apostila da disciplina
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FILOSOFIA PARA ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS
CONTÁBEIS.
APOSTILA COMPLETA DO CURSO.
PROFESSOR: ANTONIO SATURNINO BRAGA
MARÇO DE 2012.
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SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE: FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA.
* PRIMEIRO TÓPICO DA PRIMEIRA PARTE. BREVE HISTÓRIA DA CIÊNCIA DA
NATUREZA.
- Aula 1: O surgimento do pensamento filosófico-científico (passagem do Mito ao
“Logos”). Página 3.
- Aula 2: Ciência antiga: imagem do mundo e da ciência típica do período antigo e
medieval. Página 6.
- Aula 3: Ciência moderna. Imagem moderna do mundo e da ciência. Página 9.
* SEGUNDO TÓPICO DA PRIMEIRA PARTE. O DEBATE ENTRE AS DUAS GRANDES
TRADIÇÕES DA FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA: EMPIRISMO/POSITIVISMO
E, POR OUTRO LADO, IDEALISMO(RACIONALISMO)/CONSTRUTIVISMO.
- Aula 4: O debate entre empirismo e racionalismo no século XVII. Página 13.
- Aula 5: O debate entre empirismo e idealismo no século XVIII. Página 18.
- Aula 6: O debate entre o empirismo lógico e o racionalismo crítico de Popper.
Página 22.
- Aula 7: O debate entre o positivismo (empirismo lógico E racionalismo crítico) e,
por outro lado, o construtivismo culturalista representado por T. Kuhn. Página 26.
- Aula 8: Positivismo e Idealismo/Construtivismo na esfera da Teoria das
Organizações. Página 29.
SEGUNDA PARTE: ANÁLISE FILOSÓFICA DOS GRANDES TIPOS DE TEORIA DA
SOCIEDADE.
- Aula 9: Imagens fundamentais da realidade: nas ciências da natureza e nas
ciências da sociedade. Página 33.
- Aula 10: Teoria mecanicista (positivista) da sociedade, com origem na teoria da
sociedade de Adam Smith. Página 36.
- Aula 11: Teoria funcionalista (positivista) da sociedade, com origem na obra de
Durkheim. Página 39.
- Aula 12: Materialismo histórico do marxismo ortodoxo (concepção positivista).
Página 43.
- Aula 13: A abordagem interpretativa da sociedade (antipositivista, idealista ou
construtivista). Página 48.
- Aula 14: Alguns tópicos da sociologia de Max Weber, um dos principais expoentes
da abordagem interpretativa. Página 51.
- Aula 15: A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt (teoria de caráter construtivista).
Página 55.
- Aula 16: As abordagens sociológicas no campo da teoria das organizações. Página
59.
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Aula 1.
O surgimento do pensamento filosófico-científico (passagem do mito ao “Logos”).
Origens do pensamento filosófico-científico
•Surge na Grécia, por volta do século VI a.C. (600-501 a.C.). Primeiro filósofo: Tales
de Mileto (maturidade em 585 a.C.). Dá início à chamada “Escola de Mileto”.
•Tradição de crítica e correção dos mestres.
•Forma de pensar nitidamente nova (pensamento lógico, ou filosófico-científico),
distinta do tipo de pensamento culturalmente dominante até então (pensamento
mítico).
Características do pensamento mítico
1) Distinção essencial entre as realidades naturais que encontramos no dia-a-dia e,
por outro lado, entidades sobrenaturais personalizadas (Deuses, agentes sobre-
humanos) cujas lutas, uniões e façanhas estão na origem das coisas e
acontecimentos do dia-a-dia.
2) Mesmo as realidades naturais que encontramos no dia-a-dia contêm no seu
âmago uma potência sobrenatural com a qual os homens precisam se relacionar
devidamente, para preservar seu funcionamento regular e ordenado, segundo a
ordem divina do mundo – o que caracteriza essas potências sobrenaturais é o fato
de que elas podem atuar de forma absolutamente arbitrária, irregular, irracional, a
seu bel-prazer; seu poder não está sujeito às expectativas humanas de “lógica”,
“razão”, “regularidade”.
3) Explicações são histórias sobre a origem de algo, com ênfase na origem da
ordem da natureza como um todo, que representa uma espécie de “pacificação”
das potências sobrenaturais que habitam o âmago da realidade, levando-as a
atuarem de forma regular e ordenada, não caprichosa. Estas explicações da ordem
do mundo sempre remetem às lutas, uniões e façanhas de entidades
sobrenaturais, que ocorrem em uma outra dimensão do tempo, distinta daquela
em que os seres humanos cotidianamente vivem (tempo cotidiano).
• No âmbito do pensamento mítico, há um vínculo essencial entre as narrativas
míticas e rituais mágicos e/ou religiosos destinados a:
A) Reproduzir simbolicamente a façanha originária de instauração da ordem do
mundo (reprodução mágica do tempo da origem); soberano humano reproduz a
façanha do soberano divino.
B) Estabelecer uma ligação com a divindade responsável por determinada esfera
da realidade, de modo a angariar proteção, favores, etc.
•Narrativa mítica é sagrada (incontestável), porque vem de uma revelação
sobrenatural. O narrador (vidente, “poeta”) goza de autoridade inquestionável, por
ser um escolhido dos deuses, por ter o dom de ver acontecimentos sobrenaturais,
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por ser inspirado por poderes sobrenaturais, ou, muitas vezes, por ter recebido a
narrativa numa cadeia de transmissão originada em alguém que tinha esse tipo de
inspiração.
- As narrativas míticas admitem incoerências e contradições, elas não se prestam
às exigências de inteligibilidade e justificação, próprias do pensamento lógico-
científico.
Características do pensamento filosófico-científico
•A) Recorre apenas a princípios, elementos e causas essencialmente naturais:
água, ar, fogo, terra; matéria indeterminada; átomo; quente e frio, úmido e seco.
•B) Tais elementos e causas operam de maneira “lógica” (LOGOS: inteligibilidade
do pensamento e fala dos homens, e também da própria realidade), ou seja, de
modo coerente e inteligível, livre de contradições e arbitrariedades. Em oposição à
arbitrariedade das potências míticas, admite-se agora a lógica e inteligibilidade da
natureza.
•C) Centrado no “LOGOS”. Como mencionado acima, este termo grego refere-se
não apenas ao uso da linguagem humana caracterizado pelas exigências de
inteligibilidade e racionalidade, mas também à suposição de que a racionalidade
da linguagem humana é um reflexo de uma racionalidade objetiva, imanente à
realidade natural e cotidiana.
•D) Admite questionamento, crítica, ajuste, correção; conforma-se às exigências de
inteligibilidade e justificação.
Pensamento filosófico: busca da estrutura essencial da realidade
•Naturalismo do pensamento filosófico-científico vincula-se à busca da estrutura
essencial da realidade (distinção entre essência e aparência).
•Conhecimento puramente teórico da realidade como um todo (valorização do
conhecimento pelo conhecimento). Vincula-se ao desejo de conhecer e ao prazer
de conhecer, vivenciados como elementos independentes de quaisquer fins
práticos.
- Propostas de explicação da estrutura essencial da realidade:
•A) Elementos naturais mais concretos: água, ar, fogo, terra.
•B) Elementos naturais mais abstratos: “indeterminado” (matéria indeterminada),
átomo (indivisível), “homeomerias” (átomos com distinções qualitativas), número e
relações numéricas (proporções).
•C) Elementos de caráter mais lógico:
C.1) mudança, movimento de diferenciação e de geração de contrários (Dialética,
Heráclito: o permanente é só aparentemente permanente);
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C.2) O “Ser” como unidade/identidade/permanência fundamental, sem a qual a
mudança não é inteligível (Parmênides: “Ser é, não-ser não é”).
Dos regimes do Direito dos “gene” para o regime das cidades-Estado (“Polis”)
•Transição do mito ao “Logos” associa-se a uma mudança social correspondente:
a transição dos regimes do Direito dos gene (“gene”: grandes linhagens e famílias
aristocráticas) ao regime das cidades-Estado (“Polis”). (por volta de 750 a.C.).
•1) Regimes do Direito dos gene: Direito arbitrário dos chefes de grandes famílias.
• Sociedades caracterizadas pelo domínio da nobreza agrária, a classe dos “bem-
nascidos” (linhagens superiores, descendentes de heróis extraordinários). Dentre
os chefes das grandes linhagens avulta aquele que tem o título de Rei.
•Decisão arbitrária do rei e do nobre tem caráter sagrado e força de lei; ela não se
presta às exigências de justificação e convencimento. Não se reconhece uma Lei
comum a todos, à qual todos devem igualmente se submeter.
•Conflitos são decididos com base na força; e força aparece como manifestação
de um poder extraordinário, sobrenatural.
O Regime das cidades-Estado -POLIS
•Regimes “políticos”: uma única Lei, que se aplica a todos. Igualdade dos cidadãos
em relação à Lei comum a todos.
- Fundam-se no pensamento “lógico” (racional-argumentativo). A Lei é inteligível
para todos, e as decisões amparadas na Lei estão submetidas às exigências de
explicação, discussão, justificação, convencimento.
Regimes dominados por aqueles que sabem argumentar, debater, persuadir.
- Decisões de conflitos pessoais precisam ser amparadas em razões – surgimento
dos tribunais.
- Decisões sobre os rumos da comunidade precisam ser debatidas, explicadas e
justificadas – surgimento das assembléias políticas.
- O homem como “Animal Político”: gregário, social, e, simultaneamente, capaz de
organizar sua existência social com base na razão, ou seja, no uso da linguagem
(comunicação) centrado em argumentação e justificação.
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Aula 2.
Ciência antiga: imagem do mundo e da ciência típica do período antigo e medieval.
Ciência antiga: teleológica, qualitativa e contemplativa (ciência moderna é
mecanicista, quantitativa e utilitária).
• Expoente mais influente da ciência antiga: Aristóteles: século IV a.C. (384-322
a.C.).
A) Ciência de caráter teleológico (“telos”: fim, finalidade).
• Em Aristóteles, visão de mundo baseada na noção de finalidade – concepção
teleológica da natureza.
•Ciência da natureza: identificação de finalidades. Objetivo da ciência é entender o
sentido da existência e mudança das coisas, ou seja, entender o “por que”
(interpretado em termos de “para que”) as coisas existem e mudam.
•Tese fundamental: cada coisa da natureza existe para alcançar um determinado
lugar (“lugar natural”) ou meta (sua realização perfeita; realização perfeita da
função que lhe é própria).
•Finalidade: essência de cada coisa. O “verdadeiro ser” de cada coisa consiste na
finalidade de sua existência.
•Finalidade: causa da mudança direcionada, inteligível. Mudança inteligível:
passagem do ser “em potência” ao ser “em ato” (realização do potencial próprio).
•Potência: possibilidade que se enquadra no direcionamento da essência.
Semente é árvore em potência; embrião é homem (ser racional) em potência;
adotando um ponto de vista mais específico, o embrião é, por exemplo, escultor (ou
médico, ou filósofo, etc.) em potência; pedra é escultura em potência (pode se
associar à realização da essência do homem-escultor.)
- O problema das mudanças aleatórias. Nos objetos do mundo “sublunar” (“região
terrestre”), a essência (finalidade, que em Aristóteles equivale à “forma” da coisa)
sempre está misturada a um outro elemento, a “matéria”, que representa a mera
possibilidade (possibilidade que não se enquadra no direcionamento da essência).
Dinamismo cego, sem direção ou sentido. Causa das mudanças aleatórias que às
vezes perturbam a ordem teleológica da natureza.
B) Ciência de caráter qualitativo.
•Ciência que se apóia em noções qualitativas, ou seja, noções que se definem pela
impressão que causam em nossos sentidos (frio e quente, seco e úmido, leve e
pesado, alto e baixo.)
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•Substâncias básicas (fogo, ar, terra, água) são concebidas em termos qualitativos
(fogo: quente e seco; ar: quente é úmido; água: fria e úmida, terra: fria e seca).
Suas propriedades essenciais também são concebidas em termos qualitativos. Por
exemplo, a substância terra é “pesada”: seu lugar natural/destinação são os
“lugares baixos”, próximos do centro do planeta em que vivemos. É por isso que os
objetos nos quais predomina o componente “terra” caem: a terra neles
predominante está buscando seu lugar natural.
•Universo dividido em regiões qualitativamente distintas:
- Região sublunar ou terrestre (“imperfeita”) e região supralunar ou celeste
(“perfeita” – sem mistura com matéria; corpos celestes são constituídos de éter, a
“quinta essência”, imaterial. Corpos perfeitos, que realizam movimentos perfeitos:
circulares).
- Região sublunar: dividida em: lugares altos (lugar natural do fogo), lugares baixos
(terra), lugares não inteiramente altos (ar), lugares não inteiramente baixos (água).
•Cosmo: ordem e harmonia (beleza) do mundo como um todo.
- Modelo geocêntrico do universo: a Terra está no centro do universo e não se
move.
C) Ciência de caráter contemplativo.
•Conhecimento científico é visto como fim supremo da existência humana e,
portanto, como fim em si mesmo.
•Conhecimento científico: apreensão, contemplação e fruição da ordem, harmonia
e beleza do Cosmo. Apreensão do sentido do mundo como um todo.
•Conhecimento científico: meio pelo qual a alma se liberta (ou purifica) de
impulsos insaciáveis, que levam à inquietação, ansiedade, frustração e
infelicidade. Prazer do conhecimento é o único tipo de prazer que não vem
misturado com certa dose de frustração.
•Dissociação entre ciência e interesse técnico na intervenção sobre a realidade.
Conhecimento científico não está subordinado à necessidade de resolver
problemas da vida cotidiana. A esfera da ciência é distinta da esfera da técnica
(embora esta última também seja uma forma de realização do potencial próprio do
homem, que é a racionalidade).
Diferentes manifestações da teleologia da natureza
•1) Coisas existem PARA realizar uma ordem harmoniosa e bela (Cosmo).
•2) Homem (ser racional) existe PARA reconhecer e fruir a ordem, harmonia e
beleza do cosmo, ou seja, PARA responder adequadamente à ordem, harmonia e
beleza como querer-dizer (significado) das coisas e do mundo.
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•3) Cosmo existe PARA alimentar a vitalidade própria do homem, dirigindo-se às
suas capacidades cognitivas em sentido amplo (razão teórica, razão prática, razão
técnica). Ordem cósmica existe para realizar o potencial próprio do homem, a
racionalidade.
- Razão humana: potencial (função) próprio do homem. Manifesta-se em:
a) Conhecimento teórico da ordem e harmonia do Cosmo (Ciência, Teoria).
b) Conhecimento prático indicativo do “agir bem” em cada situação – onde o “agir
bem” é fim em si mesmo, é bom em si mesmo, é elemento constituinte do “viver
bem”. (Conhecimento prático, ética).
c) Conhecimento “técnico” utilizado na produção de artefatos e resultados úteis
para o “viver bem”. (Medicina, arquitetura, escultura e todas as demais “técnicas”).
- Dimensões da felicidade humana:
• Libertação (purificação) dos impulsos insaciáveis e frustrantes (prazer puramente
sensível, poder).
• Realização do potencial próprio do homem, a racionalidade. Exercício da
racionalidade como função ou atividade própria do homem. Conhecimento em
sentido amplo: responder ao potencial de sentido com que a realidade se dirige ao
homem, convidando-o à ação “responsiva”. Manifestações da ação “responsiva”:
(a) Ciência; (b) “Agir bem” (agir virtuosamente); (c) Ação tecnicamente hábil e
eficaz. Sendo que (b) também está envolvido em (a) e (c).
Imagem teleológica de mundo e imagem teleológica da sociedade
•Imagem teleológica do mundo: cada ser tem um potencial e função que lhe são
próprios (que o definem essencialmente).
•Imagem teleológica da sociedade:
A) Cada ser humano e cada grupo da sociedade tem um potencial e função que
lhes são próprios;
B) Da complementaridade das funções e do respeito às normas reguladoras de
cada função resultam a ordem e harmonia da sociedade;
C) Tradição: transmissão de geração para geração das normas definidoras das
diferentes funções; transmissão da ordem harmoniosa da sociedade.
D) Interesse de cada homem: corresponder da maneira mais brilhante possível às
expectativas de comportamento vinculadas à função social que define sua
identidade. Deste ponto de vista, não faz muito sentido falar de uma oposição entre
o que é bom para o indivíduo e o que é bom para a sociedade, ou entre interesse
pessoal e interesse coletivo. Do ponto de vista da necessidade de coordenação das
ações individuais para a preservação e reprodução da sociedade, as ações de cada
indivíduo se coordenam naturalmente às dos demais, na medida em que são
ditadas por um esquema de funções e expectativas complementares. A
coordenação com os outros está por assim dizer contida no sentido que cada
homem vê em suas próprias ações, ela é interna ao sentido que cada homem dá às
suas próprias ações.
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Aula 3.
Ciência moderna. Imagem moderna do mundo e da ciência.
Ciência moderna: mecanicista, quantitativa e utilitária (ciência antiga é teleológica,
qualitativa e contemplativa).
Alguns dados de história da ciência
- 336-323 a.C.: Alexandre o Grande difunde a cultura grega por toda a Ásia menor,
Mesopotâmia e Egito. Fundação de Alexandria em 331 a.C. Alexandria torna-se
grande centro de produção científica, em língua grega (Euclides: 330-277aC;
Arquimedes: 287-212aC, e outras figuras importantes na medicina e astronomia).
Conquistada pelos romanos em 30aC, mas a língua da atividade científica
permanece sendo primordialmente a grega. Ptolomeu (90-168dC) e Galeno (129-
200dC).
- 470 d.C. Queda do Império Romano do ocidente. Abafamento da vida urbana e da
cultura científica na Europa ocidental.
- 622 dC: início do Islamismo com Maomé –morre em 632. 634-650: árabes
conquistam Egito, Síria, Mesopotâmia, Irã e norte da África. 711: Invadem a
península Ibérica. Bagdá e Córdoba (Espanha) tornam-se importantes centros de
atividade filosófico-científica. Córdoba: centro de difusão da ciência aristotélica, já
num período de retomada da prática científica na Europa ocidental cristã.
- 1214: Fundação da Universidade de Paris.
- 1224-1274: São Tomás de Aquino realiza uma síntese entre a ciência aristotélica
e a visão de mundo do catolicismo, com seus dogmas cientificamente indiscutíveis.
Paradigma de pensamento que depois ficou conhecido como “Escolástica”.
Principais momentos da revolução científica moderna
•1) “Sobre a Revolução dos Orbes Celestes” (1543), de Copérnico. Hipótese do
sistema heliocêntrico, em oposição ao sistema geocêntrico formulado por
Aristóteles, desenvolvido e modificado por Ptolomeu (90-168 d.C.), e ligado à visão
de mundo do cristianismo. Apesar de propor a hipótese do sistema heliocêntrico,
Copérnico ainda conserva a idéia de um universo fechado.
•2) “Sobre o universo infinito” (1583), de G. Bruno (queimado na fogueira em
1600).
•3) “A Nova Astronomia” (1609), de Kepler. Órbitas dos planetas em torno do sol
são elípticas, contrariando o princípio escolástico de que corpos celestes realizam
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movimentos perfeitos, e movimentos perfeitos são movimentos perfeitamente
circulares.
•4) “A Mensagem Celeste” (1610), de Galileu. Divulga evidências empíricas em
favor do sistema heliocêntrico e do universo infinito (crateras e montanhas na
superfície da Lua, contrariando o princípio da imaterialidade e “perfeição” dos
corpos celestes; fases de Vênus, que não podiam ser explicadas no sistema de
Ptolomeu; satélites em torno de Júpiter, contrariando o “privilégio” da Terra como
centro em torno do qual giram todos os corpos celestes; número espantosamente
grande de estrelas, incompatíveis com a concepção de um mundo fechado).
- A publicação do livro de Galileu desencadeia reação mais violenta contra doutrina
copernicana (“suspensão” do livro e da doutrina de Copérnico em 1616 e, num
segundo momento, condenação de Galileu em 1633, depois da publicação, em
1632, de “Diálogos sobre os sistemas do mundo”, no qual é retomada a defesa da
doutrina copernicana).
•5) “Princípios matemáticos da filosofia natural” (1687), de Newton. Unifica a
astronomia e a mecânica. Universo infinito, regido pelo princípio da inércia e pela
força gravitacional.
CARACTERÍSTICAS DA CIÊNCIA MODERNA.
1) Imagem mecanicista do mundo.
•Causa dos movimentos reside em forças puramente mecânicas, destituídas de
função, finalidade ou sentido.
•Conhecer a natureza não é entender “por que” (com que finalidade ou sentido)
ocorrem as mudanças, mas saber “como” ocorrem os movimentos, ou seja,
conhecer as leis (regularidades) segundo as quais os movimentos são
determinados (e podem ser previstos).
•Todo movimento está submetido à necessidade das leis mecânicas da natureza e
é em princípio previsível. (Natureza está submetida a leis precisas e invariáveis).
Imagem determinista da realidade.
2) Imagem quantitativa da realidade (do espaço e da natureza).
•Concebe os objetos e movimentos em termos essencialmente quantitativos, a
partir de noções como espaço, tempo, velocidade, aceleração, massa, força.
(noções que se definem pela possibilidade de medição e de articulação em
fórmulas e modelos matemáticos).
•Leis da natureza são entendidas como correlações entre variáveis quantitativas,
expressas em fórmulas matemáticas –“a natureza é um livro escrito em linguagem
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matemática” (Galileu, em obra de 1623). Matematização da natureza e da ciência
da natureza.
•Espaço homogêneo e infinito, definido em termos puramente geométricos.
3) Imagem utilitária da ciência.
•Estreita associação entre ciência e técnica.
•Interesse básico: ter poder sobre a natureza (tornar-se capaz de prever, controlar,
usar ou manipular objetos, recursos e processos da natureza).
•Preocupação com a utilidade do conhecimento para propósitos “mundanos”,
como conforto, saúde, riqueza, diversão, etc. Interesse na possibilidade de
aplicações práticas do conhecimento. Interesse na maximização (indefinidamente
reposicionada no futuro) da satisfação das preferências dos sujeitos.
- A época moderna caracteriza-se por um movimento de “subjetivização” das
noções de bem e felicidade: cabe a cada indivíduo, e não ao filósofo ou religioso,
dizer o que é bom para si próprio. O bem (felicidade) deixa de ser definido em
termos de realização do potencial e função próprios do homem, interpretados como
potencial e função objetivos, e passa a ser definido em termos de satisfação das
preferências subjetivas de cada indivíduo.
• Observação sobre a noção de utilidade. Ciência antiga e ciência moderna exibem
duas aplicações distintas da noção de utilidade. Na ciência antiga, esta noção é
aplicada no princípio de que tudo que existe tem uma utilidade para a ordem
abrangente do Cosmo. (utilidade dos objetos da natureza para a ordem cósmica).
Na ciência moderna, a noção de utilidade encontra aplicação no princípio de que o
conhecimento científico deve ter utilidade para os propósitos do homem (utilidade
da ciência para os propósitos do homem).
Duas tendências embutidas no movimento de rejeição da ciência aristotélico-
escolástica efetuado na revolução científica moderna.
•1) Defesa da matematização da natureza e da ciência da natureza.
Esta tendência equivale a uma dimensão do trabalho científico na qual o sujeito é
mais ativo, na medida em que o conhecimento matemático é visto como fruto de
noções e operações da razão pura do sujeito (ele não depende de informações
captadas ou recebidas pelos sentidos).
Há nesta tendência uma ênfase na atividade cognitiva do sujeito. O princípio do
conhecimento tende a ser identificado com a atividade da razão pura do sujeito.
•2) Defesa de observações “puras”, coletadas através dos sentidos (com auxílio de
instrumentos) e totalmente depuradas das distorções produzidas pelas suposições
teleológicas típicas da ciência aristotélico-escolástica.
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- Esta tendência equivale a uma dimensão do trabalho científico na qual o sujeito é
mais passivo, na medida em que os sentidos constituem uma capacidade
essencialmente receptiva: trata-se de receber os dados fornecidos pela natureza de
forma absolutamente neutra, ou seja, sem nenhuma mistura com suposições
prévias (que passam a ser vistas como “preconceitos”).
Há nesta tendência uma ênfase na passividade e neutralidade do sujeito. O
princípio do conhecimento tende a ser identificado aos dados “puros” (não-
interpretados por suposições prévias) captados pelos sentidos (dados empíricos, ou
seja, oriundos da experiência).
“Construtivismo/Idealismo” e “Empirismo/Positivismo”
•Tendência (1) sugere que o objeto do conhecimento é numa certa medida
“construído” pela razão do sujeito, mediante projeção na realidade de noções,
princípios e estruturas da razão pura, de caráter lógico-matemático.
- Tendência (1) está na origem das teorias racionalistas e idealistas (que também
podem ser chamadas de construtivistas e antipositivistas). Deste ponto de vista, o
objeto do conhecimento (objeto considerado sob o aspecto da possibilidade de ser
conhecido pelo sujeito) é dependente dos princípios e operações da razão pura do
sujeito.
•Tendência (2) sugere que o objeto do conhecimento é absolutamente
independente dos princípios, conceitos e esquemas conceituais da razão do
sujeito. O conhecimento científico deve simplesmente reproduzir de modo preciso e
fiel este objeto independente.
- Tendência (2) está na origem das teorias empiristas e positivistas. Deste ponto de
vista, o objeto do conhecimento é independente das atividades da razão pura do
sujeito. Cabe à razão do sujeito simplesmente conformar-se às informações deste
objeto independente, recebidas em observações puras, não-interpretadas por
suposições prévias.
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Aula 4.
O debate entre empirismo e racionalismo no século XVII (1601-1700).
Empirismo no século XVII: vamos nos concentrar em F. Bacon e J. Locke.
Racionalismo no século XVII: vamos nos concentrar em R. Descartes.
O contexto histórico do debate
•1) Crise da autoridade das instituições e crenças religiosas –Reforma protestante
(início com Lutero em 1517) e guerras entre católicos e protestantes.
•2) Crise e esgotamento do conhecimento científico tradicional (aristotélico-
escolástico), ou seja, transmitido de forma não-crítica, com base apenas na
autoridade dos “sábios”, ligada à autoridade da Igreja Católica.
•3) Crenças e autoridades tradicionalmente aceitas eram questionadas e
abandonadas –ambiente de dúvida e incerteza e, ao mesmo tempo, de valorização
da capacidade cognitiva da consciência individual (de cada indivíduo).
•4) Dúvida quanto ao saber tradicional (ou quanto ao modo habitual de ver a
realidade) é tomada como etapa necessária (preparatória) para se chegar à
verdade, mediante construção de um novo “edifício do conhecimento”. Dúvida é
parte do método do conhecimento.
•5) Desejo de evitar o erro, ou seja, não repetir os erros do (pseudo) saber
escolástico, entranhado no modo habitual de ver a realidade.
- Para evitar o erro, é preciso lançar uma dúvida metódica sobre as bases do
conhecimento tradicional (modo habitual de perceber a realidade) e encontrar uma
“base segura” para a reconstrução do edifício do conhecimento.
A dúvida quanto à visão de mundo típica da ciência aristotélico-escolástica gerou
duas concepções distintas da “base segura” da nova ciência:
1ª) Observações puras, dados brutos captados pelos sentidos. Observações
depuradas das distorções produzidas pelas suposições teleológicas típicas da
ciência aristotélico-escolástica. Liberados da influência das suposições
teleológicas, os sentidos constituem um canal confiável de recepção do objeto do
conhecimento (objeto do conhecimento é identificado aos dados da realidade que
são recebidos pelos sentidos). Ênfase numa atitude de passividade e neutralidade
do sujeito do conhecimento. EMPIRISMO.
2ª) Radicalização da dúvida metódica leva a uma dúvida quanto à confiabilidade
dos sentidos. Não há certeza e evidência nas intuições sensíveis; só há certeza e
evidência nas intuições intelectuais (intuições da razão pura). A base segura do
conhecimento são intuições intelectuais claras e evidentes, ou seja, nas quais há
certeza e evidência. RACIONALISMO.
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Esclarecimentos terminológicos importantes para a compreensão desta disputa.
1º) Primeira diferença básica: diferença entre intuição e raciocínio.
1.1) Intuição: apreensão ou visão imediata de um determinado dado; quando você
simplesmente “vê” algo (um objeto, um acontecimento, a característica de um
objeto ou acontecimento, ou então, no caso da intuição intelectual, uma verdade
básica, de caráter lógico ou lógico-matemático). A intuição fornece os pontos de
partida do raciocínio.
1.2) Raciocínio: quando você chega a determinados dados por meio de um
processo argumentativo que parte de outros dados.
2º) Segunda diferença básica. Diferença entre dois tipos de intuição.
2.1) Intuição sensível (operação dos sentidos). Quando você capta um dado ou
informação por meio dos sentidos. Quando você vê um acontecimento, um objeto,
uma característica de um acontecimento ou objeto.
2.2) Intuição intelectual (operação da razão pura). Quando você “vê” uma verdade
básica ou fundamental, de caráter lógico ou lógico-matemático, e referida à
estrutura básica da experiência no espaço e tempo.
Os exemplos de intuição intelectual variam historicamente, alguns deles deixam de
ser aceitos em momentos posteriores. Exemplos: “coisas que são iguais a uma
mesma coisa são iguais entre si”; “ponto é aquilo que não tem partes”; “uma reta
finita pode ser prolongada à vontade”; o postulado euclidiano das retas paralelas
(“Dados em um plano uma reta s e um ponto P fora dela, existe no plano uma única
reta que passa pelo ponto P e é paralela à reta dada”); “tudo que acontece tem
uma causa”, “o efeito não pode ter mais realidade do que a causa”.
- Na tradição racionalista, verdades fundamentais apreendidas pela intuição
intelectual equivalem a idéias inatas.
(É importante destacar que, do ponto de vista histórico, muitas “verdades”
atribuídas à intuição intelectual deixaram de ser verdades absolutas,
independentes do contexto de pesquisa e aplicação. Mas isso não invalida a idéia
mais geral de que determinadas hipóteses logicamente independentes da intuição
sensível desempenham um papel decisivo na investigação científica. Veremos isso
mais à frente).
3º) Terceira diferença básica. Diferença entre dois tipos de raciocínio.
3.1) Indução: partindo de um determinado conjunto de dados, você chega a uma
conclusão que NÃO está implicitamente contida nestes dados. Mesmo que os
enunciados de que você partiu sejam verdadeiros, e mesmo que o raciocínio seja
criterioso, a conclusão pode ser falsa (exemplos: generalização com boa base
indutiva, analogia criteriosa).
3.2) Dedução: partindo de determinadas informações, você chega a uma conclusão
que implicitamente já está contida nestas informações. Se os enunciados de que
você partiu são verdadeiros, e se o raciocínio é formalmente válido, a conclusão
necessariamente é verdadeira (exemplos: “sempre que o metal é aquecido, ele se
dilata; o corpo x não se dilatou ao ser aquecido; conclusão: o corpo x não é metal”).
15
O empirismo.
•Principais defensores do empirismo no século XVII: Francis Bacon (“O Novo
Órganon”, 1620) e John Locke (“Ensaio sobre o Entendimento Humano”, 1690).
•1) “Base Segura” para a construção do conhecimento: experiência sensível
(empeiria= experiência sensível); dados e informações captados de forma
absolutamente neutra pelos sentidos (mediante eliminação de todos os “pré-
conceitos” envolvidos no modo habitual de ver a realidade); dados absolutamente
fidedignos. Ênfase na intuição sensível, em comparação com a intuição intelectual.
Defesa dos sentidos como canais confiáveis de recepção do objeto do
conhecimento, identificado aos dados da realidade independente.
•1.1) Mente humana como folha em branco (“Tábula rasa”), paulatinamente
preenchida pelos dados captados pelos sentidos. Não há idéias inatas.
•2) “Método seguro” para a construção do conhecimento: Indução (como
generalização, raciocínio que vai das observações particulares à regra geral):
partindo-se de observações (experiências) de casos particulares da ocorrência de
determinados fenômenos [casos em que os fenômenos (p.ex., calor e dilatação de
metais) se apresentam, não se apresentam e variam], formulam-se definições,
conceitos e leis de caráter geral, válidos para todos os casos dos fenômenos
investigados.
Leis da natureza são concebidas como correlações regulares e universais de
fenômenos da natureza. E a Indução é concebida como método de descoberta das
leis da natureza.
- Ênfase no raciocínio indutivo, em comparação com o raciocínio dedutivo.
•2.1) Para realizar a indução: eliminação das “antecipações da natureza” (idéias
pré-concebidas sobre a estrutura e funcionamento da natureza); limpar a mente
das falsas noções que a invadiram; “tornar-se uma criança diante da natureza”.
Passividade e neutralidade do sujeito.
O Racionalismo
•Principal defensor do racionalismo no século XVII: René Descartes (“Discurso do
Método”, 1637; “Meditações Metafísicas”, 1641).
•1) “Base segura” para a construção do conhecimento: intuição intelectual
fundamental: “Eu penso, e enquanto penso existo como substância pensante”.
Submetendo as idéias presentes em minha mente a um rigoroso questionamento
crítico (dúvida metódica), descubro que há princípios e noções que minha razão
apreende como claros e evidentes, intelectualmente certos, necessariamente
verdadeiros. Trata-se de princípios e idéias inatas, independentes da experiência
sensível. (Se fossem oriundos dos sentidos, não se apresentariam como claros,
certos, seguros.)
Dentre os princípios e idéias inatas, destacam-se os princípios e idéias lógico-
matemáticos, utilizados na construção do conhecimento matemático.
16
•2) “Método seguro” para a construção do conhecimento: dúvida metódica,
intuição intelectual e raciocínio dedutivo (extração de conseqüências logicamente
necessárias de idéias e princípios apreendidos por intuição intelectual, ou seja,
apreendidos como claros, evidentes, certos). Em Descartes, o próprio resultado do
raciocínio dedutivo aparece como uma espécie de intuição intelectual, na medida
em que se apresenta com as características da clareza, evidência e certeza. Ideal
de um conhecimento certo e seguro elaborado “dentro” da mente.
•3) Prova da existência de Deus (prova puramente lógica, que recorre apenas ao
conceito ou idéia de Deus, e ao princípio de causalidade aplicado a essa idéia)
garante a correspondência do conhecimento elaborado “dentro” da mente à
realidade existente “fora” da mente.
Objeto do conhecimento: construído ou independente?
•1) Empirismo: realidade e objeto do conhecimento são termos absolutamente
idênticos. Trata-se de um pólo absolutamente independente do sujeito e das
capacidades cognitivas do sujeito. Conhecimento se produz na medida em que a
realidade (o objeto) “flui” PARA a mente do sujeito, por meio dos sentidos.
•Objeto do conhecimento é a realidade tal como aparece aos sentidos do sujeito
(purificados de noções pré-concebidas). Realidade = Objeto do conhecimento =
coisas que aparecem aos sentidos, classificadas, correlacionadas e organizadas
segundo o método da indução.
- Para o empirismo, o objeto (aquilo com que o sujeito se defronta) é
ontologicamente independente do sujeito, ou seja, ele existe independentemente
das atividades da consciência do sujeito.
- Para o empirismo, além disso, o objeto que pode ser conhecido e é realmente
conhecido é uma entidade epistemologicamente independente do sujeito, ou seja,
o conhecimento do objeto pelo sujeito consiste numa cópia precisa e fiel do objeto
ontologicamente independente – uma cópia possibilitada pelo fato de os sentidos
do sujeito constituírem um acesso direto e confiável a este objeto ontologicamente
independente.
•2) Racionalismo: “realidade” e “objeto do conhecimento” são pólos em princípio
distintos. Realidade é aquilo que existe fora da mente, e independentemente da
mente (ou consciência) do sujeito. O racionalismo reconhece que o “objeto” (não o
objeto do conhecimento) é ontologicamente independente do sujeito, ou seja, ele
existe independentemente das atividades da consciência do sujeito.
- Para o racionalismo, porém, a realidade só se torna objeto do conhecimento na
medida em que o sujeito (mente, consciência), garantido pela prova da existência
de Deus, projeta sobre ela uma estrutura lógico-conceitual elaborada “dentro” da
mente (estrutura puramente racional; fundamentalmente, estrutura de relações
lógico-matemáticas, aplicadas ao espaço e os corpos no espaço).
•Objeto do conhecimento não é a realidade tal como aparece aos sentidos, mas a
realidade tal como organizada mediante projeção sobre ela de uma estrutura
puramente racional (inata).
17
•Objeto do conhecimento é construído pela atividade cognitiva desenvolvida pela
razão (pura). O objeto que pode ser conhecido e é realmente conhecido é uma
entidade construída pelo sujeito, por meio da projeção sobre a realidade de uma
estrutural lógico-conceitual elaborada dentro da mente (cuja correspondência com
a realidade é garantida pela existência e perfeição de Deus).
- Para o racionalismo, portanto, embora o objeto seja ontologicamente
independente, ele é epistemologicamente dependente da consciência do sujeito,
na medida em que o conhecimento do objeto depende da projeção sobre a
realidade de uma estrutura lógico-matemática elaborada pela mente do sujeito, ou
pela razão pura do sujeito.
18
Aula 5.
O debate entre empirismo e idealismo no século XVIII (1701-1800).
Empirismo no século XVIII: D. Hume.
Idealismo no século XVIII: I. Kant
O contexto histórico do debate
•Século XVIII: Liberalismo e Iluminismo.
a) Liberalismo como doutrina:
a.1) Liberdade do indivíduo como princípio e valor (fim) da ordem social.
a.2) Direitos humanos (individuais) como garantias do exercício da liberdade
individual. Tais direitos são apresentados como direitos naturais do homem, ou
seja, sua validade não depende de leis formalmente promulgadas e vigentes nos
Estados. Direitos às liberdades individuais clássicas: liberdade pessoal (proteção
em relação a atos arbitrários ou abusivos por parte dos agentes do Estado ou do
governo; Habeas Corpus na Inglaterra, 1679); liberdade de pensamento e opinião;
liberdade de religião e culto (implicando separação entre Estado e Igreja); liberdade
de expressão.
- O respeito a tais direitos individuais configura o chamado “Estado de direito”,
fundado ainda na igualdade dos cidadãos perante o Estado e a Lei (contra os
tradicionais privilégios da nobreza e clero, típicos da ordem absolutista).
a.3) Legitimidade e justificação do Estado são derivadas da idéia de um acordo
racional de agentes livres (“Contrato Social”).
b) Liberalismo como movimento político:
•Movimento de supressão das monarquias absolutas e dos privilégios tradicionais
da nobreza e clero, e de instauração dos Estados constitucionais, baseados em
declarações dos direitos e liberdades dos cidadãos. Revolução Gloriosa na
Inglaterra (1688, no finalzinho do século XVII); Independência dos EUA, contra a
política “absolutista” da monarquia inglesa nas colônias norte-americanas (1776),
Revolução Francesa (1789).
c) Iluminismo: movimento de idéias bastante próximo ao liberalismo.
•Crença na capacidade da razão humana de progressivamente desvendar,
conhecer e manipular a natureza, tendo em vista a realização da felicidade
humana. Rejeição de autoridades externas à razão individual, como a Igreja (anti-
clericalismo). Confiança no progresso contínuo do conhecimento científico, como
instrumento de promoção da felicidade terrena.
- Na França, publicação da primeira “Enciclopédia” (início em 1751): sintetizar em
uma obra todo o saber da época, tornando-o disponível a todos os homens-
cidadãos.
19
O Empirismo no século XVIII
•Principal defensor do empirismo no século XVIII: David Hume (“Tratado sobre a
natureza humana”, 1739, e “Investigação sobre o Entendimento Humano”, 1748).
•Questão colocada por Hume: sentidos não captam as características da
necessidade e universalidade, que são características fundamentais do conceito de
causalidade e das Leis da natureza que a ciência pretende apresentar.
•Hume problematiza o método da indução, tal como compreendida pelos
empiristas do séc. XVII. Não há base objetiva para “pularmos” de observações
particulares para enunciados necessários e universais (tal “pulo” não se baseia em
intuição sensível, pois os sentidos não vêem ou captam a necessidade e
universalidade; nem em raciocínio lógico, pois necessidade e universalidade não
são conseqüências logicamente necessárias das observações particulares).
• Hume estabelece uma diferença entre conhecimento puramente lógico ou lógico-
matemático, caracterizado pela necessidade lógica das relações entre idéias, e, por
outro lado, conhecimento da natureza – e pergunta com base em que podemos
afirmar que as leis da natureza são necessárias e universais.
Em outras palavras, Hume estabelece uma diferença entre a necessidade lógica
das relações entre idéias da mente e, por outro lado, a necessidade empírica das
relações entre eventos da natureza, que nosso conhecimento da natureza pretende
exprimir; e pergunta se essa pretensão é justificada. Podemos de fato “saber” que
as relações entre eventos da natureza são rigorosamente necessárias? (Esta
pergunta é feita contra o pano de fundo da concepção da ciência como um saber
certo e infalível, imune a erros).
• Resposta de Hume aos problemas que ele mesmo coloca: Indução se baseia
num fundamento “subjetivo”: hábito/costume da nossa mente de associar
necessidade e universalidade às regularidades que observamos. Necessidade e
universalidade refletem um hábito da nossa mente. Em um sentido rigoroso e
estrito, nós não sabemos que a natureza segue leis necessárias e universais, mas,
por outro lado, nossa “natureza” (a natureza de nossa mente, que se exprime em
seu modo habitual de comportar-se) nos compele a pensar assim.
•Hume mantém a tese de que a indução representa o método correto para a
descoberta ou obtenção das (presumidas) leis da natureza. Embora baseada num
“hábito” da mente, a indução é o melhor método para tentarmos conhecer a
realidade objetiva.
•Visão falibilista e probabilística do conhecimento científico: não podemos ter
certeza de que as Leis que atribuímos à natureza (e que descobrimos com base na
indução) são absolutamente necessárias; não podemos ter certeza de que o
conhecimento científico de que dispomos é infalível.
20
O Idealismo no século XVIII
•Desenvolvimento do racionalismo do século XVII.
•Principal defensor: I. Kant (Crítica da Razão Pura, 1781).
•Aceita os problemas apontados por Hume, mas não aceita sua solução.
•Seguindo Hume, Kant afirma que necessidade e universalidade não são
características captadas pelos sentidos.
•Contra Hume, afirma que elas não se enraízam num mero “hábito” da mente
humana, mas numa atividade legisladora (de impor leis) que é simultaneamente
construtora da objetividade da realidade. Necessidade e universalidade são
expostas como características da estrutura lógico-conceitual que o sujeito impõe a
todos os dados que lhe aparecem.
- Para Kant, há regras inatas (sediadas na razão pura) de organização das
sensações e de construção da forma geral da realidade objetiva. Trata-se de regras
de constituição do espaço-tempo e de organização da nossa experiência no espaço-
tempo, que incluem a regra da causalidade.
•Conhecimento matemático não é um conhecimento meramente mental (cuja
aplicabilidade à natureza depende de verificação empírica, como em Hume).
Embora seja um conhecimento logicamente independente da experiência sensível
(conhecimento a priori, ou seja, logicamente anterior à experiência sensível), é um
conhecimento rigorosamente necessário da ordem da natureza PARA NÓS
(natureza tal como aparece para nós).
•Distinção entre a natureza “em si mesma” (“coisa-em-si”) e a natureza “para nós”
(que Kant muitas vezes chama de “realidade objetiva”). A “realidade para nós” é
construída por uma atividade de imposição de regras ou leis: imposição sobre as
“aparições (“fenômenos”) de regras de estruturação e organização congênitas à
mente, ou seja, inatas . Em outras palavras, a realidade para nós são os
fenômenos, organizados por regras inatas.
• Todo conhecimento científico ou teórico precisa de uma contribuição da intuição
sensível (não há conhecimento teórico de Deus):
- No caso do conhecimento matemático, intuição sensível pura, ou seja, intuição
dos dados puros do espaço e tempo, que são dados puramente formais (O
conhecimento matemático é produzido na medida em que o sujeito preenche a
estrutura conceitual que ele impõe a tudo que lhe aparece com os dados formais
da intuição pura do espaço-tempo).
Em Kant, o conhecimento matemático é um conhecimento “sintético a priori”, ou
seja, não é um conhecimento meramente mental, e sim um conhecimento sobre a
realidade (realidade para nós), ou seja, aplicável e aplicado à realidade, e por isso
sintético, mas, por outro lado, um conhecimento cuja validade ou verdade é
independente (logicamente independente ou anterior) dos dados recebidos pela
intuição sensível dos conteúdos substantivos da realidade – e por isso é um
conhecimento a priori.
21
- No caso das demais ciências da natureza, intuição sensível fornece os conteúdos
para o preenchimento da forma (estrutura formal) puramente racional elaborada e
imposta pela razão pura.
•Só há conhecimento teórico na medida em que conteúdos são dados à intuição
sensível e, simultaneamente, organizados segundo a estrutura lógico-conceitual
que o sujeito impõe a tudo que lhe aparece (que inclui a relação de causalidade).
•Não há conhecimento teórico de Deus. Deus se torna tema de suposições
necessárias no campo da prática (campo das escolhas e ações humanas).
•Validade objetiva (ou seja, aplicabilidade à natureza existente fora da mente do
sujeito) da estrutura lógico-matemática baseia-se, não mais na perfeição, bondade
e veracidade de Deus, mas na atividade “legisladora-impositiva” do sujeito (“sujeito
transcendental”, ou seja, o próprio homem, enfocado como condição de
possibilidade da própria realidade objetiva).
Objeto do conhecimento: construído ou independente?
•1) Empirismo de Hume:
(a) Objeto do conhecimento (identificado à realidade objetiva) é independente da
consciência do sujeito (igual ao empirismo de Bacon e Locke);
(b) Conhecimento teórico (científico) é constituído por observações “puras” dessa
realidade independente, com uso do método da indução, ou seja, de
generalizações com base nas quais chegamos aos conceitos e Leis dos
objetos/eventos da natureza (igual ao empirismo de Bacon e Locke);
(c) Conhecimento científico é falível, pois nosso acesso à realidade independente
não é absolutamente seguro e abrangente (diferente do empirismo de Bacon e
Locke).
•2) Idealismo de Kant:
(a) Objeto do conhecimento é a realidade “para nós”, distinta da realidade “em si
mesma”.
•(b) Objeto do conhecimento (realidade para nós) é construído pela atividade
cognitiva do sujeito: atividade na qual o sujeito impõe às aparições (da realidade
em si mesma) uma estrutura lógico-conceitual única e abrangente. Conhecimento
teórico é constituído por observações encaixadas numa estrutura conceitual
(causal e determinista) única e abrangente.
•(c) Conhecimento científico é rigorosamente necessário (mais precisamente, a
estrutura formal é infalível, embora possamos eventualmente nos enganar em
relação aos conteúdos que preenchem esta estrutura formal. A lei “tudo que
acontece tem uma causa” é infalível, embora possamos às vezes nos equivocar
quanto aos conteúdos que preenchem a posição de “causa”. Mas este é um
aspecto que não é enfatizado).
22
Aula 6.
O debate entre o empirismo lógico e o racionalismo crítico de Popper (de 1920 a
1950, aproximadamente).
Os antecedentes históricos do debate
•1) Desenvolvimento de geometrias não-euclidianas (1826-1850,
aproximadamente).
•Conseqüência: abandono da tese (adotada pelo racionalismo do século XVII e
idealismo do século XVIII) de que a matemática representa um conhecimento
rigorosamente necessário (infalível) da estrutura essencial da realidade objetiva.
Reconhecimento de que a verdade matemática (necessidade/coerência lógica de
um sistema construído a partir de princípios convencionais) distingue-se
essencialmente de verdade empírica (aplicabilidade e validade para a natureza, ou
para a realidade objetiva).
• 2) Abandono do paradigma determinista da mecânica newtoniana: a partir de
1860, aproximadamente. Abandono da concepção determinista do mundo físico,
segundo a qual os processos da natureza seguem leis rigorosamente
determinísticas (que não deixam nenhuma margem de indeterminação).
•Conseqüências:
(a) abre espaço para uma concepção probabilística do mundo físico. (Leis da
natureza têm caráter probabilístico ou estatístico, em vez de caráter rigorosamente
determinístico).
•(b) Abre espaço para uma concepção falibilista do nosso conhecimento do mundo
físico. (Ciência da natureza abandona a pretensão de constituir-se em
conhecimento necessário/infalível; trata-se sempre de conhecimento falível, sujeito
a correção, revisão ou completo abandono.)
O contexto histórico do debate
•O debate entre empirismo lógico e racionalismo crítico se desenvolve,
basicamente, entre os anos 1920 e 1950. O empirismo lógico é defendido por um
conjunto de filósofos reunidos no chamado “Círculo de Viena”. O racionalismo
crítico é defendido pelo filósofo Karl Popper.
•Nesse contexto, a partir do desenvolvimento e aplicação científica de geometrias
não euclidianas, havia sido abandonada a concepção de ciência que dera sentido à
posição racionalista/idealista nos séculos XVII e XVIII: a idéia de que a ciência
matemática e físico-matemática representa um conhecimento necessário (infalível)
da realidade objetiva, mas ao mesmo tempo logicamente independente da
experiência sensível. PONTO DESTACADO PELO EMPIRISMO LÓGICO, MAS
ADMITIDO PELO RACIONALISMO CRÍTICO. Em outras palavras, ao contrário das
teorias racionalista e idealista dos séculos XVII e XVIII, o racionalismo crítico de
Popper não vai se preocupar em explicar como é possível um conhecimento
logicamente independente da experiência sensível da realidade ser ao mesmo
tempo um conhecimento sobre esta realidade, e necessariamente válido em
relação a ela.
23
•Por outro lado, caíra em descrédito uma tese que fora adotada pelo empirismo
nos séculos XVII e XVIII: a tese de que observações não-interpretadas constituem o
ponto de partida da descoberta e elaboração das leis científicas. PONTO
DESTACADO PELO RACIONALISMO CRÍTICO, MAS ADMITIDO PELO EMPIRISMO
LÓGICO. Em outras palavras, ao contrário das teorias empiristas dos séculos XVII e
XVIII, o empirismo lógico do círculo de Viena admite que as leis científicas não são
elaboradas a partir de observações da realidade, mas são livremente formuladas
por mentes argutas e até mesmo geniais.
- Ocorrem assim alterações importantes em relação à discussão anterior. Vejamos
as principais alterações.
Alterações em relação ao debate anterior.
1) Não se discute mais o ponto de partida da atividade de produção científica.
- No debate anterior, havia discussão quanto a esse ponto de partida:
- Empirismo defendia que era folha em branco a ser paulatinamente preenchida
por observações “puras”.
- Racionalismo/idealismo defendia que eram idéias inatas geradoras de uma
estrutura lógico-conceitual (e matemática) necessariamente verdadeira.
•No novo debate: nem uma coisa nem outra; e sim: hipóteses (falíveis) livremente
formuladas pela razão dos cientistas. Os dois lados concordam quanto a isso.
2) Alteração no enfoque que é dado aos métodos respectivamente defendidos por
empiristas e racionalistas.
- No debate anterior, os empiristas defendiam o método da indução como um
método de elaboração das leis da natureza a partir da experiência sensível
(observações puras e não-interpretadas da natureza), do mesmo modo que os
racionalistas/idealistas defendiam o método da dedução como um método de
elaboração das leis da natureza a partir de idéias e princípios inatos.
- No novo debate, os empiristas vão defender o método da indução como um
método de justificação das hipóteses científicas livremente formuladas pelos
cientistas, do mesmo modo que os racionalistas vão defender o método da
dedução (método hipotético-dedutivo) como um método de justificação das
hipóteses científicas.
3) Assim, ocorre uma alteração do cerne da discussão.
- No debate anterior, o cerne da discussão era a questão do ponto de partida e do
método da elaboração das leis da natureza.
- No novo debate, o cerne da discussão é a questão do método da justificação das
hipóteses científicas livremente formuladas pela razão dos cientistas.
O núcleo do novo debate
•A questão da justificação das hipóteses científicas.
•Os dois lados (empirismo lógico e racionalismo crítico) concordam que não é
possível o estabelecimento completo e definitivo da verdade de uma hipótese.
24
•Empirismo lógico defende o ideal de uma confirmação gradativa e crescente das
hipóteses (sem chegar ao estabelecimento completo e definitivo da verdade das
mesmas), baseada no aumento do número de observações favoráveis ou
confirmadoras, equivalendo ao aumento do grau de probabilidade de que desfruta
a hipótese.
- A indução é o método utilizado no cálculo da probabilidade de que desfruta a
hipótese. Indução como cálculo da probabilidade de uma hipótese ser válida, a
partir do conjunto das observações disponíveis. (Justificação probabilística, usando
um tipo de lógica indutiva). INDUÇÃO COMO JUSTIFICAÇÃO PROBABILÍSTICA DAS
HIPÓTESES.
•Racionalismo crítico (Karl Popper) defende o ideal de uma justificação por
“fracasso na tentativa de refutação”. A justificação é constituída pelo fato de a
hipótese passar por um teste em que, à luz dos conhecimentos e expectativas
disponíveis, considera-se alto o risco de ela ser refutada por uma observação
contrária.
- Para Popper, a dedução é o método utilizado na construção dos testes através
dos quais se efetua a justificação das hipóteses científicas.
- Para Popper, a justificação das hipóteses científicas não se dá por meio de
raciocínio indutivo-probabilístico, mas por meio de raciocínio estritamente dedutivo:
“se a hipótese x é verdadeira, tem de ocorrer fenômeno y; (com base nesta
dedução, montamos um teste para averiguar se o fenômeno y de fato ocorre); se o
fenômeno y não ocorre, a hipótese x é falsa” (mas se o fenômeno ocorre, a
hipótese passou no teste e ganhou maior grau de corroboração, que para Popper
não se confunde com grau de confirmação ou verificação, como destacaremos
mais à frente).
- Para Popper, uma boa hipótese científica apresenta a seguinte característica: à
luz dos conhecimentos e expectativas disponíveis, considera-se baixa a
probabilidade de o fenômeno y (mencionado acima) ocorrer. Levando-se em conta
esta característica, o teste de uma boa hipótese tem o caráter de uma “tentativa de
refutação”; em outras palavras, o teste caracteriza-se pelo fato de que se considera
alto o risco de a hipótese ser refutada por uma observação contrária. Se isto não
ocorre, há um “fracasso na tentativa de refutação”, e para Popper este fracasso
equivale a uma boa justificação (ainda que essencialmente temporária) da hipótese
em questão.
•O método da ciência é o método hipotético-dedutivo. A dedução é importante
como método de explicitação de conseqüências logicamente necessárias da
hipótese, que possam ser confrontadas com observações registradas em testes
montados a partir da hipótese e da dedução das conseqüências que esta
necessariamente implica.
•Para Popper, corroboração não equivale a uma confirmação da hipótese, no
sentido de um aumento da probabilidade de ela ser verdadeira. Corroboração
indica apenas o desempenho da hipótese nos testes realizados até o presente; não
pretende indicar probabilidade de êxito futuro. “O termo corroboração é preferível à
confirmação, para não dar a idéia de que as hipóteses ou leis são verdadeiras, ou
se tornam cada vez mais prováveis à medida que passam pelos testes. A
corroboração é uma medida que avalia apenas o sucesso passado de uma teoria e
não diz nada acerca de seu desempenho futuro” (Gewandsznajder, p.15).
25
•Para Popper, o objetivo do cientista não deve ser formular hipóteses com alto
grau de probabilidade, mas formular hipóteses com alto grau de “refutabilidade”
(probabilidade de ser refutada, medida à luz dos conhecimentos e expectativas
disponíveis). Hipóteses com alto grau de probabilidade são teoricamente
desinteressantes, ao contrário de hipóteses com alto grau de refutabilidade.
Quanto maior a refutabilidade de uma hipótese, maior a corroboração que ela
ganha ao passar nos testes em que corre alto risco de ser refutada.
- Além disso, há uma assimetria entre a verificação (indutiva e probabilística)
defendida pelos empiristas e a refutação por ele visada. A verificação exige que se
colete o maior número possível de observações confirmadoras, ao passo que a
refutação se realiza por meio de uma única observação refutadora.
•Para Popper, a diferença entre o ideal da verificação (ligado ao raciocínio indutivo)
e o ideal da refutabilidade/corroboração (ligado ao raciocínio dedutivo) exprime
uma diferença na atitude do cientista diante da natureza. O método indutivo
exprime o desejo de conformar-se fielmente ao que a natureza se presta a dizer, ao
passo que o método hipotético-dedutivo exprime uma atitude de “forçar” a
natureza a responder às perguntas que o cientista soberanamente lhe faz.
26
Aula 7.
O debate entre o positivismo (empirismo lógico E racionalismo crítico) e, por outro
lado, o construtivismo culturalista representado por Thomas Kuhn (estendendo-se
de 1950, aproximadamente, até hoje).
Positivismo: empirismo lógico E racionalismo crítico de Popper.
Construtivismo culturalista: Thomas Kuhn (“A estrutura das revoluções científicas”,
livro publicado em 1962).
- O construtivismo culturalista é um movimento muito mais abrangente do que a
obra de Kuhn. Ele abrange a tradição fenomenológico-hermenêutica ligada às
obras de Husserl e Heidegger, e também as interpretações que, na esteira do
esgotamento do empirismo lógico defendido no Círculo de Viena, elaboram a
filosofia analítica da linguagem do ponto de vista da cultura, da história e das
relações pragmáticas entre os usuários da linguagem. Entretanto, para os
propósitos da primeira parte do nosso curso, Kuhn é o nome mais importante e
influente.
- De acordo com Kuhn, apesar das inegáveis diferenças entre o empirismo lógico e
o racionalismo crítico de Popper, há entre eles uma semelhança mais fundamental,
que permite juntá-los numa perspectiva única, o positivismo.
- Do ponto de vista das análises de Kuhn, o positivismo representa uma
continuação da tradição empirista de conceituação da relação entre o sujeito e o
objeto do conhecimento, com sua ênfase na primazia do objeto. Da mesma forma,
o construtivismo culturalista representa uma retomada e atualização das
características básicas da tradição racionalista/idealista, com sua ênfase na
primazia do sujeito; o que muda é o modo de conceituar essa primazia.
- Para Kuhn, o que une o racionalismo crítico (Popper) ao empirismo lógico é a
crença em observações não-interpretadas da realidade, ou a crença de que este
tipo de observação constitui a base ou fundamento do procedimento de avaliação e
justificação das hipóteses científicas.
- Para Kuhn, a diferença entre eles diz respeito apenas ao modo como posicionam
as observações não-interpretadas (nas quais crêem) no quadro dos respectivos
procedimentos de justificação.
Em Popper, as observações não-interpretadas comparecem no quadro de um
procedimento em que o cientista “obriga” a realidade a responder às perguntas
que ele ousadamente lhe faz; trata-se de um procedimento em que o cientista
submete sua hipótese ou teoria a um teste altamente arriscado (justificação pelo
método hipotético-dedutivo).
No empirismo lógico, em contrapartida, as observações não-interpretadas
comparecem no quadro de um procedimento em que o cientista acumula
observações confirmadoras de sua hipótese ou teoria, num esforço de verificação
(confirmação) gradativa e crescente da mesma (justificação pelo método indutivo
do cálculo de probabilidade).
- Para Kuhn, ao adotarem a crença de que observações não-interpretadas da
realidade constituem a base do procedimento de justificação das hipóteses,
27
empirismo lógico e racionalismo crítico concedem primazia ao pólo “objeto” da
relação sujeito-objeto. Nessa perspectiva “objetivista” ou “positivista”, a boa
hipótese científica é aquela que corresponde à realidade “em si mesma”
(totalmente independente do sujeito e dos esquemas conceituais ou interpretativos
do sujeito), e as observações não-interpretadas desempenham a função de critério
para se avaliar tal correspondência. Observações não-interpretadas favoráveis são
tomadas como indícios da correspondência da hipótese à realidade em si mesma,
quer sejam conceituadas em termos de observações “corroborantes” (ou não
refutadoras), como em Popper, quer em termos de observações “verificadoras ou
confirmadoras”, como no empirismo lógico.
- Tese fundamental do holismo de Thomas Kuhn: não há observações não-
interpretadas da realidade; toda observação é interpretada com base no
“paradigma” em que trabalha (e vive) o sujeito do conhecimento.
- Paradigma: “visão de mundo” adotada em uma determinada comunidade de
usuários da linguagem, ou seja, adotada numa determinada “cultura”.
Paradigma: totalidade linguisticamente estruturada de termos, conceitos, princípios
básicos de explicação do mundo, princípios de avaliação dos dados observados
(exprimindo interesses e valores). Visão de mundo adotada na prática lingüística de
uma determinada comunidade de sujeitos que produzem conhecimento em geral e
conhecimento científico em particular.
- Para Kuhn, não há observações não-interpretadas da realidade: o que
percebemos não é a realidade “em si mesma”, mas a realidade visualizada,
nomeada, classificada, organizada e reconhecida segundo a totalidade lingüístico-
conceitual na qual estamos imersos (ou dentro da qual vivemos).
- A totalidade (ou “rede”) dos conceitos e princípios tem prioridade lógica sobre os
enunciados e conceitos mais específicos ou particulares: só compreendemos o real
significado de conceitos ou enunciados específicos à luz da totalidade explicativa
de que eles fazem parte. É na rede explicativa como um todo que nos situamos
para aplicar os conceitos e princípios que fazem parte da mesma.
- No contexto da prática científica, o peso (ou relevância) de uma observação
sempre é definido a partir do paradigma no qual trabalha o cientista. Para Kuhn,
atribuir um determinado peso ou relevância a uma observação é uma forma de
interpretá-la.
- Para Kuhn, uma observação desfavorável a uma teoria nunca funciona como
refutação cabal da mesma, ao contrário do que pensa Popper. No contexto do
paradigma em que a teoria se encaixa, a observação desfavorável é tomada como
(comparativamente) irrelevante, ou seja, de menos peso do que outras
observações, favoráveis à teoria. Ou, no máximo, é tomada como indício de que os
cientistas ainda não exploraram todo o potencial explicativo da teoria em questão,
de que é preciso trabalhar mais em cima da teoria. Na perspectiva desta
interpretação acomodadora, a observação desfavorável aparece como mera
“anomalia” (termo ou conceito empregado por Kuhn).
28
- A realidade sempre nos aparece pelas lentes de nosso paradigma; não podemos
ver a realidade “em si mesma”, ou seja, a realidade sempre é a realidade “para
nós”.
- O objeto do conhecimento sempre é construído pelos sujeitos do conhecimento, à
medida que estes aplicam os recursos lingüísticos, conceituais e interpretativos
próprios do paradigma no qual vivem e trabalham.
- É por isso que a abordagem de Thomas Kuhn representa uma retomada da
tradição “construtivista” do racionalismo/idealismo clássicos, com sua ênfase na
primazia do pólo “sujeito” na relação sujeito-objeto.
- Há uma diferença importante, porém: no holismo de Thomas Kuhn, a estrutura
organizadora que o sujeito projeta sobre a realidade a ser conhecida não é uma
estrutura essencialmente mental (individual), inata e a-histórica (invariável no
tempo), como ocorria no idealismo kantiano, mas, sim, uma estrutura
essencialmente lingüística (intersubjetiva), cultural e histórica (variando no decorrer
da história).
Substituição de uma concepção “correspondentista” da verdade por uma
concepção “epistêmica”, “coerentista” e “consensual”.
- Para os partidários do movimento do construtivismo culturalista, a abordagem
positivista trabalha com uma concepção equivocada da verdade, a concepção
“correspondentista”, segundo a qual a verdade deve ser pensada em termos de
correspondência da teoria à realidade em si mesma.
- Para muitos filósofos do movimento do construtivismo culturalista, deve-se
substituir esta concepção “correspondentista” da verdade por uma concepção
“epistêmica”, “coerentista” e “consensual” da mesma. A idéia básica é,
resumidamente, a seguinte: como não somos capazes de “sair” da esfera das
nossas interpretações para comparar nossas afirmações com a realidade “em si
mesma” (todas as observações que fazemos são impregnadas pelas interpretações
próprias do paradigma em que vivemos), a verdade deve ser pensada em termos
de um ideal puramente epistêmico, o ideal da justificabilidade racional das
afirmações e teorias no quadro de um paradigma que incorpore e integre o maior
número possível de informações e de critérios de ponderação das informações. A
verdade de uma teoria equivale à sua justificabilidade racional no quadro desse
paradigma ideal.
- Em outras palavras, a verdade deve ser pensada em termos de acordo
(“consenso”) entre os sujeitos da prática científica, obtido nas condições
idealizadas de uma comunidade de cientistas que disponha do maior número
possível de informações e de critérios de ponderação das informações.
- Além de ser referido a tais condições idealizadas, o consenso gerador de verdade
é orientado pelos critérios que idealmente definem a melhor teoria: capacidade de
incluir num quadro explicativo único e coerente (“coerentismo”) o maior número
possível de dados ou observações disponíveis.
29
Aula 8.
Positivismo e Idealismo/Construtivismo na esfera da Teoria das Organizações.
- Na segunda parte do curso, trataremos da filosofia das ciências humanas e
sociais. Tentaremos encaixar as grandes teorias de sociedade no quadro das duas
tradições de teoria do conhecimento e filosofia da ciência analisadas até aqui. Por
um lado a tradição empirista/positivista; por outro, a tradição idealista e
construtivista.
- É interessante antecipar as seguintes reflexões. No caso da tradição empirista e
positivista, não há grandes alterações envolvidas no transplante das idéias
fundamentais, da esfera da realidade “natureza” para a esfera da realidade
“homens”, “grupos humanos”, “sociedades”. No caso da tradição idealista e
construtivista, entretanto, esse transplante envolve uma radicalização das teses
antipositivistas típicas dessa tradição.
- Na esfera da realidade “natureza”, a tradição idealista e construtivista admite a
existência de uma realidade independente, independente, a saber, da consciência
humana, da razão humana, da linguagem humana, dos esquemas lingüístico-
conceituais adotados pelos sujeitos. O que a tradição construtivista faz é distinguir
a realidade “em si mesma” do objeto do conhecimento: o objeto do conhecimento
só se constitui à medida que os homens projetam “sobre” a realidade em si mesma
um esquema conceitual ou lingüístico expressivo das atividades de sua
consciência, razão e cultura. Uma outra maneira de apresentar esta tese é a
seguinte: para a tradição idealista e construtivista, o sujeito que produz
conhecimento não tem um acesso imediato à realidade a ser conhecida; seu
acesso a tal realidade sempre é mediado por um esquema lingüístico-conceitual,
ele não tem como sair da esfera da linguagem para ver a realidade em si mesma.
- Na esfera da realidade “natureza”, em outras palavras, o sujeito que produz o
conhecimento científico trabalha em cima de uma relação entre, por um lado, o
esquema lingüístico-conceitual por ele adotado, e, por outro lado, os dados a serem
encaixados neste esquema, e cujo encaixe nem sempre é isento de tensões e
atritos. Há um limite no esforço de acomodação do dado ao esquema do sujeito; o
resíduo dificilmente acomodável permanece como fonte de tensão e negatividade
interna ao esquema teórico do sujeito que produz conhecimento. Mas, justamente,
a tradição idealista e construtivista enfatiza e valoriza a reflexividade do sujeito, ou
seja, a capacidade de voltar-se sobre e observar não só a estrutura lingüístico-
conceitual que está adotando, mas também os problemas e tensões surgidos na
aplicação desta estrutura aos dados da realidade. A reflexividade é valorizada
como fonte de mudanças e ajustes racionais historicamente produzidos no
conhecimento científico do sujeito.
- Entretanto, na esfera da realidade “natureza”, a relação acima analisada é
constitutiva do conhecimento e do objeto do conhecimento, mas não da realidade a
ser conhecida. Supõe-se aqui que a realidade a ser conhecida (a natureza em
sentido estrito) é independente desta relação – ainda que o sujeito não tenha
30
acesso a ela, apenas a aparições ou manifestações dela, que ainda não permitem
falar de um objeto conhecido ou passível de conhecimento.
- Na esfera da realidade “homens” e “grupos humanos”, por outro lado, a relação
acima analisada é constitutiva da própria realidade a ser conhecida, à medida que
essa realidade é constituída, justamente, por homens, ou seja, seres dotados de
consciência e linguagem. Isto não significa que consciência e linguagem sejam
realidades “sobrenaturais”; significa apenas que, embora sejam realidades
perfeitamente naturais, possuem uma característica que as distingue do restante
da natureza (a natureza em sentido estrito). Diferentemente do que ocorre no caso
da realidade estritamente natural, a essência das realidades consciência e
linguagem é a relação (mediação) entre o simplesmente dado e, de outro lado, o
nome/conceito com que se reconhece o dado.
- Instaura-se aqui uma dupla mediação. Em primeiro lugar, a mediação constitutiva
da realidade a ser conhecida, que são os homens (sujeitos) como seres dotados de
consciência e linguagem. Tomado como ser dotado de consciência e linguage, o
homem é a relação (mediação) entre itens naturais simplesmente dados e, por
outro lado, os conceitos com que se reconhecem tais itens. Em segundo lugar, há a
mediação constitutiva do conhecimento teórico ou científico desta realidade
“humana” por parte de um sujeito que procura conhecer outros sujeitos.
- Vamos nos concentrar na primeira mediação. É por isso que, na segunda parte do
curso, nosso interesse não vai estar tanto na análise filosófica da metodologia das
ciências humanas e sociais, mas, antes, na análise filosófica das grandes teorias
de sociedade.
- Cabe antecipar algumas características importantes da tradição idealista ou
construtivista de teorização da sociedade.
- Para esta tradição, na esfera da realidade “homens” e “grupos humanos”, a
mediação lingüístico-conceitual vai além do reconhecimento puramente teórico do
dado natural; o reconhecimento inclui aqui uma avaliação de implicações
normativas. Por exemplo, os dados emanados do “corpo” como realidade natural,
ao serem reconhecidos, são simultaneamente envolvidos por avaliações de
implicações normativas, do tipo “é bom / é mau”, “deve-se responder desta
maneira /daquela maneira”, “a maneira certa de lidar com este dado é esta / é
aquela”, etc. Neste caso, as tensões e atritos entre o dado e o conceito são ainda
mais disseminados e intensos do que no caso da relação envolvida nas ciências da
natureza em sentido estrito. As ações humanas são casos particularmente intensos
de tensões entre os dados naturais e os conceitos, casos nos quais o dado
freqüentemente escapa e desmente o conceito de implicações normativas. Mas
isso não significa que as ações humanas sejam puramente instintivas, ou seja,
ditadas por elementos que existem e atuam independentemente da relação com os
conceitos e avaliações dos homens (conceitos e avaliações por meio dos quais os
homens procuram atribuir-lhes um lugar e sentido). Para a tradição idealista e
construtivista, ao contrário, as ações humanas sempre se dão no ambiente da
31
relação entre o dado e o conceito, mesmo no caso em que o dado se rebela ao
conceito. O homem não pode escapar a este ambiente, ele não pode escapar à
necessidade de situar sua conduta no quadro desta relação, que equivale à
necessidade de explicar ou justificar sua conduta.
- Do mesmo modo que ocorre no caso das ciências da natureza em sentido estrito,
a reflexividade da consciência é enfatizada e valorizada como fonte de mudanças e
ajustes racionais; só que agora se trata de mudanças, não no conhecimento da
realidade, mas na própria realidade, os homens, relações humanas, grupos
humanos, sociedades. Trata-se de uma ênfase e aposta na possibilidade de os
homens e grupos humanos se modificarem racionalmente por efeito da
reflexividade inerente ao exercício da consciência e linguagem humanas.
- Com base nas considerações e análises precedentes, pode-se antecipar o
seguinte esquema geral das diferenças entre abordagens positivistas e
construtivistas no campo da teoria das organizações. Este esquema será retomado
e elaborado com base nas análises efetuadas na segunda parte do curso.
Positivismo Idealismo ou construtivismo.
Realidade social e organizacional é
vista como sistema de caráter
“objetivo”, cujos componentes
fundamentais são essencialmente
independentes da consciência dos
sujeitos, ou das capacidades e
atividades próprias da consciência.
Realidade social e organizacional é vista como
cultura, ou seja, rede de interações constituída
por padrões de pensamento (avaliação,
interpretação, resposta) dependentes ou pelo
menos vinculados à consciência dos sujeitos.
(Consciência define-se por certas capacidades e
atividades: reflexão, conscientização,
questionamento, adesão motivada por razões
conscientes ou passíveis de conscientização).
Ênfase na inserção objetiva dos
indivíduos num sistema que
funciona independentemente das
capacidades e atividades próprias da
consciência.
Ênfase na participação dos sujeitos (dotados de
consciência e linguagem) na construção,
reprodução e/ou alteração da realidade social e
organizacional (ou seja, dos padrões de
pensamento constitutivos da cultura
organizacional).
Ênfase na tese de que o ambiente
externo é uma realidade objetiva
(independente) à qual a organização
deve inteligentemente adaptar-se.
Ênfase na tese de que o ambiente externo é em
boa medida uma projeção do modo de pensar
dominante na organização (nesse sentido,
ênfase na participação dos membros da
organização na “construção” do ambiente).
Analisa a política dentro da
organização em termos de disputas
Analisa a política dentro da organização a partir
dos modos de pensar (interpretações e valores)
32
de poder que se alimentam e
reproduzem de modo objetivo, ou
seja, independentemente das
capacidades e atividades próprias da
consciência dos sujeitos. Impulsos
de poder, relações de poder e
estruturas de poder são
apresentadas em termos de
estruturas e códigos de sentido aos
quais os homens se subordinam de
modo irrefletido e inconsciente, e
que eles reproduzem do mesmo
modo. Enfatiza-se a tese de que tais
estruturas e códigos de sentido são
elementos objetivos, simplesmente
dados, impermeáveis à reflexividade
da consciência do sujeito – adota-se
a tese de que em verdade não há o
“sujeito”.
seguidos pelos participantes (sujeitos dotados
de consciência e linguagem), investigando
conflitos, divergências e acordos quanto aos
modos de pensar. Ênfase e aposta na
possibilidade de construção intersubjetiva ou
comunicativa de acordos quanto a novos modos
de pensar, com base na reflexividade inerente
às consciências que se exercem na discussão e
embate com outras consciências, por meio da
linguagem.
33
Aula 9
Imagens fundamentais da realidade: nas ciências da natureza e nas ciências da
sociedade
Construtivismo culturalista e imagem da realidade
•Holismo metodológico: a realidade que o sujeito vê (e com a qual ele lida) não é a
realidade “em si mesma”, mas é a realidade classificada, organizada e interpretada
a partir de (e de acordo com) uma certa imagem da realidade –a imagem que ele
adota (o objeto do conhecimento sempre é epistemologicamente construído pelos
sujeitos).
Diagnóstico do positivismo, desde o ponto de vista do construtivismo culturalista.
•Embora pretenda enxergar, investigar e descrever a realidade em si mesma, o
positivista na verdade trabalha a partir de uma certa imagem da realidade –a
imagem positivista da realidade.
•A principal falha do teórico positivista NÃO é que a imagem que ele adota esteja
errada, mas, sim, que ele não percebe que está adotando uma imagem (ele
ingenuamente pensa que está tratando da realidade em si mesma).
•O positivismo: duas características complementares:
•(a) Ingenuidade metodológica (ingenuidade que sempre tem algo de negativo, na
medida em que implica desconsideração da possibilidade de lidar com a realidade
a partir de outra imagem).
•(b) A imagem positivista da realidade exprime certos traços da moderna ciência
da natureza. A questão é saber se é bom adotar essa imagem de realidade na
esfera das ciências humanas e sociais.
Imagem positivista da realidade
•Características gerais da imagem positivista da realidade (exprimem a imagem de
natureza construída e adotada a partir da revolução científica moderna).
•(a) Algo que existe, se estrutura e opera de modo completamente independente
do sujeito – de suas capacidades cognitivas, idéias, valores e interesses. Realidade
como algo de completamente externo e alheio a elementos típicos do sujeito:
consciência, reflexão, idéias sobre o sentido das ações e da existência humana em
geral (no plano mais genérico, idéias sobre o que é bom e mau, sobre o certo e o
errado, sobre o que vale a pena e o que não vale a pena; a partir das quais se
produzem idéias mais específicas, sobre o sentido de interações e ações mais
específicas).
•(b) Estrutura/sistema fixo e imutável – leis de funcionamento invariáveis.
•(c) Leis de caráter geral (determinístico ou probabilístico), permitindo previsão,
controle, intervenção e manipulação.
•(d) Leis de caráter quantitativo (correlações numéricas entre variáveis
quantitativas).
34
Diagnóstico feito pelo construtivismo da imagem positivista no campo das ciências
da natureza
•(1) Não podemos ter certeza de que natureza “em si mesma” seja assim
(completamente alheia a elementos típicos do sujeito e da consciência do sujeito,
com leis de funcionamento fixas e imutáveis, de caráter geral e quantitativo), mas
nós vemos a natureza dessa maneira – natureza “para nós” é assim.
•(2) No campo das ciências da natureza, essa imagem tem rendido bons frutos,
tanto em termos de conhecimento em sentido estrito quanto em termos de
aplicações técnicas (tem se mostrado com alto potencial explicativo e com grande
fecundidade na resolução de problemas de ordem técnica).
Diagnóstico feito pelo construtivismo da imagem positivista no campo das ciências
sociais
•Características da imagem positivista da realidade “sociedade”:
(a) Componentes fundamentais dos objetos “sociedade” e “homem em sociedade”
são elementos “objetivos” (ou seja, independentes da consciência, reflexão e idéias
dos homens, e, por isso mesmo, invariáveis, ou não alteráveis pela consciência
humana). Por exemplo, “forças da natureza humana” e “características objetivas da
racionalidade humana” (elementos típicos das abordagens individualistas e
mecanicistas); ou “luta pela vida” e “seleção natural” (elementos típicos das
abordagens organicistas-funcionalistas); ou “condições objetivas do processo de
produção dos meios materiais de satisfação das necessidades humanas”
(elemento típico da abordagem do materialismo histórico do marxismo ortodoxo).
b) Sujeito do conhecimento científico é um mero observador de uma realidade
objetiva e independente, e o conhecimento científico é uma descrição que
corresponde a esta realidade independente.
Problemas (em relação ao materialismo histórico do marxismo ortodoxo, a
discussão destes problemas precisa ser nuançada).
•Naturaliza (objetifica) a sociedade. Vê a sociedade como algo que se estrutura e
funciona de modo independente da consciência, reflexão, idéias e valores dos
sujeitos em geral. Vê a sociedade como regida, essencialmente, por leis fixas e
invariáveis, que permitem previsão e intervenção de cunho manipulador.
• “Coisifica” o homem. Vê o homem como objeto “natural”, ou seja, entidade
regida por condições de comportamento invariáveis, independentes de idéias sobre
o bem/mal (idéias sobre o sentido das ações, interações e vidas humanas em
geral) conscientemente adotadas. Idéias são reduzidas a meras manifestações de
condições “objetivas” de racionalidade e/ou comportamento, condições
relativamente fixas e invariáveis. Enfatiza e valoriza as possibilidades de previsão e
intervenção de cunho manipulador.
•Imagem de caráter conservador – desqualifica a possibilidade de mudanças no
homem e na sociedade; desqualifica o projeto de mudanças sociais, apresentando-
35
o como utópico (expressão apenas de desejos e sonhos, sem correspondência com
a realidade).
Imagem antipositivista da sociedade
•Características:
•(a) “Culturaliza” a sociedade. Vê a sociedade como constituída, essencialmente,
por padrões de significação (padrões de interpretação e resposta às informações
em geral e aos dados naturais em particular). Um padrão de significação é uma
imagem que os sujeitos têm sobre o sentido de suas relações com a natureza e
com os outros, sobre o sentido de suas ações, interações, e existências em geral.
Em outras palavras, um padrão de significação exprime idéias sobre o que é bom e
o que é ruim na existência humana, sobre o que deve e o que não deve ser feito,
sobre a melhor maneira de escolher e agir.
- A sociedade (cultura) é construída por sujeitos dotados de consciência e
linguagem, ou seja, sujeitos capazes de compreender, aplicar, reproduzir e
eventualmente alterar os padrões de significação segundo os quais são formados e
educados. Os componentes básicos da sociedade (idéias de sentido e padrões de
significação) são essencialmente dependentes das práticas comunicativas de
sujeitos dotados de consciência e linguagem.
- O sujeito do conhecimento científico (o sujeito que produz ciência social)
indiretamente participa do processo cultural de geração, reprodução e alteração
das idéias de sentido e padrões de significação, participando também da tensão,
negatividade e variabilidade que são inerentes ao processo de geração e
reprodução das idéias.
•(b) Enfatiza a consciência humana: a capacidade do sujeito de conscientizar-se do
padrão de significação (idéia sobre o sentido) que está seguindo, de refletir sobre
ele e segui-lo de modo consciente.
- A consciência está ligada a um fenômeno muito comum na experiência do homem
em sociedade: idéias e avaliações às quais o sujeito às vezes não consegue
corresponder, gerando sentimentos de culpa e vergonha (Ao ser envolvido por uma
idéia de sentido, o impulso biológico é tema de uma avaliação/prescrição à qual o
sujeito nem sempre consegue corresponder; mas o fato é que, para o homem em
sociedade, o impulso biológico só existe envolvido por alguma idéia de sentido,
ainda que seja uma idéia segundo a qual “idéias são bobagens” e “o homem no
fundo é um mero animal”).
•(c) Enfatiza a liberdade humana: mesmo reconhecendo que padrões de
significação tendem a estabilizar-se e cristalizar-se (tendem a reproduzir-se de
forma relativamente automática e irrefletida), enfatiza a possibilidade do sujeito
alterar o padrão de significação que está regendo sua existência social, por meio
de participação consciente na rede de comunicação do sistema cultural.
•(d) Chama atenção para o fato de que, se os participantes do sistema cultural
“compram” e seguem uma imagem grosso modo “positivista” sobre o sentido de
sua existência individual e social (por exemplo, grupo social como máquina ou
organismo), a sociedade vai se estruturar e funcionar de modo correspondente – o
grupo ou sociedade não “é” máquina ou organismo, é cultura, mas uma cultura que
se compreende como máquina ou organismo.
36
Aula 10.
Teoria mecanicista (positivista) de sociedade, com origem na teoria de sociedade
de Adam Smith.
O contexto histórico de A. Smith
Seu livro “A Riqueza das Nações” foi publicado em 1776.
•Transição da cultura tradicional (paradigma teleológico da sociedade) para cultura
moderna (paradigma individualista da sociedade).
•Constatação do definhamento do paradigma teleológico de compreensão dos
homens e da sociedade, predominante nos períodos antigo e medieval.
•Paradigma teleológico: essência de cada ser humano consiste na
atividade/função/destinação que lhe é própria dentro da ordem social; finalidade
de cada ser humano vincula-se à finalidade dos demais e à finalidade comum a
todos os membros da sociedade: ordem, harmonia e beleza do Todo.
• Numa ordem social tradicional, os meios de coordenação e integração entre os
indivíduos estão baseados em expectativas de comportamento de caráter
normativo, ou seja, expectativas que exprimem o comportamento em cada caso
correto (visto pela sociedade como correto). Tais expectativas são aceitas e
internalizadas pelos indivíduos em geral, o que significa que cada indivíduo percebe
o cumprimento dessas expectativas como algo de bom para ele.
Paradigma teleológico e ordem tradicional.
•O paradigma teleológico de compreensão dos homens e da sociedade constitui-se
em fundamento de uma ordem social tradicional: ordem na qual os indivíduos se
vêem como destinados a um determinado lugar e função numa totalidade
integrada e harmoniosa.
•Numa cultura tradicional, o sentido da ação individual consiste na satisfação das
expectativas de comportamento definidoras do papel social do agente (guerreiro,
senhor de terras, sacerdote, artesão, agricultor, etc.). E os papéis sociais, assim
como as expectativas de comportamento que lhes estão respectivamente
associadas, são essencialmente complementares: complementam-se numa ordem
social que em princípio é aceita e reproduzida por todos.
•Coordenação das ações individuais necessária à reprodução do grupos social
está contida no sentido que cada indivíduo atribui às suas ações.
Ordem Social Tradicional
•Numa ordem tradicional, não se manifesta o individualismo moderno (ou pelo
menos ele não é socialmente difundido como princípio de estruturação das
relações sociais). Individualismo moderno: preocupação com interesse e vantagem
estritamente individuais; orientação da vida e das decisões pelo interesse e
vantagem estritamente individuais.
37
•Numa sociedade tradicional, objetivo das pessoas não é “progredir na vida”
(maximizar interesse e vantagem individuais), mas dar continuidade à realidade
social transmitida das gerações anteriores. Ambição não se dirige à vantagem
individual, mas ao maior brilho possível no exercício da função própria dentro da
ordem tradicional.
•Não há mercado de terra, nem de trabalho (terra e trabalho são partes do
caminho de vida concreto a que cada indivíduo e grupo estão destinados). Não há
uma vida a ser “construída” ou “conquistada” mediante venda de recursos e
talentos individuais no “mercado”.
Ascensão do paradigma individualista.
•Na cultura moderna (paradigma individualista), o sentido da ação individual
consiste na busca de fins (interesse e vantagem) estritamente individuais, ou seja,
fins adotados por indivíduos atomisticamente concebidos. O que caracteriza
essencialmente esses fins é o fato de eles serem diferentes e até conflitantes entre
si.
•Se o sentido que cada indivíduo atribui às suas ações consiste na busca de um
fim diferente e até conflitante em relação aos fins buscados pelos demais
indivíduos, a coordenação das ações individuais necessária à reprodução da
sociedade é em princípio externa ao sentido que cada indivíduo atribui às suas
ações.
- Para cada indivíduo, a relação com o outro aparece simplesmente como um meio
(instrumento) de que ele se serve para perseguir seus fins individuais. Isso
contrasta com a vivência das relações sociais predominante numa sociedade
tradicional, na qual a relação com o outro aparece como essencial para a
excelência buscada por cada indivíduo, na medida em que esta consiste no
desempenho excelente da função que lhe é própria no Todo das relações sociais.
A teoria da sociedade de Adam Smith
•Obra fundamental. “A Riqueza das Nações” (1776).
•Problemas fundamentais: problema da coordenação das ações individuais
necessária à reprodução da sociedade e problema da integração social: sem a
força integradora da tradição e da autoridade emanada da tradição, e deixando as
escolhas socialmente relevantes ao livre-arbítrio de indivíduos essencialmente
egoístas, como a sociedade consegue sobreviver e reproduzir-se?
•Resposta: “Lei do mercado”: Lei da oferta e da procura dos fatores de produção e
dos bens produzidos. “Mão Invisível”: mecanismo invisível de coordenação, pelo
qual impulsos e interesses estritamente individualistas (egoístas) são
mecanicamente canalizados para a funcionamento de uma estrutura eficaz, capaz
de maximizar a prosperidade (riqueza) de toda a sociedade.
•Elementos fundamentais da lei do mercado. 1) Interesse egoísta (cobiça do
indivíduo): força que leva os indivíduos a empregarem seus recursos (trabalho,
terra e dinheiro) na atividade que promete maior retorno financeiro e nos bens que
38
prometem maior satisfação ou vantagem individual. 2) Conflito e competição entre
indivíduos: força que freia a cobiça e ganância dos indivíduos, levando-os a cobrar
e pagar um valor “socialmente ótimo” pelos fatores e produtos que ofertam e
procuram no mercado.
Imagem mecanicista da sociedade (um tipo de imagem positivista da sociedade).
•Sociedade aparece como uma máquina; imagem da sociedade como máquina.
- Componentes essenciais da realidade social:
a) Forças “objetivas” da natureza humana: cobiça, egoísmo, e racionalidade
calculadora ou instrumental (capacidade de discernir os meios mais eficazes para o
fim da maximização da vantagem individual).
b) Força “objetiva” da existência humana em sociedade: competição entre os
indivíduos: força que freia a ganância individual.
c) Lei “objetiva” do funcionamento da sociedade: Lei da oferta e da procura.
•Componentes da “máquina social”: indivíduos separados e isolados, movidos por
forças egoístas em princípio alheias à necessidade de coordenação e integração
numa ordem estável e eficaz.
•Mecanismo de coordenação e integração: mecanismo que canaliza tais forças
“individualistas” (e egoístas) para a construção e funcionamento de uma estrutura
social materialmente eficaz.
•Forças que podem ser aproveitadas e canalizadas pelas estruturas mecânicas de
integração: interesse no máximo retorno financeiro; medo da privação financeira ou
material, racionalidade instrumental como capacidade de discernir
comportamentos necessários ou eficazes para a maximização da vantagem
individual.
- Negligencia-se a possibilidade de a integração social efetuar-se por meio de idéias
e projetos comuns ou compartilhados.
Imagem positivista da sociedade
- Em Adam Smith, desejo de lucro, interesse na vantagem individual, egoísmo,
competitividade e racionalidade calculadora (instrumental) são vistos como forças
fundamentais da “natureza humana”, ou seja, como elementos totalmente
independente da consciência, reflexão, idéias e valores dos sujeitos (atuação
dessas forças é independente da consciência ou idéias que os sujeitos possam ter
acerca delas).
•Tais elementos não são vistos como padrões de significação (idéias e padrões de
interpretação acerca do sentido das ações e interações humanas) historicamente
produzidos e culturalmente transmitidos, distintos dos padrões vigentes em outras
épocas e culturas, e em princípio mutáveis (ainda que fortemente enraizados e
cristalizados na cultura ocidental contemporânea).
•Imagem positivista da realidade social: imagem na qual a sociedade é vista como
algo que se estrutura e funciona com base em elementos e leis “objetivos”, alheios
à consciência e idéias de sentido que os sujeitos possam ter a respeito deles. (Ou
seja, algo que se estrutura e funciona com base em leis cuja atuação não depende
das idéias, interpretações, juízos e avaliações que os sujeitos possam ter a respeito
delas; leis que nesse sentido atuam “às costas” da consciência dos sujeitos).
39
Aula 11.
Teoria funcionalista (positivista) de sociedade, com origem na obra de Durkheim.
•Primeira obra de Durkheim: “Sobre a Divisão do Trabalho Social” (1893).
•Problema fundamental é semelhante ao de Adam Smith: (aparente) oposição do
individualismo moderno às exigências de coordenação e integração que têm de ser
satisfeitas para que a sociedade possa se reproduzir.
- Se os sujeitos que compõem a sociedade são essencialmente individualistas, não
atribuindo nenhum valor intrínseco ao cumprimento de expectativas de
comportamento de caráter recíproco e complementar, como explicar a integração
social? Como explicar a coordenação das ações individuais necessária à
reprodução da sociedade?
•Modo de visualizar a solução do problema é diferente. Smith: coordenação
puramente mecânica entre indivíduos que são e permanecem essencialmente
isolados, separados. Prioridade dos interesses do indivíduo (psique individual)
sobre a estrutura social.
•Para defender a autonomia e irredutibilidade da sociologia, Durkheim sente
necessidade de defender a prioridade da estrutura social sobre a psique dos
indivíduos. O princípio da integração social consiste, não em interesses individuais
oriundos da psique individual, mas em padrões de relacionamento social que
exprimem a estrutura social enquanto tal, e que moldam a psique individual.
- Na terminologia de Durkheim, padrões de relacionamento social equivalem a
formas de “solidariedade social” (padrões de relacionamento social são padrões de
ligação dos indivíduos, e em Durkheim “solidariedade social” tem o sentido,
justamente, de “ligação entre os indivíduos”, e não o sentido de benevolência ou
beneficência).
Em Durkheim, portanto, padrões de ligação entre indivíduos são anteriores aos
próprios indivíduos, ou seja, os indivíduos existem numa estrutura que os liga a
outros indivíduos. São os padrões de ligação que moldam a psique individual.
Individualismo moderno e solidariedade orgânica
•Assim, o individualismo moderno deixa de ser visto como expressão da
natureza/psique (eterna, fixa e imutável) do indivíduo, e passa a ser visto como
expressão de um determinado padrão de ligação (“solidariedade”) social, anterior à
psique individual e formador da mesma.
•Algum tipo de solidariedade social (exprimindo a estrutura social enquanto tal)
sempre tem prioridade em relação à psique individual.
•Dois tipos básicos de solidariedade social: solidariedade mecânica e
solidariedade orgânica.
ATENÇÃO: a “solidariedade mecânica” analisada por Durkheim não tem nada a ver
com a coordenação mecânica que se pode perceber em Adam Smith.
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- Em Smith, o conceito de “coordenação mecânica” é parte de uma análise da
sociedade que focaliza seus membros como indivíduos essencialmente separados
e isolados, que se integram por meios puramente mecânicos (ou seja, meios
completamente independentes de qualquer finalidade ou propósito supra-
individual).
- No modo de focalizar a sociedade de Smith, indivíduos isolados sempre se
integram por meios puramente mecânicos.
- Já em Durkheim, o conceito de solidariedade mecânica é parte de uma análise da
sociedade que focaliza seus membros como indivíduos que sempre existem em
estruturas de ligação (com outros indivíduos) que lhes são anteriores. Em
Durkheim, o conceito de solidariedade mecânica exprime um modelo particular e
específico de ligação entre os indivíduos, distinto de outro modelo específico, o da
“solidariedade orgânica” (que inclusive está mais próximo da coordenação
mecânica de Adam Smith).
- No modo de focalizar a sociedade de Durkheim, indivíduos sempre existem em
estruturas de ligação social, mas a estrutura pode ser de tipo ou “mecânico”
(solidariedade mecânica) ou “orgânico” (solidariedade orgânica).
•Individualismo moderno é sintoma ou efeito do que Durkheim chama de
“solidariedade orgânica”, que ele contrapõe à “solidariedade mecânica”, típica da
época pré-moderna.
Solidariedade mecânica
•Solidariedade “mecânica”: típica de sociedades pré-modernas.
•Integração baseada na semelhança “psicológica” entre os indivíduos (atitudes,
crenças e valores comuns). O predomínio da solidariedade mecânica fomenta este
tipo de semelhança.
•Pouca diferenciação entre indivíduos (pouca diferenciação nas atitudes, crenças e
valores constitutivos dos projetos de vida). Idéias e valores comuns representam a
maior parte do conteúdo da consciência individual.
•Indivíduos integram e coordenam suas ações porque são essencialmente
semelhantes, ou seja, porque compartilham, num nível básico, uma mesma
concepção e projeto de vida (aspirações e expectativas individuais são moldadas
por essa concepção compartilhada).
Solidariedade Orgânica
•Solidariedade “orgânica”. Típica das sociedades modernas, pós-tradicionais.
Integração se constitui a partir da diferenciação entre os indivíduos.
•Maior parte do conteúdo da consciência individual passa a ser ocupado por
fatores (aspirações, interesses, preferências) que diferenciam e separam os
indivíduos uns dos outros.
•Desenvolvimento de uma consciência “individualista” (indivíduos que se vêem
como separados e diferenciados em relação aos demais).
•Principal forma de ligação social passa a consistir em “contratos” entre indivíduos
diferentes entre si (contrato como um vínculo entre indivíduos com recursos e
interesses essencialmente diferentes).
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Durkheim e o problema da ascensão da solidariedade orgânica
•Problema que Durkheim se coloca: por que a solidariedade orgânica se
consolidou como principal forma de solidariedade social nas sociedades ocidentais
modernas, substituindo a solidariedade mecânica?
Resposta de Durkheim (Durkheim e a abordagem funcionalista).
•Explicação de Durkheim contém os germes da abordagem funcionalista.
•Num ambiente marcado pelo aumento da “densidade material” (aumento do
número de indivíduos em relação a uma determinada superfície de terra) e da
“densidade moral” (aumento do número e intensidade dos relacionamentos e
intercâmbios entre indivíduos) da sociedade, a diferenciação dos indivíduos e a
formação de uma consciência individualista têm efeitos benéficos para a
sobrevivência e prosperidade da sociedade como um todo.
•Se não ocorresse essa diferenciação, aumentariam os conflitos entre indivíduos
(quando a densidade aumenta, se os indivíduos são essencialmente semelhantes
os conflitos entre eles tendem a aumentar).
Para Durkheim, portanto, a solidariedade orgânica se desenvolveu e consolidou
porque representa uma característica que torna as sociedades modernas mais
aptas à satisfação das necessidades “vitais” de integração interna e adaptação
externa.
- A solidariedade orgânica torna as sociedades melhor adaptadas ao ambiente
“material” típico da época moderna (mudança no ambiente provoca uma mudança
no padrão de ligação social).
Elementos fundamentais das explicações funcionalistas
•Transposição da teoria da evolução de Darwin (1859) para o campo da teoria da
sociedade.
•Concebe as sociedades como organismos, submetidos a certas necessidades
vitais e a certas leis da evolução.
•Necessidades fundamentais dos organismos sociais (necessidades eternas, fixas
e imutáveis): integração interna e adaptação ao ambiente externo.
•Leis fundamentais da vida das sociedades (eternas, fixas, imutáveis): Luta pela
vida e seleção natural: só sobrevivem e prosperam as sociedades melhor
adaptadas ao seu ambiente.
•Necessidades e leis dos organismos sociais são vistas como fatores “objetivos”
(no sentido positivista do termo), ou seja, fatores que existem e atuam
independentemente da consciência e idéias que os sujeitos possam ter acerca
delas (imagem organicista e positivista das sociedades).
Forma geral das explicações funcionalistas.
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•Se uma característica torna a sociedade mais apta a satisfazer às necessidades
de integração interna e adaptação externa, tal característica tende a desenvolver-
se e consolidar-se (em virtude da luta pela vida, as sociedades que não
desenvolvem tal característica tendem a definhar e desaparecer).
•Assim, a causa da consolidação da característica consiste na função que ela
desempenha (ou nos efeitos positivos ou benéficos que ela apresenta) para a
satisfação das necessidades de integração interna e adaptação ao ambiente
externo.
-Explicar um elemento da sociedade (instituição, prática, costume) é identificar e
analisar sua função (efeito positivo ou benéfico) para o atendimento das
necessidades básicas do organismo social.
Leis a-históricas da vida das sociedades
•Pode-se reconstruir a explicação de Durkheim afirmando que, para ele, a
solidariedade orgânica se desenvolveu e consolidou porque representa uma
característica que torna as sociedades modernas mais aptas à satisfação das
necessidades de integração interna e adaptação externa (Em Durkheim, a
diferenciação entre os indivíduos e a solidariedade orgânica têm conseqüências
positivas para a satisfação da necessidade de integração interna)
•Embora a abordagem funcionalista admita e procure explicar as mudanças por
que passam as sociedades ao longo do processo histórico (mudança da
solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, por exemplo), o fundamento
da explicação consiste em leis fixas e imutáveis (a-históricas) da vida em geral,
inclusive da vida das sociedades (luta pela vida e seleção natural).
•Imagem organicista e positivista da sociedade.
Críticas à abordagem funcionalista
•História dos homens e das sociedades é muito curta quando comparada aos
períodos de tempo necessários para a atuação da seleção natural; número de
sociedades é muito pequeno quando comparado ao número de organismos
necessários para a atuação da seleção natural. Aplicação do conceito de seleção
natural é implausível. (é pouco plausível afirmar que, em virtude da seleção natural,
as sociedades “inaptas” são varridas do mapa).
•Alternativa à seleção natural: Atribuição de uma “intencionalidade oculta”. Toda
sociedade “quer” sobreviver e prosperar. Em virtude disso, toda sociedade
“procura” satisfazer da melhor maneira possível as necessidades que têm de ser
satisfeitas para que ela possa prosperar: integração interna e adaptação ao
ambiente externo (necessidades do “organismo social”). Toda sociedade “rejeita” o
conflito interno.
•Trata o objetivo “prosperidade” como se fosse um objetivo “auto-evidente” e
“neutro” – um objetivo que a sociedade enquanto tal possui, e que seria
independente e neutro em relação aos (diferentes e opostos) interesses, valores e
propósitos dos homens que dela fazem parte.
•Crítica: prosperidade não pode ser tratada como um objetivo neutro. Diferentes
visões de prosperidade. Necessidade de colocar questões do tipo: Prosperidade
para quem? Que tipo de prosperidade? Por que esse tipo e não outro?
43
Aula 12.
Materialismo histórico do marxismo ortodoxo (concepção positivista).
•Materialismo histórico e dialético: Karl Marx (1818-1883). Compreensão
materialista da abordagem dialética inicialmente desenvolvida por Hegel (1770-
1831).
•Dialética: 2 idéias básicas:
1ª) Há uma negatividade intrínseca à realidade humana em geral; a realidade que
“está sendo” sempre abriga possibilidades de desenvolvimento distintas dos
modos de ser que dominam a realidade atual. Por isso, a realidade é,
essencialmente, movimento, mudança, diferenciação. A realidade humana é
essencialmente histórica.
- Mudança não deve ser concebida como mudança de uma realidade (um ser) que
permanece. O ser é a mudança. O permanente é na verdade apenas
aparentemente permanente, e no fundo, ou essencialmente, é permeado ou
atravessado pela negatividade, dinamismo, movimento, mudança.
2ª) A realidade humana sempre é relação entre dois pólos opostos: o pólo que está
sendo e o pólo que “nega” o que está sendo. O pólo negativo constrói-se sobre as
lacunas, falhas ou fraquezas do pólo existente, ele se nutre delas e ao mesmo
tempo as aguça, levando à sua superação. Trata-se de negação e superação que
vêm “de dentro” do pólo existente.
- Motor da mudança: dinamismo (“inquietação”) produzido pela negatividade
intrínseca à realidade. Todo ser está em relação com um não-ser, que o coloca em
estado de tensão, movimento, mudança.
- Afirmar que a realidade é, essencialmente, relação entre pólos opostos equivale a
afirmar que, na realidade humana, cada pólo só se define e existe na relação com o
outro, ou por meio da relação com seu oposto.
Dialética e História
•Oposição e negatividade constituem o motor da criação contínua de novos pólos e
novas relações.
•História como processo de contínuo aparecimento, exacerbação, superação e
recriação dessas relações tensas e conflituosas entre pólos antagônicos, ou entre
um pólo e sua negação.
Da dialética idealista para a dialética materialista
•A dialética hegeliana é idealista.
- Nessa abordagem, a relação dialética fundamental é a relação entre as idéias
(teorias, concepções de vida, visões de mundo, etc.) da consciência dos sujeitos e,
por outro lado, o objeto (a natureza, tanto a natureza externa quanto a natureza do
próprio homem, ou substrato natural da vida humana) que, ao não se adequar a
elas, ou ao resistir a elas (apontando suas falhas ou fraquezas), leva o sujeito ao
processo de criação de uma nova idéia do (ou sobre o) objeto, à qual
corresponderá um novo tipo de inadequação do objeto, e assim por diante.
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- A história é história das idéias e concepções da consciência, ou seja, dos
sucessivos modos pelos quais a humanidade, por meio dos produtos de sua
reflexão, procura superar a “resistência/negação” que a natureza opõe às suas
idéias (elementos com os quais os homens procuram explicar a realidade em geral
e sua própria vida em particular – ênfase na necessidade humana de “explicar as
coisas”).
•A dialética marxista (do marxismo ortodoxo) é materialista.
- Nessa abordagem, a relação dialética fundamental é a relação entre as
necessidades materiais (vitais) dos sujeitos e, por outro lado, o objeto material (a
natureza ou ambiente externo) que, ao resistir a elas (negar sua satisfação simples
e imediata), leva os sujeitos ao processo de criação de um novo objeto material
(um novo ambiente natural), ao qual corresponderá um novo tipo (ou novo
patamar) de necessidade material, que por sua vez sofrerá resistência do ambiente
natural, e assim por diante.
- A história é história das necessidades humanas e dos produtos do trabalho
humano, ou seja, dos sucessivos modos pelos quais a humanidade, por meio dos
produtos do seu trabalho, procura superar a “resistência/negação” que a natureza
externa opõe às suas necessidades “materiais/vitais” (ênfase na necessidade
humana de satisfazer suas necessidades vitais ou materiais, tomadas como
necessidades “objetivas”, ou seja, enraizadas num processo que causa efeitos
independentemente da consciência e das idéias dos sujeitos).
- Na dialética materialista do marxismo ortodoxo, as necessidades vitais dos
homens são vistas como elementos “objetivos”, no sentido positivista do termo:
elementos que existem e atuam independentemente das idéias ou avaliações que
os homens possam fazer (ou não fazer) sobre eles.
- Essa é uma das razões pelas quais o materialismo histórico (dialético) do
marxismo ortodoxo pode ser considerado uma abordagem positivista da sociedade.
Dialética idealista e dialética materialista
•Na dialética idealista, as “necessidades vitais” aparecem como vivências da
consciência: algo sobre o qual a consciência tem algum tipo de idéia. (Algo que é
bom satisfazer de uma determinada maneira, e não de outra; ou então algo que é
bom saber controlar ou reprimir; ou então algo que é bom colocar depois de outro
aspecto da vida humana, como algo menos importante; etc.)
•Na dialética materialista do marxismo ortodoxo, as necessidades vitais (naturais)
aparecem como fatores que atuam “às costas” da consciência e sobre ela. A
consciência é determinada “pelas costas” por necessidades “objetivas”, pelas
condições “objetivas” do processo de produção dos meios de satisfação dessas
necessidades, e pelas leis “objetivas” que regem a evolução dessas condições e
desse processo, e a conseqüente produção de sempre renovadas necessidades
“objetivas”. Daí a feição positivista do marxismo ortodoxo.
Relações dialéticas na abordagem materialista
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•Essência da realidade humana e social: processo pelo qual os homens procuram
produzir os meios materiais de satisfação de suas necessidades vitais – processo
social do trabalho (processo econômico é focalizado como processo de organização
e realização do trabalho coletivo dos homens).
•Relação entre homens (pólo do sujeito) e ambiente natural (pólo do objeto).
Oposição entre, de um lado, o desejo humano de melhoria das condições materiais
da existência (ou de satisfação, no maior grau possível, de suas necessidades
materiais ou vitais) e, de outro lado, a resistência e os obstáculos que o ambiente
natural (objeto, realidade objetiva) opõe a esse desejo.
•A relação dialética também pode ser apresentada como: relação entre o desejo
do sujeito de melhorar suas condições concretas de existência (tese) e, por outro
lado, a negação desse pólo – a natureza como obstáculo que impede o sujeito de
realizar plenamente seu desejo, e que aponta para falhas ou lacunas na
capacidade do sujeito de satisfazer seu desejo (antítese).
•Síntese: uma determinada forma de trabalhar a natureza, uma determinada
forma de pôr a marca dos humanos na natureza, uma determinada forma de
“dobrar” a resistência da natureza. Para Marx, isso equivale a um determinado tipo
de sociedade (homens habitando um ambiente natural humanizado pelo trabalho).
Síntese: um determinado tipo de sociedade
•Um determinado tipo de sociedade equivale a um determinado modo de realizar o
processo social de trabalho, constituído por quatro características fundamentais:
•A) Um determinado conjunto de forças produtivas (instrumentos, ferramentas,
máquinas, técnicas, conhecimentos)
•B) Um determinado sistema de relações de produção entre os homens (divisão do
trabalho social, distribuição dos produtos do trabalho social e regulamentação da
propriedade dos meios de produção de que a sociedade dispõe).
- Para Marx, quando há propriedade privada dos meios de produção as relações
sociais de produção sempre são relações de exploração: um grupo (classe social),
os proprietários dos meios de produção, explorando outro grupo (outra classe
social), os que foram privados dos meios de produção.
•C) Uma determinada forma de satisfazer o desejo dos sujeitos de melhoria das
suas condições concretas de existência (em outras palavras, um determinado nível
de satisfação das necessidades e desejos humanos).
•D) Uma determinada configuração das relações de exploração e dominação entre
os homens: um determinado sistema de classes sociais e de luta de classes
(característica vinculada à característica B).
Negação da síntese:
1) História como desenvolvimento técnico
•A síntese inicial (um determinado tipo de sociedade = um determinado modo de
realizar o processo social do trabalho) já é momento (tese) de uma relação com o
pólo constituído por sua negação (antítese).
•A negação de um determinado tipo de sociedade surge da própria sociedade, na
medida em que esta se define por um determinado nível de satisfação das
necessidades e desejos humanos. Um nível de satisfação dos desejos desperta a
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sensação de falhas ou lacunas que ainda precisam ser sanadas; desperta novos
desejos, novas necessidades, em relação aos quais a natureza vai representar um
novo tipo de resistência.
•Desenvolvimento de novas forças produtivas, capacitando o sujeito a dobrar a
nova resistência do ambiente natural e, com isso, criar um novo tipo de sociedade
(uma nova síntese, ou seja, um novo tipo de humanização do ambiente natural) –
história como progresso técnico da humanidade.
•Cada etapa do progresso técnico equivale a uma nova forma de realizar o
processo social do trabalho, a uma nova forma de “humanizar” a natureza e,
conseqüentemente, a um novo tipo de sociedade.
Síntese e negação da síntese no campo das relações de produção
•Mas a esfera das forças produtivas não é a única esfera em que se estabelece a
dinâmica da negação da síntese inicial. Tal dinâmica também se estabelece na
esfera das relações de produção entre os homens.
•Para realizar o processo social do trabalho, os homens estabelecem entre si um
determinado sistema de relações de produção, que regula a divisão do trabalho
social, a distribuição dos produtos do trabalho social e a institucionalização da
propriedade dos meios de produção de que a sociedade dispõe.
- O sistema das relações de produção é caracterizado pela oposição interna entre
interesses da classe dominante e interesses da classe dominada.
•Nessa dimensão da sociedade, surge uma manifestação específica do desejo de
melhoria das condições concretas de vida: o desejo de superação da exploração,
avançado pela classe social e politicamente dominada, o qual equivale a um desejo
de superação das falhas ético-políticas do sistema vigente de relações de
produção.
- E esse desejo encontra sua negação (obstáculo, resistência) no desejo da classe
dominante de conservar o sistema vigente de relações de produção.
2) Negação da síntese: história como desenvolvimento ético-político
•Um determinado tipo de sociedade = Uma determinada configuração das
relações de exploração e dominação entre os homens.
•A negação de um determinado tipo de sociedade surge da própria sociedade, na
medida em que esta se define por uma determinada configuração das relações de
exploração entre os homens. Tal configuração desperta a sensação de falhas ou
lacunas que ainda precisam ser sanadas: desperta o desejo da classe sócio-
politicamente dominada de melhorar suas condições de existência, em relação ao
qual a classe dominante vai antepor obstáculos e resistência.
•Falhas e oposições internas ao “modo de produção” (forças produtivas + relações
de produção) levam à superação de uma determinada configuração das relações
de exploração, com suas lacunas específicas, e à instauração de um outro sistema
de relações de produção, com outras falhas, outra configuração das relações de
exploração.
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•História como processo de desenvolvimento ético-político, em direção a um
estágio final em que será abolida a essência mesma de todas as formas de
exploração: a propriedade privada dos meios de produção.
“Leis objetivas” do processo histórico
•A abordagem do materialismo dialético adota a tese de que há leis objetivas do
processo histórico, ou seja, leis que em última instância atuam independentemente
da consciência, reflexividade, idéias, avaliações e atitudes dos indivíduos que a
elas estão submetidos (feição positivista do marxismo).
•Leis que exprimem a dinâmica e negatividade intrínsecas ao processo de
produção dos meios materiais da existência (processo de produção: forças
produtivas + relações de produção).
- Leis que exprimem uma contradição “objetiva” (atuando independentemente da
consciência dos indivíduos) entre o desenvolvimento das forças produtivas e, por
outro lado, o sistema de relações de produção.
- As forças produtivas se desenvolvem “mais rápido” do que as relações de
produção, gerando não apenas novas possibilidades de satisfação dos desejos
humanos, mas também uma classe social que é porta-voz dessas possibilidades,
que por sua vez são entravadas pelo sistema de relações de produção
historicamente vigente, que com isso aparece como envelhecido, obsoleto.
48
Aula 13.
A abordagem interpretativa da sociedade (antipositivista, idealista ou
construtivista).
Também chamada de abordagem fenomenológica, ou hermenêutica.
Imagem antipositivista da sociedade: ênfase na participação dos sujeitos na
construção da realidade social.
Alguns dos principais expoentes:
- George Herbert Mead (1863-1931).
- Max Weber (1864-1920).
- Alfred Schütz (1899-1959).
Influências do idealismo de Hegel (1770-1831) e da fenomenologia de E. Husserl
(1859-1938).
- Teses centrais dessas teorias filosóficas:
- Todos os elementos ou itens envolvidos na existência humana (tanto os dados do
ambiente natural quanto as necessidades, impulsos e desejos dos seres humanos
em geral, assim como as relações que eles mantêm uns com os outros) só existem
por meio das idéias dos homens sobre eles, quer dizer, por meio das diversas e
variadas idéias que os homens vão elaborando sobre eles ao longo do tempo e da
história.
- A realidade desses elementos para os homens (a realidade que eles têm para os
homens) equivale ao modo como eles historicamente aparecem para os homens,
ou ao modo como eles historicamente são vistos e compreendidos pelos homens.
- A realidade que esses elementos têm para os homens equivale ao sentido que
eles historicamente têm para os homens, ou seja, equivale às idéias com que os
homens de uma determinada época ou cultura os situam, organizam e integram
em sua concepção e projeto de vida.
- As teses centrais da abordagem interpretativa da realidade social:
- Essência da realidade social é a interação simbólica entre seres humanos.
Interação simbólica: transmissão e troca de “idéias de sentido”, ou seja, idéias que
exprimem o sentido que os objetos da vida social têm para os homens.
- A realidade social é composta por uma pluralidade de contextos de interação
simbólica: família, escola, associações recreativas, igreja, organizações privadas,
agências do Estado, etc.
- As idéias de sentido que os seres humanos transmitem e trocam na interação
simbólica cristalizam-se em padrões de significação, ou seja, modelos mentais que
se tornam independentes das consciências humanas tomadas individualmente; em
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cada contexto de interação simbólica, a consciência individual encontra padrões de
significação relativamente cristalizados e independentes.
- Em cada contexto de interação simbólica tende a destacar-se um padrão de
significação dominante, que o indivíduo que participa desse contexto aprende a
aplicar e reproduzir. Numa certa medida as consciências individuais são
governadas pelo padrão de significação dominante em cada contexto de interação
simbólica.
- O indivíduo tem a capacidade de participar de diferentes contextos de interação,
ou seja, tem a capacidade de aplicar e reproduzir padrões de significação vigentes
em diferentes contextos de interação simbólica.
- A consciência individual é formada segundo os padrões de significação vigentes
na cultura em que ela vive. A formação da consciência individual ocorre por meio
da internalização de padrões de significação culturalmente vigentes.
- Ainda que os padrões de significação adquiram certa independência em relação
às consciências humanas tomadas individualmente, eles sempre são em alguma
medida permeáveis às atividades da consciência humana: reflexão,
conscientização, compreensão, avaliação crítica.
- Idéias de sentido e padrões de significação nunca são “objetivos” no sentido
positivista do termo (elementos totalmente externos ou impermeáveis à
consciência e às atividades próprias da consciência).
As variantes da abordagem interpretativa.
1) Do ponto de vista da própria realidade social:
1.A) Ênfase na reprodução relativamente automática e irrefletida dos padrões de
significação culturalmente vigentes. Menor ênfase na participação consciente dos
sujeitos na construção da realidade social. (Mas esta ênfase não é incompatível
com a tese de que os padrões de significação sempre são em certa medida
permeáveis às atividades próprias da consciência, como reflexão, conscientização,
compreensão, avaliação crítica).
- Ênfase nas estruturas relativamente rígidas geradas pelos padrões de significação
culturalmente vigentes.
- Ênfase na idéia de que a ação humana está subordinada às estruturas vigentes
(conforma-se a elas, tende a reproduzi-las, é limitada por elas). Liberdade humana
sempre e inevitavelmente está enquadrada em estruturas culturalmente vigentes.
1.B) Ênfase na participação consciente e refletida dos sujeitos na construção e
reconstrução da realidade social.
- Ênfase na possibilidade de efetuar mudanças na ordem cultural, por meio da
projeção de novas atitudes e idéias de sentido.
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- Ênfase na relativa autonomia da ação individual em relação às estruturas
vigentes; liberdade humana é, justamente, poder não conformar-se às estruturas
vigentes.
2) Do ponto de vista da metodologia da ciência social.
2.A) Ênfase numa atitude mais neutra em relação às avaliações (juízos valorativos
e normativos) inerentes às idéias de sentido e padrões de significação envolvidos
na interações simbólicas.
- Ênfase na diferença entre compreender idéias de sentido e padrões de
significação, que exige relacionar-se com as avaliações a eles inerentes, e julgá-los
positiva ou negativamente (diferença entre “relação a valores” e “juízos de valor”).
(Diferença entre “ciência social” e “posicionamento político”).
2.B) Ênfase na idéia de que a ciência social sempre é um momento da prática
sócio-política do cientista. Toda compreensão da realidade social, mesmo de uma
realidade social alheia àquela em que o próprio cientista vive, tem implicações para
a auto-compreensão das pessoas que são contemporâneas ao cientista.
- Ênfase na idéia de que a ciência social, mesmo não sendo retórica ou
propaganda, tem efeitos indiretos sobre a auto-compreensão das pessoas que
lêem o trabalho do cientista social.
Consciência do sujeito sempre participa do processo social
•A consciência do sujeito sempre participa, de algum modo, do processo social (em
vez de ser simplesmente conduzida por fatores objetivos, como nas abordagens
positivistas): essa participação pode consistir numa reprodução mais ou menos
irrefletida dos padrões de significação vigentes, mas pode consistir também numa
tentativa de re-estruturação dos mesmos, mediante projeção de novas idéias de
sentido, capazes de se tornar “fatores de atração” dentro do sistema cultural. (re-
estruturação “desde dentro”).
51
Aula 14
Alguns tópicos da sociologia de Max Weber (1864-1920), um dos principais
expoentes da abordagem interpretativa.
I) 4 “tipos ideais” de ação social. Modelos idealizados, abrangentes e abstratos de
identificação do sentido da ação – na experiência concreta esses tipos se
misturam, mas o pesquisador procura analisar qual deles predomina e qual o grau
de “desvio” em relação ao tipo puro.
1) Ação afetiva: sentido da ação consiste numa obediência automática e irrefletida
a afetos, sentimentos, emoções. Para se justificar, o agente apresenta como motivo
uma emoção de caráter irrefletido (Weber a classifica como um tipo de ação
“irracional”).
2) Ação tradicional: sentido da ação consiste na obediência relativamente
automática e irrefletida às crenças, costumes e práticas tradicionais, ou seja, há
muito tempo transmitidos e seguidos no grupo social em que o agente foi formado.
Para se justificar, o agente recorre à vigência de um padrão tradicional de
comportamento (Weber também a classifica como um tipo de ação irracional).
3) Ação racional com relação a um valor. Sentido da ação consiste no fato de que
ela, nela mesma, encarna um valor consciente e refletidamente assumido pelo
agente. Valores, neste caso, são bens (fins, idéias que os homens buscam seguir e
efetivar) “internos” à ação, e que transformam a ação em “fim em si mesma” – em
oposição a uma ação que é apenas meio para um bem ou fim que lhe é externo,
que está além dela mesma. Exemplos de valor: honra, honestidade, lealdade, amor,
vocação, justiça.
* Elaborações que nós podemos fazer do conceito weberiano de “ação racional
com relação a um valor”, tendo em vista uma melhor compreensão dos tipos ideais
de legitimação da dominação, que serão vistos abaixo:
3.a) Ação racional com relação ao valor “mágico” dos afetos, emoções,
sentimentos. Valorização consciente e refletida dos afetos e emoções como
elementos que infundem “encanto” e “magia” à existência, salvando-a do tédio,
banalidade, mediocridade.
3.b) Ação racional com relação aos valores “tradição sagrada” e “virtude”.
Valorização consciente e refletida da ordem (visão de mundo) tradicional, e
também do desempenho excelente das obrigações definidoras dos papéis sociais
dentro desta ordem.
- Valorização consciente e refletida do caráter “sagrado” da tradição, como fonte
vital que garante a identidade, continuidade e vigor do grupo; valorização
consciente e refletida da “virtude”, entendida como cumprimento excelente das
expectativas sociais definidoras do papel social próprio do agente dentro da ordem
tradicional.
4) Ação racional com relação a um fim. Sentido da ação remete à utilidade ou
eficiência da mesma para fins (resultados) que lhe são externos; ação é meio para
a realização de um resultado que lhe é externo, que está além dela, no futuro.
Sentido da ação remete às conseqüências da mesma em relação a um resultado
ou fim perseguido pelo agente.
52
- No âmbito deste tipo de ação, há uma tendência a conceber os fins em termos,
simplesmente, de maximização indefinidamente prorrogada e prolongada de
resultados em princípio traduzíveis em termos quantitativos. A eficiência passa a
ser o fim (deixa de ser uma qualidade dos meios), e um fim que só pode ser
operacionalizado à medida que é traduzido em termos quantitativos.
- Weber acreditava que, no âmbito desse tipo de ação social e dessa forma de
racionalidade, a realização plena da existência é continuamente reposicionada
para o futuro, o que gera um certo grau de ansiedade e frustração, revelando um
aspecto de irracionalidade presente nesse padrão de significação tão influente na
cultura ocidental contemporânea.
II) Em estreita associação com este tópico dos tipos de ação social, há o tópico dos
“tipos ideais” de legitimação da dominação social: modelos idealizados,
abrangentes e abstratos de identificação do sentido ou significado do fenômeno da
dominação. Em outras palavras, trata-se de modelos abstratos das idéias e crenças
que conferem legitimidade à dominação. Na experiência concreta esses tipos se
misturam, mas o pesquisador procura analisar qual deles predomina e qual o grau
de “desvio” em relação ao tipo puro.
1) Dominação carismática: legitimação da dominação vincula-se à crença dos
dominados no “carisma” do governante, visto como qualidade excepcional,
extraordinária, “mágica”.
- Correspondência com a ação afetiva (resposta irrefletida a sentimentos de
admiração e adoração por um indivíduo “extraordinário”) e com a ação racional
com relação ao valor dos sentimentos e atitudes de devoção, lealdade e fidelidade
ao líder extraordinário.
2) Dominação tradicional: legitimação da dominação vincula-se à crença dos
dominados ou na inevitabilidade e irrevogabilidade ou na sacralidade da ordem
tradicional, na qual o mando político é tradicionalmente exercido por determinadas
famílias ou grupos.
- Correspondência com a ação tradicional (obediência irrefletidas às normas e
costumes tradicionais) e com a ação racional com relação ao valor da sacralidade
da ordem tradicional e dos papéis sociais contidos nesta ordem.
- A dominação se legitima ou pela crença mais ou menos irrefletida e acrítica na
irrevogabilidade da ordem tradicional (o peso das práticas tradicionais, a
“naturalidade” do fato de “em nossa sociedade estas pessoas sempre
mandaram”), ou pela refletida valorização da sacralidade da ordem tradicional e da
virtude a ela correspondente (valorização do desempenho excelente das
expectativas da comunidade, definidoras do papel de cada um dentro da ordem
tradicional).
3) Dominação racional, legal e burocrática, que se efetiva por meio da organização
burocrática, ou do Estado burocrático. Legitimação da dominação vincula-se à
crença na eficiência “técnica” de uma forma de organização das pessoas e
recursos caracterizada pela racionalidade da estrutura ou organograma,
qualificação técnica dos ocupantes dos cargos definidos no organograma,
impessoalidade e meritocracia no preenchimento dos cargos.
53
- Correspondência com a ação racional com relação a fins. Legitimação da
dominação se dá por meio da crença na racionalidade técnica ou instrumental,
com a idéia de eficiência que lhe é típica. Legitimação da dominação vincula-se à
crença na eficiência da Organização racional ou burocrática para a realização
indefinidamente prolongada e aumentada de fins (resultados essencialmente
futuros) passíveis de quantificação, como riqueza, segurança, saúde, educação.
- Weber acreditava que, como expressão deste tipo ideal de legitimação da
dominação, os regimes democráticos nos Estados ocidentais contemporâneos
tenderiam cada vez mais a uma “tecnocracia”, onde o preenchimento até mesmo
dos cargos eletivos estaria mais ligado à noção de competência técnica do que a
uma discussão sobre os valores (bens ou fins internos às práticas sociais coletivas)
a serem adotados e promovidos pela coletividade.
- Em Weber, “tecnocracia” e “burocracia” são termos mais ou menos sinônimos.
III) Para Weber, a característica essencial da cultura contemporânea é o predomínio
crescente da racionalidade com relação a fins, ou da ação racional com relação a
fins, que se manifesta e exerce nas organizações de caráter tecnocrático ou
burocrático, tanto na esfera econômica quanto na esfera política.
- Para Weber, o domínio crescente deste tipo de ação social tem sua origem nas
idéias e crenças típicas do calvinismo (uma das correntes religiosas mais influentes
da reforma protestante). Weber expôs sua teoria no famoso livro “A Ética
Protestante e o Espírito do capitalismo” (1905). Para Weber, o sistema capitalista é
a expressão mais importante da ação racional com relação a fins.
•Em sua origem, a racionalização da sociedade (no sentido da racionalidade com
relação a fins) esteve intimamente associada ao desenvolvimento do “espírito do
capitalismo”: para maximizar os resultados econômicos (fim indefinidamente
reposicionado no futuro), reinvestimento permanente dos ganhos auferidos, com a
concomitante busca da maior eficiência.
•“Espírito do capitalismo”. Combinação incomum de: desejo de riqueza e, por outro
lado, frugalidade na vida pessoal. Em vez de ganhar para gastar e gozar a vida,
ganhar para expandir indefinidamente os ganhos, mediante reinvestimento dos
ganhos no processo produtivo. O lucro é buscado para maximizar indefinidamente o
lucro.
•“Ética protestante” (visão de mundo elaborada nas seitas calvinistas; seitas nas
quais foram elaboradas e em certa medida modificadas as doutrinas de Calvino-
1509-1564, um dos mais importantes líderes da reforma protestante no início da
era moderna): nas seitas calvinistas, o êxito econômico foi tomado como sinal de
ter sido escolhido por Deus (para contrabalançar ansiedade gerada pela doutrina
da predestinação defendida por Calvino).
- Doutrina da predestinação defendida por Calvino: Deus predestinou cada um de
nós à salvação ou condenação, sem que possamos, por nossos atos ou obras,
modificar esse decreto divino. A salvação é para o homem um dom totalmente
gratuito da graça divina. Rejeição de todas as práticas ritualísticas e sacramentais
com vistas à salvação.
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- Assim, o calvinista não só não pode fazer nada para conquistar sua salvação,
como também não tem como saber se será salvo ou condenado, e essa incerteza
pode se tornar psicologicamente intolerável. Em virtude de uma inclinação
psicológica quase irresistível, ele tende a procurar no mundo sinais de que foi
escolhido por Deus. Algumas seitas calvinistas terminaram por ver no êxito
econômico uma prova da escolha de Deus. A riqueza era buscada, não como meio
para se ter conforto e luxo, mas como um meio pelo qual se adquiria confiança na
escolha de Deus. A autoconfiança era adquirida por meio do trabalho árduo e
contínuo, marcado pela renúncia aos luxos e comodidades da vida mundana e pelo
reinvestimento permanente da riqueza alcançada.
- Assim, o lucro era buscado, não para gozar a vida, mas para produzir e lucrar cada
vez mais. Surge assim o “espírito do capitalismo”, que acaba se desvinculando de
seus motivos religiosos e levando à plena legitimação do desejo de posse e
acumulação de riqueza.
• Resultado inesperado da ética protestante: combinação incomum de
preocupação com a salvação da alma e preocupação com a otimização das
conseqüências econômicas.
•Com o tempo, desaparece a preocupação religiosa e fica apenas a preocupação
com a eficiência econômica.
A teoria weberiana da organização burocrática.
•O “tipo ideal” da organização burocrática (manifestação da racionalidade relativa
a fins).
•A) Regras impessoais, pautadas pela preocupação com a eficiência, regem o
comportamento dos funcionários em todos os níveis.
•B) Estrutura impessoal dos cargos, com definição clara e precisa das respectivas
tarefas e responsabilidades. Preocupação com a eficiência técnica rege a definição
do organograma.
•C) Cargos são preenchidos segundo o princípio da qualificação técnica e
profissional, com ênfase na possibilidade de ascensão na hierarquia dos cargos.
Ascensão na hierarquia é regida pelo critério da meritocracia.
•D) Hierarquia formal e bem definida das relações de autoridade e controle. Ênfase
nas funções de supervisão e controle.
•E) Separação nítida entre as tarefas do funcionário dentro da organização e sua
vida pessoal fora dela.
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Aula 15
A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt (teoria de caráter construtivista).
Principais teóricos
•Max Horkheimer (1895-1973). Theodor Adorno (1903-1969). Walter Benjamin
(1892-1940). Herbert Marcuse (1898-1978). Jürgen Habermas (1929-).
- Abordagem antipositivista ou construtivista: “interpretacionismo crítico”. Marxismo
elaborado do ponto de vista da abordagem hermenêutica ou interpretativa.
- Características que compartilha com a abordagem interpretativa (antipositivismo):
ênfase nas idéias dos sujeitos, ou seja, nas idéias de sentido e padrões de
significação seguidos pelos sujeitos. Ênfase na cultura.
- “Teoria Crítica”: interesse nas possibilidades reais de mudança social, ou seja,
possibilidades enraizadas na dinâmica dialética da realidade social (vista como
dialética das idéias de sentido e padrões de significação).
- Interesse nas possibilidades de produção de uma cultura mais propícia à
realização do melhor potencial humano, entendido em termos de exercício
igualitário e justo da liberdade humana.
- Influência da teoria de Max Weber: Na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, a
racionalidade com relação a fins passa a ser chamada de racionalidade
instrumental, ou racionalidade estratégica, caracterizada, tal como em Weber, pela
valorização da eficiência propiciada pela ciência e pela técnica. A racionalidade
instrumental é vista como o padrão de significação dominante na cultura
contemporânea, e um padrão de significação que acaba por funcionar como
justificativa para um sistema sócio-político caracterizado por formas mais sutis de
exploração e opressão, que a humanidade já teria condições de superar.
- Origem: teoria crítica do marxismo clássico (lembrando que a teoria crítica do
marxismo clássico tinha feição positivista, por colocar a ênfase em necessidades,
interesses, condições e leis “objetivas”, ou seja, independentes das idéias
“subjetivas” vividas pelos sujeitos).
- Características gerais da “teoria crítica”.
1) Vínculo essencial entre teoria social e prática politicamente transformadora,
orientada para a superação da opressão/exploração do homem, ou para a
realização do melhor potencial humano.
2) Teoria social como momento da prática politicamente transformadora.
2.a) Identificação das possibilidades reais de mudança social, ou seja,
possibilidades enraizadas na dialética da realidade social.
2.b) Identificação dos obstáculos à prática transformadora.
- Essência da opressão no marxismo clássico: exploração da força/energia de
trabalho do homem, possibilitada pela propriedade privada dos meios de produção
dos bens materiais.
- Para o marxismo clássico, a mudança social fundamental é mudança no sistema
das relações de produção, rumo à abolição da propriedade privada dos meios de
produção.
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- Identificação das possibilidades reais de mudança social, no marxismo clássico.
- Para o marxismo clássico, as possibilidade reais de mudança social são
possibilidades enraizadas na dialética da realidade social, vista como dialética de
um processo histórico “objetivo”, que se desenvolve e efetiva independentemente
das idéias de sentido adotadas pelos sujeitos, vistas como idéias de caráter
meramente “subjetivo” (“meras idéias”).
- Dialética do processo histórico “objetivo”: contradições “objetivas” no modo de
produção (progresso das forças produtivas versus envelhecimento das relações de
produção) e conflitos “objetivos” entre classe dominante e classe dominada.
- Para o marxismo clássico, a prática transformadora deve ser orientada pelo
conhecimento de como acirrar essas contradições e conflitos “objetivos”.
- Obstáculos à prática transformadora no marxismo clássico.
a) “Falsa consciência” da classe dominada: falta de percepção do seu “verdadeiro
interesse objetivo” (distinto das idéias meramente subjetivas sobre o que é bom,
importante, certo, valioso, etc.).
b) Ideologias difundidas pela classe dominante para disfarçar a luta de classes e o
“verdadeiro interesse objetivo” das classes dominadas: religião, credo liberal.
- Prática transformadora no marxismo clássico.
- Lutar pelo acirramento das contradições objetivas no modo de produção
(favorecer os grupos e atividades que promovem o desenvolvimento das forças
produtivas em cada país). E “ensinar/mostrar” à classe dominada qual é seu
“verdadeiro interesse objetivo”.
- Mudanças na teoria crítica efetuadas pelos teóricos da Escola de Frankfurt.
- Essência da opressão na Escola de Frankfurt: abafamento do potencial (ou
energia) racional, reflexivo e/ou comunicativo próprio do ser humano, um potencial
vinculado a práticas nas quais se exercem as formas não-instrumentais da
racionalidade, definidas pelo fato de se orientarem para bens internos às próprias
práticas (trata-se de atividades que são vividas como fins em si mesmas, por serem
expressão, justamente, da racionalidade e criatividade dos homens).
- Habermas, um dos principais teóricos da Escola de Frankfurt, acredita que o
“fazer junto” baseado na discussão e criação compartilhada das normas e planos
de ação é a principal dessas práticas.
- Para Habermas, a criação compartilhada dos planos de ação apresenta duas
características básicas: reconhecimento de cada pessoa como um possível
contribuidor, implicando direito de falar, e ser ouvido e considerado. Em segundo
lugar, busca de razões comuns ou compartilhadas (razões que todos possam
reconhecer como boas para todos, ou ao menos justas para todos), em substituição
a razões admitidamente particulares, válidas ou boas apenas para este ou aquele
indivíduo (ou grupo). Isso significa que o “fazer junto” é reconhecido por todos
como um empreendimento comum a todos, ou bom para todos.
- Para a Escola de Frankfurt em geral, o abafamento do melhor potencial humano é
algo que se efetiva por meio da reprodução automática e irrefletida dos padrões de
significação historicamente vigentes, centrados nas noções de eficiência, controle,
57
domínio, manipulação, segurança no trato com a realidade objetiva (padrão de
significação constituído pela racionalidade com relação a fins analisada por Weber
e renomeada pelos frankfurtianos como “racionalidade instrumental/estratégica).
- Para Habermas, a mudança social fundamental é mudança no padrão de
significação mais influente na organização da sociedade; a mudança visa a
subordinação do padrão de significação constituído pela racionalidade instrumental
ao padrão de significação constituído pela racionalidade comunicativa (que pode
ser aproximada daquilo que Weber chamou de racionalidade com relação a um
valor, onde o “valor” – tomado como bem interno à ação – é o “entendimento”, ou
seja, o compartilhamento de uma visão da situação e o “fazer junto” fundado nessa
visão compartilhada).
- Identificação das possibilidades reais de mudança social, na Escola de Frankfurt.
- Para a Escola de Frankfurt, as possibilidades reais de mudança social são
possibilidades enraizadas na dialética da realidade social, vista, entretanto, como
dialética dos padrões de significação que se desenrolam no tempo.
- Assim, o desgaste do padrão de significação constituído pela racionalidade com
relação a fins (racionalidade instrumental/estratégica) sugere a possível
emergência de um padrão de significação distinto, que se encontra em tensão e
oposição latente com o primeiro, e que está mais presente em domínios de ação
menos abrangentes e sistêmicos.
- Na teoria de Habermas, trata-se de um padrão de significação constituído pela
racionalidade dialógico-comunicativa, próxima da racionalidade com relação a
valores de Weber, onde o valor, ou seja, o bem interno à própria ação, é o
entendimento entre os participantes da ação comunicativa.
- Tomado como bem interno à ação de cunho comunicativo, o “entendimento”
consiste num conjunto de elementos: revigoramento consciente e refletido da
interpretação da situação que é compartilhada pelos participantes, adesão
consciente e racionalmente motivada a tal interpretação comum ou compartilhada,
e, finalmente, o “fazer junto” que decorre desse tipo de adesão.
- Em outras palavras, o bem interno à “ação comunicativa” é o exercício do “poder
comunicativo” do grupo, que exprime a “energia comunicativa” do grupo.
- Para Habermas, o desgaste da racionalidade instrumental equivale ao desgaste
das interações comunicativas baseadas apenas em razões particulares, como o
interesse de um indivíduo particular, ou o medo de um indivíduo particular.
- Para Habermas, a “ação comunicativa”, que é a interação baseada em atos de
fala, funda-se na compreensão e aceitação do ouvinte em relação aos enunciados
do falante. É claro que essa compreensão e aceitação podem perfeitamente
basear-se em razões meramente particulares, do tipo “compreendo que a proposta
dele é boa para os interesses dele, e aceito porque vejo que não aceitar será ruim
para mim”. Habermas fala nesse caso de uma “ação comunicativa fraca”. Para ele,
porém, a meta de obter a compreensão e aceitação do outro, própria da ação
comunicativa em geral, como que sugere o recurso a razões compartilhadas,
associadas a uma visão do empreendimento como um empreendimento bom para
todos, ou, ao menos, justo para todos. Trata-se nesse caso da “ação comunicativa
forte”. Para Habermas, a ação comunicativa forte representa uma idealização que
está contida e que é influente até mesmo nos contextos de ação caracterizados
pela ação comunicativa fraca.
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- Obstáculos à prática transformadora na Escola de Frankfurt.
- Em vez de “falsa consciência” (consciência que não percebe seu verdadeiro
interesse “objetivo”), como no marxismo ortodoxo, “consciência abafada”
(abafamento da atividade de reflexão crítica sobre o que é bom na existência;
abafamento da capacidade de perceber e vivenciar bens internos às próprias
atividades ou práticas).
- Conceito de ideologia deixa de enfatizar a produção deliberada ou proposital da
falsa consciência (como no marxismo ortodoxo), e passa a enfatizar o processo de
abafamento da atividade reflexiva das consciências (processo de reprodução
automática e irrefletida de idéias de sentido como eficiência, controle, domínio,
manipulação, certeza, segurança, progresso técnico-científico, aumento de
produtividade, etc., oriundas do padrão de significação constituído pela
racionalidade instrumental).
- Técnica e ciência passam a ser conceituadas como “ideologia”, justamente por
funcionarem como uma justificativa automática e irrefletida do valor “eficiência”,
que está na base do “sistema” que abafa a liberdade ou autonomia das pessoas,
ou seja, abafa a capacidade das pessoas de perceberem e vivenciarem bens e
prazeres internos às suas próprias atividades ou práticas.
59
Aula 16.
As abordagens sociológicas no campo da teoria das organizações.
- Abordagens mais relevantes: abordagem mecanicista, funcionalismo, abordagem
interpretativa e Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
1) A abordagem mecanicista no campo da teoria das organizações: abordagem de
caráter positivista: tende a deixar de lado a tese de que a realidade organizacional
é construída por sujeitos em interação simbólica, ou seja, interação na qual são
transmitidas e trocadas idéias e formas de pensar, relativas ao significado das
coisas e do ambiente em geral.
- Vê a organização como máquina:
a) Visão “atomística” dos indivíduos que trabalham na organização: não coloca
ênfase nas relações entre os indivíduos. Funcionários são vistos como indivíduos
isolados com necessidades estritamente materiais, e orientados exclusivamente
pela racionalidade calculadora ou instrumental, entendida como capacidade de
discernir os comportamentos necessários ou eficazes para a maximização da
vantagem estritamente individual. Necessidades materiais, interesses individuais e
racionalidade calculadora ou instrumental são tomadas como elementos
“objetivos” (no sentido positivista do conceito) da natureza humana.
b) Ênfase no organograma: estrutura de cargos com tarefas e responsabilidades
bem definidas, estabelecidas muitas vezes em regras escritas.
c) Ênfase em punições e recompensas associadas às necessidades estritamente
materiais dos funcionários, que funcionam como razões ou motivos no âmbito da
racionalidade calculadora ou instrumental.
d) Ênfase nas linhas de comando, supervisão e controle, de caráter fortemente
hierárquico.
2) Abordagem funcionalista no campo da teoria das organizações: apesar de
enfatizar mais a importância das relações humanas no funcionamento da
organização, focaliza estas relações de um ponto de vista grosso modo positivista,
interpretando-as como manifestações de necessidades humanas objetivas,
independentes das idéias e avaliações que os próprios sujeitos têm sobre elas.
- Vê a organização como um organismo vivo.
a) Processo “vivo” de trocas entre seres humanos com necessidades mais
complexas do que as necessidades estritamente materiais. Estas necessidades
mais complexas envolvem laços de reconhecimento e amizade entre as pessoas,
que dão origem a estruturas informais muitas vezes mais importantes do que o
organograma formal.
b) Ênfase na tese de que não há uma receita única do sucesso organizacional. A
forma adequada de estruturar e gerir a organização depende dos desafios e tarefas
que lhe são impostos pelo ambiente.
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c) Embora a receita varie, toda organização bem-sucedida deve atender a duas
necessidades essenciais: integração e coerência interna (coerência entre os
diversos aspectos e dimensões da realidade organizacional; integração entre
setores, departamentos, funcionários, etc.) e, por outro lado, adaptação ao
ambiente externo.
- Estas necessidades são interpretadas como necessidades “objetivas”, no sentido
positivista do termo: elementos que existem e surtem efeitos independentemente
das idéias, concepções e avaliações que os sujeitos tenham sobre eles.
d) Visão grosso modo positivista do ambiente externo: ambiente externo é um
elemento “objetivo” ao qual a organização deve simplesmente adaptar-se. Não se
coloca ênfase na tese de que o ambiente está sendo continuamente construído
pelas diversas organizações que dele participam ou a ele se referem, ou seja, pelas
atitudes, idéias e práticas destas organizações (esta última tese é típica das
abordagens antipositivistas da hermenêutica e da Teoria Crítica da Escola de
Frankfurt).
e) Ênfase na “aprendizagem de circuito único” como mecanismo de adaptação
passiva a um ambiente externo caracterizado por constantes mudanças.
Aprendizagem de circuito único: captar informações do ambiente; relacionar estas
informações às normas operacionais e metas organizacionais; desencadear ações
corretivas, sem questionar a pertinência e validade nem das normas nem das
metas previamente fixadas.
3) Abordagem interpretativa na teoria das organizações. Abordagem antipositivista
e construtivista: elementos e itens que compõem a realidade organizacional
existem por meio das idéias e formas de pensar com que os sujeitos lhes atribuem
significados (realidade de uma coisa = modo como esta coisa me aparece,
significado que ela tem para mim).
- Ênfase na cultura organizacional, definida como rede das idéias e modos de
pensar com que os membros da organização exprimem o significado dos diferentes
itens da realidade organizacional.
- Realidade organizacional é construída por sujeitos que compreendem, aplicam,
transmitem e reproduzem as formas de pensar por meio das quais se atribuem
significações aos diferentes itens envolvidos nas práticas organizacionais.
- Interesse na identificação de modos de pensar dominantes, modos de pensar
minoritários, modos de pensar emergentes, etc.
4) Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Abordagem antipositivista e construtivista
das organizações, que vê a organização como cultura, ou seja, realidade construída
pelas interações simbólicas dos sujeitos. Mas, diferentemente da abordagem
interpretativa, tem forte interesse e coloca forte ênfase na possibilidade de se criar
a organização como uma cultura “dialógica”, centrada em modos de pensar
valorizadores do diálogo e entendimento “forte” entre os sujeitos.
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a) Valoriza a argumentação e diálogo como princípios para a emergência de
decisões e normas de cunho mais compartilhado.
b) Valoriza a competência do sujeito para compreender e sentir-se motivado pelo
sentido ou significado dessas decisões e normas compartilhadas.
c) Valoriza o “fazer-junto” (prática efetivamente coletiva) baseado em decisões
coletivamente construídas, e nesse sentido compartilhadas.
d) Valoriza a “aprendizagem em circuito duplo”: usar as informações em geral,
tanto externas quanto internas, para discutir e eventualmente alterar os princípios
(valores, normas, metas) que orientam as decisões e práticas da organização. Usar
as informações, não tanto para manter uma relação “bem adaptada” ao ambiente,
de acordo com certas normas e metas inquestionáveis, mas, muito mais, para
“auto-reorganizar-se”, ou seja, remodelar os princípios das práticas organizacionais.
Diálogo e discussão capazes de levar a uma “reprogramação” da organização.
Auto-re-organização (processo típico dos sistemas capazes de aprendizagem em
circuito duplo) como um processo coletivo, comunicativo, dialógico.
- Em vez de preocupar-se com um processamento relativamente passivo das
informações do ambiente, preocupar-se em projetar novos modos de pensar no
ambiente.
e) Ênfase na idéia de que o ambiente é até certo ponto construído pela projeção
das idéias e atitudes dialogicamente construídas na organização. Não se coloca
ênfase num ambiente absolutamente objetivo, no sentido positivista do termo.