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“PRECIOSA- UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA”: ALGUMAS REFLEXÕES POSSÍVEIS
Wanny Karina Gomes Vieira (FAFIJAN)
E-mail: [email protected]
Márcia Gomes Eleutério da Luz (Doutoranda em Educação-PPE/UEM)
Resumo
Esta pesquisa de caráter bibliográfico buscou analisar o filme: “Preciosa – Uma História de Esperança” no qual uma garota de dezesseis anos, negra, obesa, contaminada com o vírus HIV, sofre com os abusos de poder da mãe e violência sexual do pai. Este estudo problematiza o papel da família na (des) proteção da infância, as implicações de gênero e raça como fator de violência sexual e a educação como ferramenta de resistência. Embasado em materiais científicos, intencionou contrapor a idealização da família como sujeito de proteção, apresentar a importância de se discutir raça e gênero como categorias de risco no abuso sexual e apresentar o papel da educação na luta por dignidade e igualdade. Concluímos que quando a família não protege a criança a escola passa a cumprir esse papel de proteção e instrumenta-as por meio da educação, possibilitando a esse grupo de pessoas novas formas agir e existir no mundo.
Palavras-chave: Preciosa; Violência; Família; Educação; Empoderamento. Introdução
O filme “Preciosa – Uma História de Esperança” traz a história de uma garota
de dezesseis anos, negra, obesa, contaminada com o vírus HIV, que sofre
constantemente com os abusos de poder da mãe e violência sexual do pai. Este
estudo teve como intuito problematizar acerca do papel da família como (des)
proteção da infância, as implicações de gênero e raça como fator de violência sexual
e o papel da educação como possível ferramenta de resistência e transformação
social.
Preciosa e a (des) proteção familiar A narrativa fílmica de “Preciosa – Uma História de Esperança” se passa em
1987, em Harlem, um bairro de Nova York. Claireece Preciosa Jones, mais
conhecida como “Preciosa”, é uma garota de dezesseis anos, negra, obesa,
semianalfabeta, portadora do vírus HIV (transmitido pelo próprio genitor), que está
grávida pela segunda vez, fruto dos abusos sofridos pelo pai desde os três de idade.
Sua mãe, não a enxergando como uma vítima, nutre por ela muito ódio e ciúmes
doentios, vendo-a como rival e lhe atribuindo a culpa pelos próprios abusos sofridos.
Esse fato é evidenciado nas cenas em que ela verbaliza: “Ele era meu homem. Você
roubou meu homem. ”
Ao recorrermos ao Boletim Epidemiológico n° 27 da Análise epidemiológica da
violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017, do Ministério
da Saúde, podemos constatar que: No período de 2011 a 2017, foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes, concentrando 76,5% dos casos notificados nesses dois cursos de vida [...]. A avaliação das características sociodemográficas de crianças vítimas de violência sexual mostrou que 43.034 (74,2%) eram do sexo feminino e 14.996 (25,8%) eram do sexo masculino. Do total, 51,2% estavam na faixa etária entre 1 e 5 anos, 45,5% eram da raça/cor da pele negra, e 3,3% possuíam alguma deficiência ou transtorno [...]. A avaliação das características sociodemográficas de adolescentes vítimas de violência sexual mostrou que 76.716 (92,4%) eram do sexo feminino e 6.344 (7,6%) eram do sexo masculino. Do total, 67,8% estavam na faixa etária entre 10 e 14 anos, 55,5% eram da raça/cor negra, 7,1% possuíam alguma deficiência ou transtorno [...]. A avaliação das características da violência sexual contra crianças mostrou que 33,7% dos eventos tiveram caráter de repetição, 69,2% ocorreram na residência e 4,6% ocorreram na escola, e 62,0% foram notificados como estupro [...]. A avaliação das características da violência sexual contra adolescentes mostrou que 39,8% dos eventos tiveram caráter de repetição, 58,2% ocorreram na residência e 13,9% em via pública, e 70,4% foram notificados como estupro.
Ao analisarmos os dados informados pelo Boletim acima, verificamos que
76,5% dos casos de abusos sexual são cometidos contra crianças e adolescentes e
mais de 60% acorrem dentro da própria residência, da mesma forma que
apresentado no filme, algumas cenas mostram Preciosa sendo violentada por seu
pai no quarto. Com o passar da história sua mãe relata, para a assistente social, que
estava presente no primeiro abuso que Preciosa sofreu aos três anos de idade.
Um outro dado real que vai de encontro com o apresentado no filme, é o fato
que a maioria das crianças abusadas são negras e do sexo feminino. Tais dados
trazem a interseccionalidade como objeto de estudo a fim de promover ferramentas
de proteção à criança e adolescente em situação de risco e vulnerabilidade social.
Ao ser expulsa da escola, devido a sua segunda gravidez, ao mesmo tempo é
convidada a estudar na Instituição: “Cada Um ensina Um”, uma escola alternativa
para adolescentes com dificuldades de aprendizagem e sociais. Preciosa fica feliz
de ser convidada a estudar nessa instituição. Sua mãe, por outro lado, é contra
Preciosa ir para escola alegando que o estudo não mudaria sua vida. Atitudes
semelhantes a essa, ferem o que determina o art. 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, (Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990): Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Esse artigo é descumprido não apenas no âmbito da educação de Preciosa,
mas também no que diz respeito a saúde. Quando a Protagonista ganha o segundo
filho, em uma de suas falas, ela menciona que nunca havia entrado em um hospital
ou tido uma consulta, e que o parto da sua primogênita ocorreu no chão da cozinha
de sua casa, com sua mãe chutando a sua cabeça. Preciosa teve todos os seus
direitos negados pela família.
O emponderamento de Preciosa tem início quando ela aceita o convite da
Escola Alternativa e começa a frequentar as aulas. Sra. Rain, a professora,
descobre que Preciosa é semianalfabeta e começa todo um processo de
aprendizagem com a garota e fortalecimento emocional, mostrado seus aspectos
positivos e o seu valor como pessoa. A protagonista sempre foi humilhada e
subjugada por sua mãe e pelas pessoas de sua antiga escola, fatos que a levaram a
ter uma baixa autoestima e acreditar não servir para nada, não ter valor. Aos poucos
ela começa a fazer amizades e criar esperança que pode ter um futuro melhor.
Começa também a questionar valores que vinham de sua família, como na fala: “Ai
caramba as duas são sapata! Elas cuida de mim e do Abdul. Porque que as pessoas
que nem me conhece são mais legais comigo que minha mãe e meu pai? Me sinto
protegida. Minha mãe diz que gay é gente ruim. Mas mãe, o que eles fizeram para
você? Não foram os gays que me estupraram. ”
Quando a família falha no papel de proteger seus menores a escola seria o
lugar onde: “As crianças vítimas de violência deveriam encontrar, fatores de proteção que diminuíssem tanto a violência quanto o impacto dela sobre seu desenvolvimento, e que favorecessem a implementação de estratégias de coping mais saudáveis e adaptativas”. (LISBOA et al. 2002, apud INOUE; RISTUM, 2008 p.15)
A Escola Alternativa, que Preciosa fazia parte, retrata essa atuação. Foi na
escola que a protagonista se sentiu protegida quando saiu de casa após sua mãe ter
tentado matá-la. Foi também na escola que Preciosa pode dar um basta na violência
que sofria, recebendo os recursos e orientação necessária para ir morar em um
abrigo, onde ninguém a faria mal. Através do apoio que Preciosa recebia de sua
professora e do seu anseio por aprender a ler e escrever, foi possível traçar
estratégias de enfrentamento positivas que mudaram a vida da protagonista dando a
ela a esperança de um futuro digno.
Considerações finais
Através da análise fílmica de “Preciosa – Uma História de Esperança”, foi
possível elucidar que nem sempre a família cumpre seu papel de proteção infantil,
sendo muitas vezes o causador da desproteção, cabendo a escola realizar função
de proteger e educar. Uma família desestruturada, interfere drasticamente na
representação que as crianças e adolescentes fazem de si mesmos, e os valores
que carregam consigo e replicam na sociedade. A escola é vista como um ambiente
de segurança, proteção e acolhimento, que torna capaz a aquisição de
conhecimento e novos valores, favorecendo o emponderamento das minorias
vítimas de alguma forma de violência. Através da educação torna-se possível a
transformação da realidade social do indivíduo assim como aconteceu com a
Preciosa.
Referências BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm >. Acesso em: 20 mar. 2019. BRASIL. Ministério da saúde. Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim epidemiológico, Brasília, v.49, n.27, jun. 2018 Disponível em: <http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf> Acesso em: 20 mar. 2019. INOUE, Silvia Regina Viodres; RISTUM, Marilena. Violência sexual: caracterização e análise de casos revelados na escola. 2008. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n1/a02v25n1>. Acesso em: 20 mar. 2019 PRECIOSA: uma história de esperança. Direção Lee Daniels. EUA: PlayArt, 2009. DVD.