 0,20
Massa volúmica
𝜌 [ton/m3] 2,40 2,40 2,40 2,40
Na Tabela 3.2 apresentam-se os valores adotados para a rigidez normal e rigidez tangencial das
interfaces (verticais e horizontal) que estabelecem a ligação entre os blocos. A relação entre os
dois parâmetros deriva da Equação (3.10), de onde resulta que o parâmetro da rigidez tangencial
(ou de corte) adotado é igual a 0,4 vezes a rigidez normal, valor usual neste tipo de problemas.
Nos elementos de interface verticais adotou-se um valor nulo para a rigidez tangencial,
permitindo assim o deslizamento entre blocos.
Tabela 3.2 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface.
Interfaces Rigidez normal
𝑘𝑛 [GPa/m]
Rigidez tangencial
𝑘𝑠 [GPa/m]
Interfaces Verticais 20,0 0
Interfaces Horizontais 20,0 8,0
Como anteriormente referido, para simular a ligação entre os elementos estruturais, nas interfaces
de ligação entre blocos adotaram-se dois modelos constitutivos, um elástico linear e outro não-
38
linear. Na Figura 3.14 apresentam-se as interfaces verticais e horizontais do modelo numérico,
bem como o sentido do escoamento da água que, como se observa na figura, ocorre na
descontinuidade horizontal, no sentido da esquerda para a direita.
Figura 3.14 - Sentido de escoamento da água e identificação das interfaces.
Em relação ao modelo hidráulico, adotou-se uma pressão de 25 MPa na face lateral esquerda do
modelo (x = 0 m) e uma pressão imposta de 5 MPa na face lateral direita (x = 3 m). Desta forma,
dada a diferença de pressões nas extremidades da junta, o escoamento da água na interface
horizontal ocorre da esquerda para a direita, pois a água desloca-se de zonas de maior energia
para zonas de menor energia.
Tal como referido adotou-se para os canais de escoamento uma largura efetiva com base num
valor de fator de multiplicação 𝜆 = 2, tal como proposto por Sá (2019).
Na Tabela 3.3 indicam-se as características hidráulicas da descontinuidade horizontal consoante
as diferentes análises realizadas, tendo em conta a variação de alguns parâmetros, como 𝑘,
referido na Equação (3.18), e 𝑎0, referente à abertura hidráulica. Outros fatores que se admitem
constantes são: 𝑘𝑤, que representa o módulo de compressibilidade da água e 𝜌𝑤, que representa a
massa volúmica da água. No caso do modelo hidromecânico com elementos de junta não lineares,
adotou-se para os blocos superiores uma aceleração gravítica 𝑔 de 50 m/s2, valor necessário para
contrabalançar a subpressão instalada na interface horizontal.
39
Tabela 3.3 - Propriedades hidráulicas do canal de escoamento e aceleração gravítica.
𝜌𝑤 [ton/m3]
𝑔 [m/s2]
𝑘𝑤 [GPa]
𝑎0 [mm]
𝑎𝑚𝑖𝑛 [mm]
𝑎𝑚𝑎𝑥 [mm]
𝑘 [kPa-1s-1]
1,0 10
50 2,2
8,34 × 10-5
1,67 × 10-5 4,17 × 10-5
8,34 × 10-4
8,34 × 10-6
1
3× 𝑎0 10 × 𝑎𝑚𝑖𝑛
0,83 × 105 4,15 × 105
1,66 × 104
Nos vários exemplos apresentados, os parâmetros do modelo hidráulico são definidos, o campo de
subpressões é instalado numa primeira fase com um modelo hidráulico não acoplado, e
posteriormente é adotado um modelo hidromecânico acoplado em que as principais ações sobre
os blocos superiores da interface horizontal são o peso próprio do bloco e o campo de subpressões
instalado.
Em primeira instância, considerou-se um valor de 𝑎0 equivalente a 8,34 × 10-5 mm e uma
permeabilidade constante de 0,83 × 105 kPa-1s-1. Posteriormente, alterou-se o parâmetro 𝑎0 para o
dobro (1,67 × 10-5), para metade (4,17 × 10-5), para o décuplo (8,34 × 10-4) e para um décimo
(8,34 × 10-6) do valor inicial. Da mesma forma, também se fez variar o parâmetro referente à
permeabilidade, inicialmente igual a 0,83 × 105 para o quíntuplo (4,15 × 105) para um quinto do
valor original (1,66 × 104). Os restantes parâmetros referidos na Tabela 3.3 mantiveram-se
constantes ao longo da validação do modelo hidromecânico do módulo computacional.
3.4.3 Modelo numérico
A discretização do domínio interior de cada bloco é obtida através de elementos finitos
hexaédricos de 20 nós (Figura 3.15). No que diz respeito às dimensões das arestas de cada
elemento finito, estas apresentam um comprimento (x) de 0,10 m, uma altura (y) de 0,125 m e
uma largura (z) de 0,125 m.
40
Figura 3.15 - Elemento hexaédrico de 20 nós.
O modelo numérico apresentado na Figura 3.16, que representa o modelo de escoamento a
analisar, apresenta a discretização do modelo mecânico e a discretização do modelo hidráulico
indicadas na Tabela 3.4.
Tabela 3.4 - Discretização da malha do modelo numérico.
Modelo mecânico Modelo hidráulico
Malha Número de elementos
hexaédricos
Número de pontos
nodais
Número de
elementos de
interface triangulares
Número de nós
hidráulicos
Número de interfaces
hidráulicas
Número de canais de
escoamento
Volume: 20 Nós
Elementos
de junta: 3x3
480 4638 1216 549 960 2880
Na Figura 3.16 apresenta-se o modelo mecânico, o modelo hidráulico e a representação dos canais
de escoamento do modelo hidráulico.
41
a) Modelo mecânico
b) Modelo hidráulico
Figura 3.16 - Modelo numérico (malha hexaédrica de 20 nós).
3.4.4 Análise de resultados
Após obtidos os resultados numéricos, foram analisados os valores das pressões, caudais nos
canais de escoamento e aberturas hidráulicas, de forma a validar os cálculos obtidos através do
módulo computacional Parmac3D-FFlow. Como referido anteriormente, o cálculo realizou-se
42
numa primeira instância para o modelo hidráulico e de seguida através do modelo hidromecânico
acoplado, considerando quer um modelo elástico linear quer um modelo não-linear.
Relativamente às pressões instaladas ao longo da interface horizontal, impôs-se uma pressão de
25 MPa na face esquerda da descontinuidade horizontal e uma pressão de 5 MPa na face direita.
Estas condições mantêm-se qualquer que seja o modelo analisado. No modelo hidráulico, as
pressões ao longo da descontinuidade horizontal decrescem linearmente e de forma constante ao
longo da interface, no sentido da esquerda para a direita. A variação é linear devido ao facto de a
abertura hidráulica ser constante ao longo da descontinuidade e das propriedades hidráulicas se
manterem ao longo da interface.
Da mesma forma, variando o coeficiente relacionado com a permeabilidade, 𝑘𝐶𝐸 , adotado para a
interface horizontal, a pressão da água é igualmente decrescente e varia linearmente entre os
valores limite impostos. A variação de 𝑘𝐶𝐸 somente influencia o valor de caudal percolado.
Analisando a Figura 3.17, conseguem-se confirmar os resultados enunciados anteriormente.
a) Variação de pressões tendo em conta
𝑎0
b) Variação de pressões tendo em conta
𝑘, para 𝑎0 = 8,35𝑒−5
Figura 3.17 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no modelo
hidráulico.
Na Figura 3.18 apresenta-se a variação de pressões da água obtidas com o modelo hidromecânico
acoplado com um modelo elástico linear. Neste caso, verifica-se que a variação da pressão de
água ao longo da descontinuidade horizontal deixa de ser linear devido ao acoplamento mecânico,
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 1,0 2,0 3,0
Pre
ssão
da
águ
a [M
Pa]
Distância ao longo da interface [m]
a0 = 8,34e-5
a0 (x2)
a0 (/2)
a0 (x10)
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 1,0 2,0 3,0Pre
ssão
da
águ
a [M
Pa]
Distância ao longo da interface [m]
k = 0,830e5k*5 = 4,15e5k/5 = 1,66e4
43
pois as aberturas mecânicas deixam de ser constantes ao longo da interface e passam a variar ao
longo da descontinuidade, em função do seu peso próprio e da subpressão a que estão sujeitos.
Por este motivo ocorre uma variação das aberturas hidráulicas ao longo da interface horizontal.
Da Figura 3.18 verifica-se que uma variação do valor do parâmetro 𝑘𝐶𝐸 não tem influência no
campo de pressões instalado.
a) Variação de pressões tendo em conta 𝑎0
b) Variação de pressões tendo em conta 𝑘, para 𝑎0 = 8,35𝑒−5
Figura 3.18 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no modelo
hidromecânico elástico linear.
Na Figura 3.19 apresenta-se a variação de pressões de água ao longo da descontinuidade
horizontal tendo em conta um modelo não-linear de Mohr Coulomb sem coesão e com coeficiente
de atrito nulo. Observa-se que esta variação não é representada por um troço reto para a
generalidade dos valores 𝑎0 adotados. Só para um valor de 𝑎0 dez vezes superior ao de referência
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
água
[MP
a]
Distância ao longo da interface [m]
a0 = 8,34e-5
a0 (x2)
a0 (/2)
a0 (x10)
a0 (/10)
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
águ
a [M
Pa]
Distância ao longo da interface [m]
k = 0,830e5
k*5 = 4,15e5
k/5 = 1,66e4
44
é que a pressão da água apresenta uma distribuição linear. Tal ocorre porque no último bloco a
pressão já não é significativa face ao peso próprio (g=50m/s2) e por isso a abertura mecânica é
reduzida, em especial na parte final do bloco, o que se traduz num valor reduzido da abertura
hidráulica na parte final da interface horizontal.
Novamente, observa-se (ver Figura 3.19 b)) que, para uma variação do parâmetro de
permeabilidade 𝑘𝐶𝐸 , não ocorre uma variação de pressão de água ao longo da descontinuidade.
a) Variação de pressões tendo em conta 𝑎0
b) Variação de pressões tendo em conta 𝑘, para 𝑎0 = 8,35𝑒−5
Figura 3.19 - Variação de pressão de água ao longo da descontinuidade horizontal no modelo
hidromecânico não-linear.
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
água
[MP
a]
Distância ao longo da interface [m]
a0 = 8,34e-5
a0 (x2)
a0 (/2)
a0 (x10)
a0 (/10)
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
águ
a [M
Pa]
Distância ao longo da interface [m]
k = 0,830e5
k*5 = 4,15e5
k/5 = 1,66e4
45
Nas Tabelas 3.5 a 3.7 são analisados e comparados os valores dos caudais para o modelo simples
sem acoplamento (modelo hidráulico), para o modelo com acoplamento hidromecânico elástico
linear e para o modelo com acoplamento hidromecânico não-linear. Observando as tabelas,
conclui-se, que quanto maior o valor da abertura de referência do canal, 𝑎0, maior será o caudal
escoado. De igual forma, verifica-se que, quanto maior for o coeficiente de permeabilidade da
junta, 𝑘, maior será o caudal escoado.
De modo a compreender melhor como varia o caudal escoado, apresentam-se também as Figuras
3.20 a 3.25, que representam a variação do valor do caudal em função de 𝑎0 e de 𝑘 da junta.
Através da análise dos três casos estudados, pode-se observar que o caudal no modelo elástico
linear é superior ao obtido no modelo simples não acoplado; no entanto, o caudal no modelo não-
linear é inferior ao obtido no modelo hidráulico e no modelo elástico linear. Isto explica-se pelo
aumento do peso dos blocos superiores no modelo não-linear, que provoca uma redução nas
aberturas mecânicas e consequentemente nas aberturas hidráulicas, resultando dessa forma, num
menor caudal escoado.
Tabela 3.5 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo hidráulico.
𝑘 = 0,830𝑒5 𝑘 = 4,15𝑒5 𝑘 = 1,66𝑒4
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
8,34 × 10-6 1,36 × 10-7 8,34 × 10-6 6,79 × 10-7 8,34 × 10-6 2,72 × 10-8
4,17 × 10-5 1,70 × 10-5 4,17 × 10-5 8,49 × 10-5 4,17 × 10-5 3,40 × 10-6
8,34 × 10-5 1,36 × 10-4 8,34 × 10-5 6,79 × 10-4 8,34 × 10-5 2,72 × 10-5
1,67 × 10-4 1,09 × 10-3 1,67 × 10-4 5,45 × 10-3 1,67 × 10-4 2,18 × 10-4
8,34 × 10-4 1,36 × 10-1 8,34 × 10-4 6,79 × 10-1 8,34 × 10-4 2,72 × 10-2
Figura 3.20 - Caudal escoado para o modelo hidráulico.
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,0000 0,0002 0,0004 0,0006 0,0008 0,0010
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4,15e5
k = 0,830e5
k = 1,66e4
46
Figura 3.21 - Ampliação da Figura 3.20 para valores de abertura a0 < 0,0002.
Tabela 3.6 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo elástico linear.
𝑘 = 0,830𝑒5 𝑘 = 4,15𝑒5 𝑘 = 1,66𝑒4
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0
[𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
8,34 × 10-6 5,02 × 10-6 8,34 × 10-6 2,51 × 10-5 8,34 × 10-6 1,00 × 10-6
4,17 × 10-5 3,81 × 10-4 4,17 × 10-5 1,90 × 10-3 4,17 × 10-5 7,62 × 10-5
8,34 × 10-5 1,02 × 10-3 8,34 × 10-5 5,11 × 10-3 8,34 × 10-5 2,04 × 10-4
1,67 × 10-4 3,45 × 10-3 1,67 × 10-4 1,73 × 10-2 1,67 × 10-4 6,91 × 10-4
8,34 × 10-4 1,76 × 10-1 8,34 × 10-4 8,80 × 10-1 8,34 × 10-4 3,52 × 10-2
Figura 3.22 - Caudal escoado para o modelo hidromecânico – junta elástica linear.
0,00
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
0,09
0,10
0,0000 0,0001 0,0001 0,0002 0,0002
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4,15e5k = 0,830e5k = 1,66e4
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,90
1,00
0,0000 0,0001 0,0002 0,0003 0,0004 0,0005 0,0006 0,0007 0,0008 0,0009
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4.15e5
k = 0.830e5
k = 1.66e4
47
Figura 3.23 - Ampliação da Figura 3.22 para valores de abertura a0 < 0,0002.
Tabela 3.7 - Caudal escoado na descontinuidade horizontal para o modelo não-linear.
𝑘 = 0,830𝑒5 𝑘 = 4,15𝑒5 𝑘 = 1,66𝑒4
𝑎0 [𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0 [𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
𝑎0 [𝑚]
𝑄
[𝑚3/𝑠]
8,34 × 10-6 6,88 × 10-8 8,34 × 10-6 3,44 × 10-7 8,34 × 10-6 1,38 × 10-8
4,17 × 10-5 3,70 × 10-6 4,17 × 10-5 1,85 × 10-5 4,17 × 10-5 7,41 × 10-7
8,34 × 10-5 3,54 × 10-5 8,34 × 10-5 1,77 × 10-4 8,34 × 10-5 7,07 × 10-6
1,67 × 10-4 4,54 × 10-4 1,67 × 10-4 2,32 × 10-3 1,67 × 10-4 9,27 × 10-5
8,34 × 10-4 1,14 × 10-1 8,34 × 10-4 5,68 × 10-1 8,34 × 10-4 2,27 × 10-2
Figura 3.24 - Caudal escoado para o modelo hidromecânico – junta elástica não-linear.
0,00
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
0,09
0,10
0,0000 0,0001 0,0001 0,0002 0,0002
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4,15e5
k = 0,830e5
k = 1,66e4
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,0000 0,0001 0,0002 0,0003 0,0004 0,0005 0,0006 0,0007 0,0008 0,0009
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4.15e5
k = 0.830e5
k = 1.66e4
48
Figura 3.25 - Ampliação da Figura 3.24 para valores de abertura a0 < 0,0002.
Por fim, apresenta-se uma análise ao comportamento das aberturas mecânicas e aberturas
hidráulicas. Novamente, compara-se o modelo hidromecânico acoplado em que se admite que a
interface horizontal tem comportamento elástico linear (junta aberta), com o modelo em que se
considera que a interface horizontal tem comportamento não-linear com coesão e atrito nulo
(junta fechada).
Recordando as noções apresentadas na Figura 3.5 do presente capítulo, exibem-se de seguida nas
Figuras 3.26 e 3.27, as aberturas mecânicas (𝑢𝑛) e, consequentemente, as aberturas hidráulicas
(𝑎ℎ) para diferentes valores de 𝑎0 (ver Tabela 3.3), considerando o modelo linear e tendo em
conta a distância ao longo da interface. Verifica-se que quanto menores são os valores de 𝑎0,
menores são os valores das aberturas hidráulicas. Apresentam-se duas figuras, dividindo os
parâmetros analisados em dois gráficos, para melhor visualização dos valores de abertura
hidráulica e abertura mecânica ao longo da interface.
0,00
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
0,09
0,10
0,0000 0,0001 0,0001 0,0002 0,0002
Q [
m3/s
]
a0 [m]
k = 4,15e5
k = 0,830e5
k = 1,66e4
49
Figura 3.26 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0 × 2 e a0 × 10 para
modelo linear dos elementos de junta.
Figura 3.27 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0/2 e a0/10 para modelo
linear dos elementos de junta.
0,0E+00
2,0E-04
4,0E-04
6,0E-04
8,0E-04
1,0E-03
1,2E-03
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Aber
tura
hid
ráuli
ca (
ah)
e ab
ertu
ra m
ecân
ica
(un
)
[mm
]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 8,34e-4)
ah (a0 = 1,67e-4)
ah (a0 = 8,34e-5)
un (a0 = 8,34e-5)
un (a0 = 1,67e-4)
un (a0 = 8,34e-4)
0,0E+00
5,0E-05
1,0E-04
1,5E-04
2,0E-04
2,5E-04
3,0E-04
3,5E-04
4,0E-04
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Aber
tura
hid
ráu
lica
(ah
) e
aber
tura
mec
ânic
a (u
n)
[mm
]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 4,17e-5)
un (a0 = 4,17e-5)
un (a0 = 8,34e-6)
ah (a0 = 8,34e-6)
50
Na Figuras 3.28 e 3.29 estão representadas as aberturas mecânicas (𝑢𝑛) e, consequentemente, as
aberturas hidráulicas (𝑎ℎ) para diferentes valores de 𝑎0, considerando neste caso um modelo não-
linear tendo em conta a distância ao longo da interface. Novamente, verifica-se, que quanto
menores são os valores de 𝑎0, menores são os valores das aberturas hidráulicas. Tal como na
representação anterior relativa ao modelo linear, apresentam-se duas figuras.
Conclui-se que, tal como esperado, no caso em que o peso volúmico na parte superior da estrutura
é superior às subpressões, as aberturas mecânicas são negativas em praticamente toda a extensão
da interface (modelo de junta fechada).
Figura 3.28 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0 × 2 e a0 × 10 para
modelo não-linear das juntas.
-2,0E-04
0,0E+00
2,0E-04
4,0E-04
6,0E-04
8,0E-04
1,0E-03
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Aber
tura
hid
ráu
lica
(ah
) e
aber
tura
mec
ânic
a (u
n)
[mm
]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 8,34e-4)
ah (a0 = 1,67e-4)
ah (a0 = 8,34e-5)
un (a0 = 8,34e-5)
un (a0 = 1,67e-4)
un (a0 = 8,34e-4)
51
Figura 3.29 - Aberturas mecânicas e hidráulicas considerando valores de a0, a0/2 e a0/10 para modelo
não-linear das juntas.
Seguidamente, apresenta-se para o modelo hidromecânico com interface linear e para o modelo
hidromecânico com interface não linear uma representação dos valores de 𝑢𝑛 e 𝑎ℎ, considerando
paralelamente o desenvolvimento das pressões nas mesmas condições, para um valor 𝑎0 = 4,17 ×
10-5 (𝑎0/2).
Por observação da Figura 3.30, verifica-se que, para o modelo de junta linear, a interface se
encontra aberta e a abertura mecânica apresenta uma forma inicialmente retilínea e posteriormente
parabólica. Verifica-se igualmente que na primeira fiada de elementos; a abertura hidráulica
corresponde ao valor máximo de abertura hidráulica (ver Figura 3.5) e de seguida apresenta uma
distribuição parabólica. Observa-se que a distribuição de pressões é homotética da distribuição de
aberturas mecânicas.
-1,0E-04
-5,0E-05
0,0E+00
5,0E-05
1,0E-04
1,5E-04
2,0E-04
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Aber
tura
hid
ráuli
ca (
ah)
e ab
ertu
ra m
ecân
ica
(un
) [m
m]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 4,17e-5)
ah (a0 = 8,34e-6)
un (a0 = 8,34e-6)
un (a0 = 4,17e-5)
52
Figura 3.30 - Variação dos valores de un e a0 com a pressão da água, considerando o modelo
hidromecânico linear.
Figura 3.31 - Variação dos valores de un e a0 com a pressão da água, considerando o modelo
hidromecânico não-linear.
Da análise da Figura 3.31, verifica-se que o peso volúmico adotado é suficiente para a interface
estar comprimida em grande parte da sua extensão. Verifica-se igualmente que a abertura
hidráulica apresenta uma variação linear, terminando, na última fiada de elementos, com um valor
correspondente ao valor mínimo de abertura hidráulica (Ver Figura 3.5). Observa-se, tal como no
exemplo anterior, que a distribuição de pressões é homotética da distribuição de aberturas
mecânicas.
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
0,00E+00
2,00E-05
4,00E-05
6,00E-05
8,00E-05
1,00E-04
1,20E-04
1,40E-04
1,60E-04
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
água
[MP
a]
Aber
tura
hid
ráuli
ca (
ah)
e
aber
tura
mec
ânic
a (u
n)
[mm
]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 4,17e-5) un (a0 = 4,17e-5) Pressão (a0 = 4,17e-5)
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
-1,00E-04
-8,00E-05
-6,00E-05
-4,00E-05
-2,00E-05
0,00E+00
2,00E-05
4,00E-05
6,00E-05
8,00E-05
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
Pre
ssão
da
águ
a [M
Pa]
Aber
tura
hid
ráu
lica
(ah
) e
aber
tura
mec
ânic
a (u
n)
[mm
]
Distância ao longo da interface [m]
ah (a0 = 4,17e-5) un (a0 = 4,17e-5) Pressão (a0 = 4,17e-5)
53
4 MODELOS CONSTITUTIVOS DE INTERFACE
4.1 Introdução
Na maioria dos casos de rotura em barragens gravidade, a principal razão que determina este
acontecimento é o deslizamento ao longo da superfície de contacto barragem/fundação, de
descontinuidades do maciço rochoso, ou de camadas do maciço rochoso de menor resistência
(Reis et al., 2018). A possibilidade de ocorrência de um deslizamento é avaliada com base em
técnicas simplificadas de equilíbrio limite, baseadas em cálculos onde se considera que as
características resistentes das superfícies de descontinuidade são progressivamente minoradas
(Reis et al., 2018).
Na análise de segurança ao deslizamento pela superfície de ligação da barragem ao maciço, é
habitualmente adotado um modelo simplificado de Mohr-Coulomb em que se despreza a coesão.
Este modelo, a partir do momento em que as forças de atrito que ocorrem na superfície de
deslizamento são vencidas, considera o evento de rotura por corte.
No entanto, as superfícies de ligação betão/betão e betão/fundação apresentam coesão e
resistência à tração, duas características que vão diminuindo com o fenómeno do deslizamento.
Portanto, de forma a simular corretamente o comportamento das descontinuidades, considera-se o
enfraquecimento dos elementos de junta representativos das referidas descontinuidades, através
da adoção de dois modelos constitutivos descritos no presente capítulo.
Como referido, são adotados dois modelos constitutivos: um modelo de enfraquecimento bilinear
e um modelo baseado na teoria da plasticidade. Ambos são testados e analisados, como forma de
validação do módulo computacional Parmac3D-FFlow, apresentado no Capítulo 3, para três tipos
de ensaios distintos: ensaios de tração, ensaios de corte puro e ensaios de corte sob compressão
constante.
4.2 Modelo de Mohr-Coulomb com limite de resistência à tração
O Modelo de Mohr-Coulomb (Figura 4.1), também caracterizado como modelo frágil, adota um
critério de rotura de Mohr-Coulomb com tensão de tração limite. Neste modelo, quando a força de
corte exercida sobre o contacto excede a força de corte máxima, ou analogamente, quando a força
54
de tração máxima admissível é excedida, o contacto deixa de apresentar coesão, passando a
funcionar em atrito puro, sendo apenas possível a transmissão de forças no contacto sob
compressão (Azevedo & Gouveia, 2013).
Figura 4.1 - Modelo constitutivo de Mohr-Coulomb para tensão de tração limite.
Importa referir certos parâmetros importantes neste modelo, nomeadamente os valores da tensão
de tração limite (𝜎𝑡), da coesão (𝑐) e do coeficiente de atrito (𝜇), este último dependente do
ângulo de atrito do material (𝜑) e dado por:
𝝁 = 𝐭𝐚𝐧 𝝋 (4.1)
O valor de tensão máxima de corte (𝜏𝑚𝑎𝑥), para um dado valor de tensão normal assumindo que
esta é negativa em compressão, é dado por:
𝝉𝒎𝒂𝒙 = 𝒄 − 𝝈𝒏 𝝁 = 𝒄 − 𝝈𝒏 𝐭𝐚𝐧𝝋 (4.2)
de onde se conclui que este modelo assume uma relação linear entre a resistência ao corte num
plano e a tensão normal que atua sobre ele. Salienta-se que a deformabilidade é caracterizada pela
rigidez normal (𝑘𝑛) e pela rigidez tangencial (𝑘𝑠).
Nos elementos de junta associados a uma rocha fraturada e na análise de segurança ao
deslizamento, desprezam-se os valores de coesão e tração limite, admitindo-se que as
descontinuidades apenas transmitem tensões sob compressão, sendo a tensão tangencial máxima
proporcional ao valor da tensão normal atuante, com base no valor do coeficiente de atrito.
55
4.3 Modelo constitutivo com enfraquecimento bilinear (MC1)
Num modelo com enfraquecimento, a resistência é reduzida gradualmente após a força máxima
admissível ser atingida. Este modelo constitutivo com enfraquecimento (MC1) é sustentado por
um modelo de junta com enfraquecimento bilinear nas direções normal e tangencial (Rokugo et
al., 1989), como ilustrado na Figura 4.2, que tem sido utilizado em modelos de partículas
(Azevedo, 2003). Um modelo similar com enfraquecimento linear foi adotado na análise da
segurança ao deslizamento de barragens gravidade e abóbada (Resende & Lemos, 2003).
Figura 4.2 - Modelo de enfraquecimento unidirecional não acoplado do elemento de junta (adaptado
de Azevedo, 2003).
Os parâmetros resistentes do contacto para este modelo de enfraquecimento bilinear, são: a tensão
máxima de tração no contacto (𝜎𝑡), a coesão máxima (𝑐), o coeficiente de atrito (𝜇), a energia de
fratura de tração (𝐺𝐼) e a energia de fratura de corte (𝐺𝐼𝐼). A tensão máxima de coesão no contacto
(𝜏𝑚𝑎𝑥) é definida em função dos valores da coesão, da tensão normal e do coeficiente de atrito.
Note-se que as áreas sob os gráficos da Figura 4.2 correspondem às energias de fratura do
contacto na direção em análise.
Neste tipo de modelo, o dano do contacto é considerado de forma simplificada. Quando os valores
máximos de resistência referentes à tração e/ou coesão são atingidos, as forças de tração e coesão
máximas são reduzidas tendo em conta o valor no dano do contacto, que pode variar entre 0 (sem
dano) e 1 (quando o contacto é considerado totalmente fendilhado e funcionando em atrito puro).
56
O valor do dano em tração e no termo coesivo é definido com base no deslocamento máximo num
ponto de contacto na direção normal (𝑈𝑛) e tangencial (𝑈𝑠), respetivamente.
Comparativamente com o modelo frágil, é esperado que no modelo com enfraquecimento bilinear
o processo de propagação de fendas ocorra de forma mais suave e controlada, conferindo maior
ductilidade ao material (Azevedo & Gouveia, 2013).
4.4 Modelo de fratura/fendilhação de base elasto-plástica (MC2)
O segundo modelo constitutivo com enfraquecimento (MC2) é baseado na teoria da plasticidade e
descreve o comportamento mecânico das interfaces em função da coesão e do atrito. Este modelo,
aplicado na presente dissertação, constitui uma extensão da formulação em 2D de Carol et al.
(1997), posteriormente modificada por Caballero, (2005) e Caballero et al., (2006; 2007) ao nível
da sua robustez e eficiência computacional para um modelo constitutivo de interface em 3D.
Numa análise de fratura, a interface define-se como a superfície de cedência que representa a zona
do processo de falha. Neste modelo, o comportamento da zona/superfície de falha é descrito por
uma função hiperbólica, cuja expressão depende de três parâmetros fundamentais: tensão máxima
de tração (𝜎𝑡), coesão (𝑐) e coeficiente de atrito (tan𝜑). Em termos de formulação, os três
parâmetros são agrupados num vetor [Φ] = [𝜎𝑡 , 𝑐, 𝜑]. Assim, a expressão hiperbólica
representativa da superfície de falha é dada por:
𝑭{𝝈,𝚽} = −(𝒄 − 𝝈 𝐭𝐚𝐧𝝋) + √𝝉𝟏𝟐 + 𝝉𝟐
𝟐 + (𝒄 − 𝝈𝒕 𝐭𝐚𝐧 𝝋)𝟐 = 𝟎 (4.3)
Este modelo constitutivo é formulado em termos do estado de tensão do ponto de integração do
elemento de junta, dado por 𝜎 = [𝜎, 𝜏1 , 𝜏2]𝑡 .
É também adotada uma função de potencial plástico não-associada, com o propósito de
gradualmente eliminar o fenómeno da dilatância para níveis altos de compressão (Caballero et al.,
2008). A sua formulação é caracterizada igualmente por uma função hiperbólica, embora os seus
parâmetros sejam ligeiramente diferentes. Tal como no caso anterior, a função depende da tensão
máxima de tração (𝜎𝑡), da coesão aparente (𝑐𝑄) e de um coeficiente de atrito aparente (tan𝜑𝑄).
Os parâmetros são agrupados e definidos no vetor [Ψ] = [𝜎𝑡 , 𝑐𝑄 , 𝜑𝑄], apresentando-se de seguida
a expressão do potencial plástico:
57
𝑸{𝝈,𝚿} = −(𝒄𝑸 − 𝝈𝐭𝐚𝐧 𝝋𝑸) + √𝝉𝟏𝟐 + 𝝉𝟐
𝟐 + (𝒄𝑸 − 𝝈𝒕 𝐭𝐚𝐧𝝋𝑸)𝟐 = 𝟎 (4.4)
Na Figura 4.3, apresentada de seguida, está ilustrado o potencial plástico (𝑄 = 0) e a superfície
de fratura (𝐹 = 0) no plano 𝜎 − 𝜏.
Figura 4.3 - Modelo constitutivo de enfraquecimento baseado na teoria da plasticidade: superfície de
cedência (F) e potencial plástico (Q) (adaptado de Caballero et al. 2008).
A Equação (4.4) apresenta algumas vantagens na sua definição, nomeadamente:
i. Permite uma transição suave entre fratura por tração e fratura por corte;
ii. Apresenta dilatância decrescente em alta compressão com valores decrescentes de 𝑐𝑄 < 𝑄
e tan𝜑𝑄 < tan𝜑;
iii. Se os parâmetros da coesão aparente e do coeficiente de atrito aparente equivalerem à
coesão e coeficiente de atrito da superfície de fratura, a formulação é associada.
Quando uma fenda inicia um processo de abertura ou deslizamento, a superfície de fratura
começa a mover-se e a encolher. A evolução desta superfície é controlada por uma variável
interna (𝑊𝑐𝑟) correspondente ao trabalho realizado durante o processo de fratura. A lei de
58
evolução da superfície de cedência e do potencial elástico é definida com base em duas variáveis
adimensionais, 𝜉𝐼 e 𝜉𝐼𝐼 . A primeira (𝜉𝐼), no caso de tração pura, depende da energia de fratura em
modo I (𝐺𝐼):
𝝃𝑰 =𝟏
𝟐−
𝟏
𝟐𝐜𝐨𝐬 {
𝝅𝑾𝒄𝒓
𝑮𝑰} (4.5)
A segunda variável adimensional (𝜉𝐼𝐼) depende da energia de fratura em modo II (𝐺𝐼𝐼) e é
aplicada para o caso de corte:
𝝃𝑰𝑰 =𝟏
𝟐−
𝟏
𝟐𝐜𝐨𝐬 {
𝝅𝑾𝒄𝒓
𝑮𝑰𝑰} (4.6)
No entanto, as leis de evolução são formuladas com base numa função de escala 𝑆{𝜌}:
𝑺{𝝆} =𝒆𝒙𝒑−𝜶𝝆
𝟏 + (𝒆𝒙𝒑−𝜶 − 𝟏)𝝆 (4.7)
em que 𝜌 pode ser atribuído como equivalente para as variáveis adimensionais 𝜉𝐼 e 𝜉𝐼𝐼 . Caso o
expoente 𝛼 seja zero, sabe-se que 𝑆{𝜌 ≡ 𝜉𝐼} = 𝜉𝐼 e 𝑆{𝜌 ≡ 𝜉𝐼𝐼} = 𝜉𝐼𝐼 .
No que se refere à evolução da tensão de tração máxima, esta varia entre 𝜎𝑡 e 0 (quando a
interface não suporta mais esforços de tração) e é definida com base na seguinte expressão:
𝝈𝒕 = 𝝈𝒕(𝟏 − 𝑺{𝝃𝑰}) (4.8)
Analogamente à situação anterior, a coesão varia entre 𝑐 e 0, sendo definida com base na equação
seguinte:
𝒄 = 𝒄𝟎(𝟏 − 𝑺{𝝃𝑰𝑰}) (4.9)
Esta expressão (4.9) difere da anterior (4.8) no modo de energia de fratura. Seguidamente, na
Figura 4.4, ilustram-se as curvas das leis de evolução da tensão de tração máxima e da coesão
para diferentes valores do parâmetro de forma 𝛼.
59
Figura 4.4 - Evolução de σt e c para diferentes valores de α (adaptado de Caballero et al., 2008).
O ângulo de atrito varia entre o seu valor inicial tan𝜑0 e o seu valor residual tan𝜑𝑟𝑒𝑠 , de acordo
com a seguinte expressão:
𝐭𝐚𝐧 𝝋 = 𝐭𝐚𝐧 𝝋𝟎 −(𝐭𝐚𝐧 𝝋𝟎 − 𝐭𝐚𝐧 𝝋𝒓𝒆𝒔)𝑺{𝝃𝑰𝑰} (4.10)
De forma similar para o caso da coesão, a evolução do ângulo de atrito considera a energia de
fratura no modo II. Na Figura 4.5 ilustra-se a evolução das curvas para diferentes valores de 𝛼.
Figura 4.5 - Curvas de tan φ para diferentes valores de α (adaptado de Caballero et al., 2008).
60
Finalmente, analisa-se a evolução da superfície de fendilhação para os modos de fratura I e II. A
evolução da superfície para o modo I (tração) está representada na Figura 4.6. No final de um
ensaio de tração, a superfície sofre uma translação para a esquerda até atingir uma tensão normal
nula, enquanto os parâmetros 𝑐 e tan𝜑 alteram-se ligeiramente tendo em consideração os
diferentes valores de 𝛼 referidos anteriormente, tal como indicado na hipérbole 2 em comparação
com a hipérbole 1. É de notar que, após a fendilhação se manifestar, quaisquer deslocamentos de
abertura adicionais são considerados como plásticos, abrindo ainda mais a interface fendilhada
sob tensão normal nula e sem gerar qualquer alteração na energia de fratura em modo I adotada.
No entanto, se porventura a evolução da superfície de fendilhação corresponder ao modo II (corte
puro ou compressão/corte) a variável de trabalho interna, 𝑊𝑐𝑟, pode aumentar para além da
energia de fratura em modo I, atingindo o valor da energia de fratura para o modo II, verificando-
se um encolhimento da superfície para além do que é ilustrado na hipérbole 2 da Figura 4.6. Este
cenário é contemplado através das hipérboles 3 e 4 indicadas na Figura 4.7, onde essas hipérboles
transitam para um estado de linearização da relação corte/tensão normal correspondente ao atrito
residual da interface (Caballero et al., 2008).
Figura 4.6 - Evolução da superfície de fendilhação em Modo I (adaptado de Caballero et al., 2008).
61
Figura 4.7 - Evolução da superfície de fendilhação em Modo II (adaptado de Caballero et al., 2008).
4.5 Comparação dos resultados numéricos obtidos com os modelos de
enfraquecimento
Para comparar os diferentes modelos de enfraquecimento referidos nos subcapítulos anteriores,
ensaiaram-se três tipos diferentes de esforços atuantes nas interfaces:
i. Ensaio de tração;
ii. Ensaio de corte;
iii. Ensaio de compressão/corte.
Nos três ensaios foi considerado um modelo com dois blocos sobrepostos e um elemento de junta
(Figura 4.8) onde nos correspondentes vértices/ponto de integração está representada uma fenda.
Ambos os blocos têm faces quadradas com um metro de aresta e admite-se um comportamento
elástico linear no interior de cada bloco, estando as suas propriedades apresentadas na Tabela 4.1.
62
Figura 4.8 - Modelo dos ensaios de comparação de modelos constitutivos de junta com
enfraquecimento
Tabela 4.1 - Propriedades mecânicas do material dos blocos.
Propriedades mecânicas Bloco
Módulo de Young
𝐸 [GPa] 30,0
Coeficiente de Poisson
𝜐 [-] 0,15
Massa volúmica
𝜌 [ton/m3] 2,50
4.5.1 Ensaio de tração
Neste primeiro ensaio, averigua-se a resposta da interface ao aplicar-se um esforço de tração no
modelo referenciado na Figura 4.8. A todos os pontos nodais do bloco superior é aplicada uma
velocidade vertical de baixo para cima, enquanto nos pontos nodais do bloco de baixo é imposto
um deslocamento nulo. Assim, impõe-se um deslocamento normal relativo na interface, tal como
pretendido.
De seguida, apresentam-se os parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio:
63
Tabela 4.2 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de tração.
Rigidez elástica normal
𝑘𝑛 [MPa/mm] 1000
Rigidez elástica tangencial
𝑘𝑠 [MPa/mm] 500
Tensão de tração limite
𝜎𝑡 [MPa] 3,0
Coesão
𝑐 [MPa] 8,0
Coeficiente de atrito
tan 𝜉 0,8
Coeficiente de atrito residual
tan 𝜉𝑟𝑒𝑠 0,2
Seguidamente, nas Figuras 4.9 a 4.11 ilustram-se os resultados para o ensaio de tração obtidos
com os dois modelos constitutivos com enfraquecimento abordados em subcapítulos anteriores
(MC1 e MC2), bem como uma exemplificação caso seja considerado o modelo frágil. Neste
estudo, consideram-se diferentes valores de energia de fratura em modo I, designadamente 𝐺𝐼 =
0,01; 0,05; 0,1; 0,2 N/mm.
Na Figura 4.9, observa-se que em modelo frágil a rotura ocorre imediatamente após ser atingido o
pico. No que se refere aos outros dois modelos, após atingida a tensão de tração limite (estipulada
na Tabela 4.2), as curvas tensão/deslocamento exibem um ramo descendente do tipo bilinear
(MC1) e exponencial (MC2). Pode-se concluir que quanto maior é a energia de fratura, mais
dúctil é o comportamento do contacto. Deduz-se também a partir da análise comparativa entre os
modelos, que a resposta destes é próxima. No entanto, numa primeira instância o modelo MC2
apresenta maior ductilidade, o que contrasta com uma fase posterior, pois à medida que o
deslocamento se torna mais elevado, o modelo MC1 tem uma resposta mais dúctil.
Figura 4.9 - Modelo frágil no ensaio de tração.
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
0,00 0,05 0,10 0,15
σ[M
Pa]
Deslocamento normal [mm]
64
Figura 4.10 - MC1 (esquerda) e MC2 (direita) no ensaio de tração.
Figura 4.11 - Análise comparativa entre MC1 e MC2 no ensaio de tração.
Apresenta-se na Figura 4.12 o modelo numérico obtido no Parmac3D-FFlow no final do ensaio à
tração para o modelo do tipo MC1, após todos os pontos de integração do elemento de junta
apresentarem dano unitário. Assim, após a conclusão do processo de fendilhação, ocorre a rotura
na interface e o consequente afastamento dos blocos.
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35
σ[M
Pa]
Deslocamento normal [mm]
G = 0,01 N/mm - MC1
G = 0,01 N/mm - MC2
G = 0,2 N/mm - MC1
G = 0,2 N/mm - MC2
65
Figura 4.12 - Modo de fratura em tração e correspondente deslocamento ampliado.
4.5.2 Ensaio de corte
Neste ensaio pretende-se avaliar a resposta do elemento de junta quando é aplicado um
deslocamento horizontal nos pontos nodais do bloco superior do modelo da Figura 4.8, mantendo-
se fixos os nós do bloco inferior. Assim, é considerado um deslocamento tangencial na interface.
Os deslocamentos nos pontos nodais do bloco superior são definidos através da imposição de uma
velocidade constante na direção horizontal. Seguidamente, apresentam-se os parâmetros elásticos
e resistentes adotados no ensaio de corte:
Tabela 4.3 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de corte.
Rigidez elástica normal
𝑘𝑛 [MPa/mm] 50000
Rigidez elástica tangencial
𝑘𝑠 [MPa/mm] 25000
Tensão de tração limite
𝜎𝑡 [MPa] 3,0
Coesão
𝑐 [MPa] 4,5
Coeficiente de atrito
tan 𝜉 0,8785
Coeficiente de atrito residual
tan 𝜉𝑟𝑒𝑠 0,2
66
Nas Figuras 4.13 a 4.15 apresentam-se os resultados para o ensaio de corte obtidos com os dois
modelos com enfraquecimento adotados, MC1 e MC2, e indicam-se novamente os resultados para
um modelo frágil. Neste ensaio, consideraram-se diferentes valores de energia de fratura em
modo II, designadamente 𝐺𝐼𝐼 = 0,05; 0,1; 0.2 N/mm.
Figura 4.13 - Modelo frágil no ensaio de corte.
Figura 4.14 - MC1 (esquerda) e MC2 (direita) no ensaio de corte.
0
1
2
3
4
5
0 0,005 0,01
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
67
Figura 4.15 - Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de corte.
Na Figura 4.13 observa-se que, após atingido o valor máximo de coesão no modelo frágil, a rotura
é imediata. Após o valor limite de coesão ser atingido, as curvas tensão/deslocamento exibem um
ramo descendente do tipo bilinear para o caso do MC1 e exponencial para o MC2. Verifica-se que
neste ensaio a resposta dos modelos com enfraquecimento é similar e que quanto maior é a
energia de fratura maior é a ductilidade dos modelos referidos. Através da análise comparativa
entre os dois modelos, conclui-se que para o menor valor de energia de fratura o MC2 apresenta
maior ductilidade numa primeira fase e, posteriormente, o MC1 apresenta uma resposta mais
dúctil. Ao observar o caso da energia de fratura de valor mais elevado, constata-se que o MC2 é
mais dúctil, não alterando essa condição com o aumento do deslocamento tangencial relativo. No
entanto, o valor da tensão máxima de corte é ligeiramente inferior ao obtido com o modelo MC1,
que corresponde ao valor da coesão máxima adotada.
Apresenta-se na Figura 4.16, o modelo numérico adotado no Parmac3D-FFlow para um dado
instante do ensaio de corte realizado.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
0 0,1 0,2 0,3
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,05 N/mm - MC1
G = 0,05 N/mm - MC2
G = 0,2 N/mm - MC1
G = 0,2 N/mm - MC2
68
Figura 4.16 - Modo de fratura em corte e correspondente deslocamento ampliado.
4.5.3 Ensaio de compressão/corte
Neste ensaio aplica-se inicialmente uma força vertical de sentido descendente nos pontos nodais
do bloco superior, de forma a simular a imposição de um valor de tensão normal de compressão
nos pontos de integração dos elementos de junta. Analogamente aos ensaios de tração e de corte,
os pontos nodais do bloco inferior mantêm-se fixos. Quando atingido o equilíbrio estático, é
imposto um deslocamento horizontal nos pontos nodais do bloco superior, através da definição de
uma velocidade constante na direção horizontal, que origina um deslocamento tangencial na
interface sob a ação de compressão constante. Os pontos nodais do bloco superior têm liberdade
de deslocamento na direção vertical. De seguida, apresentam-se os parâmetros elásticos e
resistentes fundamentais no ensaio de corte sob compressão constante.
Tabela 4.4 - Parâmetros elásticos e resistentes adotados para o ensaio de compressão/corte.
Rigidez elástica normal
𝑘𝑛 [MPa/mm] 50000
Rigidez elástica tangencial
𝑘𝑠 [MPa/mm] 25000
Tensão de tração limite
𝜎𝑡 [MPa] 3,0
Coesão
𝑐 [MPa] 4,5
Coeficiente de atrito
tan 𝜉 0,8785
Coeficiente de atrito residual
tan 𝜉𝑟𝑒𝑠 0,2
69
Neste ensaio, tiveram-se em conta diferentes valores de energia de fratura em modo II,
designadamente 𝐺𝐼𝐼 = 0,05; 0,1; 0,2 N/mm. Analisou-se a resposta do modelo MC2 para os
casos de se tomar como constante o coeficiente de atrito (tal como acontece com o MC1), ou seja,
admitindo que o termo de atrito não se reduz em função do dano até ao valor limite (de 0,8785
para 0,2) e para o caso de haver redução do termo de atrito durante o processo de deterioração do
elemento de junta. As Figuras 4.17 a 4.22 apresentam os resultados obtidos para um ensaio de
corte sob compressão com os modelos com enfraquecimento MC1 e MC2, bem como com um
modelo frágil, considerando diferentes valores de tensão normal de compressão, designadamente:
𝜎𝑛 = −0,1; −5,0; −15,0 MPa, e um valor de tensão normal de tração 𝜎𝑛 = +0,1 MPa.
Figura 4.17 - Modelo frágil no ensaio de compressão/corte.
Figura 4.18 - MC1 no ensaio de compressão/corte.
0
5
10
15
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
σ = -0,1 MPaσ = -5,0 MPaσ = -15,0 MPaσ = +0,1 MPa
0
10
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,05 N/mm
0
10
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,1 N/mm
0
10
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,2 N/mm
70
Figura 4.19 - MC2 com redução do coeficiente de atrito no ensaio de compressão/corte.
Figura 4.20 - MC2 sem redução do coeficiente de atrito no ensaio de compressão/corte.
0
5
10
15
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,05 N/mm
0
5
10
15
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,1 N/mm
0
5
10
15
20
0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,2 N/mm
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,05 N/mm
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,1 N/mm
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
G = 0,2 N/mm
71
Figura 4.21 – Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de compressão/corte (com redução de
coeficiente de atrito).
Figura 4.22 – Comparação entre MC1 e MC2 no ensaio de compressão/corte (sem redução de
coeficiente de atrito).
Tal como nos ensaios anteriores, no modelo frágil ocorre rotura assim que o ponto de pico é
atingido. Quando o limite de tensão tangencial máximo é atingido, as curvas tensão/deslocamento
apresentam um ramo descendente do tipo bilinear no caso de MC1 e exponencial no caso de
MC2. Como era esperado, tanto o modelo frágil como o modelo MC1 como o modelo MC2 sem
redução do coeficiente de atrito convergem para o valor da tensão de corte, em função da tensão
normal imposta e do coeficiente de atrito imposto. Este valor pode ser determinado através da
seguinte expressão:
𝝉 = 𝝈𝒏 𝐭𝐚𝐧 𝝋 (4.11)
0
2
4
6
8
10
0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
σn = -5 MPa
G = 0,1 N/mm - MC1
G = 0,1 N/mm - MC2
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35
τ[M
Pa]
Deslocamento tangencial [mm]
σn = -5 MPa
G = 0,1 N/mm - MC1
G = 0,1 N/mm - MC2
72
Onde tan𝜑 toma o valor, consoante seja considerado o ângulo de atrito (φ) ou o ângulo de atrito
residual (𝜑𝑟𝑒𝑠), e a tensão normal 𝜎𝑛 é a adotada para o ensaio. Na tabela seguinte apresentam-se
os valores esperados para as tensões de corte tendo em conta as tensões normais e os coeficientes
de atrito assumidos.
Tabela 4.5 - Valores esperados das tensões de corte face às tensões normais estipuladas.
Tensão normal 𝜎𝑛 [MPa]
-0,1 -5,0 -15,0 0,1
𝜏 (𝜙) [MPa] 0,09 4,39 13,18 0,09
𝜏 (𝜙𝑟𝑒𝑠) [MPa] 0,02 1,00 3,00 0,02
Na Figura 4.22 observa-se que, tal como nos ensaios anteriormente descritos, a resposta dos
modelos é similar. Numa primeira fase, o modelo MC2 apresenta maior ductilidade, mas à
medida que o deslocamento tangencial relativo aumenta, observa-se que o modelo MC1 inverte a
situação anterior, passando a ter maior ductilidade.
Quando existe um esforço de tração, observa-se que o modelo de contacto entra em rotura mais
rapidamente, não havendo resistência no mesmo. Efetivamente, para tal existir, teria de haver
atrito devido a compressão, o que neste caso não acontece.
Apresenta-se na Figura 4.23 o modelo numérico adotado no Parmac3D-FFlow para os ensaios de
compressão/corte realizados.
Figura 4.23 - Modo de fratura em compressão/corte e correspondente deslocamento ampliado.
73
4.6 Análise dos resultados
Os ensaios numéricos realizados permitiram comparar o desempenho dos modelos de
enfraquecimento apresentados, contribuindo para que fossem detetados e corrigidos alguns
problemas na implementação em 3D do modelo de enfraquecimento de base elasto-plástica.
O modelo de enfraquecimento bilinear MC1 é um modelo simplificado, computacionalmente
robusto e não apresenta problemas de convergência. O modelo de enfraquecimento MC2, de base
elasto-plástica, apresenta uma base teórica mais fundamentada na física do problema em análise,
no entanto é menos robusto e requer um processo de iteração complexo, por vezes com
dificuldades de convergência.
Os exemplos apresentados permitem concluir que, para estes testes simples, destinados a simular
o comportamento dos elementos de junta num cenário real de barragens de betão, os dois modelos
apresentam uma resposta muito semelhante. Observa-se assim que o modelo simplificado MC1
tem potencial para ser aplicado em análise tridimensional não linear.
74
75
5 ANÁLISE DE ESTABILIDADE DE BARRAGENS GRAVIDADE
PARA CENÁRIOS DE ROTURA POR DESLIZAMENTO
5.1 Considerações iniciais
No presente capítulo apresenta-se a análise de estabilidade de barragens gravidade para cenários
de rotura por deslizamento pelas superfícies de ligação betão/rocha e rocha/rocha, tendo em
consideração o comportamento hidromecânico da fundação e, quando aplicável, modelos de
enfraquecimento para reproduzir o comportamento não linear da ligação betão/betão e
betão/rocha.
A avaliação da estabilidade teve em consideração duas metodologias:
i) Método de redução das resistências, método usualmente adotado em fase de
projeto, que consiste na redução do termo de atrito da descontinuidade,
admitindo-se que a superfície de ligação betão/rocha apresenta coesão nula. Para
as juntas betão/betão, adotam-se três hipóteses de comportamento: modelo
elástico, usualmente adotado em projeto, e modelo não-linear com
enfraquecimento (MC1) e modelo não linear com enfraquecimento (MC2);
ii) Método da amplificação de carga, através do aumento do nível da água no
paramento de montante da barragem, resultando num aumento da pressão
hidrostática a montante. Nesta análise adotaram-se modelos de enfraquecimento
para o comportamento não linear da ligação betão/betão e betão/rocha. É uma
análise distinta da anterior, em que é necessário adotar propriedades próximas das
reais para os materiais, mas que se entende conduzir a fatores de segurança mais
adequados a uma situação de galgamento associada a um cenário de rotura por
deslizamento.
Em ambas as metodologias, analisaram-se as subpressões na interface betão/maciço de fundação e
os caudais percolados através do maciço de fundação. Em todas as análises realizadas
considerou-se a presença de uma cortina de impermeabilização e de um sistema de drenagem
instalados na fundação da barragem. A análise de segurança para ambas as metodologias foi
realizada para dois tipos de fundação: comportamento elástico linear das interfaces rocha/rocha, e
76
comportamento não-linear das interfaces rocha/rocha baseado num modelo de Mohr-Coulomb
sem coesão.
Em relação ao módulo computacional Parmac3D-FFlow, primeiramente desenvolveu-se um
modelo tridimensional de elementos finitos com base num modelo 2D. Posteriormente, a partir do
modelo 3D de elementos finitos, definiram-se as juntas mecânicas, o modelo hidráulico e
posteriormente definiram-se as condições de fronteira.
O efeito mecânico do peso da barragem foi estabelecido admitindo um nível de água na albufeira
à cota do terreno a montante e a jusante da barragem e um campo de tensões in situ verticais e
horizontais. O valor da tensão vertical aumenta com a profundidade proporcionalmente ao peso
próprio do maciço rochoso e admitiu-se de forma simplificada que a variação da tensão horizontal
é igual à variação da tensão vertical. Realizou-se em seguida um cálculo hidromecânico de forma
a se obter uma solução de equilíbrio com base nas condições iniciais.
Seguidamente, aplicou-se a pressão hidrostática no paramento de montante da barragem e a
montante no topo do maciço no modelo hidráulico e no modelo mecânico, realizando-se em
seguida um cálculo hidromecânico até se obter o equilíbrio. De seguida adotou-se, em função do
exemplo em análise, comportamento não linear nas descontinuidades, realizando posteriormente
um novo cálculo hidromecânico até se atingir o equilíbrio. Posteriormente, e de forma iterativa,
realizaram-se análises de equilíbrio adequadas a cada metodologia.
5.2 Geometria, condições de fronteira e propriedades dos materiais
5.2.1 Geometria do modelo
A geometria 2D de cada modelo inicial de blocos foi definida com o software AutoCAD (ver
Figura 5.4), tendo-se representado de forma aproximada as possíveis descontinuidades na
fundação. Após a definição da malha de elementos finitos 2D, pontos nodais e incidências dos
elementos planos, recorreu-se ao módulo computacional Parmac3D-Fflow para estabelecer o
modelo mecânico 3D através da extrusão do modelo 2D e do refinamento automático de cada
elemento plano inicial.
Foram considerados dois modelos que representam barragens gravidade que apresentam uma
geometria proporcional entre si e que diferem nas suas dimensões, nomeadamente no parâmetro
77
H, que traduz a altura da barragem, e no parâmetro 𝑎, que descreve a largura do coroamento e
altura da cunha a jusante da barragem. Os valores de H assumidos para os modelos de análise de
estabilidade foram de 15 e 30 m, sendo as respetivas larguras de coroamento e a altura da cunha
de 3 e 5 m. Apresenta-se nas Figura 5.1 a 5.3 a geometria base dos modelos e as dimensões dos
modelos das barragens com alturas de 15 m e 30 m.
Figura 5.1 - Geometria dos modelos.
Tanto a cortina de impermeabilização como o sistema de drenagem são considerados nos dois
modelos. Como indicado na Figura 5.1, para ambos os modelos que a cortina de
impermeabilização tem uma largura de 1/10 da altura da barragem (H) e uma profundidade
correspondente a 0,6H. Quanto à cortina de drenagem, apresenta uma profundidade de 0,3H e
situa-se a jusante da cortina de impermeabilização. Na Tabela 5.1 estão representados os valores
de profundidade atribuídos a cada elemento da barragem, tendo em consideração o modelo
adotado. Designou-se por Modelo 1 o relativo à barragem de 15 m de altura e por Modelo 2 o
relativo à barragem de 30 m de altura.
Em ambos os modelos, foi considerada a jusante da barragem uma cunha de maciço de modo a
garantir a possibilidade de ocorrência de modos de rotura mais complexos, envolvendo interfaces
fora do plano horizontal da interface de fundação.
78
Figura 5.2 - Dimensões do modelo da barragem com altura de 15 m.
Figura 5.3 - Dimensões do modelo da barragem com altura de 30 m.
79
Tabela 5.1 - Profundidades das cortinas de impermeabilização e de drenagem.
Modelo H
[𝑚]
Profundidade da cortina
de impermeabilização
[𝑚]
Profundidade da cortina
de drenagem
[𝑚]
1 15 9 4,5
2 30 18 9
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.4 - Malhas 2D geradas em AutoCAD para os Modelos 1 e 2.
5.2.2 Condições de fronteira mecânicas e hidráulicas
Consideraram-se as seguintes condições de fronteira mecânicas: i) base da fundação fixa nas três
direções do espaço, e ii) fronteiras laterais com deslocamentos impedidos na direção normal à
fronteira. As pressões equivalentes à pressão hidrostática são aplicadas no paramento de montante
da barragem e no topo do maciço a montante da barragem.
Quanto às condições de fronteira hidráulicas, admitiu-se permeabilidade nula na base da fundação
e nas fronteiras laterais do modelo. Considerou-se uma pressão hidrostática equivalente à altura
de barragem de cada modelo imposta nos nós hidráulicos localizados no topo da fundação rochosa
a montante da barragem e no pé de montante. A fim de se considerar o sistema de drenagem,
simulou-se esse dispositivo impondo um potencial hidráulico ao longo dos drenos equivalente a
1/3 do potencial a montante da barragem. A cortina de impermeabilização foi simulada através da
redução de permeabilidade dos pseudo canais hidráulicos localizados na zona de influência da
cortina.
80
5.2.3 Propriedades dos materiais
Para as propriedades dos materiais, foram utilizados valores adotados em estudos anteriores (Reis,
2018). Assim, o modelo mecânico é constituído por dois materiais: Material 1, correspondente ao
betão que define a barragem, e Material 2, referente aos blocos da fundação rochosa. As
características destes materiais apresentam-se na Tabela 5.2.
Tabela 5.2 - Propriedades mecânicas dos materiais.
Material
1 Material
2
Módulo de Young
𝐸 [GPa] 20,0 12,0
Coeficiente de Poisson
𝜐 [-] 0,20 0,20
Massa volúmica
𝜌 [ton/m3] 2,40 2,65
Relativamente aos elementos de interface admitiram-se três materiais: Material 1, correspondente
à interface betão/betão (barragem), Material 2, relativo à interface betão/rocha, e Material 3,
associado à interface rocha/rocha (fundação rochosa). Os parâmetros de rigidez normal e
tangencial referentes a cada material apresentam-se na Tabela 5.3. De forma aproximada, adotou-
se uma largura fictícia de junta de 0,5 m.
Tabela 5.3 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface.
Material
1
Material
2
Material
3
Rigidez normal
𝑘𝑛 [GPa/m] 40,0 24,0 24,0
Rigidez tangencial
𝑘𝑠 [GPa/m] 20,0 12,0 12,0
Nas análises em que se consideraram modelos de enfraquecimento nas ligações betão/rocha e
betão/betão foram utilizados os modelos constitutivos MC1 e MC2 descritos no Capítulo 4. Nas
análises em que se admitiu comportamento não linear da fundação, adotou-se um modelo frágil
para as descontinuidades do maciço rochoso (rocha/rocha), admitindo-se coesão e resistência à
tração nulas e um ângulo de atrito de 45°. As propriedades mecânicas das interfaces em regime
não-linear apresentam-se na Tabela 5.4.
81
Tabela 5.4 - Propriedades mecânicas dos elementos de interface em regime não-linear.
Betão/Betão Betão/Rocha
tan𝜑 [-]
1,0 1,0
𝑐 [MPa]
8,0 8,0
𝜎𝑡 [MPa]
2,9 2,9
𝐺𝐼 [N/mm]
0,25 0,25
𝐺𝐼𝐼 [N/mm]
2,5 2,5
𝐶𝑄 120 120
tan𝜑𝑄
[-] 0,04 0,04
Na Tabela 5.5 apresentam-se as propriedades hidráulicas dos pseudo canais de escoamento para
os modelos.
Tabela 5.5 - Propriedades hidráulicas dos canais de escoamento.
𝜌𝑤
[ton/m3] 𝑘𝑤
[GPa] 𝑎0
[mm] 𝑎𝑚𝑖𝑛 [mm]
𝑎𝑚𝑎𝑥 [mm]
𝑘 [kPa-1s-1]
Canais de escoamento 1,0 2,2 8,34 × 10-5 1
3× 𝑎0 10 × 𝑎𝑚𝑖𝑛 0,83 × 105
Nos canais de escoamento localizados na zona da cortina de impermeabilização adotou-se um
fator de permeabilidade 10 vezes inferior ao adotado no restante maciço rochoso. Como já foi
referido, o sistema de drenagem foi simulado por meio de uma imposição do valor do potencial
hidráulico correspondente a um terço da altura da água a montante da barragem.
5.3 Modelos numéricos
Em relação à discretização do modelo mecânico, a malha adotada para cada um dos modelos no
estudo hidromecânico da análise de estabilidade da barragem é constituída por elementos
hexaédricos de 20 nós. As Figuras 5.5 e 5.6 apresentam, para cada um dos modelos em análise, os
correspondentes modelos mecânico e modelo hidráulico adotados.
82
c) Modelo mecânico d) Modelo hidráulico
Figura 5.5 - Modelo hidromecânico 1.
a) Modelo mecânico b) Modelo hidráulico
Figura 5.6 - Modelo hidromecânico 2.
A Tabela 5.6 apresenta informação relativa à discretização das malhas dos modelos numéricos
tridimensionais 1 e 2.
83
Tabela 5.6 - Discretização das malhas dos modelos numéricos.
Modelo mecânico Modelo hidráulico
Modelo Número de elementos
hexaédricos
Número de pontos
nodais
Número de
elementos de
interface triangulares
Número de nós
hidráulicos
Número de interfaces
hidráulicas
Número de canais de
escoamento
1 1392 17139 9728 4473 8640 25920
2 3216 39597 23552 10683 20992 62976
Na Figura 5.7 estão representadas, com cores diferentes, as interfaces que identificam os materiais
da estrutura adotados para o modelo hidromecânico. Neste caso, apresenta-se o Modelo 1, embora
a lógica para o Modelo 2 seja a mesma. A amarelo representa-se o material dos elementos de
junta da barragem, a vermelho representam-se as interfaces da barragem/fundação, a azul
representa-se a fundação e a cinzento representa-se a cunha de fundação. Esta cunha a jusante da
barragem foi considerada de modo a garantir a possibilidade de ocorrência de modos de rotura
mais complexos que envolvem interfaces fora do plano horizontal da interface de fundação.
Figura 5.7 - Interfaces dos materiais que constituem o modelo hidromecânico.
5.4 Análise de estabilidade da superfície de fundação
Os modelos em análise foram analisados de modo a averiguar a segurança do sistema
barragem/fundação relativamente à rotura por deslizamento, tendo em conta que o deslizamento
pode ocorrer no contato barragem/fundação ou nas descontinuidades do maciço de fundação.
Nestas análises, recorreram-se a dois métodos: método de redução das resistências e método de
amplificação de carga hidrostática.
84
Nos estudos realizados, consideraram-se dois cenários de comportamento da fundação:
i) Comportamento linear na fundação, com exceção das interfaces na proximidade da cunha
a jusante da barragem onde se admitiu um modelo frágil de Mohr-Coulomb com coesão
nula;
ii) Comportamento não-linear para a fundação, admitindo-se um modelo frágil de Mohr-
Coulomb com coesão nula em todas as interfaces.
Para definição do comportamento do betão, consideraram-se os dois modelos de enfraquecimento,
MC1 e MC2, apresentados nos subcapítulos 4.3 e 4.4.
Em todas as análises realizadas, assumiu-se que as subpressões se mantêm constantes e iguais às
obtidas na situação de equilíbrio inicial, não tendo sido realizado o cálculo hidráulico durante o
procedimento de determinação do fator de segurança, quer no método da redução das resistências,
quer no método da amplificação de cargas.
5.4.1 Método de redução das resistências
O método de redução das resistências é frequentemente utilizado em estudos de segurança em
barragens de betão (Farinha et al., 2017), quer na fase de projeto, em barragens novas, quer em
barragens em operação.
Esta análise consiste na progressiva redução do coeficiente de atrito da interface em análise até se
atingir o ponto de rotura, que se considera ser o valor do coeficiente de atrito para o qual não é
possível obter equilíbrio estático. Por fim regista-se o menor valor do coeficiente de atrito para o
qual se verifica o equilíbrio.
Admitiu-se inicialmente um ângulo de atrito (𝜑) de 45° na superfície de ligação betão/maciço
rochoso. Assim, neste processo de minoração sequencial, o coeficiente de redução é aplicado à
tangente do ângulo de atrito (𝑡𝑎𝑛𝜑), sendo a segurança ao deslizamento verificada através do
fator de segurança ao deslizamento, em conformidade com a equação seguinte:
85
𝑭𝑺 =𝐭𝐚𝐧𝝋𝒊𝒏𝒊𝒄𝒊𝒂𝒍
𝐭𝐚𝐧𝝋𝒇𝒊𝒏𝒂𝒍 (5.1)
Nas Figuras 5.8 e 5.9 apresenta-se, para os dois modelos de barragem, a evolução do
deslocamento horizontal do coroamento da barragem ao longo do procedimento de redução do
ângulo de atrito, procurando-se comparar as hipóteses de adotar um modelo elástico para o betão
considerando tanto uma fundação linear como uma fundação não-linear, e adotar modelos não-
lineares para o betão (MC1 e MC2), considerando novamente uma fundação linear e uma
fundação não-linear e admitindo-se que a ligação betão/barragem funciona em atrito puro. Nestas
Figuras, o ângulo de atrito está representado no eixo x, de forma decrescente.
a) Fundação linear b) Fundação não-linear
Figura 5.8 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de redução do ângulo de
atrito para a barragem com altura de 15 m, considerando modelos elásticos e não-lineares para o
betão e fundações lineares e não-lineares.
0,00
0,20
0,40
0,60
0,80
1,00
1,20
1,40
1,60
010203040
Des
loca
men
to [
mm
]
Ângulo de atrito [°]
23,50°
12,80°
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
010203040
Des
loca
men
to [
mm
]
Ângulo de atrito [°]
30,47°
12,80°
86
a) Fundação linear b) Fundação não-linear
Figura 5.9 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de redução do ângulo de
atrito para a barragem com altura de 30 m, considerando modelos elásticos e não-lineares para o
betão e fundações lineares e não-lineares.
Da análise das Figuras 5.8 e 5.9 é possível identificar os ângulos de atrito onde se observam
mudanças no comportamento de cada modelo e os ângulos de atrito mínimos para os quais o
equilíbrio do sistema é garantido. Observa-se na Figura 5.8 que o ângulo de atrito foi reduzido,
para as duas possibilidades de comportamento da fundação, até um mínimo de 12,80°, enquanto
no exemplo de barragem de maior altura, (Figura 5.9) o ângulo de atrito mínimo obtido é,
respetivamente, de 15,95° e 16,39°, para, respetivamente, o modelo de fundação elástico e o
modelo de fundação não linear. Assim, apesar de se terem adotado os mesmos princípios
geométricos na definição da geometria da barragem, o Perfil 2, com maior altura, apresenta um
menor fator de segurança ao deslizamento.
Conclui-se com base nas Figuras 5.8 e 5.9 que os modelos não lineares com enfraquecimento para
o betão não têm influência na rotura da barragem pela interface betão/rocha, observando-se que os
resultados, caso se considere para o betão um modelo linear, ou modelos não lineares (MC1 e
MC2), são idênticos na análise de estabilidade por redução das resistências. Assim, para os
exemplos estudados, a hipótese de projeto de se assumir um comportamento elástico linear para o
betão afigura-se válida.
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
010203040
Des
loca
men
to [
mm
]
Ângulo de atrito [°]
23,50°
15,95°
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
010203040
Des
loca
men
to [
mm
]
Ângulo de atrito [°]
30,47°
16,39°
87
Constata-se também que, tal como expectável, os deslocamentos obtidos no coroamento são mais
elevados na hipótese de comportamento não linear da fundação. Por fim, verifica-se que, quando
se considera uma fundação com comportamento não linear, o instante onde se observam
mudanças de comportamento para cada modelo corresponde a um ângulo de atrito de valor
superior ao obtido com uma fundação linear.
Nas Tabelas 5.7 e 5.8 apresentam-se, para os modelos de barragem analisados, os fatores de
segurança e os ângulos de atrito correspondentes à situação que assegura o equilíbrio. São
consideradas em cada um dos modelos de barragem, as situações de modelo elástico e modelos
constitutivos não-lineares no betão (MC1 e MC2), tanto para uma fundação linear como não
linear.
Tabela 5.7 - Fatores de segurança considerando o método de redução das resistências (Modelo 1).
Modelo de
barragem
Comportamento
do betão
Comportamento
da fundação
Ângulo de
atrito
em equilíbrio
𝑡𝑎𝑛𝜑𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑡𝑎𝑛𝜑𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝐹𝑆𝑡𝑎𝑛𝜑
1
Modelo elástico Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
MC1 Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
MC2 Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
Modelo elástico Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
MC1 Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
MC2 Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
Tabela 5.8 - Fatores de segurança considerando o método de redução das resistências (Modelo 2).
Modelo de
barragem
Comportamento
do betão
Comportamento
da fundação
Ângulo de atrito
em
equilíbrio
𝑡𝑎𝑛𝜑𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑡𝑎𝑛𝜑𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 𝐹𝑆𝑡𝑎𝑛𝜑
2
Modelo elástico Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
MC1 Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
MC2 Não-linear 30,47 1,00 0,59 1,70
Modelo elástico Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
MC1 Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
MC2 Linear 23,50 1,00 0,44 2,30
Da análise das tabelas anteriores conclui-se que os fatores de segurança obtidos para os dois
modelos de barragem são idênticos, tanto considerando uma fundação elástica como uma
fundação com comportamento não-linear. Como se esperava, com uma fundação não-linear os
88
fatores de segurança calculados são inferiores aos determinados quando se adota uma fundação
elástica.
5.4.1.1 Pressões da água na base da barragem e na cunha do maciço a jusante da obra
A distribuição de pressões no conjunto base de fundação da barragem e cunha depende das
subpressões que atuam na estrutura. Em todas as análises realizadas, considerou-se a presença da
cortina de impermeabilização e do sistema de drenagem. Na Figura 5.10 apresenta-se a
distribuição de pressões relativas aos Modelos 1 e 2, ao longo da base da barragem, desde o pé de
montante até parte da cunha. Realizou-se uma análise comparativa para cada malha de modelo de
barragem, considerando um comportamento de fundação não linear do tipo frágil e uma fundação
elástica (com exceção da zona de influência da cunha).
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.10 - Distribuição de pressões na base da barragem e na cunha do maciço a jusante para os
Modelos 1 e 2.
Verifica-se pela análise da Figura 5.10 que a variação das pressões é similar para os dois modelos.
Tanto no modelo de barragem de altura de 15 m como no modelo de barragem de altura de 30 m,
constata-se que as pressões hidrostáticas no pé de montante de barragem correspondem aos
valores definidos pelas alturas das barragens. Em ambos os modelos se observa também que na
zona onde está inserido o sistema de drenagem a pressão decresce de forma linear para o valor
previsto tendo em conta a existência deste dispositivo de controlo de escoamento (1/3 da pressão
no pé de montante), terminando com uma pressão nula na zona da cunha, como seria de esperar.
0
50
100
150
0 5 10 15 20 25
Pre
ssão
da
águ
a [k
Pa]
Distância ao longo da base da barragem
a partir do pé de montante [m]
Fundação não-linear
Fundação linear
0
50
100
150
200
250
300
0 10 20 30 40
Pre
ssão
da
águ
a [k
Pa]
Distância ao longo da base da barragem
a partir do pé de montante [m]
Fundação não-linear
Fundação linear
89
Comparando-se os gráficos da Figura 5.10, observa-se que a distribuição de pressões para os dois
modelos de barragem é muito semelhante, registando-se pressões ligeiramente superiores para
uma fundação linear no Modelo de barragem 1, a montante do sistema de drenagem, enquanto no
Modelo 2 se observa uma distribuição de subpressões ligeiramente superior a jusante do sistema
de drenagem na hipótese de fundação não linear.
Através dos resultados apresentados é possível verificar que as distribuições de subpressões ao
longo da base de fundação e na zona da cunha não são influenciadas pelo comportamento
assumido para a fundação. Conclui-se assim que a diferença de resposta observada em cada
geometria de barragem não se deve a diferenças nos valores das subpressões, mas sim à influência
que o comportamento da fundação tem no comportamento global da barragem.
5.4.1.2 Caudal percolado
De modo a analisar a influência que o tipo de fundação adotado (fundação não-linear e fundação
linear) tem sobre o caudal percolado, aliado ao facto de existir um sistema de drenagem que prevê
uma quantidade de caudal drenado, determinou-se para cada tipo de fundação o caudal percolado
na fundação da barragem. Na Tabela 5.9 encontram-se os valores dos caudais obtidos para os
Modelos 1 e 2 e para os tipos de fundação apresentados anteriormente.
Tabela 5.9 - Caudais percolados para os Modelos de barragem 1 e 2.
Fundação linear Fundação não-linear
Modelo Caudal percolado
𝑄 [𝑚3𝑠−1]
Caudal percolado
𝑄 [𝑚3𝑠−1]
1 1,55 × 10-4 1,95 × 10-4
2 2,99 × 10-4 3,51 × 10-4
Observando os caudais percolados, pode-se aferir que, como seria de esperar, a adoção de um
modelo de fundação não-linear com interfaces frágeis sem coesão conduz a caudais percolados na
fundação mais elevados do que os obtidos com modelos de fundação com junta elástica. A
abertura das descontinuidades que ocorre com maior facilidade num modelo de fundação não
linear contribui para o aumento da permeabilidade do meio, registando-se caudais superiores.
Comparativamente ao Modelo 1, verificam-se maiores caudais no Modelo 2 devido à maior cota
de água a montante que provoca um aumento significativo da carga hidráulica igualmente a
montante.
90
5.4.2 Método de amplificação da carga hidrostática
A análise de segurança foi também realizada a partir de uma majoração da pressão hidrostática
aplicada no paramento de montante (Figura 5.11). Esta majoração foi efetuada admitindo-se um
aumento da carga hidrostática em consequência de uma subida da cota de água (análise
aproximada a um cenário de galgamento da barragem). Entende-se que esta metodologia conduz a
fatores de segurança mais adequados a uma situação de galgamento associada a um cenário de
rotura por deslizamento do que a metodologia baseada no método da redução das resistências.
Contudo, a aplicação deste método requer uma caracterização mais completa das propriedades
dos materiais, nomeadamente do seu comportamento à rotura em tração e compressão-corte, em
especial na interface barragem/fundação.
Nos modelos analisados, o aumento da pressão é realizado com base em incrementos de 1,0 m na
cota de água em cada ciclo de cálculo onde se verifica se o modelo consegue atingir o equilíbrio
estático. Em cada perfil de barragem analisado, a análise sequencial começa com uma altura de
cota de água coincidente com a altura do coroamento. O cálculo sequencial é interrompido caso
não se verifique o equilíbrio estático para um número de passos de 100 vezes superior ao número
de passos máximo registado nas análises sequenciais anteriores. Admite-se como altura de água
máxima o último valor de altura de água para o qual se obteve uma situação de equilíbrio estático.
Figura 5.11 - Majoração da pressão hidrostática através do aumento da cota de água.
Na Figura 5.12 apresenta-se a evolução do deslocamento do coroamento na direção horizontal, no
sentido de montante para jusante, em função do aumento da cota de água, para os dois modelos de
barragem e tendo em consideração os modelos não-lineares com enfraquecimento (MC1 e MC2)
91
adotados nas interfaces betão/betão e betão/rocha para as duas hipóteses de comportamento da
fundação (linear e não-linear do tipo frágil).
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.12 - Deslocamento horizontal do coroamento durante o processo de aumento da cota de água
para os Modelos de barragem 1 e 2.
Por observação dos gráficos correspondentes aos Modelos 1 e 2, constata-se que no Modelo 2 os
deslocamentos que se obtêm com o aumento da cota de água são maiores que no Modelo 1, o que
é expetável dado a barragem com maior altura ser mais deformável. Verifica-se igualmente que a
barragem com menor altura resiste melhor a um cenário de galgamento, obtendo-se equilíbrios
estáveis para acréscimos de cota de água mais elevados que no Modelo 2.
Neste processo de majoração da pressão hidrostática, os fatores de segurança obtêm-se a partir do
quociente entre a componente horizontal equivalente ao diagrama de pressões final (força
correspondente ao último ciclo de incremento de água para o qual se atinge o equilíbrio estável) e
a componente horizontal equivalente à distribuição de pressões inicial, tal como indicado na
Equação (5.2).
𝑭𝑺 =𝑭𝒇𝒊𝒏𝒂𝒍
𝑭𝒊𝒏𝒊𝒄𝒊𝒂𝒍
(5.2)
0
5
10
15
20
25
30
0 20 40 60
Des
loca
men
to [
mm
]
Altura de água acima da cota de
coroamento [m]
Fundação não-linear (MC1)Fundação não-linear (MC2)Fundação linear (MC1)Fundação linear (MC2)
01020304050607080
0 20 40 60 80Des
loca
men
to [
mm
]
Altura de água acima da cota de
coroamento [m]
Fundação não-linear (MC1)Fundação não-linear (MC2)Fundação linear (MC1)Fundação linear (MC2)
92
Na Tabela 5.10 apresentam-se os fatores de segurança obtidos quando se considera o aumento da
carga hidrostática, bem como as forças aplicadas (iniciais e finais) e as alturas de água máximas
para cada modelo de barragem. Observa-se que se obtiveram fatores de segurança maiores com o
Modelo de barragem 1 em comparação com os que se obtiveram com o Modelo 2.
No Modelo 1, barragem com menor altura, constata-se que os modelos não-lineares com
enfraquecimento, MC1 e MC2, conduzem a fatores de segurança semelhantes para as duas
hipóteses de fundação testadas. No Modelo 2, barragem com maiores dimensões, os modelos com
enfraquecimento conduzem a resultados ligeiramente diferentes, mas dentro da mesma ordem de
grandeza. Os resultados obtidos permitem concluir que em perfis gravidade o modelo com
enfraquecimento MC1, mais simples, mas mais robusto, permite obter fatores de segurança
próximos dos obtidos com um modelo de enfraquecimento MC2, com uma sustentação teórica
mais rigorosa, mas que requer um processo de convergência iterativo.
Ao contrário do observado com o método de redução de resistências, no método de amplificação
de cargas os fatores de segurança mais elevados obtêm-se para a hipótese de comportamento não
linear da fundação. Tal facto poderá estar relacionado com a aplicação de incrementos de pressão
hidrostática no topo do maciço a montante da barragem, melhorando assim o comportamento das
interfaces por aumento da tensão de compressão.
Comparando os valores apresentados nas Tabelas 5.7 e 5.8 com os apresentados na Tabela 5.10
verifica-se que os fatores de segurança associados a um cenário de amplificação de carga são
bastante mais elevados que os obtidos com o método simplificado de redução das resistências,
indicando que a metodologia de redução de resistências usualmente adotada em projeto pode ser
muito conservativa. Considera-se, pois, que os fatores de segurança obtidos num cenário de
amplificação de carga são mais próximos dos reais do que os obtidos com a metodologia de
redução das resistências.
93
Tabela 5.10 - Fatores de segurança considerando o aumento de carga hidrostática através do
aumento da cota de água.
Modelo de
barragem
Modelo
não-linear no betão
Comportamento
da fundação
Força
inicial [kN]
Altura de água
máxima
[m]
Força final
[kN]
Fator de
segurança
1
MC1 Não-linear
1,69 × 103
64,00 16,09 × 103 9,53
MC1 Linear 46,00 12,04 × 103 7,13
MC2 Não-linear 64,00 16,09 × 103 9,53
MC2 Linear 46,00 12,04 × 103 7,13
2
MC1 Não-linear
6,75 × 103
58,00 32,85 × 103 4,87
MC1 Linear 37,00 23,40 × 103 3,47
MC2 Não-linear 61,00 34,20 × 103 5,07
MC2 Linear 37,00 23,40× 103 3,47
Na Figura 5.13 observa-se o modo de rotura na barragem, apenas existente na interface
betão/rocha, considerando a hipótese de fundação elástica no Modelo 1 e no Modelo 2 de
barragem. O fenómeno de deslizamento é predominante, ocorrendo uma pequena rotação na zona
da cunha. No entanto, não se observam tensões significativas no interior do betão.
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.13 – Modo de rotura (ampliado 20 vezes) da barragem na interface betão/rocha,
considerando os Modelos 1 e 2 com fundação linear.
94
Apresenta-se na Figura 5.14 o modo de rotura dos Modelos 1 e 2, considerando a hipótese de
fundação com comportamento não-linear. Relativamente ao exemplo anterior, em que o modo de
rotura ocorria fundamentalmente na interface betão/rocha (Figura 5.13), observa-se que para uma
fundação não linear o modo de rotura é mais complexo, envolvendo o maciço rochoso.
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.14 - Modo de rotura (ampliado 200 vezes) da barragem na interface betão/rocha,
considerando os Modelos 1 e 2 com fundação não-linear.
Seguidamente, apresenta-se nas Figuras 5.15 e 5.16 a representação do dano (a azul) para os
modelos de barragem analisados (considerando um modelo de fundação linear), podendo-se
observar na interface barragem/betão e, em menor dimensão, no interior da barragem, pontos de
integração com valores de dano positivo. Nota-se que as diferenças entre considerar o modelo
MC1 e o modelo MC2 são bastante diminutas. Verifica-se ainda que no Modelo 2, o número de
pontos com dano na interface betão/rocha é ligeiramente superior ao obtido no Modelo 1.
95
a) MC1 b) MC2
Figura 5.15 - Dano nas interfaces considerando MC1 e MC2 para o Modelo 1 de barragem com
fundação linear.
a) MC1 b) MC2
Figura 5.16 - Dano nas interfaces considerando MC1 e MC2 para o Modelo 2 de barragem com
fundação linear.
5.4.2.1 Pressões na base da barragem e na cunha de fundação
Para verificar o efeito das subpressões ao longo da base da barragem e da cunha de fundação,
também se analisou esta distribuição das pressões previamente à aplicação de forma iterativa da
amplificação de carga hidrostática por aumento da cota de água. Em todas as análises realizadas
considerou-se a presença da cortina de impermeabilização e do sistema de drenagem.
96
Na Figura 5.17 apresenta-se a distribuição de pressões relativas aos Modelos 1 e 2, ao longo da
base da barragem, desde o pé de montante até parte da cunha. Verifica-se que, tal como no
método de redução das resistências, as pressões são semelhantes para os dois modelos e para as
duas hipóteses de comportamento da fundação.
Tanto no modelo de barragem de altura de 15 m como no de 30 m, observa-se que os valores de
pressão hidrostática no pé de montante de barragem correspondem aos valores da carga hidráulica
impostos a montante. Observa-se também que em ambos os modelos a pressão decresce de forma
linear para o valor previsto devido à presença do sistema de drenagem (1/3 do valor da pressão no
pé de montante) na zona onde está inserido este dispositivo de controlo do escoamento,
terminando com a pressão imposta a jusante (valor nulo) na zona da cunha. O digrama bilinear
obtido reproduz de forma aproximada o modelo bilinear regulamentar adotado em fase de projeto.
Dado que a distribuição de subpressões é muito semelhante em ambos os modelos para as duas
hipóteses de comportamento da fundação, a diferença de comportamento observada em cada
geometria de barragem em função do comportamento da fundação não se deve a diferenças nos
valores das subpressões, mas sim à influência que o comportamento da fundação tem no
comportamento global da barragem.
a) Modelo 1 b) Modelo 2
Figura 5.17 - Distribuição de pressões na base da barragem para os Modelos de barragem 1 e 2.
0
50
100
150
0 5 10 15 20 25
Pre
ssão
da
águ
a [k
Pa]
Distância ao longo da base da barragem a
partir do pé de montante [m]
Fundação não-linear
Fundação linear
0
50
100
150
200
250
300
0 10 20 30 40
Pre
ssão
da
águ
a [k
Pa]
Distância ao longo da base da barragem a
partir do pé de montante [m]
Fundação não-linear
Fundação elástica
97
5.4.2.2 Caudal percolado
De forma a estudar a influência que a hipótese de comportamento da fundação tem sobre o caudal
percolado, registaram-se os valores numéricos do caudal percolado na fundação da barragem. Na
Tabela 5.11 apresentam-se os caudais obtidos nos Modelos 1 e 2 para os tipos de fundação
considerados.
Tabela 5.11 - Caudais percolados para os Modelos de barragem 1 e 2.
Fundação linear Fundação não-linear
Modelo Caudal percolado
𝑄 [𝑚3𝑠−1]
Caudal percolado
𝑄 [𝑚3𝑠−1]
1 1,55 × 10-4 1,70 × 10-4
2 2,99 × 10-4 3,51 × 10-4
Por observação da Tabela 5.11, conclui-se que os caudais são mais elevados se for adotado um
modelo de fundação não-linear, como seria de esperar. Tomando em consideração a abertura das
juntas, pode-se concluir que essa situação afeta o escoamento e explica os caudais mais elevados
registados numa fundação não-linear. O facto de o Modelo 2 apresentar caudais superiores deriva
da maior dimensão da barragem em comparação com o Modelo 1. Constata-se também que os
valores dos caudais são quase idênticos aos obtidos através do método de redução das
resistências.
98
99
6 CONCLUSÕES
6.1 Aspetos relevantes dos estudos efetuados
Neste trabalho propõe-se a utilização de modelos de fenda discreta para o contacto betão/rocha e
betão/betão, assim como um modelo hidromecânico tridimensional de base discreta para análise
da estabilidade de barragens de betão ao deslizamento. Os modelos de enfraquecimento adotados,
quando comparados com modelos do tipo frágil, permitem a obtenção de uma resposta mais
próxima da observada experimentalmente em ensaios de tração e de corte em provetes
betão/rocha e betão/betão.
Apresenta-se de forma sucinta o modelo tridimensional de comportamento hidromecânico de base
discreta adotado, que considera um acoplamento sequencial entre o modelo hidráulico e o modelo
mecânico, realizando-se estudos paramétricos de validação que permitiram avaliar a importância
dos parâmetros mais relevantes do modelo hidráulico, nomeadamente a abertura das
descontinuidades com tensão normal nula e o fator de permeabilidade do canal de escoamento, e a
sua influência na distribuição de pressões e nos caudais percolados. Procurou-se igualmente
estabelecer a relação entre a abertura mecânica, a abertura das descontinuidades com tensão
normal nula e as aberturas hidráulicas mínima e máxima e quantificar a influência de cada um
desses parâmetros na definição da abertura hidráulica do canal de escoamento.
Apresentam-se de forma sucinta os modelos constitutivos de interface com enfraquecimento
adotados na avaliação da estabilidade de barragens ao deslizamento. Apresentam-se exemplos de
validação para campos de tensão de tração, corte e compressão/corte que ocorrem quer no interior
do betão quer na interface de contacto betão/rocha. Os exemplos apresentados validam a
implementação tridimensional do modelo do tipo elasto-plástico, verificando-se ainda que ambos
os modelos de enfraquecimento apresentam comportamentos semelhantes para os ensaios
analisados.
Apresenta-se a metodologia de análise de segurança tradicionalmente adotada na verificação à
rotura pela superfície de ligação betão/rocha, baseada no método de redução das resistências para
valores elásticos. Apresenta-se ainda a análise de um cenário de majoração da pressão hidrostática
associado a uma subida de cota de água. Para ambas as situações, analisam-se duas barragens
gravidade com alturas de 15 e 30 m, considerando um modelo de fundação elástica e um modelo
100
de fundação não linear com famílias de descontinuidades horizontais e verticais, formando uma
malha ortogonal. Em ambos os modelos, considerou-se a jusante a existência de uma
descontinuidade inclinada que permite modos de rotura mais complexos.
A análise de redução de resistência permite concluir que em ambos os modelos o modo de rotura
não é influenciado pelo comportamento não linear do betão, estando apenas associado ao
deslizamento na interface betão/rocha. Assim, em barragens gravidade a adoção de modelos de
comportamento não linear no betão não é essencial para a análise de segurança relativamente a
este cenário.
Num cenário de majoração da pressão hidrostática associado a uma subida de cota de água
verifica-se em ambos os modelos que os fatores de segurança são muito superiores aos obtidos na
análise de redução de resistências, observando-se ainda que a barragem com maior altura
apresenta fatores de segurança ao deslizamento inferiores. Verifica-se ainda que ambos os
modelos de enfraquecimento conduzem a fatores de segurança similares. Nos modelos com
fundação elástica o modo de rotura é um modo misto de deslizamento, com rotação em torno do
pé de jusante e nos modelos com fundação não linear a rotura corresponde a um modo misto de
deslizamento numa descontinuidade horizontal localizada a uma cota inferior à da base da
barragem, com rotação para jusante.
6.2 Desenvolvimentos futuros
Como sugestão para trabalhos futuros considera-se interessante a realização dos seguintes
estudos:
Aplicação da formulação apresentada a barragens abóbada, onde é expetável que a
adoção de um comportamento não linear no betão seja mais relevante, quer no cenário de
redução de resistências, quer no cenário de amplificação de cargas;
Introdução no modelo das principais falhas e famílias de descontinuidades do maciço de
fundação que permita a obtenção de cenários de deslizamento mais complexos;
Consideração da amplificação das subpressões em conjunto com a amplificação das
pressões no modelo mecânico, e modelação do comportamento hidromecânico durante o
processo de amplificação de cargas;
101
Aplicação da metodologia adotada na análise da segurança ao deslizamento sob ações
sísmicas.
102
103
7 REFERÊNCIAS
Antunes do Carmo, J. S. (2013). Grandes barragens: vulnerabilidades e riscos. Departamento de
Engenharia Civil, Universidade de Coimbra.
APA. (2018). Documentos técnicos de apoio ao Regulamento de Segurança de Barragens (RSB).
1a Edição.
APA. (2021). As barragens em Portugal. Consultado Em 20 Janeiro 2021.
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Azevedo, N. M. (2003). A rigid particle discrete element model for the fracture analysis of plane
and reinforced concrete. Tese de Doutoramento. Heriot-Watt University, Edimburgo.
Azevedo, N. M., Castilho, E., Leitão, N. S., Farinha, M. L. B., & Câmara, R. (2019). Modelação
da fendilhação por origem térmica de uma barragem de betão em arco. Revista Portuguesa
de Engenharia de Estruturas, III(9), 37–44.
Azevedo, N. M., & Farinha, M. L. B. (2015). Um modelo hidromecânico para análise de
fundações de barragens gravidade em betão. Geotecnia, 133(Março), 5–33.
Azevedo, N. M., Farinha, M. L. B., Sá, M., & Almeida, J. R. de. (2021). Modelos descontínuos na
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107
ANEXO - VERIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO DO MÓDULO
COMPUTACIONAL PARMAC3D-FFLOW
De modo a verificar e validar o módulo computacional Parmac3D-FFlow foram analisadas duas
estruturas simples. Em primeiro lugar, considerou-se uma consola, com a finalidade de se obterem
(e compararem) os deslocamentos na mesma, para três diferentes tipos de elementos finitos: 8
nós, 20 nós e tetraedros. Esta abordagem inicial permitiu conhecer os instrumentos de comando
do programa, assim como o seu ciclo de cálculo. Seguidamente analisou-se, tendo em conta
diferentes tipos de elementos de interface, um pórtico composto por uma viga e dois pilares, a fim
de se obterem os correspondentes deslocamentos e tensões. Em ambos os casos os valores obtidos
com os modelos numéricos foram comparados com soluções analíticas.
A1.1 Consola
Na Figura A.1 apresenta-se a geometria do modelo da consola referida anteriormente, com 12 m
de comprimento, secção quadrada com 1 m de aresta e um encastramento na face esquerda,
impedindo assim, nessa secção, os deslocamentos e rotações em todas as direções. Note-se que
nesta análise apenas de considerou a consola sujeita ao seu peso próprio.
Figura A. 1 - Modelo geométrico da consola.
As propriedades mecânicas adotadas para a consola estão apresentadas na Tabela A.1.
108
Tabela A. 1 - Propriedades mecânicas do material da consola.
Módulo de Young
E [GPa] 30,0
Coeficiente de Poisson ν [-]
0,20
Massa volúmica
ρ [ton/m3] 2,40
Modelo Numérico
Usando o módulo computacional Parmac3D-FFlow, foram analisadas diversas malhas, com
diferentes tipos de elementos e níveis de discretização.
No que concerne ao tipo de elemento, utilizaram-se elementos hexaédricos de 8 e 20 nós e
hexaedros de 27 nós com o interior discretizado por 24 tetraedros e 48 tetraedros. Em todas as
malhas consideraram-se hexaedros com 0,50 m de comprimento e 0,25 m de largura e altura.
De seguida, realizou-se um refinamento para a malha de elementos hexaédricos de 8 nós através
da redução das dimensões das arestas dos elementos. Os hexaedros, neste caso, passaram a ter
0,125 m de comprimento e 0,0625 m de largura e altura.
Na Tabela A.2 indicam-se os números de elementos e de nós das diferentes malhas utilizadas. Na
Figura A.2 ilustram-se as deformadas obtidas com as diferentes malhas testadas.
Tabela A. 2 - Caracterização das malhas.
Comprimento
[m]
Largura
[m]
Altura
[m]
Número
de nós do
elemento
[N]
Discretização
[T]
Número total
de elementos
Número
total de nós
Sem
refinamento
0,5 0,25 0,25 8 - 384 625
0,5 0,25 0,25 20 - 384 2225
0,5 0,25 0,25 27 24
Tetraedros 9216 2369
0,5 0,25 0,25 27 48
Tetraedros 18432 3969
Com
refinamento 0,125 0,0625 0,0625 8 - 24576 28033
109
Figura A. 2 – Deformadas obtidas com as diferentes malhas.
Por observação da Figura A.2, observa-se que só com um refinamento muito significativo da
malha de elementos finitos de 8 nós (8N refinado) é que se consegue obter um desempenho
próximo do da malha de elementos finitos hexaédricos de 20 nós. Verifica-se igualmente que com
uma malha de elementos finitos tetraédricos (27N24) obtém-se uma curva de deflexão próxima da
obtida com uma malha de elementos finitos hexaédricos de 8 nós (8N), no entanto a malha
tetraédrica requer um maior número de elementos finitos. Conclui-se que a malha de elementos
finitos hexaédricos de 20 nós com funções de interpolação do 2º grau é a que apresenta
deslocamento máximo mais próximo do valor teórico (Tabela A.3). Caso se adotem elementos
finitos do tipo tetraédrico ou do tipo hexaédrico de 8 nós é necessário adotar na discretização um
número significativo de elementos finitos de modo a se obter um desempenho da mesma ordem.
Por este motivo em problema estruturais com flexão (ex. barragens abóbada) é usual adotar-se na
discretização elementos finitos hexaédricos de 20 nós.
A Figura A.3 representa o modelo numérico obtido através do Parmac3D, para a malha
anteriormente referida.
-0,025
-0,02
-0,015
-0,01
-0,005
0
0 2 4 6 8 10 12
Des
loca
men
to Y
[m
]
Distância à secção de encastramento [m]
27N24
8N
27N48
8N Refinado
20N
110
Figura A. 3 - Modelo numérico para a malha de elementos de 20 nós.
Por curiosidade, também se testou uma malha de hexaedros de 20 nós para um caso em que o
amortecimento na consola não foi considerado, podendo-se desse modo visualizar a vibração não
amortecida da consola. A Figura A.4 ilustra o gráfico onde se observa o fenómeno referido.
Figura A. 4 - Vibração não amortecida para malha de 20 nós.
Solução Analítica
O deslocamento na extremidade livre da consola obtido com a malha de 20 nós foi comparado
com o deslocamento teórico dado pela teoria de vigas (modelo de viga de Euler-Bernoulli). A
-60
-50
-40
-30
-20
-10
0
10
0,00E+00 1,00E+05 2,00E+05 3,00E+05 4,00E+05 5,00E+05
Des
loca
men
to [
mm
]
Tempo [s]
Vibração não amortecida
111
Figura A.5 apresenta a correspondente deformada da consola devida ao seu peso próprio, sendo o
deslocamento da extremidade da consola dado pela Equação (A.1).
Figura A. 5 - Deformada da consola segundo o modelo de Euler-Bernoulli.
𝛅 =𝐩 𝐋𝟒
𝟖 𝐄 𝐈 (A.1)
onde 𝑝 representa o peso uniformemente distribuído [kN/m], 𝐿 o comprimento da consola [m], 𝐸
o módulo de Young [kPa] e 𝐼 o momento de inércia [m4].
Análise de Resultados
Seguidamente, realizou-se a comparação entre os resultados numéricos e analíticos para o
deslocamento da extremidade livre da consola. Observou-se que os valores são praticamente
iguais, como se conclui pela análise da Tabela A.3, sendo o valor obtido através do Parmac3D
somente 0.27% superior ao valor obtido analiticamente. Na Figura A.6 está representada a
deformada da consola devida ao peso próprio, obtida pelo programa.
Concluiu-se assim que a malha de hexaedros de 20 nós fornece resultados bastante precisos e
satisfatórios para o deslocamento na extremidade livre da consola.
Tabela A. 3 - Deslocamentos na extremidade livre da consola.
δ [mm]
Parmac3D 0,02495
Solução Analítica 0,02488
112
Figura A. 6 - Deformada da consola devida ao peso próprio.
A1.2 Pórtico com elementos de interface
Na análise numérica do pórtico consideram-se malhas com: hexaedros de 20 nós, hexaedros de 20
nós com elementos triangulares nas interfaces e tetraedros com elementos triangulares nas
interfaces. Fazendo-se variar a rigidez (normal e de corte) dos elementos de interface, obtiveram-
se e compararam-se os resultados relativos a deslocamentos e a tensões segundo o eixo x.
Na Figura A.7 apresenta-se a estrutura do pórtico, com dois pilares e uma viga. Esta última tem
comprimento total de 10 m e secção transversal quadrada com 1 m de aresta. Os pilares, também
com secção transversal quadrada de iguais dimensões às da viga, têm 5 m de altura e encontram-
se encastrados nas suas bases. Na ligação viga-pilar consideram-se elementos de interface.
Figura A.7 - Modelo geométrico do pórtico.
113
A viga, representada na Figura A.7 pelo número 1, e os pilares, referenciados pelo número 2, têm
propriedades mecânicas diferentes, apresentando-se na Tabela A.4 as propriedades
correspondentes a cada elemento estrutural.
Tabela A. 4 - Propriedades mecânicas dos elementos que constituem o pórtico.
Viga (1) Pilares (2)
Módulo de Young
E [GPa] 30,0 20,0
Coeficiente de Poisson
ν [-] 0,20 0,15
Massa volúmica ρ [ton/m3]
2,40 2,60
Os parâmetros da rigidez normal (𝑘𝑛) e de corte (𝑘𝑠) das interfaces, são definidos através das
seguintes equações:
𝒌𝒏 ≈𝑬
𝒕 (A.2)
𝒌𝒔 ≈ 𝜶𝒌𝒏 (A.3)
onde 𝐸 representa o módulo de Young, 𝑡 a espessura fictícia do elemento de interface e o
parâmetro 𝛼 relaciona a rigidez normal e de corte, tomando o valor de 0.4.
De modo a variar a rigidez normal e de corte das interfaces, tiveram-se em conta duas espessuras
fictícias (𝑡) diferentes. Na Tabela A.5, indicam-se as componentes de rigidez correspondentes às
propriedades mecânicas dos dois diferentes materiais, tendo em conta as espessuras fictícias.
Tabela A. 5 - Variação de rigidez dos elementos de interface.
Viga (1) Pilares (2)
kn [GPa/m]
ks [GPa/m]
kn [GPa/m]
ks [GPa/m]
t [m]
1 30 12 20 8
0,1 300 120 200 80
Na Figura A.8 apresenta-se a deformada do pórtico para a ação do peso próprio, assumindo
comportamento elástico nos elementos de interface.
114
Figura A. 8 - Deformada do pórtico.
Solução Analítica
Nas Equações (A.5) e (A.6) apresentam-se, respetivamente, os valores teóricos do deslocamento a
meio vão de uma viga encastrada em ambas as extremidades e do deslocamento a meio vão de
uma viga simplesmente apoiada:
𝜹 = 𝒑 𝑳𝟒
𝟑𝟖𝟒 𝑬 𝑰
(A.5)
𝜹 =𝟓 𝒑 𝑳𝟒
𝟑𝟖𝟒 𝑬 𝑰
(A.6)
Onde 𝑝 representa a carga aplicada (kN/m), 𝐿 representa o comprimento da viga (m), 𝐸 representa
o módulo de Young (kPa) e 𝐼 representa o momento de inércia (m4)
Análise de Resultados
Na Figura A.9 estão representados os deslocamentos da viga segundo o eixo y, para as diferentes
variações de rigidez adotadas nos elementos de interface e considerando diferentes malhas no
modelo numérico. Foi testado na malha de 20 nós (20N) um modelo não-linear para uma
espessura de 𝑡 = 1 𝑚, verificando-se que é este o modelo que apresenta maiores deslocamentos
ao longo do comprimento da viga. Constata-se também que não há grandes diferenças entre os
resultados obtidos com a malha de 20 nós (20N) e com a malha de 20 nós com elementos de
115
interface triangulares (20N-Triangular), ao passo que a malha de tetraedros apresenta menores
deslocamentos a meio vão.
Figura A. 9 – Deslocamentos da viga segundo y, para diferentes malhas e diferentes rigidezes.
Na Tabela A.6 apresentam-se os deslocamentos a meio vão da viga obtidos a partir do módulo
computacional Parmac3D-FFlow para as diferentes hipóteses de rigidez e comparam-se esses
valores com os obtidos a partir das Equações (A.5) e (A.6), correspondentes aos deslocamentos
teóricos de uma viga encastrada e de uma viga simplesmente apoiada.
Tabela A. 6 – Deslocamentos a meio vão da viga.
δ [mm]
Parmac3D-FFlow t [m]
1 NL (20N) 0,572
0,1 (Tetraedros) 0,348
0,1 (20N) 0,386
0,1 (20N-Triangular) 0,386
1 (Tetraedros) 0,408
1 (20N) 0,439
1 (20N-Triangular) 0,441
Solução Analítica Encastrado 0,417
Apoiado 2,083
-0,7
-0,6
-0,5
-0,4
-0,3
-0,2
-0,1
0
0,1
0,2
0 2 4 6 8 10
Des
loca
men
to [
mm
]
Comprimento da viga [m]
t = 0,1m (Tetraedros)
t = 0,1m (20N)
t = 0,1m (20N-Triangular)
t = 1m (Tetraedros)
t = 1m (20N)
t = 1m (20N-Triangular)
t = 1m NL (20N)
116
Seguidamente, apresentam-se os campos de tensões segundo x considerando as diferentes
espessuras fictícias e as diferentes malhas.
Verifica-se que o modelo não-linear apresenta as maiores tensões na parte inferior da viga.
Constata-se também que não existem diferenças substanciais entre a malha de 20 nós (20N) e a
malha de 20 nós com interfaces triangulares (20N-Triangular). Verifica-se também que a malha
de tetraedros apresenta menores tensões que as restantes.
Comparando as tensões e os deslocamentos obtidos através das malhas e das espessuras fictícias,
é possível concluir que os deslocamentos e as tensões segundo x a meio vão da viga seguem a
mesma relação de ordem para os diferentes modelos analisados.
Figura A.10 - Tensões na viga segundo eixo x: malha 20N (t = 0,1 m).
117
Figura A.11 - Tensões na viga segundo eixo x: malha 20N (t = 1 m).
Figura A. 12 - Tensões na viga segundo x: malha 20N - modelo não-linear.
118
a) t = 0,1 m (20N-Triangular)
b) t = 1 m (20N-Triangular)
Figura A. 13 - Tensões na viga segundo x: malha 20N-triangular.
119
a) t = 0,1 m (Tetraedros)
b) t = 1 m (Tetraedros)
Figura A. 14 - Tensões na viga segundo x: malha tetraédrica.