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  • UNIVERSIDADE DO PORTO

    FACULDADE DE DIREITO

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL II (2. semestre)

    3. ANO

    APONTAMENTOS

    Para utilizao exclusiva pelos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

    Jos Eduardo Tavares de Sousa

    ANO LECTIVO 2010/2011

  • 2

    47.2. Em oposio. A) Caracterizao. Modalidades. A oposio tambm pertence famlia

    das intervenes principais. Caracteriza-se esta modalidade de interveno por o interveniente, em vez de vir acompanhar uma das partes primitivas1, trazer aos autos uma posio jurdica prpria que colide com a que est em discusso entre as partes iniciais do processo. Enquanto na interveno litisconsorcial ou coligatria o movimento do terceiro visa a sua associao a um dos plos da relao controvertida, na oposio a atitude do interveniente procura desintegrar aquela relao, seja atravs da sada de uma das partes primitivas, seja mediante a fragmentao do objecto inicial do processo em duas causas conexas, que passam a correr dentro da mesma tramitao. As modificaes subjectivas que decorrem desta interveno principal no se destinam a corrigir situaes de ilegitimidade plural, mas a entrar em conflito com as partes que estavam oroginariamente no processo. Em qualquer das suas modalidades tradicionais (artigos 342. e segs. e 347. e segs.), o que caracteriza a oposio a incompatibilidade da posio jurdica invocada pelo terceiro com o direito afirmado pelo autor ou pelo reconvinte, o que impossibilita a sua associao em termos processuais com qualquer das partes originrias.

    De acordo com a sistematizao legal introduzida pela reforma de 1995/96, a oposio incidental pode tambm destinar-se a atacar especificamente determinado acto praticado a nvel da instncia que liga as partes primitivas e no a afast-las das posies processuais que ocupam ou dos direitos que fazem valer em juzo. o que acontece com a oposio mediante embargos de terceiro (artigos 351. e segs.) que, na realidade, corresponde a uma aco com origem possessria que o legislador transformou em incidente da instncia. Dado que se pretendeu, por uma discutvel opo de poltica legislativa, extinguir a categoria das aces possessrias enquanto formas especiais de processo, essa tarefa revelou-se impossvel quanto a uma delas que, merc das peculiaridades apresentadas, no pde ser reconduzida tramitao comum do processo

    1 O interveniente principal em litisconsrcio ou em coligao pode assumir essa posio

    junto de uma das partes iniciais, porque se apresenta como titular de um direito prprio, paralelo ao do autor ou do ru (artigo 321.).

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    declaratrio. S por isso foi enquadrada tal aco no sector dos incidentes da instncia como nova modalidade de interveno em oposio. Seguidamente trataremos apenas das oposies em que o terceiro procura interferir com as questes referentes ao mrito da relao controvertida.

    B) Interveno em oposio espontnea (artigos 342. a 346.). Pode ser o terceiro a tomar a iniciativa da interveno com a finalidade de o tribunal, quando apreciar o mrito, dar prevalncia a um seu direito incompatvel com aquele que o autor ou o reconvinte2 deduziram (artigo 342., n. 1). Assim, estando a decorrer uma aco de reivindicao (artigo 1311. do Cd. Civ.), o terceiro que se considera proprietrio do imvel reivindicado goza da faculdade de se apresentar no processo a questionar, perante o autor e o ru iniciais, a titularidade do direito em litgio, pedindo que ele lhe seja reconhecido, com base na prova dos factos alegados em abono da sua tese, em detrimento dos sujeitos entre os quais surgiu o litgio trazido a tribunal.

    A entrada do terceiro na instncia em curso d-se atravs do incidente dos artigos 342. e segs., que se inicia com a apresentao de uma petio (artigo 343.). Esta pea processual tem que entrar em juzo enquanto no se achar designado o dia para o incio da discusso e julgamento em 1. instncia ou, se o processo a no comportar3, enquanto no estiver proferida a sentena final (artigo 342., n. 2). Existe despacho liminar, podendo a petio da oposio ser indeferida logo nesta fase, por falta manifesta dos requisitos que condicionam a admissibilidade ou o fundamento substancial do incidente (artigo 344., n. 1). Caso no seja detectado nenhum motivo que justifique semelhante rejeio in limine, o opoente assume o estatuto de parte principal pelo que a instncia passa a ser integrada por trs partes , devendo o juiz ordenar a notificao das partes primitivas para contestarem o pedido de oposio (artigo 344., n. 1).

    2 A interveno pode tambm ser desencadeada em funo do direito que o ru,

    actuando como reconvinte, pretenda ver reconhecido perante ao autor ao abrigo de um contra-pedido que deduziu na contestao (artigo 274.). O alargamento do mbito da oposio contra-pretenso introduzida pelo ru na instncia foi uma das alteraes trazidas ao regime deste incidente pela reforma de 1995/96. 3 Pense-se na hiptese de existir revelia operante.

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    Com vista a prepararem a contestao, as partes contra quem a oposio foi

    deduzida dispem de prazo idntico ao concedido ao ru da aco principal para se defender, seguindo-se os articulados eventuais, nos termos previstos para aquela aco, mas com mbito restrito ao tema do incidente (artigo 344., n. 2). A tramitao da oposio comporta ainda a fase do saneamento e condensao, podendo acontecer que o despacho saneador abranja as questes que neste momento se colocam, tanto para a aco, como para o incidente, se este tiver sido deduzido a tempo de o juiz considerar em simultneo umas e outras.

    Consumada a presena do terceiro na instncia, em virtude do julgamento favorvel do incidente, pode alguma das partes iniciais optar pelo reconhecimento do direito que o opoente invocou. Nessa eventualidade, a parte que abdicou da discusso do mrito sai do processo derrotada, quanto s pretenses por si deduzidas, continuando a aco a desenvolver-se entre a parte inicial, que no abandonou a defesa dos seus interesses, e o opoente, que ir ocupar da para diante a posio de autor ou de ru em funo do lugar deixado vago na instncia. Concretamente, a aco deixa de ser integrada por trs partes, tomando o inteveniente a posio de autor ou de ru, conforme o seu adversrio for o ru ou o autor da causa principal (artigo 346., n. 1). Se o direito do opoente receber a impugnao de ambas as partes iniciais, a instncia continuar com trs partes. Isto significa que a estrutura do processo se torna mais complexa, porque envolve a tramitao agregada de duas causas conexas, uma entre as partes primitivas e a outra entre o opoente e aquelas (artigo 346., n. 2).

    C) Interveno em oposio provocada (artigos 347. a 350.). Deduo do incidente por iniciativa do ru ou do reconvindo. Finalidade. Tempo e forma de deduzir o incidente. Tramitao. Possvel excluso da instncia do ru inicial. Efeito da falta de oposio pelo terceiro chamado, quando haja sido citado na sua prpria pessoa e a revelia seja inoperante.

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    48. Interesse processual. Noo. Distino de figuras prximas. Pgs. 179 a 182. O funcionamento dos tribunais s se justifica, na medida em que lhes sejam

    submetidas questes merecedoras dessa forma de interveno qualificada do Estado. No basta que o processo corra entre partes dotadas de personalidade judiciria, de capacidade judiciria (ou com a sua falta regularmente suprida) e que se apresentem como titulares da relao em litgio. Do que se trata de assegurar que os tribunais intervenham to-s quando a situao de facto trazida ao processo revele um grau de seriedade capaz de justificar a anlise da questo de fundo, porque se impe intervir juridicamente no sentido de serem reparadas as consequncias de um ilcito, de se possibilitar a constituio de um direito, de se eliminarem as dvidas acerca da existncia ou da inexistncia de um direito ou de um facto, assim como de se adoptarem medidas destinadas a assegurar a eficcia das decises judiciais.

    Para que se verifique o requisito em apreo, no basta atender vertente da necessidade de proteco atravs dos tribunais, pois o interesse tambm falta quando o autor, apesar de carecer de uma resposta jurdica para a sua pretenso, se proponha utilizar uma modalidade de tutela excessiva ou inadequada perante as circunstncias concretas. A exigncia da tutelabilidade (Schutzwrdigkeit) presente na aferio concreta do interesse em agir que se centra na dupla dimenso da carncia e da adequao , decorre da dignidade prpria do processo judicial, encarado como instituio vocacionada para a defesa do direito e dos valores que se lhe encontram subjacentes e como instrumento de realizao da paz social. Em qualquer das duas aludidas dimenses, a avaliao do interesse coloca-se no mbito dos pressupostos processuais, dado que est em causa unicamente a formao de um juzo prvio situado no plano da admissibilidade do processo4.

    O exerccio da funo jurisdicional, que se manifesta atravs do processo declaratrio de condenao, pressupe por parte de quem se dirige ao tribunal a

    4 Neste sentido, ver ADOLF SCHNKE, Das Rechtsschutzbedrfnis. Ein zivilprozessualer

    Grundbegriff, em Archiv fr die civilistische Praxis, vol. 150 (1949), pgs. 216 e segs. (229 e segs.).

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    afirmao da existncia de um direito e das consequncias decorrentes da sua violao. Esta perspectiva analtica inicial vai ser utilizada com a finalidade de se apurar se existe um grau mnimo de coordenao entre a actividade judicial pedida pelo autor, com base na situao de facto descrita, e o direito substantivo que o tribunal vai convocar quando decide o mrito da causa. A situao jurdica material , assim, tambm utilizada a nvel dos pressupostos processuais com o fim de permitir ao julgador a avaliao anterior pronuncia sobre a questo de fundo da consistncia que apresentam as afirmaes sobre o direito invocado e a correlativa obrigao, na medida em que a evoluo do processo no sentido da deciso sobre o mrito depende de um juzo prvio favorvel presena de uma justificao objectiva para a interveno dos tribunais5. O interesse processual do autor funda-se no reconhecimento da necessidade que ele tem de alcanar um resultado prtico-jurdico destinado tutela efectiva da situao de carncia descrita na petio inicial, ao passo que do lado do ru o interesse se traduz em obter no processo uma deciso que inutilize a pretenso contra si deduzida.

    No existe no Cd. Proc.Civ. um tratamento autnomo deste requisito, ao contrrio do que se passa em alguns outros sistemas processuais que autonomizam o instituto do interesse em agir6. Mas generalizada a aceitao do

    5 A propsito, ver ELIO FAZZALARI, Note in tema di diritto e processo, Milano: Giuffr,

    1957, pgs. 126 e segs. 6 O artigo 3. do Cod. Proc. Civ. brasileiro (1973) autonomiza este requisito,

    estabelecendo que para propor ou contestar a ao necessrio ter interesse e legitimidade. A falta do interesse processual conduz extino do processo sem julgamento do mrito ou ao indeferimento liminar da petio inicial (artigos 267., VI, e 295., III, do mencionado diploma), aspectos que revelam a subordinao deste instituto ao regime geral dos requisitos de admissibilidade do processo. No Anteprojecto de Cdigo de Processo Civil, apresentado pelo Ministrio da Justia em 1988 e fruto dos trabalhos de uma Comisso presidida pelo Prof. Doutor ANTUNES VARELA, consagrava-se no artigo 99. o pressuposto processual em anlise nos termos seguintes: H interesse processual na aco sempre que a situao de carncia da parte justifica o recurso s vias judiciais. O preceito, que visava acabar com dvidas existentes em alguma doutrina nacional sobre a relevncia do interesse em agir e demarc-lo em definitivo da noo legal da legitimidade processual, no foi aproveitado nas reformas subsequentes a que tem estado submetida a legislao processual civil. Para a apreciao de tal proposta, ver ARMINDO RIBEIRO MENDES/JOS LEBRE DE FREITAS, Parecer da Comisso de Legislao da Ordem dos Advogados sobre o Anteprojecto de Cdigo de Processo Civil, em Revista da Ordem dos Advogados, ano 49 (1989), pgs. 613 e segs. (623 e seg.).

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    pressuposto agora analisado na doutrina e na jurisprudncia nacionais, assim como o enquadramento da sua falta no domnio das excepes dilatrias (artigos 288., n. 1, alnea e), e 493., n. 2). O legislador limita-se a deixar uma referncia ao interesse em agir no n. 2 do artigo 26., quando descreve os elementos caracterizadores da legitimidade processual. Com efeito, a utilidade que pode derivar da procedncia da aco e o afastamento do prejuzo decorrente da sua procedncia no constituem factores de aferio da legitimidade singular, activa e passiva, respectivamente. Esta formulao legal descreve to-s as posies das partes perante o objecto do litgio que justificam o exerccio da funo jurisdicional, nenhum contributo trazendo ao plano em que opera a determinao da titularidade relevante em termos de legitimidade.

    Devem, por conseguinte, ler-se os n.os 2 e 3 do artigo 26. dentro dos contextos dogmticos distintos a que cada um deles pertence. A proximidade com que as duas realidades normativas aparecem tratadas no direito vigente resultou da inspirao que o legislador nacional encontrou nas formulaes elaboradas pela doutrina francesa com vista ao preenchimento do requisito do interesse enquanto pressuposto processual (condition de recevabilit)7. No esteve presente no esprito do legislador a diferente intencionalidade normativa que o interesse consubstancia na definio da legitimatio ad causam e do interesse em agir8. Perante isto, o n. 2 do artigo 26. aparece como um corpo estranho no preceito onde se procuram identificar os traos caracterizadoires da legitimidade singular. Na verdade, a orientao que se sintetiza na mxima pas

    7 Quando se confronta a redaco do n. 2 do artigo 26. com o ensinamento da doutrina

    francesa sobre o modo como o interesse se reflecte na organizao do processo, no subsistem dvidas acerca das origens da influncia recebida. Assim, este requisito de admissibilidade falha, si lexercice dune action nest pas susceptible doffrir une certaine utilit celui qui en prend linitiative; ou, por outras palavras, Lintrt est fonction de lutilit que le demandeur escompte de son initiative devant les tribunaux. Cfr. HENRY SOLUS/ROGER PERROT, Trait de droit judiciaire priv, tomo I Introduction; Notions fondamentales; Organisation judiciaire, Paris: Sirey, 1961, pgs. 198 e 200, respectivamente. 8 Acerca da influncia exercida no legislador do Cd. Proc. Civ. de 1939 pela concepo

    que centrava a definio da legitimidade no interesse, cfr. JOS ALBERTO DOS REIS, Comentrio ao Cdigo de Processo Civil, vol. 1., 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1960, pgs. 40 e seg..

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    dintrt pas daction deixou de corresponder aos quadros actuais de pensamento aceitos neste domnio, quando sob semelhante formulao se pretendem aglutinar, atravs da referncia ao interesse, a legitimidade processual e o interesse em agir9.

    A identificao da situao de carncia que fundamenta o interesse processual activo pode apresentar-se problemtica quando o autor dispe, tanto da via judicial, como de mecanismos extrajudiciais alternativos, para conseguir a tutela jurdica final que procura obter. Em tal hiptese, prevalece a orientao de que o interesse se concentra no meio tcnico-jurdico que apresenta maior simplicidade ou se revela mais expedito, sendo o pressuposto processual determinado em funo da maior eficincia ou economia na procura da tutela requerida. Porm, a resposta ser diversa, se do emprego dos instrumentos em confronto resultarem decises que, embora respondam ao pedido do autor, se apresentam com eficcia diferente, ditada no s por restries na aplicao do regime do caso julgado, mas tambm por haver outros aspectos, mesmo acessrios, que diferenciam os resultados obtidos por uma ou outra daquelas vias. A maior especializao ou a melhor adequao, na perspectiva do resultado final pretendido, constituem os factores a ter em conta quando se trata de preencher o critrio da necessidade, diante das hipteses em que o sistema jurdico oferece ao autor mais do que um caminho para a resoluo do litgio. Ao invs, o interesse em agir j faz prevalecer a liberdade de opo do autor, no sentido de escolher o mecanismo de resoluo que considera mais adequado defesa das suas

    9 Atente-se em que o n. 2 do artigo 26. define o interesse activo e passivo a partir da

    contraposio que necessariamente se verifica entre a utilidade que a procedncia da aco traz para o autor e o prejuzo correlativo que a deciso desfavorvel implica para o ru. Os efeitos inversos com que o resultado final se projecta reciprocamente nas esferas activa e passiva limitam-se a descrever o modo de funcionar do interesse em agir. J no se verifica uma correlao similar no plano da legitimidade, pois a sua verificao do lado activo no coloca forosamente o ru na situao inversa de titular do interesse oposto ao do autor, ou seja, no lhe confere o estatuto de parte passiva legtima. Sobre o sentido que o interesse recebe no n. 2 do artigo 26. e a autonomia deste preceito perante o n. 1, ver MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objecto e a prova na aco declarativa, Lisboa: Lex, 1995, pags. 107 e seg., que se acompanha de perto.

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    pretenses, quando os regimes legais aplicveis permitam estabelecer diferenas no plano da eficcia das decises alcanadas10.

    Semelhante questo tem-se suscitado desde o comeo da teorizao do tema do interesse em agir, mas assume novas dimenses com o movimento no sentido da utilizao crescente de meios de resoluo de litgios colocados em alternativa aos tribunais. Referem-se, como exemplo, as diferenas de interpretao geradas com a introduo, a par da tradicional aco de despejo, de um mecanismo extrajudicial de resoluo do contrato de arrendamento para habitao, quando as rendas em atraso excedam trs meses.

    Da conjugao do n. 3 do artigo 1083. com o n. 1 do artigo 1084. do Cd. Civ. decorre que a resoluo do contrato pelo senhorio, assente na referida mora, opera por comunicao contraparte, onde fundamentadamente se invoque a obrigao incumprida. Ora, o comprovativo da interpelao judicial avulsa, efectuada por iniciativa do senhorio com vista a comunicar a existncia do mencionado atraso, acompanhado do contrato de arrendamento, podem servir de ttulo executivo para se obter o despejo do local arrendado (artigo 14., n. 1, alnea e), do NRAU). A insero deste mecanismo extrajudicial de resoluo do contrato tem suscitado o problema de saber se o senhorio fica adstrito sua utilizao, quando o fundamento invocado seja aquela mora especfica. Tudo depende de saber se a alterao legislativa tornou inadmissvel a aco de despejo, dada a falta de interesse (objectivo) do autor em agir atravs dela quando dispe de um meio concretamente voltado para a situao em que se encontra, ou se, pelo contrrio, o senhorio goza da possibilidade de escolha de um dos meios, de acordo com a avaliao que faa da sua maior ou menor aptido para alcanar o resultado pretendido. Como existem diferenas nos regimes aplicveis a cada uma das duas vias disponveis para a resoluo do contrato, deve reconhecer-se ao senhorio interesse em agir atravs da utilizao de qualquer delas, no o confinando ao meio extrajudicial, mesmo que estejam

    10 Ver ADOLF SCHNKE, ob. e vol. cits. (nota 130), pags. 229 e seg.

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    reunidos os requisitos da sua aplicao11. Quer dizer, a aco de despejo admissvel, vistas as coisas sob o prisma do interesse em agir, ainda que, por existirem rendas em atraso correspondentes a mais de trs meses, o senhorio pudesse socorrer-se da notificao judicial avulsa para comunicar a resoluo do contrato contraparte e passar mais tarde fase executiva destinada entrega efectiva do local arrendado (artigos 930.-A e segs.).

    Segundo o critrio acima referido, que preside aplicao do pressuposto processual do interesse em agir, a resposta questo deve orientar-se no sentido de permitir ao senhorio utilizar uma ou outra das vias previstas na lei. Na verdade, permanecem diferenas significativas de regime entre a aco de despejo e o mecanismo de resoluo extrajudicial introduzido pelo NRAU, que no permitem atribuir a este ltimo a primazia que lhe seria dada com a negao do interesse processual ao senhorio que pretende agir atravs da via judicial.

    49. Anlise prtica do instituto. Pgs. 182 a 187.

    A) Nas aces de condenao. pg. 184, linhas 4 a 11 - Substituir por: Se, pela simples leitura da petio, o

    juiz verificar que o autor pede a condenao do ru numa prestao ainda no vencida, deve indeferir liminarmente a petio (artigo 234.-A, n. 1). Para que tal acontea, alm de se tratar de um processo que inclua na respectiva tramitao semelhante despacho (artigo 234., n. 4), necessrio que a falta do pressuposto processual seja manifesta. Se somente depois de findos os articulados chegar concluso de que est perante uma obrigao inexigvel, deve indeferir a

    11 O Supremo Tribunal de Justia, em Acrdo de 6 de Maio de 2010 (CUSTDIO

    MONTES), proferido em revista excepcional admitida ao abrigo do disposto na alnea c) do artigo 721.-A, n. 1, decidiu que a utilizao da via extrajudicial prevista nos artigos 1083., n. 3, e 1084., n. 1, do Cd. Civ. alternativa em relao ao meio geral de fazer cessar a relao locativa atravs da aco de despejo. Cfr. Colectnea de Jurisprudncia STJ, 2010, tomo II, pgs. 66 e segs.. Ver, na mesma linha, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, Aco de despejo por falta de pagamento de renda, anotao ao Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 23 de Outubro de 2007, em Cadernos de direito privado, n. 22, 2008, pgs. 59 e segs..

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    pretenso do autor no despacho saneador: e deve faz-lo, no absolvendo o ru simplesmente da instncia, mas absolvendo-o do pedido (artigo 510., n.s 1, alnea b), e 3, 2. parte), uma vez que a deciso assenta no reconhecimento de que falta um requisito de direito substantivo a exigibilidade da obrigao em que o

    autor fundou o pedido de condenao do ru. O caso julgado material que se produz a partir da referida deciso, todavia, no constitui obstculo a que o autor deduza o mesmo pedido contra o ru, logo que a obrigao se vena (artigo 673.). A eficcia da deciso de mrito vale para as circunstncias existentes na altura do encerramento da audincia final rebus sic stantibus (artigo 663., n. 2).

    B) Nas aces constitutivas. C) Nas aces de simples apreciao. D) Nos procedimentos cautelares. pg. 189, linhas 14 a 20 - Substituir por: No campo dos procedimentos

    cautelares, o interesse processual, consubstanciado no periculum in mora, constitui verdadeira condio da aco. Se o requerente no mostrar que fundado o receio da leso do seu direito (durante a pendncia da aco principal ou no perodo anterior proposio dela), a providncia requerida ser indeferida (artigo 387., n. 1).

    50. Consequncias da falta do interesse processual. Pgs. 188 e 189.

    51. Patrocnio judicirio. Noo. Distino de figuras prximas. Existe a obrigatoriedade de as partes litigarem com a assistncia tcnica de

    profissionais habilitados ao exerccio do patrocnio judicirio, nas situaes discriminadas no artigo 32., n. 1. Todavia, impe-se considerar, logo de incio, uma distino relativamente ao modo como tal exigncia se concretiza. Quando o autor se apresenta a litigar directamente em juzo, desacompanhado da assistncia tcnica imposta naquele preceito, produz-se a excepo dilatria prevista na alnea h) do artigo 494., o que mostra haver o legislador optado pela

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    soluo de integrar o patrocnio judicirio obrigatrio no regime dos pressupostos processuais.

    Mas, se a inobservncia do requisito em anlise disser respeito ao ru, j no pode verificar-se, por motivos bvios, o efeito da absolvio da instncia, embora continuem a aplicar-se a este caso outros aspectos do regime dos pressupostos processuais, em particular no que respeita s medidas destinadas a promover a sanao da falta ou da irregularidade do patrocnio judicirio. Se a absolvio da instncia fosse, tambm aqui, a consequncia do no preenchimento deste pressuposto processual, colocava-se nas mos do ru a possibilidade de tornar inadmissveis os processos com patrocnio judicirio obrigatrio, para o que lhe bastava recusar-se a constituir advogado nos termos legalmente exigidos. Caso se aplicasse integralmente o regime dos pressupostos processuais, o pedido de tutela judicial deduzido pelo autor ficava por inteiro merc da atitude do ru que, guiado pelos seus interesses, preferia impedir a apreciao do mrito da causa, deixando que a instncia se extinguisse com uma deciso de carcter formal.

    A via encontrada para se ultrapassar a dificuldade consistiu em criar o nus de o ru promover a regularizao da instncia quanto ao pressuposto em anlise, sujeitando-o consequncia desfavorvel de a tramitao seguir o seu curso sem o tribunal atender defesa eventualmente junta aos autos, na hiptese de o interessado no tomar a iniciatva de sanar a excepo dilatria dentro do prazo que lhe foi assinalado para esse fim. Nesta ptica, o processo torna-se admissvel (para ambas as partes), ainda que o ru no corresponda solicitao que o tribunal lhe dirigiu no sentido de regularizar a instncia.

    Costumam apresentar-se duas razes, de carcter essencialmente prtico, para justificar a obrigatoriedade desta assistncia tcnica s partes conduzida por profissionais dotados da formao especfica requerida para o exerccio do patrocnio judicirio. Por um lado, as partes encontram-se demasiado absorvidas pelo conflito, procurando trazer ao tribunal verses dos factos, em regra algo desfocadas da realidade, merc do predomnio que cada uma atribui aos respectivos interesses no confronto com os do adversrio. Porm, na exposio

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    da matria de facto destinada a servir de base aplicao do direito exige-se algum distanciamento, capaz de proporcionar que a narrao dos acontecimentos se mantenha prxima da realidade, embora sem perder de vista a defesa dos interesses da parte, mas tambm que assegure alguma maleabilidade na conduo do processo, sempre necessria verificao de aproximaes recprocas que podem levar soluo negociada do litgio.

    Por outro lado, a aplicao do direito supe conhecimentos tcnico-jurdicos que escapam ao domnio do saber prprio do cidado comum e que se mostram decisivos, tanto na escolha e tratamento do material de facto juridicamente relevante, como no tipo de argumentao a desenvolver perante os julgadores. A conjugao de tais conhecimentos com os padres de exigncia a que os advogados se acham submetidos no campo da deontologia profissional explica que as partes estejam, em princpio, impedidas de assumir a conduo directa dos processos que lhes dizem respeito.

    Para alm dos aludidos aspectos de carcter tcnico, no pode ignorar-se que a representao por advogado concretiza uma dimenso material do direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado. Com efeito, o artigo 20., n. 2, da Constituio comete ao patrocnio forense o desempenho de uma funo especfica no plano da realizao do direito atravs da via judicial, cabendo ao legislador ordinrio, por imposio do artigo 208. tambm da Lei Fundamental, estabelecer as imunidades necessrias ao exerccio do mandato, dentro da perspectiva de que se trata de um elemento essencial administrao da justia.

    Estando assegurado ao mais alto nvel o direito de as partes intervirem nos processos com o acompanhamento tcnico-jurdico que o patrocnio judicirio possibilita, h que instituir os mecanismos destinados a permitir que essa garantia se estenda s partes que no dispem dos meios econmicos necessrios para o pagamento dos honorrios de quem as patrocina em juzo. Trata-se de uma exigncia que decorre do princpio da igualdade de tratamento dos cidados perante o direito, agora na vertente do direito de acesso aos tribunais (artigo 13. da Constituio).

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    Com o objectivo de acorrer a este tipo de situaes, em que a carncia econmica no permite suportar os encargos do processo, est previsto um sistema de proteco jurdica, que abrange a consulta jurdica e o apoio judicirio. Ocupa-se desta matria a Lei n. 34/2004, de 29 de Julho12. Nos termos do artigo 16., n. 1, do mencionado diploma, o apoio judicirio compreende, quer a nomeao e pagamento da compensao de patrono (alnea b)), quer a nomeao e pagamento faseado da compensao de patrono (alnea f)), consoante as possibilidades do cidado suportar tais custos. O benefcio do apoio judicirio pode abranger tambm a dispensa do pagamento, ou o pagamento faseado, da taxa de justia e demais encargos com o processo (artigo 16., n. 1, alneas a) e d), da Lei n. 34/2004).

    Se ao advogado faltarem conhecimentos de natureza tcnica que se revelam necessrios para o desempenho das suas funes em juzo, determina o artigo 42., n. 1, que pode fazer-se assistir, durante a produo da prova e a discusso da causa, de pessoa dotada de competncia especial para se ocupar das questes suscitadas. Esta assistncia de carcter especializado dirige-se em primeira linha ao patrono da parte e destina-se a fornecer-lhe elementos de reas no jurdicas (medicina, engenharia, anlise financeira, etc.) que pretende ver debatidas no processo e restringe-se ao ncleo de questes que o advogado indicou previamente. Semelhante interveno pode ser recusada pelo tribunal, quando a julgue desnecessria (artigo 42., n. 3).

    52. Constituio obrigatria de advogado. Como se referiu, a utilizao da via judicial para a defesa dos direitos

    implica a prtica de actos processuais que, em determinadas situaes, tm de ser obrigatoriamente realizados por profissionais habilitados a exercer o patrocnio

    12 A referida Lei foi alterada pela Lei n. 47/2007, de 28 de Agosto. O Decreto-Lei n.

    71/2005, de 17 de Maro, trata do apoio judicirio referente aos litgios transfronteirios enquadrados na Unio Europeia, completando a transposio para a ordem interna da Directiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de Janeiro, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, n. L 26, de 31 de Janeiro de 2003, pgs. 41 e segs., e objecto da rectificao publicada no Jornal Oficial da Unio Europeia, n. L 32, de 7 de Fevereiro de 2003, pg. 15.

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    judicirio. Da a necessidade de as partes conferirem aos mencionados profissionais poderes de representao em juzo, quando no lhes seja permitido pleitear por si.

    Sempre que se exija a constituio de advogado, o patrocnio judicirio surge como pressuposto processual. Quer dizer, o sentido da obrigatoriedade do patrocnio judicirio o de condicionar o funcionamento do processo prtica dos actos das partes por quem se encontre em condies de exercer plenamente a advocacia. Nas aces declarativas a obrigatoriedade da constituio de advogado est prevista no artigo 32. para os casos seguintes:

    1. Aces da competncia de tribunais com alada, em que seja admissvel recurso ordinrio. A formulao utilizada no artigo 32., n. 1, alnea a), para definir o primeiro grupo de situaes de patrocnio judicirio obrigatrio, mostra-se algo desajustada dos dados da organizao judiciria vigente. Na verdade, a redaco da referida alnea a) pressupe que existem tribunais cveis desprovidos de alada. A falta de previso da alada para determinada categoria de tribunais tem como finalidade tornar possvel o recurso das respectivas decises independentemente do valor dos processos em que sejam proferidas.

    Na actualidade no existem tribunais nestas condies que julguem causas em matria cvel. Os prprios julgados de paz, embora o artigo 24., n. 1, da LOFTJ no os refira, tm alada de valor correspondente a metade do estabelecido para os tribunais de 1. instncia (artigo 62., n. 1, da Lei n. 78/2001, de 13 de Julho). Se as decises dos juzes de paz podem ser impugnadas, desde que o valor da aco exceda 2500, tal significa que este valor funciona como critrio de limitao da admissibilidade dos recursos das sentenas que proferem. Acresce que a impugnao daquelas decises se efectua atravs de recurso ordinrio (artigo 62., n. 2, da Lei n. 78/2001).

    Assim, poderia parecer que, perante o disposto na aludida alnea a), era obrigatria a constituio de advogado nos processos cveis da competncia destes tribunais experimentais, quando o valor da aco excedesse a respectiva alada. Todavia, do artigo 38., n. 1, da Lei n. 78/2001 resulta que o patrocnio

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    judicirio assume, em princpio, carcter facultativo nos julgados de paz, no obstante serem tribunais dotados de alada e cujas decises podem impugnar-se pelos meios comuns.

    Conjugando a redaco da alnea a) do artigo 32., n. 1, com o disposto nos artigos 38., n. 1, e 62., n. 1, da Lei n. 78/2001, conclui-se que o legislador quis impor a obrigatoriedade do patrocnio judicirio nas aces cveis que excedam o valor da alada dos tribunais de 1. instncia. As coisas passam-se em termos diversos, se as partes estiverem autorizadas a intervir por si em processos que excedam aquele valor, desde que no suscitem questes de direito, nem se pronunciem sobre elas.

    2. Existe tambm obrigatoriedade de constituio de advogado nos processos em que a admissibilidade de recurso das decises neles proferidas no depende do valor da aco (artigo 32., n. 1, alnea b)). Perante a particular sensibilidade social de determinadas matrias, pode acontecer que o legislador elimine, no todo ou em parte, as restries que normalmente condicionam a admissibilidade dos recursos ordinrios (valores da aco e da sucumbncia). o que se verifica nas aces em que se aprecie a validade, a subsistncia ou a cessao de contratos de arrendamento, com excepo dos arrendamentos para habitao no permanente ou para fins especiais transitrios (artigo 678., n. 3, alnea a), na redaco proveniente da Lei n. 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano NRAU), onde est assegurada a recorribilidade at Relao qualquer que seja o valor do pedido.

    O valor da aco de despejo destinada a fazer cessar a situao jurdica do arrendamento (cfr. artigo 14., n. 1, do NRAU) corresponde renda de dois anos e meio, acrescida das rendas em dvida ou da indemnizao pedida, prevalecendo entre estes dois montantes aquele que seja superior (artigo 307., n. 1, na redaco introduzida pelo Decreto-Lei n. 34/2008, de 26 de Fevereiro). Com a abertura do acesso ao tribunal da Relao, resultante do mencionado artigo 678., n. 3, alnea a), acautela-se a possibilidade da correco de erros de julgamento cometidos na 1. instncia e para os quais no existia o remdio do recurso,

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    quando os montantes indicados e os acrscimos que se lhes somam no ultrapassavam o valor da alada do tribunal de comarca.

    Cumpre salientar que o mbito de aplicao do artigo 678., n. 3, alnea a), se estende para alm das aces de despejo, abrangendo na sua previso, p. ex., aces em que o autor pede a condenao na entrega do imvel como consequncia do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre ele (aco de reivindicao). Em face de semelhante pedido, o ru pode contestar a obrigao de entrega, invocando a existncia de um contrato de arrendamento que, enquanto subsistir, lhe confere um direito pessoal de gozo sobre o imvel oponvel ao autor. A introduo deste tema (validade ou subsistncia do contrato de arrendamento) no objecto do processo torna admissvel o recurso at Relao, ainda que os valores da aco ou da sucumbncia no permitissem a impugnao do decidido na 1. instncia. Exceptuam-se deste regime os arrendamentos para habitao no permanente ou para fins especiais transitrios.

    Podem, assim, ocorrer situaes em que o patrocnio judicirio apresenta carcter facultativo no momento da proposio da aco porque o seu valor no excede o da alada dos tribunais de 1. instncia e a pretenso deduzida se movimenta fora do contrato de arrendamento que se convertem, perante o contedo da contestao, em aces de patrocnio judicirio obrigatrio. O pressuposto processual em anlise surge por fora das questes levantadas na contestao. Situao anloga pode ocorrer tambm com o patrocnio judicirio, na hiptese de o ru reconvir numa aco em que o valor do pedido no ultrapassa o valor da alada dos tribunais de 1. instncia. Mas, admitida a reconveno, o valor da aco passa a corresponder soma dos valores do pedido inicial e do pedido reconvencional (artigo 308., n. 2), o que torna obrigatria a constituio superveniente de advogado, se aquela adio conduzir a valor que exceda 5000 (artigo 32., n. 1, alnea a)). A obrigatoriedade do patrocnio judicirio uma questo que se coloca perante o objecto concreto do processo e a definio global deste pode depender tambm de questes suscitadas na contestao.

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    3. A constituio de advogado ainda obrigatria nos recursos (artigo 32., n. 1, alnea c)). A exigncia do patrocnio judicirio baseia-se na circunstncia de os recursos se destinarem reapreciao de questes que j foram decididas por outro tribunal e, nessa medida, a discusso centra-se em aspectos tcnico-jurdicos demasiado especficos para ficarem entregues argumentao de quem no dispe de preparao adequada para o efeito. Mesmo que a deciso impugnada tenha sido proferida em processo onde as partes podem litigar por si dado o valor da aco no exceder o da alada dos tribunais de 1. instncia , torna-se obrigatria a constituio de advogado na fase do recurso.

    Se a secretaria do tribunal tiver recusado o recebimento da petio inicial referente a uma aco cujo valor, por hiptese, no ultrapassa o da alada dos tribunais de 1. instncia, o interessado pode reclamar para o juiz do acto que impediu a proposio da aco (artigo 475., n. 1). Caso o juiz confirme a recusa de recebimento, permanece aberta a via do recurso at Relao, apesar de, em face do valor da aco, no se encontrarem preenchidos os critrios gerais de admissibilidade dos recursos (artigo 475., n. 2). Para este recurso obrigatria a constituio de advogado, embora a deciso impugnada respeite a um processo em que as partes esto autorizadas a litigar por si. Regime idntico vale para os recursos interpostos das decises proferidas nos julgados de paz em que obrigatria a constituio de advogado (artigo 38., n. 3, da Lei n. 78/2001), apesar do carcter facultativo do patrocnio judicirio enquanto os processos correm nestes tribunais.

    Conhecidas as razes subjacentes exigncia do patrocnio judicirio nos recursos, entendia-se que a representao por mandatrio judicial no se tornava obrigatria quanto ao mero acto da respectiva interposio. Com efeito, ao interpor o recurso, o recorrente limita-se a manifestar a discordncia com a deciso que o desfavorece (sem ter de indicar as razes em que se baseia) e a vontade de a submeter reapreciao de um tribunal superior. Sendo este o contedo normal do acto de interposio do recurso, no haveria que constituir advogado para a sua prtica, visto no se suscitarem a questes de direito (artigo 32., n. 2, in fine). No entanto, devia restringir-se semelhante entendimento,

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    de maneira a alargar-se a exigncia do patrocnio judicirio ao acto da interposio, sempre que nele se levantassem questes de natureza jurdica, como acontece quando a admissibilidade do recurso depende de um fundamento especfico traduzido, quer na ofensa de determinadas disposies legais, quer no facto de o tribunal a quo se ter afastado de jurisprudncia anteriormente fixada ou uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justia (artigo 678., n. 2).

    Aps a reforma do regime dos recursos, introduzida pelo Decreto-Lei n. 303/2007, de 24 de Agosto, o requerimento deve incluir a alegao do recorrente (artigo 684.-B, n. 2), pelo que as razes que fundamentam a impugnao da deciso proferida pelo tribunal a quo tm de ser expostas em simultneo com a manifestao da vontade de recorrer. Por conseguinte, na interposio do recurso devem suscitar-se as questes de direito e de facto sobre as quais o tribunal ad quem vai ser chamado a pronunciar-se, pelo que diminuram radicalmente as situaes de aplicao da parte final do n. 2 do artigo 32. em sede de recursos. No caso de sentenas ou despachos orais proferidos em audincia onde a parte esteja presente sem patrono, admite-se que o requerimento de interposio seja imediatamente ditado para a acta (artigo 684.-B, n. 3), ficando a apresentao das alegaes para momento posterior. Por exemplo, num processo a correr num julgado de paz, a sentena proferida na audincia de julgamento (artigo 57. da Lei n. 78/2001, de 13 de Julho), nada impedindo que a parte vencida (ou ambas, se o decaimento for recproco) que esteja presente, caso o valor da aco exceda 2500,00 (artigos 62., n. 1, da Lei n. 78/2001, e 24., n. 1, da LOFTJ), manifeste logo a vontade de recorrer, que ficar consignada na acta. Em tais circunstncias, o pressuposto processual do patrocnio judicirio s requerido para o acto de alegar.

    4. Tambm obrigatria a constituio de advogado nas causas propostas directamente nos tribunais superiores (artigo 32., n. 1, alnea c)). As aces tm incio nos tribunais de 1. instncia que forem competentes para delas conhecer. Existem, todavia, algumas excepes a esta regra, no sentido de fazer intervir tribunais superiores como tribunais de entrada de determinadas aces em

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    ateno ao respectivo objecto. Da que os artigos 71. e 72. refiram, respectivamente, que as Relaes e o Supremo Tribunal de Justia conhecem, alm dos recursos, das causas que por lei sejam da sua competncia. Assim, compete s seces cveis do Supremo Tribunal de Justia julgar as aces propostas contra juzes deste tribunal e dos tribunais da Relao e magistrados do Ministrio Pblico que exeram funes junto de ambos os tribunais, ou equiparados, quando se trate de responsabilidade fundada em actos praticados por causa do exerccio das suas funes (artigo 36., alnea c), da LOFTJ). Por sua vez, compete s seces cveis dos tribunais da Relao julgar as aces propostas contra juzes de direito, procuradores da Repblica e procuradores-adjuntos, quando esteja em causa a responsabilidade resultante de actos praticados por causa das suas funes; julgar os processos de reviso de sentena estrangeira; e conceder o exequtur s decises proferidas pelos tribunais eclesisticos (artigo 56., n. 1, alneas b), f) e g), da LOFTJ). Em todas as situaes descritas obrigatrio o patrocnio judicirio.

    5. Nos processos da competncia dos julgados de paz exigida a constituio de mandatrio judicial, quando a parte seja cega, surda, muda, analfabeta, desconhecedora da lngua portuguesa ou, se por qualquer outro motivo, se encontrar numa posio de manifesta inferioridade (artigo 38., n. 2, da Lei n. 78/2001). O patrocnio judicirio pode ser exercido, nesta hiptese, por advogado, advogado estagirio ou solicitador (artigo 38., n. 1, da Lei n. 78/2001).

    53. Modos de conferir o patrocnio judicirio. Contedo do mandato judicial. Quem pode exerc-lo.

    A constituio de mandatrio judicial faz-se atravs da celebrao de contrato de mandato ou de negcio jurdico unilateral destinado a conferir poderes de representao (procurao). Em qualquer dos casos, tem de existir aceitao do mandatrio que pode manifestar-se de forma expressa ou resultar de

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    comportamento concludente, como, por exemplo, a apresentao da procurao com o articulado subscrito em representao da parte (artigo 36., n. 4).

    A procurao caracteriza-se pelo modo unilateral como se exterioriza a concesso de poderes. Com efeito, o representado limita-se a manifestar a vontade de que o procurador actue por sua conta e no seu interesse. Subjacente ao acto unilateral da procurao encontra-se uma relao jurdica que delimita a finalidade para que a representao foi confiada ao procurador. Essa relao jurdica funciona como causa da procurao, mas no vincula o procurador a comportar-se como mero nncio da vontade do dominus, consentindo-lhe o grau de autonomia suficiente para actuar com vista ao preenchimento do fim acordado pelas partes.

    Existe uma associao pblica, dotada de personalidade jurdica a Ordem dos Advogados (OA) , a quem compete a atribuio do ttulo profissional de advogado, a regulamentao do exerccio da respectiva profisso, bem como a representao e defesa dos interesses de todos os que exercem profissionalmente a advocacia. Os seus Estatutos (EOA) constam da Lei n. 15/2005, de 26 de Janeiro.

    Por via de regra, s os advogados com inscrio em vigor na OA exercem em plenitude o mandato forense, podendo desenvolver a sua actividade profissional perante qualquer jurisdio e em todo o territrio nacional (artigo 61., n. 1, do EOA e artigo 1., n.s 1 e 5, alnea a), da Lei n. 49/2004, de 24 de Agosto, que define o sentido e o alcance dos actos prprios dos advogados e solicitadores). O mandato forense o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comisses arbitrais e os julgados de paz, conforme determinam o artigo 62., n. 1, alnea a), do EOA e o artigo 2. da mencionada Lei n. 49/2004.

    Os advogados estagirios dispem de competncia para a prtica de alguns actos profissionais, aps terem realizado a primeira parte do estgio (com a durao mnima de 6 meses) e obtido a correspondente cdula profissional (artigo 188., n.s 2 e 3, do EOA). Na segunda fase do estgio, o advogado adquire autonomia para a prtica de determinados actos profissionais, embora

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    actue ainda sob a orientao do seu patrono. Concretamente, pode exercer o patrocnio judicirio em processos cveis quando o respectivo valor caiba na alada da 1. instncia onde se inclui o patrocnio judicirio nas causas para que sejam competentes os julgados de paz, ainda que nelas o patrocnio seja obrigatrio (artigo 38. da Lei n. 78/2001) , em processos da competncia dos tribunais de menores e em processos de divrcio por mtuo consentimento (artigo 189., n. 1, alneas b) e c), do EOA). Ao advogado estagirio ainda consentida a prtica de actos prprios da advocacia em todos os demais processos, independentemente da sua natureza e do seu valor, desde que efectivamente acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocnio, seja o seu patrono ou o seu patrono formador (artigo 189., n. 2, do EOA).

    Com o objectivo de permitir, quer o aproveitamento das vantagens da especializao dos advogados em determinadas reas, quer a racionalizao dos meios requeridos pela prestao de servios jurdicos cada vez mais complexos e de carcter interdisciplinar, acha-se prevista a possibilidade de dois ou mais advogados acordarem no exerccio em comum da profisso de advogado, repartindo entre si os respectivos lucros. O regime jurdico das sociedades de advogados consta do Decreto-Lei n. 229/2004, de 10 de Dezembro. Trata-se de sociedades civis dotadas de personalidade jurdica, adquirida a partir da data do registo do contrato de sociedade (artigo 3., n. 1, do Decreto-Lei n. 229/2004)13.

    Para alm dos scios, podem integrar-se na sociedade outros advogados que exercem a actividade profissional na qualidade de associados. Os direitos e deveres destes ltimos constam do contrato de sociedade ou dos planos de carreira que definem o seu estatuto e critrios de progresso (artigos 6. e 62. do Decreto-Lei n. 229/2004). Nas procuraes forenses deve indicar-se obrigatoriamente a sociedade de que o advogado ou advogados constitudos

    13 Exige-se a aprovao prvia do projecto de contrato de sociedade pelo Conselho Geral

    da OA, ao qual deve ser enviada posteriormente cpia autenticada do contrato, a fim de se proceder a registo em livro prprio (artigos 8. e 9., n.s 1, 2 e 4, do Decreto-Lei n. 229/2004, de 10 de Dezembro). Fica, ainda, sujeita a registo a identificao de todos os advogados associados e advogados estagirios que exeram actividade profissional na sociedade de advogados (artigo 9., n. 3, do Decreto-Lei n. 229/2004). Compete OA comunicar Direco-Geral da Administrao da Justia os registos que efectue (artigo 9., n. 4, do Decreto-Lei n. 229/2004).

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    fazem parte (artigo 5., n. 6, do Decreto-Lei n. 229/2004). Quando o mandato forense seja conferido a scio ou scios concretamente designados, no se estende aos demais scios. Mas nada impede que haja substabelecimento do patrocnio judicirio em qualquer deles (artigo 5., n. 7, do Decreto-Lei n. 299/2004), uma vez que nos poderes forenses gerais se presume estar includo o de substabelecer o mandato (artigo 36., n. 2).

    Excepcionalmente, o patrocnio judicirio obrigatrio pode ser exercido por solicitador, quando no haja advogado na comarca (artigo 32., n. 4) ou quando o processo corra num julgado de paz (artigo 38., n.s 1 e 2, da Lei n. 78/2001). Nas causas em que no exista obrigatoriedade da constituio de advogado, pode o mandato forense ser conferido a solicitador com inscrio em vigor na Cmara dos Solicitadores (artigos 34. do Cd. Proc. Civ. e 99., n. 1, do Estatuto da Cmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n. 88/2003, de 26 de Abril). Na realidade, o exerccio do mandato forense pertence tambm categoria dos actos prprios da profisso de solicitador, verificando-se o respectivo exerccio dentro dos limites consentidos pela legislao processual (artigos 1., n.s 1 e 5, alnea a), e 11. da mencionada Lei n. 49/2004).

    Em princpio, o mandatrio judicial escolhido pela parte, mas encontram-se previstas algumas situaes de designao por outra via. Quando a parte no encontre na circunscrio judicial quem aceite voluntariamente o seu patrocnio, a nomeao de advogado pode ser requerida ao presidente do conselho distrital da OA ou respectiva delegao (artigo 43., n. 1). Tambm nos recursos interpostos por ausentes, incapazes e incertos que no possam ser representados pelo Ministrio Pblico deve o juiz, no despacho em que defira o requerimento de interposio, solicitar ao conselho distrital da OA a nomeao de advogado (artigo 685.-C, n. 3). Verifica-se, portanto, que a interveno do conselho distrital pode ser solicitada, tanto pela parte, como pelo juiz dentro do condicionalismo referido.

    A nomeao de patrono pode ainda competir directamente ao juiz nas situaes seguintes: se existir urgncia; quando a entidade competente no realize a nomeao em 10 dias (artigos 44., n. 2, 283., n. 1, e 521., n. 2); ou

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    quando profira despacho de excluso de quem esteja a exercer o patrocnio sem inscrio em vigor na OA, devendo ento nomear de imediato advogado oficioso que represente os interessados, at que estes regularizem a representao dentro do prazo estabelecido (artigo 183., n. 3, do EOA).

    Quanto forma externa a observar na outorga dos poderes de representao em juzo, o artigo 35. prev a utilizao de instrumento pblico ou de documento particular que no carece de interveno notarial (alnea a)). O mandato judicial pode ainda ser conferido mediante declarao verbal expressa da parte que ter de ficar registada por escrito nos autos (artigo 35., alnea b)). Esta declarao insuficiente s por si para a outorga do mandato, sendo necessria a aceitao subsequente do mandatrio.

    consentido o exerccio profissional da advocacia em Portugal a pessoas que tenham a qualidade de advogado reconhecida em algum dos pases pertencentes Unio Europeia (UE). As condies e modalidades em que os servios prprios da profisso de advogado podem ser prestados em Portugal por advogados de outros Estados-membros da UE esto referidas nos artigos 196. e segs. do EOA. Esse regime resultou da transposio para a ordem jurdica portuguesa da Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Maro de 1977, tendente a facilitar o exerccio efectivo da livre prestao de servios pelos advogados, e da Directiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exerccio permanente da profisso de advogado num Estado-membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificao profissional14.

    Qualquer daqueles advogados pode exercer a actividade utilizando o ttulo profissional de origem, expresso na respectiva lngua oficial, e com a indicao da organizao a que pertence ou da jurisdio junto da qual se acha admitido, nos termos da lei do pas de provenincia. Se pretender estabelecer-se a ttulo permanente em Portugal, para aqui exercer a sua actividade nos termos referidos, obrigatria a efectivao de registo prvio na OA (artigo 198., n. 2, do EOA).

    14 Os mencionados diplomas encontram-se publicados, respectivamente, no Jornal

    Oficial das Comunidades Europeias, n. L 78, de 26 de Maro de 1977, pgs. 17 e segs., e n. L 77, de 14 de Maro de 1998, pgs. 36 e segs..

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    Porm, os advogados da UE que se encontrem nesta situao podem exercer a representao e o mandato judicial unicamente sob a orientao de advogado inscrito na OA (artigo 197., n. 2, do EOA).

    Caso os advogados da UE queiram estabelecer-se no territrio nacional para aqui exercerem com carcter de permanncia a actividade usando o ttulo profissional de advogado, em plena igualdade de direitos e deveres com os advogados portugueses, exige-se a sua inscrio prvia na OA (artigo 200., n. 1, do EOA). A mencionada inscrio depende, em regra, de aprovao num exame de aptido, a realizar nos termos do Regulamento de Registo e Inscrio de Advogados Provenientes de Outros Estados-membros da UE, constante do anexo I Lei n. 80/2001, de 20 de Julho (artigo 200., n. 3, do EOA).

    No entanto, encontram-se dispensados do exame de aptido os advogados da UE que estejam registados na OA, para o efeito de exercerem em permanncia a sua actividade com o ttulo profissional de origem, desde que provem ter exercido em Portugal, por um perodo mnimo de trs anos, actividade efectiva e regular no domnio do direito interno portugus ou do direito comunitrio (artigo 200., n. 4, do EOA). O mencionado exame de aptido pode ainda ser dispensado, apesar da falta do requisito do exerccio da actividade profissional naqueles domnios, quanto aos advogados da UE que se encontrem registados h mais de trs anos na OA. O exame no ter lugar, sempre que os interessados demonstrem ter conhecimentos e experincia profissional suficientes, nos domnios do direito interno portugus ou do direito comunitrio, para exercer a profisso com a dignidade e a competncia exigveis aos advogados portugueses (artigo 200., n. 5, do EOA).

    O registo dos advogados da UE na OA permite-lhes constituir validamente, perante o direito interno portugus, sociedades de advogados, quer entre si, quer com advogados portugueses ou de diferentes Estados-membros da UE. Porm, exige-se que no sejam scios de sociedade de advogados constituda nos termos do direito interno do respectivo Estado (artigos 5., n. 2, do Decreto-Lei n. 229/2004 e 202., n. 3, do EOA).

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    54. Consequncias da falta do patrocnio. Falta ou irregularidade do mandato.

    Se a parte se apresenta a litigar por si, sem ter constitudo advogado quando o patrocnio judicirio obrigatrio, gera-se uma situao de falta de pressuposto processual (artigos 288., n. 1, alnea e), 493., n. 2, e 494., alnea h)). Est-se diante de uma situao em que a secretaria pode ter alguma interveno, caso a falta diga respeito ao autor, uma vez que sobre ela recai o dever de recusar o recebimento da petio inicial, sempre que esta no contenha a indicao do domiclio profissional do mandatrio que a subscreve (artigos 467., n. 1, alnea b), e 474., alnea c)).

    Se tal deficincia no for detectada nesta altura e o processo prosseguir com a citao do ru e a juno aos autos dos demais articulados, o juiz deve, nos termos do artigo 33., ordenar a notificao da parte qual pertence a iniciativa de designar o mandatrio, no sentido de promover a constituio de quem a representa no processo, sob pena de, no o fazendo dentro do prazo indicado, o ru ser absolvido da instncia, se a sanao depender do autor, ou de a defesa ficar sem efeito, quando essa iniciativa recaia sobre o ru.

    No caso de a secretaria rejeitar a petio inicial com base na aludida alnea c) do artigo 474. e o autor, inconformado com semelhante deciso, impugnar o acto de no recebimento atravs da reclamao prevista no artigo 475., n. 1, o tribunal, se entender que no existe fundamento para revogar a referida recusa, ordena a notificao do autor para promover a regularizao da instncia no prazo fixado para o efeito. A consequncia da falta de constituio de mandatrio, segundo os termos constantes do despacho judicial provocado pela reclamao, deve consistir no indeferimento liminar, embora a redaco do artigo 234.-A, n. 1, deixe transparecer que o legislador no cuidou de prever a hiptese em anlise. Trata-se de uma excepo dilatria de conhecimento oficioso, mas suprvel, pelo que estaria fora da previso da mencionada norma. No entanto, aps a recusa do suprimento, a excepo passa categoria de insuprvel dentro daquele processo em concreto, conseguindo-se, assim, a

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    interpretao mais razovel da norma que prev as situaes de indeferimento liminar.

    Pode acontecer que haja interveno do mandatrio no processo, mas no lhe tenha sido outorgada procurao, ou esta seja insuficiente ou irregular. O artigo 40., n. 2, prev que o suprimento se efectue na sequncia de despacho judicial destinado a proporcionar parte interessada a sanao da falta ou da irregularidade. Como na hiptese agora analisada foram praticados actos em juzo por quem interveio desprovido da credencial habilitante do exerccio do patrocnio, a sanao no se basta com a outorga a posteriori da procurao forense. Acresce compreensivelmente a exigncia de uma tomada de posio pessoal da parte sobre o processado, ratificando ou rejeitando a actividade desenvolvida por quem esteve a actuar como seu representante em juzo. A atitude perante o modo como o processo foi conduzido at ento tem que provir da prpria parte ou do advogado regularmente constitudo, mas ao qual foram conferidos poderes especiais para o acto da ratificao.

    Em caso de urgncia, o patrocnio pode ser exercido ao abrigo do instituto da gesto de negcios, conforme previsto no artigo 41., n. 1, indicando o mandatrio expressamente a qualidade em que est a intervir no processo. O tribunal fixa prazo para a gesto ser ratificada, devendo esse despacho ser notificado pessoalmente parte cujo patrocnio o gestor assumiu (artigo 41., n. 3). Se for recusada a ratificao, o gestor suporta as custas que provocou com a interveno, incorrendo em responsabilidade civil pelos danos causados parte contrria e parte cujos interesses esteve a gerir no processo (artigo 41., n. 2).

    55. Competncia dos tribunais. 55.1. Noo. Confronto com figuras prximas. Atribuio Assembleia da Repblica do poder de legislar sobre organizao e competncia dos tribunais (reserva relativa).

    O exerccio da funo jurisdicional ou jurisdio pertence em conjunto a todos os tribunais (artigo 202., n. 1, da Constituio). Todavia, razes de praticabilidade implicam que esse poder global se encontre repartido entre os

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    vrios tribunais que integram a organizao judiciria, em obedincia a critrios estabelecidos por normas cuja funo se esgota no fraccionamento do exerccio da tutela judicial dos direitos (normas de competncia). Enquanto a jurisdio designa, de modo genrico, a funo de julgar atribuda ao conjunto dos tribunais, para ser exercida em relao a todas as possveis aces que neles hajam de ser propostas, a competncia exprime a parcela daquele poder que est concretamente entregue, por intermdio das normas de competncia, a cada um

    dos tribunais. Entre jurisdio e competncia no existe diferena qualitativa a competncia tambm substancialmente jurisdio , mas to-s quantitativa: a competncia representa o quantum de jurisdio atribudo a cada tribunal em resultado da aplicao das normas que fixam os critrios de distribuio do poder de julgar.

    A competncia em sentido objectivo exprime a medida da jurisdio pertencente a cada tribunal, merc da repartio do poder de julgar operada em termos gerais e abstractos, portanto, sem atender ligao da actividade do julgador com as aces que lhe estejam ou venham a estar afectas. Por sua vez, a competncia em sentido subjectivo designa a parcela de jurisdio em que assenta o dever funcional de exerccio da actividade necessria ao desenvol-vimento e deciso das aces atribudas em concreto a determinado tribunal, por nele concorrerem ao mesmo tempo todos os factores que lhe conferem o poder de as julgar. A origem da competncia para o julgamento das aces no se encontra necessariamente nos critrios previstos em normas destinadas a esse fim (forum legale). Observados certos requisitos, a competncia subjectiva pode basear-se tambm na vontade de as partes submeterem a apreciao do litgio ao tribunal por elas indicado (forum prorrogatum).

    Em rigor, a presena dos factores de conexo que concorrem no sentido de atribuir a determinado tribunal o julgamento de uma aco define apenas o mbito do poder de julgar que lhe conferido em face dos restantes tribunais, pertencendo a outro sector normativo estabelecer o modo como se organiza no plano interno a diviso do servio entre os magistrados que esto adstritos a cada tribunal e entre as seces de processos que integram a respectiva secretaria.

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    Numa acepo muito peculiar, esta repartio do servio dentro do tribunal recebe, por vezes, a designao de competncia interna, no sentido de competncia estrutural15. Saber se, p. ex., na comarca do Porto, determinada aco vai ser tramitada na 1., 2., 3. ou 4. vara cvel ou qual a seco de processos por ela responsvel so questes do domnio da estrutura interna do tribunal, pelo que a resposta que se lhes d no interfere com a repartio do poder de julgar perante outros tribunais. Os mencionados aspectos da organizao do servio no interior de cada tribunal resolvem-se atravs do procedimento da distribuio (artigos 209. e segs.)16.

    E podem no terminar aqui as implicaes resultantes da diviso de funes dentro da estrutura complexa dos tribunais. Apurada a vara cvel a que foi distribudo o processo, importa atender ao modo como vai efectuar-se o julgamento da matria de facto, pois continua a estar prevista a possibilidade de

    15 Em ROSENBERG/SCHWAB/GOTTWALD, Zivilprozessrecht, 15. ed., Mnchen: Beck,

    1993, 30, I, 4, pg. 151, salienta-se que a competncia se refere ao tribunal considerado como um todo e no ao corpo que dentro da sua estrutura orgnica profere a deciso. Consequentemente, no rigoroso qualificarem-se como incompetncia as situaes em que existe inobservncia de normas que se limitam distribuio do servio no plano interno (innere Geschftsverteilung). 16

    A nvel da organizao interna dos tribunais superiores a repartio do poder de julgar caracteriza-se pela presena do critrio da especializao consoante as matrias que integram o objecto dos processos que deram origem aos recursos. Assim, os tribunais da Relao compreendem seces em matria cvel, em matria penal e em matria social (artigo 51., n. 1, da LOFTJ). Nos tribunais da Relao situados fora da sede do distrito judicial, como acontece com o Tribunal da Relao de Guimares (j instalado) e o Tribunal da Relao de Faro (ainda por instalar), a existncia da seco social depende do volume ou da complexidade do servio (artigo 51., n. 2, da LOFTJ), cabendo, na falta dessa seco, ao tribunal da Relao da sede do distrito judicial apreciar os recursos da competncia dos tribunais do trabalho (artigo 51., n. 3, da LOFTJ). Especializao anloga est presente na organizao do Supremo Tribunal de Justia, onde existem sempre as referidas seces, s quais acresce ainda uma seco para julgamento dos recursos das deliberaes do Conselho Superior da Magistratura (artigo 27., n.s 1 e 2, da LOFTJ). A qualificao do objecto dos recursos, em funo das matrias que interessa considerar no plano da competncia interna dos tribunais superiores, j se encontra, as mais das vezes, predeterminada pelo modo como a questo da competncia foi decidida na 1. instncia, no assumindo, em regra, relevo autnomo. Da que a matria s interfira directamente com a distribuio quando os tribunais superiores intervenham, a ttulo excepcional, como 1. ou nica instncia (artigos 224., 4. e 5. espcies, e 225., 3. e 5. espcies). Embora o modo normal de funcionamento dos tribunais superiores seja atravs da interveno isolada das seces, est previsto o julgamento de determinadas questes em plenrio ou em pleno das seces especializadas (artigos 28. e 52. da LOFTJ).

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    interveno do Tribunal Colectivo neste domnio (artigo 106., alnea b), da LOFTJ), desde que ambas as partes o requeiram (artigos 508.-A, n. 2, alnea c), 512., n. 1, e 646., n. 1). Trata-se de uma questo referente ao funcionamento da prpria vara cvel e no da repartio de competncia entre tribunais, pois o Tribunal Colectivo no se apresenta como um rgo dotado de autonomia externa no quadro da organizao judiciria (artigos 105. e 107. da LOFTJ). O problema coloca-se em termos idnticos nas comarcas onde no existem varas cveis (ou varas de competncia mista), pois o julgamento colegial da matria de facto vai decorrer em tribunais de 1. instncia que, ao invs do que sucede com os referidos tribunais de competncia especfica, no dispem de juzes privativos em nmero suficiente para assegurar a formao do colectivo (artigos 105., n. 2, e 129. da LOFTJ).

    Encontram-se especialidades a nvel da distribuio de funes em 1. instncia, no que respeita ao julgamento da matria de facto e deciso final do litgio, tanto na hiptese o Tribunal Colectivo intervir, como na de essa interveno, apesar de admitida na lei, no se concretizar unicamente por falta do acordo das partes. Assim, se estiveram reunidos os requisitos que tornam obrigatria a interveno do Tribunal Colectivo e, no obstante, apenas o juiz da causa se pronunciar sobre questes de facto que deviam ser objecto de julgamento colegial (artigo 646., n. 1), observa-se o regime da incompetncia relativa de conhecimento oficioso. No entanto, a aludida preterio do Tribunal Colectivo pode ser conhecida somente at ao encerramento da audincia de discusso e julgamento (artigo 110., n.s 2 e 4). Ultrapassada esta fase, o tribunal tem que aplicar o direito matria de facto tal como foi julgada, tornando-se irrelevante a inobservncia dos critrios de repartio de poderes dentro do prprio tribunal.

    A deslocao de elementos retirados do regime da incompetncia (relativa) para um plano onde se regista a infraco de regras que se limitam a operar a distribuio de funes no interior do mesmo tribunal, destina-se a conferir maior consistncia garantia do julgamento colegial da matria de facto que as partes quiseram instituir. Em rigor, no se est diante de uma questo pertencente ao

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    domnio do pressuposto processual da competncia; o que se verifica o aproveitamento do regime estabelecido para a incompetncia sujeita ao conhecimento oficioso do tribunal como expediente capaz de tutelar com eficcia acrescida a realizao dos objectivos que se acham ligados ao modo de julgamento por que os litigantes optaram de comum acordo. Com a evoluo do processo para as fases subsequentes ao encerramento da mencionada audincia final, a inobservncia do julgamento pelo colectivo, sem que a partes reajam contra a omisso ou o juiz que preside audincia dela se aperceba, deixa de apresentar quaisquer reflexos no plano da regularidade do processo.

    J na hiptese de o Tribunal Colectivo exorbitar das suas funes, por incluir nas respostas que der aos artigos da base instrutria a apreciao de questes de direito ou se pronunciar sobre factos que s possam provar-se atravs de meios dotados de fora probatria legal ou estejam plenamente provados nos autos, a situao localiza-se no sector das nulidades processuais de conhecimento oficioso (essas respostas tm-se por no escritas; cfr. artigo 646., n. 4). O tribunal compromete-se ento com qualificaes normativas, ultrapassando a fronteira das meras respostas s questes de facto. No se d, nesta eventualidade, infraco de regras atributivas de competncia, pois a inobservncia dos limites impostos interveno do Colectivo em nada contende com a repartio do poder de julgar entre tribunais, mas interfere apenas com o mtodo de julgamento assente na deciso prvia e formalmente separada das questes de facto a que ser aplicado o direito.

    Como se salientou, a mera possibilidade da interveno do Tribunal Colectivo implica especialidades no desenvolvimento de certas fases do processo, apesar de as partes terem mostrado preferncia pelo julgamento singular da matria de facto. Tambm no se est diante de normas de competncia, mas de regras atinentes organizao interna e ao funcionamento dos tribunais, quando se determina que, aps a preparao do processo pelo juiz a quem ele foi distribudo, o julgamento da matria de facto e a elaborao da sentena final pertencem ao juiz que deveria presidir ao Tribunal Colectivo, caso

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    essa interveno tivesse ocorrido na realidade (artigos 646., n. 5, do Cd. Proc. Civ. e 108., n. 1, alneas c) e d), da LOFTJ)17. A simples presena dos requisitos que abriam s partes a possibilidade de desencadearem a interveno

    do Tribunal Colectivo o valor da aco e a circunstncia de a tramitao para

    ela prevista admitir que o julgamento da matria de facto se faa perante o mencionado Tribunal levou o legislador, mesmo na ausncia do requerimento

    das partes necessrio quela interveno, a dar-lhes a garantia de que a audincia final e a sentena fossem entregues a um magistrado mais experiente do que aquele que preparou o processo na fase inicial. O tribunal competente continua a ser o mesmo onde a aco foi proposta, apresentando o processo a particularidade de, no decurso da sua marcha, se registar a interveno sucessiva de dois magistrados. S assim no ser, se a presidncia do Tribunal Colectivo houver de ser atribuda ao juiz a quem o processo foi distribudo, como acontece quando o tribunal dispe de juzes privativos em nmero suficiente para a respectiva formao ( o caso das varas cveis ou mistas) ou quando no se trata de tribunais de comarca (artigo 107., n. 1, alneas b) e c), da LOFTJ).

    Dado que as normas de competncia em sentido prprio distribuem o exerccio da funo jurisdicional entre os vrios tribunais, compreende-se que, qualquer que seja o sector onde se destinam a actuar, o artigo 165., n. 1, alnea p), da Constituio estabelea a reserva de competncia legislativa da Assembleia da Repblica. Trata-se, no entanto, de reserva parlamentar relativa, pelo que o Governo pode ocupar-se desta matria servindo-se do modo de produo normativa que o decreto-lei (artigo 201., n. 1, alnea b), da Constituio), desde que o faa ao abrigo de leis que o autorizam a intervir no domnio em causa. Tais leis definem o objecto, o sentido, a extenso e a durao da autorizao legislativa (artigo 165., n. 2, da Constituio), pelo que se verifica inconstitucionalidade orgnica, caso o Governo legisle sobre organizao judiciria sem atender aos limites que lhe foram impostos.

    17 Sobre a determinao do juiz que exerce a presidncia do Tribunal Colectivo, v. o

    artigo 107. da LOFTJ.

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    55.2. Integrao da competncia no instituto dos pressupostos processuais. Implicaes prticas. Mostra-se pacfico, perante o direito constitudo, o entendimento de que a competncia dos tribunais figura entre os requisitos de admissibilidade do processo (pressupostos processuais), originando a sua falta o aparecimento da correspondente excepo dilatria (artigo 494., alnea a)), que impede o tribunal de se pronunciar sobre a questo de fundo (artigo 493., n. 2). Semelhante qualificao em nada fica prejudicada com o facto de no existir um modelo nico de incompetncia, fruto da subordinao do pressuposto processual em anlise a regimes jurdicos diferenciados18 e de a procedncia da excepo implicar, umas vezes, a absolvio da instncia (artigo 288., n. 1, alnea a)), outras vezes, a remessa dos autos para o tribunal considerado competente (artigo 111., n. 3).

    Valor da sentena de mrito transitada em julgado quando proferida por tribunal incompetente. A incompetncia do tribunal, mesmo na sua modalidade mais grave (incompetncia absoluta), participa do regime geral dos pressupostos processuais. Alcanado o trnsito em julgado da sentena sobre o fundo da causa, a deficincia que afectou o processo perde a sua nocividade19: essa infraco das normas que distribuem o poder de julgar no pode ser invocada como fundamento de oposio execuo da sentena que o tribunal proferiu sobre o mrito, condenando o ru, agora na veste de executado, a cumprir determinada prestao (artigo 814.), nem constitui fundamento do recurso de reviso (artigo 771.). A sentena proferida por tribunal incompetente produz os efeitos

    18 O Cd. Proc. Civ. consagra dois regimes jurdicos distintos para a excepo dilatria

    da incompetncia, nos artigos 101. a 107. (incompetncia absoluta) e 108. a 114. (incompetncia relativa). A esta dualidade de regimes acrescem as disposies sobre incompetncia privativas dos julgados de paz (cfr. artigo 7. da Lei n. 78/2001, de 13 de Julho). 19

    Cfr. JOS ALBERTO DOS REIS, Comentrio ao Cdigo de Processo Civil, vol. 1., 2. edio, Coimbra: Coimbra Editora, 1960, pg. 149. O mencionado Autor sustenta que o regime da irrelevncia da incompetncia absoluta aps o trnsito em julgado se aplica, tanto no caso de ser um tribunal judicial a pronunciar-se sobre questes da competncia de outras ordens jurisdicionais, como na hiptese de um tribunal integrado em alguma destas ordens decidir a ttulo principal questes pertencentes ordem dos tribunais judiciais (v., tambm, pgs. 148 e 150).

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    caractersticos das decises judiciais transitadas em julgado, uma vez que o vcio ocorrido se situa num patamar que no interfere com a validade do acto de julgamento.

    Termos em que deve ser tratada a matria de facto relevante para a determinao da competncia. H factores de atribuio da competncia que implicam a tomada em considerao de aspectos da realidade que interessam simultaneamente deciso do mrito da causa, pelo que so chamados a desempenhar uma funo dupla na economia do processo: neles se encontra a base, tanto para a aferio do pressuposto processual em anlise, como para a resposta pretenso do autor. A diferente intencionalidade com que o direito aproveita os mesmos factos envolve a sua sujeio a regimes jurdicos diferenciados.

    Desde logo, para a determinao da competncia importa atender situao de facto trazida aos autos tal como foi apresentada no momento da proposio da aco (artigo 22., n. 1, da LOFTJ), enquanto a pronncia sobre a questo de fundo implica a contemplao dos factos trazidos aos autos at ao encerramento da audincia final, desde que se faa a respectiva prova (artigo 663., n. 1, in fine). No entanto, para o funcionamento de critrios de atribuio do poder de julgar ligados situao de facto que integra a causa de pedir, como acontece com a competncia em razo da matria e do territrio, basta atender ao modo como o autor descreveu na petio inicial os elementos objectivos da instncia. No quadro problemtico em anlise, mostra-se desnecessrio controlar a realidade da ocorrncia dos fundamentos de facto invocados20.

    Cumpre ter presente que tais factos desempenham, nesta sede, uma funo limitada ao apuramento de um dos aspectos da admissibilidade do processo que se contenta com a verso inicial levada perante o julgador, semelhana do que

    20 A jurisprudncia segue, sem divergncias, a orientao exposta. Transcreve-se, a

    ttulo exemplificativo, a seguinte passagem retirada do Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 13 de Maio de 2004 (NORONHA DO NASCIMENTO), acessvel em www.dgsi.pt/jstj, processo 04B875: A competncia material do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pelo autor e pela causa de pedir que o consubstancia. , por isso, a petio inicial que nos d a pedra de toque que permite decifrar a competncia: tal o modo como o pedido nos aparece concretamente delineado, assim se fixa qual o tribunal competente para o conhecer.

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    acontece relativamente aos pressupostos processuais em geral. Sempre que os

    tribunais so chamados a emitir um juzo acerca da sua competncia para se pronunciarem sobre as questes de fundo, tm que aceitar como ponto de partida a verso exposta na petio inicial quanto aos factos em que o autor baseia a pretenso e ao consequente pedido de tutela judicial, sob pena de se confundirem os campos onde operam os requisitos de admissibilidade do processo e as condies de procedncia da aco.

    O juzo sobre a admissibilidade do conhecimento do mrito da causa no depende, por conseguinte, da averiguao prvia da realidade da matria de facto alegada, bastando para a aplicao das mencionadas regras de competncia (matria e territrio) atender ao quid disputatum, ou seja, aos termos em que a controvrsia foi apresentada para julgamento. Logo, a competncia, enquanto mero pressuposto processual, existiu, ainda que os factos em que se fundou a sua atribuio venham a ser julgados no provados com a inevitvel improcedncia da aco (quid decisum) ou alguma das partes venha a ser considerada ilegtima e se d a absolvio da instncia com esse fundamento21.

    O que acabou de se referir no significa, de maneira nenhuma, que as tomadas de posio da contraparte no sentido de questionar a competncia do tribunal sejam partida irrelevantes para a posio final sobre o tema. Permanecem sectores da competncia em que a contestao de factos necessrios aplicao das normas que disciplinam a sua atribuio impe que sobre eles recaia instruo, por vezes realizada em incidente prprio, como acontece com a determinao do valor da causa (artigos 305. e segs.)22, ou juntamente com a restante matria de facto adstrita ao julgamento do mrito. Mediante as formulaes utilizadas na doutrina e jurisprudncia nacionais, pretende-se apenas transmitir a ideia de que a deciso sobre a questo da competncia no sofre a interferncia de alegaes de factos destinadas a pr em causa a prpria

    21 V. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noes Elementares de Processo Civil,

    com a colaborao do Prof. ANTUNES VARELA, nova edio revista e actualizada por HERCULANO ESTEVES, Coimbra: Coimbra Editora, 1979, pg. 91. 22

    O valor da causa condiciona a competncia a nvel da 1. instncia em algumas comarcas (artigo 305., n. 2).

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    existncia ou extenso do direito invocado pelo autor e que ele pretende ver tutelado com a procedncia do pedido.

    Assim, no pertence ao domnio dos factos com relevo para a aferio da competncia territorial, mas ao da falta de fundamento do pedido, a alegao de que no se torna possvel a determinao do lugar do cumprimento da obrigao capaz de suportar a competncia do tribunal, porque o contrato em que o autor baseia o pedido de condenao est ferido de invalidade fundada em factos concretos que o ru aduziu ao contestar; ou que a vara cvel carece de competncia para se pronunciar sobre o mrito, merc de o ru ter invocado determinado facto que produz a extino parcial do crdito peticionado em termos tais que o valor da pretenso fica reduzido a um montante inferior ao da alada do tribunal da Relao23. Nas hipteses descritas, est-se no mbito da improcedncia, total ou parcial, do pedido, cuja anlise assenta na definio prvia da competncia do tribunal e dos restantes pressupostos processuais. A deciso sobre a competncia move-se exclusivamente no plano dos requisitos de admissibilidade, no projectando qualquer influncia sobre a resposta que o tribunal chamado a dar se todos os pressupostos processuais estiverem

    reunidos em momento ulterior questo de mrito.

    55.3. Jurisdio e competncia no plano dos conflitos de atribuio das funes do Estado. Critrios de distino. Conflitos positivos e conflitos negativos. No sentido amplo subjacente ao artigo 115., n. 1, jurisdio designa, em simultneo, duas realidades distintas. Numa primeira vertente, a jurisdio engloba o poder de apreciar e decidir questes que pertence genericamente a todos os rgos do Estado adstritos ao exerccio de actividades diferentes da funo jurisdicional. A par desta perspectiva, o legislador serve-se da mesma designao para referir o poder de julgar globalmente atribudo aos tribunais, portanto, abrangendo todos os que se acham integrados nas ordens jurisdicionais

    23 V. ALBERTO LEVONI, Competenza nel diritto processuale civile, em Digesto delle

    Discipline Privatistiche - Sezione Civile, vol. III, 1. edio, Torino: UTET, 1988 (reimpresso, 1998), pgs. 102 e segs. (106 e seg.).

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    existentes. Trata-se de uma noo amplssima de jurisdio que aparece utilizada no artigo 115., n. 1, sem preocupaes de carcter dogmtico, para demarcar o campo onde intervm os mecanismos seguidos na resoluo dos designados conflitos de jurisdio, ou seja, as situaes que podem gerar-se pela presena de entendimentos contraditrios quanto questo preliminar de se definir como se reparte entre os rgos do Estado a atribuio do poder de aplicar o direito a determinada factualidade e proferir a deciso correspondente.

    Na acepo mais restrita, que aflora na 2. parte do artigo 115., n. 1, o

    termo jurisdio designa to-s o poder de julgar atribudo a todos os tribunais judiciais e no judiciais que integram a organizao judiciria, quando postos em confronto com outros rgos do Estado. nesta dimenso que o artigo 202., n. 1, da Lei Fundamental se refere competncia dos tribunais para realizarem a justia em nome do povo e assim darem concretizao prtica ao poder soberano que lhes foi atribudo. Pode dizer-se que a subjectivao da funo jurisdicional nos rgos a que constitucionalmente pertence o seu exerccio exprime a jurisdio dos tribunais, enquanto actividade materialmente diferenciada das demais funes do Estado.

    A noo de competncia presente no artigo 115., n. 2, corresponde a um entendimento ainda mais circunscrito da funo jurisdicional (ou da jurisdio no sentido acabado de referir), na medida em que o poder de julgar aparece perspectivado nas relaes que se estabelecem entre tribunais todos eles ligados mesma ordem jurisdicional. Aproximando esta acepo das duas antecedentes, verifica-se que, no artigo 115., n. 1, a jurisdio encarada sob o ngulo da relao entre os tribunais tomados no seu conjunto e outros rgos do Estado a que se acham cometidas actividades no jurisdicionais e, ainda, como relao entre tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes, ao passo que, no artigo 115., n. 2, o termo competncia ficou reservado para caracterizar os conflitos que podem eclodir dentro da mesma ordem jurisdicional.

    O desencontro entre os contedos das decises permite estabelecer uma tipologia dos conflitos, tanto de jurisdio, como de competncia, que pode traduzir-se em as autoridades ou tribunais envolvidos reconhecerem que lhes

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    cabe decidir a mesma questo conflito positivo; ou, ao invs, as autoridades ou

    tribunais, quando confrontados com a interpretao das normas que fixam a jurisdio ou a competncia, pronunciam-se no sentido de que no pertence a nenhum deles decidir a pretenso apresentada perante ambos conflito negativo.

    Semelhante classificao tem assento no artigo 115., n.s 1 e 2. Os conflitos de jurisdio pressupem intervenes discordantes de rgos

    integrados em diferentes actividades do Estado ou de tribunais pertencentes a ordens jurisdicionais distintas, o que permite qualific-los como situados no plano da projeco externa do exerccio das funes atribudas s entidades ou rgos envolvidos. Estes conflitos estabelecem-se, p. ex., quando o tribunal de famlia e menores e o conservador do registo civil se declaram simultaneamente competentes para se pronunciarem sobre o pedido de divrcio por mtuo consentimento requerido pelo mesmo casal (conflito positivo); ou quando o tribunal de famlia e menores e o representante do Ministrio Pblico que junto dele exerce funes declinam reciprocamente a competncia para decidirem sobre o pedido de autorizao que o representante legal do incapaz necessita de obter para intervir em determinado acto (conflito negativo). Nas hipteses figuradas, as diferenas de entendimento quanto repartio de atribuies ocorrem entre autoridades pertencentes a diversas actividades do Estado. Tambm se situam na zona dos conflitos de jurisdio as situaes em que as diferenas de interpretao sobre a atribuio do poder para o julgamento de uma aco fundada na responsabilidade civil extracontratual, dirigida cobertura dos danos causados a um particular por uma entidade pblica, se estabelecem, p. ex., entre o tribunal administrativo de crculo e a vara cvel, dado estarem envolvidos dois tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes.

    J os conflitos de competncia geram-se sempre no interior de uma estrutura orgnica instituda para o exerccio de determinada actividade do Estado ou dentro da mesma ordem jurisdicional. Neste sentido, pode dizer-se que se est diante de questes situadas a nvel interno, porque no interferem com o exerccio de outra actividade do Estado ou com decises proferidas por tribunais de outras ordens de jurisdio. Assim, pertence categoria dos conflitos de

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    competncia o que assenta em decises que reconhecem simultaneamente a competncia do tribunal do trabalho e de uma vara cvel para o julgamento da mesma questo (conflito positivo); ou o que se verifica quando o tribunal de comrcio e o juzo cvel declinam a competncia para o julgamento do pedido de declarao de insolvncia de pessoa singular em cujo patrimnio no se integra uma empresa (conflito negativo). Nas hipteses pertencentes a esta categoria de conflitos, sejam eles positivos ou negativos, a divergncia entre as decises no pe em causa que a aplicao do direito se faz atravs da via de um processo que envolve tribunais situados dentro da mesma ordem jurisdicional.

    Aos conflitos com a configurao acabada de descrever veio juntar-se mais recentemente um ncleo novo de questes ligado distribuio da competncia especfica, em resultado de o tribunal onde a aco teve incio, dada a sua estrutura singular, no dispor do numero de juzes necessrio formao do colectivo, mas, entretanto, haver-se registado uma subida do valor da aco que torna possvel requerer-se o julgamento colegial da matria de facto. Ora, se na mesma comarca existir um tribunal de estrutura colegial, podem levantar-se dvidas no que respeita a saber se a referida alterao do valor faz perder a competncia do tribunal onde a aco foi proposta em benefcio do tribunal de estrutura colegial sedeado na mesma comarca, que se mostra apto a constituir o colectivo com os magistrados que lhe esto adstritos. Soluo inversa seria a de manter a competncia do tribunal onde o processo teve incio, devendo organizar-se a tramitao subsequente de modo a permitir a interveno do colectivo atravs da cooperao institucional com o outro tribunal de competncia especfica da mesma comarca que, assim, continuava a ser tido como incompetente.

    Tais conflitos implicam com problemas de competncia estrutural, que se multiplicaram com a adopo em alguns tribunais de competncia especfica concretamente, aqueles onde decorre a aplicao do regime processual previsto no Decreto-Lei n. 108/2006, de 8 de Junho de uma forma processual de cariz experimental, que parece no afastar do seu mbito processos que sofreram

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    alteraes de valor que provocariam a passagem para a forma comum ordinria, se no estivesse a em vigor o RPCE. Tudo est em apurar se essas aces devem continuar no tribunal de origem ou ser remetidas ao tribunal competente em funo do aumento do valor da aco ligado, as mais das vezes, admisso da reconveno (cfr. artigo 308., n. 2).

    Assim, se em aco iniciada num dos juzos cveis do Porto (cfr. o artigo 21., n. 1, alnea b), da Portaria n. 955/2006, de 13 de Setembro) o ru deduzir reconveno (cfr. artigos 8., n. 3, e 11., n. 2, do Decreto-Lei n. 108/2006) que coloca o valor global da aco acima da alada da Relao, o juiz pode considerar que perdeu a competncia de que dispunha, dado haver uma mudana que passou a tornar admissvel a interveno do Tribunal Colectivo. O problema coloca-se precisamente porque o processo se desenvolve a partir de um tribunal que no dispe de juzes privativos para a formao do colectivo, quando na mesma comarca (e instncia) se encontram instalados tribunais cuja composio foi pensada de raiz para o julgamento de processos que seguem a forma ordinria e no mbito dos quais a lei prev a interveno do colectivo.

    Findo o processo inicial com a absolvio da instncia e proposta mais tarde a mesma aco nas varas cveis instaladas nessa comarca, nada impede que prevalea a o entendimento de que, atendendo forma aplicvel no incio do processo, a admisso do pedido reconvencional e a consequente subida do valor da aco no implicam o abandono da forma experimental, pelo que o processo deveria permanecer no juzo cvel. Seguindo-se semelhante perspectiva, as varas cveis no teriam competncia para a preparao e o julgamento da mencionada aco, devendo ser-lhes remetidos os autos por iniciativa do juzo cvel onde o processo entrou unicamente com vista ao julgamento da matria de facto, na hiptese de as partes acordarem na interveno do Tribuna