aposentadoria, profissionalidade e os motivos de ... · issn 2176-1396 aposentadoria,...
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ISSN 2176-1396
APOSENTADORIA, PROFISSIONALIDADE E OS MOTIVOS DE
PERMANÊNCIA NO MAGISTÉRIO PARA PROFESSORES
SECUNDARISTA EM PRÉ-APOSENTADORIA
Angela Cristina Fortes Iório1 – PUC-Rio
Eixo: Formação de Professores
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
Este trabalho é o recorte de uma pesquisa de doutorado, defendida no ano de 2016, com
professores secundaristas em fase de pré-aposentadoria que trabalham com turmas de
ensino médio regular na rede estadual de ensino do estado do Rio de Janeiro, em
colégios estaduais localizados nas zonas sul e oeste, e próximos ao centro do município.
A investigação teve o objetivo de pensar a Aposentadoria Docente e os motivos que
mobilizaram os professores a permanecer atuando em sala de aula durante toda a
trajetória profissional. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja metodologia utilizada
foi a entrevista semi-estruturada pensada com o intuito de mergulhar em profundidade
nas trajetórias dos sujeitos investigados e nos sentidos imprimidos ao exercício da
profissão. Foram entrevistados dezesseis professores, nove homens e sete mulheres, na
faixa etária de 50 a 69 anos de idade, todos licenciados, onze possuem com pós-
graduação. A maioria tem duas matrículas como servidores públicos e lecionam no
ensino médio em colégios estaduais das zonas sul, norte e oeste da cidade do Rio de
Janeiro, em bairros distintos. Todos esses professores deram entrada em seus processos
de aposentadoria no ano de 2015. Alguns autores se constituíram em interlocutores
privilegiados para a análise e interpretação dos dados obtidos: António Nóvoa, Maurice
Tardif e João Formosinho, pela contribuição ao campo da formação, profissionalização
e ação docentes; François Dubet e Claude Dubar, na compreensão da complexidade da
profissão, lançando um olhar sociológico sobre o trabalho docente. Os dados mapeados
evidenciaram que, os professores não se arrependem da carreira escolhida, construíram
uma autoimagem professoral positiva e permaneceram no magistério pelo prazer em
lecionar o conteúdo de suas disciplinas e pela competência relacional que
desenvolveram durante a trajetória docente.
1 Doutora em Ciências Humanas-Educação pela PUC-Rio. Professora da Rede Estadual de Ensino do Rio
de Janeiro. Diretora do ISBAMTO. Pesquisadora da Rede Estrado.
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Palavras-chave: Aposentadoria Docente. Professores Secundaristas. Profissionalidade.
Introdução
Este trabalho é o recorte de uma pesquisa de Doutorado concluída no ano de
2016, a partir dos relatos de professores da Rede Pública Estadual de Ensino do Rio de
Janeiro, lotados em colégios estaduais sob a responsabilidade da Diretoria Regional
Metropolitana VI.
O interesse em pesquisar professores em pré-aposentadoria foi despertado a
partir de dois contextos distintos. O primeiro está relacionado à minha pesquisa de
mestrado (IÓRIO, 2012) com professoras de um colégio da zona norte do Rio de
Janeiro, onde observei que as docentes entrevistadas permaneciam por longos anos na
instituição embora as condições de trabalho desfavoráveis e a remuneração insuficiente.
O segundo contexto se insere no meu trabalho atual na Rede Estadual de Ensino do Rio
de Janeiro, onde observo o quantitativo de professores na faixa etária dos sujeitos desta
investigação que permanecem em sala aula, quiçá as condições de trabalho.
Os dados mapeados evidenciaram que, a maioria dos professores ingressou no
magistério nas décadas de 80 e 90, em um período pós-ditadura militar, vivenciaram o
processo de redemocratização do país, e, portanto, experienciaram gestões públicas de
ensino distintas, com políticas educacionais de maior e menor investimento em
educação.
Em que pesem essas vivências, os professores se mantiveram no magistério até a
aposentadoria. Todos optaram pela docência como profissão em algum momento de
suas vidas e não se arrependem da carreira escolhida. Alguns docentes ingressaram no
magistério logo após a formação acadêmica, outros, entretanto, construíram outros
percursos profissionais e deram início à carreira docente mais tardiamente, acumulando
duas profissões distintas, ou após se aposentarem de outros campos profissionais.
Uma breve apresentação dos sujeitos da pesquisa
Os professores lecionam as seguintes disciplinas: Matemática – Antônia (67)2,
Júnior (69), Manoel (60) e Virgínia (56) –, Matemática e Física – Maria (68); História
– Luiz (57), História e Sociologia – Eduardo (69) e Agostinho (64); Química – Augusto
(69); Geografia – Lúcia (69) e Helena (57); Educação Física – Rafael (56) e Renato
2 O número entre parênteses se refere à idade cronológica do professor.
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(57); Língua Espanhola – Carmen (50); Língua Portuguesa – Francisco (69), Língua
Portuguesa e Inglês – Janaina (54).
Em relação ao tempo de magistério são distintos, alguns professores têm mais de
35 anos de carreira, outros 20 anos ou mais, e, ainda, temos os professores com mais de
10 anos de exercício docente, neste grupo situam-se Augusto e Junior que estão se
afastando da rede estadual de ensino pela aposentadoria compulsória3, pois
completariam 70 (setenta) anos de idade em 2015.
Todos os professores possuem uma boa formação acadêmica, treze professores
concluíram sua formação em universidades públicas de prestígio social e acadêmico -
USP, UFRJ, UERJ, UFF, UFMG. Destes, onze professores possuem pós-graduação,
onze a nível de especialização (mínimo de 360 horas/aula) e uma professora tem, ainda,
o curso de mestrado (Antônia).
Aposentadoria: uma breve explanação
A aposentadoria como um rito de passagem exige do sujeito uma retomada de
posição diante da vida. Geralmente, surge trazendo muitos questionamentos de ordem
psicológica, econômica, social, afetiva, física, dentre outras. Entretanto, não é possível
discutir aposentadoria, sem discutir a importância do trabalho para a construção do
sujeito social.
Na pesquisa realizada por Bosi (2015), o trabalho ocupou boa parte da vida dos
sujeitos entrevistados. Como ela enfatizou em sua investigação, o trabalho estava
fundido à própria substância da vida, com e através do trabalho seus velhos tinham uma
relação visceral com a existência.
Na perspectiva dessa autora:
Todo e qualquer trabalho, manual ou verbal, [...] acaba se incorporando na
sensibilidade, no sistema nervoso do trabalhador; este ao recordá-lo na
velhice, investirá na sua arte uma carga de significação e de valor talvez mais
forte do que a atribuída no tempo da ação. (Bosi, 2015, p. 480)
Segundo Morin et al. (2007), ao trabalho se inserem três dimensões básicas da
existência humana: a dimensão individual (satisfação pessoal, independência e
3 A aposentadoria compulsória é uma imposição legal que obriga o trabalhador a afastar-se do posto de
trabalho que ocupava, independente da sua condição física, mental, etc. A Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 40, §1º, inciso II, determina que todos os funcionários públicos da União, estados,
municípios e do Distrito Federal devem obrigatoriamente se aposentar ao atingir a idade de 70 anos.
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sobrevivência, crescimento e aprendizagem, identidade), a dimensão organizacional
(utilidade, relacionamento, inserção social), e a dimensão social (contribuição social).
Acrescento, ainda, a dimensão do prazer (autocontentamento, gratificação,
autorrealização). Essas dimensões permeiam todos os trabalhos, em especial, a atividade
docente.
Ao definir o termo Aposentadoria, que, segundo o dicionário Aurélio4, significa:
“dar aposento, pousada a: alojar, hospedar. Conceder reforma ou dispensa de
serviços. Pôr de parte, de lado”, observamos que o conceito se encaixa perfeitamente à
concepção tradicional da aposentadoria ou ao modus como a sociedade ocidental encara
esta etapa da vida “pôr de parte, de lado”, alijar do mundo do trabalho.
No Brasil, o direito à aposentadoria surge em 1890 com a concessão desse
benefício aos trabalhadores das estradas de ferro federais pelo Ministério da Função
Pública. Mas, efetivamente, só em 1923, com a promulgação da Lei Eloy Chaves –
Decreto nº 4.682/1923 –, se consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro, com
a criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os empregados das
empresas ferroviárias, que com o passar dos anos foi estendida a outras categorias
profissionais, outras empresas e seus empregados passaram a ter os mesmos benefícios
previdenciários.
De 1930 a 1964, as reivindicações dos segurados da previdência eram feitas por
lideranças sindicais junto aos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) tendo forte
influência junto aos partidos políticos. A partir de 1966 houve a unificação do sistema
previdenciário pelos militares, desarticulando a força sindical e as lutas dos
trabalhadores, e, em 1974, a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social.
Desde então, a previdência passou por diversas fases até chegar ao modelo atual
do Ministério da Previdência Social e do Instituto Nacional de Seguridade Social.
Muitos benefícios foram instituídos com a Constituição Federal de 19885, em especial,
assegurando às mulheres a licença maternidade, o direito à pensão por morte para os
homens, garantia do 13º salário, repouso mensal e férias remuneradas, aviso prévio
proporcional ao tempo de serviço, aposentadoria para todos os trabalhadores.
4 FERREIRA, Aurélio B. de H.. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba:
Positivo, 2004. (p. 167-168) 5 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso
em: 14 mai. 2016.
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Garantindo, assim, como prevê o artigo 230: “proteção, dignidade e bem-estar ao
idoso.”.
O professor tem algumas vantagens na concessão da aposentaria: a primeira
distinção está relacionada à possibilidade de usufruir mais de um benefício, mais de
uma aposentadoria como professor; a segunda ao tempo de contribuição, o professor
tem reduzido em cinco anos o tempo para se aposentar, no caso da mulher são 25 anos
de contribuição e para o homem são 30 anos de contribuição, independente da idade
cronológica do professor. O que não ocorre com outros profissionais, que tem em cinco
anos aumentados o tempo de contribuição para ter direito a tal benefício. Somado a isso,
o novo cálculo, para os demais trabalhadores também leva em conta a soma da idade
cronológica e o tempo de contribuição. As novas regras para concessão de
aposentadoria no Brasil foram estabelecidas pela Lei nº 13.183/20156. As disposições
da legislação não serão aprofundadas, pois não estão relacionadas diretamente à
aposentadoria docente.
Ao profissional do magistério é concedido o direito de ter duas matrículas no
sistema público, em quaisquer esferas (estadual, municipal e federal), desde que não
ultrapasse a carga horária semanal de 60 horas de atividade. Portanto, o professor da
rede pública poderá desfrutar de duas aposentadorias e, caso tenha lecionado na rede
privada, com os efetivos anos de contribuição, receberá, também, os proventos do INSS.
O direito à aposentadoria, na realidade, impõe respeito e dignidade após anos de
efetivo exercício profissional. Para Goldemberg (2013), a aposentadoria ou o prenuncio
da mesma pode significar mais tempo liberado para realização de velhos sonhos, para
construção de antigos projetos de vida.
Com relação aos projetos futuros, os professores têm aspirações distintas, dentro
e fora do magistério.
Estou me aposentando da sala de aula, mas não da educação. E por conta de
eu não me sentir, ainda, na terceira idade, eu tenho condições de produzir
ainda numa escola particular, se houver necessidade. Não me interessa no
momento. Meu foco é a direção da escola agora, nos próximos dez anos
pretendo estar dentro da direção. Ao final desses dez anos aí são outras
metas, outros objetivos. (Rafael)
A princípio pretendo descansar um pouco, depois eu vou pensar em fazer
curso de línguas. Eu gosto de aprender outros idiomas, gosto de pintura,
gosto de arte. De trabalho mesmo, por enquanto, encerrou. A princípio, vou
6 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13183.htm>. Acesso
em: 18 set. 2015.
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fazer coisas a nível pessoal, depois se aparecer alguma coisa, a gente vê.
(Virgínia)
A aposentadoria é uma conquista do trabalhador pelos anos dedicados ao
trabalho, ao exercício do ofício, uma pausa necessária para gerir o processo de
envelhecimento com mais leveza, menos cobranças, com mais liberdade e a
possibilidade de realizar planos e construir novos projetos de vida.
Segundo Camarano (2004), a heterogeneidade dos aposentados no Brasil é muito
grande, em termos etários e socioeconômicos. Portanto, experimentam inserções sociais
e econômicas distintas, e têm demandas diferenciadas que impactam as políticas
públicas.
Os sujeitos da pesquisa terão direito a duas remunerações por aposentadoria, por
atuarem ou terem atuado em instituições públicas e/ou privadas no magistério ou em
outras profissões.
Para Beauvoir (1990), o trabalhador aposentado que não vê sentido em sua vida,
certamente teve o sentido de sua vida roubado durante toda a sua existência. Para esta
autora, o tempo do trabalho pode definir o modo como o tempo livre será elaborado na
aposentadoria, de acordo com a maneira como subjetivou o próprio exercício
profissional, além de ser uma atividade que agrega sentidos e possibilidades.
Percebi que, os professores ao me relatarem suas trajetórias e o sentimento que
os dominava neste momento da vida, ressignificavam suas histórias a partir de suas
lembranças, imprimindo novo sentido aos seus ofícios, reelaborando as experiências
vividas. Com certeza, essa conformação está definindo o novo caminho do ser-professor
na aposentadoria.
Os motivos de permanência
As aprendizagens profissionais construídas pelos sujeitos se estabelecem no
contexto da prática, nas atividades em sala de aula, em diálogo com o contexto
histórico-social nos quais estão inseridos, com as dimensões intelectuais, formativas,
relacionais, que permeiam o trabalho docente.
Nesta perspectiva, as experiências formativas e práticas de cada sujeito desta
investigação contribuíram para a constituição de uma profissionalidade que se
consolidou em distintas interações cognitivas, reflexivas, relacionais, experienciais, no
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contexto do trabalho – escola –, e da instituição maior à qual respondem – SEEDUC-
RJ.
Essa reflexão assume outros contornos considerando, ainda, a personalidade do
professor (DUBET, 2002). Para este autor, a personalidade do docente, o seu jeito de
ser, sua forma de falar, de interagir, de se expressar, dará contornos ao exercício do
magistério, uma profissão que exige uma interação humana.
O trabalho sobre o outro como uma relação entre indivíduos como um
encontro aleatório entre duas pessoas. O profissional da educação é
considerado um sujeito definido por suas qualidades pessoais, por suas
convicções, por seu charme, por sua paciência, por sua capacidade de ouvir o
outro – todos esses ingredientes fazem a diferença e conferem ao trabalho
sobre o outro sua característica verdadeiramente humana”. (Ibid, p. 79)
Formosinho reafirma essa reflexão (2009, p. 164):
As diferentes formas dos professores se ligarem ao trabalho têm a ver com os
diferentes percursos de vida de cada um, onde se inclui todo o seu percurso
escolar e académico, as diferentes formações, os diferentes níveis de
educação e ensino, bem como toda a história do grupo socioprofissional.
Refletindo sobre a história pessoal de cada sujeito na/para a construção da
carreira docente, percebemos que todos foram definindo sua identidade profissional
durante a trajetória, desde o ingresso e a escolha pelo magistério, nas dinâmicas
pedagógicas diferenciadas construídas a partir de reflexões, formações, adequações,
adaptações, nos altos e baixos da carreira, nos sentimentos frente à aposentadoria, nas
vivências dos distintos ciclos da vida profissional, todos esses fatores imprimiram a
construção de uma identidade profissional única a cada docente.
Para Claude Dubar (2005), a construção da identidade profissional se constitui
“não só uma identidade no trabalho, mas também e, sobretudo, uma projeção de si no
futuro, a antecipação de uma trajetória de emprego e o desencadear de uma lógica de
aprendizagem, ou melhor, de formação.”. (Op. cit, p. 114)
Como destaca Tardif (2002), os professores são atores que dão sentido e
significado aos seus atos, e vivenciam sua função como uma experiência pessoal,
construindo conhecimentos e uma cultura própria da profissão. O contexto institucional,
para este autor também é fundamental para a construção identitária do professor e para a
constituição da sua profissionalidade.
Alguns elementos se constituíram conclusivos na definição da profissionalidade
docente do grupo estudado: A experiência formativa em cursos superiores e de pós-
graduação; a estabilidade e autonomia na rede estadual de ensino, todos são estatutários
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e possuem plano de carreira no magistério; o gosto por trabalhar nos colégios em que
estão lotados; a relação afetiva com os alunos, de parceria, para alguns até de amizade; a
valorização e reconhecimento dos alunos pelo trabalho realizado – frequentemente são
convidados para participar da formatura dos alunos como paraninfo ou professor
homenageado; o prazer de ministrar o conteúdo da disciplina que leciona; a gratificação
com o aprendizado do aluno; a percepção bem sucedida da carreira; a percepção da
competência pedagógica e a da excelência como profissionais – a identidade
profissional definiu uma autoimagem professoral positiva; o sentimento da escolha
profissional assertiva; enfim, o desejo de permanecer no magistério até a aposentadoria.
Todos esses elementos foram determinantes para o bem-estar com a profissão e
para a percepção de um exercício bem sucedido.
Ainda na conformação identitária dos professores se inscrevem os requisitos
apontados por Formosinho (2009): a pessoa psicologicamente madura e
pedagogicamente formada. Uma pessoa capaz de “ser um facilitador da aprendizagem,
o expositor e o individualizador do ensino, [...] o catalizador empático de relações
humanas e o investigador, o que domina os conteúdos e o modo de os transmitir.” [...]
Além de que, “todo professor deve estar habilitado a ser um companheiro dos seus
alunos.”.(Ibid, p. 180)
Para Dubar (2005), a dimensão profissional da identidade está condicionada ao
ambiente de trabalho, essa construção identitária não é linear, e constrói-se, desconstrói-
se e reconstrói-se durante toda a trajetória profissional do professor, nas interações e
experiências formadoras. Assim, “a identidade é um produto de sucessivas
socializações”. (Ibid, p. 14)
A produção de identidades profissionais (CANÁRIO, 2005) confunde-se e
sobrepõe-se a um processo largo e multiforme que abrange toda a vida profissional. As
situações de formação profissionais (inicial e continuada), a internalização dos valores
do grupo de referência, enfim, a incorporação da cultura do magistério, são fatores
determinantes na constituição da identidade profissional.
Considerando, ainda que, alguns desses professores construíram carreiras
distintas ao magistério em sua trajetória. Todas as experiências profissionais foram
formadoras, no sentido de agregar valores, experiências e estilos ao saber docente e ao
saber disciplinar (TARDIF, 2002). É um processo balizado por aprendizados sociais que
se somam às personalidades e ao jeito de ser de cada docente.
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Com o objetivo de responder à questão que norteou o percurso investigativo e
que, portanto, deu origem aos diferentes contornos que subscreveram a tese – O que
manteve os professores no magistério até a aposentadoria? Quais os motivos/razões
de permanência na carreira docente? – duas motivações foram marcantes nas
narrativas de todos os protagonistas do estudo e que, neste sentido, responderam à
pergunta inicial. Os dois elementos, primordiais, que estimularam e incitaram os
docentes a permanecer na profissão foram: a paixão pela disciplina e o prazer na/da
relação com o aluno.
Os fundamentos da prática e da competência profissionais estão alicerçados,
segundo Tardif (2002), nos saberes docentes. O saber docente, um saber plural, é
composto por saberes de diferentes fontes, disciplinares, curriculares, profissionais e
experienciais. Acrescento, ainda, o saber relacional, uma aprendizagem necessária aos
profissionais que trabalham com o outro (DUBET, 2002), um saber aprendido e
construído na relação com o outro, mais uma competência necessária ao docente.
Os professores da investigação eram portadores desse saber disciplinar, e a
percepção valorativa do trabalho que realizam estava associada à competência de
ensinar sobre o que lhes dá prazer em falar.
Eu me vanglorio porque eu sou professor de matemática. [...]Eu me
considero um excelente professor, eu quero que o meu aluno aprenda, eu
estou aqui para ensinar, para ajudar os alunos a aprender. (Manoel)
Nesse sentido, a competência técnica, o trabalho pedagógico, estava associada
ao domínio do conteúdo disciplinar e ao prazer de ensinar/falar sobre algo que lhes
agrada, o amor/a paixão pela disciplina (OBIN, 2002). O saber disciplinar se articulava
ao saber relacional e nesse casamento se instalava o sentimento de “estar dando conta
do recado” (RAFAEL), como afirmou esse professor. Daí decorre, também, a
construção da autoimagem professoral positiva. Essa percepção valorativa do magistério
é marcada pela imagem que o professor constrói de si mesmo atrelada ao
reconhecimento do seu valor pelos alunos e pelos gestores.
Os professores especialistas (GATTI, 2010) são portadores de um capital de
conhecimentos, neste caso da disciplina, que foi se acumulando, no sentido de uma
incorporação de saberes que são frutos do conhecimento da disciplina, mas também
desenvolvidos na experiência, a partir de suas formações e durante os anos efetivos do
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exercício profissional, pelo domínio epistemológico do conteúdo, que é repetido
diversas vezes, em diferentes contextos e turmas, durante todo o percurso profissional.
Como a profissão docente tem uma forte dimensão relacional, os aspectos
afetivos e emocionais perpassam a atividade docente, assim como, os componentes
cognitivos e intelectuais (MAROY, 2006). “Além disso, ao contrário de outras
profissões de serviço, esta atividade é pública e visível. O professor na classe destina-se
a um grupo de estudantes e sua atividade é, portanto, sujeita a seu olhar. Seu rosto, sua
identidade estão envolvidos na relação.”. (Ibid, p. 06)
O aluno, como centro e razão da prática pedagógica, como alicerce da atividade
docente, justifica a existência desse profissional na escola, por isso a relação com o
aluno se constituiu como uma das principais razões de permanência na profissão.
Os professores para além da competência técnica, do saber disciplinar e erudito
(TARDIF, 2002), que lhes possibilita transmitir o conhecimento escolar – o conteúdo de
suas disciplinas –, também constroem laços afetivos, através de uma relação empática
com os alunos, que os estimula em suas práticas e os incita ao aprendizado.
Considerando essa perspectiva, a relação com os alunos é marcada também pela
história de vida do professor. Junior enfatizou em seu relato a importância de falar da
sua trajetória de aluno para seus alunos, das dificuldades que vivenciou como aluno de
escolas públicas, dos desafios para ingressar em uma universidade federal como aluno
de engenharia. Ao contar a vida, ele se aproxima do universo do aluno e estabelece com
ele uma relação de cumplicidade e parceria.
[...] Eles perguntam: - Professor, o senhor fez engenharia o quê? Eu fiz
engenharia elétrica. Mas, eu falo para eles o seguinte: uma coisa que eu quero
explicar para vocês, é que eu sempre estudei em escola pública, na prefeitura,
depois sete anos de Pedro II, depois cinco anos de Fundão. Para dar uma
força para eles, para mostrar a eles que eles podem, que o aluno pode, tem
que se dedicar, tem que estudar. (Junior)
A dimensão relacional da atividade docente se articula ao próprio
desenvolvimento profissional do professor. “A relação pedagógica se baseia sempre
numa relação interpessoal e a própria eficácia e qualidade do ensino pressupõe um bom
clima humano.”. (Formosinho, 2009, p. 113)
Considerando a perspectiva de Dubet (2002), o trabalho sobre o outro assume
uma dimensão naturalmente relacional e, analisando o exercício docente destes
professores, posso afirmar que a dimensão relacional da atividade docente se articula à
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competência pedagógica, ambas se completam. Esta capacidade de interagir com o
outro, expressão da personalidade individual define, na realidade, o papel profissional
docente.
Na concepção de Dubet (2002) e, também, de Tardif e Lessard (2005), é no
trabalho sobre o outro que reside, em grande parte, a complexidade do trabalho docente.
Nas profissões relacionais, que trabalham com o outro7, a existência de um “objeto
humano” modifica, significativamente, a atividade do trabalhador, nesse caso o
professor.
O magistério como uma atividade relacional, exige uma competência relacional,
que se articula aos demais saberes docentes, que juntos definem a profissionalidade em
toda a sua amplitude.
Para os docentes desta pesquisa, o prazer de se relacionar com o aluno é a
motivação primordial de permanecer no magistério. Os professores amam se relacionar
com os alunos, têm afinidades com o adolescente, constroem relações de parceria e
amizade, embora haja a diferença geracional.
Talvez, projetem em seus alunos suas ambições juvenis, tal qual Narciso olha
para o espelho e vê a sua própria imagem, o professor olha para o jovem e revive a sua
própria juventude.
Eu me dou muito bem com eles, com todos eles. Eu adoro adolescente, é a
coisa mais difícil que tem, mas eu adoro adolescente! Eu me dou muito bem
com eles e eles comigo. Respeito muito os que são tímidos, têm uns que são
de uma timidez incrível, então eu lido com eles e daqui a pouco eles já estão
até saidinhos comigo. [...] O que vai me fazer falta é essa interlocução com o
aluno mesmo, isso aí faz a gente se sentir viva, e, principalmente, com o
adolescente, porque você se sente jovem. Você não precisa estar com o
linguajar dele, o que precisa é ter uma interação com ele, porque vai haver
possibilidade de fazer, ele vai te respeitar, eu no meu papel e ele no papel
dele, e a gente consegue trocar com perfeição e com respeito. (Antônia)
Eles têm uma relação muito boa comigo, uma empatia muito grande, muito
grande. [...]. (Augusto)
Eu adoro eles, eu tenho uma relação muito boa. (Virgínia)
A relação com os alunos é muito boa, mas eles sabem que eu sou exigente.
Eu nunca tive problema sério com aluno, nunca nesses 25 anos. (Carmen)
7 Considerando profissões relacionais as que têm como objeto de trabalho o ser humano: médicos,
enfermeiros, assistentes sociais, dentre outras.
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A pesquisa realizada por Obin (2002), com jovens professores do ensino
secundário na França, também evidenciou que as motivações dos professores estão
alicerçadas, fundamentalmente, em três pólos: o gosto pela disciplina; o prazer de
ensinar e trabalhar com jovens; e o status social e organizacional do trabalho. Portanto,
as motivações dos professores franceses, embora mais jovens do que os docentes desta
pesquisa, estão ratificando o resultado destas análises.
Para Tardif (2002, p. 22), “o exercício do magistério exige ao trabalhador se
relacionar com seu objeto do trabalho fundamentalmente através da interação.”.
Assim, os saberes e as competências foram se alicerçando nos anos de carreira.
Ao exercício da docência se articulam a/s formação/ões e as experiências para que o
conhecimento seja sedimentado. Esse processo ainda não vivido pelos professores
iniciantes, mas construído ao longo da trajetória constituí o status quo da profissão, para
a construção da identidade profissional. A identidade bem constituída é geradora de um
autoimagem professoral positiva que outorga ao professor um bem-estar consigo
mesmo e com o desempenho da função, gerando satisfação e prazer pelo trabalho
realizado. Um processo de empoderamento docente e de autorrealização.
Esse sentimento repercute na prática e na relação com o aluno, que se torna um
parceiro na caminhada rumo ao conhecimento, um aprendizado de mão dupla, o aluno
aprende com o mestre e o mestre aprende com o aluno. E nessa jornada novos saberes
vão sendo construídos, as práticas vão se transformando, e o professor se desenvolve
como pessoa e como profissional, onde se encontra o ser-professor, a pessoa-professor
(Nóvoa, 2009).
É possível concluir, sem nenhum tipo de dúvida, que na percepção desses
professores a boa relação com os alunos é um critério determinante de satisfação
profissional e de autorrealização, mais do que a transmissão de saberes (BARRÈRE,
2002; 2005).
É importante ressaltar, no entanto, que não há um único fator de satisfação
profissional, vários elementos se articulam para dar a sensação de plenitude e bem-estar
com a profissão, no cruzamento de inúmeras vivências ao longo da trajetória de cada
professor, nos encontros da vida, com alunos e pares, nas experiências formadoras, nos
distintos ambientes escolares, nos espaços de discussão e luta da categoria, enfim, na
história da vida vão se delineamento os motivos de permanência, tanto no âmbito
objetivo como subjetivo.
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Considerações finais
A escolha do magistério como profissão e a permanência motivada pelos saberes
construídos, em especial, pela paixão pela disciplina e o prazer na relação com o aluno
foram determinantes na construção da profissionalidade docente.
Essas motivações para a permanência se constituíram como elementos de prazer,
satisfação e bem-estar com a profissão.
A dimensão subjetiva da carreira, na concepção de Tardif (2002, p. 80): “remete
ao fato de que os indivíduos dão sentido à sua vida profissional e se entregam a ela
como atores cujas ações e projetos contribuem para definir e construir sua carreira.”.
Para Dubar (2012, p. 354), o trabalho possibilita:
Um sentido à existência individual e organizam a vida de coletivos. Quer
sejam chamadas de “ofícios”, “vocações” ou “profissões”, essas atividades
não se reduzem à troca econômica de um gasto de energia por um salário,
mas possuem uma dimensão simbólica em termos de realização de si e de
reconhecimento social.
Na concepção de Stano (2005), que investigou professores aposentados no
interior de Minas Gerais, a aposentadoria pode significar não uma ruptura com o
magistério, mas a continuidade do ser-professor, que descobrirá novos espaços para
ressignificar sua própria identidade de docente.
E esse tempo que tece as linhas de experiências e do vivido é percebido na
cotidianidade das pessoas, na maneira como cada um vive seu cotidiano,
programa seu ir e vir, seu fazer, sentir e pensar. [...] O tempo é o elemento
que impede a fragmentação, a demolição da identidade profissional, mesmo
quando se afasta do locus e do exercício da profissão. (Op. Cit, p. 183)
Para essa autora, o professor aposentado busca novos contatos, novas
experiências para ressignificar o vivido, ele não está preparado para parar, sua
existência está marcada por tudo que foi e construiu pelo trabalho e por sua forma de ser
e estar no mundo.
Apesar dos docentes manifestarem insatisfação com o salário recebido e com as
políticas públicas que não oferecem melhores condições de trabalho, nem invistam em
políticas de valorização do magistério, há, também, uma percepção bastante positiva
sobre seu trabalho e seus alunos, sentem-se realizados com a profissão e atribuem todas
as suas conquistas pessoais e profissionais ao magistério. Portanto, são professores que
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foram bem-sucedidos na carreira, contrariando os debates que se fundam mais nos
aspectos de insatisfação e mal-estar docentes.
Alguns destes elementos, certamente, dificultaram a permanência no magistério,
mas não motivaram o abandono, tampouco foram motivos de desistência ou rejeição à
profissão. Ao contrário, todos os professores foram unânimes em afirmar que
escolheriam novamente o magistério como profissão.
Os motivos de permanência estão inscritos na história pessoal e profissional
construída ao longo da carreira. Em cada ano de magistério, em cada vivência do ciclo
da vida profissional, etapas foram sendo vencidas, o professor foi amadurecendo o
desejo de permanecer na profissão. Todas as experiências se constituíram em
aprendizados existenciais.
Na vida e na profissão ensinamos e aprendemos. Esse ciclo permanente de
aprendizagens, que se inicia, ainda, nos bancos escolares, permanece ao longo da
existência. Como eternos aprendizes, também fui aluna dos protagonistas dessa
pesquisa, aprendi muito e, sem dúvida, minha presença também os ensinou. Na vida e
na profissão, SOMOS TODOS ALUNOS E PROFESSORES! É na singularidade de
cada percurso que está o sentido do Magistério!
Os professores, desta investigação, são, portanto, autores de uma história bem
sucedida. Para além do domínio cognitivo e instrumental, o bem-estar gerado pela/na
profissão está relacionado à segurança emocional adquirida em relação aos alunos, ao
sentimento de estar no seu lugar, à confiança na sua capacidade de enfrentar problemas
e de poder resolvê-los, no estabelecimento de relações harmônicas com seus pares e
gestores, enfim, na escolha e na permanência no magistério como um Projeto de Vida.
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