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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA Natal-RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO

CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO

PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA

Natal-RN 2019

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MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO

CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO

PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Linha de Pesquisa “Processos e Dimensões da Produção Artística”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Ezequias Oliveira Lira

Natal-RN 2019

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Catalogação da Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz – Escola de Música da UFRN B862c Brito, Marco Cézar de Oliveira.

Contribuição da vivência na roda de choro para a formação do músico instrumentista / Marco Cézar de Oliveira Brito. – Natal, 2020. 113 f. ; 30cm.

Orientador: Ezequias Oliveira Lira. Dissertação (Mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Música, 2020. 1. Percepção musical – Dissertação. 2. Roda de Choro – Ensino e

aprendizado musical – Dissertação 3. Músico instrumentista – Formação – Dissertação. I. Lira, Ezequias Oliveira. II. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 781.6

Elaborada por: Elizabeth Sachi Kanzaki CRB-15/Inscr. 293

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MARCO CÉZAR DE OLIVEIRA BRITO

CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA NA RODA DE CHORO

PARA A FORMAÇÃO DO MÚSICO INSTRUMENTISTA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Linha de Pesquisa “Processos e Dimensões da Produção Artística”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.

Aprovada em: 02/12/2019

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Dr. Ezequias Oliveira Lira – UFRN

Orientador

_________________________________________________________’ Prof. Dr. Eddy Lincolln Freitas de Souza – IFCE

Membro da Banca

_________________________________________________________ Prof. Dr. Tiago de Quadros Maia Carvalho - UFRN

Membro da Banca

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Aos meus pais, Manoel Xavier de Brito (in memoriam) e Edite Batista

de Oliveira; à minha esposa, Valéria Mônica Moraes de Oliveira Brito;

aos meus filhos, Marco Cézar de Oliveira Brito Filho, Marcos Vinicius

Moraes de Oliveira Brito e Mônica Valéria Moraes de Oliveira Brito;

e aos professores Severino Revoredo, do Conservatório Pernambucano

de Música, e Manoel Nascimento, do Centro de Criatividade Musical

de Pernambuco, grandes mestres que, de forma marcante,

contribuíram para a minha formação acadêmica e minha trajetória

artística.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor doutor Ezequias Oliveira Lira, pela generosidade e competente orientação desta

pesquisa.

À minha esposa, Valéria Mônica, e aos meus filhos, Marco Cézar, Marcos Vinicius e Mônica

Valéria, pela paciência e compreensão nos momentos de dificuldade e pelo desprendimento

durante a realização desta pesquisa.

Aos professores do Programa de Mestrado da Escola de Música da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (EMUFRN), pelos valiosos ensinamentos.

A todos os colegas do Curso de Mestrado, pelo convívio enriquecedor e pelo compartilhamento

de estudos, ideias e aspirações.

Aos renomados músicos profissionais Alessandro Penezzi, Alexandre Milton, Caio Cézar, Deo

Rian, Fernando César, Hamilton de Holanda, João Paulo Albertim, Jorge Simas, Leonilcio

Deolindo da Silva, Luiz Otávio Braga, Nenéu Liberalquino, Olivier Lob, Rogério Caetano e

Sérgio Prata, pela generosidade de compartilharem comigo seus conhecimentos em entrevistas

que redundaram em contribuição valiosíssima para o êxito deste trabalho.

Ao professor doutor Wilson Guerreiro Pinheiro, pela meticulosa revisão final da Dissertação.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a concretização desta

importante fase de minha vida acadêmica.

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“A Roda de Choro é um local em que a música é tão importante quanto a existência pessoal de músicos e ouvintes, porque não se separa dos demais aspectos da vida, e funciona como ponte comunicativa, que permite o encontro e a relação entre pessoas.” Ivaldo Gadelha de Lara Filho, Gabriela Tunes da Silva e Ricardo Dourado Freire (2011, p. 160).

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é estudar a contribuição da vivência na Roda de Choro para a

formação do músico instrumentista brasileiro popular em sintonia com a prática profissional

acadêmico-artística do Autor. Foi feita pesquisa qualitativa visando identificar e compreender

aspectos importantes das rodas de choro baseados na transmissão oral para a obtenção de uma

performance significativa. A contextualização com autores, professores e entrevistados

performers de renome nacional permitiu identificar características específicas inerentes às

práticas coletivas das Rodas de Choro e sua contribuição para a formação do músico

profissional. O estudo destaca a importância da atividade do instrumentista colaborador solista

que, ao executar o solo, auxilia os músicos acompanhadores na formação e na ampliação do

repertório. A percepção instrumental, desde a sua prática com aparelhos de mídia até à sua

aplicação na roda de choro, é destaque nesta abordagem contributiva, ao lado da ação de

transcrição nas funções de degravador e de transcritor.

Palavras-Chaves: Percepção Instrumental. Prática de Conjunto. Roda de Choro. Tradição Oral. Transcrição.

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ABSTRACT

The objective of this work is to study the contribution of the experience in the Roda de Choro

to the formation of the popular Brazilian musician in line with the author's academic-artistic

professional practice. A qualitative research was conducted to identify and understand

important aspects of Rodas de Choro based on the oral transmission to obtain significant

performance. The contextualization with authors, teachers and interviewed nationally renowned

performers allowed identifying specific characteristics inherent to the collective practices of the

Rodas de Choro, and their contribution to the training of the professional musician. The study

highlights the importance of the activity of the collaborator solo performer who, when

performing the solo, assists accompanying musicians in the formation and expansion of the

repertoire. The instrumental perception, from its practice with media devices to its application

in the Roda de Choro, is highlighted in this contributory approach, alongside the transcription

action as a full audio transcriptionist.

Keywords: Instrumental Perception. Oral Tradition. Set Practice. Roda de Choro.

Transcription.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEM Associação Brasileira de Educação Musical

AM Estado do Amazonas

ANPPOM Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Música

BS Biblioteca Setorial

CD Abreviação do inglês Compact Disc [= Disco Compacto]

CLA Centro de Letras e Artes

CPM Conservatório Pernambucano de Música

DF Distrito Federal

ECA Escola de Comunicações e Artes

ed. edição; editor(es)

EMBAP Escola de Música e Belas Artes do Paraná

EMUFRN Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

et al. Abreviação da locução latina et alii [ = e outros]

f. Abreviação de folha(s)

FUNARTE Fundação Nacional de Artes

IA Instituto de Artes

ICS Instrumentista Colaborador Solista

IFCE Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

IMANAM Indústria de Manaus da Amazônia

INL Instituto Nacional do Livro

ISBN Sigla do inglês International Standard Book Number [= Número Padrão Internacional de Livro]

ISSN Sigla do inglês International Standard Serial Number [= Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas]

K7 Sigla de cassete

loc. cit. Abreviação da locução latina loco citato [= no lugar citado]

LP Abreviação do inglês Long-Play [= Disco fonográfico de vinil]

MIDI Sigla do inglês Musical Instrument Digital Interface [= Interface Digital para Instrumentos Musicais]

MIS Museu da Imagem e do Som

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MPB Música Popular Brasileira

n. número; nascido em

N.A. Nota do Autor

n.º Número

p. página(s)

PB Estado da Paraíba

PE Estado de Pernambuco

pp. Abreviação do inglês pages [= páginas]

RN Estado do Rio Grande do Norte

SACCoM Sigla do espanhol Sociedad Argentina para las Ciencias Cognitivas de la Música [= Sociedade Argentina para as Ciências Cognitivas da Música]

s.d. Abreviação da locução latina sine data [= sem data (de publicação)]

SIMPOM Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música

s.l. Abreviação da locução latina sine loco [= sem local (de publicação)]

s.n. Abreviação da locução latina sine nomine [= sem nome (do editor)]

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

UFG Universidade Federal de Goiás

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UnB Universidade de Brasília

UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

USP Universidade de São Paulo

v. Volume

vol. volume

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LISTA DE SÍMBOLOS

Hz hertz [= Unidade de medida de frequência no Sistema Internacional de Unidades]

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15 1. CHORO ............................................................................................................................ 17

1.1 A Origem do Termo .................................................................................................. 17

1.2 A Forma do Choro Tradicional ................................................................................. 18

2. RODAS DE CHORO ...................................................................................................... 19

2.1 Preparação Prévia para a Roda de Choro .................................................................... 20

2.2 Os Instrumentos Solistas .............................................................................................. 23

2.3 Os Acompanhadores .................................................................................................... 25

2.4 Estudo dos Encadeamentos Harmônicos .................................................................... 26

2.5 A Função do Cavaquinista na Roda de Choro ............................................................. 27

2.6 Os Violões de Acompanhamento na Roda de Choro .................................................. 28

2.7 Frases de Baixo – Baixarias – Linhas de Baixo .......................................................... 29

3. PERCEPÇÃO INSTRUMENTAL NO CHORO ......................................................... 33

3.1 Uso dos Equipamentos de Mídias ............................................................................. 34

3.2 Transcrição no Choro ................................................................................................ 35

3.3 O Processo de Escuta ................................................................................................ 40

4. ASPECTOS INTERPRETATIVOS ORIUNDOS DA RODA DE

CHORO ............................................................................................................................ 42

4.1 Prática de Conjunto ...................................................................................................... 42

4.2 Transmissão Oral ......................................................................................................... 43

4.3 A Interpretação do Choro ............................................................................................ 46

4.3.1 Expressividade .................................................................................................... 46

4.3.2 Emoção ............................................................................................................... 47

4.3.3 Instrumentista Colaborador Solista .................................................................... 49

4.3.4 Improvisação ...................................................................................................... 51

4.4 Performance Perceptivo-Auditiva ............................................................................... 54

4.4.1 “Antena Melódica e Harmônica” ...................................................................... 54

4.5 Comunicação Visual na Interpretação do Choro ......................................................... 56

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4.5.1 Gestos Corporais Característicos da Roda de Choro ....................................... 56

4.5.2 Interação Social ................................................................................................ 57

4.5.3 Repertório ........................................................................................................ 59

4.6 Memorização ............................................................................................................ 61

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 64

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 66

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DE MÚSICA ............................................................ 73

APÊNDICE B – ENTREVISTA COM O MÚSICO JOÃO PAULO ALBERTIM EM 24.09.2019 ..................................................................... 74

APÊNDICE C – ENTREVISTA COM O MÚSICO LUIZ OTÁVIO BRAGA EM 12.04.2019 ........................................................................... 77

APÊNDICE D – ENTREVISTA COM O MÚSICO ROGÉRIO CAETANO EM 18.04.2019 ...................................................................... 81

APÊNDICE E – ENTREVISTA COM O MÚSICO CAIO CÉZAR EM 15.04.2019 ........................................................................................... 84

APÊNDICE F – ENTREVISTA COM O MÚSICO FERNANDO CÉSAR EM 06.05.2019 ........................................................................................... 86

APÊNDICE G – ENTREVISTA COM O MÚSICO HAMILTON DE HOLANDA EM 17.04.2018 ..................................................................... 89

APÊNDICE H – ENTREVISTA COM O MÚSICO NENÉU LIBERALQUINO EM 16.04.2019 .......................................................... 94

APÊNDICE I – ENTREVISTA COM O MÚSICO OLIVIER LOB EM 03 /05/2019 .......................................................................................... 96

APÊNDICE J – ENTREVISTA COM O MÚSICO ALEXANDRE MILTON PRAZERES DA COSTA EM 10.10.2019 ............................ 100

APÊNDICE K – ENTREVISTA COM O MÚSICO ALESSANDRO PENEZZI EM 15.04.2019 ...................................................................... 103

APÊNDICE L – ENTREVISTA COM O MÚSICO SÉRGIO PRATA EM 17.04.2019 ......................................................................................... 105

APÊNDICE M – ENTREVISTA COM O MÚSICO DEO RIAN EM 25.04.2019 ........................................................................................ 109

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APÊNDICE N – ENTREVISTA COM O MÚSICO LEONILCIO DEOLINDO DA SILVA (PEPÊ) EM 06.05.2019 ................................ 111

APÊNDICE O – ENTREVISTA COM O MÚSICO JORGE SIMAS EM 23.09.2019 ......................................................................................... 112

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INTRODUÇÃO

Iniciei o aprendizado da música instrumental brasileira na década de 1970, por

transmissão oral, sob a orientação e o incentivo do meu genitor, Manoel Xavier de Brito,

conhecido como Tozinho, músico amador que solava e também acompanhava, no violão de 7

cordas, numerosos artistas em rádios, tevês e saraus das cidades do Recife e de Olinda. Ao

conviver em vários ambientes artístico-culturais com músicos de referência do choro

pernambucano, entre os quais Rossini Ferreira e Canhoto da Paraíba, despertou-me o interesse

em praticar, no violão de 6 e 7 cordas, o repertório das Rodas de Choro como acompanhador e,

posteriormente, como solista no bandolim e no cavaquinho base. Ao descobrir o bandolim

brasileiro de oito cordas executado pelos pernambucanos Luperce Miranda e Rossini Ferreira,

pelo paraibano Evandro do Bandolim e pelo carioca Jacob do Bandolim, passei a estudar

inicialmente um repertório consagrado de peças de fácil assimilação, sem a exigência de técnica

mais apurada, o que naturalmente contribuiu para uma rápida compreensão da linguagem do

gênero choro e de suas nuanças.

Ao iniciar no Conservatório Pernambucano Música (CPM) o aprendizado de Teoria

Musical nas atividades discentes, observei a ausência das práticas de ensino dos instrumentos

populares de cordas dedilhadas e passei a buscar o conhecimento por autoaprendizagem. Aos

poucos, ampliei o repertório popular e as técnicas de execução do violão de seis cordas, do

violão de sete cordas, do bandolim e do cavaquinho, por transmissão oral e com os contatos

esporádicos com amigos e renomados músicos que visitavam os ambientes culturais e

acadêmicos por mim frequentados. Iniciei, então, uma série de apresentações musicais e

entrevistas em diversos meios de comunicação (imprensa, rádio e televisão), representando o

Conservatório Pernambucano de Música, que se tornaram marcantes para a solicitação a essa

instituição, por parte do público local, pela criação dos cursos de música popular brasileira e a

implantação das aulas dos instrumentos populares. Competiu ao Maestro Henrique Gregori,

então Diretor do CPM, a inserção desses cursos nas grades curriculares do ensino básico. Por

esse motivo, fui convocado para iniciar as aulas nas classes de iniciação ao bandolim,

cavaquinho e violão de 7 cordas no cargo de Professor sem Habilitação Específica, da Secretaria

de Educação do Estado de Pernambuco. Desde então, percebi o quanto de conhecimento e de

experiência era necessário para ministrar aulas de música popular aos instrumentistas de cordas

dedilhadas, objetivando preparar os orientandos solistas e acompanhadores para o mercado de

trabalho. Para desenvolver uma sistematização metodológica para o ensino dos instrumentos de

cordas dedilhadas, busquei a minha capacitação pedagógica nos cursos particulares, de pequena

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duração, específicos de harmonia funcional e arranjos, e busquei os materiais didáticos

(partituras e métodos) à disposição no mercado para o auxílio ao desenvolvimento do ensino da

música popular brasileira.

Neste trabalho, objetivei apontar aspectos inerentes e contributivos da Prática de

Conjunto nas Rodas de Choro para a formação do músico brasileiro profissional. Procurei, de

forma sucinta, apresentar informações históricas sobre a música do choro e os seus gêneros

afins, delimitando sobre a sua forma tradicional. Identifiquei que as Rodas de Choro são

frequentadas por músicos de diferentes níveis de formação que, em sua maioria, precisam

passar por uma preparação prévia para se inserirem e executarem fluentemente o repertório

desses encontros e reuniões. Foram demonstradas as funções dos instrumentos no contexto das

Rodas de Choro, que são os solistas e os acompanhadores, com destaque para as baixarias dos

violões de sete cordas. A preparação prévia está diretamente ligada ao uso dos equipamentos

de mídia e à transmissão oral. Foram abordados também o processo e as formas de escuta para

a transcrição de peças do repertório consagrado nas figuras do degravador e do transcritor.

Das contribuições que as Rodas de Choro fornecem para a formação do músico

brasileiro, podem-se elencar: (i) a própria prática de conjunto, que é a grande finalidade da

busca por esse ambiente; (ii) a prática direta da transmissão oral; (iii) as performances

interpretativa, perceptivo-auditiva e visual; (v) a interação entre os artistas e seu público; (vi) a

ampliação do repertório consagrado, por meio da memorização; e (vii) a emoção ao sentir as

nuanças de timbres e sonoridades harmônico-melódicas dos instrumentos musicais em

vibração.

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1. CHORO

1.1 A Origem do Termo

De acordo com Prata e Pugliese (2002, p. 7), “o nascimento do Choro se deu no final

do século XIX no Rio de Janeiro, mantendo-se vivo até hoje com a influência dos nossos dias”.

Já Cazes (1998, p.18) se refere ao nascimento do Choro “por uma mistura de estilos e sotaques

a partir das danças europeias (principalmente a polca) somadas ao sotaque inerente à música de

cada colonizador e à influência negra”. Existem no Estado da Arte diversos discursos e

correntes a respeito da origem do choro. Segundo o folclorista Luiz da Câmara Cascudo1, o

choro vinha de xolo, um baile nas fazendas feito pelos escravos que, em gradativa mudança,

passou a ser xoro e, finalmente, choro. Para Mário de Andrade2, a palavra choro provém do

verbo “chorar”, empregada metaforicamente em música. O termo choromeleiros foi citado por

Ary Vasconcelos3, que acreditava ser originado das corporações de músicos do Período

Colonial constituídas de instrumentos de sopro da família das palhetas, e que recebe outro

significado pelo encurtamento do termo para choro. Por seu turno, José Ramos Tinhorão4

considera que o termo choro viria da impressão de melancolia gerada pelas baixarias do violão,

e que a palavra chorão seria uma decorrência. A etimologia da palavra choro poderá receber

ainda muitas interpretações. O autor Henrique Cazes considera que a tradução mais próxima e

aceita por muitos praticantes é a que se refere à maneira exagerada, peculiar, sentimental de

tocar o repertório das danças europeias que os músicos populares da época abrasileiravam.

(CAZES, 1998). Vale ressaltar que o maestro Heitor Villa-Lobos afirmava ser o choro a “alma

musical do povo brasileiro” (DINIZ, 2003). O choro é a “música que requer habilidade e

1 Câmara Cascudo (1962) cita o “Negro brasileiro”, de Jacques Raimundo, livro publicado em 1936: Choro é a

denominação de certos bailaricos populares, também conhecidos como assustados ou arrasta-pés. Essa parece ter sido a origem da palavra, como explica Jacques Raimundo, que diz ser originária da contracosta, havendo entre os cafres uma festança, espécie de concerto vocal com danças, chamado xolo. Os nossos negros faziam em certos dias, como em São João, ou por ocasião de festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expressão que, por confusão com a parônima portuguesa, passou a dizer-se de xoro, e, chegando à cidade, foi grafada choro. (TABORDA, 2010, p. 137).

2 Mário de Andrade, por sua vez, no verbete choro, do Dicionário Musical Brasileiro, informa que, numa extensão de sentido, a palavra choro afinal se desenvolveu aplicada ao sentido dum gênero musical, música noturna de caráter popular coreográfico, para pequena orquestra. (TABORDA, loc. cit.).

3 Para Ary Vasconcelos, o termo choro deriva de choromeleiros, “corporação de músicos de atuação importante no período colonial brasileiro”. Como os choromeleiros executavam não exclusivamente a charamela, mas outros tantos instrumentos, o termo passou a ser empregado em sentido geral, dando, por abreviação, o nome de choro ao grupo instrumental. (TABORDA, loc. cit.).

4 José Ramos Tinhorão refere-se a esquemas modulatórios que, partindo do bordão “para descaírem quase sempre rolando pelos sons graves, em tom plangente”, os responsáveis pela impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome de choro a tal maneira de tocar. (TABORDA, loc. cit.).

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balanço dos seus executantes, o choro é a mais rica escola para o músico popular.” (DINIZ,

2003 p. 11). Segundo Costa (2006), o choro é uma das principais expressões e identidades

musicais brasileiras. O tradicional Conjunto de Choro que, posteriormente, foi chamado de

Regional, tem como formação instrumental básica predominante a flauta, o cavaquinho e o

violão de 6 cordas (terno)5, os quais estabeleceram uma sonoridade característica do gênero: O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira, sintetizando elementos da tradição e das modas musicais da segunda metade do século XIX. Nele estavam presentes o pensamento contrapontístico do barroco, o andamento e as frases musicais típicas da polca, os timbres instrumentais suaves e brejeiros, levemente melancólicos, e a síncopa que deslocava a acentuação rítmica “quadrada”, dando-lhe um toque sensual e até jocoso. (NAPOLITANO, 2002, p. 31).

1.2 A Forma do Choro Tradicional

O choro tradicional como forma musical possui duas ou três partes; ou seções — A, B e/ou C — delimitadas cada uma em sua maioria por dezesseis compassos e apresentadas sempre com repetição. (VALENTE 2014, p. 36). Aprende-se a compor, executar e improvisar baseando-se nas seções ou partes da composição e na harmonia popular. Esse gênero musical se subordina, como outras modalidades da música popular, à forma do rondó6 em cinco seções: A – B – A – C – A (NÓBREGA, 1973, p. 11). Porém, é frequentemente representada por AA’, BB’, A” CC’A”’. (SALEK, 1999, p. 40).

Recordo um momento importante de minha convivência com o compositor e bandolinista Rossini Ferreira7 quando, ao observar que este estava altamente concentrado batendo levemente com a mão à mesa, dele indaguei: “O que você está fazendo batendo com a mão na mesa”? E ele respondeu prontamente: “Estou conferindo se a melodia (forma) do choro que eu acabei de compor possui 16 compassos”. Compreendi, nesse momento, que era necessário observar a estrutura melódico-harmônica da composição como forma musical para poder conceber, executar, arranjar e improvisar no Choro com certa fluência. É importante explanar que a forma musical Rondó, com 16 compassos em cada seção, é bastante utilizada nos choros tradicionais, assim como existem compositores que fogem a essa lógica dos números pares, arvorando-se em linguagens modernas, utilizando a assimetria.

5 Terno é o nome dado ao trio formado por flauta (então fabricada de ébano), cavaquinho e violão, considerados

instrumentos básicos do conjunto de pau e cordas característicos do choro. 6 Rondó é uma forma musical “que consiste de uma série de seções, a primeira das quais (a seção principal ou

refrão) se repete, normalmente na tonalidade original, entre seções subsidiárias (couplets, episódios) antes de finalmente retornar para concluir, ou fechar, a composição (ABAC...A). (SADIE, 1994, p. 797, tradução nossa).

7 Em 1977, Rossini Ferreira venceu tanto o I Festival Nacional do Choro, promovido pela TV Bandeirantes, em São Paulo, com a música Ansiedade, quanto o I Concurso de Conjuntos de Choro, no Rio de Janeiro, com a música Recado.

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2. RODAS DE CHORO

As rodas de choro tradicionais se caracterizam, até os nossos dias, pelas reuniões de

músicos instrumentistas de pau e cordas que executam repertório específico para solistas e

acompanhadores da música brasileira. Segundo o músico Maurício Carrilho, em seu

depoimento ao projeto Brasil Toca Choro (2019 p.12-13), nesse ambiente, o instrumentista

passa a conhecer um repertório constituído por diversos gêneros musicais distintos abrigados

pelo manto do choro. Alexandre Gonçalves Pinto (c. 1870 - c. 1940), conhecido como “O

Animal” nos meios musicais da época em que escreveu seu livro “O choro: reminiscências dos

chorões antigos”, relata que muitos desses ambientes simples mexiam com a alma através das

vibrações das músicas daquela época com os chorões ao luar e nos bailes das casas de famílias

onde predominavam a sinceridade, a alegria espontânea, a hospitalidade, a comunhão de ideias

e a uniformidade de vida. (PINTO, 2009, p. 10). Sobre a verdadeira Roda de Choro, o

pesquisador Cazes (1998) atribui a existência de um convívio de frequentadores músicos de

níveis de preparação diferentes. Vários violonistas entrevistados por Sandroni (2000, p. 6-7)

ressaltam “a importância fundamental, em sua formação, da frequência assídua de rodas de

choro — de um aprendizado, portanto, misturado com a prática: desses que somos logo tentados

a classificar de assistemáticos ou informais”.

O compositor Heitor Villa-Lobos participava das Rodas dos Chorões como violonista,

na primeira década do século XX. De violão em punho, buscava adquirir uma vivência na

música popular pesquisando os procedimentos usuais dos companheiros. Desenvolveu a sua

própria linguagem, acrescentando traços pessoais. (NÓBREGA, 1973, p. 16).

Para o cavaquinista João Paulo Albertim (2019), a Roda de Choro é o espaço pelo qual

o músico desenvolve e amplia o seu repertório, exercita a percepção harmônica, rítmica e

melódica — corroborando com Holanda (2019) —, convive com respeito e aprende oralmente

sobre as dinâmicas e interpretações dos companheiros. Já Braga (2019) ressalta sobre a busca

inelutável da prática de conjunto na Roda de Choro. O violonista Caio Cézar (2019) corrobora

com Braga (2019) e César (2019), ressaltando a atividade da prática de conjunto na Roda de

Choro, e acrescenta sobre o exercício pleno das práticas harmônicas, contrapontísticas e as

possibilidades de combinações tímbricas. Fernando César (2019) lembra que, na Roda de

Choro, se faz a música orgânica diferente do estudar sozinho, e realça a ampliação do repertório,

corroborando com Albertim (2019). Hamilton de Holanda (2019) evidencia que, na Roda de

Choro, se amplia o vocabulário do choro. O Maestro Nenéu Liberalquino (2019) destaca a

troca de informação na Roda de Choro pela transmissão oral, ao executar o instrumento vendo

e ouvindo outros músicos. Ao destacar a percepção ampla do todo musical, demonstra

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concordar com Holanda (2019), Albertim (2019), Simas (2019) e Penezzi (2019), pelo fato de

a atuação, na prática, do “tocar de ouvido” — ou seja, sem partitura — facilitar o

desenvolvimento da percepção harmônica, melódica e rítmica em busca da “educação do

ouvido” nomeada por Prata (2019). O músico e professor Olivier Lob (2019) parece concordar

com Fernando César (2019) quando se refere ao momento de tocar junto com os amigos na

Roda de Choro, onde se oferece a interação com outras pessoas em diálogos importantes da

vivência social e musical. O bandolinista Alexandre Milton (2019) realça a Roda de Choro

como um importante espaço para o conhecimento da linguagem do Violão Brasileiro de

Acompanhamento nesse ambiente inteiramente democrático. Já o violonista e compositor

Alessandro Penezzi (2019) enfatiza a memorização e a percepção visual ao imitar as montagens

dos acordes no instrumento que outros violonistas faziam na Roda de Choro. O cavaquinista

Sérgio Prata (2019), ao citar o chamado “Código dos Olhares”, coloca a sua afirmativa em

concordância com Penezzi (2019) sobre a prática comum às Rodas de Choro da percepção

visual. Para Prata (2019), na Roda de Choro se busca conhecer e formar um repertório

consagrado e não consagrado, enquanto Deo Rian (2019) enfatiza a prática dos diferentes ritmos

da Roda de Choro, tais como o choro, a polca e a valsa, entre outros. O músico Leonilcio

Deolindo da Silva (2019) ressalta que a Roda de Choro é um ambiente propício para a prática

do improviso.

2.1 Preparação Prévia para a Roda de Choro

O músico prático necessita ultrapassar algumas etapas importantes para se inserir no

ambiente das Rodas de Choro. O “tocar de ouvido”8 parece ser um princípio básico que pode

influenciar o acesso às rodas. Sabe-se, porém, que a escrita das melodias registradas nos

cadernos particulares de música contribuiu decisivamente para a participação dos solistas

nesses encontros. Violão, cavaquinho (acompanhadores) e a flauta (solista) foram instrumentos

predominantes entre os chorões no começo, conforme descreve Adhemar Nóbrega sobre o livro

de Alexandre Gonçalves Pinto (NÓBREGA, 1973). Tendo em vista a minha experiência e a

cautelosa observação da atuação performática de músicos consagrados, proponho aos

instrumentistas interessados em ingressar nesses ambientes a adoção de alguns critérios de

preparação que possam facilitar ou encurtar o ingresso nessas práticas de conjunto. Por mais

simples que seja o conhecimento do candidato instrumentista que pretenda frequentar a roda de

8 Tocar de ouvido é tocar sem partituras, praticando a percepção melódico-harmônica.

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choro, será necessário adquirir certa habilidade técnica. No instrumento de cordas dedilhadas,

por exemplo, o solista necessita pesquisar e definir os dedilhados dos intervalos nas escalas,

arpejos e melodias, e o acompanhador, fixar as sequências de montagens das posições dos

acordes, linhas e frases de baixo (baixarias) constituintes das progressões harmônicas

tradicionais que, em alguns casos, podem ser adquiridas na informalidade desses encontros.

Acrescento ainda a necessidade do estudo individual para a memorização do repertório

consagrado e a busca pelo convívio prático diário do executante nesse meio musical,

favorecendo a qualificação e a rápida inserção do aspirante na prática desse repertório. O uso

constante dos equipamentos de mídia no aprendizado por imitação, trazendo a percepção

instrumental: melódico-harmônica e rítmica e a transcrição de peças consagradas, contribuem

decisivamente para um melhor conhecimento do gênero musical.

O conhecimento básico da técnica do instrumento e um repertório considerado de média

dificuldade de execução foram preceitos adotados por Jacob do Bandolim9 para reproduzir, de

forma clara, em sua trajetória artística, a sua expressividade musical. Segundo o bandolinista

Joel do Nascimento, em depoimento ao pesquisador Almir Côrtes, Jacob “fazia as músicas, os

choros dele muito populares, bem feitos, muito bem feitos, mas eram músicas que qualquer

bandolinista, médio bandolinista toca” (NASCIMENTO, 2006 apud CÔRTES, 2006, p. 11).

As características das melodias criadas por Jacob são de fácil assimilação, soando bem no

bandolim, por se enquadrarem numa tessitura considerada confortável tecnicamente,

abrangendo a primeira posição da escala do instrumento. (CÔRTES, 2006, p. 11). Mesmo se

tratando de músico autodidata, é necessário ao executante trabalhar a técnica específica, até

mesmo nos métodos tradicionais, em busca de recursos necessários a uma performance de

execução clara. Bitar (2010, p. 584) identificou, na entrevista com os alunos de Jayme Florence

(Meira), a adoção e o estudo de métodos consagrados de técnicas específicas da escola do violão

para o desenvolvimento necessário ao bom desempenho do solista e acompanhador dos vários

gêneros que envolvem o choro: “[...] não somente os métodos consagrados de ensino de violão,

mas também os métodos pertencentes à oralidade, muitas vezes chamados de informais.” Em

geral, “a Roda fica sob o comando de um músico, definido tacitamente entre todos; o critério

para tal pode ser a experiência, nível técnico ou de conhecimento musical.” (LARA FILHO;

SILVA; FREIRE, 2011, p. 156). Percebe-se, então, o quanto é necessário se preparar

tecnicamente, até mesmo para assumir uma posição de destaque na roda de choro. O músico,

arranjador e compositor Mário Sève assim declara: “Choro é difícil para uma pessoa que está

9 Jacob Pick Bittencourt (1918-1969) – Bandolinista brasileiro, considerado uma das personalidades mais

influentes no desenvolvimento do choro.

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iniciando, é uma música tecnicamente complicada.” (SÈVE, 2007). Ainda sobre a roda de

choro, Lara Filho, Silva e Freire (2011, p. 156) afirmam: “A Roda é também aberta, pois, a

princípio, todos podem tocar, desde que tenham certo domínio técnico do instrumento e sejam

aceitos pelos músicos do momento.”

Detalhes importantes devem ser observados para o violonista solista ou acompanhador.

Preparar a mão direita, alternando os dedos indicador e médio para a execução de melodias,

utilizar a técnica característica do violão brasileiro de acompanhamento, que consiste em usar

o polegar para executar os baixos em conjunto com os outros dedos, tocando simultaneamente

ou com alternância as cordas mais agudas. Para determinados trechos, pode-se adotar a técnica

do plaqué10, explicada por Freire, Nézio e Pimenta (2012) num trabalho sobre a utilização

simultânea dos dedos polegar, indicador, médio e anular em um trecho do Estudo n.º 4, de Villa-

Lobos. O acompanhador deve fixar na memória as sequências de montagens das posições dos

acordes, linhas e frases de baixo (baixarias11), baseado nas progressões harmônicas tradicionais

que, em alguns casos, podem ser adquiridas na informalidade desses encontros. Utiliza-se

tradicionalmente para o violão acompanhador uma peça no dedo polegar da mão direita,

confeccionada de plástico ou de aço, chamada de “dedeira”, que serve para acentuar as baixarias

num agrupamento de instrumentistas de choro. Já o solista destro, que toca o instrumento

executando com a palheta (plectro12) na mão direita, como é o caso do bandolim e do

cavaquinho, o estudo deve ser voltado para a alternância do movimento para baixo e para cima

ao tanger as cordas. O cavaquinista Waldir Azevedo, no seu estilo interpretativo, explorou com

bastante frequência, em suas gravações, a técnica do uso da palheta executando o pizzicato

martelato, caracterizado pelo abafamento das cordas com a palma da mão direita e o toque da

palheta na corda com força. Os instrumentos de cordas dedilhadas tradicionalmente apresentam

o recurso do trêmulo, que consiste em executar as notas longas, alternando a palheta o mais

rápido possível para baixo e para cima, com o intuito de provocar a sensação de prolongamento

de uma ou de várias notas longas. Há a possibilidade de fazer notas secas ou curtas soltando,

ou seja, afastando os dedos da corda, no ato do ataque da palheta, provocando o efeito do

staccato. Outra característica marcante dos instrumentos dedilhados são os vibratos provocados

pela mão esquerda em movimentos para baixo e para cima no bandolim e cavaco, e, para os

10 Plaqué é termo francês usado para designar um tipo de dedilhado com que se atacam ao mesmo tempo várias

cordas do violão, puxando-as simultaneamente em seguida. 11 Baixarias são as frases contrapontísticas na região grave dos violões em diálogo com os solistas na roda de choro

ou em apoio a eles. 12 Plectro (Palheta) – “Espécie de unha de marfim, de tartaruga, de osso, de prata ou, modernamente, de plástico,

com que se vibram as cordas de certos instrumentos (bandolim, cavaquinho, guitarra, banjo, etc.)”. (FERREIRA, 1999, p. 1586).

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lados, no violão. É importante ressaltar que a definição dos dedilhados da mão esquerda para

executar as melodias compostas principalmente por células rítmicas de quatro semicolcheias e

síncopes, que caracterizam o choro, são princípios básicos adotados para uma melhor execução

do repertório. O Conjunto “Época de Ouro”, liderado por Jacob do Bandolim, no auge da Era

Radiofônica, impulsionou o refinamento camerístico para as performances, alcançando um

elevado nível técnico. (RAMOS, 2016, p. 45). O refinamento camerístico consiste no nível de

exigência e esmero por parte de Jacob do Bandolim na preparação e execução do repertório do

Época de Ouro. Paz (1997) evidencia, em sua pesquisa, a personalidade forte e as cartas de

Jacob aos músicos do Época de Ouro em que ele afirmava que era necessário tocar com

perfeição, evitando erros dos companheiros que tocavam os violões e a falta de atenção do

músico da percussão que tocava o pandeiro e não obedecia às convenções estabelecidas nos

ensaios por falta de atenção e estudo.

As funções específicas dos instrumentos de cordas dedilhadas na prática do choro se

apresentam distribuídas na seguinte ordem: solista (melodia), centrista (base rítmico-

-harmônica) e base (baixaria), conforme observaram Livingston-Isenhour e Garcia na descrição

desses papéis instrumentais, acrescentando a percussão rítmica: Os instrumentos preenchem quatro requisitos sônicos básicos: a melodia, o centro, a linha do baixo e a linha rítmica. Cada linha ou função requer diferentes e variados níveis de especialização. Embora cada instrumento do conjunto de choro esteja associado a um papel funcional, há muita flexibilidade e espontaneidade em uma performance real, e os instrumentos muitas vezes mudam temporariamente de papéis durante uma peça. (LIVINGSTON-ISENHOUR; GARCIA, 2005, p. 3, tradução nossa).

2.2 Os Instrumentistas Solistas

O instrumentista solista, na roda de choro, é o responsável por reproduzir as melodias

principais no conjunto regional13, exercendo uma hierarquia sobre o acompanhamento, um

diálogo ou um desafio. Identificaram-se aqui alguns instrumentos de cordas dedilhadas já

tradicionais na Roda e outros poucos conhecidos. O bandolim, o cavaquinho e o violão solista

são mais comuns nesses agrupamentos instrumentais, porém grupos antigos, e até mesmo os

mais recentes, têm utilizado a bandola14 e o violão tenor15. A cítara, registrada em disco pelo

13 Conjunto Regional é a expressão utilizada para designar o conjunto de choro que toca músicas regionais. 14 Bandola é um instrumento similar ao bandolim, em forma de pera, sendo uma espécie de bandolim com a

afinação “Lá, Ré, Sol, Dó”, igual ao violão tenor, porém com 8 cordas em duplas. Esse instrumento foi desenvolvido no Brasil pelo luthier Angelo Del Vecchio com o sistema de caixa de ressonância chamado dinâmico e hoje confeccionado pelo luthier paraibano João Batista.

15 Violão Tenor é um instrumento similar ao violão e ao bandolim surgido nos EUA por volta da década de 1920, sendo uma espécie de banjo tenor com a afinação “Lá, Ré, Sol, Dó”. Esse instrumento foi desenvolvido no Brasil pelo luthier Angelo Del Vecchio com o sistema de caixa de ressonância chamado dinâmico.

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performer Avena de Castro, é mais rara, e o extinto bandolineto, encontrado em registros

fotográficos de “Os Oito Batutas” — grupo de Pixinguinha (1897-1973) surgido no Carnaval

do Rio de Janeiro em 1919 —, e adquirido pelo paraibano Evandro do Bandolim (1932-1994).

Tive a oportunidade única de tocar nesse bandolineto, fabricado pela Del Vecchio, quando de

uma visita à residência de Evandro do Bandolim, na cidade de São Paulo. Podem-se citar dois

dos mais importantes bandolinistas que contribuíram para a tradicionalização solística no choro

brasileiro: Luperce Miranda (1904-1977) e Jacob do Bandolim (1918-1969). O destaque como

cavaquinista solista é para o considerado expoente maior Waldir Azevedo (1923-1980). No

grupo “Os Oito Batutas”, havia, em sua formação, um instrumento pouco conhecido da família

dos bandolins, que é a bandola. Esse instrumento vem ressurgindo nos últimos anos na cultura

do choro do Nordeste do Brasil. Consiste em um instrumento afinado em quintas,

semelhantemente à viola de arco e ao violão tenor. O músico Luís Pinto da Silva, de “Os Oito

Batutas”, executava a bandola e o reco-reco. (CAZES, 1998; DANTAS, 2017). Em

Pernambuco, há alguns trabalhos interessantes em que a bandola aparece como instrumento

solista e acompanhador, como na Orquestra de Cordas Dedilhadas de Pernambuco, na Oficina

de Cordas do Recife, na Orquestra Retratos e no Quinteto de Bandolins do Recife. Alguns

músicos brasileiros, tocando em palcos e em registros fonográficos, tradicionalizaram a

linguagem da bandola solista brasileira por meio do violão tenor, pela semelhança dos timbres

de ambos, pela forma de tocar e igual afinação (uníssona). Cita-se aqui o grande performer

Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) (1915-1955), que, ao lado de consagrados compositores e

intérpretes, como Álvaro Brochado Hilsdorf (1923-1997), Claudionor Cruz (1910-1995) e José

Menezes (1921-2014), criaram a história do violão tenor solista. Jacob do Bandolim criou um

instrumento semelhante ao violão tenor, denominado por ele de violinha.

Alguns trabalhos de significativa importância são devidos ao exímio músico Avena de

Castro16, que interpretava peças do choro na cítara.

Um instrumento apresentado a mim pelas mãos do bandolinista paraibano Evandro do

Bandolim foi o bandolineto (mandolinetto, em italiano), instrumento desaparecido das rodas de

choro, que tem duplas cordas com afinação em quintas semelhante ao bandolim e com o corpo

semelhante ao cavaquinho. (ARRAES, 2015).

2.3 Os Acompanhadores

O acompanhador do choro é o músico que exerce um papel fundamental de apoio ao

16 Avena de Castro (1919-1981) foi um citarista e compositor brasileiro, amigo de Jacob do Bandolim, Waldir

Azevedo e Rossini Ferreira, entre outros.

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solista. Para exercer satisfatoriamente essa tarefa de acompanhar, é necessário estar atento à

intenção que a melodia sugere, bem como àqueles padrões harmônicos estudados previamente,

os considerados clichês tradicionais.

Hamilton de Holanda, em depoimento ao Autor, fala de uma passagem vivenciada pelo

seu genitor, José Américo de Oliveira Mendes (1935), sobre a sua capacidade de acompanhar

músicas em primeira audição sem errar a harmonia. Até mesmo negócio de músico acompanhador me faz lembrar também do meu pai com um amigo meu da universidade, quando eu estudava na UnB. Ele falou com meu pai: “— Ô, seu Américo! Tudo bem, seu Américo? Já me falaram que o senhor acompanha até música que o senhor não conhece, assim de ouvido.” Aí meu pai respondeu “—Você é que pensa que eu não conheço!” Brincou com ele, mas, na verdade, o que ele quis dizer? Quanto mais música você conhece, mais capacidade você vai ter de tocar uma que você não conhece, porque os caminhos vão ficando parecidos, e, no choro, já há uma tradição, já há uma estrutura que todo o mundo já conhece e certas passagens harmônicas que já são clássicas também. Então, eu acho que é fundamental a percepção instrumental. (HOLANDA, 2019).

Ao se habilitar na prática de perceber a harmonia adequada e prováveis modulações não

convencionais, o acompanhador passa a ser desafiado pelo melodista. Tornou-se uma tradição

criar melodias para o solista enganar o acompanhador, como bem relata Marília T. B. da Silva: Em regra, só o flautista sabia ler música, quando sabia. Os violões e os cavaquinhos tocavam de ouvido. Nessas condições, a música ia sendo digerida com o tempero da sincopação nacional, ao sabor das negaças, descaídas e bossas dos executantes, em verdadeiros prélios de virtuosismo, onde o fino da arte era surpreender o acompanhamento com verdadeiras rasteiras harmônicas. Do parceiro que não atinava com determinada modulação inusitada, dizia-se que “caiu”. Isso explica os títulos do tipo: “Caiu, não disse”, “Não caio noutra”, “Cuidado violão” [...]. (SILVA, 1986, p. 26-27 apud LIMA REZENDE, 2015, p. 73).

O desafio entre o solista e o acompanhador fez surgir alguns consagrados títulos de

músicas que marcaram a história do choro e expressaram bem essa prática. Além dos nomes de

música citados por Silva (1986), pode-se mencionar o Apanhei-te Cavaquinho, de Ernesto

Nazareth, entre outros. A relação entre os desafios e os títulos das composições, associados ao solista letrado versus acompanhante “de ouvido” já estava presente na obra referencial de Batista Siqueira (1970, pp. 139-40), e pode ser encontrada também em Tinhorão (1978 [1974], p. 96), Pelegrini (2005, p. 25), Miranda (2009, p. 78), Taborda (2008, p. 51) e Peters (2005, p. 60), entre outros. (LIMA REZENDE, 2015, p. 73).

Em toda a sua prática da música popular, o presente Autor exercitou as atividades de

solista e de acompanhador de ouvido com o auxílio integral dos equipamentos de mídia devido

à dificuldade de acessar partituras de choros oriundos das gravações consagradas. Os detalhes

de frases, harmonias e contrapontos adquiridos nessas audições tornaram-se referências

necessárias para a formação e segurança do Autor ao usá-los em seu trabalho artístico e

acadêmico.

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2.4 Estudo dos Encadeamentos Harmônicos

Para iniciar o estudo da música popular brasileira, é necessário ao instrumentista solista

e acompanhador conhecer a linguagem tonal, os clichês harmônicos ou padrões que se firmaram

em vários estilos, as conhecidas sequências, encadeamentos ou progressões harmônicas

presentes no universo do repertório tradicional. Ressalta-se que a base para se inserir no estilo

do choro é constituída pelo exercício do reconhecimento e memorização desses clichês, que

servem de orientação para as práticas funcionais dos instrumentos. Lembra-se que, em casos

em que uma melodia é tocada em primeira audição “à primeira vista”, o acompanhador de

ouvido deve sempre esperar a intenção da linha melódica executada pelo solista, para que

possam escolher melhor os acordes para o acompanhamento de apoio ou de base. A observação

de Camila Costa (2006) expressa claramente sobre a frequência de certos clichês harmônicos

na música popular e sobre a necessidade de conhecê-los para acompanhar “de ouvido”: Porém, existe uma certa tendência, ou seja, frequência, de certos encadeamentos harmônicos. Esta frequência é que permite aos violonistas o chamado “acompanhamento de ouvido” (acompanhar um samba sem conhecê-lo previamente). Os violonistas acostumados com a linguagem e conhecedores de vários sambas, ao ouvirem uma “linha melódica”, reconhecem o tipo de encadeamento harmônico. (COSTA, 2006, p. 32).

Hamilton de Holanda refere-se aos procedimentos de aprendizagem pela repetição e

memorização ao limite de familiarização, adquirindo a automatização: “[...] você vai

aprendendo ali os caminhos, e aquilo vai se repetindo dentro do seu ouvido e da percepção

auditiva, e quando você ouve aquilo ali de novo o seu dedo automaticamente já vai pro lugar.”

(HOLANDA, 2019).

Quanto aos clichês, assim esclarece o professor Michael Machado: Clichê é sinônimo de muito usado, repetitivo. Entretanto, não devemos achá-lo vulgar, e sim tirar proveito disso. [...] Quando se fala do sistema tonal, já penso em clichê naturalmente. TODAS as progressões do sistema tonal são clichês, são quase 500 anos de música tonal. [...]. Podemos afirmar que essas linguagens harmônicas se firmaram como padrões na música incidental de Hollywood e que devemos usá-las assim como usam no jazz, bossa, chorinho entre outros estilos. (MACHADO, 2019, grifo do autor).

Os Clichês Harmônicos do Choro são as progressões harmônicas (sequências

harmônicas) frequentemente utilizadas na música popular, que devem ser assimiladas pelos

praticantes do choro (principalmente pelos acompanhadores) e que se repetem em diversas

músicas do repertório da Roda de Choro. Consistem nos padrões harmônicos frequentes nos

quais modulações se caracterizam por pertencerem a um campo harmônico de um tom principal.

As preparações e resoluções, tensões e repousos são princípios básicos da harmonia funcional,

em que os graus das escalas do campo harmônico principal são preparados pelos seus

respectivos dominantes principais e secundários. Podem-se citar padrões de sequências

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harmônicas baseados nos graus das escalas de Dó Maior (frequentemente, há algumas dessas

sequências que se repetem nas músicas compostas no tom de Dó Maior): preparação do I grau:

C – G7 – C; preparação do II grau: C – A7 – G7 – C; preparação do III grau:

C – B7 – Em – G7 – C; preparação do IV grau: C – C7 – F – G7 - C; preparação do V grau:

C – D7 – G7 – C; e preparação do VI grau: C – E7 – Am – G7 – C. Pode-se acrescentar, antes

dos acordes de sétima de preparação, o seu desdobramento com os respectivos segundos

cadenciais: C – Dm7 – G7 – C.

2.5 A Função do Cavaquinista na Roda de Choro

O cavaquinho é chamado instrumento centrista na formação instrumental do conjunto

de choro porque preenche harmônica e ritmicamente os espaços vazios deixados pelo solista e

pelo violão acompanhador, rico nas frases de baixo. Jacob do Bandolim comentava que o

centrista Jonas Silva (1934-1997), do seu conjunto “Época de Ouro”, era o ideal para o grupo

porque não tocava atravessando o ritmo dos choros e adaptava as palhetadas, adequando-as a

cada composição. O Jacob dizia: “ele é o único cavaquinho que tem uma palhetada para cada música.” Para cada choro ele inventava uma palhetada que dava um apoio bárbaro... ele era muito bom! Ele não adiantava, não atrasava... me dando apoio. (SILVA, 2014).

Outra grande referência do cavaquinho centro foi Waldiro Frederico Tramontano (1908-

1987), o “Canhoto do Cavaquinho”. Segundo a cavaquinista e compositora Luciana Rabello,

“Canhoto criou uma escola de cavaquinho de centro que influenciou muita gente de gerações

posteriores.” (RABELLO apud FINZETTO, 2019, p. 31). É importante salientar que os grupos

de choro que têm o cavaquinho solista geralmente se apresentam com um segundo cavaquinho

fazendo o centro de apoio (base harmônica e rítmica).

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2.6 Os Violões de Acompanhamento na Roda de Choro

A base violonística dos grupos de choro é geralmente constituída por dois violões, um

de 6 e outro de 7 cordas que desempenham funções especificas de harmonização com frases

contrapontísticas e rítmico-harmônicas em todo o contexto da prática do choro. O violão de 6

cordas tem a função de executar a harmonia, embora realizando frases nos baixos combinados

com o violão de sete cordas em intervalos de terças ou sextas. Já a frase rítmico-harmônica do

violão de 6 cordas se aproxima do cavaco e do pandeiro, dobrando as “levadas” específicas,

realizadas pela mão direita e preenchendo a harmonia entre o cavaco e o violão de sete cordas

(RAMOS, 2016, p. 46). Entre os ícones do violão de 6 cordas, o presente Autor destaca o

pernambucano Jayme Florence “Meira” (1909-1982) que, além de grande influenciador de

numerosas gerações, foi professor de Baden Powell, Raphael Rabello e Maurício Carrilho, entre

outros. Outro grande instrumentista foi César Faria (1919-2007), pai do sambista e chorista17

Paulinho da Viola, considerado o mais importante violonista acompanhador de Jacob por

conhecer todo o seu repertório. Damázio Batista (1932-1990) era profundo conhecedor do braço

do violão, por ser também guitarrista, segundo o bandolinista Deo Rian. Hamilton Costa (1922-

2004) foi uma personalidade ímpar como músico e compositor que participou do regional de

Waldir Azevedo em Brasília, e que

conheceu Waldir Azevedo desde a sua chegada a Brasília, tendo firmado com ele laços musicais e pessoais. Tocou com o grande mestre do cavaquinho durante todo o tempo de suas atividades musicais em Brasília, tendo participado com ele de viagens e gravações. Através desta interação com Waldir Azevedo, Hamilton teve a oportunidade de ver gravadas e editadas algumas de suas composições, tanto aquelas que escreveram em parceria, como as exclusivamente suas. (VASCONCELOS NETO; OLIVEIRA, 1997 apud CLÍMACO, 2008, p. 148).

Márcia Taborda, ao citar a expressão “violão extremamente marcado”, ressalta o que se

chama, na roda, de “violão de marcação”, que consiste no violão de 6 cordas realizador de um

trabalho de acompanhamento de irrestrito apoio harmônico-rítmico, dando total segurança ao

solista. Esse violão de 6 cordas tem sido motivo de preocupação nos conjuntos de choro pelo

fato de muitos músicos estarem adotando o violão de 7 cordas em substituição ao violão de 6. A execução do terno de choro tem por característica recorrente o acompanhamento de violão extremamente marcado e sempre pontuado pela farta execução dos baixos; embora o primeiro registro identificado de um violão de sete cordas esteja por vir, a atuação do seis cordas é exatamente a mesma que reconhecemos hoje como típica do acompanhamento do sete cordas: baixos pontuando a harmonia e desempenhando a função de conduzir as partes principais; como ainda não havia nos grupos da época dois violões atuando juntos, era o violão responsável pelos baixos e o cavaquinho cumpria a função de centro da harmonia. (TABORDA, 2010, p. 141-142).

17 Termo utilizado nas Rodas de Choro para designar o praticante do gênero musical choro. O programa de

televisão “Noite dos Choristas”, na década de 1970, teve um forte impacto nacional. (CÔRTES, 2006, p. 22).

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Concentrado na execução das frases de baixo (baixarias), o violão de 7 cordas teve

Arthur de Souza Nascimento, conhecido como Tute (1886-1957), como seu pioneiro introdutor

no choro, ao desenvolver essa linguagem contrapontística, até se chegar ao exímio expoente do

violão brasileiro Horondino Silva (1918-2006), o Dino 7 Cordas. Dino se notabilizou ao

transitar por numerosos gêneros musicais brasileiros nos trabalhos de base harmônica,

improvisos e baixos de obrigação, desenvolvendo as suas frases espontâneas que servem até

hoje como fontes de inspiração para muitas gerações de instrumentistas.

2.7 Frases de Baixo - Baixarias – Linhas de Baixo

As baixarias são os fraseados melódicos executados na região médio-grave dos violões

de seis e de sete cordas, característicos da linguagem brasileira de acompanhamento. Essas

frases melódicas, produzidas e tradicionalizadas na música brasileira, são construídas

harmonicamente por notas do acorde, de passagem, cromáticas ou de aproximação. Na

linguagem tonal, os acordes gerados a partir dos graus das escalas modelos constituem o

chamado campo harmônico18. Esses mesmos acordes geram as suas próprias escalas —

“escalas dos acordes” —, que servem de orientação para a escolha das notas que fazem parte

das frases de baixo e de improvisação. Segundo Borges (2008, p. 67): “As ‘baixarias’ do choro

geralmente são improvisadas, mas podem ser preconcebidas e elaboradas sob inúmeras

variações.” Luiz Otávio Braga (2004) sugere o termo polimelódico, em vez de contrapontístico,

para o estilo do Choro. Os chamados contrapontos são melodias simultâneas, sobrepostas e

organizadas por regras rígidas de combinações polifônicas. Apesar da existência da

improvisação na música erudita, a característica marcante do Choro é a espontânea criatividade

de inúmeras frases, que, com o tempo, se tornam modelos. Essa improvisação gerada sem a

rigidez das regras contrapontísticas universais se adapta à linguagem dos instrumentos com

base nas sequências harmônicas. As baixarias são concebidas, em sua maioria, em tempo real,

ou seja, no exato momento da execução.

A criatividade que os músicos violonistas de sete cordas possuem ao executar e gravar

o choro é assim relatada pelo músico Rogério Caetano: Nessas músicas, o Choro, o Samba, a minha parte principalmente, como violonista de 7 cordas, é a da linguagem completamente improvisada, de muita criatividade. Então, quando o músico faz uma gravação como essa, ela é o retrato de um momento que ele fez ali, mas, se você pegar 10 gravações com o mesmo músico, que tem grande qualidade, vai ver que ele fará 10 gravações diferentes. (CAETANO, 2019).

18 Chama-se campo harmônico de uma determinada tonalidade ao conjunto de acordes gerados pela superposição

de terças sobre cada um dos graus da escala dessa tonalidade. (CARRASQUEIRA, 2011, p. 124).

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As linhas de baixo são linhas melódicas, cantáveis, formadas na passagem entre dois

acordes, conforme define Ian Guest (2006, p. 56-57). Guest ressalta a importância da linha de

baixo, criada, muitas vezes, como ponto de partida, e, quando completada pela sequência dos

acordes, resulta em inversão. A linha de baixo soa bem em alguns casos, mesmo sem o recheio

do acorde. (GUEST, op. cit.).

No caso do Choro, pode-se afirmar que é usual a combinação de duas ou três linhas de

baixo simultâneas, quando se tem a possibilidade de arregimentar um grupo de choro com três

violões. Esse efeito característico é produzido com os três baixos em linhas descendentes, por

graus conjuntos ou cromáticos, dispostos em forma paralela, executados com as notas graves

dos três instrumentos apoiadas com os polegares das mãos direitas e as levadas preenchendo o

ritmo dos compassos com o anular, o médio e o indicador.

Muitos termos foram adotados no meio popular para designar os tipos de baixarias ou

frases que se transformaram em clichês melódicos que são utilizados em diversas músicas

compostas por melodias diferentes e mesma harmonia. Esses termos são definidos de acordo

com a função exercida pelo violão de acompanhamento no contexto do arranjo ou agrupamento

musical.

O violonista e professor Marco Bertaglia define cinco tipos de baixaria: baixo de

preparação, baixo de contraponto, baixo invertido, baixo pedal e baixo de finalização. “O baixo

de preparação é aquele que define (prepara) para onde vai a harmonia do trecho musical.”

(BERTAGLIA, 2010, p. 38). Segundo Bertaglia, “geralmente aparecem nas modulações, [...]

onde não há melodia principal, nas introduções ou finais de música.” (BERTAGLIA, loc. cit.).

Quando definidas pelo próprio autor, as baixarias se denominam de obrigações, significando

que não podem ser excluídas na execução da peça. Já Luiz Otávio Braga (2004) chama de baixo

de obrigação ou chamada o baixo que preenche os espaços vazios da melodia interligando

partes ou trechos musicais. Esse autor afirma ainda que “há baixarias que nascem com a

composição e dela não devem ser sacadas.” (BRAGA, 2004, p. 34), pois poderiam soar

estranhas ou ruins. Segundo Braga (2002), a técnica de pergunta e resposta é encontrada nos

baixos de Dino Sete Cordas.

De acordo com Marco Antônio Bertaglia:

Os “Baixos de Contraponto” permitem ao violonista mostrar toda a sua capacidade de criação. São os contrapontos executados por repetição de frases iguais a ela ou mesmo usando notas de escala do acorde ou contrapondo pequenas melodias simultaneamente às principais.” (BERTAGLIA, 2010, p. 38).

Bertaglia (2010) define que as inversões dos acordes caracterizam o “Baixo Invertido”.

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Entende-se aqui que os baixos constituídos pelas notas do próprio acorde, em estado

fundamental e em suas respectivas possibilidades de inversão, se apresentam como pilares de

referência ou pontos de apoio para o desenvolvimento das frases ou baixarias.

Já os baixos repetidos, mesmo com a mudança de harmonia (composta por diferentes

acordes), caracterizam o “Baixo Pedal”.

Os “Baixos de Finalização” são constituídos de frases ascendentes, descendentes ou

mistas que, em combinação, devem seguir critérios importantes para a sua escolha, como, por

exemplo, o tom da música para não fugir da tessitura adequada para a realização da frase e

prejudicar o efeito final. (BERTAGLIA, 2010, p. 38).

O pesquisador Fernando Duarte (2002), na introdução do seu trabalho sobre o músico

Valter Silva, descreve o uso dos baixos como contrapontos característicos da linguagem do

instrumento de 7 cordas: Seu uso como instrumento de contracanto, desenvolvendo frases na região grave (as chamadas baixarias) em diálogo com a melodia solista, é encontrado apenas no Brasil – muito embora o sete cordas também tenha aparecido em outros países, ao longo de várias épocas.” (DUARTE, 2002, p. 7).

Todo o violonista que pretende estudar a linguagem do violão brasileiro tradicional se obriga a conhecer as gravações antológicas de Horondino Silva “Dino”. Dino Sete Cordas se apresenta como uma das maiores referências do instrumento em todos os tempos, responsável pelo desenvolvimento da linguagem do acompanhamento e das baixarias criadas a partir dos instrumentos de sopro, contrapondo a uma melodia executada por um solista. O professor e violonista de sete cordas Luiz Otávio Braga expressa os vários aspectos sobre a importância funcional do violão de sete cordas, relacionando as baixarias ao baixo contínuo do barroco que impulsiona a música para a frente:

Pode-se entender a baixaria como uma contrapartida melódica feita nos graves do violão, ou de um instrumento outro qualquer, em relação à melodia principal. O principal caráter da baixaria e do violão de baixaria é manter, por assim dizer, o movimento da peça, que nem o baixo contínuo no barroco. Se você observar bem o papel do violonista de sete cordas num grupo de Choro, sua preocupação consiste em manter sempre certa mobilidade melódica na região grave da tessitura, o que implica [...] impulsionar a música, como um todo, sempre para a frente. O violão de sete cordas ou o de seis, normalmente no conjunto de Choro, [...] preenchem espaços vazios de melodia, fazendo ligacões melódicas, soldaduras, fazendo aquilo que a gente chama de ‘obrigações’ ou as ‘chamadas’, que funcionam para manter esse movimento total da composição. (BRAGA, 2002, p. 7 apud DUARTE, p. 21).

Na prática do choro tradicional, há dois aspectos importantes a observar. Nos casos em

que o violão se apresentar sem o apoio de outros instrumentos da base, tais como o cavaquinho

ou o violão de seis cordas, o instrumentista necessita apoiar o solista pela progressão harmônica,

tocando os acordes por meio do preenchimento rítmico-harmônico, chamado de “levada”, em

paralelo às baixarias. Por outro lado, com a presença de um ou dois violões, as baixarias são

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trabalhadas por intervalos de terças ou sextas a partir de uma ideia de frase. Quando o conjunto

se apresenta constituído por três violões, estabelecem-se as três vozes clássicas distintas por

intervalos de terças, sextas ou até mesmo décimas na voz aguda.

O professor Luiz Otávio Braga, ao orientar a respeito da elaboração de uma boa baixaria,

sugere como referência a observação aos critérios que devem ser adotados a partir das “cópias”

e “obrigações” constantes do repertório tradicional e, de modo geral, acionadas nos momentos

em que se encerra uma parte ou a peça toda; nos pontos de retorno, viradas ou chamadas; nos

momentos em que a melodia principal faz pausa ou se mantém pouco ativa constituindo-se por

notas longas; nas obrigações que são baixarias corriqueiras e consagradas por arranjos ou

inerentes à composição original. (BRAGA, 2002, p. 35).

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3. PERCEPÇÃO INSTRUMENTAL NO CHORO

A Percepção Instrumental voltada para o universo do choro é entendida por este Autor

como sendo o ato de ouvir e perceber, por meio das gravações consagradas, os detalhes

específicos inerentes a cada função instrumental básica do solista, harmonista ou ritmista, no

contexto de um arranjo produzido e registrado em mídias particulares e/ou comerciais. Nessa

percepção instrumental, o músico busca identificar e executar o seu instrumento pelo processo

de aprendizagem por imitação, em forma de playback19, desenvolvendo e aguçando a

sensibilidade auditiva. Esse processo de aprendizado, segundo Mário Sève, é bem mais longo

e trabalhoso: “[...] aprendemos o choro ouvindo gravações, ouvindo os mestres tocarem, o que

foi ótimo. Mas eu sinto que é um tipo de aprendizado um pouco demorado.” (SÈVE, 2007, p.

16). Para Sève, as partituras editadas nos álbuns de choro contribuem para encurtar o tempo de

aprendizagem da música. É importante ressaltar que o trabalho de percepção instrumental

enriquece o vocabulário de informações musicais como um todo e facilita a memorização do

repertório que, de forma antagônica, não acontece com o músico que só estuda o instrumento

para executar o choro com o auxílio da partitura. A percepção instrumental contribui para

identificar os detalhes da linguagem específica do instrumento, das ações exercidas por eles no

contexto do arranjo e da Roda de Choro e a compreensão sobre o estilo de cada executante. Em

2006, o Instituto Jacob do Bandolim publicou os playbacks e o livro Tocando com Jacob com

as gravações das bases dos LPs “Chorinhos e Chorões” e “Primas e Bordões”, os quais

revelaram aspectos de considerável importância nos preciosos detalhes e segredos do

acompanhamento que até então não haviam sido percebidos. No processo das gravações desses

álbuns, Jacob do Bandolim recorreu aos seus próprios playbacks para ensaiar os seus

consagrados solos, antes de realizar as gravações definitivas.

Hamilton de Holanda revela a importância de seu início como solista, ao lado do seu

irmão Fernando César acompanhador, sob a orientação de José Américo, seu genitor:

Agora, é fundamental, para tocar, para ter uma participação legal numa Roda de Choro ou o próprio estilo ou a característica do estilo, o músico ter repertório decorado, por exemplo, e, para isso, a percepção instrumental é fundamental. Você tirar as músicas de ouvido imitando as gravações, porque o que ficou clássico foram as gravações, não foram as partituras. [...]. Então, o Choro tem uma particularidade, e eu acho que, para o violonista, é fundamental, e quanto mais música tirar através dessa percepção, mais capacidade ele vai ter de tocar uma música de primeira [...]. Eu mesmo comecei assim. Meu pai tirava o LP ali da caixinha, botava para tocar na vitrola e ia colocando a agulha. Eu tirava a agulha, parava um pedaço a primeira parte. Terminava a primeira parte, levantava a agulha e reiniciava. (HOLANDA, 2019).

19 Playback – Consiste na gravação prévia de um trabalho musical que é usada como base para o estudo ou

apresentação de um solista sem a presença de um grupo ao vivo.

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Outro depoimento importante sobre a percepção instrumental para o autor deste trabalho

é do performer, autor, solista e acompanhador Rogério Caetano (n. 1977). Caetano (2019)

revela a sua dedicação, durante 15 anos da sua vida, ao estudo da linguagem brasileira do violão

de sete cordas, pesquisando e aprendendo a obra de Horondino Silva20, o conhecido Dino Sete

Cordas. A percepção instrumental é fundamental porque todo mundo começa por esse processo de imitação. Eu mesmo passei por esse processo com o Dino. Dediquei uns 15 anos da minha vida, Rafael Rabelo21 também. O processo de imitação ele faz parte do início de qualquer pessoa que quer tocar uma linguagem criativa dessa como o choro e o samba. Dominar mesmo com profundidade essa linguagem, tem que passar por esse processo de imitar e depois criar sua própria forma de tocar, mas inicialmente você tem que ter uma referência, um padrão para seguir. É de importância fundamental. (CAETANO, 2019).

Entende-se a Percepção Instrumental Harmônica como sendo a prática da audição de

músicas com o objetivo de identificar os acordes em sequências harmônicas com a utilização

do instrumento. Busca-se identificar os clichês tradicionais até alcançar o estágio das

concepções modulantes mais avançadas e seus efeitos enriquecedores. O performer Hamilton

de Holanda (2019) denomina de antena harmônica a capacidade do músico de perceber as

modulações ao executar um acompanhamento para uma determinada melodia: “[...] a antena

harmônica, a capacidade de ter um ouvido e saber onde está a música, em que acorde está, em

que parte está.”. É importante para o músico harmonizador conhecer previamente as sequências

harmônicas tradicionais que se apresentam como pilares de orientação para o desenvolvimento

e a formação do acompanhador.

3.1 Uso dos Equipamentos de Mídias

No aprendizado inicial e constante a partir da década de 1970, no acompanhamento do

choro ao violão, e na busca das melodias ao bandolim, vivenciei as diversas formas e recursos

ao meu alcance, para ouvir e trabalhar a percepção instrumental, e me lembro de detalhes

importantes nesse processo, com a utilização da vitrola e da radiola, ambos os aparelhos para

reproduzir os compactos duplos e LPs, quando era necessário colocar as agulhas nas trilhas dos

discos em giro na bandeja, os gravadores reprodutores de fitas de rolo, os gravadores

reprodutores de fitas K7, os gravadores chamados “Três em Um”, os quais ofereciam

20 Horondino José da Silva (1918-2006) – Dino Sete Cordas – consolidou a linguagem e a afinação do violão de

sete cordas no Brasil. Fez parceria com o pernambucano violonista de 6 cordas Jayme Florence (1909-1982) e participou do Regional de Benedito Lacerda e, posteriormente, do Regional do Canhoto (do cavaquinho). (GEUS, 2009 apud PAULETTI, 2017, p. 50-51).

21 Rafael Rabello (1962-1995) – Importante violonista brasileiro, discípulo de Meira e seguidor da escola do violão brasileiro que muito contribuiu para a linguagem do choro. (PAULETTI, 2017, p. 65).

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conjuntamente as possibilidades de escolher o tipo de mídia a ser tocado: CDs, Fitas K7 ou a

sintonização na rádio preferida e os mais recentes equipamentos de multimídia que são os

nossos computadores. Recordo-me que, ao usar as vitrolas e as radiolas, existia a dificuldade

de igualar o som da gravação com a afinação dos instrumentos no diapasão (Lá 440 Hz) por

causa das rotações alteradas desses aparelhos devido a problemas com a qualidade dos motores

que acionavam as bandejas para o movimento rotatório dos LPs e pelos desgastes das peças

provocados pelo uso frequente e pelas alterações na tensão elétrica. Já nas fitas de rolo e K7,

havia problemas de rotação, entrelace e quebra nos carretéis, além da ruptura das fitas nos

cartuchos do K7, provocando alterações na afinação da música reproduzida e, portanto,

dificultando a identificação precisa da afinação na percepção instrumental. Com a chegada do

CD, passei a ter certa facilidade para operar o equipamento e reproduzir as mídias com mais

agilidade e a melhoria na precisão dos andamentos e localização dos pontos de marcação do

tempo em cada faixa da gravação através de um display, mas ainda havia problemas com o

leitor dos aparelhos de CD. Com o sistema multimídia dos computadores, houve um avanço

significativo em busca da reprodução ideal, mais afinada, além do recurso de poder alterar a

velocidade ou o andamento de reprodução da mídia sem alterar a afinação original da música.

Hoje em dia, com a internet, o avanço tecnológico dos equipamentos de vídeo, câmaras de

celulares e disponibilidade de acesso a inúmeras gravações de artistas, incluindo videoaulas,

passei praticamente a ter todas as informações necessárias para ampliar a minha preparação na

instrução como um candidato a instrumentista performer de choro.

3.2 Transcrição no Choro

Transcrição musical é a ação objetiva de representar, numa partitura manuscrita e/ou

seu registro imediato em edição impressa, a informação musical obtida através do ouvido

(percepção instrumental). A produção fonográfica em mídias diversas e a transcrição são

elementos importantes para o registro documental, para a preservação e a perpetuação da obra.

Entendo que, no ato da transcrição da melodia cifrada dos Choros, que se encontram

registrados em mídias ou executados pelos próprios compositores em tempo real, se faz

necessário filtrar efetivamente, com o máximo de precisão, os numerosos problemas

encontrados ao decifrar a ideia central da composição, pois a representação deve ser clara e o

mais próxima possível do essencial, observando as diferenças entre o fio condutor principal da

composição e as inúmeras possibilidades interpretativas ricas em ornamentos, efeitos,

improvisos e frases características do estilo de cada intérprete. O objetivo principal da

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transcrição de música popular é a representação da intenção do compositor como um guia para

a experiência musical. Conforme abordado por Marcos Napolitano: A partitura é apenas um mapa, um guia para a experiência musical significativa, proporcionada pela interpretação e pela audição da obra. Seria o mesmo equívoco de olhar um mapa qualquer e pensar que já se conhece o lugar nele representado. No caso da música popular, o registro fonográfico se coloca como eixo central das abordagens críticas, principalmente porque a liberdade do performer (cantor, arranjador ou instrumentista) em relação à notação básica da partitura é muito grande. (NAPOLITANO, 2002, p. 57- 58, grifo do autor).

O violonista e arranjador Maurício Carrilho, em entrevista a Chediak (2007), considera

que determinadas perspicácias são quase impossíveis de serem colocadas numa partitura de

choro. [...] a coisa mais importante do Choro são essas sutilezas que foram passadas de geração em geração. E que não são possíveis de serem colocadas em partitura, não dá pra escrever isso, não dá pra codificar. São coisas que você só pega convivendo, tocando junto, prestando atenção. (CHEDIAK, 2007, p. 42)

As sutilezas que Maurício Carrilho comenta são aspectos inerentes ao estilo de tocar, na

prática de conjunto ou na roda de choro, e que consistem em variadas formas de expressões,

agógica, rubato, ornamentos e até mesmo efeitos sonoros que podem ser observados,

representados e transcritos quando se deseja conhecer os traços interpretativos de cada

executante. Como trabalho de pesquisa para estudo do estilo interpretativo do compositor,

entendo que se torna extremamente válido, mas o foco no eixo condutor da obra, ao transcrever,

facilita a leitura e multiplica as possibilidades de interesse do músico em tocar, pois a escrita

real resultaria em uma complexa partitura de difícil leitura e tradução.

Já o maestro Nenéu Liberalquino cita os aspectos da memória musical, da escrita e da

assimilação da linguagem: É incomensurável a importância da transcrição, pois, em geral, você jamais esquece aquilo que transcreve, além de desenvolver a escrita musical e a assimilação da linguagem em todos os seus aspectos: melódico, rítmico e harmônico. (LIBERALQUINO, 2019).

Ressalte-se que, para realizar a atividade de transcrição, é necessário ao aspirante

elaborador habilitar-se na preparação prévia ao conhecimento da linguagem da música —refiro-

me aqui à preparação fundamentada na teoria, na harmonia e no ritmo da música popular —,

bem como na vivência prática no ambiente musical onde é encontrada grande parte dos gêneros

musicais populares (frequências às rodas de choro) e na capacidade de percepção aguçada e

acuidade na tradução eficaz da composição para a escrita musical.

Para designar o músico habilitado em passar as músicas gravadas em mídias para a

versão escrita, sugiro a expressão degravador musical, ou seja, músico que realiza a

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degravação22. Já para o músico que realiza as transcrições das músicas, a partir do seu próprio

ato de compor ou com a presença do compositor ao seu lado para orientar e informar

precisamente sobre as nuanças de sua ideia de composição, sugiro a expressão transcritor

musical.

A minha experiência como degravador musical iniciou em 1979, ao ingressar como

discente no Conservatório Pernambucano de Música. Ao habilitar-me na teoria musical e em

solfejo com o professor Severino Revoredo, fui, aos poucos, interessando-me por estudar os

exercícios melódicos dos métodos de bandolim, os harmônicos e cifragens dos métodos de

violão em concomitância com as melodias das partituras de choro manuscritas e impressas que

adquiri com colegas professores e músicos. Enveredando no universo do choro, interessei-me

em tocar os executados por Jacob do Bandolim em gravações registradas nas fitas de rolo e fitas

K7 do acervo do meu pai. Eram gravações comerciais e também rodas informais nas residências

do próprio Jacob, em Jacarepaguá, e da pianista Neusa França, em Brasília, na década de 1960.

Surpreendi-me com a riqueza de detalhes de cada número musical apresentado nesses

documentos sonoros, que acredito sejam as sutilezas tão observadas por Maurício Carrilho em

relato a Chediak. Imensuráveis problemas foram surgindo à medida que fui tentando transcrever

o que Jacob do Bandolim tocava até que resolvi parar a transcrição e analisar algumas de suas

composições impressas, comparando-as às suas interpretações, e acabei percebendo o quanto

de simplicidade existia no papel e o quanto de riqueza e complexidade havia na execução.

Assim, compreendi que a transcrição pode representar a ideia principal do autor e que o

intérprete a transforma ao seu estilo e modo de execução. Alguns autores e pesquisadores

escreveram e analisaram a interpretação de Jacob em trabalhos importantes. Sabemos, porém,

que, na realidade, se trata de uma aproximação do que Jacob realizava, porque a escrita real

resultaria em uma complexa partitura de difícil leitura e tradução, pelo idiomatismo

instrumental e pela fragmentação rítmica.

Vivenciei experiências interessantes nos trabalhos de transcritor das músicas de Cláudio

Souza (1923-2018) e Canhoto da Paraíba23 (1926-2008).

Cláudio Souza foi um cavaquinista24 performer, compositor e frequentador de

numerosas rodas de choro em Recife-PE. Nos encontros com Cláudio Souza nessas rodas, na

22 Degravação é termo usado no meio jurídico para se referir à versão escrita fidedigna de qualquer conteúdo de

áudio gravado. 23 Canhoto da Paraíba foi um violonista nascido em Princesa-PB que ganhou notoriedade pela amizade que

adquiriu com Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali e Paulinho da Viola. Conhecido também na intimidade por Chico Soares, Canhotinho, Curinguinha e Sacristão. Radamés Gnattali se interessou em escrever peças eruditas inspirado na obra de Canhoto.

24 Cavaquinista é termo utilizado no meio popular para expressar o tocador de cavaquinho.

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intimidade das residências dos amigos, sempre perguntei a ele “por qual motivo os músicos não

conheciam nem tocavam as suas vinte e poucas peças solo para cavaquinho.” Durante muitos

anos compondo e memorizando, Cláudio Souza nunca se preocupou em transcrever as suas

composições porque possuía um gravador onde registrava o áudio em fita K7. Iniciei uma

conversa com ele propondo a transcrição da sua obra em forma de colaborador, mas, de início,

deparei-me com um problema: onde e quando? Lembrei que ele residia próximo à Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE) e bastaria ele ir à porta da sala onde eu fazia o Curso de

Licenciatura em Música para realizarmos o trabalho. Assim foi feito, e, nos intervalos das aulas,

entre um horário e outro das disciplinas, foram escritas cerca de 20 músicas. A transcrição por

mim realizada foi em manuscrito por um período de dois anos, ininterruptamente, por causa

dos afazeres acadêmicos de ambos. Como, na época, eu e Cláudio Souza não tínhamos acesso

a computadores e, menos ainda, aos editores de partituras, solicitamos que colegas próximos

editassem as partituras para que pudéssemos divulgar as obras. Houve o interesse por parte de

Inaldo Moreira25 (1937-2017), que exercia o trabalho de transcritor musical direto, ou seja,

compunha e transcrevia as suas obras e a dos amigos diretamente ao computador usando o

editor de partituras Encore. O comprometimento de Inaldo foi tão grande que ele procurou

Cláudio Souza para conferir o que eu havia escrito inicialmente. O resultado foi surpreendente

porque a escrita impressa formatada por Inaldo Moreira apresentava os detalhes de

interpretação, tendo sido refeito para o formato mais simples apresentando o eixo condutor das

obras e da intenção do autor.

Canhoto da Paraíba (1926-2008) foi um artista de uma simplicidade ímpar. O convívio

com Manoel Xavier de Brito, meu pai, conhecido como Tozinho (1920-1976), era familiar e

constituído de uma amizade sincera. Chico Soares se referia a Tozinho (violonista de 7 cordas)

como sendo o único acompanhador que conhecia todo o seu repertório. Nos ensaios e rodas de

choro, testemunhei o entrosamento e o diálogo musical entre os dois, a criação e o

desenvolvimento de vários temas ocorridos no período entre 1965 e 1975. Com o passamento

de meu pai em 1976, passei a encontrar Canhoto em eventos esporádicos, nos bares, boates e

casas de shows em Recife e Olinda. Percebi, então, o quanto Canhoto era admirado pelos

chorões nacionais, e muitos, entre os quais Maurício Carrilho, cobravam de nós, amigos

próximos, as partituras de Chico Soares. Deparei-me com um problema: como escrever para

violão as peças de um músico canhoto que tocava o instrumento invertido, sem trocar a posição

das cordas? Percebendo que haveria muitas dificuldades em transcrever na posição inversa,

25 Inaldo Moreira era Doutor em Economia e professor da UFPE. Após a aposentadoria, criou mais de 400 obras,

entre frevos, choros, valsas e arranjos sinfônicos. (MEDEIROS, 2017).

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estilo do violão de Canhoto, decidi escrever a melodia cifrada para facilitar o acesso a todos os

interessados em tocar a sua obra. Então, com auxílio e correção do próprio Canhoto, em sua

residência, realizei a transcrição em manuscrito das seguintes músicas: Agudinho, Casa de

Seresta e Cordão Amigo. Já as músicas Glória da Relâmpago, Saudades de Princesa e

Reencontro com Paulinho foram cedidas ao Trio de Câmara Brasileiro, para um projeto

denominado “Saudades de Princesa”, pelo que venceram o 22.º Prêmio da Música Brasileira

“Categoria Instrumental – Melhor Grupo”. A Valsa a Tozinho, dedicada a Manoel Xavier de

Brito, é uma degravação feita a partir de registros dos meus arquivos e arranjado para ser

gravado pelo Sexteto Capibaribe26, em homenagem a Canhoto da Paraíba para o evento

denominado “Revendo um Amigo”, realizado em 26 de fevereiro de 2004.

A Valsa a Tozinho fez parte do repertório do meu II Recital do Mestrado, em 03 de

outubro de 2019. A experiência com as degravações e transcrições das músicas de Canhoto da

Paraíba me fez perceber que, além do eixo principal da composição, existe também a transcrição

feita na linguagem e no idiomatismo específico de cada instrumento, sendo necessário um

especialista e também, muitas vezes, a presença do próprio compositor para passar os detalhes

do seu estilo ou maneira de tocar.

Outra experiência importante no trabalho de transcritor foi a minha participação no

projeto “Brasil na Pauta”, a convite do editor Ricardo da Fonseca, sobre a obra do bandolinista

pernambucano Luperce Miranda:

A tarefa foi árdua sim; pelo fato de encontrarmos as gravações originais em diversas rotações e afinações, dificultando a percepção dos detalhes de contraponto e harmonia, mas gratificante; porque registramos uma linguagem tão rica em informações fraseológicas, soluções de dedilhados, formas de articulações e de expressão. (BRITO apud DA FONSECA; MEDEIROS, [s.d.], p. 3).

Devido às diferenças de afinação com o padrão universal — Lá 440 Hz —, utilizei um

bandolim antigo que já havia sofrido um empeno no braço e encordoei-o com um material dos

mais resistentes, próprio para guitarra elétrica, com o objetivo de fazê-lo suportar a pressão de

um tom e meio acima do diapasão universal. Alguns podem perguntar-me: “— Por que não

usou as mídias eletrônicas, até para mudar o andamento das gravações, sem alterar a afinação?”

Optei pelo trabalho de percepção instrumental baseado aproximadamente nos andamentos

originais para que os pudesse vivenciar, na prática, certificando as possibilidades de execução

das peças ao bandolim por imitação.

26 Sexteto Capibaribe – Grupo formado por componentes egressos do Conservatório Pernambucano de Música que

produziu o projeto Compositores Pernambucanos, Volumes I e II, em 2005 e 2006, pela LG Produções Artísticas.

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É pertinente lembrar que, após a percepção instrumental, é vultoso o procedimento da

transcrição manual — com lápis grafite, entre números 2B e 6B, em papel pentagramado de

boa qualidade. Esse formato artesanal de elaboração da partitura é recomendado por Ian Guest

para arranjos, podendo-se aplicar ao trabalho de transcrição (escrita). (GUEST, 1996, p. 128).

Já a transcrição (impressa) realizada diretamente nos softwares e equipamentos de informática

— segundo Ian Guest (1996) —, só é interessante produzir como tarefa posterior à manuscrita

para não atrapalhar o processo criativo. Atualmente, alguns músicos compositores e

arranjadores, entre os quais posso inserir-me, conseguem certa desenvoltura na habilidade de

escrever diretamente nos programas de música sem o auxílio de lápis e papel. Com o exercício

intenso dessa atividade de transcrição direta nos softwares, o processo de elaboração e

digitalização da partitura se torna mais rápido, com a possibilidade de fazer as correções devidas

pela audição no sistema MIDI27, contribuindo para uma melhor qualidade de impressão e

exatidão da informação, facilitando o acesso ao documento impresso em diversos formatos de

arquivos digitais.

3.3 O Processo de Escuta

No trabalho de orientação e ensino da Percepção dos Solos, observamos aspectos

importantes que podem ser utilizados no setor acadêmico para a formação do performer solista.

A visão plena da música é o critério norteador que adotamos no processo de orientação e ensino

na formação do solista. O trabalho da percepção, em muitos casos, é dificultado pela falta de

bons equipamentos de reprodução fonográfica e pelas gravações que não se apresentam muito

claras e bem definidas. A desmotivação em se fazer a percepção musical de solos em gravações

consagradas se dá por causa de produções fonográficas que, muitas vezes, não foram produzidas

com critérios de um bom trabalho de mixagem e masterização, contribuindo com a ausência de

equalização eficiente e acentuado desequilíbrio nos volumes dos canais, provocando o excesso

de informação instrumental, ruídos e até mesmo questões de afinação. Ao proceder com essa

atividade no trabalho, adotamos os seguintes critérios: em primeiro lugar, perceber a verdadeira

melodia do instrumento escolhido como solista; em segundo plano, a harmonia através das

sequências harmônicas que podem indicar a intenção melódica dos trechos musicais

considerando as escalas dos acordes. O baixo que pode determinar em muitas situações, mesmo

invertido, a função harmônica e, finalmente, como último recurso, o ritmo, conforme as leis do

27 Sigla de Musical Instrument Digital Interface, ou seja, Interface Digital para Instrumentos Musicais. É o

conjunto de especificações padronizadas utilizado por fabricantes de instrumentos eletrônicos musicais, ou não, e que permite que instrumentos de fabricantes diferentes possam ser interligados com total compatibilidade. (MACHADO, 2001).

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contraponto em que os tempos fortes sevem de apoio à definição da harmonia.

Lembramos que o processo de escuta ao vivo se torna o ideal para todo e qualquer

transcritor, porém estaria atuando in loco no ato da execução. Advertimos que didaticamente as

gravações consagradas facilitam o desenvolvimento do aprendizado do transcritor e do

degravador por já estarem prontas e bem definidas. Já o processo ao vivo implica demanda de

tempo, consciência do instrumentista em lembrar exatamente o que construiu originalmente (o

que não acontece com o músico popular por ser extremamente criativo), dificultando a

realização plena da tarefa da transcrição.

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4. ASPECTOS INTERPRETATIVOS ORIUNDOS DA RODA DE CHORO

O instrumentista de cordas dedilhadas, no Brasil, tem recebido das Rodas de Choro

Tradicionais grandes contribuições para sua formação musical, provindas da transmissão oral.

O solista e o acompanhador frequentam esses importantes ambientes de formação artística em

busca da prática de conjunto para desenvolver algumas habilidades voltadas à performance

técnica, interpretativa e perceptiva. As reuniões, saraus e escolas espalhados pelo país são

aportes musicais significativos para a formação e o conhecimento in loco de música brasileira.

Segundo o músico Maurício Carrilho, em seu depoimento ao projeto Brasil Toca Choro, o

instrumentista, atuando nesse ambiente, passa a conhecer e ampliar um repertório constituído

por diversos gêneros musicais distintos “abrigados pelo manto do choro” (CARRILHO, 2016,

p. 12). Com a frequente participação nas reuniões, o músico instrumentista exercita a

memorização do extenso repertório, o que facilita a execução, tornando mais natural a sua

interpretação sem a preocupação com a leitura de partituras. O músico Sérgio Prata,, ao ser por

mim interpelado sobre as contribuições da Roda de Choro para a formação do músico

instrumentista, expôs a sua opinião considerando como colaboração principal a educação do

ouvido. (PRATA, 2019, grifo nosso). Explicito a minha opinião concordando com a de Sérgio

Prata e com a declaração de Hamilton de Holanda (2019) sobre a visão completa de 360 graus

para o músico, quando, em tempo real, são apresentados os três elementos básicos da música,

a melodia, harmonia e o ritmo, aumentando a capacidade do executante de reconhecer os sons

e reproduzi-los no seu instrumento. O músico franco-alemão Olivier Lob (2019) destaca a

questão emotiva ao revelar que é completamente diferente da aprendizagem particular ou

individual, quando se exerce em grupo: “A emoção quando tocamos em conjunto numa roda é

completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa emoção é uma interação com

outras pessoas.” (LOB, 2019). A interação social referenciada por Lob (2019), ao tocar junto

com outros companheiros nesses encontros musicais, oportuniza a convivência com

personalidades que, em muitos casos, se tornam amigos pessoais, passando a fazer parte de uma

grande família musical. Para o músico Rogério Caetano, a Roda de Choro é o ambiente

formador dos grandes músicos brasileiros. (CAETANO, 2019).

4.1 Prática de Conjunto

Segundo Braga (2019): “A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade: a

necessidade que se tem de fazer música em conjunto, independentemente de estilo e de gênero”.

Pois há, na Roda de Choro, muita troca de informações; ademais, ele pode dialogar, segundo

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Olivier Lob (2019), em forma de conversa ou provocação em uma brincadeira séria em um jogo

de expectativas e surpresas vivendo a música plenamente. Basta um violão para fazer de uma

melodia uma música inteira, uma música viva. Para Fernando César, o “fazer a música orgânica

é totalmente diferente do tocar sozinho ou com a gravação.” (CÉSAR, 2019). Aprender a

respirar juntos, o solista e o acompanhador saindo do ambiente de estudo individual com

partitura ou gravação. O violonista e produtor Caio Cézar (2019) afirma que a Roda de Choro

“proporciona ao violonista acompanhador o desenvolvimento de várias habilidades”,

destacando “a prática de conjunto” em que se exercita a percepção musical numa amplitude

considerável, alargando a vivência necessária à compreensão, como um todo, dos aspectos

melódicos, contrapontísticos, harmônicos e rítmicos das peças. Em muitos casos, pratica-se a

experimentação tímbrica em que se busca uma sonoridade específica a partir de uma proposta

de arranjo coletivo.

4.2 Transmissão Oral

Historicamente, no ambiente musical popular informal, o músico, ao ser perguntado

sobre a sua formação básica e se tocava por música28, geralmente respondia: “— Não! eu só sei

tocar de ouvido.” Essa é uma prática habitual e peculiar no ambiente do choro que se estende

desde o início e consiste na arte de executar a música sem o auxílio da partitura que, em muitos

casos, são característicos dos instrumentistas de acompanhamento. O autor Pedro Aragão

observou, em sua análise do livro “O Choro de Alexandre Gonçalves Pinto”, que muitos

choristas29, no princípio, lidavam com a música escrita para executar as melodias, mas os

padrões rítmicos e os contracantos melódicos normalmente eram aprendidos por meio da

oralidade. (ARAGÃO, 2013, p. 161-166).

O pesquisador Carlos Sandroni sugere a qualificação do ensino em “invisível” ou “não

explícito”, ao considerar o “carácter sistemático de que pode revestir-se o aprendizado de

música fora das instituições escolares, e em particular na cultura popular brasileira.”

(SANDRONI, 2000, p. 21). Ao entrevistar os alunos de violão particular do Mestre Meira,

Sandroni observou que ele reunia em grupos os discípulos após as aulas com os métodos

tradicionais, pela necessidade de se criar o ambiente da oralidade das Rodas de Choro e de

Samba para adquirir uma aprendizagem prática como complemento às aulas didáticas. Em

28 Tocar por música é a expressão que se emprega no meio das Rodas de Choro para designar o músico que toca

lendo a partitura. 29 Praticantes do gênero musical choro.

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depoimento à pesquisadora Myriam Taubkin, o músico e professor Maurício Carrilho relata as

contribuições importantes da oralidade, adquiridas com o Mestre Meira na tarefa de

acompanhar buscando os acordes, as modulações, os baixos de obrigação, as conduções de

vozes, as levadas rítmicas específicas, e as possibilidades em procedimento lúdico do uso das

substituições de acordes e das rearmonizações de improvisos:

Quando chegava oito horas os livros eram fechados, as estantes guardadas e começava o treinamento mais importante que um músico pode ter na vida: tocar. Ouvir e tocar (...) e um atrás do outro os gêneros musicais das mais diversas regiões eram tocados: choro, polca, valsa, schottish, bolero, samba, tango argentino, fox-trot, ragtime, frevo, habanera, mazurca, [...]. Quando eu achava que ia descansar, começava tudo de novo em outro tom. A sensação era de estar descendo a estrada do Corcovado numa estrada sem freio. Sobreviver era se manter na música sem parar, vencendo cada compasso desconhecido, memorizando os caminhos que seriam percorridos mais uma vez na repetição das partes, para acertar o que não tinha saído correto na primeira passada. Gradativamente o acompanhamento ia sendo composto: primeiro os acordes iam sendo encontrados, as modulações entendidas, depois os baixos obrigatórios, a condução das vozes, as levadas rítmicas apropriadas, e por fim, as brincadeiras, as substituições de acordes, as rearmonizações de improviso [...] e assim, de ouvido, aprendi o acompanhamento de centenas de músicas que eu desejasse tocar. (CARRILHO apud ROSA, 2018, p. 567).

O performer Hamilton de Holanda afirma que, nessas reuniões, se encontram os três

elementos básicos da música que são: melodia, harmonia e ritmo, em tempo real, propiciando

ao desenvolvimento da antena melódica para o solista; da antena harmônica para o

acompanhador e da rítmica para o percussionista:

Eu acho que a Roda de Choro dá uma visão de 360 graus para o músico. Em geral para acompanhador também, ou seja, justamente por ser uma roda, você tem uma visão completa da música então o pandeiro está por perto, o bandolim ou outro instrumento solista vai estar por perto, o cavaquinho também, e isso possibilita, vamos dizer assim, uma antena harmônica mais precisa, que você fica sempre com os três elementos básicos da música: a harmonia, a melodia e o ritmo estão sempre à mão ali, na roda. Então, isso facilita a antena, como eu falei, a antena harmônica, a capacidade de ter um ouvido e saber onde está a música, em que acorde, em que parte está. (HOLANDA, 2019).

Para o maestro Nenéu Liberalquino (2019), “o violonista acompanhador aprende na

Roda de Choro tocando, vendo e ouvindo os outros tocarem, de forma objetiva e concreta.”

É fortalecendo a capacidade de perceber a melodia, a harmonia e o ritmo, somando ao

conhecimento da forma da música em partes A, B ou C, que a Roda de Choro contribui

decisivamente para a formação prática do músico instrumentista. Nota-se que, ao participar das

Rodas de Choro, o músico adquire uma experiência importante para sua trajetória artística em

vários aspectos relevantes que são decorrentes da oralidade. O praticante do Choro pode-

-se preparar estudando os métodos consagrados para orientar-se sobre a técnica específica e o

idiomatismo no instrumento. O conhecimento e a memorização do repertório através da

percepção instrumental, a partir das gravações consagradas, têm a sua importância nesse

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processo de formação, porém a oralidade complementa o conhecimento, proporcionando a

observação e a apreensão de detalhes fundamentais que, em alguns casos de registros

fonográficos e em partituras, não podem ser traduzidos por textos, tais como expressões, estilos,

rubato ou frases, por exemplo. A participação constante do fazer musical na Roda concorre

para o aprendizado peculiar sobre as indicações gestuais e verbais, para o desenvolvimento da

percepção musical de forma geral e para o exercício da livre expressão criativa. A prática da

Roda de Choro está intrinsecamente ligada ao hábito de, “em muitos casos”, ler as partituras,

ouvir, perceber, dialogar, improvisar e criar novas melodias.

Ao solista cabe preparar-se para executar as peças com certa fluência, e ao

acompanhador, embasar-se no estudo das harmonias tonais, nas funções dos acordes e campos

harmônicos específicos da música popular que estão presentes em grande parte desse repertório.

É com a música praticada em conjunto e com a vivência na Roda que se aprende a linguagem

do choro. É extremamente notória a importância da oralidade para a complementação da

formação de um músico de Choro, que adquire a habilidade necessária para uma desenvoltura

satisfatória ao exercitar e apurar o ouvido, ao enxergar os dedilhados melódicos e as montagens

dos acordes na observação do companheiro que toca ao seu lado, ao verbalizar sobre os detalhes

de mudança de andamento, expressão, modulação, breques e dinâmicas, e ao se arvorar

improvisando de forma descontraída.

Geralmente, procura-se o músico mais experiente ou responsável pela roda, para se

inteirar sobre o repertório a ser tocado. Esse mesmo músico conhecedor do ambiente passa a

orientar os inexperientes, realizando as indicações necessárias para a compreensão e a boa

execução das peças. É importante atentar para o fato de que, em alguns casos, nesses encontros,

as músicas tradicionais se revestem de novas ideias de execução ou de arranjos, o que pode

surpreender aqueles não habituados com essas mudanças. Nesses casos, é necessário recorrer

aos que possuem uma maior vivência para que se possa entender as transformações. O exercício

pleno da oralidade e da prática do ouvido intuitivo30 se dá no diálogo verbal com os mais

experientes, somando-se a observação visual e a percepção auditiva que são praticadas na Roda

de Choro.

30 Ouvido intuitivo – Expressão utilizada nas rodas de choro para designar a habilidade do músico acompanhador

em harmonizar as peças, no ato de sua execução, sem a utilização de uma partitura ou qualquer recurso de leitura.

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4.3 A Interpretação no Choro

4.3.1 Expressividade Um dos mais importantes aspectos a serem observados e praticados na performance do

Choro é com relação à expressividade que se constitui na maneira e no estilo que cada

participante desenvolve. De certo modo, concebe-se um estilo de tocar, a partir da observação

ou da imitação dos modelos de performance registrados em gravações por parte de alguns

músicos renomados. É na roda que a expressividade tende a aflorar com bastante evidência. O

violonista Caio Cézar relata as possibilidades de exercitar as dinâmicas tão presentes nas

composições do universo do Choro. (CÉZAR, 2019). O exercício da expressão, na interpretação

musical, se faz no exato momento da prática de conjunto e é conduzido por gestos e diálogos

verbais. Basta um olhar, um movimento de cabeça ou até mesmo um “psiu” (condenado por

muitos), para se estabelecer o momento exato de apresentar essa dinâmica expressiva de grupo.

Jacob do Bandolim se notabilizou por sua expressividade musical como um intérprete

inesquecível. Segundo a pesquisadora Ermelinda Paz:

Jacob foi-se firmando no meio musical como um músico sério, muito preocupado com a preservação das nossas raízes culturais. Dessa preocupação nasceu e se cristalizou um intérprete inesquecível. Muitas composições esquecidas e algumas que não tinham conseguido nenhum sucesso na interpretação de seus autores ganharam com Jacob uma nova roupagem, através de uma interpretação particularíssima, na qual a musicalidade eclodia a cada nota, a cada novo fraseado, com um colorido harmônico diferente que vivificava as composições. (PAZ, 1997, p. 33).

Jacob do Bandolim, nos ensaios e apresentações artísticas, exigia dos seus

acompanhadores, de forma constante, a atenção obstinada pelas expressões e fraseados que

eram bem preparados e executados por ele como solista. Ao conduzir as mudanças de

andamentos e expressividade, com muito esmero para não se perder a sintonia entre solo e

acompanhamento, Jacob praticava música brasileira instrumental e, às vezes, vocal com um

grau de exigência das grandes práticas de música erudita, mesmo executando música popular.

Essa imposição era o requisito primordial exigido por Jacob para o acompanhador participar do

seu grupo e para que ele próprio pudesse mostrar o grau de expressividade musical que possuía

e que o fez célebre.

Em depoimento sobre Jacob do Bandolim, Hermínio Bello de Carvalho afirma: “Jacob

era sobretudo um virtuose, não de técnica, ele era um virtuose na interpretação, no fraseado.”

(PAZ, 1997, p. 74). A expressividade alcançada por Jacob como a característica fundamental

do Choro é citada no trabalho do pesquisador Almir Côrtes sobre uma nova dimensão

interpretativa, por meio dos elementos levantados pela da audição, pela transcrição e pela

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análise musical: Expressividade alcançada através de recursos técnicos como rubato, portamento, glissando, vibrato, staccato e notas percussivas, que contribuíram também para a criação de uma escola de bandolim brasileira, hoje seguida pela maioria dos bandolinistas. (PAZ, 1997, p. 61 apud CÔRTES, 2006, p. 85).

Outro depoimento importante sobre a expressividade musical do choro tocado por Jacob

é encontrado em Cazes (2000):

Seus méritos vão desde os quesitos básicos de sonoridade e afinação, até os mínimos detalhes de expressividade. Com uma execução bem-acabada, repertório precioso e extremo capricho em cada registro, Jacob do Bandolim construiu uma ampla discografia – mais de duzentas gravações – que hoje é considerada como a mais valiosa do instrumental popular brasileiro. (CAZES, 2000, p. 25 apud CÔRTES, 2006, p. 1).

A expressividade artística se apresenta desenvolvida na chamada Música de Câmara,

que consiste em peças escritas para grupos com um número pequeno de músicos, que

antigamente se acomodavam nas câmaras de um palácio. Vivian Carvalho e Sônia Ray

ressaltam a importância da prática camerística na formação do professor de instrumento

musical: A prática de música de câmara pode ser ferramenta poderosa na formação do músico-pedagogo uma vez que esta proporciona ao aluno a busca de sua maneira de expressar artisticamente e manter sua própria identidade, sem medo de ser único na sua maneira de ser. Ela também pode propiciar uma maior bagagem musical e técnica para a interpretação, já que há uma grande troca de conhecimentos entre os colegas sobre aspectos como de execução e sonoridade, ou seja, maneiras diferentes de expressão de cada indivíduo que podem ser combinadas de maneira satisfatória para todos. [...] através da experiência em tocar em conjunto o aluno aprende novos recursos de sonoridade existentes em outro instrumento, podendo transferir para o seu. (CARVALHO; RAY, 2006, p. 1028).

Os agrupamentos instrumentais acústicos do choro se apresentam em média com 5 a 7

componentes, podendo estabelecer uma relação da música de câmara com os grupos de choro.

Os famosos saraus na residência de Jacob do Bandolim provocaram o interesse por parte do

poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho em levar todo aquele ambiente musical para o

Teatro, tal era a expressividade alcançada e a riqueza de detalhes desses encontros.

4.3.2 Emoção

No contexto social das Rodas de Choro, são vivenciadas situações de inesperadas

reações em diversos aspectos relacionados à emoção. A melodia, a harmonia, a interpretação,

o fraseado, a dinâmica e as articulações, entre outros aspectos da linguagem musical, podem

provocar reações emotivas de diversas intensidades dentro do ambiente da Roda ou fora dele.

A composição de Avena de Castro Evocação a Jacob é um exemplo disso. Avena, ao saber da

morte de Jacob do Bandolim, compôs aos prantos esse clássico do choro brasileiro com o

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sentimento e a emoção pelo amigo e admirador. A emotividade gerada pelas interpretações de

Jacob (a ele próprio e aos ouvintes) ao tocar perda do grande o Choro agregado aos seus

problemas de saúde culminou com o seu terceiro enfarto provocando o seu desaparecimento.

Fortes reações emotivas podem acontecer no ambiente do choro, alguns dos quais vivenciamos

e passamos a relatar a seguir.

O primeiro relato foi o do professor Luiz Machado, mestre do choro gaúcho que, em

visita de cortesia à nossa sala de aula na Galeria Setúbal Center, em Recife, recebeu de nossas

mãos o bandolim que foi do pernambucano Rossini Ferreira. Ao tocar o choro Ansiedade, ele

não suportou a emoção de empunhar o tão lendário instrumento, e caiu aos prantos, parando de

tocar pela forte emoção de que foi acometido à frente do seu próprio regional composto por

seus discípulos. Houve um silêncio de compaixão e solidariedade por parte de todos os

presentes para com o professor Luiz, que demorou alguns minutos para se recuperar, deixando

a todos surpresos por aquela inesperada reação emotiva.

Outra situação incrível foi a do violonista de 7 cordas Edmilson Capelupi que, em visita

ao mesmo endereço de nossa sala, reagiu aos prantos ao ouvir a interpretação de Elizeth

Cardoso, com o regional Época de Ouro na residência de Jacob, cantando o samba “Neste

Mesmo Lugar”, de Dolores Duran. Em um dos saraus de que participamos ao lado de Rossini

Ferreira na residência do médico anestesista Paulo Bittencourt, em Recife, fomos surpreendidos

com a reação de sua jovem filha adolescente de 15 anos, de nome Diana Bittencourt, que, ao

ouvir a nossa valsa “Saudade de Papai”, dedicada ao meu genitor, caiu aos prantos ao término

da nossa interpretação ao bandolim.

Segundo o violonista franco-alemão Olivier Lob (2019), a “emoção quando tocamos

em conjunto numa roda é completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa

emoção é uma interação com outras pessoas.” (LOB, 2019).

Ao tocar junto com outros companheiros nos encontros musicais, as emoções se afloram

e, por motivos diversos, não se comparam à execução com o playback ou base da mídia com a

participação física do músico nesses ambientes.

Conforme declara Hamilton de Holanda:

A música é feita com características regionais e de cada país, de cada lugar, mas tem regras universais, tem caminhos que são universais, e quando você consegue reconhecer isso de ouvido e praticar isso em tons diferentes, em compassos diferentes, faz em ritmo de choro, faz em ritmo de valsa. Tudo isso lhe vai dando uma base para, na hora de tocar a música, você possa curtir e passar só a emoção, porque, no fundo, a busca da música é a emoção. Então, a gente não sabe explicar exatamente a emoção. A gente consegue estudar as músicas que já foram feitas. A teoria da música nasceu depois da música; ela não nasceu antes da música. (HOLANDA, 2019).

Essa reação orgânica de intensidade e duração variáveis, acompanhada de alterações

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respiratórias, circulatórias e de grande excitação mental que é a emoção, faz parte do contexto

da Roda de Choro e contribui para aguçar a sensibilidade e a percepção musical, constituindo-

-se num ponto importante a ser estudado pela academia.

4.3.3 Instrumentista Colaborador Solista

Uma habitual prática das rodas de choro tradicionais, de fundamental importância para

a prática de conjunto, com reflexos da tradição da roda de choro é a execução repetidas vezes,

como um ensaio, de músicas compostas de melodias inéditas ou originais efetuadas por um

solista, para serem assimiladas pelos músicos acompanhadores, transmitindo oralmente a ideia

central da melodia e da harmonia, além da forma musical, da dinâmica, da expressão e da

interpretação. Sendo muito comum essa prática de “tocar de ouvido”, observa-se que é

necessária a presença de um solista experiente que domine a linguagem estrutural do choro e

conheça a composição mais profundamente, para traduzir e transmitir corretamente as

informações sobre a intenção do compositor. Para representar o solista que se apresenta com

essa faculdade constituída de habilidades específicas, sugiro aqui a denominação de

Instrumentista Colaborador Solista.31

O bandolinista Hamilton de Holanda comenta a atividade do colaborador solista em sua

prática de ensino: [...] se me lembro bem, quando dava aula de bandolim em Brasília na escola de choro e na escola de música e em umas aulas particulares, eu era uma espécie de correpetidor, porque fazia os solos, enquanto os alunos de cavaquinho e alunos de violão iam fazendo a parte de harmonia e de ritmo. Então, eu acho que é importante um correpetidor solista, e que ajuda muito, na verdade. (HOLANDA, 2019).

Essa atividade de correpetidor é utilizada por músicos e pedagogos do choro, e é notória

a contribuição para o aprendizado harmônico e rítmico dos acompanhadores, para o

desenvolver da prática em grupo, na técnica dos instrumentistas, para o estudo empírico da

percepção e memorização, além de transformar a sala de aula em ambiente propício ao exercício

do ouvido intuitivo32, característico da roda.

31 O termo correpetidor, que tem origem etimológica do francês co-repetiteur, e quer dizer “indivíduo que participa

do ensaio”, é empregado para o pianista que auxilia na preparação do solista instrumentista ou cantor. Aplicando a ideia, de forma antagônica, na Roda de Choro, o solista é quem auxilia na preparação, na formação e no desenvolvimento das habilidades do instrumentista acompanhador nas práticas em conjunto. O importante papel de atuação desse solista nas rodas de choro é fundamental para a preparação prática dos acompanhadores e para a ampliação do repertório com o exercício pleno da oralidade e da prática do ouvido intuitivo. No presente trabalho, o Autor decidiu adotar a denominação de Instrumentista Colaborador Solista, abreviadamente ICS.

32 Ouvido intuitivo é uma expressão utilizada nas rodas de choro para designar a habilidade do músico acompa-nhador em harmonizar as peças, no ato de sua execução, sem a utilização de uma partitura ou qualquer recurso de leitura.

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Outro músico de referência no choro brasileiro, o violonista de sete cordas e compositor

Luiz Otávio Braga33, pontua a necessidade de se praticar música brasileira de conjunto, com

reflexo do choro em um projeto de ensino,

A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade. A necessidade que se tem de fazer música em conjunto: para toda a música, independentemente de estilo e gênero. As escolas de música que ensinam a música de choro, hoje – e que não havia, há 40 anos – não podem prescindir de uma segura prática de conjunto – a qual deve ser a menina dos olhos do projeto de ensino. Os músicos que no passado se formaram na roda de choro procuravam-na porque sentiam essa necessidade inelutável, era a chance de fazer prática de choro; se não as tinham, recorriam às gravações. (BRAGA, 2019).

O instrumentista e pesquisador Sérgio Prata (2019) comenta sobre a função que o

instrumentista colaborador solista pode exercer, cumprindo o papel de orientador na preparação

de um músico que não esteja habilitado na prática de harmonizar a música popular e no uso das

ferramentas da mídia em geral.

Talvez para um músico que não tenha um conhecimento harmônico, o correpetidor possa cumprir o papel de orientador, mostrando qual é a melodia, mas, hoje em dia, nós temos uma série de ferramentas. Você leva o pen drive, passa para o outro músico: “— Olha, vai estudar em casa!” (PRATA, 2019).

O instrumentista colaborador solista facilita ao acompanhador desenvolver a

memorização e a destreza nas harmonias praticadas na música popular. Contribui também para

a fluência na busca da compreensão harmônica das músicas inéditas tocadas à primeira audição,

experimentando e buscando intuitivamente as soluções cadenciais com o auxílio do vocabulário

aprendido e memorado anteriormente.

A tarefa tácita do instrumentista colaborador solista é a de orientar sobre as nuanças das

expressões interpretativas, porém o citado instrumentista passa a modificar o seu modo

particular de atuação, tornando-se um solista acompanhador do acompanhamento. A função

natural precípua do solista é executar diretamente a música, apoiado por um acompanhamento

harmônico e rítmico, mas sem a obrigação e a preocupação de esperar que o acompanhador

estude ou adquira a fluência das habilidades básicas de apoio no momento da execução. A

importância do instrumentista colaborador solista está na capacidade de alterar e moldar

diretamente a sua interpretação natural e expressiva, invertendo, na prática, o seu papel de

solista para atuar auxiliando e colaborando na preparação do acompanhador. Na performance

do choro, o intérprete solista em geral é de tradição eminentemente oral, após apresentar e

estabelecer os parâmetros do acompanhamento harmônico e rítmico e a espinha dorsal da peça,

33 Luiz Otávio Braga é violonista de 7 Cordas, compositor e professor da UNIRIO, doutor em História Social pela

UFRJ, atuou com grandes nomes da música brasileira, entre eles Radamés Gnattali, e foi integrante da Camerata Carioca.

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ou seja, a exposição da melodia original, liberta-se das amarras da escrita e exercita a sua

criatividade alterando a forma de interpretar a peça, acrescentando improvisos e, muitas vezes,

alterando os andamentos, as dinâmicas, as articulações e as frases, que são características

básicas da performance da música popular.

Refletindo sobre as contribuições das tradições informais da Roda de Choro para o

ensino das práticas de conjunto, observamos em nosso trabalho a necessidade de inserir essa

herança metodológica, “misturada com a prática”, nas práticas em grupo, dentro da formação

acadêmica, na área da música brasileira popular.

4.3.4 Improvisação

A execução pelo solista do repertório variado das músicas populares, com liberdade

criativa ou bossa34, caracterizara a feição típica do gênero Choro. (NÓBREGA, 1974, p. 12).

Essa liberdade de interpretação é uma das grandes contribuições que o Choro Tradicional

proporciona para a formação do músico em geral, solista ou acompanhador, e depende do grau

de conhecimento da estrutura formal da composição e do ambiente de descontração praticado

na Roda de Choro. O intérprete define a maneira adequada de improvisar a cada ambiente. As

músicas nunca são tocadas do mesmo modo, seja em gravações, seja em Rodas de Choro.

Segundo Paula Valente (2014), a improvisação no choro apresenta modificações nas melodias

(floreios, apojaturas, mordentes, etc.), ou no ritmo (atrasando ou adiantando), ou nas

articulações (ligado e staccato). Para a prática da agógica característica de expressividade da

música, é necessário o contato visual, que permite um elevado nível de sinais de olhos e

expressões faciais, particularmente de aprovação ou desaprovação, que são importantes para o

sucesso da interpretação. Ao tocar por partitura, essas variações espontâneas parecem estar mais

ligadas aos sinais de interpretação escritos na música. No caso de a música estar memorizada,

podem ocorrer lapsos de memória e, nesse caso, os músicos têm de tomar decisões em tempo

real para compensar essas falhas.

Para desenvolver o seu estilo de improvisação, cada participante precisa conhecer as

progressões ou sequências harmônicas que são os pilares da harmonia popular. A fluência na

criação dessas frases de improviso está diretamente ligada ao princípio básico do conhecimento

e da memorização das melodias originais, das formações básicas e das funções dos acordes na

tonalidade e suas modulações harmônicas. Ao longo do tempo, com a frequente participação

34 Bossa – Termo utilizado pelo autor Ruy Castro para designar a música brasileira de bossa criada por Carmen

Miranda, em cuja arte vocal “as flexões brejeiras da fala das ruas modulam um material sonoro de tessitura e potência reduzidas.” (PALOMBINI, 2006, p. 116).

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nas Rodas de Choro, o estilo improvisativo do solista e do acompanhador vai-se estabelecendo

com o passar do tempo, criando a sua identidade própria. A frequência às Rodas de Choro

proporciona ao executante compreender e assimilar a linguagem do improviso ao observar e

sentir, na prática, os prazeres da criação. A aprendizagem do choro, ainda que ocorra dentro de uma instituição de ensino formal [...] será composta de elementos pertencentes ao campo do ensino formal, quando estudante irá fundamentar seu aprendizado em uma parte técnica de estudo do instrumento, exercícios de leitura e solfejo, prática de conjunto, aulas de história da música popular, etc. Porém, existe um aprendizado essencial na prática do choro que seria considerado aprendizagem informal, fundamentado em audição de gravações para entender a linguagem do choro, observação de músicos consagrados tocando e participação nas rodas de choro, onde este estudante irá realmente aprender a linguagem do choro, treinar a improvisação, verificar como a forma pode ser livre e dinâmica em um ambiente como a roda, etc. (ROSA, 2018, p. 563).

Por volta de 1910, o violonista Tute (Arthur Nascimento) levou Pixinguinha35 para tocar

no Cine-Teatro Rio Branco em substituição ao flautista Antônio Maria Passos. O sucesso de

Pixinguinha logo ocorreu “porque gostaram dele, das bossas que inventava por fora,

acostumado que estava a improvisar nas rodas de choro” (TABORDA, 2011, p. 13 apud

WERNECK, 2013, p. 66). Esse hábito constante de improvisador fez Pixinguinha ser o

escolhido para assumir profissionalmente o lugar do antigo flautista.

Em seu depoimento ao Museu da Imagem do Som (MIS), do Rio de Janeiro, Jacob do

Bandolim declarou que improvisava no Choro quando interpretava. Ao executar o seu

repertório ao bandolim, tinha como intuito aumentar o sentimentalismo interpretativo, e não era

simplesmente o de improvisar. Jacob traduzia essa forma de atuação performática como a de

um pintor que, ao reproduzir um quadro da natureza, o interpreta diferentemente de outros.

(CORTES, 2006, p. 25). Ao considerar o seu improviso como uma forma de interpretar as

melodias originais, com um sentimento bastante expressivo, Jacob desenvolveu a capacidade

de criar nuanças expressivas que determinaram o seu reconhecimento como um dos grandes

intérpretes da música brasileira.

No acompanhamento do Choro, conforme informa Luiz Fabiano (2008), desenvolveu-

-se o improviso das baixarias dos vilões de 6 e 7 cordas. (BORGES, 2008, p. 67). O professor

Luiz Otávio Braga declara que é marcante a característica da espontaneidade na criação de

inúmeras frases que passam a modelos com o tempo. (BRAGA, 2004).

O violonista Caio Cézar apresenta alguns aspectos importantes para a reflexão sobre o

estudo e o desenvolvimento do improviso:

35 Alfredo da Rocha Viana (1807-1973) – Nascido no Rio de Janeiro, foi conhecido como Pixinguinha. Atuou

como flautista, saxofonista, compositor, arranjador e maestro, contribuindo significativamente para a definição da forma musical do Choro.

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O estudo de improvisação traz muita liberdade ao músico solista e acompanhador. É um estudo e uma prática a serem desenvolvidos numa fase mais avançada do instrumentista, em que já possui domínio da técnica violonística, de harmonia, de estudo de escala de acordes, de repertório e experiência musical, embora muitas gerações tenham desenvolvido essa capacidade num processo de repetição, cópia e tentativa. Hoje o estudo de improvisação não precisa mais ser apenas intuitivo e prático, devido à grande quantidade de material teórico, dos métodos, fruto de uma sistematização que muito ajudou na formação musical. No choro, essa música sofisticadíssima, cheia de virtuosismo instrumental, é quase inevitável a improvisação. Esta é prima-irmã da melodia original, e esse diálogo é parte fundamental da própria estrutura e alma do choro. (CÉZAR, 2019).

Dentre as diversas opiniões dos entrevistados sobre o improviso no Choro, podem-se

evidenciar alguns aspectos contributivos para a formação do músico que servirão para estudos

futuros e reflexões. O músico Sérgio Prata (2019), ao afirmar que o pessoal da velha guarda,

ou seja, os antigos músicos, falavam de alguns parâmetros relativos ao improviso no Choro e

que não podem ser esquecidos. Destaca-se aqui que o conhecimento da forma musical do

gênero Choro é o ponto fundamental de reflexão do presente Autor. A característica da

composição é em forma de duas ou três partes chamadas de A, B ou A, B e C, constituídas

geralmente por 16 compassos. Ao identificar e memorizar as melodias originais de ambas as

partes, o músico precisa seguir os seguintes critérios sugeridos pelos antigos. Ao executar

inicialmente o Choro, deve-se apresentar o tema melódico original (segundo Tozinho36, deve--

se mostrar que sabe tocar a música). Nas repetições da parte A e parte C pode-se explorar os

improvisos dentro da base definida, ou seja, sem variações harmônicas. O bandolinista Deo

Rian declara que “a improvisação no choro e no samba é bem-vinda, desde que o solista toque

a primeira vez como o autor compôs a música, e depois, nas repetições, improvise dentro da

harmonia preestabelecida.” (RIAN, 2019). Observamos que Deo Rian defende os mesmos

critérios de liberdade de expressão dos antigos chorões. Entendemos que esse fato se deve à

necessidade de apresentar em primeiro plano, no ato da execução, a melodia original sem cair

na tentação de se estender em demasia na prática da improvisação e de tornar irreconhecível o

tema original, fazendo-se de principal o improviso, na iminência de transformar a estrutura

melódica original da composição em outra ideia musical.

O músico Olivier Lob (2019) faz referência ao livro sobre Choro, de Alexandre

Gonçalves Pinto, refletindo sobre a interação entre o solista e o acompanhador, em que o

improviso era a maneira de surpreender os acompanhadores, modulando para caminhos

harmônicos diferentes com o intuito de brincar com a capacidade de percepção:

36 Manoel Xavier de Brito (1922-1976), conhecido como Tozinho, violonista pernambucano que fez parte dos

programas de rádio e televisão em Recife nas décadas de 1960 e 1970.

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Ele [Alexandre Gonçalves Pinto] escreveu que os solistas improvisam harmonias novas, escolhem caminhos diferentes do que na partitura, e os acompanhadores, que acompanhavam somente de ouvido, seguindo a melodia, treinavam em achar a harmonia no momento e seguir esse caminho. Então, eu acho que isso faz parte, desde início até hoje, do gênero do Choro. Essa liberdade sempre ficando na música, improvisando, voltando ao tema, mas a improvisação, o Choro e o Samba são músicas abertas. Improvisação é essa abertura, essa liberdade de escolher outro momento. (LOB, 2019).

Lob (2019) afirma que, na realidade, esse é o jeito de improvisar dos chorões ao buscar

melodias para modulações não convencionais.

Márcia Taborda (2010) compreende que, desde a chamada “Época de Ouro” do rádio,

os conjuntos de choro, como formação original com solista que sabia ler e com a base com

acompanhamento de cavaquinho e violão, deviam ser improvisadores harmônicos, isto é,

tocavam de ouvido. Essa autora ainda se refere à improvisação como sendo o ato momentâneo

de tocar as harmonias nos instrumentos de base do choro em plena apresentação. (TABORDA,

2019).

4.4 Performance Perceptivo-Auditiva

4.4.2 “Antena Melódica e Harmônica” Sabe-se que, previamente, tanto o solista quanto o harmonizador necessitam praticar a

percepção instrumental por meio das gravações consagradas, com o intuito de adquirir certo

grau de conhecimento no que tange ao processo de “tirar de ouvido”37. Cabe a ambos

posteriormente buscar a execução nos moldes do “tirar de ouvido”, no ambiente da Roda de

Choro, com o objetivo de enfrentar os desafios que surgem na prática. Saliente-se que, nesse

caso, o músico se depara com o momento crucial da prática da percepção como um todo e da

melhor compreensão da necessidade e da importância da percepção instrumental para a

formação do músico. Os solistas antigamente apresentavam as novas composições com o intuito

de enganar os companheiros com frases modulantes não convencionais para testar a capacidade

perceptiva dos acompanhadores. Ao companheiro acompanhador que tinham de captar ou

pegar38, como se dizia no jargão dos chorões, e que não reproduzia determinadas modulações

ou se mostrava incapaz de reproduzir, lançado no momento, diziam que ele fora “derrubado”.

Na prática profissional do presente Autor, destacam-se duas experiências

bem-sucedidas resultantes da percepção instrumental. Relata-se aqui o caso do músico

37 Tirar de Ouvido – É uma expressão muito utilizada pelos músicos populares para justificar o aprendizado de um

repertório por percepção instrumental através de gravações. 38 Pegar – No ambiente do choro, significa conseguir tocar harmonia ou melodia desconhecida no ato de sua

primeira exposição.

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cavaquinista Elias Paulino (1964), discípulo do Autor no Conservatório Pernambucano de

Música que trabalhou bastante a percepção instrumental, passou por uma experiência

profissional interessante que serve de exemplo para demonstrar a contribuição da percepção

instrumental para a formação e a performance do músico. O citado Elias Paulino39 foi

convidado pelo produtor Zé da Flauta40 para gravar a base de um disco do compositor Jacinto

Silva41. Chegando ao estúdio de gravação “Clave”, do próprio Zé da Flauta, deparou-se com a

situação de não existir arranjo escrito ou partitura que lhe servisse de guia; consequentemente,

teria de ir gravando no momento da audição. Em reunião com o produtor, foi decidido que as

14 faixas do disco deveriam, naquele momento, ser ouvidas e transcritas pelo próprio Elias para

facilitar o processo de gravação. Assim foi feito, e o trabalho de gravação terminou antes do

horário previsto. No outro dia, Elias se dirigiu ao CPM, empolgado para relatar ao presente

Autor o acontecido: “Eu só me lembrava das nossas aulas!” Terminando a conversa, este Autor

indagou-o sobre a questão: “Então, quer dizer que estamos certos em relação ao trabalho que

fazemos com você de percepção instrumental?” Ele respondeu com um sorriso de satisfação,

balançando a cabeça com a indicação de positivo.

Outra experiência interessante foi no espetáculo Folias Guanabaras, do Diretor Ivaldo

Bertazzo42. O presente Autor atuava em turnê com a Orquestra Retratos do Nordeste, em

parceria com a cantora Elza Soares43, Seu Jorge44 e o pianista Benjamim Taubkin45, quando,

numa das apresentações, houve um problema de retorno por falta de energia, e Elza Soares

começou a cantar em outra tonalidade, diferente da que se havia estabelecido nos ensaios.

Devido ao trabalho de percepção, a Orquestra conseguiu acompanhar com a transposição

imediata da canção no processo de “tirar de ouvido”. É importante lembrar que o acontecido

foi na hora exata da apresentação, e não no ensaio, quando se tem a oportunidade de ajustar

com tranquilidade.

A atividade de percepção auditiva na Roda de Choro é, de fato, o momento principal da

preparação do músico e posterior ao das percepções instrumentais que são feitas com o auxílio

dos equipamentos de mídia, pois se passa a estar diante da execução imediata da música que,

em muitos casos, não é mais possível voltar para acertar a melodia ou a harmonia, “a roda não

39 Elias Paulino – Músico, compositor, cavaquinista e percussionista de Recife, líder do Grupo Terra de Samba e

integrante da Orquestra Retratos do Nordeste e do Sexteto Capibaribe. 40 Zé da Flauta (1954) – Flautista, pifanista, compositor, produtor cultural e pesquisador de Recife. 41 Jacinto Silva (1933-2001) – Discípulo de Jackson do Pandeiro, cantor, compositor e mestre de Coco de Roda. 42 Ivaldo Bertyazzo (1949) – Pesquisador, educador e um dos mais conhecidos coreógrafos brasileiros. 43 Elza Gomes da Conceição (1930) – Cantora e compositora brasileira 44 Jorge Mário da Silva (1970) – Cantor, compositor, instrumentista e ator brasileiro. 45 Benjamim Rafael Taubkin (1956) – Pianista, compositor, arranjador e produtor musical brasileiro.

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pode parar”. É importante salientar que, no caso do Instrumentista Colaborador Solista, existe

a preocupação de auxiliar os músicos da base no aprendizado de um determinado repertório

inédito, transformando a Roda de Choro num grande ensaio.

4.5 Comunicação Visual na Interpretação do Choro

4.5.1 Gestos Corporais Característicos da Roda de Choro

Segundo o estudo dos pesquisadores Levi Leonildo, Beatriz Licursi, Mário Cardoso e

Elsa Morgado sobre o corpo na performance musical, pode-se considerar que “a performance

musical depende em grande parte da atuação do corpo”:

Ao reconhecermos a relevância da integração corpo-mente-instrumento à performance musical estaremos destacando que movimentos geram som através do qual o virtuosismo e a técnica apurada se manifestarão artisticamente. A música estimula sensorialmente o artista para uma resposta corporal e podemos então observar que os gestos corporais são reconhecidamente uma importante base do fazer musical. Diante dessa constatação está claro o quanto o corpo do artista requisita intensamente a coordenação motora diferenciada, a expressão facial e a respiração que estão intimamente conectados à imaginação criativa do intérprete gerando toda essa partitura corporal e orgânica. (LEONILDO et al., 2017, p. 78-79).

Segundo Jane Davidson (1999, p. 83), “na tradição musical ocidental, o elo entre corpo,

estilo musical e expressividade tem sido discutido em muitos textos pedagógicos”:

Alguns estudos empíricos recentes demonstraram convincentemente que, para além da técnica instrumental, os movimentos corporais do instrumentista revelam informações sobre as características estruturais (harmonia, andamento, tensões melódicas, etc.) e expressividade da música (aquilo que o executante pretende transmitir com a sua interpretação pessoal da peça). [...] existe uma vasta gama de movimentos condicionados que os intérpretes usam, tal como o levantar da campânula do saxofone para sugerir grande tensão e esforço) muitos desses movimentos são inconscientes. Os movimentos têm origem na intenção mental de comunicar através da música e não de a ligar a um particular gesto. Como tal, esses movimentos espontâneos não podem ser desligados ou acrescentados deliberadamente de e a qualquer execução, eles são parte integrante da componente expressiva da atividade musical. (DAVIDSON, 1999, p. 83).

Jane Davidson comenta que, na comunicação verbal e não verbal entre um grupo de

intérpretes, é relevante destacar as formas de comunicação não verbais, pelo fato de que os

instrumentistas não poderão, no ato da execução, falar uns com os outros ou parar para discutir.

Assim como existe na música de câmara, geralmente o músico solista ou o mais experiente da

Roda de Choro Tradicional conduz as nuanças de execução por meio de gestos corporais de

acordo com a melodia e a harmonia. Esses gestos funcionam como orientação referente às

dinâmicas, às mudanças de andamentos, aos breques e às respirações, entre tantas outras

funções. Os gestos mais comuns e tradicionalizados da Roda são: o movimento vertical da

cabeça de cima para baixo e o abrir os olhos, elevando as sobrancelhas e baixando-as, com o

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objetivo de indicar o breque; a respiração como forma de preparar um início ou uma

expressividade mais acentuada; os pés (condenado pelos eruditos) para indicar que o andamento

da execução musical está diminuindo; e até mesmo o saltar (pular) para indicar o fim da música.

Pode-se refletir sobre a importância desses gestos na Roda de Choro que contribuem

para a formação dos músicos ao despertar no intérprete uma atenção maior na agógica

característica e aos moldes específicos da música popular. O compositor, arranjador, professor

e multi-instrumentista brasileiro Alessandro Penezzi assim esclarece:

A importância da roda de choro na minha formação, como violonista acompanhador, foi total. Minhas primeiras experiências com esse grupamento musical foram desde os 9 anos de idade, e como não havia partituras nem cifras paras as músicas tocadas, eu tinha de desvendar rapidamente os caminhos harmônicos de cada tema. Gradualmente, esse procedimento acabou desenvolvendo minha percepção musical, meu ouvido, minha memória, além da percepção visual (quando tentava imitar os acordes que outros violonistas iam montando). (PENEZZI, 2019).

Sérgio Prata revela que utilizou bastante o chamado Código dos Olhares na prática de

ouvido, quando não se conhece a harmonia de uma música que é executada em tempo real:

Uma coisa que foi muito importante — e eu convivi muito com isso na minha época — é que existiam poucos solistas, alguns de choros. Tinha pouquíssima coisa, o conhecimento das harmonias por aquele método que a gente chama do Código dos Olhares. Você ficava olhando para o braço do violonista mais antigo da roda, na dúvida da harmonia, e dali você resolvia. Então, é importante isto: sempre saber quem é o âncora ali da roda para você poder recorrer a ele. (PRATA, 2019).

4.5.2 Interação Social

Os músicos frequentadores da Roda de Choro recebem contribuições importantes para

a sua formação porque há, na Roda, a troca de ideias, informações, conhecimento e o diálogo

entre as pessoas. No contato direto com os intérpretes e admiradores do gênero musical, cria-

se o ambiente de colaboração, com o despertar, no conhecimento informal, sobre as situações

pitorescas das composições, informações sobre as biografias dos compositores, a busca de

esclarecimento das dúvidas sobre os detalhes da performance de músicos mais experientes,

formação de plateias e a concretização dos grupos sociais voltados para a prática da música

popular. Um momento social de tocar junto com outras pessoas, descobrir pessoas que conhecemos, amigos, e conhecer personalidades, pessoas e músicas novas. Esses encontros exigem uma atenção particular que existe na Roda de Choro. A Roda deve ser ao vivo, e cada momento musical numa Roda de Choro é uma surpresa. Então, quando tocamos, esperamos em todos os momentos o que vai acontecer no próximo momento. (LOB, 2019).

O violonista e professor Fernando César (2019) enfatiza que a maior contribuição

recebida por ele da Roda de Choro para sua formação consiste em poder tocar em conjunto, sair

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do ambiente de estudo solitário com o auxílio da partitura e do método ou com a gravação, e

fazer a música orgânica, que é totalmente diferente de tocar sozinho. Aprender a respirar junto

com os solistas e com os outros acompanhadores.

O cavaquinista João Paulo Albertim, formado no Conservatório Pernambucano de

Música, enfatiza sobre “a convivência, aprendizado e respeito com outros músicos.”

(ALBERTIM, 2019).

O bandolinista Alexandre Milton (2019), ex-aluno do Conservatório Pernambucano de

Música, destaca que as Rodas de Choro se constituem em:

[...] um espaço inteiramente democrático, em que todos são iguais. Não raras vezes, um músico que não sabe sequer ler uma cifra, tampouco uma partitura, apresenta uma desenvoltura superior aos detentores dos diplomas de cursos superiores. Por isso, dizemos que a roda de choro iguala todo o mundo. (COSTA, 2019).

O pesquisador Bertho (2014) compreende que a música produzida nas Rodas de Choro

proporciona experiências sociais, do mesmo modo que as experiências sociais obtidas

influenciam na música. Ao entender as Rodas como organizações sociais, sinaliza que as

interações sociais pela música (assim como a música, fruto dessas interações sociais)

constituem um elemento central na dinâmica das Rodas de Choro.

Como afirmam Livingston-Isenhour e Garcia (2005, p. 54 apud LARA FILHO; SILVA;

FREIRE, 2011, p. 152): “A Roda só é autêntica se houver a máxima interação entre os músicos

e a audiência.”

Podemos caracterizar a Roda como um conjunto de círculos concêntricos, sendo que, no primeiro círculo, estão os músicos (geralmente em volta de uma mesa); no segundo círculo, os interessados pela música (conhecedores desse universo musical e participantes do ambiente de relações pessoais dos músicos); nos círculos subsequentes ficam os frequentadores do ambiente musical — algumas vezes interessados apenas na interação social. Muitas vezes, essa classificação circular não é observada, e as pessoas se misturam constantemente. (LARA FILHO; SILVA; FREIRE, 2011, p. 150).

Entendemos que o agrupamento social dessas rodas é constituído pelos músicos que

participam dos conjuntos destinados à execução das peças e pelos grupos sociais de

admiradores que vão a esses ambientes em busca de ouvir um repertório consagrado e não

consagrado, e para também apreciar as diferentes performances dos seus prediletos

instrumentistas.

4.5.3 Repertório

O repertório específico de qualquer praticante do choro geralmente é desenvolvido,

memorizado e ampliado nas rodas. Não só os solistas, mas também os acompanhadores buscam

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desenvolver, nessas práticas, de forma relaxada, descontraída e constante, as suas performances

ideais com as execuções de peças consagradas e de fácil assimilação como forma prazerosa de

viver a música. Muitas músicas e novos gêneros musicais agregados pelo Choro fazem parte

desse repertório que, em muitos casos, só são tocados e transmitidos oralmente nesses

ambientes onde os músicos se preparam para participar e conviver com os companheiros de

jornadas instrumentais.

Podemos relacionar alguns desses ritmos básicos encontrados na Roda de Choro que

fizeram parte das raízes da música brasileira.

As raízes principais da música brasileira são a Modinha e o Lundu, segundo Mário de

Andrade. Tradicionalmente, a Modinha, originária de Portugal e notabilizada pelo padre mulato

Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), fez parte do ambiente da Roda de Choro. As modinhas

brasileiras do final do século XVIII e início do século XIX se destacaram pela presença do

acompanhamento violonístico. Em Lisboa, no catálogo da Biblioteca da Ajuda, foram

encontrados manuscritos de duas coleções: “Modinhas” e “Modinhas Brasileiras”. (BEHEGUE

apud BRAGA, 1985, p. 4).

O Lundu, segundo Mário de Andrade, é descendente direto do batuque dos negros do

século XIX, e se apresentava como uma cantiga de andamento mais vivo que a Modinha e texto

de caráter mais cômico. Teve por característica marcante a presença da chamada síncope

brasileira constituída pela célula rítmica composta por semicolcheia, colcheia e semicolcheia

seguidas. (BRAGA, 1985, p. 3).

Das Danças Europeias nacionalizadas durante o século XIX, podemos citar a Valsa,

que, durante os fins do Primeiro Império e Período Regencial, se divulgou no Brasil “justamente

quando Paris inteiro a consagrava, 1830 e seguintes.” (CASCUDO, 1962, p. 765). A Valsa

Tipicamente Brasileira apresenta características estéticas de clima modinheiro e a presença do

baixo cantante que corresponde às baixarias dos violões. (BRAGA, 1985, p. 3). Já a Polca,

segundo Batista Siqueira (1967, p. 45), dançada na Boêmia, chega ao Brasil fazendo sucesso

em 1844. A Polca nacionalizada é uma confluência entre o ritmo da Polca da Boêmia mais o

ritmo do Lundu e da Habanera (Cuba e Haiti). Habanera é um ritmo cubano e haitiano que

chega ao Brasil por volta de 1866. Há um grande número de polcas com os seguintes registros:

polca-habanera, polca-lundu (polca no ritmo, lundu na melodia), polca-xótis, polca-marcha,

polca-mazurca, polca-militar, mas com predominância da polca-lundu. O Choro Brasileiro

(invenção da década de 1870) está vinculado diretamente à Polca, que é uma raiz importante da

Música Brasileira. (BRAGA, 1985, p. 4). O Schottisch (xote, xótis, etc.), segundo Braga

(1985), deve ter entrado no Brasil na década de 1850, sendo composto por compassos binário

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e quaternário de andamento mais lento e acompanhamento semelhante ao da Polca. Vinda da

Polônia, a Mazurca em compasso ternário com características de acentuação no segundo

tempo. A Quadrilha é dança alegre e movimentada composta por cinco movimentos: o 1.º em

2/4 ou 6/8, o 3.º em 6/8 e o restante em 2/4, segundo o Dicionário de Música, de Tomás Borba

e Fernando Lopes Graça. O Tango Brasileiro é o resultado da confluência entre Lundu, Polca

e Habanera, sendo fixado pelo pianista Ernesto Nazareth no panorama musical e cultural

brasileiro. O Tango Brasileiro desapareceu na década de 1930. O Maxixe, ao que tudo indica,

tem como componentes básicos a Polca e o Lundu. O Choro, considerado de origem carioca,

vincula-se diretamente à Polca por volta de 1870, significando desde o seu início como uma

“forma de execução” ou forma peculiar com que os conjuntos formados a base de violão,

cavaquinho, flauta ou outros solistas e instrumentos rítmicos executavam o repertório de

gêneros e ritmos mencionados anteriormente.

Atualmente, a Roda de Choro agrega em seu repertório numerosos gêneros e ritmos,

significando um estado psicológico entranhado no espírito do brasileiro. (BRAGA, 1985).

Segundo Braga (1985, p. 7), podem-se executar uma Polca, um Tango, um Jongo de Lourenzo

Fernandes, a Lenda do Caboclo de Villa-Lobos, as Danças Búlgaras de Bartok, um Tango de

Piazzola ou um Samba de Cartola: o resultado é a impressão psicológica que marca essa “forma

de execução”. O choro respira novos tempos. Tempos de diversificação de formatos e

variedades de timbres, permitindo uma maior riqueza harmônica. (DINIZ, 2003, p. 58).

Muitos outros gêneros musicais se agregam ao repertório da Roda de Choro, como, por

exemplo: o Samba (considerando que o regional de choro faz parte dos principais registros

fonográficos do gênero); o Frevo que, desde Luperce Miranda, Jacob do Bandolim e Rossini

Ferreira, ultrapassa gerações (o regional de choro faz parte das grandes orquestras de pau e

cordas dos Blocos Líricos do Carnaval de Pernambuco, as quais praticam o Frevo de Bloco);

a Música Nordestina do Baião (Luiz Gonzaga a Dominguinhos); o Xote (Triunfando, de

Marco César e João Lyra, está editada no álbum de choro de Almir Chediak, 2007, vol. III); a

Ciranda, a Toada, a Embolada, o Coco e tantos outros que possam ser agregados por meio

das melodias cifradas. Não podemos esquecer que, em alguns casos, as composições podem ser

construídas com a fusão de gêneros musicais que se agregam ao Choro. Alguns padrões de Jazz

(melodias cifradas) e Rock (Beatles gravados por Izaías do Bandolim e Henrique Cazes); temas

de Música Clássica gravados por Altamiro Carrilho em ritmo de Choro) e Csárdás, de Vittorio

Monti (1868-1922), tocados em gravações caseiras por Jacob do Bandolim nos saraus em sua

residência.

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O violonista Fernando César, indagado sobre a importância que ele atribui à Roda de

Choro para a formação do violonista acompanhador, declarou:

A maior contribuição é tocar em conjunto. Sair do ambiente de estudo, de estar estudando sozinho com a partitura ou com a gravação, e fazer a música orgânica, que é diferente. Totalmente diferente de tocar sozinho ou tocar com a gravação. Aprender a respirar junto com os solistas e com os outros acompanhadores. No meu ponto de vista, essa é a principal contribuição da Roda de Choro. A outra seria o desenvolvimento de repertório, principalmente se for a Roda de Choro constante que acontece semanalmente, e que o acompanhador possa ter a oportunidade de um dia ter uma música desconhecida e, mesmo que se perder em alguns momentos, mapear essa música e estudar e, na próxima semana, se redimir. Então, eu acho que a formação de repertório também é muito importante. (CÉSAR, 2019).

O bandolinista Hamilton de Holanda relata que procurou intuitivamente propiciar a

vivência experimental da Roda de Choro ao preparar os seus discípulos nos moldes tradicionais

de assimilação, executando em sala de aula as melodias consagradas ao bandolim, para que os

alunos o acompanhassem identificando, em tempo real, a harmonia ao desenvolver a percepção

como um todo e a ampliação do repertório. (HOLANDA, 2019). A formação de um

repertório, segundo Prata (2019), se dá na Roda de Choro pelo encontro de uma imensa

amostra de solistas de sopro, cordas, teclado, vocais e instrumentos não tradicionais, como é o

caso da cítara e da gaita.

4.6 Memorização

Aspectos relativos à memorização podem ser observados e preestabelecidos para a

performance do músico, de contribuições relevantes para uma boa fluência da participação na

Roda. É imprescindível para o solista ou acompanhador o conhecimento da forma musical

(composição do choro) constituída pela seguinte sequência de partes: A, B ou C, com 16

compassos tradicionalmente. É interessante, na performance desse gênero musical, definir com

os companheiros de grupo, antes de iniciar a execução, o roteiro das repetições das partes que

normalmente se apresentam na seguinte ordem: introdução (quando houver), como forma de

começar ou anunciar um tema musical, AA, BB, A, CC, A e coda final que se apresenta com

números variados de compassos.

O conhecimento da forma musical serve de orientação para uma adequada aplicação das

nuanças características da linguagem dos instrumentos na performance do choro, até mesmo

para aqueles que tocam com a leitura da partitura. O músico deve estar sempre atento às

ocorrências desses detalhes que podem fazer parte tradicionalmente da composição ou surgir

inesperadamente na performance de um músico que, em tempo real, queira expressar-

-se de outra maneira que não seja da forma habitual.

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As convenções para a aplicação da forma e dos detalhes de interpretação na performence

do choro podem ser predefinidas e memorizadas nos ensaios ou transmitidas oralmente no ato

da execução.

Podemos apontar alguns aspectos frequentes convencionais para memorização e de

fundamental importância para a performance do Choro: dinâmica (momento expressivo da

execução); agógica (modificação passageira do andamento, seja por aceleração, retardamento

ou simples interrupção. É o conjunto de pequenas flutuações do andamento durante a execução

de uma obra musical, permitindo certa liberdade de expressão e interpretação); articulação

(execução clara do fraseado, interpretação desligada das notas de uma peça instrumental);

fermata (sinal de paragem); ornamentação (inserção de uma ou mais notas decorativas numa

melodia principal); respiração (momento exato de inspirar e expirar, auxiliando na

interpretação de frases); levadas rítmicas (mudanças de articulações específicas); tonalidades

(mudanças de centro tonal); rubato (liberdade expressiva do solista ao executar uma obra sem

alterar o andamento do acompanhamento); improvisação (liberdade de criar melodias tendo

como base a forma e a harmonia); cadências melódicas (“uma condensação de temas principais

e fragmentos da obra, onde o virtuose poderá ter ensejo de mostrar suas brilhantes qualidades

técnicas e interpretativas.”). (PRIOLLI, 1996, p. 105).

A memorização do repertório consagrado está diretamente ligada à performance

perceptivo-auditiva, que consiste em identificar os padrões harmônicos e melódicos trabalhados

anteriormente “em casa”, que se repetem nas composições.

Memorizar as sequências harmônicas da linguagem tonal facilita a fluência na execução

do acompanhador e na execução de certas melodias por parte do solista, que são compostas por

notas dos acordes e notas das próprias escalas desses acordes. É importante salientar que é

necessário ao músico o estudo individual por repetição para a memorização do repertório

consagrado, assim como a busca pelo convívio prático e diário do executante nesse meio

musical, favorecendo a qualificação e a rápida inserção do aspirante na prática desse repertório.

Segundo Hamilton de Holanda (2019), a memorização por repetição proporciona a

familiarização e a automatização do movimento dos dedos, habituando também o ouvido a

reconhecer rapidamente alguns dos padrões já explorados anteriormente, desenvolvendo,

assim, certa habilidade. Na Roda de Choro, a memorização está diretamente ligada à

performance interpretativa mais expressiva, com a possibilidade de diálogos musicais mais

relevantes entre os participantes.

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Nos instrumentos de cordas dedilhadas, podem-se citar a memorização dos dedilhados

das escalas para o solista e as montagens das posições dos acordes nos braços dos instrumentos

harmônicos.

Percebe-se que há uma dificuldade na prática de uma interpretação fluente para aqueles

músicos que têm dificuldade para memorizar e que alegam falta de tempo e têm o hábito de só

tocar com a leitura de uma partitura à sua frente.

Sobre a memorização das sequências harmônicas para a formação do músico, assim se

expressa Sérgio Prata:

Quanto à importância do estudo da memorização de harmonias, eu aqui vou citar o Jacob. Jacob dizia que o chorão tinha de saber ler, tinha de estudar mais para poder não ficar preso à partitura, ou seja, é uma coisa dialética, mas, quanto mais você estuda uma partitura, uma harmonia, mais livre você fica para não depender do papel. Eu falo isso porque, assim, ninguém em sã consciência vai levar o caderno de harmonias para uma Roda de Choro. Pelo menos, para uma roda de choro de bom nível. Você não chega lá com um caderno de harmonia dizendo para a Roda: “— 'Pera aí, deixa procurar aqui qual é essa harmonia!” A memorização de harmonias tem isto: você está pronto, e aí, quando você começa a memorizar algumas harmonias, identifica passagens de outros choros também. Então, é uma coisa que se vai multiplicando. E o choro tem, assim, umas identidades, umas bases harmônicas que são comuns à maioria dos choros. (PRATA, 2019).

Paz (1997), em sua pesquisa sobre Jacob do Bandolim, evidencia a personalidade forte

do intérprete ao exigir dos companheiros do conjunto Época de Ouro a perfeição e a atenção

para evitar os erros e a desobediência às convenções preestabelecidas nos ensaios por falta de

estudo. Os erros a que Jacob se referia eram de ordem harmônica, frases de baixo e sincronismo

rítmico por não memorizar e por não prestar atenção às formas musicais.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho hora concluído foi constituído de duas partes: a primeira, pela pesquisa aos

autores bibliográficos; e a segunda, pelas entrevistas com as opiniões dos professores e

performers renomados brasileiros. Os aspectos inerentes à Prática de Conjunto das Rodas de

Choro tradicionais podem contribuir, de forma direta e significativa, para a formação do músico

profissional. A transmissão oral é uma metodologia de ensino-aprendizagem invisível, segundo

Sandroni (2000), nesses ambientes informais e que pode contribuir também para as práticas de

conjunto acadêmicas por estabelecer um ambiente de troca de experiências, diálogos e

percepções audiovisuais. A música do universo do choro, composta por vários gêneros

musicais, fornece ao praticante uma gama enorme de conhecimento pela presença de diversos

solistas com repertórios e formas diferentes de se expressar. Os solistas e acompanhadores se

deparam com a amplitude musical nesses ambientes com a visão de 360 graus comentada pelo

performer Hamilton de Holanda (2019), onde todos os elementos da música estão presentes.

Na performance interpretativa em tempo real, tem-se a possibilidade de exercitar as percepções

constituídas de muita expressividade e emoção. Nesta pesquisa, identificou-se um personagem

de uma prática importante e característica na Roda de Choro que é a do Instrumentista

Colaborador Solista. Muitos músicos solistas praticam auxiliando, ajudando e ampliando o

repertório dos acompanhadores, invertendo a sua função precípua e passando a ser o solista que

acompanha o acompanhador. A improvisação na roda de choro não é constituída por uma

transformação total da melodia original. Ela evidencia muita mais a expressividade do que

propriamente o improviso pelo improviso, para não se perder o fio melódico condutor original.

Os antigos mestres do choro recomendam que o improviso seja permitido desde que apresente

inicialmente, ou na primeira vez, as melodias originais. É necessário refletir com relação ao

trabalho de transcrição pelo degravador e pelo transcritor, trabalho esse que auxilia na

perpetuação do repertório, auxilia na constatação visual, na partitura, da definição da forma

musical por meio do número de compassos, além de fazer o músico exercitar a percepção como

um todo. A expressividade, a memorização e a emoção são as características principais dos

choristas que, na sua plenitude da ação, buscam atingir o coração dos ouvintes com a mais pura

linguagem da alma brasileira: o Choro.

Conclui-se, então, que as contribuições que as Rodas de Choro fornecem para a

formação do músico são bem significativas, podendo-se destacar: a própria prática de conjunto,

que é a grande finalidade da busca por esse ambiente; a prática direta da transmissão oral; as

performances interpretativa, perceptivo-auditiva e visual; a interação entre os artistas e seu

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público; a ampliação do repertório consagrado, por intermédio da memorização; e a emoção ao

sentir as nuanças de timbres e sonoridades harmônico-melódicas dos instrumentos musicais em

vibração.

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APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DE MÚSICA

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro, e o

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

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APÊNDICE B

ENTREVISTA COM O MÚSICO JOÃO PAULO ALBERTIM

EM 24.09.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A roda de choro contribuiu na minha formação em vários aspectos, entre os

quais: (i) o desenvolvimento e o conhecimento de um novo repertório, que toco de forma

mais livre, sem depender de uma partitura; (ii) a convivência, o aprendizado e o respeito

com outros músicos; (iii) o desenvolvimento da minha percepção, ao tocar um choro sem

nunca tê-lo escutado, ao conhecer as sequências harmônicas utilizadas no gênero, foi

possível graças à prática de conjunto, executando músicas em várias tonalidades; (iv) noção

de dinâmica ao tocar ouvindo a interpretação dos companheiros na roda. Todas essas

contribuições que a roda proporciona ao acompanhador o ajudam em sua prática

profissional: por exemplo, ao acompanhar um cantor ou algum instrumentista, ele pode

utilizar esses elementos aprendidos na roda de forma bem natural.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Ao interpretar um choro, ou outra música, utilizo elementos adquiridos ao ouvir

e reproduzir de forma imitativa no meu cavaquinho as interpretações dos músicos que tenho

como referência. Penso que o músico tem de agir como uma "esponja", ou seja, deve tentar

absorver o máximo possível com sua percepção, misturar e criar sua identidade ao tocar. O

cavaquinhista, ao acompanhar um instrumentista ou cantor(a), deve utilizar as palhetadas e

nuanças de acompanhamento aprendidas e desenvolvidas nesse processo de percepção

instrumental.

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3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: As gravações consagradas são verdadeiras escolas para o músico acompanhador.

Muitas vezes, as partituras vêm escritas de forma mais simples, sem os detalhes de

interpretação feitos pelos músicos durante a gravação. Quando é feita de forma fiel ao que

foi tocado, a transcrição traz um enriquecimento ao aprendizado. Cada música que

transcrevo me traz algo novo, alguns detalhes que irão fazer a diferença na minha próxima

interpretação.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: O estudo das sequências harmônicas vai auxiliar o acompanhador a desenvolver

um leque de possibilidades e caminhos a serem utilizados no acompanhamento e na sua

criação. É importante, além de estudar o acompanhamento, desenvolver a sequência

harmônica aliada ao uso do encadeamento dos acordes com condução de vozes. Isso vai

proporcionar outras sonoridades à sequência escolhida.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Acho superimportante a atuação do correpetidor solista. Muitos

acompanhadores, ao tocarem, acabam não exercendo essa função, porque tocam sem prestar

atenção e sem escutar as nuanças do solista, colocando-o numa situação inconfortável ao

interpretar, porque ele acaba acompanhando quem deveria acompanhá-lo. O correpetidor

solista vai ajudar no desenvolvimento desse acompanhador, ensinando-o a ouvir o solista e

a perceber todos os detalhes para que o acompanhamento funcione de forma correta.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

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O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: A improvisação no choro e no samba dá a liberdade de expressar as várias

linguagens e estilos, utilizando harmonias, melodias e divisões rítmicas variadas que me

permitem criar frases de forma espontânea. Geralmente, utilizo, como prática, a

apresentação do tema de forma clara e original para, posteriormente, nas repetições,

desenvolver com plena liberdade.

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APÊNDICE C

ENTREVISTA COM O MÚSICO LUIZ OTÁVIO BRAGA

EM 12.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A eficiência da roda de choro é uma questão de necessidade: a necessidade que

se tem de fazer música em conjunto independentemente de estilo e de gênero. As escolas

de música que ensinam a música de choro, hoje — e que não havia há 40 anos —, não

podem prescindir de uma segura prática de conjunto, a qual deve ser a menina dos olhos do

projeto de ensino. Os músicos que, no passado, se formaram na roda de choro procuravam-

na porque sentiam essa necessidade inelutável. Era a chance de fazer prática de choro; se

não as tinham, recorriam às gravações.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Como nem todos podiam frequentar a roda ou elas se tornavam cada vez mais

infrequentes e fechadas, o recurso era “tirar de ouvido” (violonistas, cavaquinhistas, solistas

mesmo, embora estes normalmente dispusessem de partituras) e acompanhar “com o disco”.

E esse método, notoriamente esplêndido para a percepção melódica, harmônica e rítmica,

tornou-se a ferramenta; valiosíssima, preparatória; dando ao interessado no exercício de

prática ulterior, as condições para tal. Toda uma geração de violonistas e cavaquinhistas ali,

na alvorada dos anos 1970, aperfeiçoou as suas habilidades com esse expediente; um

recurso que, em 35 anos de magistério, sempre exigi dos meus alunos de violão,

notadamente os que me procuravam para aulas de violão de seis, violão de sete cordas, com

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ênfase na música de choro e de samba tradicional. Essa ferramenta, por assim dizer,

“caseira”, perdeu um pouco da sua pujança em face da farta oferta de cadernos de melodias

cifradas, songbooks, vídeos de internet que, desafortunadamente, afastam os estudantes

desse exercício, repito, fundamental. Na UNIRIO, no bacharelado em música popular, há

disciplinas que operam nesse sentido, impondo esse exercício como tarefa para a obtenção

dos créditos de formação. Nas minhas práticas, percebi que esse processo é uma maneira

bastante acelerada de obter resultados objetivos relativos à percepção harmônica e

melódica, notadamente.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar, numa partitura, a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: Naqueles tempos, em regra, não se faziam transcrições. Falo de violonistas e

cavaquinhistas, principalmente. Era raro encontrar violonistas e cavaquinhistas com sólida

leitura de partituras. Normalmente, liam bem o cifrado e nada mais. As exceções confirmam

a regra. Neco (Daudeth Azevedo), nos anos 1970, era o violonista e guitarrista que (mais)

gravava quando as partes eram escritas para além de cifras. Não nos esqueçamos de que não

foram membros de um “regional” que gravaram a Suíte Retratos , de Gnattali. Neco e Waltel

Branco foram os violonistas, e José Menezes, o cavaquinhista. O trabalho era transcrito

diretamente para o instrumento: não era registrado. Motivos óbvios. No entanto, considero

indispensável que as transcrições sejam registradas, de fato. Hoje, todos os músicos

populares, de modo geral, leem, de sorte que transcrições dadas a ler pelos estudantes, como

fiz no meu “Violão de 7 Cordas: Teoria e Prática”; como Mário Sève fez com o seu

dicionário de frase de choro; e outros trabalhos. Tudo isso serve como elemento de alto

valor para uma aprendizagem mais rápida e objetiva, já que vivemos num mundo onde a

velocidade é tudo. Penso que se pode aprender de várias maneiras; e qualquer coisa.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

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Resposta: A “transcrição consagrada”, em última análise, significa dispor ao estudante, ao

músico, os “standards” dos estilos, seus elementos, notadamente os melódico-harmônicos,

o idiomatismo, seus autores notáveis, bem como municiá-lo com um repertório do qual ele

pode lançar mão a toda a hora e que lhe abrirá — via percepção — as competências para

tocar sem a mediação da partitura e, até mesmo em primeira mão, repertório que não

conhecia. Significa conhecer o estilo. Isso estilos já responde a próxima pergunta, porquanto

o conhecimento dos “standards” do choro dá ao estudante um quadro bastante abrangente

de idiomatismo, cadências típicas (melódicas, harmônicas, rítmicas), encadeamentos, giros

harmônicos e práticas modulatórias.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o cotrepetidor solista na prática do choro?

Resposta: Hoje os softwares editores de partitura musical dão condições para que se simule

uma orquestra inteira. Minha geração adoraria ter solistas à disposição. Eu, atualmente,

escrevo os arranjos que vou tocar como solista. Isto é, ensaio antes do “verdadeiro” ensaio.

Funciona, e muito! Não existe prática musical instrumental completa sem a prática de

conjuntos. A presença de um correpetidor solista (penso que é necessário problematizar, no

trabalho a ser feito, essa figura) colocará à disposição do acompanhador, no mínimo, um

duo. Quanto mais o correpetidor for um instrumentista conhecedor do estilo e dos seus

idiomatismos inerentes (isso é fundamental) melhor será para aquele que se inicia na arte

de acompanhar.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: É outro termo que, num trabalho de mestrado, carece de problematização e

conceituação. Sem entrar nesse mérito, posso dizer, no entanto, que sempre tive a impressão

de que o que se chamava “improviso” era, de fato, algo muito variável e variado — e, às

vezes, nem improviso era! — e que dependia exclusivamente das habilidades do

instrumentista, requerendo muito estudo. E percebia que — tendo os músicos de jazz ao

fundo — era diferente o que se fazia no jazz (e mesmo no rock) daquilo que diziam ser

improviso no choro. Pois sempre tomei como improviso as articulações da percussão e do

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cavaquinho — sempre diferentes, a cada exposição dos temas —, as intervenções da

baixaria dos violões, também surpreendentes fora das chamadas “obrigações”; acentos,

gradações dinâmicas e agógicas. Tudo isso estabelecendo movimento, naquele sentido

nobre da filosofia que diz que “só se entra num rio apenas uma única vez”. Da velha geração

com a qual trabalhei ou vi tocar (Abel Ferreira, Joel, Altamiro Carrilho, Paulo Sérgio

Santos, Altamiro Carrilho), incluídos violonistas como Dino, Walter Silva, Raphael

Rabello. Por meio deles, sempre tive para mim que o improviso na música de Choro

instrumental era de natureza eminentemente melódica. Esses músicos — e muitos outros —

eram hábeis melodistas, capazes de, sobre o mesmo tecido harmônico, elaborar, em tempo

real, outra melodia. A relação com o tema principal nunca era perdida. Tecnicamente: era

um conhecimento (não importa se teórico ou puramente intuitivo) que configurava as assim

denominadas técnicas de variação melódica, ou seja, o tema e a variação, bem do

Classicismo na música erudita. Hoje, as técnicas de improvisação são amplamente

conhecidas; há livros sobre elas; são ensinadas nas escolas e articuladas por muitos músicos,

o que tem aproximado como nunca, talvez, a música de Choro da música de Jazz. E como

o Brasil sempre foi um “cadinho” de bem-

-sucedidas “experiências” musicais, não negadas pela nossa história, espero que essa

“novidade” improvisatória dê bons frutos e que possa fazer muito bem à nossa música. Foi

assim com as polcas, a schottisch, a mazurca,...

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APÊNDICE D

ENTREVISTA COM O MÚSICO ROGÉRIO CAETANO

EM 18.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Na minha opinião, a Roda de Choro é o ambiente formador dos grandes músicos

brasileiros. Se a gente for analisar de uma forma geral, todos os grandes nomes tiveram sua

formação vinculada à Roda de Choro. Nomes como o próprio Baden Powell, Rafael Rabello

e várias outras pessoas de gerações futuras. Então, a Roda de Choro sempre foi a formadora

dos grandes músicos brasileiros, com certeza.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: A percepção musical é fundamental porque todo o mundo começa com esse

processo de imitação. Eu mesmo passei por esse processo com o Dino, a quem dediquei uns

15 anos da minha vida, e com Rafael Rabelo também. Enfim, o processo de imitação faz

parte do início de qualquer pessoa que quer tocar uma linguagem criativa dessas, como a

do choro e do samba. Para dominar com profundidade essa linguagem, tem de passar por

esse processo de imitar e depois criar sua própria forma de tocar, mas inicialmente você

deve ter uma referência, deve ter um padrão para você seguir. É de importância

fundamental.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

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Resposta: Eu acho que a transcrição pode ter um valor documental, de você colocar no

papel o que o músico criou numa gravação. Mas eu sou totalmente contra a transcrição

como forma de aprendizado. Nessas músicas, o Choro, o Samba, a minha parte

principalmente, como violonista de 7 cordas, é uma linguagem completamente improvisada,

de muita criatividade. Então, quando o músico faz uma gravação como essa, ela é um retrato

de um momento que ele fez ali, mas, se você pegar 10 gravações com o mesmo músico, que

tem grande qualidade, vai ver que ele fará 10 gravações diferentes. Então, o importante é a

pessoa aprender o processo criativo, primeiramente de ouvido e depois passar a ter uma

consciência harmônica do que ele está fazendo. Claro que você precisa de certo nível teórico

para ter ciência e consciência de algumas coisas que você vai fazer, mas, eu tenho certeza

de que ninguém aprende a linguagem do violão de sete cordas por meio de transcrição. Eu,

por exemplo, falando como um violonista de sete cordas. Ninguém aprende.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: Em primeiro lugar, que o violão de sete cordas é um instrumento de harmonia,

ele é um instrumento harmônico, um instrumento que pode ser solista, mas que tem uma

essência de instrumento acompanhador. Eu atualmente faço um trabalho como solista e

também como acompanhador. Hoje dou mais ênfase à parte como solista, mas já tive a

oportunidade de gravar e acompanhar muita gente. Então, as pessoas que vão fazer o

acompanhamento, quando você vai fazer uma baixaria ou vai fazer uma frase, você tem de

entender que existe uma ordem em que as coisas acontecem. A primeira é a harmonia. Se

você não tem a harmonia, você vai fazer uma frase ou um baixo em cima do quê? Então, o

baixo acontece em decorrência de uma harmonia. Por isso, é importante as pessoas terem

consciência da harmonia das músicas. Como você perguntou, saber as sequências básicas

harmônicas, enfim. É uma coisa que tem a ver com o repertório, que você pega com o tempo

de aprendizado, e você também passa a dar nomes aos bois, a entender o que acontece dentro

de uma harmonia. Existe uma ordem, você sabe a harmonia, faz a frase, e, com relação à

frase, você tem um terceiro elemento que eu considero muito importante que é a precisão.

As frases — nesse caso, no violão de sete cordas — funcionam, eu costumo dizer isso, como

se fosse um meio de campo de um time de futebol, você vai dar um passe, se você estiver

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solando, você vai dar um passe para você mesmo. Se estiver solando com outro instrumento

solista ou cantor, você vai dar o passe para o cantor fazer o gol, ou o solista.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Eu acho válido. Se tiver uma pessoa que possa tocar para outras acompanharem

será ótimo. Quem me dera se eu tivesse isso? Na minha época, o correpetidor era cada disco

que eu ouvia. Ouvia os discos tirava tudo, depois ia para a roda experimentar novas coisas,

errar e acertar.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Como eu já falei anteriormente, a linguagem do choro e do samba, no que diz

respeito ao contraponto, à parte de acompanhamento, é uma linguagem totalmente criativa.

Na realidade, a gente tem as melodias definidas que tem uma harmonia; em cima dessa

harmonia, o solista pode improvisar, o acompanhador pode improvisar. É o que eu digo,

essa é uma linguagem de muita criatividade e improvisação. Para você criar algo em cima

de alguma coisa, você tem de saber em cima do que você vai criar, harmonicamente falando,

e ter um conhecimento básico das inversões dos acordes. Há muita gente que quer tocar os

baixos, mas não sabe nem fazer a variação das inversões de um movimento simples como

G7–C. Como é que a pessoa vai criar alguma coisa se ele não sabe nem o básico? Então,

muitas vezes, eu acho que as pessoas começam a estudar de uma forma errada sem dar a

devida atenção a um assunto que, às vezes, é simples, porém não é raso, é uma simplicidade,

mas que tem muita profundidade. Então, para a pessoa poder improvisar, tem de ter muito

estofo, tem de conhecer as coisas básicas primeiramente para, depois, conhecer as coisas

mais substanciosas e, a partir de certa maturidade, realmente começar a improvisar e criar

alguma coisa com muita consciência, sabendo exatamente o que está fazendo.

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APÊNDICE E

ENTREVISTA COM O MÚSICO CAIO CÉZAR

EM 15.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A Roda de Choro proporciona ao violonista acompanhador o desenvolvimento

de várias habilidades, entre elas podemos destacar: a prática de conjunto em que se

exercitam dinâmicas; a função instrumental dentro da formação em questão; a percepção

musical; a prática contrapontística; timbragem; prática harmônica com as mais variadas

possibilidades, indo desde os clichês tradicionais às modulações.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: A percepção instrumental é fundamental para o desenvolvimento de qualquer

músico. Essa capacidade adquirida dá ao músico autonomia e entendimento do universo

musical, assim como acontece com a fala humana. Falamos e entendemos o que o outro

fala. Na música, é preciso que tenhamos destreza nessa comunicação, saber o que tocamos

e entender o que o outro toca. Esse domínio acelera e dá consistência a todo o processo

musical, seja do solista, do acompanhador, do arranjador ou do compositor.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

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Resposta: Principalmente a construção de repertório, de vocabulário e, posteriormente,

todo esse material assimilado, dominado e compreendido levará o músico acompanhador a

desenvolver sua própria linguagem musical, sua assinatura, sua identidade.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: Essas sequências denunciam, de certa forma, a identidade musical de cada

cultura, seja no choro, seja no flamenco, no blues, seja na obra do barroco, enfim. O domínio

desses elementos constitutivos de determinada cultura musical leva o músico a um

entendimento e intimidade do objeto em questão, propiciando uma execução mais a caráter,

com mais sabor, com mais tempero, enriquecendo, portanto, o resultado final da

apresentação musical.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Não me lembro de passar por essa experiência prática de correpetidor solista.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Já no samba, a improvisação, além de trazer um colorido especial à composição

em si, é movida também pelo espírito da dança, do ritmo, do requebrado, da malemolência

indissociável do momento: som, corpo e movimento. A questão rítmica passa a ter um papel

determinante dentro da criação melódica improvisada.

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APÊNDICE F

ENTREVISTA COM O MÚSICO FERNANDO CÉSAR

EM 06.05.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A maior contribuição é tocar em conjunto. Sair do ambiente de estudo, de estar

estudando sozinho com a partitura ou com a gravação, e fazer a música orgânica, que é

diferente. Totalmente diferente de tocar sozinho ou tocar com a gravação. Aprender a

respirar junto com os solistas e com os outros acompanhadores. No meu ponto de vista, essa

é a principal contribuição da Roda de Choro. A outra seria o desenvolvimento de repertório,

principalmente se for a Roda de Choro constante que acontece semanalmente, e que o

acompanhador possa ter a oportunidade de um dia ter uma música desconhecida e, mesmo

que se perder em alguns momentos, mapear essa música e estudar e, na próxima semana, se

redimir. Então, eu acho que a formação de repertório também é muito importante.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: A percepção instrumental — na verdade, é isso que você diz —, a repetição de

tocar junto com as gravações, de tirar as gravações tem uma importância fundamental. Há

vários choros que são executados nas rodas de acordo com as gravações de referência.

Então, para o acompanhador, é essencial saber tocar o choro como nas gravações de

referência, porque provavelmente ele vai chegar a uma Roda de Choro e o solista vai

aguardar o acompanhador acompanhá-lo daquela forma. Tocar o Ingênuo, fazer aqueles

baixos, vários choros que têm as baixarias de obrigação, é importante o acompanhador

saber. Isso é o princípio básico, de ter as gravações de referência na ponta dos dedos. Para

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realmente adquirir a linguagem depois, ele vai-se desenvolver com todas as outras

informações que ele tem, mas ele tem que saber fazer o que os grandes mestres fizeram. Se

ele não tem ciência do que os grandes mestres fizeram, ele não pode desenvolver-se a partir

do nada, de uma ideia que ele tenha. A referência precisa ser dos grandes mestres.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: Eu não sei se a pergunta se refere à situação em que o próprio músico

acompanhante é que vai transcrever o que ele tirou de ouvido ou se ele vai encontrar essa

transcrição pronta para ele? Se ele tem essa transcrição pronta para ele, ele está-se poupando

do trabalho de tirar a música de ouvido, o que pode ser bom para ele ganhar um tempo se

ele sabe ler, mas ele não vai desenvolver esse sentido, a percepção. Então, é uma coisa que

em mim gera uma dúvida. Agora, se é o próprio violonista que tirou a gravação e vai

escrever, eu acho que é uma coisa bem interessante porque ele vai bater o martelo nos

mesmo lugar ali, vai estar de alguma maneira repetindo o que ele tirou, vai memorizar de

uma outra maneira escrevendo. Eu acho que é um bom exercício.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: Quem toca de ouvido tem as sequências harmônicas já internalizadas pela

repetição, de tanto tocar. Quem está se enveredando nesse meio do acompanhamento e

precisa desenvolver, vai precisar estudar essas sequências, repetir. Cada caso é um caso,

mas pode ser que essa pessoa já esteja numa idade mais à frente e que não consiga participar

de tanta roda de Choro e de Samba, que é o lugar onde a gente costuma desenvolver isso.

Então, vai precisar fazer esses estudos em separado, em casa, no computador, tocando,

repetindo, professor colocando as sequências. Eu não costumo colocar muito, só o esqueleto

dela para o aluno, além de praticar a percepção, praticar o pensar, ter consciência do que ele

está tocando. Às vezes, é um pouquinho mais demorado mas já vai dando a consciência ao

aluno.

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5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: A importância é aquela que eu falei anteriormente, da questão de tocar junto.

Questão da Roda de Choro: o correpetidor faz o mesmo trabalho da Roda de Choro, ele vai

ajudar os acompanhadores tocando melodia e respirando junto, fazendo uma música mais

orgânica.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Eu acho que a improvisação no Choro e no Samba é a evolução do músico, é a

evolução do chorão, é a evolução do músico sambista. É trazer as informações adquiridas

para a música que ele faz. Eu acho que é uma coisa muito legal, muito importante, e que

contribui muito para o crescimento e o fortalecimento desses gêneros.

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APÊNDICE G

ENTREVISTA COM O MÚSICO HAMILTON DE HOLANDA

EM 17.04.2018

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Eu acho que a Roda de Choro dá uma visão de 360 graus para o músico. Em

geral, para o acompanhador também, ou seja, justamente por ser uma roda, você tem uma

visão completa da música. Então, o pandeiro está por perto, o bandolim ou outro

instrumento solista vai estar por perto, o cavaquinho também, e isso possibilita, vamos dizer

assim, uma “antena harmônica” mais precisa, que você fica sempre com os três elementos

básicos da música: a harmonia, a melodia e o rítmico estão sempre à mão, ali, na roda.

Então, isso facilita a antena, como eu falei, a antena harmônica, a capacidade de ter um

ouvido e saber onde está a música, em que acorde está, em que parte está. Eu acho que isso

a Roda de Choro dá de uma maneira, assim como quando a gente vê um piano, toca e vê a

harmonia; numa Roda de Choro, você vê a música. Eu acho que é isso, e, para o violonista

acompanhador, isso dá uma percepção que é tipo andar de bicicleta também: depois que

aprende, você não esquece nunca mais, porque aquilo vai aumentando o repertório, vai

aumentando o vocabulário, e essa capacidade também se expande porque você vai

conseguindo reconhecer mais sequências harmônicas, mais acordes, mais figuras rítmicas

também, lógico. A Roda de Choro é uma roda realmente, e a visão 360 graus aumenta a

capacidade do músico acompanhador de reconhecer os sons e reproduzi-los no seu

instrumento.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

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Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Eu acho que é fundamental. Na verdade, para mim, é a primeira maneira de se

aprender choro, e eu diria que música, em geral, é de ouvido, porque a música é som, e

quando você aprende uma música lendo é ótimo. Eu acho que é fundamental ler e faz parte

da linguagem universal a gente pode tocar em qualquer lugar, todo o mundo vai saber o que

é uma colcheia e o que é uma semicolcheia. Agora, é fundamental, para tocar, para ter uma

participação legal numa Roda de Choro ou o próprio estilo ou a característica do estilo, o

músico ter repertório decorado, por exemplo, e, para isso, a percepção instrumental é

fundamental. Você tirar as músicas de ouvido imitando as gravações, porque o que ficou

clássico foram as gravações, não foram as partituras. Se você pega as músicas muito antigas,

como não havia gravação, o que ficou para a história? Foi a partitura. O que ficou para

história do choro? Algumas partituras também, mas, em geral, são as gravações clássicas

do conjunto Época de Ouro. Por exemplo, eu citaria Vibrações nesse lugar aí especial.

Então, o Choro tem uma particularidade, e eu acho que, para o violonista, é fundamental, e

quanto mais música tirar através dessa percepção, mais capacidade ele vai ter de tocar, até

de primeira, uma música, por exemplo, porque você vai aprendendo ali os caminhos, e

aquilo vai se repetindo dentro do seu ouvido e da percepção auditiva, e quando você ouve

aquilo ali de novo o seu dedo automaticamente já vai pro lugar. Acho que é muito

importante — diria que é fundamental — esse tipo de aprendizagem de ouvido. Eu mesmo

comecei assim. Meu pai tirava o LP ali da caixinha, botava na vitrola e ia colocando a

agulha. Eu tirava a agulha, parava um pedaço a primeira parte. Terminava a primeira parte,

levantava a agulha e reiniciava. Então, comigo ali, com meu irmão em casa, acho que foi

ótimo para o meu aprendizado, foi muito bom. Até mesmo negócio de músico

acompanhador me faz lembrar também do meu pai com um amigo meu da universidade,

quando eu estudava na UnB. Ele falou com meu pai: “— Ô, seu Américo! Tudo bem, seu

Américo? Já me falaram que o senhor acompanha até música que o senhor não conhece,

assim de ouvido.” Aí meu pai respondeu “— Você é que pensa que eu não conheço!”

Brincou com ele, mas, na verdade, o que ele quis dizer? Quanto mais música você conhece,

mais capacidade você vai ter de tocar uma que você não conhece, porque os caminhos vão

ficando parecidos, e, no choro, já há uma tradição, já há uma estrutura que todo o mundo já

conhece e certas passagens harmônicas que já são clássicas também. Então, eu acho que é

fundamental a percepção instrumental.

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3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: Bom, eu acho que, em primeiro lugar; para ele é muito importante porque, a

partir do momento em que ele para o tempo dele, ouve a gravação e consegue tirar o que

está ali, mostra uma capacidade auditiva maravilhosa, e isso é uma coisa que se ganha com

o tempo. Então, chegar ao ponto de ouvir o acorde e já escrever de cara, isso aí é um nível

importante para o músico popular ter essa capacidade. E o músico acompanhador do Choro

também! E do lado da comunicação, vamos dizer assim, a partir do momento em que

escreve, ele está dando a oportunidade para outros também tocarem aquela transcrição.

Então, acho que acaba sendo uma contribuição também para a comunidade, para outros

músicos, para o Choro. Eu acho que é bom desses dois lados, tanto para ele aprender a

música, para ele desenvolver o ouvido e desenvolver a escrita quanto saber o que está

escrevendo e saber o que está tocando, as duas coisas são muito importantes. Outra coisa é

que ele está facilitando a vida de outras pessoas, ajudando o aprendizado de outros músicos.

Isso é muito bom também.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: É igual a aprender matemática. Aprenda regra de três, você vai saber fazer conta

sempre. Então, você aprende as sequências harmônicas e entende o movimento de atração

dos acordes, de resolução, de tensão, e tudo isso que as sequências têm. Eu acho que isso aí

você afina a inteligência e afina o ouvido. Então, é aquilo que eu falei na resposta anterior,

que o meu pai respondeu de uma maneira engraçada, mas que ali contém exatamente isto:

você estuda as sequências, depois você as reconhece nas músicas. Você domina uma

linguagem, você pode depois criar a partir do domínio dessa linguagem. Então, é a melhor

maneira de você estudar a linguagem. No caso da linguagem do Choro, é você pegar as

sequências harmônicas, por exemplo, das músicas do Pixinguinha, do Jacob, compará-las

com as do Nazareth, por exemplo. É aí que você vai ver que são parecidas com coisas da

música clássica, da música romântica do Chopin, da música barroca do Bach. Então, você

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vai reconhecendo e vai também entendendo que a música é generosa. A música é feita com

características regionais e de cada país, de cada lugar, mas tem regras universais, tem

caminhos que são universais, e quando você consegue reconhecer isso de ouvido e praticar

isso em tons diferentes, em compassos diferentes, faz em ritmo de choro, faz em ritmo de

valsa. Tudo isso lhe vai dando uma base para, na hora de tocar a música, você possa curtir

e passar só a emoção, porque, no fundo, a busca da música é a emoção. Então, a gente não

sabe explicar exatamente a emoção. A gente consegue estudar as músicas que já foram

feitas. A teoria da música nasceu depois da música; ela não nasceu antes da música. Então,

é importante saber disso, que a gente já conhece músicas de outras épocas e reconhece

também na nossa música. Importante isto também: o apaixonante é que você estuda as

sequências harmônicas, vai-se abrindo um universo cada vez maior.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Nunca pensei nisso, na verdade. Seria interessante. Ao mesmo tempo, se me

lembro bem, quando dava aula de bandolim em Brasília na escola de choro e na escola de

música e em umas aulas particulares, eu era uma espécie de correpetidor, porque fazia os

solos, enquanto os alunos de cavaquinho e alunos de violão iam fazendo a parte de harmonia

e de ritmo. Então, eu acho que é importante um correpetidor solista, e que ajuda muito, na

verdade. Eu acho interessante. Nunca tinha pensado, apesar de já ter praticado isso, mas

com essa expressão de correpetidor solista acho bem interessante. Precisa-se desenvolver

mais isso. Acho muito legal.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Eu penso que está evoluindo. A moçada está estudando aí, a galera jovem está

botando pra quebrar. Eu estou sempre procurando uma frase que eu não fiz. Essa é uma

máxima da minha interpretação, da minha maneira de tocar, a busca por alguma frase nova,

diferente, baseada na linguagem. É claro que hoje eu acho que, por gostar de muitos estilos

musicais e ouvir muitas músicas diferentes, o improviso que eu faço tem uma linguagem

misturada, mas, se eu estou tocando um Choro, eu tento, dentro desse choro, mostrar a

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música, mostrar a linguagem da música. Por mais que eu esteja criando alguma coisa

diferente, eu estou sempre querendo mostrar a música, porque a música, quando tocada só

a melodia com os acordes, já vai soar bonita. O Choro é a nossa música clássica, mas, ao

mesmo tempo, tem essa coisa da música popular de querer inventar alguma coisa. Música

popular tem isso. Então, eu acho que está evoluindo. Eu vejo muito a juventude aí se

arriscando em buscar uma linguagem de improvisação. Eu estou sempre buscando melhorar

principalmente o sotaque rítmico, reconhecer as outras culturas, reconhecer que, por

exemplo, o Jazz, o Choro são primos, como se fossem primos-irmãos, aqueles primos que

a gente tem na família da gente e que a gente considera irmãos. Então, há essa proximidade

com a parte de improvisação demais; então, os músicos de Jazz adoram Choro. Eu tenho

viajado muito pelo mundo e vejo como eles adoram o fraseado do choro. Então, eu acho

que, cada vez mais, o músico de choro tem de se aperfeiçoar na linguagem de improvisação

do choro, os músicos de samba também. O Samba tem também a parte do canto, que é muito

desenvolvida, na parte de improvisação que são os versos. Ah! Vamos versar hoje! É o

Partido Alto! É como o repente. É uma chuva, uma avalanche de palavras, de poesia, que é

um negócio impressionante. Então, isso eu vejo que está bem servido. A galera do Samba

sempre tem uns caras feras aí que estão puxando para esse lado também da parte com letra,

da parte cantada. É isso, acho que é por aí!

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APÊNDICE H

ENTREVISTA COM O MÚSICO NENÉU LIBERALQUINO

EM 16.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Eu destacaria duas contribuições relevantes: o violonista acompanhador aprende

na roda de choro tocando, vendo e ouvindo os outros tocarem, de forma objetiva e concreta,

pois há na Roda de Choro muita troca de informações; ademais, ele pode desenvolver sua

percepção pelo fato de ter de acompanhar choros novos, ou que ele desconhece, “de

ouvido”.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Na minha opinião, todo o músico, independentemente de ele ser um violonista

acompanhador, deveria vivenciar essa prática de percepção instrumental. Eu, como

violonista solo ou acompanhador, aprendi muito ouvindo gravações e reproduzindo-as pelo

processo de imitação.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: É incomensurável a importância da transcrição, pois, em geral, você jamais

esquece aquilo que transcreve, além de desenvolver a escrita musical e a assimilação da

linguagem em todos os seus aspectos: melódico, rítmico e harmônico.

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4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: Estudar as sequências harmônicas é importante, mas não é suficiente. Você não

pode apenas “decorar sequências harmônicas”, mas precisa entendê-las no contexto da

harmonia e saber qual a função de cada acorde nessa progressão harmônica, as escalas

aplicadas, etc.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Assim como na música erudita, em que o correpetidor é de fundamental

importância na preparação do repertório do solista, o correpetidor solista na preparação do

acompanhador na prática do choro torna-se essencial, mesmo com a existência hoje de

muitos “play along” de choro.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Quando se fala sobre improvisação musical, é impossível não se reportar à

linguagem do Jazz, que conseguiu o que se considerava improvável: Sistematizar o estudo

da improvisação, ou seja, torná-la uma habilidade que pode ser estudada e desenvolvida por

todos. Para um músico de Jazz, você não nasce improvisador, pois a improvisação é uma

linguagem. O próprio Nelson Faria, no seu livro A Arte da Improvisação, ratifica esse

pensamento: “Gostaria de lembrar que a improvisação é uma linguagem, e deve ser estudada

como tal…” Penso, portanto, que a improvisação, seja no Jazz, seja no Choro, seja no

Samba, é uma competência que se adquire e se desenvolve a partir de um estudo específico

e de uma prática direcionada, e que pode contribuir para o trabalho do instrumentista, do

compositor ou do arranjador.

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APÊNDICE I

ENTREVISTA COM O MÚSICO OLIVIER LOB

EM 03/05/2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Vou tentar responder com as palavras justas e claras, sobretudo sobre a música

que é uma coisa muito ligada a emoções. Isso faz parte talvez da Roda de Choro, pode ser

um dos pontos muito importantes na Roda de Choro. A emoção quando tocamos em

conjunto numa roda é completamente diferente da aprendizagem em casa, porque essa

emoção é uma interação com outras pessoas. Um momento social de tocar junto com outras

pessoas, descobrir pessoas que conhecemos, amigos, e conhecer personalidades, pessoas e

músicas novas. Esses encontros exigem uma atenção particular que existe na Roda de

Choro. A Roda deve ser ao vivo, e cada momento musical numa Roda de Choro é uma

surpresa. Então, quando tocamos, esperamos em todos os momentos o que vai acontecer no

próximo momento. É quase uma brincadeira (pegadinha), um jogo de expectativas e

surpresas em cada momento. Escutamos alguma coisa, satisfazemos essa expectativa, mas

queremos também surpreender em outro momento. A Roda de Choro é essa conversa, é

essa brincadeira muito séria, porque é o momento muito importante na música, para viver

a música. É o acompanhamento e sobre o acompanhamento. Para mim, dá outra dimensão.

A melodia é o coração da música; nós tocamos uma música por causa da melodia,

sobretudo, mas a melodia, sozinha, é como um sonho, falta ter essa dimensão. Temos essa

melodia no tempo e, pra mim, a harmonia e o acompanhamento completam a música. Então,

dá essa dimensão que faz de uma melodia um concerto ou uma orquestra. Já basta um violão

só para fazer de uma melodia só uma coisa inteira, a música viva.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

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Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Tocar com uma gravação e tocar como um músico são as aulas da música. Já

temos o privilégio de poder acompanhar, a todo o momento, Jacob do Bandolim e o

Pixinguinha, que infelizmente não estão mais com a gente nesta Terra, e podemos sentir a

música junto com eles. O sentimento da música pode ser encontrado tocando com

gravações. As gravações dão a linguagem, nós aprendemos como tocar as possibilidades

musicais, técnicas também. As gravações também trazem e formam o vocabulário do

instrumento, mas também fazem uma ligação entre todos os músicos porque elas

representam a base de todos os músicos. As gravações consagradas são conhecidas de todos

os músicos e, como resultado, fazemos parte de uma grande família. Podemos viajar para

qualquer lugar com esse conhecimento de linguagem de um disco, de uma referência que

podemos tocar, mostrar, fazer ouvir e ligarmos com esses músicos de fora que nunca

encontramos antes e termos essa base juntos. É uma amizade ou família. Eu gosto de pensar

em família. A raiz da música que queremos tocar.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: A transcrição permite que se faça uma análise mais exata, mais analítica da

música. Com a subdivisão em compassos na transcrição podemos ver repetições, podemos

comparar mais facilmente com a notação musical os elementos tocados. Podemos fazer um

resumo de técnica, de vocabulário, de expressões e de todos os elementos musicais de um

músico. Então, eu acho muito importante fazer esse trabalho de passar pela transcrição da

música, fazer o máximo para avançar, para estudar o instrumento.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: O estudo significa liberdade. Liberdade quer dizer poder escolher, a qualquer

momento, o acompanhamento, o momento musical que vivemos. Liberdade quer dizer que

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há várias opções para acompanhar. Porque isso é necessário para responder à proposta

musical do solista, da situação musical que pode, numa música só, em diversas variedades.

Um solista pode escolher tocar mais rápido, mais lento, fazendo ornamentações, mudar de

tom, e essa liberdade dá ao acompanhador a possibilidade de responder e ficar juntos, como

é a expressão musical do solista. É inevitável e é também o caminho para aprender de um

jeito eficiente, entender os caminhos. Dá a possibilidade de mudar de tom e de não estar

obrigado com cada música de aprender harmonia por harmonia, mas entender os caminhos

da harmonia porque a harmonia segue a melodia, é uma unidade a melodia e a harmonia

juntas. Seguir essa harmonia, entender o que está acontecendo vem com o estudo das

harmonias em todos os tons. E também cada tom dá outra cor. Podemos escolher tocar uma

música com um semitom mais alto ou semitom mais baixo, e já vai mudar a ambiência e o

timbre da música. Isso pode fazer parte da expressão musical porque criamos a peça mais

alegre ou mais escura, mais misteriosa. É legal mudar de tom talvez, e os caminhos

harmônicos ficam os mesmos, mas transpostos no tom novo.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Eu acho que essa é outra boa ideia. Infelizmente, não tínhamos essa possibilidade

ou essa ocasião. Para preparar uma música, para entender essa extensão de dimensão da

música, é obrigatório ter esse lado harmônico-rítmico da música. O ritmo também existe no

acompanhamento da música, não é só harmonia. A rítmica e a harmonia respondem à

melodia. Aprender a música com esses elementos já vai mudar a interpretação da melodia.

O Choro é um gênero musical cem por cento interativo. É uma conversa: a melodia pergunta

e tem uma resposta dos outros instrumentos, tem mais uma pergunta e no estudo e isso pode

ajudar e vai mudar o conceito musical acho que na aprendizagem do Choro. A

aprendizagem, como muita gente fala, se faz na Roda de Choro. Se quisermos sair da Roda

de Choro, temos de ter o ambiente de estudo perto da Roda de Choro, interativo, intuitivo,

aberto, com improvisações. Isso não pode ser um monólogo. As gravações e as mídias

eletrônicas não são interativas, ficam fixas. O que o correpetidor solista pode fazer é mudar

a situação completamente, e estamos mais perto do espírito, da ideia do choro, da conversa,

eu acredito.

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6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Sempre falamos que, no Choro, a interpretação da melodia é o elemento mais

importante. Pesquisando o Choro, aprendendo literatura, eu descobri — acho que já no

primeiro livro sobre o Choro, do Animal Alexandre Gonçalves Pinto — que ele já fala sobre

a improvisação, a interação entre o solista e o acompanhador. Uma brincadeira: eu estou

imaginando os músicos nessa época animando as festas, e nós sabemos tudo quando o

público não é muito atento, não é um show, é um jeito de os músicos se divertirem, de

utilizarem elementos musicais para fazer brincadeiras. Ele escreveu que os solistas

improvisam harmonias novas, escolhem caminhos diferentes do que na partitura, e os

acompanhadores, que acompanhavam somente de ouvido, seguindo a melodia, treinavam

em achar a harmonia no momento e seguir esse caminho. Então, eu acho que isso faz parte,

desde o início até hoje, do gênero do Choro. Essa liberdade sempre ficando na música,

improvisando, voltando ao tema, mas a improvisação, o Choro e o Samba são músicas

abertas. Improvisação é essa abertura, essa liberdade de escolher outro momento.

Finalmente, é uma coisa de gosto, de equilíbrio, de ficar com a melodia, de não somente

utilizar, como muitas vezes no Jazz, somente a harmonia para fazer um solo que não tem

nada a ver com a melodia inicial. Ficamos sempre com a ideia da melodia como timbre da

música, mas isso é improvisação pra mim. A improvisação do jeito dos chorões.

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APÊNDICE J

ENTREVISTA COM O MÚSICO ALEXANDRE MILTON PRAZERES DA COSTA

EM 10.10.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Há mais de 100 anos, as rodas de choro vêm forjando os melhores músicos da

nossa MPB. Trata-se de um espaço inteiramente democrático, em que todos são iguais. Não

raras vezes, um músico que não sabe sequer ler uma cifra, tampouco uma partitura,

apresenta uma desenvoltura superior aos detentores dos diplomas de cursos superiores. Por

isso, dizemos que a roda de choro iguala todo o mundo. Especificamente sobre o violão, foi

nesse espaço que vimos surgir o que hoje denominamos de Violão Brasileiro, donde

surgiram nomes que ultrapassaram a nossa fronteira e, por que não dizer, mudaram a história

do violão mundial, como, por exemplo, João Pernambuco, Canhoto da Paraíba, Jayme

Florence (Meira), Raphael Rabello, Yamandu Costa, entre tantos outros grandes nomes. E,

mais especificamente ainda, sobre o violonista acompanhador, sempre foi na roda de choro

que brotaram verdadeiros gênios, como, por exemplo, o nosso ídolo maior Horondino Silva,

o Dino 7 Cordas. O próprio Raphael Rabello também foi um grande acompanhador. E, para

puxar a sardinha para a nossa brasa, ou seja, para o estado de Pernambuco, podemos citar

nomes como Tozinho, Tonhé, Meira, João Lyra, Bozó, entre tantos outros. Fica até injusto

não lembrar de todo o mundo que merece ser citado!

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

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Resposta: Sem sombra de dúvidas, a roda de choro contribui como um dos mais exigentes

exercícios para o desenvolvimento da percepção musical, em que os acompanhadores

precisam muitas vezes tirar “de ouvido”, “em cima da bucha”, as mais complexas

harmonias, em qualquer tonalidade. Não pode existir exercício mais exigente do que esse.

É costume dizermos, brincando, que o bom acompanhador é aquele que erra junto com o

solista. Por exemplo, se o solista repete a primeira parte da música, quando deveria ir para

a segunda, é necessário que o acompanhador o siga, para onde ele for. Isso só é possível

com um nível de percepção altíssimo. E a roda de choro sempre foi o local que mais

favoreceu o desenvolvimento dessa percepção.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: Sem a transcrição, muita coisa já se teria perdido. Devemos a nomes como Jacob

do Bandolim, por exemplo, boa parte do conhecimento que temos hoje sobre a obra de

Ernesto Nazareth, razão por que podemos dizer que, se não fosse Jacob, não conheceríamos

Nazareth. Toda a obra de Luperce Miranda precisou ser transcrita, pois ele não sabia ler

partitura. Da mesma forma, Canhoto da Paraíba. Para nós, chorões, faz parte do aprendizado

seguir os passos dos gigantes. Não há nenhum grande acompanhador de 7 Cordas neste país

que não tenha estudado as baixarias do Dino, seja a partir de transcrições já prontas, seja

escrevendo, ele mesmo, tudo o que o grande mestre nos deixou, a partir das gravações, o

que é um aprendizado maravilhoso.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: A base da nossa música popular é tonal. Não há como escaparmos disso. E,

dentro dessa perspectiva, uma infinidade de músicas possui uma harmonia semelhante. São

caminhos que são traçados, daí porque é comum dizermos para um bom acompanhador,

que nem sequer conhece a música que vai acompanhar, que a harmonia é “caminho de

casa”. Ou seja, contém os acordes mais utilizados para a harmonia da música popular, como

a cadência 2-5-1 (segundo e quinto graus, para chegar ao primeiro), ciclo de quintas, etc.

Porém, não raras vezes, também acontece, aqui e acolá, alguma surpresa, um acorde

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inesperado, um empréstimo modal, uma dominante que não resolve, etc. É o estudo prévio

e sistematizado das sequências harmônicas que vai munir o músico do arsenal necessário

para prontamente reconhecer a situação e reagir a ela, corroborando, dessa forma, para

minimizar os erros.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: De grande valia, sem dúvidas. É preciso ensaiar muito para que um trabalho

alcance seu propósito.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Particularmente, tenho uma visão um pouco mais estreita e tradicionalista acerca

do improviso no choro e no samba. Penso que, no choro tradicional, o improviso deve ser

colocado com todo o pudor e cautela, de modo que não prejudique a melodia criada pelo

próprio compositor. Daí porque, quando toco a primeira vez qualquer choro, parte por parte,

dentro da forma rondó que lhe é peculiar, procuro seguir fielmente a melodia escrita pelo

compositor, e só improvisar na segunda vez, ou quando ocorre o momento próprio para isso.

Existem várias anedotas informando que Luperce, ou Pixinguinha, ou Jacob (depende de

quem conta a anedota!) teria visto alguém tocar um choro da sua autoria e perguntado “de

quem é esse choro?”. E dito em seguida: “— Eu não o fiz com parceria. Por favor, toque da

forma que eu escrevi. Ele já é bonito assim!” É necessário lembrar também que o improviso

no choro difere substancialmente do improviso no jazz, por exemplo. Basicamente, no jazz,

temos um tema pequeno e um improviso grande, livre. No choro, temos uma melodia grande

e um improviso menor, mais circunstancial e contrapontístico. Também gosto quando o

improviso é colocado de forma melódica, sem uma profusão descontrolada de notas sem

sentido. Se pegarmos a fase áurea do Época de Ouro, vemos que Dino construía

praticamente um outro choro na linha do baixo, parecia outra música, um outro choro tão

belo quanto o tocado por Jacob. No samba, temos perto de nós o grande Jorge Simas, gênio,

responsável por um

sem-número de gravações originais.

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APÊNDICE K

ENTREVISTA COM O MÚSICO ALESSANDRO PENEZZI

EM 15.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A importância da roda de choro na minha formação, como violonista

acompanhador, foi total. Minhas primeiras experiências com esse grupamento musical

foram desde os 9 anos de idade, e como não havia partituras nem cifras paras as músicas

tocadas, eu tinha de desvendar rapidamente os caminhos harmônicos de cada tema.

Gradualmente, esse procedimento acabou desenvolvendo minha percepção musical, meu

ouvido, minha memória, além da percepção visual (quando tentava imitar os acordes que

outros violonistas iam montando). Com o passar do tempo, eu ia cometendo menos erros

do que no início do processo.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Penso que essa percepção é fundamental para a formação de um bom músico

acompanhador.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: É o complemento de saber executar seu instrumento. Ao transcrever, ele

automaticamente está praticando sua leitura também, e isso lhe renderá um melhor

desempenho em shows e gravações. Além do mais, ele passa a poder eternizar suas

composições e de outros.

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4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: O acompanhante que tem um bom acervo de sequências harmônicas em sua

memória auditiva é capaz de reconhecer quase que instantaneamente os acordes de uma

música. E isso o coloca à frente de seus pares que não dispõem de tal habilidade.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Acredito que a função do correpetidor solista seja muito proveitosa para os

praticantes de choro e samba. Seu papel é imprescindível quando não há partituras ou cifras

para a música que se quer praticar.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Trata-se de uma prática que me agrada grandemente. Nas minhas composições

e gravações, sempre há lugar para a improvisação.

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APÊNDICE L

ENTREVISTA COM O MÚSICO SÉRGIO PRATA

EM 17.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Eu estou pressupondo que seriam violonistas acompanhadores recém-chegados

à Roda de Choro, apresentados com pouca experiência ainda. Eu vejo como uma

importância. São vários aspectos: um deles, acho, é a formação de um repertório.

Principalmente o repertório não consagrado que você só ouve na Roda de Choro, e ali o

violonista vai ter contato com uma amostra imensa de solistas de sopro, cordas, teclados,

bem como essa formação de repertório. Uma coisa que foi muito importante — e eu convivi

muito com isso na minha época — é que existiam poucos solistas, alguns de choros. Tinha

pouquíssima coisa, o conhecimento das harmonias por aquele método que a gente chama

do Código dos Olhares. Você ficava olhando para o braço do violonista mais antigo da roda,

na dúvida da harmonia, e dali você resolvia. Então, é importante isto: sempre saber quem é

o âncora ali da roda para você poder recorrer a ele. Eu acho que é importante também,

porque o músico violonista passa a entender a lógica das sequências de baixos, pelo menos

no violão. Isso é importante no choro. E acho que um dos pontos principais é a educação

do ouvido. Quando passa a educar o ouvido, ele automatiza as determinadas passagens

harmônicas, que ele pode até repetir em outros choros.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: Eu acho que há vários aspectos. Um aspecto importante — acho que isso era

mais importante até alguns anos atrás, algumas décadas atrás — era você colocar o disco na

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vitrola e tocar com o disco. Você está criando, na verdade, uma roda de choro de que você

talvez não possa participar. Explicando melhor: o LP passa a ser a sua Roda de Choro, com

a vantagem de você perceber alguns detalhes técnicos. Geralmente, são os melhores

instrumentistas e acompanhadores que estão participando dos LPs na época, CDs, 78

rotações. Ali estava a nata. Então, você está tocando junto com eles como se estivesse

participando de uma roda junto com esses músicos renomados. A questão da dinâmica, que

é uma coisa mais difícil de você perceber numa Roda de Choro Tradicional, mas que, no

LP. faz parte do arranjo, então a questão da percepção da dinâmica é uma coisa que é, e foi,

fundamental nos últimos anos, que são os playbacks. Com os playbacks, você consegue

identificar melhor a linha do cavaquinho, a linha do violão, sem o solo chapado em cima

das gravações. Isso, naquele álbum tocando com Jacob, foi muito percebido. Por exemplo,

as frases do Carlinhos, que tocava violão de 6 cordas de aço, e geralmente os contrapontos

na região mais aguda do violão de aço, que ficava muito próxima da faixa de frequência do

bandolim. Então, no disco, como não havia ainda o sistema estéreo e tal, você chapava,

primeiro gravava o conjunto — era o que Jacob fazia — e depois colocava o bandolim por

cima, e geralmente o bandolim ia em cima da frequência que o Carlinhos tocava, e não

sabíamos que havia frases de contrapontos tão bonitas como quando a gente identificou e

recuperou os playbacks, os rolos. Aí apareceram frases do Carlinhos que não apareciam no

LP. Então, o playback também, hoje em dia, é um recurso muito utilizado. Permite você

identificar linhas de baixo, palhetadas mais fidedignas.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: Do ponto de vista do músico, ela permite um melhor entendimento das

sequências harmônicas tradicionais do choro. Acho que, com o amadurecimento que o

músico vai tendo, a partir daí ele pode criar novos caminhos harmônicos, mas isso está

muito ligado à questão da percepção pelo ouvido: você desenvolve o ouvido, identifica

acordes, linhas de baixo. Então, geralmente é feita a transcrição. Hoje em dia até existem

outros caminhos, muitas publicações de álbuns e tal, mas acho que isso aí ajuda a criar, a

desenvolver o ouvido do músico no momento em que ele transcreve uma gravação. Do

ponto de vista do gênero, gênero choro, eu quero citar uma coisa importante que foi o papel

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dos copistas, no final do século XIX e início do século XX. Chegamos a encontrar, certa

vez, 34 cadernos dentro do Arquivo do Jacob no Museu da Imagem e do Som. Estivemos

lá pelo Instituto Jacob do Bandolim, pesquisamos as partituras e, dentro de uma pasta, havia

34 cadernos contendo 1200 choros, a grande maioria desconhecida, que o Jacob reuniu junto

aos velhos chorões, e ali estava boa parte da memória do choro, ou, pelo menos, uma parte

pouco conhecida da memória do choro. Então, apesar de o item aqui falar de peças

consagradas, nas quais não se vai descobrir nada de novo em termos harmônicos, já são

consagradas e tal, mas é importante o desenvolvimento do ouvido, da percepção harmônica.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: Quanto à importância do estudo da memorização de harmonias, eu aqui vou citar

o Jacob. Jacob dizia que o chorão tinha de saber ler, tinha de estudar mais para poder não

ficar preso à partitura, ou seja, é uma coisa dialética, mas, quanto mais você estuda uma

partitura, uma harmonia, mais livre você fica para não depender do papel. Eu falo isso

porque, assim, ninguém em sã consciência vai levar o caderno de harmonias para uma Roda

de Choro. Pelo menos, para uma roda de choro de bom nível. Você não chega lá com um

caderno de harmonia dizendo para a Roda: “— 'Pera aí, deixa procurar aqui qual é essa

harmonia!” A memorização de harmonias tem isto: você está pronto, e aí, quando você

começa a memorizar algumas harmonias, identifica passagens de outros choros também.

Então, é uma coisa que se vai multiplicando. E o choro tem, assim, umas identidades, umas

bases harmônicas que são comuns à maioria dos choros.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Acho que o correpetidor solista está muito ligado à questão dos ensaios, uma

coisa que era pouco utilizada no choro, na primeira fase do choro, até porque os chorões

daquela época pouco liam, seja de melodia, seja de cifra. Então, o Jacob inovou essa questão

dos ensaios, por exemplo, e foi por isso que ele deixou de gravar com o Regional do

Canhoto, porque o Regional do Canhoto não tinha espaço na agenda para ensaiar.

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Geralmente se ia direto para o estúdio, passava uma vez e já gravava. Talvez para um

músico que não tenha um conhecimento harmônico, o correpetidor possa cumprir o papel

de orientador, mostrando qual é a melodia, mas, hoje em dia, nós temos uma série de

ferramentas. Você leva o pen drive, passa para o outro músico: “ — Olha, vai estudar em

casa!” Então, acho que, para o músico acompanhante que não tem o conhecimento,

correpetição talvez cumpra um papel mais importante ainda hoje. Fora isso, eu creio que

as ferramentas que estão ficando disponíveis hoje em dia cumprem esse papel também.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro de parâmetros harmônicos, rítmicos e melódicos, ou não.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: O choro ele é, por princípio, um gênero instrumental. Por ser um gênero

instrumental, assim como o Jazz também, ele necessita ter uma leitura melódica

diferenciada em alguns momentos. Eu sempre gosto de dar um exemplo do improviso na

música do choro com os pintores sul-realistas que deformavam as imagens para poder

expressar como eram vistas por eles, pelos artistas. O improviso para mim é isto: você tem

ali uma base melódica e você deforma isso ao seu gosto. Mas acho que aí dentro do choro,

por exemplo, até por tradição, eu creio que haja determinados parâmetros que não podem

ser esquecidos. Pelo menos, o pessoal da velha guarda falava isso. Primeiro, você tem de

apresentar o tema melódico inicialmente. Como o sistema de choro é primeira-segunda-

-primeira-terceira, primeiro você está repetindo as partes, principalmente você pode, tanto

na repetição da primeira como geralmente na terceira, explorar os improvisos. E outra coisa:

no choro, que é diferente do jazz, são geralmente os improvisos que se dão dentro de uma

base harmônica definida, você não varia harmonicamente. Coisa que, no jazz, apesar de eu

não ser um grande conhecedor de jazz, mas, pelo que a gente entende, e já ouvi, às vezes no

próprio jazz é uma criação mais livre. Você não segue um padrão harmônico que a gente

segue no choro. O improviso é uma leitura diferenciada, especial da música.

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APÊNDICE M

ENTREVISTA COM O MÚSICO DEO RIAN

EM 25.04.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: A roda de choro contribui muito no tocante ao desenvolvimento do violonista

acompanhador, porque o repertório é variado e apresenta algumas vezes dificuldades.

Assim sendo, o acompanhador aplica os acordes e as sequências harmônicas que estudou.

Considerando também que ele pratica os ritmos do choro, da polca, da valsa, etc., os quais

são diferentes na maneira de tocar.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: A percepção é muito importante, a audição fica mais apurada e o acompanhador

sente mais facilidade nas modulações da música executada.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Resposta: A transcrição é importante porque o acompanhador observa o que foi feito na

gravação: a baixaria do violão, a variação rítmica, as variações do solista, ou seja, o arranjo

da música.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

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Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: As sequências harmônicas embelezam a harmonização da música. Estudando as

sequências de acordes, o acompanhador desenvolve a sua capacidade de harmonizar a

música.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: O correpetidor solista é importante porque auxilia na prática do repertório.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: A improvisação no choro e no samba é bem-vinda, desde que o solista toque a

primeira vez como o autor compôs a música, e depois, nas repetições, improvise dentro da

harmonia preestabelecida.

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APÊNDICE N

ENTREVISTA COM O MÚSICO LEONILCIO DEOLINDO DA SILVA (PEPÊ)

EM 06.05.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: Convívio em grupo; oportunidade de aplicar os estudos de harmonia, de

sequências harmônicas com substituição de acordes; utilização de inversões de acordes,

assim como as inversões nas linhas dos baixos; aplicação de linhas do baixo em terça com

outros violonistas; percepção de dinâmica (volume, intensidade); oportunidade de

improvisação sem estilo predeterminado (pode-se improvisar usando estilo à sua escolha),

além de ser uma rica oportunidade de aplicar o estudo como solista com uma pluralidade

rítmica observada em diferentes regiões do País (sotaque ).46

46 N.A.: O entrevistado respondeu apenas à primeira pergunta do questionário do Apêndice A.

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APÊNDICE O

ENTREVISTA COM O MÚSICO JORGE SIMAS

EM 23.09.2019

1) Sabe-se que muitos músicos acompanhadores iniciaram suas trajetórias na Música Popular

Brasileira (MPB) a partir da roda de choro.

Quais as contribuições da roda de choro para a formação do violonista

acompanhador?

Resposta: As rodas de choro são como oficinas para formar músicos. Nelas, os

instrumentistas desenvolvem o ouvido harmônico, o reflexo, a prática de tocar em grupo.

Quanto aos violonistas, isso é mais que evidente pelo número de exemplos que poderíamos

citar. Grande parte dos nossos acompanhadores passou por esse caminho. Creio que, com o

decorrer dos anos, o violonista acompanhador vai criando seu vocabulário harmônico e uma

boa memória auditiva.

2) A percepção instrumental é entendida por nós como sendo uma prática utilizada na

aprendizagem do músico instrumentista (principalmente no choro), ao ouvir e tocar em

sincronia com as consagradas gravações pelo processo de imitação.

Qual é a importância da percepção instrumental para a formação do músico

acompanhador?

Resposta: A percepção instrumental se desenvolve na prática e depende, fundamentalmente

de observação, imitação inicialmente e do talento do músico, que, a partir de dado momento,

começa a colocar a sua identidade a serviço da execução. A roda de choro proporciona

oportunidades de desenvolvimento de forma prazerosa.

3) Após a percepção instrumental, utiliza-se o procedimento da transcrição, que é o ato de

representar numa partitura a informação musical adquirida pelo ouvido.

Qual é a importância da transcrição das gravações consagradas para a formação do

músico acompanhador?

Page 114: repositorio.ufrn.br · Aos meus pais, Manoel Xavier de Brito (in memoriam)e Edite Batista de Oliveira ; à minha esposa, Valéria Mônica Moraes de Oliveira Brito ; aos meus filhos,

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Resposta: As transcrições de gravações que são definidas fazem com que haja modelos

consagrados como ponto de partida. É claro que o violonista deve buscar exemplos

diferentes e construir seu estilo a partir dessas referências.

4) Por Tradição Oral, o violonista acompanhador inicia a sua prática instrumental estudando e

memorizando as sequências harmônicas identificáveis na música popular.

Qual é a importância do estudo das sequências harmônicas para o desenvolvimento

do acompanhamento?

Resposta: As sequências harmônicas estão para o acompanhador como as escalas estão

para o solista. Com as sequências harmônicas, o violonista acompanhador vai ampliando

seu universo ou vocabulário dentro da harmonia.

5) O pianista correpetidor auxilia o professor na preparação do repertório de um coro. O

correpetidor solista auxilia na preparação do acompanhador.

O que você pensa sobre o correpetidor solista na prática do choro?

Resposta: Acho que o solista ajuda muito na formação do acompanhador. É a partir do

repertório escolhido por ele que se dá o interesse do acompanhador em crescer. Numa

segunda fase, o solista que interage com o harmonizador promove o despertar de um tipo

de violonista acompanhador que é mais insinuante, que dialoga mais com o solista.

6) Improvisação na música é a habilidade de criação simultânea, de produzir e interpretar

dentro ou não de parâmetros harmônicos, rítmicos ou melódicos.

O que você pensa sobre a improvisação no Choro e no Samba?

Resposta: Acho que ambos os gêneros permitem esse tipo de abordagem. O choro, por ser

geralmente mais complexo, harmonicamente falando, e, por ter duas ou três partes, talvez

seja mais convidativo ao improviso, embora a geração que aí está toque o choro de forma

mais "sambada" que antigamente.