antonio castelnouna história da arquitetura, a maioria do que se construiu não foi feita por...
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Arquitetura Vernácula Antonio Castelnou
Introdução Na História da Arquitetura, a maioria do que se
construiu não foi feita por profissionais, mas por pessoas comuns que, guiadas pela TRADIÇÃO
POPULAR, tiveram o mesmo impulso estético que os especialistas que realizaram a arquitetura oficial.
Todos esses ambientes foram concebidos e executados de modo que atendessem as decisões e as escolhas humanas à sua maneira específica de
fazer as coisas, conforme circunstâncias e recursos disponíveis em determinado tempo e espaço.
Tal arquitetura que é exercida por pessoas que constroem sem o fardo da solenidade oficial recebe o nome de
ARQUITETURA VERNACULAR – uma
arquitetura sem arquitetos, cujo resultado possui valor, mesmo sem ter sido regida
pelos cânones ditos “civilizados” ou acadêmicos.
Etimologicamente, o termo VERNÁCULO provém de vernae, que, na Roma antiga, correspondia a tudo que se relacionava aos servos
nascidos em casa ou dos escravos
que se faziam nas guerras.
Com o tempo, a palavra passou a ser usada para designar tudo aquilo que é próprio de um povo ou uma nação, puro e sem estrangeirismos.
Também se denomina VERNÁCULA a língua vulgar que se contrapõe à culta ou poética. Assim, por
vernacular entende-se uma arquitetura prática e caseira, não heroica e tachada de arcaica, geralmente
excluída do universo de atuação presente.
Aldeia perto de Tahoa (Níger, África)
Habitação vernácula
Entretanto, a arquitetura vernácula
corresponde à representação factual de uma técnica construtiva e ideologia geral de uma
cultura específica.
Relaciona-se sempre à TRADIÇÃO local e à
sabedoria popular; ligando-se, de certo
modo, ao FOLCLORE (folk + lore).
Vernáculo versus Erudito Considera-se como o contraposto do vernáculo
a ARQUITETURA ERUDITA, que é aquela que obedece as normas e padrões estabelecidos nas Academias ou Faculdades de Arquitetura, onde participa o profissional
– ou ainda, outra pessoa ligada ao sistema oficial de
construção.
A arquitetura dita OFICIAL corresponde a uma prática solene, emanada pelo Poder (autoridade legal) e realizada por arquitetos e engenheiros diplomados.
Percebe-se que a história oficial da arquitetura
privilegia sempre obras gigantescas ou singulares, considerando boa somente
a arquitetura erudita, contrapondo-a à vernácula,
a qual é raramente registrada nas
enciclopédias, tornando-as mutuamente exclusivas.
Porém, é importante ressaltar que esses dois modos de operação para se produzir o espaço arquitetônico – o erudito e o vernacular – são antagônicos, mas não são excludentes: eles se complementam mutuamente.
Hoje em dia, percebe-se que não há uma arquitetura vernácula ou oficial puras, mas casos em que o distanciamento é tal que um modo de produção
arquitetônica predomina sobre o outro, em graus distintos, mas sem excluir o outro por completo.
Classificação do Vernáculo O termo ARQUITETURA
VERNACULAR não consegue abranger em
seu significado todas as proposições que existem
referentes a essa produção, que variam conforme a
relação popular/erudito e também quanto à grande
complexidade dos fenômenos a ela vinculados.
Yurt
Tongkonans
A partir de diferentes segmentos sociais – em distintos contextos bioclimáticos, históricos, políticos,
econômicos e culturais –, é possível fazer uma classificação que evite uma definição generalista do
VERNÁCULO, independente de local e tempo.
Casas em enxaimel
Blumenau SC
Desse modo, visando o seu estudo científico e acadêmico, classifica-se a ARQUITETURA VERNÁCULA em: Arquitetura Primitiva Arquitetura Regional,
Iletrada ou Anônima
Arquitetura Colonial Arquitetura Espontânea Arquitetura Popular
Bangladesh Malásia (Sudeste Asiático)
Índia (Sul Asiático)
Arquitetura primitiva
É aquela geralmente derivada de intelectos
considerados rudimentares e simples, como os
indígenas ou nativos que vivem em comunidades onde não existe divisão social de trabalho: a
pessoa que vai morar é quem constrói sua casa.
Choça
Tipi
Consiste nos trabalhos executados por uma
comunidade e consumidos por ela mesma, segundo a
somatória de conhecimentos disponíveis, transmitidos por
gerações; e a partir de recursos que o próprio meio oferece
(gelo, terra, palha, pele animal, ossos e galhos de árvores).
Dogons (Aldeia Banani, Mali)
Gamma (Gildeskål, Noruega)
HABITAÇÃO PALEOLÍTICA
ossos
peles
ramos
TUAREG: Habitação em forma de tenda dos árabes
nômades do deserto (tuaregues ou bérgeres), que vivem em regiões do Saara,
(Argélia, Mali ou Níger).
DOGON: Moradia primitiva de forma prismática e aberta dos habitantes de Mali , na África (dogons), feita em taipa e palha.
A A
B
C
C D E
ALDEIA A – Depósito B – Crianças e animais
CASA (DOGON) C – Depósito D – Cama suspensa E – Cozinha
Casa
9-10m
6-7 m
MUSGU: Habitação em forma cônica, feita de argila misturada com palha,
típica do povo musgum (Mulwi), que vive em regiões da Nigéria, Chad e Camarões
(África central).
TUBALI: Habitação prismática com um ou mais andares, feita de adobe (lama seca) e
decorada com baixos-relevos ou estuques
coloridos do povo hausa (Haoussa), que vive
principalmente no sul do Níger e norte da Nigéria.
MIN Povo Rendille (Quênia)
FULA Povo Fulani (Norte da Nigéria e arredores)
INDLU – Povo Zulu (Kwazulu-Natal, África do Sul)
(Togo e Benin) Povo Batammaliba
TAMBERMA ÁFRICA
YURT: Casa cilíndrica dos povos mongóis da Ásia central, feita de feltro (pano que não é fiado, mas fabricado com lã de carneiro e
pêlo de camelo amassado com os pés), fixado em treliçado de
madeira e preso por correias de couro ou crina de cavalo.
HABITAÇÕES TROGLODITAS: Casas escavadas em rochas basálticas da região da Capadócia (Turquia), as quais formam
cidades subterrâneas – Derinkuyu, Kaymakli, Özkonak e Mazi –, de até 9 níveis, com dutos e poços e abrigando até 20.000 pessoas
YAODONGs Habitações escava- das na rocha das
províncias chinesas de Henan,Shanxi, Shaanxi e Gansu.
TULOU Província de Fujian (China)
TODA Montes Nilgiri (Sudoeste da Índia)
(Filipinas) KALINGA
ÁSIA
GOATHI ou GAMMA: Casa cônica, de planta circular ou quadrangular, feita de galhos de árvores e coberta de musgo de
turfa, madeira ou tecido; típica dos lapões (Povo Sami) que vivem no norte da
Escandinávia.
IGLU: Do esquimó idglo (casa), habitação polar em
forma de cúpula, simples ou composta, construída com blocos de neve compacta,
encaixados em espiral, e com interior forrado de pele.
TIPI ou TEEPEE: Tenda cônica dos índios das grandes planícies
norte-americanas, feita de galhos e recoberta com pele de bisão,
hoje substituída madeira ou lona.
PALAFITAS: Habitações elevadas, geralmente
lacustres ou em árvorEs, sustentadas por estacas e
encontradas em regiões quentes e úmidas da África, Oceania e
América Latina (Sul e Central).
GANVIE (Sul de Benin, África)
CASA AMAZÔNICA (Amazonas, Brasil)
KORAWAI (Papua Ocidental,
Indonésia)
KORAMBO Povo Abelam (Papua Nova Guiné)
HUMPY Abrigo arborígene (Nordeste da Austrália)
(Samoa) “Casa grande” nativa
FALE TELE
OCEANIA
OCA: Do tupi oka (casa), choça de índios brasileiros, da etnia tupi-guarani, feita geralmente de palha presa
em trama de galhos, podendo ou não ser comunitária. Há variantes conforme a tribo.
MALOCA: Oca grande TABA: Aldeia indígena
TAPERA: Aldeia extinta
Na Época do Descobrimento, estima-se que se falavam no Brasil cerca de 1.000 línguas.
Hoje, fala-se 180 idiomas, sendo a maioria indígena, com apenas 160.000 falantes.
SHABANO (Habitação Yanomami)
Maloca Matsés
Habitação Xavante
NOVAES, Sylvia Caiuby. Habitações Indígenas.
São Paulo: Nobel, 1983.
Arquitetura regional
Também denominada de ILETRADA, é aquela que tem suas raízes no próprio lugar (sítio),
sendo produto natural das necessidades e
conveniências do meio físico-social de uma
determinada região ou comunidade. DAR
Casa tradicional árabe
Barajil (Torre de ventos)
Muxarabi
Em geral, também é construída pelos seus próprios usuários, mas apresenta uma maior complexidade de
agenciamentos que a primitiva, sendo sua transmissão igualmente feita, de modo informal, entre gerações.
Habitação tradicional japonesa
MINKA (Casa rural)
MACHIYA (Casa urbana)
Shōji
Tatami
A prática arquitetônica regional adapta-se às
constantes físicas do meio geográfico (relevo e clima),
a partir da ação humana, sendo assim uma expressão cosmo-antropológica que vai se desenvolvendo ao longo do tempo com a
tecnologia.
Casa Zafimaniry Habitação regional de Madagáscar (África)
Habitação regional do Zimbabwe (Sul da África)
Casa Ndebele
CASAS DE ADOBE: Do árabe at-tob, referem-se às
primeiras habitações históricas feitas em blocos de terra crua, seca ao sol, típicas das diversas regiões do Egito e Oriente Médio.
Antiga habitação egípcia
Antiga habitação assíria e babilônica
1 Sala de recepção e estar 2 Lugar do guardião 3 Primeiro dormitório (c/quarto de vestir e banho) 4 Segundo dormit´roio (c/quarto de vestir e banho)
1
2
3
3
3
4 4 4 pátio
Construção em COB (Material com-posto por terra, areia e palha, muito semelhante ao adobe, mas que não é executado em blocos e sim em paredes espessas e únicas, bastante utilizado em algumas regiões da Europa (Inglater-ra), África, Austrália e Nova Zelândia).
PUEBLO (Sistema
construtivo em adobe e madei-ra, oriundo do povo Anasaki,
que viveu na região do Novo
México (EUA) e que ainda hoje é
empregado)
CASAS DE TIJOLOS: Construções que, até
meados do século XIX, caracterizavam-se por blocos de argila cozida,
feitos à mão, que diferiam na cor e formato conforme a
região mediterrânea em que eram produzidos (Norte
africano e Penínsulas Ibérica, Itálica e Balcânica).
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Antiga habitação grega
1 Vestíbulo 6 Sala de secagem 11 Escada p/ 2 Pátio aberto 7 Sala de banho piso sup. 3 Pórtico coberto 8 Antessala 12 Despensa 4 Salas de estar 9 Sala de jantar 13 Escritório 5 Cozinha 10 Sala de serviços
CASAS DE PEDRA: Habitações medievais e renascentistas realizadas em cantaria até a era industrial (Século XIX), feitas por artesãos em calcário, granito, arenito ou ardósia, em partes
da Europa central e do norte, entre outras regiões.
COTTAGE: Habitação de pequenas dimensões, geralmente realizada em
pedra ou mesmo cob, com cobertura em palha, madeira e pedra, típica da Irlanda e Reino
Unido, embora também seja encontrada em regiões europeias.
TRULLO: Casa cilíndrica, com tetos em cúpulas cônicas, feitas de calcário
local e sem argamassa, típicas de Alberobello (Puglia, Itália).
Os trulli evoluíram a partir das habitações caiadas prismáticas,
típicas das ilhas Cíclades (Grécia).
Habitações Cicládicas
CABANAS: Moradias simples, que evoluíram no uso de toras (blocause) e tramados até tábuas de madeira dura (carvalho,
cerejeira e peroba) ou macia (pinho, cedro e bambu), em diversos sistemas construtivos
espalhados pelo mundo.
Izba (Cabana russa)
SISTEMA ENXAIMEL (Casas em trama de madeira preenchida por tijolos revestidos ou não, típicas de algumas regiões germânicas)
SISTEMA CRUCK ou CROOK FRAME (Casas em trama de madeira encurvada,
fechada por barro das regiões britânicas, França e Escandinávia)
EUROPA
HALENHAUS Grandes casas de fazenda (Holanda e Noroeste da Alemanha)
HIZBA Pequena casa
tradicional russa (Rússia)
Igrejas de madeiras feitas por povos
BOJKO, LEMKO e HUTSUL (Ucrânia)
Casas para depósito de feno (Eslovênia) KOSOLEK
CHALÉS: Habitações mais largas que altas, feitas em
madeira e pedra, com lareira, varanda e teto de duas águas,
típicas de regiões alpinas (Suíça, França e Alemanha).
TAPIRI: Casas dos seringueiros amazônicos, de um ou dois
andares, sem parede, feitas em paxiúba e cobertas de sapé
tratada e bem seca.
TONGKONAN: Moradia tradicional do povo Toraja (Ilha de Sulawesi, Indonésia), que tem forma elevada de barco (madeira,
bambu e palha), destinadas às classes altas, já que os mais pobres vivem em casas menores chamadas BANUA.
Leitura Complementar APOSTILA – Capítulo 05.
LEMOS, C. A . C. Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979.
MAY, J. Architettura senza architetti. Milano: RCS, 2010. RASMUSSEN, S. E. Arquitetura vivenciada. 2a. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
ROHDE, G. M. Arquitetura espontânea no Rio Grande do Sul. In: BERTUSSI, P. I. et alii. A arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
STROETER, J. R. Arquitetura & teorias. São Paulo: Nobel, 1986.