apostila joseph beuys
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apostila sobre joseph beuysTRANSCRIPT
SESC Ι Videobrasil
Exposição: Joseph Beuys - A revolução Somos Nós
Seleção de textos para leitura dos educadoresOrganização: Valquíria Prates
1. Curadoria Educativa da exposição –programação
2. Jogo‐ferramenta: Primeiros socorros para atividades de mediaçãoatividades de mediação
3. Textos do catálogo da exposição (Joseph Beuys– a revolução somos nós)
4. O elemento material na obra de Joseph Beuys, de Dália Rosenthal
5. Trecho de Como explicar arte para lebres mortas, de Christina Elisa Bach
6. Trechos de Lugares de melancolia, de Fernanda Lopes Torres
7 Interfaces entre meios – processos de criação7. Interfaces entre meios processos de criação de Joseph Beuys, de Simone Sobral Rocha
8. A lógica da poética de Joseph Beuys ou como reencontrar o destino através da arte, de Gloria Georgina Seddon
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Joseph Beuys - A revolução somos nós
Curadoria educativa
Promover a reflexão sobre o presente e o futuro da sociedade era o objetivo da Universidade
Livre Internacional (FIU), criada por Joseph Beuys em 1974 e com sedes ativas na Europa ainda
hoje. A curadoria educativa da exposição Joseph Beuys - a revolução somos nós desdobra esse
desejo em um conjunto de atividades destinadas a públicos de idades, formações e motivações
diferentes.
Concebido como uma sede simbólica da F.I.U., o espaço Universidade Livre Internacional em
São Paulo abriga uma programação gratuita de encontros, debates, oficinas e conversas que se
estende até novembro. Em caráter permanente, oferece ao público o acesso a computadores e
publicações sobre a exposição e arte contemporânea para pesquisa e leitura autônomas.
No Seminário Internacional Joseph Beuys – a revolução somos nós, artistas e educadores
debatem as ideias, temas e práticas do artista. Nos cursos e aulas abertas, os participantes
experimentam formas de expressão criativa exploradas por Joseph Beuys, como a performance e
a escultura viva, sob a orientação de artistas que tecem relações entre elas e o conceito de
plástica social.
A qualquer momento da exposição, os visitantes poderão participar de percursos e conversas
mediadas por educadores em torno dos conceitos presentes nos três núcleos expositivos.
Estudantes e seus professores podem agendar percursos mediados e atividades na exposição.
Aos sábados, cursos especiais para professores discutem a prática docente e a formação em
artes, tendo por fio condutor a atuação de Joseph Beuys como artista e professor.
Uma programação especial de narração de histórias e atividades práticas voltada ao público
infantil e suas famílias busca oferecer um primeiro contato com a dimensão simbólica da obra de
Beuys e com a forma como aborda ecologia e criação.
A cerimônia de abertura das atividades da Universidade Livre Internacional em São Paulo
homenageia Joseph Beuys ao lembrar o projeto 7000 Eichen (7000 Carvalhos), escultura viva
criada pelo artista para a Documenta 7, em Kassel. Juntos, os realizadores da exposição e três
colaboradores de Beuys – Antonio d’Avossa, Volker Harlan e Rainer Rappmann – plantam sete
árvores no SESC Pompeia, às 10h do dia 18 de setembro.
Para além do compromisso de aproximar os visitantes da obra e do pensamento de Joseph
Beuys, a Curadoria Educativa busca estimular sua criatividade em direção à construção de
sentidos renovados para o mundo. Em sintonia com o pensamento que a inspira, trabalha para
afirmar o conceito de uma ação artística que é capaz de moldar o futuro – e está ao alcance de
todos.
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SEMINÁRIO INTERNACIONAL
Joseph Beuys - A Revolução Somos Nós
Três encontros temáticos debatem conceitos que marcaram a atuação de Joseph Beuys como
artista, professor e ativista. O seminário é um convite à reflexão sobre o poder de transformação
social da arte e seu papel como catalizador de políticas.
Mesa 1
Revolução, Arte e nós
Palestras: Antonio D’Avossa, Volker Harlan, Rainer Rappman
Antonio D’Avossa apresenta os principais aspectos da exposição Joseph Beuys – a revolução
somos nós, o curador fala dos traços da filosofia do artista na produção contemporânea (11h-
13h).
Volker Harlan aborda a dimensão transcendental da prática artística de Joseph Beuys,
pontuando sua relação com o xamanismo e as reverberações do pensamento de Rudolf Steiner
(1861-1925) e Goethe (1749-1832) em sua obra (14h-16h).
Rainer Rappman fala de sua participação no Grêmio para o Desenvolvimento do Conceito
Ampliado de Arte e da Plástica Social e na editora da Universidade Livre Internacional (16h -18h).
Data: 18 de setembro, sábado
Horário: das 11h às 18h (com intervalo das 13h às 14h)
Local: SESC Pompeia
Ingressos: gratuitos; retirar na bilheteria do SESC Pompeia no dia 18 de setembro, a partir das
9h30, enquanto houver disponibilidade de lugares.
Classificação indicativa: acima de 12 anos
Mesa 2
Plástica social como forma de esculpir o mundo
Mediação: Rubens Espírito Santo
Palestras: Ayrson Heráclito, Cássio Santiago,
Rubens Espírito Santo
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Ayrson Heráclito fala de experiência ritual, da matéria orgânica e da dimensão da
transcendência na produção contemporânea, a partir de Beuys.
Cássio Santiago relata sua experiência como diretor da companhia teatral UEINZZ,
contextualizando seu processo de trabalho em relação à ideia de Plástica Social.
Rubens Espírito Santo fala do conceito de escultura social e apresenta sua experiência como
fundador da Universidade Livre das Artes.
Vagas: 300
Data: 16 de outubro, sábado
Horário: das 15h às 17h30
Local: Teatro do SESC Pompeia
Ingressos: gratuitos; retirar na bilheteria do SESC Pompeia no dia 16 de outubro, a partir das 11h,
enquanto houver disponibilidade de lugares.
Classificação indicativa: acima de 12 anos
Mesa 3
Todo homem é um artista
Mediação: Luiz Guilherme Vergara
Palestras: Monica Nador, Dora Longo Bahia e Luiz Guilherme Vergara
Luiz Guilherme Vergara reflete sobre as ações culturais e educativas como agentes de
transformação e transcendência, na formação para as artes e no estímulo à criatividade.
Monica Nador fala de sua prática artística e do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), construindo
paralelos entre sua experiência, a potência criativa individual e a dimensão espiritual da arte.
Dora Longo Bahia fala sobre sua prática como artista-professora a partir das ações Museu do
Vazio e Anarcademia.
Vagas: 300
Data: 27 de novembro, sábado
Horário: das 15h às 17h30
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Local: Teatro do SESC Pompeia
Ingressos: gratuitos; retirar na bilheteria do SESC Pompeia no dia 27 de novembro, a partir das
11h, enquanto houver disponibilidade de lugares.
Classificação indicativa: acima de 12 anos
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AULAS ABERTAS
Voltadas a iniciantes ou interessados em arte contemporânea, partem da exposição para
proporcionar um contato prático e reflexivo com suas linguagens. As produções dos participantes
poderão ser publicadas no Blog do Videobrasil ou expostas no local.
Inscrições: gratuitas. Retirada de senha, nas Oficinas de Criatividade do SESC Pompeia, com 30
minutos de antecedência.
História da Arte
Joseph Beuys: arte, filosofia e ativismo social
Com Antonio d’Avossa
O curador da exposição Joseph Beuys: a revolução somos nós apresenta um panorama da
trajetória do artista alemão e comenta suas principais ideias, referências e conceitos.
Vagas: 60 pessoas
Datas: 16 de setembro (quinta -feira)
Horário: das 14h às 18h
Local: Oficinas de Criatividade do SESC Pompeia – Sala 1
Cultura e sutentabilidade
Desenho cultural e sustentabilidade: processos de trabalho para a transformação
Com Flavia Vivacqua
A artista apresenta o conceito de desenho cultural para a sustentabilidade e constrói com os
participantes diretrizes para a realização de projetos transdisciplinares envolvendo arte,
educação, tecnologia e ecologia.
Vagas: 20 pessoas
Data: 6 de outubro, quarta-feira
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia –Universidade Livre Internacional em São Paulo
História da arte
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Arte e política: relações possíveis na arte contemporânea
Com Fernando Oliva
Como os artistas se relacionam com a dimensão política da vida a partir de seus trabalhos? Em
torno desta pergunta, e partindo da prática de Joseph Beuys, o curador e editor do Caderno
SESC_Videobrasil 6 construirá com os participantes um conjunto de reflexões, pontuadas pela
apresentação de trabalhos, ações e ideias presentes na publicação.
Vagas: 20 pessoas
Data: 19 de outubro, terça-feira
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
Artes Visuais
Escultura viva: ateliê aberto de arte e paisagismo
Com Fernando Limberger
Os participantes serão convidados a experimentar as possibilidades plásticas de elementos
naturais, como espécies vegetais, madeira, pedra e areia, para a criação de uma escultura
coletiva.
Vagas: 20 pessoas
Data: 10 de novembro, quarta-feira
Horário: das 19h às 21h30
Local: Oficinas de Criatividade do SESC Pompeia – Ateliê de Técnicas Mistas
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MINICURSOS
Voltados para artistas, professores e estudantes que desenvolvem trabalhos nas áreas de artes
plásticas, literatura, música, vídeo e fotografia. Prevêem a realização de atividades práticas e
teóricas que poderão ser registradas e publicados no Blog do Videobrasil, em forma de relatos e
imagens.
Inscrições: gratuitas. No primeiro sábado do mês da atividade, nas Oficinas de Criatividade, a
partir das 14h.
Artes Plásticas
Escultura, suporte e material: reflexões práticas sobre a transcendência
Com Ayrson Heráclito
A partir de conversas sobre o uso que Joseph Beuys fazia de materiais orgânicos, o artista
conduz os participantes por atividades e práticas experimentais que exploram diferentes suportes.
Vagas: 15 pessoas
Datas: 13, 14 e 15 de outubro (quarta, quinta e sexta-feira)
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
Artes do corpo
Toda pessoa é um artista: voz e corpo como matéria na criação e expressão cênicas
Com Cassio Santiago
Partindo de ideias presentes nos processos de criação de Joseph Beuys, os encontros propõem
exercícios de criação cênica e construção de sentidos coletivos, explorando corpo e voz como
matéria de trabalho.
Vagas: 15 pessoas
Datas: 21, 28 de outubro e 04 de novembro (quintas-feiras)
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
Performance
Ação, performance e registro na arte contemporânea
Com Yiftah Pelled
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Usando como laboratório as áreas de circulação do SESC Pompeia e partindo das obras e
registros de ações presentes na exposição, os participantes desenvolverão pesquisa para um
projeto pessoal.
Vagas: 15 pessoas
Datas: 10, 17 e 24 de novembro (quartas-feiras)
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
Artes Plásticas
Joseph Beuys hoje: reflexões sobre arte, educação e ativismo
Com Rubens Espírito Santo
Em torno das principais questões presentes nos trabalhos e ações de Joseph Beuys, os
encontros propõem leituras de textos e experimentação plástica aplicada a contextos diversos.
Vagas: 15 pessoas
Datas: 22 e 29 de outubro, e 05 de novembro (sextas-feiras)
Horário: das 19h às 21h30
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
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ENCONTROS PARA PROFESSORES
A prática docente de Joseph Beuys: reflexões e desdobramentos para ações de formação
e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
A prática docente de Joseph Beuys é o tema desses encontros e visitas, que se destinam a
professores de Ensino Fundamental e Médio e a educadores ligados a ONGs e instituições
culturais. Serão discutidos o conceito de escultura social e as possibilidades dos projetos
educativos dentro de escolas e instituições culturais.
Vagas: 15 pessoas
Datas: 2, 16 e 30 de outubro; 6, 13 e 20 de novembro
Horário: das 10h às 12h
Local: Galpão do SESC Pompeia – Universidade Livre Internacional em São Paulo
Inscrições e informações: [email protected]. As inscrições podem ser feitas até a
véspera do encontro.
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CONVERSAS COM ARTE
Percursos mediados por educadores, partem do repertório dos visitantes para convidá-los a
investigar as obras em busca de interpretações, conceitos e contextos. O intuito é garantir novas
possibilidades de leitura da exposição a visitantes (que não precisam se inscrever) e grupos
agendados.
Percursos para visitantes
Em conversas de uma hora, conduzidas diariamente por educadores, grupos de dois a 15
visitantes poderão ter contato com as principais ideias de Joseph Beuys.
Vagas: até 15 pessoas
Datas: terças, quartas, quintas e sextas-feiras, conforme demanda (consultar supervisor);
sábados, domingos e feriados, às 11h, 14h, 16h e 18h.
Local: Galpão do SESC Pompeia
Inscrições: não são necessárias. Basta dirigir-se à entrada da exposição nos horários anunciados
e aguardar a chegada de um educador.
Escolas e grupos agendados
Durante uma hora, grupos com cerca de 20 estudantes serão convidados a refletir e experimentar
algumas das proposições e questões presentes na obra de Joseph Beuys. Os participantes
poderão projetar suas ideias para a transformação do mundo em que vivem em atividades
plásticas e rodas de conversa e leitura.
Vagas: 45 pessoas
Datas: terças, quartas, quintas e sextas-feiras, às 10h, 11h, 14h, 15h, 16h, 19h e 20h.
Local: Galpão do SESC Pompeia
Agendamento: Central de Atendimento do SESC Pompeia, tel. 3871-7700, de terça a sexta, das
13h às 18h.
Sobre acessibilidade e inclusão
- as visitas são inclusivas. Pessoas com deficiência podem participar de todas as atividades
propostas
- serão oferecidas visitas mediadas para surdos em Libras (Língua Brasileira de Sinais) nos dias
26 de outubro e 9 e 23 de novembro, às 19h. Para cada uma, há 45 vagas
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ARTE EM FAMÍLIA
Histórias contadas e um ateliê de confecção de sementeiras e plantio de mudas aproximam as
crianças e famílias que visitam a exposição de aspectos do universo poético de Joseph Beuys.
Inscrições: retirar senha nas Oficinas de Criatividade com 30 minutos de antecedência
Narração de Histórias
A História Aberta - Era uma, duas, três vezes: Beuys!
Com Kiara Terra
A partir dos materiais, ideias e elementos presentes nas obras de Joseph Beuys, a atriz constrói
com as crianças e suas famílias histórias que trazem o universo poético do artista para mais
perto. Uma atividade prática em ateliê completa a atividade, que se dirige a crianças a partir de 4
anos, acompanhadas por responsável adulto.
Vagas: 20 pessoas
Data: 2 e 23 de outubro e 13 de novembro
Horário: das 14h às 16h30
Local: Galpão do SESC Pompeia
Artes Visuais
O homem que planta esculturas: ateliê aberto de arte, jardinagem e paisagismo
Com Fernando Limberger
Após visitar a exposição, crianças, jovens e adultos experimentam dois momentos no processo
de plantio: a confecção de sementeiras e a semeadura para a obtenção de mudas que poderão
ser plantadas; e o replantio de mudas crescidas. Podem participar crianças a partir de 6 anos,
acompanhadas por responsável adulto.
Vagas: 20 pessoas
Data: 20 de novembro
Horário: das 14h às 16h30
Local: Oficinas de Criatividade do SESC Pompeia – Ateliê de Técnicas Mistas
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PARTICIPANTES
Antonio d’Avossa Curador da exposição A revolução somos nós, é professor de História da Arte
Contemporânea na Academia di Brera, em Milão. Assinou retrospectivas como Operazione
Defesa della Natura (Barcelona,1993), The Nature of Joseph Beuys (Toronto, 2004) e o Evento
Beuys da 52ª Bienal de Veneza (2007).
Ayrson Heráclito Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é
professor do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB. Pesquisador, curador e artista,
sua obra transita pela instalação, fotografia, audiovisual e performance.
Cássio Santiago Performer e ator, é diretor artístico da Cia. Teatral Ueinzz. Criou e dirigiu
Finnegans Ueinzz (2009), apresentado no Baltic Circle International Theatre Festival, em
Helsinque. Atuou no Grupo K, Companhia de Ópera Seca e Manufactura Suspeita.
Dora Longo Bahia Artista, é mestre e doutora em poéticas visuais pela ECA-USP e professora de
artes plásticas da FAAP. Esteve na 6ª Bienal de Havana (1997), na 28ª Bienal de São Paulo
(2008) e em individuais em São Paulo, Rio de Janeiro, Tijuana e San Diego.
Fernando Limberger Artista visual e paisagista, foi um dos articuladores do projeto Arte
Construtora, que criou intervenções em espaços públicos abandonados em São Paulo, Rio e
Porto Alegre nos anos 90. Esteve na coletiva Ecológicas (MAM_SP, 2010).
Fernando Oliva Docente da faculdade de Artes Plásticas da FAAP, é mestrando no Programa de
Mestrado das Faculdades Santa Marcelina e editor do Caderno SESC_Videobrasil 6. Foi diretor
de curadoria do CCSP e gerente de projetos do Paço das Artes e MIS-SP.
Flavia Vivacqua É artista, educadora, pesquisadora e produtora. Sua agência Nexo Cultural
desenvolve projetos que articulam arte, cultura e sustentabilidade.
Kiara Terra Atriz e escritora, conta histórias profissionalmente desde 1998. A partir de suas
pesquisas e experimentações, desenvolveu uma técnica de improviso que chama de A História
Aberta.
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Luiz Guilherme Vergara Mestre em Artes e Instalações Ambientais e doutor pelo programa de
Arte e Educação no Departamento de Arte da Universidade de Nova York. Foi diretor do MAC
Niterói e desenvolveu uma série de projetos de curadoria educativa no Brasil.
Monica Nador Pintora, é mestre em Artes pela ECA-USP. Dedicou a maior parte da última década
a projetos de arte e educação em bairros pobres de São Paulo. Fundou o JAMAC – Jardim
Miriam Arte Clube, ateliê aberto à população do bairro. Em 2010, retoma a pintura de ateliê e abre
individual na Pinacoteca do Estado.
Rainer Rappmann Formado em arte e filosofia, fundou o braço editorial da Universidade Livre
Internacional (FIU), na Alemanha, pelo qual publicou parte da obra escrita de Joseph Beuys. Foi
um dos criadores do Grêmio para o Desenvolvimento do Conceito Ampliado de Arte e da Plástica
Social, que atua na Alemanha.
Rubens Espírito Santo Artista e pensador, trabalha na confluência dos campos de política
educacional, artes visuais e filosofia. Criou as Cabanas de Arte e a Universidade Livre de Arte -
Atelier do Centro, coletivos de produção plástica e formação de jovens artistas. É discípulo do
astrofísico e pensador alemão Christopher Kotanyi.
Valquíria Prates Educadora, escritora, curadora, é mestre em educação e doutoranda na área de
ação cultural e mediação pela ECA-USP. Desenvolve projetos de curadoria em arte e literatura e
atua como consultora junto a museus, instituições culturais e escolas.
Volker Harlan Com formação em arte, biologia e teologia, é um estudioso da filosofia da estética e
da natureza, e em particular da teoria da escultura social de Joseph Beuys, de quem foi
colaborador. É autor do livro O que é arte? Conversas com Joseph Beuys (1986).
Yiftah Pelled Artista, é mestre em performance e doutorando em Poéticas Visuais na ECA-USP.
Explora estratégias que incentivam o público à participação em obras nas quais se serve de
linguagens artísticas diversas.
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Agenda
16 de setembro (quinta-feira)
14h-18h | Aula aberta | Joseph Beuys: arte, filosofia e ativismo social
Com Antonio D’Avossa
18 de setembro (sábado)
10h | Cerimônia de plantio de árvores e abertura das atividades do programa educativo –
Universidade Livre Internacional em São Paulo
11h-18h | Seminário Internacional Joseph Beuys – A revolução somos nós
Mesa 1: Revolução, Arte e nós
11h-13h Antonio D’Avossa,
14h-15h30 Volker Harlan
16h- 17h30 Rainer Rappman
2 de outubro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com: Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
14h-16h30 | Arte em família | A História Aberta - Era uma, duas, três vezes: Beuys!
Com Kiara Terra
6 de outubro (quarta-feira)
19h-21h30 | Aula aberta | Desenho cultural e sustentabilidade: processos de trabalho para a
transformação
Com Flavia Vivacqua
13 de outubro (quarta-feira)
19h-22h | Minicurso | Escultura, suporte e material – reflexões práticas sobre a transcendência
Com Ayrson Heráclito
14 de outubro (quinta -feira)
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19h-22h | Minicurso | Escultura, suporte e material – reflexões práticas sobre a transcendência
Com Ayrson Heráclito
15 de outubro (sexta-feira)
19h-22h | Minicurso | Escultura, suporte e material – reflexões práticas sobre a transcendência
Com Ayrson Heráclito
16 de outubro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
15h-18h | Seminário Internacional Joseph Beuys – A revolução somos nós
Mesa 2 | Plástica Social como forma de esculpir o mundo
Com Ayrson Heráclito, Cássio Santiago e Rubens Espírito Santo
19 de outubro (terça-feira)
19h-21h30 | Aula aberta | Arte e política: relações possíveis na arte contemporânea
Com Fernando Oliva
21 de outubro (quinta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Todo homem é um artista – voz e corpo como matéria na criação e
expressão cênicas
Com Cassio Santiago
22 de outubro (sexta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Joseph Beuys hoje: reflexões sobre arte, educação e ativismo
Com Rubens Espírito Santo
23 de outubro (sábado)
14h-16h30 | Arte em família | A História Aberta - Era uma, duas, três vezes: Beuys!
Com Kiara Terra
26 de outubro (terça-feira)
16
19h-21h | Conversas com arte | Versão para surdos com intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira
de Sinais)
28 de outubro (quinta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Todo homem é um artista – voz e corpo como matéria na criação e
expressão cênicas
Com Cassio Santiago
29 de outubro (sexta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Joseph Beuys hoje: reflexões sobre arte, educação e ativismo
Com Rubens Espírito Santo
30 de outubro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
4 de novembro (quinta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Todo homem é um artista – voz e corpo como matéria na criação e
expressão cênicas
Com Cassio Santiago
5 de novembro (sexta-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Joseph Beuys hoje: reflexões sobre arte, educação e ativismo
Com Rubens Espírito Santo
6 de novembro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
9 de novembro (terça-feira)
19h-21h | Conversas com arte | Versão para surdos com intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira
de Sinais)
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9 de novembro (terça-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Ação, performance e registro na arte contemporânea
Com Yiftah Pelled
10 de novembro (quarta-feira)
19h-21h30 | Aula aberta | Escultura viva: ateliê aberto de arte e paisagismo
Com Fernando Limberger
13 de novembro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
14h-16h30 | Arte em família | A História Aberta - Era uma, duas, três vezes: Beuys!
Com Kiara Terra
16 de novembro (terça-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Ação, performance e registro na arte contemporânea
Com Yiftah Pelled
20 de novembro (sábado)
10h-12h | Encontros para professores | A prática docente de Joseph Beuys – reflexões e
desdobramentos para ações de formação e artes na escola
Com Carolina Velasquez, Simone Donatelli e Valquíria Prates
14h-16h30 | Arte em família | O homem que planta esculturas: ateliê aberto de arte, jardinagem e
paisagismo
Com Fernando Limberger
23 de novembro (terça-feira)
19h-21h30 | Minicurso | Ação, performance e registro na arte contemporânea
Com Yiftah Pelled
23 de novembro (terça-feira)
18
19h-21h | Conversas com arte | Versão para surdos com intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira
de Sinais)
27 de novembro (sábado)
15h-18h | Seminário Internacional Joseph Beuys – A revolução somos nós
Mesa 3: Todo homem é um artista
Com Monica Nador, Dora Longo Bahia e Luiz Guilherme Vergara
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TEXTOS DO CATÁLOGO EXPOSIÇÃO A REVOLUÇÃO SOMOS NÓS
REALIZAÇÃO: SESC-VIDEOBRASIL
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Conclamação à Alternativa1
Joseph Beuys
Esta Conclamação se dirige a todas as pessoas da esfera da cultura e da civilização
europeias. TRATA-SE DA ARRANCADA RUMO A UM NOVO FUTURO SOCIAL. Como é
possível atingir esse objetivo? É preciso surgir, na Europa, um movimento que, com seu ímpeto
renovador, remova os muros entre Oriente e Ocidente, e supere o abismo entre Norte e Sul.
Já seria um começo se, digamos, as pessoas da Europa Central se decidissem a agir na
linha de pensamento desta Conclamação. Se começássemos ainda hoje, na EUROPA
CENTRAL, a palmilhar em cada um de nossos países e sociedades um caminho de convivência e
cooperação à altura das exigências do nosso tempo, isso teria forte repercussão em todos os
outros lugares do mundo.
Mas é preciso alertar contra uma mudança irrefletida. Diante da questão: O QUE
PODEMOS FAZER?, temos de nos perguntar COMO DEVEMOS PENSAR?, a fim de evitar que o
discurso dos mais altos ideais da humanidade, proclamado atualmente por todos os programas
partidários, continue a se reproduzir como expressão do contraste crasso com a vida prática da
realidade econômica, política e cultural em todo o mundo.
Comecemos pela REFLEXÃO DE CADA UM SOBRE SI MESMO. Perguntemo-nos sobre
as razões que nos dão ensejo de abandonar o que seguimos até agora. Procuremos as ideias
que nos indicam a direção a tomar nessa mudança de rumo.
Repassemos a evolução da vida social e política no século XX.
Reexaminemos os conceitos segundo os quais se estabeleceram as condições reais no
Oriente e no Ocidente.
Reflitamos sobre o efeito desses conceitos: terão eles incentivado nosso organismo social
e seu relacionamento com as bases naturais, propiciando o surgimento de uma existência
saudável – ou, pelo contrário, não terão tornado a humanidade doente, não lhe terão aberto
feridas, não lhe terão trazido desgraças, colocando em questão sua própria sobrevivência, hoje?
Aprofundemos nossa reflexão observando cuidadosamente nossas próprias necessidades:
estarão os princípios do capitalismo ocidental e do comunismo oriental abertos para receber o
que vai se revelando cada vez mais claramente, a partir da evolução dos últimos tempos, como o
impulso central na alma da humanidade, ou seja, a vontade de autorresponsabilidade concreta?
1 Publicado originalmente no jornal diário Frankfurter Rundschau, em 23 de dezembro de 1978, e reimpresso em junho de 1979, na primeira eleição para o Parlamento Europeu, ao qual Beuys se candidatou pela Outra Associação Política Os Verdes (Sonstige Politische Vereinigung Die Grünen). Traduzido pela primeira vez para o português em 1979, para cartaz que integrava a participação de Beuys na 15ª Bienal de São Paulo, com o título Conclamação para uma alternativa global. A tradução desta versão é de Gilberto Calcagnotto.
3
Em outros termos, trata-se de um impulso que leva o ser humano a emancipar-se das relações
sociais pautadas unicamente por mando e submissão, poder e privilégio.
Durante muitos anos, dedicamo-nos pacientemente a essas questões. Sem a ajuda de
muitas outras pessoas que encontramos durante nossas pesquisas e experiências, certamente
não teríamos chegado às respostas expressas nesta Conclamação. Portanto, não comunicamos
apenas “nossa opinião”, mas algo que também é reconhecido por muitos.
Entretanto, para conseguirmos fazer a reversão necessária, é preciso ampliar o número de
pessoas que compreendem o assunto. Esta Conclamação terá atingido sua finalidade quando
tivermos conseguido condensar o que está proposto aqui em termos políticos e organizacionais,
para finalmente colocá-la em prática, por meio de AÇÕES PARLAMENTARES E
EXTRAPARLAMENTARES COORDENADAS.
Portanto: REVOLUÇÃO NÃO VIOLENTA POR UMA ALTERNATIVA EVOLUCIONÁRIA
ORIENTADA PARA UMA ABERTURA AO FUTURO.
Sintomas da crise
Pode-se dar por conhecidos os problemas que, por muitas razões, levam-nos a rejeitar as
estruturas estabelecidas. É suficiente recapitular os fatores mais graves do problema em seu
conjunto.
A ameaça militar
Mesmo que não haja intenção de conflito por parte das superpotências, persiste o perigo
da aniquilação total do mundo pela energia atômica. A tecnologia bélica e a natureza dos
arsenais acumulados em volumes absurdos já não permitem um controle seguro do aparato total,
atualmente impossível de ser totalmente contabilizado. Por trás dos bastidores das assim
chamadas negociações de desarmamento, a encarniçada corrida armamentista torna-se cada vez
mais acirrada, muito embora o arsenal acumulado já seja suficiente para exterminar a Terra cem
vezes.
Essa loucura coletiva tem por consequência um gigantesco desgaste de energia e de
matérias-primas, assim como um enorme desperdício das aptidões criativas de milhões de
pessoas.
A crise ecológica
Nosso relacionamento com a natureza está marcado por um profundo transtorno. Existe a
ameaça da destruição total da base natural sobre a qual repousa nossa existência. Estamos no
melhor caminho rumo à aniquilação desta base, ao seguirmos um sistema econômico baseado na 4
exploração desenfreada dessa base natural. É preciso dizer claramente que, nesse ponto, o
sistema econômico capitalista privado que reina no Ocidente não se distingue fundamentalmente
do sistema de capitalismo estatal instalado no Oriente. A aniquilação está acontecendo no mundo
inteiro. A via de mão única da civilização industrial moderna estende-se desde o polo da
mineração até o dos depósitos de lixo. Cada vez mais, os ciclos de vida do sistema ecológico são
sacrificados em nome do seu crescimento e expansão.
A crise econômica
Esta crise se revela em toda uma série de sintomas que a cada dia enchem as páginas dos
jornais e alimentam os programas de notícias. Greves de empregados e greves patronais,
desempregados aos milhões em todo o mundo impedidos de aplicarem suas aptidões em
benefício da comunidade. A fim de evitar o abate da vaca sagrada – leia-se, as “leis do mercado”
–, aniquilam-se, sem pestanejar, volumes gigantescos de alimentos preciosos, acumulados em
decorrência de uma superprodução subvencionada, enquanto milhares de pessoas morrem de
fome diariamente em outras partes do mundo.
Não se trata de produzir para as necessidades do consumidor. Trata-se, isto sim, de uma
maneira habilmente disfarçada de exaurir os bens.
Este modo de lidar com a economia entrega a humanidade, de maneira cada vez
sistemática, ao poder de uma súcia de grandes conglomerados multinacionais que, juntamente
com os funcionários de ponta dos monopólios estatais comunistas, decidem o destino de todos
nós na mesa de conferências.
Deixemos de lado uma caracterização mais completa do que nos é contínua e livremente
entregue em domicílio sob a denominação de “crise monetária”, “crise da democracia”, “crise da
educação”, “crise energética”, “crise de legitimação estatal” etc. Vamos concluir com uma
apresentação sucinta sobre a:
Crise da consciência e do sentido da vida
A maioria das pessoas sente-se entregue, sem proteção alguma, à força das
circunstâncias. Esse sentimento as leva à perda de sua interioridade. Em meio a esses processos
destrutivos aos quais estão sujeitas, em meio a esse novelo inescrutável que é o poder estatal e
econômico, e ante as manobras diversionistas de uma indústria banal do prazer, elas já não
conseguem ver sentido na vida.
São principalmente os jovens que caem no alcoolismo e na dependência das drogas,
cometem suicídio. Centenas de milhares de pessoas tornam-se vítimas de fanáticos camuflados
de religiosos. A fuga da realidade está em voga. O outro lado da moeda desta perda de
5
identidade pessoal é o lema “Depois de mim – o dilúvio”. Ou seja: vive-se o princípio do prazer
puro e simples, sem considerar os prejuízos. Trata-se de conformar-se, pura e simplesmente,
apenas para buscar, pelo menos para si mesmo, o máximo possível enquanto a vida durar – sem
se dar conta do nome contra o qual o título da dívida foi emitido.
São títulos emitidos contra o meio ambiente, contra o nosso meio social e contra a nossa
posteridade. Eles é que terão de pagar a conta. Está na hora de substituir os sistemas de
“irresponsabilidade organizada” (Bahro)2 por uma alternativa de conciliação e de solidariedade.
Causa da crise
Em seu cerne, toda esta miséria tem como causa propriamente dita dois elementos
estruturais das ordens societárias que vieram a dominar o século XX: O DINHEIRO E O
ESTADO, ou os papéis atribuídos ao dinheiro e ao Estado nesses sistemas. Ambos tornaram-se
instrumentos de poder decisivos. AQUELE QUE TEM NAS MÃOS O DINHEIRO E/OU O
ESTADO DETÉM O PODER. O fundamento desse sistema, no capitalismo, é o conceito de
dinheiro; e, no comunismo, tal como o conhecemos até o momento, é o conceito totalitarista de
Estado.
Nesse meio tempo, ocorreu uma assimilação recíproca de ambos os conceitos nos eventos
concretos das realidades estabelecidas, tanto no lado ocidental como no oriental. No lado
ocidental, avança a tendência expansionista da função estatal, enquanto no oriental foram
introduzidos fatores ligados ao mecanismo do dinheiro tal como desenvolvido pelo capitalismo.
Embora existam diferenças claras – no que se refere aos direitos humanos, por exemplo – entre o
capitalismo ocidental e o oriental, não deixa de ser verdade que ambos os sistemas, em medida
crescente, tendem à destrutividade e, com sua posição de poder em contradição recíproca,
representam uma ameaça extrema ao futuro da humanidade. Eis por que é hora de “serem
substituídos por um novo princípio”, já que ambos estão “no fim” (Gruhl).3
Também em nosso país isso não será possível sem uma mudança constitucional.
Entrementes, o testemunho de fidelidade à Lei Fundamental da República Federal da
Alemanha adquiriu uma feição verdadeiramente neurótica, tornando-nos cegos à necessidade de
prosseguir desenvolvendo seus princípios e incapazes de fazê-lo.
Por que motivo uma sociedade que já atingiu certo nível de desenvolvimento democrático
não pode debater da maneira mais franca possível o seu necessário desenvolvimento ulterior?
Muitos já sentem medo de cair na suspeita de serem inimigos da Constituição. Com isso, negam
2 Rudolf Bahro: teórico alemão oriental da Alternativa e dos Verdes. 3 Herbert Gruhl, membro do grupo democrata-cristão e dos Verdes, publicou o best-seller Ein Planet wird geplündert (A pilhagem de um planeta) em 1975.
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a si mesmos pensamentos criativos para ampliar o alcance de conceitos de direito já
estabelecidos, quando o progresso da consciência o exige. E ele exige isso. Conclusão: O
CAPITALISMO E O COMUNISMO LEVARAM A HUMANIDADE A UM BECO SEM SAÍDA.
Apesar de irrefutável, e apesar de sua crescente difusão, esta constatação permanece inútil
enquanto não forem elaborados modelos racionais de solução, isto é, ideias capazes de gerar
perspectivas livres, democráticas, solidárias em relação às pessoas e à natureza, e sustentadas
por uma visão responsável em relação ao futuro global. Estes modelos já estão elaborados. A
seguir, iremos expor um deles.
A saída
Wilhelm Schmundt reivindica, como condição central para uma alternativa bem
argumentada, que os conceitos sejam pensados “na direção certa”. Eugen Löbl, teórico da
economia da Primavera de Praga, é da mesma opinião quando fala de uma inadiável
“REVOLUÇÃO DOS CONCEITOS”. Schmundt intitulou um de seus livros Revolução e evolução.
O que ele quer dizer com isso é o seguinte: somente depois de termos revisto as conexões
fundamentais do organismo social e, com isso, realizado a “revolução dos conceitos”, é que o
caminho para uma evolução sem coerção e sem arbitrariedades estará livre. Infelizmente, porém,
persiste, de várias maneiras, e justamente nos meios de orientação política alternativa, a opinião
de que os conceitos não são decisivos. Se desejamos realmente que o novo movimento social
seja difundido e tenha força política, precisamos superar esse preconceito infundado. Pois os
conceitos sempre se ligam a uma prática relevante; e o modo de pensar um tema é decisivo na
maneira como lidamos com ele. Antes de tudo, vem a compreensão de uma matéria; se ela é
entendida e como. Ao projetarmos uma alternativa, isto é, a alternativa de um TERCEIRO
CAMINHO – à qual o Partido Comunista Italiano se referiu, de forma positiva, antes de todos os
outros –, tomamos como ponto de partida a pessoa humana. O ser humano é o escultor da
PLÁSTICA SOCIAL; é segundo sua medida e sua vontade que o organismo social deve ser
moldado.
Em consonância com o sentimento da dignidade humana, a humanidade hoje reconhece
três necessidades fundamentais como prioritárias:
1. O ser humano quer desenvolver LIVREMENTE suas aptidões e sua personalidade, e quer
poder aplicá-las LIVREMENTE, em conjunto com as aptidões de outras pessoas, para
alcançar um objetivo reconhecidamente DOTADO DE SENTIDO.
2. O ser humano considera qualquer espécie de privilégio como uma violação insuportável da
igualdade democrática de direitos. Ele tem necessidade de ser considerado IGUAL ENTRE
IGUAIS no que toca a todos os direitos e deveres – seja no contexto econômico, social,
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político ou cultural –, e a poder participar de decisões em negociações democráticas de
todos os níveis, em todos os âmbitos da sociedade.
3. Ele deseja OFERECER SOLIDARIEDADE E REIVINDICAR SOLIDARIEDADE. É
possível que alguém duvide de que isso se trata de uma necessidade fundamental do ser
humano atual, pois o egoísmo é o fator largamente dominante no comportamento dos
indivíduos.
Um exame consciencioso, entretanto, revela algo diferente. É bem possível que o egoísmo
ainda esteja em primeiro plano e determine o comportamento. Mas ele não constitui uma
necessidade, um ideal almejado. É um instinto que reina e domina. O que se deseja, na
verdade, é a AJUDA MÚTUA, PRESTADA DE MANEIRA ESPONTÂNEA.
Se este impulso solidário é tomado como o ideal humano e humanitário, a tarefa que se
impõe é a de remodelar as estruturas sociais que hoje ativam o instinto egoísta, de tal
modo que elas parem de se opor às ambições interiores da pessoa. [O primeiro a tentar
mobilizar a opinião pública sobre a necessidade de uma remodelagem nesse sentido foi
Rudolf Steiner, no período de 1917 a 1922. “Liberdade na vida espiritual, igualdade na vida
legal e fraternidade na vida econômica” era seu lema na época, para tentar deter a divisão
da Europa nos blocos capitalista e comunista. Quais não foram as consequências do
insucesso dessa tentativa! Se hoje se reivindica com crescente premência a adoção de
uma alternativa nesse sentido, as afirmações que se seguem representam um fundamento
sólido para essa mudança social necessária.]4
I. O “sistema integral”, novo conceito de trabalho, novo conceito de renda
Na sociedade industrial baseada na divisão do trabalho, segundo Eugen Löbl, a VIDA
ECONÔMICA evoluiu ao ponto de transformar-se num “SISTEMA INTEGRAL”. Isto significa que,
para poder trabalhar, as pessoas deixam a esfera privada, seus domicílios, e acorrem aos locais
associados à produção. Os produtos do trabalho já não são levados ao mercado por indivíduos
ou corporações para ser negociados numa economia de trocas; essas trocas dependem do
funcionamento conjunto de procedimentos complexos. No âmbito da ECONOMIA MUNDIAL, o
produto final de cada um é resultado da atividade comum de todos. Todas as atividades, inclusive
da educação, da ciência, dos bancos, da administração pública, dos parlamentos, da mídia etc.,
estão integradas neste todo.
Dois processos formam a estrutura básica desse tipo de economia: o fluxo dos VALORES
DAS APTIDÕES aplicadas ao trabalho; e o fluxo dos VALORES DE CONSUMO, espirituais ou
4 Trecho inserido na reimpressão do documento original, em 1979.
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físicos. Nesse sentido, os meios técnicos de produção devem ser considerados como os recursos
mais altamente desenvolvidos.
No sistema integral, todo trabalho é, por princípio, TRABALHO PARA O OUTRO. Ou seja:
cada pessoa que está em atividade em determinado local dá sua contribuição para produzir um
valor que, no final, será consumido por alguns de seus pares. O trabalho de uma pessoa não está
mais ligado ao seu próprio consumo. E há outro aspecto de grande importância e longo alcance:
o caráter de sistema integral já não permite considerar a renda das pessoas economicamente
ativas como valor de troca para as contribuições que prestam. Aqui já não pode haver um padrão
objetivo para aferir a parte de contribuição que cabe a cada indivíduo na produção de
determinado valor de consumo. Tampouco é possível medir a participação objetiva de uma
empresa no produto total.
Se tomarmos conhecimento dessa realidade, em vez de a ignorarmos por este ou aquele
interesse ou desinteresse, poderemos constatar que, com a transição da economia de trocas (e
também da economia de trocas em dinheiro) para a ECONOMIA INTEGRAL, há uma mudança
fundamental na relação entre trabalho e renda.
Se usássemos apenas essas constatações para inferir as consequências que se oferecem,
o resultado seria uma transformação radical da situação econômica atual. A renda que as
pessoas necessitam para seu sustento e desenvolvimento deixaria de ser um valor derivado para
se tornar um direito originário, um direito humano, que deverá ser garantido para que se criem as
condições necessárias à atuação responsável de cada um, autocomprometida e comprometida
com seu círculo de colaboradores.
O acordo democrático, com padrões pautados pelo princípio da necessidade, é a diretriz
estruturante adequada dessa concepção de renda como direito humano elementar. A medida e o
tipo de trabalho também são questões a serem tratadas e reguladas pela comunidade
democrática em geral e pelos coletivos de trabalho em particular, segundo a natureza de suas
formas de autogestão.
Todos os constrangimentos, injustiças e frustrações atuais decorrentes do anacronismo
que é o pagamento do trabalho em forma de salário estariam assim superados, tornando
supérflua a existência de sindicatos tanto de trabalhadores como de empregadores. Havendo
diferenças de renda, elas seriam transparentes e desejadas conscientemente. Igualmente
positivas também seriam as consequências sociopsicológicas advindas da superação da
dependência salarial.
Ninguém vende ou compra aptidão e trabalho. No que diz respeito à renda, todas as
pessoas economicamente ativas pertencem à comunidade democrática de cidadãos, com direitos
iguais.
9
II. A mudança funcional do dinheiro
Da mesma forma como a transição para a economia integral trouxe uma profunda
mudança à essência do trabalho, também os processos referentes ao dinheiro passaram por uma
metamorfose. Entretanto, assim como os conceitos da economia de troca permaneceram
inalterados, no que toca à regulação das relações de trabalho e renda, eles continuaram
determinantes também para o sistema pecuniário. Impediu-se, desse modo, que o dinheiro fosse
integrado ao organismo social como fator ordenador.
Esse fato forneceu motivos para que se passasse a analisar o dinheiro sob aspectos
psicológicos, sociológicos, teórico-econômicos e outros. Mas de pouco adiantaram essas
análises. O poder do dinheiro permaneceu intato. Por quê? Porque não mudamos o conceito de
dinheiro no momento em que, sob o ponto de vista da história do desenvolvimento, isso deveria
ter ocorrido!
O que nos fez ignorar, até hoje, a mudança de função do dinheiro? Esta mudança teve
início com a entrada dos bancos centrais no moderno desenvolvimento pecuniário. O dinheiro
saiu da esfera dos valores econômicos, na qual servia de instrumento universal de troca. Com o
novo tipo de emissão de moedas e de condução do dinheiro por um banco central, formou-se no
organismo social um sistema de circulação que trouxe para o todo social uma nova forma de
existência, mais complexa, num processo semelhante ao do “passo adiante” da evolução na
biosfera, com a transição de um organismo inferior a um superior. O dinheiro constituiu um novo
sistema funcional e tornou-se o REGULADOR DE DIREITO para todos os processos, tanto
criativos quanto de consumo.
Do lado da produção, as empresas necessitam de dinheiro para realizar suas tarefas, e o
recebem do sistema bancário em forma de crédito (os juros, hoje atrelados ao conceito de crédito,
decorrem de uma compreensão do dinheiro que é avessa à sua essência, e que continua a
considerá-lo como valor econômico).
Por isso, na mão do empresário, o dinheiro (= CAPITAL PRODUTIVO) constitui um
documento jurídico, que OBRIGA as empresas a aproveitar as aptidões de seus colaboradores no
trabalho.
Ao chegar às mãos das pessoas economicamente ativas, e tornar-se a renda da qual têm
o direito de dispor, o dinheiro altera seu significado de direito. Na condição de CAPITAL PARA
CONSUMO, ele dá aos consumidores o DIREITO de adquirir valores e bens.
Desse modo, o dinheiro volta ao âmbito da produção, onde seu significado muda pela
última vez. Nesse momento, torna-se DINHEIRO SEM RELAÇÃO COM UM VALOR
ECONÔMICO. Nesta condição, ele não confere nenhum direito à empresa que o recebe. Com 10
este dinheiro, créditos são resgatados e as contas das empresas junto aos bancos credores,
equilibradas. Como muitas organizações de cunho empresarial – como escolas e universidades –
não cobram por seus serviços, as empresas, na medida em que umas forem superavitárias, e
outras, deficitárias, têm de fazer seus acertos de contas com a mediação de bancos associados.
Elevado ao nível da evolução que a sociedade alcançou, este conceito de dinheiro passa a
ter consequências impactantes. Ele resolve o problema do poder, na medida em que este tem
origem pecuniária. Por não ter compreendido como a ordem do dinheiro deixou de fazer parte da
vida econômica, tendo se tornado um sistema funcional autônomo no âmbito do direito, a
sociedade acabou por manter inalterada a concepção romana de propriedade. Assim, as
categorias de “lucro” e “perda” puderam se impor; e a apropriação sem limites de tudo o que
estivesse no contexto da produção permaneceu legal.
Contudo, bastaria simplesmente reconhecer a transformação semântica pela qual passou o
conceito de dinheiro para que, sem nenhuma medida estatal burocrática ou acrobacia fiscal, tanto
o princípio de propriedade quanto o princípio de lucro fossem abolidos da área da produção.
E o que acontece com os negócios na Bolsa de Valores, com a especulação fundiária, a
usura nos juros, a inflação? Tudo isso desaparece, assim como a chaga do desemprego. O
mundo das ações se esvai da noite para o dia, sem que tenha sido preciso parar uma única roda
da engrenagem. E os acionistas, os especuladores, os latifundiários? Será que eles levarão suas
sagradas riquezas ao altar da nova época que desponta, em oferenda à humanidade? Veremos.
De todo modo, cada um encontrará seu lugar na vida social, um lugar onde poderá aplicar suas
aptidões em benefício do todo, de forma livre, produtiva e plena de sentido. Em relação ao
consumo, a produção se orientará pelas necessidades dos consumidores. Não haverá interesse
de lucro ou propriedade que venha a inibir ou desviar do caminho que leva a esse objetivo
econômico, o único adequado à realidade. A fraternidade concretizada de maneira elementar pelo
sistema integral – “O trabalho tornou-se, por princípio, trabalho para os outros” – pode ser
desenvolvida sem restrições.
A questão ecológica também torna-se objeto de uma nova visão. Graças à eficácia dos
conceitos transformados, a ecologia econômica torna-se natural no momento em que uma ciência
livre, uma pedagogia livre e uma informação livre passem a pesquisar e difundir as leis do ser
vivo, esclarecendo sua significação para o ser humano.
III. A forma de liberdade do organismo social
Seria até concebível encarregar o Estado de conduzir o desenvolvimento da sociedade, se
isso não estivesse em radical contradição com o impulso libertário e a promoção da
autodeterminação e da autogestão (descentralização). Eis por que a última pergunta importante,
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no contexto da alternativa evolucionária do Terceiro Caminho – ou seja: Como uma sociedade,
livre de constrangimentos ou coerções, poderá encontrar seu rumo de desenvolvimento a partir
das necessidades humanas e da natureza? – só pode ser respondida com a descrição da “forma
de liberdade do organismo social” (Schmundt). Liberdade é, por um lado, um impulso individual
para exercer uma ação por motivos autodeterminados. Por outro, uma ação autodeterminada só é
livre quando exercida com base na “compreensão das condições de vida do todo” (Rudolf
Steiner). Isto significa que, diante da complexidade do conjunto de nossa produção, baseada na
divisão do trabalho, é muito difícil para um indivíduo ou empresa encontrar, cada qual por si, as
melhores maneiras de produzir algo voltado para as necessidades do outro. Por isso é necessário
inserir no corpo da sociedade um novo sistema de funcionamento, baseado em GRÊMIOS
CURADORES E CONSULTORES, um autêntico sistema de consultoria como fonte permanente
de inspiração.
Para um coletivo de trabalho, a melhor maneira possível de obter informações sobre
condições, conexões e efeitos de sua ação é convocar um grêmio curador, no qual a direção da
empresa estará democraticamente autorizada a discutir suas tarefas, objetivos e processos de
desenvolvimento, nos aspectos mais abrangentes possíveis, com dirigentes de outras empresas,
bancos, institutos de pesquisa científica e representantes dos consumidores aos quais se destina
o produto da empresa. As decisões deverão ser tomadas pelos responsáveis pela empresa; mas,
graças à assessoria dos grêmios curadores, elas serão fundamentadas em juízos objetivos, os
mais adequados possíveis. O que vale para a estrutura básica de cada empresa livre também
tem um papel nas relações entre os coletivos de trabalho. A superação da contradição entre
“empregador” e “empregado” abre espaço para uma forma social na qual estão entretecidos
processos de ASSESSORIA LIVRE, NEGOCIAÇÕES DEMOCRÁTICAS e, por fim, AÇÕES
CONJUNTAS em favor do ambiente social. Todos têm o direito de livre iniciativa empresarial, pois
a pessoa humana é, por natureza, dotada de iniciativa. É preciso que o diretor da empresa tenha
a capacidade de convocar colaboradores de acordo com suas habilidades técnicas e
conhecimentos objetivos. Mas esta função não pode dar a eles privilégios materiais ou qualquer
outra forma de poder que não seja legitimada democraticamente.
Na visão básica de um Terceiro Caminho, em uma economia e uma cultura
autogerenciadas, o LIVRE EMPRESARIADO constitui a unidade democrática fundamental da
NOVA SOCIEDADE DO SOCIALISMO REAL, pós-capitalista e pós-comunista.5 A legislação
estatal, o governo e a administração pública ficam limitados à função de decidir os direitos e
deveres democráticos válidos para todos – e de impor sua obrigatoriedade.
5 Beuys se refere ao sistema político da antiga República Democrática Alemã, denominado socialismo real.
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O Estado encolherá consideravelmente. Veremos o que resta.
Instrumentos da mudança
O que podemos fazer agora para implementar a alternativa
Quem enxerga essa visão da alternativa evolucionária tem uma compreensão básica clara
da PLÁSTICA SOCIAL, de cuja moldagem o SER HUMANO PARTICIPA, COMO ARTISTA.
Fracassará quem defende a necessidade da mudança, mas queima a etapa da “revolução dos
conceitos” para combater apenas as materializações exteriores das ideologias. Ou se resignará,
ou se contentará com reformas, ou acabará no beco sem saída do terrorismo – três formas
diferentes de um mesmo triunfo da estratégia do sistema. A última pergunta que se coloca para
quem quer alcançar realmente o objetivo de uma remodelagem que comece nos fundamentos é:
O QUE PODEMOS FAZER? Precisamos ter claro que só existe um caminho para transformar as
estruturas estabelecidas, mas que esse caminho exige um espectro amplo de medidas.
O único caminho é o da TRANSFORMAÇÃO SEM VIOLÊNCIA, e não por considerarmos a
violência apenas momentaneamente impossível ou, por algum motivo, inviável. Não. Não
violência, sim, mas em virtude de princípios humanos, espirituais e morais, assim como de
motivos políticos e sociais.
Por um lado, a dignidade humana está indissoluvelmente ligada à inviolabilidade da
pessoa. Quem ferir este princípio estará abandonando a esfera da humanidade. Por outro lado,
os sistemas que precisam ser transformados edificam-se sobre as mais variadas formas
possíveis e imagináveis de violência. Desse modo, qualquer uso de violência será a expressão de
um comportamento que está em conformidade com o sistema; logo, reafirma justamente o que se
pretende destruir. Esta Conclamação quer encorajar a e apelar para que se siga o caminho da
transformação sem violência. Para os que se encontravam passivos até o momento, embora
sentissem mal-estar e insatisfação, o apelo é: TORNEM-SE ATIVOS. Sua ação é, talvez, a única
coisa que poderá reconduzir ao caminho da ação sem violência aqueles que agem flertando com
meios violentos ou deles fazem uso.
Embora constitua o cerne do método de mudança apresentado aqui, a “revolução dos
conceitos” mencionada não precisa, necessariamente, ser o primeiro passo. Aliás, qualquer
pretensão absolutizante é igualmente estranha ao que propomos. Quem tiver energia de analisar
as teorias do marxismo, do liberalismo, da doutrina social cristã até as últimas consequências
verá que os resultados são iguais aos nossos.
Pensar os enfoques históricos até suas últimas consequências é o que se faz necessário
hoje. Onde quer que essa tarefa seja realizada, corajosamente, observa-se como as fronteiras se
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deslocam. Nesse sentido, Bahro está mais próximo de Karl-Hermann Flach e William Born6 do
que estes de seu colega de partido Lambsdorff e dos companheiros que prenderam e
condenaram Bahro.
Universidade Livre Internacional
Está em pleno andamento o processo de remodelagem de conceitos e enfoques teóricos
cristalizados, um processo que deverá conduzir ao GRANDE DIÁLOGO, à comunicação entre as
diversas facções, às trocas interdisciplinares e internacionais entre modelos alternativos de
solução. A UNIVERSIDADE LIVRE INTERNACIONAL se propõe organizar e desenvolver esta
comunicação em caráter permanente.
“Frente aos interesses compactos massivos dos poderosos, só mesmo uma ideia
arrebatadora terá a possibilidade de alcançar a força da ideia do humanismo nos séculos
recentes ou a ideia cristã nos primeiros séculos de nossa era” (Gruhl). Precisamos de um diálogo
permanente e abrangente para ultrapassar os diversos enfoques presentes no novo movimento
social e chegar a essa “ideia arrebatadora”. A UNIVERSIDADE LIVRE INTERNACIONAL,
enquanto lugar de organização desta pesquisa, trabalho e comunicação, visa atingir todos os
grupos e células nos quais as pessoas se reúnem para refletir sobre o futuro de nossa sociedade.
Quanto mais pessoas aderirem a esse trabalho, tanto maiores serão a força e o impacto com os
quais as ideias alternativas haverão de se impor. Por esse motivo, faça-se a conclamação: QUE
SE CRIEM POSTOS DE TRABALHO DA UNIVERSIDADE LIVRE INTERNACIONAL, a
universidade do povo.
Ação Terceiro Caminho
Mas isto, apenas, ainda não basta. É preciso, onde possível, decidirmo-nos por uma
PRÁTICA alternativa de vida e trabalho. Muitos já deram início a esta prática em pequenos
círculos e áreas especiais. A INICIATIVA DE CONSTRUÇÃO AÇÃO TERCEIRO CAMINHO
(associação, fundação, sociedade) constitui uma confederação de empresas econômicas e
culturais alternativas. Apelamos a grupos individuais e empresas que desejem colocar em prática
suas ideias alternativas para fortalecer este projeto.
União para a Nova Democracia
6 Ambos proeminentes políticos do Partido Liberal alemão ocidental.
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Um último aspecto, atual. Talvez o mais importante e decisivo para o caminho da
transformação sem violência: como o NOVO MOVIMENTO SOCIAL poderá alcançar uma
DIMENSÃO POLÍTICA?
Isso coloca, ao menos para as democracias ocidentais, a questão da possibilidade de uma
ação parlamentar. Se trilharmos este caminho, só o faremos da maneira correta se
desenvolvermos um NOVO ESTILO de trabalho e organização política. Somente se nos
exercitarmos neste novo estilo poderemos superar obstáculos como cláusulas de barreira e
similares, que se antepõem a processos alternativos.
Sem dúvida, seria necessário que modelos alternativos de solução fossem apresentados
pelos parlamentos, de maneira compreensível, para o conjunto da opinião pública. Para isso,
porém, é fundamental que os formuladores destes modelos ingressem nos parlamentos. E como
o farão?
Concentrando sua energia numa INICIATIVA ELEITORAL CONJUNTA.
O ponto decisivo para esta tentativa é a compreensão do movimento alternativo em seu
conjunto. Este se compõe de toda uma pletora de correntes, iniciativas, organizações, instituições
etc. Elas só terão uma chance de sucesso se andarem juntas. Uma iniciativa eleitoral conjunta
não significa a existência de organizações partidárias, programas partidários, debates partidários
no estilo antigo. A unidade que se faz necessária só pode ser uma UNIDADE NA
MULTIPLICIDADE.
O movimento composto por iniciativas populares, os movimentos ecológico, pacifista,
feminista, a mudança nos modelos de práticas, o movimento por um socialismo democrático, por
um liberalismo humanista, por um Terceiro Caminho, o movimento antroposófico e as correntes
cristãs-confessionais, o movimento pela cidadania e pelo Terceiro Mundo têm de se reconhecer
como elementos imprescindíveis de um movimento alternativo total. São partes que não se
excluem nem se contradizem mutuamente, mas que se complementam.
A realidade é que existem concepções e iniciativas alternativas de cunho marxista,
católico, protestante, liberal, antroposófico, ecológico etc. Há entre eles uma concordância em
numerosos pontos essenciais. Esta é a base para os pontos comuns na união. Em outros pontos
persiste a não concordância. Esta é a base da liberdade na união.
Uma iniciativa eleitoral conjunta do movimento alternativo em sua totalidade só se tornará
vida real como uma ALIANÇA de muitos grupos autônomos que definem seu relacionamento
mútuo e seu relacionamento com a opinião pública no espírito de TOLERÂNCIA ATIVA. Nossos
parlamentos precisam do espírito libertador e da vida emanados de uma tal união, uma UNIÃO
PELA NOVA DEMOCRACIA.
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Portanto, os veículos estão prontos para entrar no novo rumo. Eles oferecem lugar e
trabalho para todos.
Interessados em obter mais informações e em colaborar nos projetos UNIVERSIDADE
LIVRE INTERNACIONAL, INICIATIVA DE CONSTRUÇÃO AÇÃO TERCEIRO CAMINHO e
UNIÃO PELA NOVA DEMOCRACIA, favor entrar em contato com:
Free International University
8991-Achberg, Tel. 08380 500 ou 471
4000 Düsseldorf 11, Drakeplatz 4
Esta conclamação deve ser amplamente difundida, junto com o maior número possível de
assinaturas. Pedimos a todos os que apoiam as colocações da conclamação e que estão
dispostos a assiná-la que se comuniquem e enviem sua doação (para cobrir os custos da
publicação). Achberger Institut für Sozialforschung / FIU, Postscheckamt München, c/c 287995-
809; Volksbank Wangen i. Allgäu, c/c 35119004.7
7 Nota acrescentada à reimpressão de 1979.
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Joseph Beuys – A revolução somos nós
Antonio d’Avossa
Não tenho nada a ver com a política: conheço somente a arte.
Joseph Beuys
1
Eis o homem que quer transformar a política em arte
“Homem: VOCÊ tem força para a autodeterminação. Queremos mostrar caminhos e
possibilidades para que VOCÊ exerça o seu poder. Um passo importante para vencer ou
modificar o sistema ao qual VOCÊ está submetido é realizar seus direitos fundamentais, na
Democracia Direta, sob forma de plebiscito popular, depois de receber uma informação livre e
objetiva.” Esta declaração, extraída de uma partitura8 do início dos anos 1970, explica a síntese
política e programática de Joseph Beuys, o protagonista de uma arte, uma criação, que é, antes
de tudo, palavra – palavra como articulação do pensamento.
Joseph Beuys ocupa um lugar completamente singular no panorama da história da arte
contemporânea. Com um procedimento inédito, Beuys, antes de mais nada, expandiu os limites
do tradicional conceito restrito de arte. Seu conceito ampliado de arte representa o ponto de
partida e de chegada de uma concepção da criatividade humana que não pode mais ser
circunscrita apenas à arte, mas que inclui dentro de si outras disciplinas, a começar da política e
da economia; e, com estas, todas as problemáticas sociais que demandam uma transformação
real e radical.
Transformar, mudar, melhorar, indicar, moldar, comunicar, por meio da intuição, da ação,
da energia, do pensamento, da solidariedade, da criatividade. Para Joseph Beuys, essas palavras
são ações do pensamento, que concretizam a possibilidade mais alta e profunda de conceber a
8 O termo “partitura” (no alemão, Partituren) era usado por Joseph Beuys, nos anos 1960 e 70, para designar folhas com desenhos e anotações que fazia para traduzir seus pensamentos durante entrevistas ou enquanto projetava ações e intervenções. Para o artista, os projetos relacionados à escultura social eram regidos por um princípio similar ao da música; daí o uso do termo, que em alemão também designa notação musical.
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política como um procedimento criativo, que coloca em primeiro lugar – ou melhor, no centro de
suas práticas –, o próprio homem e sua liberdade.
A partir da segunda metade dos anos 1960, Joseph Beuys pontua sua prática como artista,
professor e homem com a realização de debates e a criação de organizações; sua procura
contínua é no sentido de concretizar a comunicação com outros homens, os indivíduos
privilegiados de um trabalho voltado para o desenvolvimento e para a construção de uma plástica
social.
Em setembro de 1971, hóspede do galerista Lucio Amelio, na pequena ilha de Capri,
Joseph Beuys formulou um dos princípios fundamentais da visão de uma nova arte e, sobretudo,
de um conceito ampliado de arte, que abarca todo o gênero humano. Trata-se de um verdadeiro
manifesto, que proclama a capacidade de autodeterminação do indivíduo e da coletividade para
além de qualquer limite imposto pelos sistemas políticos e sociais.
O surgimento da partitura Die Revolution sind wir (A revolução somos nós), acompanhada
da imagem em que ele aparece vindo em direção a nós, representa, a meu ver, um dos
momentos mais significativos de seu posicionamento como homem e artista. A posição frontal de
seu corpo é afirmativa da intuição, da vontade e do pensamento. O passo é decidido, a passada é
ampla, o olhar é firme e está voltado para nós, como que confirmando a decisão voluntária de dar
ao homem, à sua criatividade, um novo estatuto antropológico.
Para Beuys, as partituras representam um convite a uma ação. São instruções para o
olhar. Seu sentido supera os limites da folha e da palavra; elas apontam direções para encontrar
um caminho para a transformação.
A revolução somos nós representa a síntese política de uma utopia que se anuncia como
caminho e percurso não apenas para Beuys, mas, antes de tudo, para nós.
É a partir desse primeiro esboço italiano que todo o trabalho de Beuys se direciona para
um centro: o homem, e apenas o homem. Um homem não mais concebido como matéria passiva,
mas como matéria ativa, entidade vital, criativa, eticamente empenhada na metamorfose e na
transformação da estrutura social em um organismo gerador de criatividade libertadora.
Beuys diz com clareza que o indivíduo sozinho não pode avançar para um caminho de
autodeterminação. Escreve claramente: somente nós podemos alcançar um percurso que se
anuncia como libertador.
Esse nós juntamente com o você e o eu já estão inscrevendo esse percurso no registro da
Utopia, a tríplice condição que determina qualquer transformação social. O percurso está
indicado, mas cabe a nós colocá-lo em prática – antes de tudo, com os recursos de nossa
criatividade, aquela que todo homem possui: “Todo homem é um artista”.
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Todo homem possui um capital de criatividade, em todos os campos. Este é o único capital
humano verdadeiro. Kunst = Kapital.
A revolução que Beuys anuncia na arte não tem o caráter violento das revoluções
históricas. Certamente ele tem como referência a tríplice fórmula da Revolução Francesa (liberté,
egalité, fraternité); no entanto, afasta-se dela, em uma visão política que se funda no potencial de
criatividade do gênero humano. Exatamente como havia declarado Anacharsis Cloots à
Assembleia Geral, quando, em seu último discurso, falou em nome de toda a humanidade.9
Em uma entrevista concedida em julho de 1972, Joseph Beuys não hesitou em esclarecer
o conceito de revolução que tinha em mente. À pergunta feita por Giancarlo Politi, diretor da
revista Flash Art (n. 168), não hesitou em responder: “G.P.: Em seu Büro der Organisation für
direkte Demokratie durch Volksabstimmung (Escritório pela democracia direta por plebiscito),
aqui na Documenta 5, há uma faixa que diz A revolução somos nós. O que você quer dizer
exatamente? J.B.: Quero dizer que as pessoas poderiam fazer a revolução se usassem seu
próprio poder. Mas elas não estão conscientes do enorme poder que têm, e é por isso que não se
faz nenhuma revolução. É isto que quero dizer com este slogan. Mais uma vez as pessoas têm o
poder de mudar a situação, mas não têm consciência disso. Por isso reputo como meu dever
informá-las do enorme poder que possuem, e vou trabalhar cada vez mais por essa causa.”
Trata-se, como se pode ver, de pensar em uma direção que restitui ao homem a capacidade
criativa da transformação, por meio da informação e da comunicação, pedras fundamentais da
prática artística de Beuys: a escultura social é antes de tudo pensamento, e o pensamento é
escultura social.
Beuys tem naqueles anos, portanto, um interesse capital: superar o conceito tradicional de
arte. Tudo converge para essa superação: suas performances, debates, organizações,
entrevistas e exposições são feitas para construir o Palácio do Homem, o Palácio Real que todo
homem pode habitar. Pois todo homem é um rei e toda mulher, uma rainha, como ele declarou
em sua última entrevista.
E a arte, a produção de objetos? Onde e como se coloca nesse universo político no qual
tanta importância é confiada à palavra? O próprio Beuys esclarece isso em uma afirmação feita
nos mesmos dias do surgimento da partitura A revolução somos nós: “Para se comunicar, o
homem se serve da linguagem, usa gestos, a escrita, picha um muro, pega a máquina de
escrever e extrai letras dela. Em resumo, usa meios. Que meios usar para uma ação política? Eu
escolhi a arte. Fazer arte é, portanto, um meio de trabalhar para o homem, no campo do
9 Revolucionário prussiano eleito para a Convenção Nacional francesa em 1792, no período jacobino da Revolução, sonhava com uma república universal que reunisse todas as nações. Foi guilhotinado em 1794 por decisão de Robespierre, então presidente da Convenção Nacional.
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pensamento. Este é o lado mais importante do meu trabalho. O resto, objetos, desenhos,
performances, vem em segundo lugar. No fundo, não tenho muito a ver com a arte. A arte me
interessa apenas enquanto me dá a possibilidade de dialogar com o homem.”
Mas Joseph Beuys está consciente de que o processo de transformação da política em
arte não pode passar apenas e tão somente pelo seu exercício de artista. Deve envolver,
também, seu exercício como professor na Academia de Düsseldorf. Para concretizar esse
processo de transformação em todos os setores da vida social, são necessárias organizações e
pessoas – alunos, galeristas, editores.
Em 1967, Beuys funda, com Johannes Stüttgen e Bazon Brock, o Deutsche
Studentenpartei (Partido dos Estudantes Alemães), que diz ser “o maior partido do mundo,
porque a maioria de seus membros são os animais”. Em 2 de março de 1970, funda a
Organisation der Nicht Wähler, Freie Volksabstimmung (Organização dos Não Votantes –
Plebiscito Livre). Em 1º de junho de 1971, a Organisation für direkte Demokratie durch
Volksabstimmung (Organização pela Democracia Direta por Plebiscito), que redesenha os
princípios da Revolução Francesa usando os princípios interpretativos de Rudolf Steiner:
liberdade do espírito, igualdade perante a lei e fraternidade na economia.
Mais do que qualquer outra, a organização que concretiza o espírito do pensamento de
Beuys é certamente a FIU. Concebida como Freie Internationale Universität (Universidade Livre
Internacional), ela foi apresentada oficialmente em 23 de abril de 1973, em Düsseldorf, por Beuys,
Klaus Staeck e o escritor Heinrich Böll, que ganhara um prêmio Nobel em 1972. Outras sedes
internacionais seriam abertas em seguida na Irlanda, Inglaterra, Itália e Holanda.
A FIU logo passou a ser parte orgânica de obras e operações históricas. Entre elas,
destaca-se a participação de Beuys na Documenta 6 de Kassel, onde apresentou a obra
Honigpumpe am Arbeitsplatz (Bomba de mel no local de trabalho). A FIU participou ativamente
dos debates durante os cem dias da exposição. Outra performance espetacular de Beuys
coordenada pela FIU aconteceu durante a Documenta 7: o plantio, na cidade, dos famosos 7000
Eichen (7000 carvalhos). O projeto, que funde questões políticas e ambientais, resulta em um dos
exemplos mais acabados da ideia de escultura social; e é, ao mesmo tempo, uma obra
escultórica viva, destinada a durar. Uma obra que, superando a visão tradicional de arte,
anunciava-se ao futuro como a mais grandiosa escultura social já vista na história da arte
contemporânea, da política, da cultura.
Em um famoso discurso pronunciado em 1985 no teatro Münchner Kammerspiele, em
Munique, Joseph Beuys fala da FIU e de sua adesão ao Partido Verde, ao percorrer as fases de
sua intensa obra de transformação da política em arte. “Quando digo que todo homem é um
artista, não estou querendo que acreditem nisso. Relato, simplesmente, o resultado do meu 20
trabalho. Seguindo a lógica, deduzi que, depois da nossa época, deverá acontecer uma mudança
fundamental na consciência humana. Foi o que me levou a fazer experimentos sobre isso e a
passar à ação. Quando já estava na plenitude de minha atividade profissional – e aqui deixo de
lado, de propósito, tudo o que se refere a política, tanto no plano teórico quanto prático, já que
estou cada vez mais convencido de que ela é algo fatal e inútil –, fundei uma sociedade que
propunha a democracia direta, levando em conta vida e morte, vitórias e derrotas, quedas e
renascimentos em nosso país. O vínculo com a democracia, ou seja, com os direitos do homem,
parecia-me demasiadamente unilateral. E, já que o ponto orgânico de partida, isto é, a nascente à
qual me referi ao falar da língua – aquela onde podemos nos refrescar e da qual jorra a
consciência de nosso eu –, constitui, junto com o pensamento e o conhecimento, o elemento mais
importante que existe, achei necessário identificar o polo da liberdade, que deriva da crescente
autoconsciência, em um experimento chamado Universidade Livre Internacional. Mais tarde,
como membro dela, fui um dos fundadores do Die Grünen (Os Verdes), isto é, do partido dos
ecologistas-pacifistas. Esse movimento já mostra que as coisas muitas vezes têm caráter
experimental – como, aliás, devem ter.
Não quero de forma alguma falar dos Verdes ou do que estão fazendo. Repito, apenas,
que o conceito de política torna-se, para mim, cada vez mais impossível. Quanto mais considero
a coisa em sua peculiaridade, mais me convenço de que o homem é o ser criativo por excelência.
Assim, estou trabalhando com o soberano, sobretudo no âmbito de um sistema democrático. O
homem precisa saber que, em sua liberdade e na ação exercida conscientemente, o eu se
reconhece como soberano, como aquele que determina. Assim, o caráter da autodeterminação
faz-se fundamental. Apenas esse impulso é capaz de reestruturar a sociedade.”
A FIU ainda está ativa em suas diversas sedes internacionais.
2
Cartazes e múltiplos
Em 1964, o sociólogo canadense Marshall McLuhan publicou o livro Understanding Media
(Os meios de comunicação como extensões do homem), dando início a uma revolução total em
nossa forma de conceber os meios de comunicação. Dos jornais ao rádio, da publicidade à
fotografia, da palavra falada e escrita à televisão, do telefone à máquina de escrever, o universo
da comunicação, chamado por McLuhan de Galáxia Gutenberg, era alvo de uma reflexão
destinada a mudar para sempre nossa maneira de nos comunicar – e, ao mesmo tempo, nossos
sentidos.
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Na noite de 11 de dezembro de 1964, Joseph Beuys apresentou uma performance
intitulada Das Schweigen von Marcel Duchamp wird überbewertet (O silêncio de Marcel Duchamp
é superestimado). A performance foi transmitida ao vivo pela emissora regional do segundo maior
canal de televisão alemã. Beuys utilizou gordura e feltro diante dos telespectadores, introduzindo,
assim, o uso da palavra como prática criativa e o uso de materiais que comunicam a essência
como substância.
O ruído da palavra foi uma escolha precisa para Joseph Beuys. Aliás, foi a escolha que
antecipou todo seu trabalho futuro. Trata-se de opor a comunicação à anticomunicação; trata-se,
sobretudo, de “abrir bem a boca” para comunicar o conceito ampliado de arte. Surgido justamente
naqueles anos, é o conceito que define a posição de Beuys, única no panorama das
neovanguardas e a mais revolucionária da história da arte contemporânea.
O próprio uso do meio televisivo sugere que a prática incentivada por Beuys subvertia as
regras estáticas das vanguardas. Para superá-las, ele usava um meio humano; mas também se
servia do que era, até ali, o mais avançado meio tecnológico de comunicação entre os homens.
Esse pensamento assume, em suas palavras, um significado sobretudo escultórico: a
escultura social, da qual se declara intérprete, ganha forma e corpo, e se instala na mídia como
ideia superior a qualquer linguagem midiática, para afirmar um conceito de arte totalmente
relacionado com o homem.
“Meu caminho passava pela palavra; por mais que pareça estranho, não provinha do
chamado talento artístico. Quando percebi que a palavra seria também uma via única, então
decidi-me pela arte (…). A arte me levou ao conceito de uma escultura que começa na palavra e
no pensamento; que aprende a construir ideias com a palavra, e a transferir, para as formas, o
sentir e o querer. Se o pensamento não falhar nessa tarefa, se prosseguir inabalável, aparecerão
as imagens que espelham o futuro. As ideias tomarão forma.” Estas palavras, pronunciadas em
Munique um ano antes da morte de Beuys, revelam o projeto de comunicação que era
fundamental em sua obra. Mas também nos revelam que é por meio das palavras que as ideias
tomarão forma, serão transmitidas; e que delas, enfim, “surgirão as imagens”.
Aqui nasce a escultura social, que questiona, de forma radical, o conceito tradicional da
arte. Mas que também coloca como tarefa principal não recorrer unicamente ao emprego de
materiais físicos.
Para Joseph Beuys, o ruído da palavra protagoniza o primeiro meio de comunicação entre
os homens. O ruído não será mais secreto (como também havia sugerido Marcel Duchamp); virá
a público, será exposto, publicado, divulgado. Por meio dele, as ideias tomarão forma, e as
imagens surgirão.
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A arte é multiplicada pelas multidões que a recebem. Ela é um veículo que carrega um
diálogo ininterrupto de ideias e de pensamentos transformadores. Quando Beuys fala da arte
como “a possibilidade de um diálogo com o homem”, em A revolução somos nós, mostra-nos o
ponto ao qual seu percurso consciente havia chegado. Trata-se, na verdade, de superar o
modernismo para alcançar o campo da informação, por meio da palavra e da linguagem.
Às vezes, a informação e o diálogo que ativam a máquina da transmissão e da recepção
só precisam de meios simples, tradicionais, para ser difundidos.
Múltiplos, cartazes e cartões-postais tornam-se, a partir da segunda metade dos anos
1960, um verdadeiro arsenal de propaganda para a escultura social e o conceito ampliado de
arte. Esse arsenal – pacífico –provou-se o maior que um artista já criou.
Todas essas formas de arte são veículos que irão criar um “movimento de informação”,
destinado a transmitir ideias e transportar o pensamento. O arsenal de Beuys é também a maior
metáfora da linguagem, da palavra e da troca que sua obra oferece. A palavra “metáfora” deriva
do grego metaphérein, que significa transportar. “Nenhum meio de comunicação se limita a
carregar a mensagem. Eles também traduzem e transformam a mensagem, o emissor e o
receptor. O uso de qualquer meio, de qualquer extensão do homem, altera os esquemas de
interdependência entre as pessoas, e as relações entre os sentidos”. É essa capacidade e
possibilidade da transformação na relação entre emissor e receptor que interessa a Joseph Beuys
e ocupa grande parte de sua obra.
Na verdade, a citação reproduzida acima, por mais que pareça pertencer ao mestre
alemão, é de Marshall McLuhan. Mas, a meu ver, adapta-se bem ao pensamento por trás da
vehicle art que Joseph Beuys põe em ação com seus editores, galeristas, colaboradores, alunos
na Academia de Belas-Artes de Düsseldorf, intelectuais e fotógrafos. Mas, sobretudo, por meio da
FIU.
É um excepcional material de propaganda que ele usa para veicular suas ideias. E
veiculação significa circulação, como a do sangue nos organismos vivos; significa transporte e,
como todo movimento, gera pontos de vista diferentes; significa transformação, ou seja, provoca
alterações nas substâncias e nos seres, melhora; e, sobretudo, significa distribuição, o que
resulta em uma autêntica revolução na arte. Ela se torna, enfim, democrática e direta.
Foi usando esses meios simples que Joseph Beuys veiculou e transmitiu seu conceito
ampliado de arte e nos deu a possibilidade de construir a escultura social. O conteúdo de seu
arsenal é enorme; eu diria mesmo monumental. É uma forma nova e grandiosa de escultura. Uma
escultura feita de palavras, imagens, símbolos, materiais, substâncias, cores, objetos e
metáforas, que nos remete ao futuro da arte, e não apenas da arte. Sobretudo, que nos leva a
uma nova sensibilidade.
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“Se a publicidade é uma arte ou não, isso depende do que você está anunciando”,
declarou o artista no início dos anos 1970.
Entre 1965 e 1986, Beuys produziu 557 múltiplos. Muitos, em tiragens altíssimas, às vezes
de mil, 5 mil, 10 mil, 12 mil exemplares, e outros em tiragens ilimitadas. É uma fórmula única no
mercado de arte, que é submetido a uma verdadeira avalanche de objetos, fotografias, imagens,
ideias e pensamentos.
Os postais somam cerca de setenta, mais de vinte deles produzidos pela FIU; todos têm
tiragem ilimitada. Como viajam e transportam a ideia do conceito ampliado de arte, são
verdadeiros veículos de propaganda, a menor fórmula – em dimensões e custos – de uma obra
que demanda o intercâmbio entre as pessoas, entre emissor e receptor. Em última análise, são
uma fórmula da comunicação ativa e poderosa.
Por fim, são quase trezentos os cartazes que Beuys produz ao longo de sua incansável
atividade. A maior parte anuncia exposições ou performances. Juntos, eles registram todo o
percurso do artista. Uma grande parte é puro material de propaganda; o texto, em forma de
declaração ou manifesto, ocupa todo o espaço. A quantidade excepcional desse material deixa
clara a grande tarefa que o artista confiava à distribuição de veículos de seu pensamento e ideias.
O cartaz representa certamente uma mídia essencial na nossa cultura visual. É uma forma
de comunicação que atravessa séculos e, no entanto, não dá sinais de desaparecer. Mesmo já
modificado – nos materiais que lhe servem de suporte, nas técnicas de exposição e reprodução,
nas dimensões – e apesar dos novos e poderosos instrumentos de propaganda que surgiram.
Sua evolução foi notável, sobretudo nos estilos pictóricos e de ilustração que se alternam
desde o início do século passado, ao sabor das mudanças do gosto e de novas condições
sociológicas e técnicas, que aumentam as dimensões e tornam a imagem fotográfica cada vez
mais importante.
Joseph Beuys não perdeu nenhuma oportunidade de usar esse meio de comunicação de
massa para promover suas ideias e dar forma visual ao seu pensamento. Qualquer ocasião
especial lhe servia: exposições em galerias e museus, debates, performances, projeções,
denúncias, eventos. Dessa maneira, e
de forma continuada, mais intensamente a partir da segunda metade dos anos 1960, Beuys
traçou uma estratégia paralela à sua obra e integrada a ela. Organizou uma máquina de
propaganda que se materializou, antes de tudo, na enorme produção de múltiplos, cartazes e
postais.
Com esses meios, o artista faz uma verdadeira semeadura. Constrói, ativa e dirige uma
máquina de semear ideias e pensamentos, dentro e fora do território da arte, dentro e fora do
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terreno da comunicação social. É a energia pura do intercâmbio, na qual visual e palavra
colocam-se no mesmo plano, no intuito da troca, da transformação – enfim, da plástica social.
Nesse sentido e nessa direção, sua frenética máquina da comunicação encontra nas artes
gráficas dos cartazes um motor único, que distribui e veicula, semeia e difunde a demanda básica
dos homens por comunicação.
Os cartazes de Joseph Beuys são, portanto, o motor ativo de sua máquina; há muitos
anos, atraem atenção, análise e colecionadores. Eles representam visualmente o seu conceito
ampliado de arte; e demonstram suas potencialidades, antes de tudo, no envolvimento das
pessoas que colaboraram com o artista na sua feitura.
É por isso que, ainda que nem todos os seus cartazes tenham sido feitos diretamente por
ele, mas sim a seu pedido, todos devem ser considerados parte integrante, autônoma e
importante de sua obra. Na verdade, uma parte essencial dessa obra, que traz o aspecto da
comunicação pela propaganda ao primeiro plano, e produz atenção multiplicada, ampliada.
Dois catálogos documentam a importância dessa produção, iniciando um levantamento
definitivo da propaganda pela arte. O primeiro se refere à exposição Joseph Beuys. Plakate
(Joseph Beuys. Cartazes), apresentada na Bayerische Staatsbibliothek de Munique em abril de
1991, com curadoria de Peter Weiss e Florian Britsch. Editado pela Schneider-Henn,10 traz breves
textos dos curadores e tenta organizar esse grande, surpreendente e subestimado
empreendimento do artista. Mas, ainda que as breves legendas que os apresentam forneçam
preciosas informações sobre sua origem, cobre apenas cerca da metade dos cartazes produzidos
por Beuys.
O segundo catálogo foi editado por ocasião da exposição Beuys. Posters, com curadoria
de Isabel Siben, que também mostrou ao público internacional a importância teórica e prática
atribuída ao meio pelo artista alemão. O livro cataloga 288 cartazes. A exposição, que viajou
entre os museus de Munique, Hamburgo e Heidenheim de setembro de 2004 a abril de 2005, foi
acompanhada por um catálogo bilíngue que reúne as atentas reflexões da curadora e uma
excelente entrevista com Klaus Staeck, o primeiro e mais importante editor dos múltiplos,
cartazes e postais de Beuys.
Na entrevista, Staeck declara: “Para Beuys, postais e cartazes não eram, de forma alguma,
subprodutos de seu trabalho artístico; ele os levava tão a sério quanto qualquer outra obra. Foi a
ideia do múltiplo, sobretudo, que nos uniu. Ambos estávamos muito interessados na
democratização do mercado da arte. Fizemos mais de duzentas edições; ou, se incluirmos os
10 Editora com sede em Munique.
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postais, quase trezentos. Em uma entrevista, ele declarou que seu interesse na edição de
múltiplos, cartazes e postais era disseminar ideias”.
“Não consigo criar múltiplos sozinho.” Estas palavras dão a entender que, para Joseph
Beuys, a criação de obras multiplicadas implica necessariamente o envolvimento de outros. Esse
princípio, que ele perseguia de forma tão intensa e coerente, está na base do conceito ampliado
de arte e da ideia de escultura social.
Em Beuysnobiscum,11 Harald Szeemann, curador da maior retrospectiva de obras de
Joseph Beuys, entre 1993 e 1994, escreve, sobre a vehicle art: “Um veículo é um veículo. Ajuda a
chegar a algum lugar”. Beuys aplica a expressão vehicle art à sua obra desde o início dos anos
1960. Ela assinala seu distanciamento do movimento Fluxus. Para falar dos múltiplos, sempre
usou a definição vehicle.
No cenário internacional da arte, os múltiplos tornaram-se moda no início dos anos 1960,
como uma nova forma de produção artística, possibilitada pelas técnicas de reprodução. De fato,
para editores e artistas, o aspecto democrático dessa produção era importante. O próprio Beuys
declarou que o interessava alcançar com ela “o maior número de pessoas possível”.
Além disso, para Beuys, os múltiplos significavam, também, uma possibilidade de colocar
em discussão a obra de arte como fetiche – uma discussão não por acaso promovida por Marcel
Duchamp com os seus readymade.
O mestre francês, nos anos 1960, declarou-se abertamente contra a prática artística da
reprodução, considerando-a uma prática vulgar. A obra de maior tiragem de Beuys é a pequena
caixa de madeira com a inscrição Intuition (Intuição), que chegou a 12 mil exemplares.
Para Joseph Beuys, esses veículos multiplicados eram ideias e memórias permanentes,
pontos de referência, monumentos transportáveis. Suas ideias transformavam-se em múltiplos,
chegavam às casas, à vida, à consciência das pessoas, e isso de forma simples, não dogmática,
como “um jogo”, como “constelações onde muitas coisas podem ser encontradas”.
Realmente, nos múltiplos Beuys parafraseia todos os conteúdos e formas de suas obras
maiores – das performances à atividade política.
11 Apêndice enciclopédico sobre a obra de Beuys organizado pelo crítico suíço Harald Szeemann (1933-2005) e
publicado no catálogo da exposição Joseph Beuys (Kunsthaus, Zurique, 1993-1994; Museo Nacional Reina Sofía,
Madri, 1994). Reúne textos assinados por críticos de arte, como o suíço Tobia Bezzola, autor do trecho sobre vehicle
art. A maioria dos textos são do próprio Szeemann, curador da exposição. Responsável pela Documenta de Kassel
em 1972 e pelas Bienais de Veneza (1999 e 2001), o suíço é considerado o primeiro curador na acepção
contemporânea do termo.
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“Cria-se uma afinidade direta com as pessoas que possuem esses veículos. Eles são como uma
antena que está em todos os lugares, permitindo a comunicação”, declarou, em uma entrevista.
Sem dúvida, para Beuys, não se tratava de vender obras de arte em maior quantidade, mas,
muito mais, de dar impulso a uma transformação na arte e na sociedade que, em última instância,
se revela política. Não por acaso, os múltiplos tornaram-se os veículos de propaganda da
Organização pela Democracia Direta e da FIU; apenas na vinculação com a práxis espiritual e
política eles adquirem sua verdadeira importância, algo que hoje emerge em sua totalidade.
“Interessa-me difundir veículos físicos, em forma de edições, porque me interessa difundir
ideias. Esses objetos só podem ser compreendidos na relação com as minhas ideias.” Esse é o
pensamento central a ser espalhado, e que se materializa em objetos e reproduções. Essa é a
importância de uma escolha compartilhada pelo artista e seus editores com os que possuem
esses objetos. Essa é a importância dessa produção e de mostrá-la. Esse é, enfim, o motivo
principal de uma exposição na qual esse material de propaganda por excelência se reativa no
contato e na comunicação com o público. Na qual múltiplos como o vaso Rose für Direkte
Demokratie (Rosa pela democracia direta), os quadros-negros Kunst = Kapital, a caixinha Intuition
(Intuição), o Telefon S_3 (Telefone S_3) composto por duas latas e um barbante, a Capri-Batterie
(Bateria Capri), que sugere a energia da natureza, as garrafas de Vino F.I.U. (Vinho F.I.U.) e os
Ampolia d’oli Defesa della Natura (vidros de azeite Defesa da natureza) estejam presentes ao
lado dos cartazes e postais. A soma desses múltiplos, escolhidos também por sua significação
política, é, a meu ver, a forma mais correta de ativar as ideias de Joseph Beuys.
A coleção de cartazes que compõem a exposição A revolução somos nós, no SESC Pompeia
e no Museu de Arte Moderna da Bahia, é a maior da Europa e talvez, também, do mundo. Ela
reúne mais de duzentos deles, a maior parte assinada por Beuys. Uma longa e paciente
pesquisa, conduzida por Luigi Bonotto antes e depois de janeiro de 1986 – ano da morte de
Beuys –, permite-nos apresentar um panorama amplo da obra de Joseph Beuys.
Bonotto criou uma coleção única, que nos convida a ver a obra de Beuys como um
verdadeiro processo de comunicação, de diálogo com outros, dentro e fora do sistema da arte.
Grande parte dessa coleção foi apresentada em projeção virtual na 52ª Bienal de Veneza, em
2007; e em um catálogo editado por mim. Nos últimos três anos, a coleção de cartazes de Beuys
foi notavelmente ampliada por Luigi Bonotto. Hoje, apresenta-se ao público brasileiro e
internacional em sua real dimensão pela primeira vez.
A coleção nasceu do particular interesse de Bonotto pelos artistas do movimento Fluxus.
Colecionador extremamente atento e de enorme sensibilidade, o empresário de Bassano del
Grappa reuniu obras e documentos dos protagonistas desse período extraordinário da arte
contemporânea. A enorme contribuição do Fluxus para o desenvolvimento das neovanguardas do
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pós-guerra já foi reconhecida, ainda que com atraso, pelos maiores museus do mundo. O grupo
encontrou um lugar e um papel de relevo na história da arte contemporânea.
A paixão pelo espírito Fluxus levou Luigi Bonotto, em quase trinta anos, a desenvolver uma
coleção de concepção completamente singular, que passa, antes de tudo, pela relação com os
artistas. Em sua casa hospedaram-se e trabalharam Ben Patterson, Dick Higgins, Alison Knowles,
Philip Corner, Eric Andersen, Milan Knizak, Takako Saito, Gianni Emilio Simonetti e outros. Além
disso, a afinidade com o radicalismo propositivo do Fluxus levou-o a criar amizades especiais
com artistas como Ben Vautier, Nam June Paik, George Brecht, Daniel Spoerri, Robert Filliou,
Giuseppe Chiari, Yoko Ono (de quem produziu a grande mostra Sonhar no Museu de Santa
Caterina, em Treviso, em 2007) e Emmett Williams, de quem colecionou obras e documentos
extremamente raros e de notável importância histórica. De George Maciunas, artista, teórico e
fundador do Fluxus, encontram-se na Coleção Bonotto as mais raras obras, testemunhos e
documentos. A exposição Fluxus, realizada na Le Passage de Retz, em Paris, com curadoria de
Bernard Blistene, em 2009, foi testemunho dessa apaixonada admiração.
Era inevitável que o percurso desse colecionador de extraordinária coerência passasse
pela produção fundamental do mestre alemão. O próprio Luigi Bonotto confirma os motivos dessa
escolha. Em entrevista recente, disse: “Com Beuys, comecei a entender e apreciar o ato da
comunicação. A obra mais importante de sua vida foi a comunicação. Por isso me apaixonei por
colecionar seus cartazes, que são, para mim, a documentação dessa comunicação, desses atos
que resumem o trabalho de sua vida”.
A estratégia de propaganda que Joseph Beuys aciona com essa produção é de caráter
político. Não se trata apenas de anunciar exposições ou debates, mas, sobretudo, de despertar a
consciência de quem olha e lê esses cartazes.
Para isso, ele usa as mais diversas variantes. Primeiro, usa sua própria imagem e seu
próprio nome. Às vezes, sua imagem invade todo o cartaz, com o rosto em primeiro plano, ou o
corpo inteiro. No cartaz editado pelo galerista italiano Lucio Amelio em novembro de 1971, para
anunciar sua primeira exposição italiana, ele aparece avançando para frente; o título A revolução
somos nós está escrito à mão. No cartaz criado pelo galerista nova-iorquino Ronald Feldman para
anunciar um encontro-debate na New School, em janeiro de 1974, ele surge em um retrato de
Gianfranco Gorgoni.
Em outras ocasiões, apenas partes significativas de seu corpo estão em evidência, sobretudo as
mãos – que fazem ou seguram objetos – e as pernas, pés e joelhos, que se movem, caminham,
trabalham.
A relação de equilíbrio entre texto e imagem – tão mencionada pelas teorias das artes
gráficas contemporâneas – é muitas vezes questionada, em variantes extremas. Em alguns 28
casos, há só a imagem e um texto mínimo, com assinatura. Em outros, não há imagem. O cartaz
é devolvido à sua função original de anúncio e reduzido ao texto, com frequência a reprodução de
um texto escrito à mão pelo próprio artista, em seu estilo característico.
Entre essas possibilidades, seu nome é uma presença forte, nas variantes JOSEPH
BEUYS ou, simplesmente, BEUYS, e às vezes invadindo a metade do espaço do cartaz.
Esses aspectos estão conjugados em uma “estética do cartaz” que avança na mesma linha
das escolhas e acontecimentos que preenchem a existência de Beuys como homem e artista.
Como acontecia em sua obra, o branco e o preto, os cinzas e o marrom preponderam, apesar da
invasão de cor exaltada pela publicidade da época.
Outro aspecto é a escolha das imagens, muitas vezes consideradas mais pelas ideias que
exprimem do que pela perfeição formal.
Por fim, nota-se a frequente presença de outras pessoas nas imagens, o que as eleva à
condição de colaboradores ou de solidárias às ideias e ao pensamento que sua arte quer
expressar. Toda sua produção de vehicle art está repleta desses casos. Galeristas, artistas,
alunos, colaboradores, fotógrafos e principalmente a Free International University aparecem como
protagonistas ao lado do artista – que, ao incluí-los, dá destaque a sua preciosa colaboração.
No corpo central dos cartazes, há reproduções de desenhos, obras, cenários e objetos.
Eles põem essa produção no percurso de artista de Beuys, mas sem distanciá-lo do propósito de
também – se não principalmente – tornar visíveis, por meio dos cartazes, o conceito ampliado de
arte e o conceito de escultura social.
Beuys se serve com frequência de imagens de obras importantes ou de objetos e múltiplos
de grande impacto visual para criar “prolongamentos visuais” nos cartazes. A beleza dos
desenhos se presta, por sua vez, ao uso frequente, nos cartazes, de imagens-textos que
divulgam a Democracia Direta, o Partido Verde e as atividades da Free International University.
Alguns cartazes são especialmente significativos, não apenas pelas razões mencionadas,
mas sobretudo, a meu ver, porque criam uma frente comum entre a obra e o pensamento. Com
isso, restituem ao cartaz a dignidade de obra única; ao mesmo tempo, ampliam seu sentido rumo
a uma comunicação total. Esses cartazes já fazem parte da rica iconografia de Beuys; eles nos
levam à ideia de uma palavra que se torna imagem.
Em primeiro lugar, e até por suas dimensões (190 x 100 cm), A revolução somos nós, que
usa uma fotografia de Giancarlo Pancaldi para anunciar a primeira mostra italiana de Beuys,
aberta em 13 de novembro de 1971, na Modern Art Agency, de Lucio Amelio, em Nápoles. Em
imagem frontal, o artista avança em seu uniforme, como se declarasse que a autodeterminação
não é feita de revoluções violentas, mas de trabalho contínuo em direção a uma democracia
direta – que, por sua vez, se estrutura no corpo social, entendido aqui como organismo, por meio
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da criatividade. É o manifesto do mestre que alcançou uma clareza a respeito de seu
compromisso como artista e homem.
Em 1978, um par de cartazes anunciam a criação da Fundação pelo Renascimento da
Agricultura e o debate que aconteceria em Pescara, em 12 de fevereiro de 1978, no contexto da
apresentação oficial da FIU na Itália e do lançamento da edição italiana do livreto Ação terceira
via. O debate aconteceu na sala da Bolsa de Mercadorias da Câmara de Comércio da cidade. Os
agricultores da região encontram-se todas as segundas-feiras nesse local para vender seus
produtos. A difusão dos conceitos de arte ampliada e de escultura social se utilizaria desse
mesmo lugar de intercâmbio econômico e cultural.
As imagens remetem aos Cem dias de discussão de Kassel (Documenta 6), dos quais a
Fundação pelo Renascimento da Agricultura é a projeção e o prolongamento organizacional. Elas
retomam dois momentos da participação de Beuys na Documenta: um espaço interno ocupado
pela instalação Bomba de mel no local de trabalho; e o gramado dianteiro do Museu
Fridericianum, onde o debate continuava, em forma de socialização, nos momentos de pausa, e
onde o próprio círculo humano parece corresponder a uma autêntica escultura social.
O cartaz da campanha eleitoral dos Verdes, Die Grünen, de 1979, ilustrado por uma
pequena escultura de 1963, intitulada Der Unbesiegbare (O invencível), é emblemático do
compromisso político do artista e de sua posição diante das questões ambientais. Uma pequena
lebre é ameaçada por um soldadinho armado e corajosamente o enfrenta, certa da vitória. O
cartaz, produzido pela FIU a partir de uma fotografia de Ute Klophaus, mostra como o uso que
Beuys faz do meio, sempre de forma consciente, oscila continuamente entre a política e a
estética. Pode servir tanto para estetizar a política quanto para politizar a estética. O cartaz
tornou-se o símbolo da campanha eleitoral; mas sua carga propositiva escapou à maior parte dos
ambientalistas.
Entre os cartazes nos quais o texto é preponderante, três, a meu ver, são particularmente
relevantes, pelo conteúdo que expressam e, sobretudo, porque lembram a função original do
meio como veículo de propaganda.
O primeiro denuncia a expulsão e a demissão de Joseph Beuys da Academia de Belas-Artes de
Düsseldorf, onde dava aulas, por haver admitido em seus cursos 142 estudantes excluídos da
seleção inicial. Produzido por Klaus Staeck em 1972, o cartaz revela o quanto o aspecto
pedagógico, o ensino e a prática da escultura social – mesmo dentro da Academia – eram parte
integrante de sua obra.
O segundo exemplo é o Manifest, de 1979, igualmente produzido por Staeck e também
assinado por Beuys, e que retoma a ata da fundação da FIU.
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O terceiro cartaz, na realidade composto por três páginas, foi produzido pela FIU em 1979.
Traz a íntegra da Aufruf zur Alternative (Conclamação à alternativa), reproduzida das páginas do
jornal Frankfurter Rundschau de 23 de dezembro de 1978.12 No texto, Beuys conclama à adoção
de uma alternativa aos sistemas sociais do capitalismo privado e do capitalismo de Estado,
depois de declarar o fim iminente de ambos os sistemas. A Aktion Dritter Weg (Ação terceira via)
seria a possibilidade de saída.
Consciente da importância desta Conclamação, Beuys não perde nenhuma oportunidade
para publicá-la, nas mais diversas línguas: italiano, francês, inglês, português. No Brasil, a
ocasião histórica surge na 15ª Bienal de São Paulo, em 1979, quando expõe Brazilian Fond. Esse
cartaz torna-se o manifesto político e estético da escultura social. Na tradução, o título –
Conclamação para uma alternativa global – recebe uma leitura reatualizada. Beuys tinha
consciência das contradições sociais, econômicas e ambientais que o maior país sul-americano
vivia, naqueles anos 1970. O acréscimo do termo global faz do cartaz uma prova de que o
conceito de escultura social não se deve limitar às fronteiras do mundo europeu, mas,
inevitavelmente, levar em conta as condições políticas e sociais de todos os homens do mundo. A
Conclamação deve ser global, porque os motivos da crise política, econômica, ambiental e social,
assim como as soluções, não têm fronteiras políticas ou geográficas.
Ao olharmos para a totalidade da obra desenhada pelos cartazes, não podemos deixar de
lado imagens históricas que, por meio deles, incorporaram-se aos livros de história da arte – ou à
grande, quase infinita, bibliografia que os livros e catálogos sobre Joseph Beuys compõem.
Alguns exemplos são Ohne die Rose tun wir’s nicht (Não conseguiremos sem a rosa), que
usa uma fotografia realizada no Escritório pela Democracia Direta em 1972, e foi apresentado na
Documenta 5 no mesmo ano. Ou o cartaz Demokratie ist lustig (A democracia é engraçada), de
1973, que ilustra o conflito entre democracia direta e burocracia institucional do qual Beuys foi
protagonista, ao lado de seus alunos, nas salas da Academia de Düsseldorf. Na fotografia
excepcional de Bernd Nanninga, ele aparece sorridente e divertido, atravessando as duas filas de
policiais que foram chamados a intervir depois da ocupação da secretaria.13 Em uma das imagens
mais emblemáticas de sua carreira de professor, artista e político, Beuys é o mestre que ri, com
seus alunos-discípulos, da intervenção policial determinada por uma “democracia” atraiçoada por
burocracias e modelos políticos há muito em declínio.
12 Uma tradução da íntegra de Conclamação à alternativa está editada neste catálogo. 13 De 1961 a 1972, Beuys esteve à frente da cadeira de Escultura Monumental da Academia de Belas Artes de
Düsseldorf; entre outros, foram seus alunos Anselm Kiefer, Katarina Sieverding, Blinky Palermo, Martin Kippenberg.
Em 1972, ocupou a secretaria da Universidade com um grupo de estudantes recusados, para exigir sua admissão.
Por causa do ato, foi demitido do cargo, que só reaveria em 1978, após longa disputa judicial.
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O cartaz que anuncia o livro Incontro con Beuys (Encontro com Beuys), lançado em 13 de
maio de 1984 em Bolognano, na abertura do célebre último debate da série Defesa da natureza,14
traz outra imagem emblemática. Sentado no selim de uma bicicleta – veículo humano mecânico e
que demanda equilíbrio – em sua casa-estúdio em Düsseldorf, ele se apoia em caixas de Vinho
F.I.U., como que acariciando a substância energética.
Por fim, há os cartazes americanos Dillinger,15 nos quais buracos de bala furam sua
imagem, uma fotografia feita por Ute Klophaus de I Like America and America Likes Me (Eu gosto
da América e a América gosta de mim), histórica e famosa performance que Beuys realizou com
um coiote na galeria de René Block, em Nova York, em 1974.
Em 1983, quando uma associação de artistas nova-iorquinos organiza a exposição
Subculture, é oferecida a Beuys a possibilidade de criar um cartaz para expor entre os anúncios
veiculados nos trens do metrô. O artista usa o quadro-negro de suas explanações sobre
criatividade; ao branco do giz e ao preto da lousa, acrescenta, em vermelho, e em inglês,
CREATIVITY = CAPITAL, seu slogan sobre a criatividade como verdadeiro capital humano. Ao
intervir no contexto de um meio de transporte popular da metrópole americana, ele alcança uma
dupla veiculação; o cartaz é um veículo de comunicação que atravessa o espaço subterrâneo da
cidade. Com dimensões adaptadas para exibição em espaços públicos, tem 28 x 70 centímetros,
demonstra o quanto é pertinente retomar o tema da escultura social, representado pelos quadros-
negros, desenhos e sobretudo pela frase-fórmula, que sintetiza a totalidade do conceito ampliado
de arte.
Ainda na frente da dupla veiculação estão, a meu ver, os cinco cartazes que trazem o
retrato de Beuys realizado por Andy Warhol em 1980. Beuys usa essa imagem, que mostra seu
rosto em primeiro plano, para subverter seu significado. Para multiplicá-lo, o pai da pop art usou
pó de diamante. Beuys reutiliza o retrato para difundir sua mitologia pessoal, tornando sua
presença real por meio dos traços estilísticos de Warhol, que é apenas o executor. As variantes e
repetições determinam uma multiplicação infinita de sua imagem; o artista, aqui, resolve o
problema da comunicação por meio de seu irmão americano, assim como faz em um cartaz para
a campanha eleitoral do Partido Verde da Alemanha.
Nesse aspecto, a estratégia de comunicação de Beuys – ao reutilizar imagens que haviam
tomado o cenário da arte, numa consagração multiplicada –, mostra-se extremamente arguta. Em
14 Difesa della Natura, ou Defesa da Natureza, é um slogan que contém a ideia da arte como interação criativa entre homem e natureza, além do nome de um projeto realizado por Beuys, no fim da década de 1970, na vila italiana de Bolognano, na região de Abruzzo, consistindo de esculturas, debates, plantações, múltiplos e agricultura biodinâmica. 15 Em 1974, durante sua primeira visita aos Estados Unidos, Joseph Beuys homenageou o gângster John Dillinger (1903-1934), reencenando seu assassinato a tiros em frente ao cinema onde a execução aconteceu, em Chicago. Ladrão com princípios, Dillinger roubava exclusivamente dos bancos e não molestava inocentes, o que fez dele, nos olhos da opinião pública, uma espécie de Robin Hood. A ação de Beuys ficou registrada no vídeo Dillinger (1974).
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sua perfeição, agora também formal, Beuys está seguro de que um rosto, igual ao de qualquer
homem, é suficiente para criar comunicação – seja multiplicado, seja sozinho. Nessas imagens,
ele é mito e homem, é ícone e palavra, é presente e futuro. É, enfim, um artista entre os artistas,
e um homem entre os homens.
Os dois últimos cartazes que menciono aqui, ambos italianos, projetam-se como
antecipação de um futuro iminente na vida de Beuys. O primeiro anuncia sua última grande
exposição, Palazzo Regale, aberta exatamente um mês antes da morte do artista, em sua casa
em Düsseldorf. A mostra, promovida por Lucio Amelio, abriu dia 23 de dezembro de 1985 no
Museu de Capodimonte, em Nápoles. Vida e morte se entrelaçam nas duas vitrines que
compõem essa mostra-testamento, e nos objetos dispostos dentro delas. Tudo parece estar
consumado na instalação, que transmite um silêncio-barulho sem palavras e sem corpo.
O cartaz parece muito distante da sacralidade da instalação. A imagem vem de uma
fotografia de Jochen Schmidt, então jovem fotógrafo berlinense; ela mostra uma Casa de
Manutenção da ANAS, órgão estatal italiano que, a partir dos anos 1930, ocupa-se da
manutenção das estradas do país. A cor dessas casas, espalhadas por todo o território italiano, é
um vermelho-tijolo muito semelhante ao do braunkreutz, mistura de sangue de lebre e ferrugem
que Joseph Beuys usou com frequência em suas obras. Trata-se de um vermelho escuro que tem
a mesma cor do sangue coagulado.
“O sangue é um líquido especial”, escrevia Rudolf Steiner, retomando Goethe, ao tratar da
ideia de reduzir toda a gama de cores à essência substancial. E o próprio Beuys declarara, em
1979: “O vermelho é uma cor natural, uma força primordial que se sobrepõe a qualquer
materialidade possível; a ponto de constituir, para mim, baseando-me nesse pressuposto, não
tanto uma cor, mas uma verdadeira substância plástica. Utilizo também o marrom com esse
sentido, de expressar tudo o que tem a ver com formas substanciais”.
A edificação no cartaz é a casa onde se alojam os trabalhadores que cuidam da
manutenção da estrada local, para que seus usuários não tenham problemas ou se percam.
Somos nós que estamos percorrendo essa estrada. O trabalhador que mantém a estrada é
também seu sinalizador; ele cuida dela para nós, que somos a revolução em curso, e nos indica
um percurso. Esta casa vermelho-substância é a casa comum dos homens que tomaram esse
caminho. A via da utopia concreta, pela transformação e pela mudança.
Finalmente, no cartaz editado pelo Museu Cívico de Gibellina, cidadezinha da Sicília que
em 1968 havia sido destruída por um terrível terremoto, uma têmpera marrom e vermelha de
1962 representa uma figura petrificada pela dor, que retoma traços das esculturas de Wilhelm
Lehmbruck. O título dessa imagem é Aufschren in der Nacht ‘Mann in Grab (Tremor na
noite/Homem na tumba). Por seu motivo trágico e pelo trabalho esplêndido do artista, o cartaz é
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até hoje considerado uma das mídias mais contundentes já devotadas à construção de uma
sociedade melhor.
As enormes potencialidades latentes nos cartazes sugerem que uma imagem multiplicada
pode, sim, servir de ponto de partida para a construção de um mundo livre. A essa prática de
comunicação, Beuys acrescenta um elemento que atesta sua identidade e promove a difusão de
suas ideias. Sua assinatura funciona como prolongamento do conceito ampliado de arte. “Quando
escrevo meu nome, estou desenhando”, diz. Mas seu desenho é, aqui, um projeto de
comunicação entre os homens e com os homens. É dessa consciência que é feito o grande
ensinamento de Joseph Beuys.
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Filmes e vídeos
Com seus filmes e vídeos, o conceito ampliado de arte de Beuys ganha luz própria. Desde
o início dos anos 1960, essa produção, em todas as suas variantes, já não pode ser separada
das performances, esculturas, instalações, desenhos, aquarelas, debates, quadros-negros,
múltiplos, cartazes e postais do artista.
São os filmes que resgatam a maior parte de suas performances históricas; e isso graças
ao trabalho dos muitos cinegrafistas que as registraram e souberam recriá-las na montagem. O
caráter de presença, entendida como irradiação do ser, tende a desaparecer com o tempo e com
a compactação de performances mais longas, como Celtic (Celta) (1971) ou I Like America and
America Likes Me (1974). Mas em outros registros, em filme ou vídeo, esse caráter de presença
ressurge na totalidade e de forma literal.
É o caso de Soziale Plastik (Plástica social) (1967) e Filz TV (TV feltro) (1970). Nessas
ações, a presença do artista é total. Elas são a transmissão de um ato que envolve seu rosto e
seu corpo reais; o resultado de uma comunicação que vai à essência do meio utilizado, a TV ou o
cinema. Beuys trata as novas mídias como formas de escultura, integrando suas possibilidades
para criar uma obra que não é apenas visual, mas também auditiva e plástica.
Beuys cobre a tela de sua Filz TV com feltro para ressaltar as dimensões plástica e teórica
do veículo. De forma análoga, envolve seu corpo em feltro em I Like America and America Likes
Me; e, em Eurasienstab, são as esquadrias de madeira que cobre com feltro.
A margarina, a gelatina, as bengalas, o cobre, o óleo, a gordura, os alimentos, os animais –
a lebre, o coiote – pontuam um percurso que utiliza as novas mídias, filme e vídeo, como
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estratégia real para reativar os sentidos e levar nossa visão a unificá-los. Por meio desses
materiais, alcançamos a essência; por meio das imagens, a escultura.
Beuys nunca faz seus filmes e vídeos ele mesmo; sempre confia a outros a grande
responsabilidade da visão e da memória. Tudo nessas obras concorre para criar uma estratégia
de comunicação com o espectador, transformando-as em propulsores, em impulso para a plástica
social.
Ao registrar suas performances em filmes e vídeo, Joseph Beuys define a escultura social
no presente e a ativa, como a um organismo vivo. Frequentemente, suas criações são marcadas
pela monumentalidade; e ainda mais frequentemente essa monumentalidade está ligada à
duração do passado no presente.
O mesmo se dá com o uso da palavra. Joseph Beuys é um grande comunicador. A
palavra, material invisível, é decisiva em seus vídeos; ela assume o papel de eixo principal do
processo de edificação da escultura social. A palavra murmurada de Soziale Plastik; a palavra
precisa de Public Dialogue (Diálogo público); cantada, em Sonne statt Reagan (Sol em vez de
Reagan)N.T.; animal, em Coyote III (Coiote III); musical, como no concerto In Memoriam George
Maciunas ou em Celtic.
“A escultura deve ser ouvida, mais do que vista”, Beuys dizia. Essa primazia da palavra,
que cria a comunicação no caminho entre o emissor e o receptor, está na essência de todos os
vídeos em que o artista discute com o público, dá entrevistas. Com Nam June Paik, o grande
mestre do vídeo, Beuys usa duas vezes o som e a voz. Nenhuma palavra é ouvida ou
pronunciada durante o concerto In Memoriam George Maciunas, ou em Coyote III. No primeiro,
porém, os gestos dão monumentalidade à improvisação musical. No segundo, o microfone
amplifica os sons do animal, que exprimem sua alma; ele torna visível o diálogo entre homem e
bicho, uma comunicação que não se esgota em maio de 1974, quando Beuys se comunica com o
coiote, animal que os povos nativos da América consideram sagrado, na galeria de René Block,
em Nova York.
Em Coyote III, Beuys nos faz escutar, por meio do animal, o som de todos os animais e
plantas que habitam o planeta. Ele nos faz ouvir a grande escultura social, num processo auditivo
que se transforma em imagem em nossa consciência. Ele nos apresenta a escultura social da
qual todos os seres do mundo podem participar. E o faz por meio do fluxo do som, da linguagem,
que abre para nós um espaço de relação equilibrado, justo. Fica feliz ao nos comunicar que essa
terapia do equilíbrio, essa utopia da terra, é praticável em termos concretos. Todo animal, todo
vegetal e todo humano é capaz, com sua criatividade, de contribuir para criar a escultura social. N.T. O título brinca com a sonoridade das palavras Reagan (numa alusão ao presidente norte-americano Ronald Reagan) e Regen (chuva, em alemão).
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“Para a comunicação realizar-se, é preciso passar do pensamento à matéria, ou seja, à
plasticidade.” O vídeo e o filme, para Beuys, são concebidos a partir da ideia de mobilidade, de
circulação de ideias, de plasticidade em movimento. E, finalmente, como a superação da própria
imagem, para construir um pensamento para o homem e com o homem.
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Fotografias
“Fotografar é uma ação no tempo na qual alguma coisa é arrancada de seu momento e
transferida para uma forma diferente de continuidade”, escreve o diretor alemão Wim Wenders.
Como se quisesse dar tempo ao momento e continuidade à forma, a imagem torna-se forma, e a
palavra, escultura – que, por sua vez, supera a passagem do tempo.
Ao longo de seus anos de trabalho, Joseph Beuys confia à imagem fotográfica um papel
importante: de dar prosseguimento ao conceito ampliado de arte. A escolha da arte como
território privilegiado para a difusão de seu pensamento inclui todos os meios: performances,
esculturas, instalações, objetos, desenhos, vídeo, múltiplos e fotografias.
A reprodução de sua imagem, através desses meios, excede e supera a de qualquer outro
artista. Isso sugere uma necessidade, uma urgência, de perdurar para além de sua presença e
dos limites temporais da existência. De prosseguir no tempo e no espaço, e continuar se
desenvolvendo.
Para difundir sua imagem, suas ideias e sua atividade nos últimos vinte anos, Joseph
Beuys serviu-se de duas armas de propaganda: a voz e a imagem fotográfica. Muitas vezes elas
se entrelaçam numa linha estratégica que visa apenas um resultado: usar o material humano para
melhorar a vida do homem e da natureza no planeta Terra.
O uso que Beuys faz da imagem fotográfica se define na ideia da suspensão da morte para
além do limite da vida. Beuys não fotografa, mas posa para fotografias com frequência, no intuito
de criar uma imagem para anunciar seus pensamentos. Quer aliar a grandeza da imagem a
materiais embebidos do ouro de uma ideia.
“A imagem fotográfica é, essencialmente, uma informação de caráter visual proveniente de
um tempo passado”, escreve Jean Keim. Por outro lado, graças a ela, um fato pode ser
contemplado por muito tempo, e mesmo muito tempo depois que aconteceu. Esse tempo
alongado permite explorar uma imagem de forma profunda. Para Beuys, porém, a imagem deve,
antes de tudo, projetar uma contraimagem, ou seja, provocar reflexão e pensamento, estimular-
nos para além da capacidade dos órgãos da visão.
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Nesse sentido, a representação fotográfica de sua presença, seja nos múltiplos, cartazes,
vídeos ou filmes, nunca é casual. Ela assinala, acima de tudo, sua grande capacidade de se
identificar com o outro, aquele que olha e pensa, que cria dele uma contraimagem. Para Joseph
Beuys, sua imagem não deve evocar apenas o passado de uma presença, um fato, uma ação,
uma ideia; ela deve ressaltar sua ausência, levando quem olha para ela a criar uma
contraimagem, ou seja, um desejo de presença e de identificação.
Joseph Beuys também deixou vários testemunhos da ideia de prolongar uma identidade –
com humanos, animais e vegetais – por meio da imagem. Basta pensar em sua identificação,
pelas imagens, com o revolucionário Anacharsis Cloots, nativo de Kleve (1755-1794), com o
general da Companhia de Jesus Inácio de Loyola (1491-1555) ou com o imperador mongol
Gengis Khan. Em resumo, elas correspondem ao seu sentir-se céltico, euro-asiático e
mediterrâneo ao mesmo tempo.
Da mesma forma, no diálogo – entendido como prolongamento de identidade – com a
lebre, o coiote, o alce, o cervo, o cisne, Beuys procura uma identificação alcançada antes com
carvalhos, oliveiras e palmeiras. Deste ponto de vista, a imagem que Beuys oferece
continuamente de si mesmo, de seu rosto, de seu corpo, de seus gestos, assinala a superação da
lógica da imagem fotográfica apenas como representação do passado. No território inédito de
uma imagem que representa outras identidades do mundo animal, vegetal e mineral, o artista
produz uma contraimagem que se relaciona ao presente e ao futuro da humanidade.
Joseph Beuys faz-se fotografar na relação com o mundo, identificando-se e se deixando
identificar por meio do olhar do outro, com a extraordinária consciência de que a própria imagem
é sempre portadora de valores, que se difundem junto com ela.
Sob esse aspecto, é possível afirmar que Joseph Beuys é o artista que, mais do que
qualquer outro, usou sua imagem para se identificar com o gênero humano, como artista e como
homem. Ao mesmo tempo, é o artista que, mais do que qualquer outro, deixou-se fotografar, em
situações públicas ou privadas, sempre representando e dando corpo ao ícone do homem capaz
de melhorar o presente para determinar o futuro. Mas, ao se deixar fotografar, Beuys não olha a
objetiva; ele suspende o olhar e, atravessando o diafragma, fotografa o outro, aquele que olha.
Assim, revela a urgência de comunicar-se também através da imagem, além da palavra.
Muitos foram os que contribuíram para criar e divulgar as imagens que dão corpo a essa
ideia: as organizações fundadas por Beuys, seus editores, galeristas, estudantes, voluntários e,
sobretudo, fotógrafos. Como Ute Klophaus, Gianfranco Gorgoni, Hilla Becher, Digne M.
Marcovicz, Lorraine Senna, Richard Demarco, Buby Durini, Mimmo Jodice, Bernd Nanninga,
Jochen Schmindt, Gerhard Steidl, Caroline Tisdall, Klaus Staeck, Reiner Ruthenbeck, Andy
Warhol, Walter Klein, Isi Sissmann, Claudio Abate, Bruno Del Monaco e muitos outros.
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Para disseminar seus conceitos, Beuys serviu-se de todo o imenso patrimônio de imagens
que é gerado em torno de uma pessoa. Não por acaso, em seus últimos vinte anos de atividade,
multiplicaram-se as peças gráficas baseadas em imagens do artista – postais, cartazes e
fotografias, muitas vezes assinadas e com dedicatória.
Essa forma de usar retratos para divulgar uma ideia é análoga ao uso que Albrecht Dürer
fazia da própria imagem e do próprio trabalho; as poses hieráticas, as fotos de seus vários
estágios de vida e, principalmente, a divulgação de seu nome por meio de gravuras de tiragens
altíssimas. São ideias que também compõem as estratégias de difusão da imagem fotográfica de
Beuys por seus editores, galeristas e colaboradores.
É por meio de recursos semelhantes que Joseph Beuys consegue tornar lendária sua
imagem. O próprio uniforme, do chapéu de feltro à jaqueta de pescador, dos jeans aos sapatos
pesados, são sua contribuição inicial para a criação de uma imagem identificável. Nas imagens
do artista, não há variantes estéticas que nos distraiam. Visualmente, elas não variam, a não ser
pelo conteúdo das ações, materiais e gestos, um vocabulário simbólico que reflete todo o seu
pensamento.
A imagem fotográfica, ao lado da prática do debate, ilumina o pensamento de Joseph
Beuys com sua presença. Juntos, eles criam uma contraimagem grandiosa. Como na acepção de
fotografia como uma escrita feita de luz, Beuys joga luz sobre a escuridão e a sombra que
caracterizam grande parte do pensamento presente na arte. Mas não é só. Em algumas obras, a
imagem fotográfica assegura uma condição que supera a ausência, colocando em relação visual
a imagem fotográfica e a presença do artista.
Bons exemplos são Unterwasserbuch (Livro subaquático), de 1972, e a instalação Quero
ver minhas montanhas (Voglio vedere i miei montagne), datada de 1950 a 1971. No primeiro
caso, a obra consiste em um livro aberto com fotografias impressas em plástico, dispostas dentro
de uma caixa de ferro parcialmente recoberta de água; uma lanterna subaquática ilumina todo o
conjunto. Beuys resgata aqui um momento do qual foi protagonista: sua exposição individual no
Moderna Museet de Estocolmo, em 1971. O artista deixou que o fotógrafo Lothar Woller
instalasse duas câmeras que o retratavam a intervalos regulares, captando seus movimentos
enquanto montava obras importantes como Das Rudel (A manada), O silêncio de Marcel
Duchamp é superestimado, Filzanzug (Roupa de feltro) e outras.
Essas fotografias foram impressas em ambos os lados de 4800 folhas de PVC, e editadas
por Klaus Staeck, entre 1973 e 1985, no livro 3 Tonnen Edition (Edição 3 toneladas), com um
peso total de três toneladas.
Dessa publicação depreende-se a função singular que Beuys empresta à sua própria imagem
fotografada e multiplicada. Trata-se, de fato, de remontar sequências inteiras de seu trabalho no 38
museu sueco; mas também, e sobretudo, de redistribuir, no tempo, seu trabalho de criar a
instalação.
Em Quero ver minhas montanhas, a imagem fotográfica que se integra à instalação
apresenta-se como uma verdadeira superação das dicotomias presença/ausência, dia/noite,
vida/morte. A alternância desses elementos é contínua na eterna lei do que está por vir. A
instalação tem como título as últimas palavras pronunciadas pelo pintor italiano Giovanni
Segantini em seu leito de morte, em Maloja, na Suíça.
Em sua complexidade, ela reúne uma série de móveis e objetos, além da imagem de um
pássaro que voa para longe de um fuzil. Em um leito, disposto à direita, há uma fotografia de
Beuys vestido e deitado, de olhos fechados, ao lado de um cajado de pastor. A imagem não
apenas lembra a posição do sono e da morte; ela também expressa, com extraordinária
sabedoria, a identificação que Beuys vê entre a imagem fotográfica de seu corpo e a linguagem
desse corpo.
Diferentemente do armário, que de fato provinha do quarto de infância do artista em Kleve,
a cama é idêntica à que está ainda hoje na casa de Segantini. Graças a uma passagem que só a
imagem fotográfica consegue garantir, há uma identificação por substituição. Joseph Beuys
identifica-se com Giovanni Segantini para que as forças físicas da natureza se abram – pelo
sonho e pelo sono eterno –, à vista do poderoso sistema da vida. Sua presença, mais uma vez,
passa pela imagem, por uma pose que ressalta a passagem e a alternância natural entre
presença e ausência, vida e morte.
Assim, a imagem fotográfica torna-se, para Beuys, muito mais presença e continuidade do
que recordação e ausência, papéis que ela normalmente desempenha. Além disso, como em
outros elementos de sua obra, ao escolher com atenção escrupulosa imagens para peças
gráficas, obras ou livros, ele põe em primeiro plano seu conteúdo, sua capacidade de comunicar.
Não através do sentido estético, mas por meio de sua essência.
O sentido que ele confere à própria imagem está mais próximo da espiritualidade dos
ícones do que da memória fotográfica. As poses escolhidas são simbólicas e não estéticas. Elas
devem dar conteúdo e sustentar a grande contraimagem que sua arte nos deixou: a de um
homem em equilíbrio com a natureza das coisas e com a força das ideias. Ao nos entregar
imagens de um pensamento, Beuys oferece-nos o sentido da visão como recuperação sinestética
da memória e, por isso, de uma presença.
Em Arena Where Would I Have Got If I Had Been Intelligent (Arena: aonde eu teria
chegado se fosse inteligente), mostra que realizou na galeria Modern Art Agency, em junho de
1972, Beuys usou exclusivamente fotografias, que documentavam fases, performances, obras e
debates de sua atividade artística pregressa.
39
A obra é composta de mais de quatrocentas imagens, encadernadas em cem invólucros de
alumínio pintado de cinza. Arena não é uma simples documentação. As fotografias são tratadas
pelo artista com as substâncias energéticas características de sua obra: cera, gordura, enxofre,
mel, gelatina, prata. As substâncias como que inoculam esses documentos fotográficos do
passado, para representar uma constante geração de energia criativa.
O surpreendente em Arena é, sobretudo, a capacidade do artista de, ao dispor as imagens
dentro dos invólucros de alumínio, criar relações imperceptíveis a um olhar distraído; relações
que demandam a atenção do outro, aquele que olha, para gerar a contraimagem que o artista
deseja. Essa é a atitude da disposição, como descrita por Martin Heidegger em Die Kunst und der
Raum (A arte e o espaço), e que Joseph Beuys eleva aos níveis mais altos da história da arte
contemporânea. Especialmente em suas vitrines, invólucros espaciais onde dispõe com grande
cuidado substâncias e objetos, esculturas e materiais e, sobretudo, as relações entre todos esses
elementos, em um contínuo diálogo sub-stancial.
A ideia de transformar em imagens o pensamento central de Joseph Beuys – criando uma
escultura de imagens ou plástica das imagens – demanda a colaboração ativa entre o artista e
fotógrafos. As imagens de Ute Klophaus, Klaus Staeck e Caroline Tisdall são o exemplo mais
claro dessa prática. Em alguns pontos desse longo itinerário, Beuys cria recursos para divulgar
essa colaboração como utopia concreta, realizada nas práticas da arte. Em um grande número de
trabalhos, os fotógrafos participam e colaboram ativamente, produzindo partes integrantes da
obra. Esse é o dado fundamental a ser compreendido: temos aqui um material extraordinário,
entregue à arte como fruto de uma colaboração humana continuada e exemplar, e do uso da
energia da imagem como autêntica plástica social.
Na pose peculiar de Beuys na fotografia de Tram Stop (Parada de bonde), obra
apresentada na Bienal de Veneza de 1976 e transformada em cartaz em 1978, ele está coberto,
em sua verticalidade humana, pela verticalidade da estátua-coluna-árvore-homem-boca de
canhão. A verticalidade é indicativa da condição antropológica atribuída à terra e ao céu, ao baixo
e ao alto, ao terrestre e ao cósmico. A posição do homem Beuys retratado por Buby Durini mostra
sua necessidade de identificação com a escultura.
Todas as imagens fotográficas de Beuys são dedicadas ao hálito da terra, que passa pelo
homem e sua criatividade. Nas fotografias, ele demonstra uma atividade contínua; nunca está
parado. Faz-se fotografar sempre em um gesto, um sinal, uma ação que vai da palavra às mãos,
ao corpo, ao rosto; tudo nele está em atividade. Nunca se vê o artista em um momento que não
seja de energia transformadora. É essa sua capacidade que faz dele um transformador visual por
excelência. Mãos, pés, joelhos, boca, olhar, recebendo ou emitindo; suas energias atravessam
continuamente o seu corpo e o nosso olhar. 40
Na imagem frontal de A revolução somos nós, extraordinária fotografia de Gianni Pancaldi
de 1971, o ruidoso movimento do artista para a frente se transforma em uma palavra não
pronunciada. O corpo avança movido pela necessidade de distribuir pelo caminho o segredo da
produtividade de uma sociedade livre e democrática. O avanço do indivíduo, juntamente com os
outros. A revolução somos nós: a mudança, a transformação, a evolução do homem só podem
ser garantidas pelo próprio homem, em conjunto com os outros homens.
Aqui, torna-se invisível um material primordial nas discussões: a voz. Como se sabe, ela
não pode ser vista na imagem fotográfica. Mas está na substância das imagens de debates.
Essas imagens silenciosas são como que atravessadas por aquele fluxo energético que a
comunicação, na relação emissão/recepção, institui.
Muitas imagens fotográficas permanecem como registro sonoro do fluxo energético
estabelecido pela prática das discussões. As imagens dessas discussões são extremamente
significativas: os olhos veem o público, cujos ouvidos estão atentos; até as narinas parecem sentir
os odores da sala. As bocas, abertas, em emissão, assumem a forma de megafones. Com
frequência, a tensão dos lábios revela o momento de máxima emissão da voz. E há o movimento
das mãos, os gestos, que enfatizam, precisam, indicam.
As imagens das discussões tornam visível o material invisível que são as palavras. Não é
uma palavra, uma frase ou um discurso que podemos escutar e ver através daqueles lábios
abertos; é todo o percurso de um pensamento, que se prolonga na visibilidade da imagem, para
um presente de recepção e um futuro de emissão. Abra bem a boca, Beuys, para falar da terra e
de seus frutos, para dizer que terra, homem e céu são uma coisa só, uma só palavra, que parte,
forte, da boca e retorna, forte, aos ouvidos – para sempre. São imagens ruidosas, nas quais o
silêncio está distante e a expansão do som é amplificada pela tensão luminosa da própria
imagem. São imagens-obras; o verbo de Beuys revela-se para quem as vê. Mais uma vez, então,
por meio de uma produção visual, ele produz som e gera recepção até o presente.
Muitos fotógrafos retrataram Beuys enquanto ele debatia ou falava, movendo as mãos e os
braços para energizar visualmente suas palavras. As mãos, sobretudo, se prestam a essa
energização. Algumas fotografias congelam sua mão direita no momento em que o dedo
indicador se volta para cima. É um sinal para chamar atenção, uma indicação, um aviso. Também
lembra muito a forma como a iconografia clássica representa São João Batista, o santo dos
cavaleiros que, ao voltar das Cruzadas, traziam como lembrança e objeto de devoção uma
ampola de água do rio Jordão, lugar das pregações de Batista. Podemos fazer uma analogia
entre o gesto tão repetido nos debates por Beuys e o gesto que o santo exibe na célebre pintura
de Leonardo da Vinci, de 1513, exposta no Louvre. A própria identificação com Cloots, cujo
verdadeiro nome era Johannes Baptist, passa pela figura do santo que Leonardo (e Caravaggio,
41
Piazzetta e outros) representou com o dedo indicador levantado para o céu. As próprias iniciais
do nome de Beuys, J.B., levam a essa identificação, e também remetem aos lendários arquitetos
do templo do rei Salomão, Joachim e Boaz.
No gesto de indicar, o dedo direciona o olhar e o pensamento; ele mostra, aponta e
significa. O indicador, nessas ocasiões, eleva-se, para melhor identificar a direção para onde
aponta. Entretanto, indicar – que em língua alemã é sinônimo de “dar a conhecer” – exige a
referência de uma alteridade, ou seja, um ouvinte visual. Mostrar com palavras, gestos e
imagens, sugerir o caminho a seguir, significar e revelar os segredos de um conhecimento é a
expressão mais elevada da contraimagem que Joseph Beuys tenta criar por meio da linguagem
de seu corpo. Os gestos do mestre alemão são material de propaganda de seu pensamento
central.
A indicação, para Beuys, reativa e recupera sentidos, criando uma condição que
transcende a matéria da própria imagem, ou a recoloca em jogo no seu significado de
transformação espiritual, apontando para uma evolução que passa pelas alturas cósmicas
sugeridas pelo indicador. Sua escrita da luz assinala, significa, testemunha e revela que a
imagem de todo homem é arte.
As imagens fotográficas realizadas por Digne M. Marcovicz (Berlim, 1934) testemunham a
atividade política e ecológica de Beuys de 1968 a 1982, ano de sua participação na Documenta 7
de Kassel, com o grandioso projeto 7000 carvalhos.
O que parece evidente nessas extraordinárias imagens é sua capacidade de realização e,
ao mesmo tempo, sua adesão emocional às suas práticas e a seu projeto de tornar a política
estética, ou, melhor, de transformar a política em arte. Nessas imagens, que a repórter, jornalista
e escritora berlinense Digne M. Marcovicz capta com notável conhecimento técnico, Beuys
discute com um público que é, ele mesmo, o protagonista das discussões; muito frequentemente,
seu círculo de alunos e colaboradores, já então transformados em artistas de fama, como Blinky
Palermo ou Waldo Bien, e seus companheiros de jornada Wolf Vostell, Klaus Staeck, Johannes
Stüttgen e Caroline Tisdall. Os gestos e a comunicação são registrados na totalidade em um
debate antológico no centro de arte contemporânea Frankfurter Kunstverein, de 1976, e nas
discussões da Documenta 6, de 1977. Esse aspecto histórico que as imagens de Marcovicz
deixam transparecer é fundamental.
A escolha dessas fotografias, portanto, não é casual. Sobretudo na série em que Joseph
Beuys aparece empenhado pessoalmente na constituição do Partido Verde e em sua candidatura
ao Parlamento alemão, em 1980. Nessas imagens, ele surge atento e ativo, entre intelectuais e
políticos como Alexander Kluge, Carl Amery, Herbert Gruhl, Holger Strohm. Nelas, ele discursa no
42
palanque, como um político, ou melhor, como um artista que usa a política para avançar em um
projeto que nos confiou: a revolução somos nós.
5
Proteja a chama
“Um dia me aconteceu, por acaso, ter nas mãos uma publicação que estava com outras
em cima de uma mesa, todas elas em mau estado. Abri e vi uma escultura de Wilhelm
Lehmbruck. Imediatamente me passou pela cabeça uma ideia, ou melhor, uma intuição. A
escultura – é possível fazer algo com a escultura. Tudo é escultura, parecia gritar aquela figura.
Foi então que vi uma luz, uma chama, e ouvi uma voz que me dizia: Proteja a chama! Com estas
palavras, em 12 de janeiro de 1986, dez dias antes de morrer, Joseph Beuys inicia seu
agradecimento a Wilhelm Lehmbruck por ocasião da entrega do Prêmio.16 Wilhelm Lehmbruck
(1881-1919), que também havia frequentado a Academia de Düsseldorf, foi um escultor que
influenciou profundamente Joseph Beuys, então estudante, aos dezessete anos. Representando
problemáticas sociais, o escultor de Duisburg desenvolve um trabalho que supera até mesmo a
tradição clássica cujo ápice é a obra de Auguste Rodin. Do ponto de vista formal, Lehmbruck
tende às formas cúbicas; em sua escultura, reduz os volumes e elimina a base ou o pedestal.
Beuys, no entanto, como profundo conhecedor de sua obra, percebe e declara que o
exemplo de Lehmbruck, que o havia acompanhado por toda vida, supera a escultura tradicional e
direciona-se para um conceito ampliado de arte e de plástica social. É esse aspecto intuitivo que
permanece dominante em sua opção pela escultura. Tudo é escultura.
A escultura entendida como procedimento social pode invadir todos os campos. Todos os
setores da vida social são moldáveis. Esta é a percepção fundamental.
Quando encontra a assinatura de Lehmbruck em Aufruf an deutsche Volk (Apelo ao povo
alemão), redigido e publicado por Rudolf Steiner em 1919 – e que o escultor firmou como membro
da Organização de uma Tríplice Estrutura do Organismo Social17 – Beuys percebe e sente o
impulso para criar uma escultura que seja também, se não sobretudo, parte da transformação 16 O Prêmio Wilhelm Lehmbruck é concedido anualmente pelo museu Lehmbruck, em Duisburg, a um artista alemão.
Beuys considerava Lehmbruck seu verdadeiro mestre.
17 Escrito por Rudolf Steiner, pai e criador da Sociedade Antroposófica, e publicado em jornais e panfletos, o Apelo ao
Povo Alemão exortava o mundo das artes a iniciar mudanças no organismo social. Ao lado de Steiner, assinavam o
documento o escultor Wilhelm Lehmbruck, o escritor Hermann Hesse e outros.
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social. Sua percepção torna-se certeza. Tudo é escultura, e, por meio dela, é possível modificar
nossa visão de futuro para chegar a uma real renovação das estruturas sociais, de todo o
complexo social.
Em seu último discurso, dedicado ao mestre, Beuys diz ter visto no gesto de passar
adiante a chama “a expressão de um movimento com tal intensidade de significado que seria
necessário senti-lo já, hoje”. Hoje é também amanhã, como um futuro social que está em nossas
mãos.
E, por fim, Beuys se declara. Declara sua posição, em derradeira mensagem, referindo-se
exatamente à última mensagem de Lehmbruck a cada um de nós: “Proteja a chama, porque se
não a protegermos, antes de nos darmos conta, o vento a apagará, o mesmo vento que a
acendeu. Então, pobre, pobre coração, será o fim para você, petrificado pela dor.”
Protejamos a chama: a revolução somos nós.
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Universidade Livre Internacional –
Fundação, conceito e resultado*
Rainer Rappmann
A FIU é uma comunidade internacional de pesquisa. Seu círculo de colaboradores é
relativamente pequeno. Não é possível frequentar a FIU. Trata-se, simplesmente, do projeto de
uma nova sociedade, para além do capitalismo e do comunismo. Para realizar essa tarefa, cada
um tem de encontrar apoio em si mesmo.
Joseph Beuys, em 10 de março de 1985 para Dominique Quintin, no catálogo Brennpunkt
Düsseldorf: 1962-87, Düsseldorf, 1987, p. 99.
A Universidade Livre Internacional foi fundada por Joseph Beuys, em 1971, na Academia
de Belas-Artes de Düsseldorf. No estágio inicial, o objetivo era que fosse uma instituição onde os
estudantes – mas não exclusivamente eles – pudessem desenvolver sua criatividade de uma
forma mais ampla. A justificativa era a aguda falta de espaço na Academia. O desejo de liberdade
de Beuys – e sua noção de que toda formação, todo treinamento, toda vida intelectual só podia se
desenvolver sob o princípio da autodeterminação e da autonomia – fez com que explodisse os
limites da autoritária instituição estatal (ilustr. 113).
Uma mantenedora fundada em 1973, a Universidade Internacional Livre para a
Criatividade e a Pesquisa Interdisciplinar, queria incluir no programa as chamadas matérias não
artísticas, como teoria do conhecimento, ciências sociais, economia, ecologia e ciência da
evolução, além de etiqueta e letras; o membro-fundador Heinrich Böll ocupou-se especialmente
delas. Além do ensino – que, aliás, devia se processar de maneira pendular, ou seja, recíproca –,
tinham sido pensados um palco para apresentações, diversos institutos, jardins de infância,
atividades para incentivar a criatividade de pessoas da terceira idade e até uma televisão por
satélite. Beuys, entretanto, estava inclinado a só assumir o trabalho se a escola recebesse
dinheiro público, ou seja, se estivesse, do ponto de vista financeiro, no mesmo nível das
instituições oficiais. “Se na vida universitária como um todo não for instituído o modelo de uma
escola livre, que se alimente da mais-valia de um povo, da riqueza do povo, então esse modelo
* Este texto é a nova versão de um ensaio escrito em 1994 para o catálogo da exposição de Joseph Beuys no Centre Pompidou – Musée National d’Art Moderne, em Paris.
45
não me interessa.”18 Afinal, não se tratava, para ele, de uma escola particular de Joseph Beuys.
Mas quando os políticos locais e o então ministro da ciência Johannes Rau perceberam que havia
ali uma ideia também política, eles se opuseram ao projeto. A aprovação inicial revelou-se uma
manobra de propaganda política.19
Beuys trouxe à FIU, de forma substancial, tudo o que desenvolveu – muitas vezes, de
maneira dolorosa – nos anos 1950 e 1960. E quanto menos a FIU tornava-se realidade como
instituição, no início e em meados dos anos 1970, mais claramente seu conceito inicial se
transformava, no âmbito interno.
Algumas vezes, porém, ela mostrou-se ao mundo de forma evidente. A contribuição de
Beuys à Documenta 6, em 1977, foi a obra Honigpumpe am Arbeitsplatz (Bomba de mel no local
de trabalho).20 Esse local de trabalho era uma sala da FIU, na qual Beuys e seus colaboradores
passaram cem dias discutindo os problemas e os princípios de um novo modelo de sociedade, a
escultura social. Àquela altura, criavam-se grupos que operavam como filiais da FIU em todos os
lugares: Irlanda do Norte, Inglaterra, África do Sul, Itália e Holanda e, nas mais variadas
configurações, por toda a Alemanha.
A partir de Kassel, também tornou-se visível – pelo menos na Alemanha – que esse grupo
determinado de pessoas se ocupava, cada vez mais, com a política. Em 1978, a edição de Natal
do jornal Frankfurter Rundschau publicou a Aufruf zur Alternative (Conclamação à alternativa),21
que Beuys havia redigido junto com os funcionários do Centro Cultural Internacional Achenberg
(INKA). O texto não apenas registrava uma nova ideia de sociedade, mas também proclamava a
união de correntes políticas alternativas. Em 1979, a FIU, enquanto organização e grupo de
pessoas, foi um dos cinco fundadores do partido Die Grünen (Os Verdes).22 De 1980 a 1986, o
Partido manteve, sob a direção de Johann Stüttgen, um escritório de coordenação na sala 3 da
Academia de Düsseldorf, a antiga sala de Beuys.
18 Joseph Beuys, Kunst = Kapital. Achberger Vorträge. Wangen, 1992, p. 19.
19 Harlan; Rappmann; Schata, Soziale Plastik – Materialien zu Joseph Beuys. Achberg 1994 (3), p. 40.
20 Cf. Explicações sobre a contribuição de Beuys à Documenta (1977) in: Loers/Witzmann, Joseph Beuys –
documenta-Arbeit. Stuttgart, 1993, p. 145ss.
21 Publicado, entre outros, em Soziale Plastik – Materialien zu Joseph Beuys. Achberg 1994 (3).
22 Cf., entre outros, Petra Kelly, Joseph Beuys: Diese Nacht, in die die Menschen.... Wangen, 1994.
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Diversos projetos vinculados à FIU foram continuados depois da morte de Beuys.
Poderíamos mencionar, primeiramente, 7000 Eichen (7000 carvalhos),23 que foi iniciado por
Beuys e consistia na plantação de 7 mil árvores junto a 7 mil pedras basálticas, em Kassel. Ou o
Omnibus für Direkte Demokratie in Deutschland (Ônibus pela democracia direta na Alemanha)
(ilustr. 114), que percorreu os estados alemães durante sete anos para discutir com moradores de
lugares diversos sua soberania, ou seja, sua possibilidade de participar da organização social.24
Em setembro de 1994, a última viagem terminou em uma exposição de Beuys, em Paris25; a ideia
era apresentar o plebiscito, como símbolo, também na Europa.
Outro prolongamento da FIU, criado em 1992, é a Wirtschaft und Kunst – erweitert (Ação
economia e arte – ampliada), que tem por objetivo reviver o antigo conceito de alamedas, que
ainda existe nos novos estados alemães, e com ele trazer à baila as concepções da FIU,
atualizadas na antiga “faixa da morte”, entre a República Federativa Alemã e a República
Democrática Alemã.26 O ponto de partida da ação foi a escultura Baumkreuz (Cruz de árvores)
(ilustr. 115), uma fileira dupla de carvalhos e tílias plantados em forma de cruz, em Iftha, no
coração da Turíngia.
Além disso, funcionavam como postos de trabalho da FIU a Freie Kunstschule (Escola
Livre de Artes), em Hamburgo, e a editora e a distribuidora FIU, que disponibilizam o conjunto
desse pensamento na forma de textos, livros, mídias audiovisuais etc.
Como desdobramento mais novo e atual da FIU, num sentido abrangente – ou, pelo
menos, germinado e inspirado por ela –, podemos citar o projeto Mehr Demokratie in Bayern
(Mais democracia na Baviera), que foi intensamente apoiado, entre outros, pelo Ônibus pela
democracia direta. Por meio de um pedido apoiado nas repartições públicas locais por 13,7% dos
cidadãos aptos a votar, num período de catorze dias no outono de 1995, em 1º de outubro
daquele ano decidiu-se pela introdução do plebiscito na Baviera. Essa iniciativa obteve uma
vitória expressiva (57,8%) em relação à proposta do partido conservador CSU (União Social-
23 Cf. 7000 Eichen – Joseph Beuys (org. Groener; Kandler). Colônia, 1987. Além de: Beuys; Blume; Rappmann,
Gespräche über Bäume. Wangen, 1994.
24 Sobre o Ônibus pela democracia direta na Alemanha, cf. Kronkers, Stüttgen, Aktion Ost/West. Wangen, 1991.
Sobre a participação de Beuys pelo plebiscito, cf. documenta-Arbeit (veja nota 3), p. 77ss.
25 Cf. Gauss; Krenkers, Von der documenta zum Centre Pompidou, 14.9.87-14.9.94. Aachen/Paris, 1994. 26 Cf. Schmidt; Wolbert, Idee Unternehmen Wirtschaft und Kunst – erweitert. Wangen, 1994. Sobre os três projetos
citados, cf. o texto Junge; Krämer; Krenkers, Projekte erweiterte Kunst – von Beuys aus. Wangen, 1993.
47
Cristã da Baviera), majoritário no estado, que previa o impedimento de qualquer ação do gênero
(38,7%) (ilustr. 116).27
Antes de tudo, porém, a FIU é uma ideia e uma substância invisível, criada por Joseph
Beuys com a ajuda de seus colaboradores – em determinadas propostas e projetos – e a partir de
seu conceito ampliado de arte. Essa ideia contém a semente espiritual da criação de uma nova
cultura humana. A FIU é a imagem de um núcleo livre, internacional e universal de informação,
formação e comunicação, que realiza a conexão espiritual entre pessoas que pensam, sentem e
têm iniciativa, e aquelas que sofrem com as relações que dominam a Terra hoje.28
A ideia aposta no ser humano livre, autônomo e que pode determinar o futuro. É certo que
ele tem essa capacidade básica, essa possibilidade. A potência do ser humano – em princípio,
intelectual – é compreendida como um capital que ele pode aumentar, aperfeiçoar, desenvolver e
ensinar (aqui na Terra, e apenas aqui!). Ele aplica seu capital intelectual ao trabalhar com a
matéria e com as forças da natureza, para satisfazer, com o produto que gera, as necessidades
dos outros homens. Em nenhum momento o dinheiro aparece como valor econômico, como
acontece hoje, de maneira tão prejudicial. Beuys conclui: Arte = Capital.29
O conceito da FIU contempla a diferenciação entre capital e dinheiro, entre trabalho e
ganho financeiro. Tudo isso tem consequências amplas, que não podem ser explicitadas aqui. De
todo modo, é lógico que esse tipo de princípio não pode ser aplicado individualmente, de maneira
isolada ou ditatorial. É preciso que a sociedade como um todo chegue a um consenso, sempre
que o soberano, ou seja, cada cidadão e cada cidadã, considerar necessário. Beuys via na
participação democrática direta do ser humano nas leis às quais está submetido, por meio do
plebiscito, a melhor forma de concretizar esse conceito, pelo qual ele até participou de uma luta
de boxe.30
Beuys atrela seu trabalho conceitual, realizado ao mesmo tempo no terreno da arte, a um
fio condutor que já tinha sido trabalhado antes na Revolução Francesa e em Friedrich Schiller. No
século 20, ele encontra nas pesquisas de Rudolf Steiner uma precisão maior em relação à
questão social, que, de maneira explícita, é sempre seu assunto: “Nós trabalhamos também
segundo o modelo tripartido de Rudolf Steiner”.
27 Desde 1996, a iniciativa, agora identificada como “Mais democracia na Alemanha”, transferiu sua ênfase
novamente para o nível nacional. 28 Johannes Stüttgen, FIU – Organ des Erweiterten Kunstbegriffs. Wangen, 1987. 29 Cf. as palestras de mesmo nome de Joseph Beuys: Kunst = Kapital. Achberger Vorträge. Wangen, 1992. 30 A luta aconteceu durante a Documenta 5, em Kassel (1972). Foi uma espécie de performance: Beuys lutou com outro artista, Abraham David Christian, no escritório do partido político que fundara, a Organização pela Democracia Direta por Referendo.
48
A ideia que Steiner chamava de “tripartição do organismo social” havia sido apresentada –
e também propagada – no final da Primeira Guerra Mundial. O ponto mais significativo para a sua
compreensão são as diferenciações dentro do organismo social, bem como a descoberta de que
suas três grandes esferas de força – a vida intelectual-cultural, a vida jurídica e a vida do trabalho
conjunto, ou a vida econômica – são organizadas de acordo com princípios muito distintos:
liberdade, igualdade, fraternidade. A Revolução Francesa já havia proclamado esses princípios;
mas não se sabia, então, como lidar com eles. Steiner sabia quais elementos sociais deveriam
ser organizados segundo cada tendência estrutural, e como cada um deveria ser estimulado a se
expandir.
Wilhelm Schmundt era discípulo de Steiner e, ao mesmo tempo, contemporâneo de Beuys.
Aplicando o método de conhecimento de Steiner, ele examinou os conceitos básicos da
sociedade como unidade orgânica, como ela aparece hoje no primado da economia da divisão do
trabalho. Concluiu que o dinheiro não é um valor econômico e que, na realidade, devia ser
reconhecido como um elemento da vida jurídica. Esse raciocínio tem como consequência libertar
o trabalho das garras do poder do dinheiro, que hoje domina tudo. Beuys tinha um apreço
excepcional por Schmundt; certa vez, chamou-o de “nosso grande professor”. Podemos dizer
mesmo que, sem Schmundt, Beuys não teria conseguido desenvolver o conceito da escultura
social (ilustr. 117).31
O conceito da FIU foi continuamente transformado e desenvolvido. Ele não é um livro de
receitas fechado. Graças a Deus! Se fosse, estaria morto. Mas ele coloca alguns desafios ao
pensamento: “Na arte social, é preciso entender algo, isto é, os conceitos têm de ser
formulados”.32 Na reflexão e na caminhada conjunta, em princípio, com todos (palavra-chave:
conferência permanente), deveria surgir a clareza e o adensamento de ideais para uma
determinada tarefa. Essa era a intenção de Beuys.
O ser humano está desafiado a encontrar a forma adequada de realizar suas tarefas neste
mundo. Há, de um lado, uma tarefa de compreensão, para a qual conta com a ferramenta do
pensamento. Por outro, há uma tarefa de criação, de usar a capacidade humana para intervir nas
matérias e nas forças da natureza, e também, ou principalmente, nas condições que regem a vida
e o trabalho em conjunto. Ou seja, uma tarefa artística.
Potência de criação e busca da forma são ambos aspectos da arte que devem ser
aplicados aos campos da vida comunitária e da sociedade. Apenas por meio do método da arte,
31 Cf. Rainer Rappmann, Die Kunst des sozialen Bauens – Beiträge zu Wilhelm Schmundt. Wangen, 1993, p. 13ss. e p. 46, bem como, sobre a tripartição: Auf den Schultern von Riesen. 32 Joseph Beuys; Michael Ende, Kunst und Politik. Wangen, 1989, p. 84.
49
assim entendido, os problemas podem ser resolvidos. A FIU era, e é, uma ferramenta e uma
oferta nesse sentido.
50
A planta como arquétipo da teoria da plasticidade e a floresta como arquétipo da escultura
social
Volker Harlan
Beuys aponta para uma caixa:
“Esta é uma obra de arte criada pelo homem”.
E, em seguida, apontando para uma caveira de macaco:
“E esta obra de arte não foi criada pelo homem, mas é uma obra de arte. Quem criou esta obra
de arte, então?”
Joseph Beuys resume seu pensamento pictórico em sua teoria da plasticidade. Ele a
expressa visualmente em um diagrama e a aplica a tudo o que se apresenta no espaço e no
tempo. É nesse contexto que fala de um conceito ampliado da arte. Para ele, a forma de um todo
escultural é constituída por três princípios derivados da alquimia: enxofre, mercúrio e sal.
Resumidamente, enxofre é o indeterminado, o caos, a energia pura; mercúrio, o movimento
mediador, o processo de formação; sal, a rigidez e a forma. Isto vale, de igual maneira, para os
processos naturais, anímicos e sociais. Beuys também associa um aspecto terapêutico a sua
ideia de escultura; torna isso visível ao aplicar, no canto de um espaço retangular, um material
maleável, como a gordura.
Beuys desenvolveu suas ideias sobre a teoria da plasticidade ao contemplar uma planta,
epítome de uma forma plástica harmoniosa e tripartida. A principal preocupação do seu trabalho
artístico é a reformulação do campo social. Ele chama o organismo social de plástica social ou
escultura social. A planta individual torna-se o protótipo para o diagrama da teoria da
plasticidade.
Uma floresta lhe serve de pretexto para a reformulação da escultura social. Em 1982, criou
para a Documenta 7, em Kassel, o que se tornaria sua maior escultura. Plantou em toda a cidade,
e para além dela, 7 mil carvalhos. Nessa ocasião, falou de substituir “a administração urbana”
pela “arborização urbana”,NT ou seja, ele pensava na cidade transformada em um organismo
vivo, no qual os cidadãos administram seus próprios assuntos de forma solidária e sustentável.
Em 1977, na Documenta 6, sua maior escultura criada para um espaço fechado, a
Honigpumpe am Arbeitsplatz (Bomba de mel no local de trabalho), representava o arquétipo da
formação dos processos sociais. Grupos da chamada Universidade Livre Internacional (F.I.U.) de
51
todo o mundo se reuniram durante os cem dias da exposição para discutir os graves problemas
do organismo social.
Com essa introdução, apresentamos dois aspectos do trabalho de Joseph Beuys. Na
sequência, trataremos com mais detalhes da criação da teoria e do diagrama do plástico, a partir
da observação da planta; e da ideia de um organismo solidário social, a partir da observação da
floresta.
A planta como protótipo gráfico da teoria da plasticidade
A relação de Beuys com as plantas é complexa. É possível distinguir três dimensões em
particular, que se fundem naturalmente: a planta como objeto natural e a planta como imagem ou
símbolo – como obra de arte.
De um lado, a relação do artista com as plantas está profundamente arraigada em seu interior; do
outro, o ambiente rural de sua infância e juventude, e, finalmente, da época do serviço militar,
favoreceram sua inclinação, sua curiosidade, seu interesse pela natureza e, em especial, pelas
plantas. “Eu comecei”, conta Beuys a seu biógrafo, “a me interessar pelas plantas, pela botânica,
e conhecia – já que havia feito muitas anotações – quase tudo sobre essa área. Verdadeiras
excursões eram organizadas com as crianças, criamos coleções que expusemos ao público.” Na
autobiografia cronológica Lebenslauf = Werklauf (Currículo de vida = Currículo de obras), de
1964, Beuys escreve: “1930, Donsbrüggen, exposição de ervas e plantas medicinais”.4 As
sessões de jardinagem com seu colega de escola Günther Mancke e, mais tarde, em seu próprio
jardim, assim como o trabalho agrícola ocasional em Kranenburg “(em 1956-1957 Beuys trabalha
no campo )”, ajudaram a familiarizá-lo com o ciclo anual de crescimento e transformação das
plantas. Uma foto mostra Beuys colhendo batatas em um jardim; outra, as cenouras que cultivara
nas areias de uma duna. No pátio de seu ateliê há sempre vasos grandes com plantas. Logo
aprende seus nomes, incluindo os latinos, e salva Systema naturae , de Lineu,NT de uma
queima de livros promovida por nazistas em uma escola. Também cria listas nas quais cataloga
os nomes alemães e latinos das plantas; ou os sublinha no BLV Buch der Heilkäuter (Livro das
ervas medicinais BLV).NT Em uma folha de papel, registra o nome de um grande número de
plantas, acompanhadas por pequenos desenhos.
Na região de Abruzos, na propriedade de Buby Durini, que vivia em um castelo e não só
colecionava arte, mas também era ativo no movimento verde , Beuys dá início ao projeto Defesa
della Natura, que prevê o plantio de 7 mil espécies distintas de plantas. Ele queria criar, no ermo
das montanhas, um jardim paradisíaco, usando exclusivamente recursos orgânicos.
52
No momento em que Beuys cultiva, cuida, colhe e seca as plantas, que aprende seus nomes, que
faz listas delas, elas já são, para ele, um objeto. “Quando se lida com flores”, elas tornam-se um
interlocutor “e provavelmente se sentiriam melhor se as tratássemos como uma tentativa”. Do
“lidar carinhoso com a planta” nasce um sentimento em relação a ela, um modo de tratá-la: “Isso
provavelmente vem das próprias flores”.
O estudo contínuo e as experiências de Beuys com o mundo das plantas são enriquecidos
de modo essencial pelos livros de Rudolf Steiner e de seus seguidores. Isso se dá, por exemplo,
na leitura da obra-chave de G. Grohmann, Botanische Beiträge und Erläuterungen zum
Verständnis der Vorträge Dr. Rudolf Steiners “Geisteswissenschaft und Medizin”, ein Versuch
[Contribuições botânicas e comentários para a compreensão das palestras sobre “Ciências do
espírito e Medicina” do Dr. Rudolf Steiner, uma abordagem] editado em Freiburg. É após a leitura
deste livro, aos 26 anos, em 1947, que Beuys define e constrói a base da sua teoria da
plasticidade. Fica evidente como ele lê e relê os textos agrupados no livro, traduzindo em
imagens o que percebe neles como conceito e linguagem por meio de pequenos desenhos a lápis
que insere nas margens (figs. 1-3) da publicação.
Na sucessão de pequenas anotações, vemos como Beuys vai, passo a passo, transformando o
que lê em diagrama. Essas figuras se agrupam em uma imagem que pode ser lida como o
arquétipo dos futuros diagramas da teoria da plasticidade. Nascem aqui os diagramas que Beuys
mais tarde desenharia em quadros-negros, em suas palestras, e pedaços de papel, durante
entrevistas. Só vinte anos após essa leitura, Beuys começaria a desenvolver e expor sua teoria
da plasticidade.
Beuys vê a planta, tal como Rudolf Steiner a apresenta, como algo que está entre o céu e a terra,
o sol e a terra, a luz e a gravidade, aos imponderabilien e aos ponderabilien.NT Ele ilustra o
processo de formação do sal com uma seta que aponta para baixo, seguindo a lei da gravidade.
Nos desenhos ao lado (figura 2) vê-se, embaixo, no ponto para onde a seta aponta, um quadrado
que representa a estrutura de cristalização do sal. No desenho inferior, a seta parte de um vaso
aberto na parte superior, na direção para onde apontam pequenos raios. Cria-se, assim, uma
imagem que lembra flores. Lê-se novamente, no cristal de sal, a palavra gravidade.
Em outro desenho (fig. 3), há dois polos aos quais Beuys atribui os termos quimismoNT etéreo e
quimismo terreno. Aqui, a polaridade está no fato de a estrutura superior ser constituída por um
grande círculo que envia massivamente raios para o interior. A figura inferior, por sua vez, tem um
ponto no centro que irradia traços por todas as direções. O adjetivo “etéreo” aponta para um
campo de “forças constitutivas” no qual um organismo assume uma forma. A formação de uma
planta corresponde, por um lado, ao que é possível e necessário do ponto de vista do quimismo
53
terrestre; por outro, representa aquilo que seu Ätherleib (corpo etéreo) ou seu Bildekräfteleib
(corpo de forças constitutivas) permite. Essa polaridade gera uma determinada configuração, que
detalharemos mais adiante.
No diagrama da evolução (fig. 4), Beuys escreve “corpo etéreo” à esquerda da planta e circunda a
expressão com um rabisco oval, dentro do qual também escreve a palavra “vida”. Pflanze
(Planta), de 1947 (fig. 5), ocupa uma área oval. A figura superior do desenho se irradia da
periferia para o centro; a figura inferior, do centro para fora, como um cristal que se expande a
partir de um núcleo de cristalização para formar uma nova substância, segundo o mesmo
princípio constitutivo.
Um terceiro desenho na margem (fig. 6) mostra, como o anterior, raízes que crescem de forma
linear no espaço, enquanto um broto se desdobra em uma espiral. Cada nova folha cresce a
partir desse broto, de acordo com a sucessão dos números de Fibonacci.NT A espiral se repete
de baixo para cima. No ponto em que as duas espirais se encontram, insinua-se a figura de uma
flor.
O tipo de formação tripartida da planta
Na margem de outra página, Beuys desenhou uma série de figuras muito pequenas, agrupadas
de três em três. A cada grupo relacionam-se os três conceitos destacados no texto, por sua vez
relativos aos princípios constitutivos que a alquimia de Paracelso denomina enxofre, mercúrio e
sal. Steiner aplicou esses princípios ao processo de formação das plantas. Antes de explicarmos
os pequenos desenhos de Beuys, vamos apresentar o tipo de formação da planta.
Metamorfose das folhas: mercúrio
Em 1969, Beuys cola um raminho com algumas folhas (fig. 7) em uma grande folha de papel
branca. Quem olha atentamente para estas folhas constata que elas são ligeiramente diferentes
entre si. Isso fica ainda mais evidente quando comparamos as folhas inferiores e as superiores.
As inferiores são ovais e encolhem-se ligeiramente na ponta. As superiores são compridas e têm
pontas bem delineadas.
Na imagem ao lado (fig. 8), vemos a haste de outra planta, que, com suas muitas folhas
simples, ilustra de forma ainda mais clara o princípio exposto aqui: quando as folhas do ramo de
uma planta originam-se de uma semente ou botão, elas tendem a apresentar uma forma
arredondada ao brotar. Isso chega ao ponto de acabarem ficando mais largas do que longas; 54
nessas casos, forma-se uma cavidade em seu dorso, e elas correspondem à forma de um
redemoinho na água ou outro líquido. Na extremidade do ramo em crescimento, as folhas verdes
tornam-se estreitas e pontiagudas, mais parecidas com a forma de uma chama criada por uma
súbita corrente que agita o ar. Este processo revela-se claramente na chama de uma vela; o gás
que é gerado pelo calor brilha ao esvair-se.
A figura 9 compara esses processos e os torna evidentes. Nele, vemos como outra planta
tem suas primeiras folhas simples e arredondadas, que, gradualmente, vão assumindo a forma
específica da espécie para, em seguida, voltarem a se encolher, tornando-se cada vez menores e
mais finas, até que só reste delas as pontinhas. Em 1787, durante sua estadia na Itália, Johann
Wolfgang von Goethe descobriu esse princípio de formação na Itália e chamou-o de planta-
arquétipo, já que todas as plantas se formam, em princípio, assim. Ao descobrir a formação e a
transformação de natureza orgânica das plantas e animais, Goethe criou o método biológico da
morfologia comparativa dinâmica. Em suas palestras, Steiner chama esse princípio de
transformação e metamorfose de mercúrio. No nível físico, ele se situa entre a cristalização, a
solidificação, a petrificação e a dissolução, a evaporação, a combustão, a produção do caos. A
ele, segue-se o princípio sal e, por último, o princípio enxofre.
Formação de raízes: SAL
Na planta, o princípio sal revela-se na formação da raiz (fig. 10), no momento em que ela começa
a penetrar o solo e tem de se adaptar, gradualmente, a suas condições. A raiz cresce na vertical,
na direção da gravidade, para dentro da terra. Raízes laterais se projetam para fora, a partir da
raiz principal, e sempre no mesmo ângulo em relação a ela. Não há metamorfose, não se formam
espirais; as raízes laterais ficam exatamente uma embaixo da outra. Esse processo assemelha-se
ao da formação dos cristais; ao se proliferarem, eles formam sempre o mesmo ângulo, como
mostra o corte longitudinal num cristal de turmalina.
O processo de florescimento: enxofre
O processo que leva à floração obedece a um princípio de formação completamente distinto. Ele
primeiro transforma as folhas de um determinado tipo num broto, na medida em que as contrai,
reduz e lhes dá uma forma de chama. Acima do broto forma-se o botão de flor que, ao se abrir,
no calor do verão e à luz do sol, cria um cálice no qual estão os estames, geralmente numerosos.
Enquanto as raízes são resistentes, pois formam tubérculos ou são tuberosas, a planta
acima do solo morre no inverno. E as pétalas frágeis da flor têm vida ainda mais curta, pois
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murcham e caem, muitas vezes no mesmo dia em que a planta floresce. Essas pétalas
frequentemente são vermelho-amareladas como chamas.
O processo enxofre interfere ainda mais radicalmente na formação dos estames, ao fazer
com que eles irrompam no ponto previsto. O que foi gerado como substância no interior da folha
vem para fora e é levado por insetos e pássaros ou transportado pelo vento (fig. 11). A planta doa
sua própria e preciosa substância, tornando-a disponível para outras plantas da mesma espécie.
A autopolinização é quase sempre desnecessária; em seu lugar, há a polinização mútua.
Enquanto a raiz preserva o passado, o pólen garante o futuro da espécie, mantendo-a
fértil. No pólen, cujos grânulos são tão pequenos que não podemos vê-los a olho nu, o aspecto
físico de uma planta desaparece totalmente, mas perdura como potencialidade futura.
A evolução tornou-se possível graças ao princípio da polinização cruzada. A cada
polinização, há uma ligeira alteração no material genético pelo caos que ocorre dentro do ovário.
E é isso que possibilita o surgimento de novas formas.
Geralmente produzido em profusão, o pólen também serve a muitas espécies de insetos,
que alimentam suas crias com ele. Para as abelhas, é a base da produção de cera, que Beuys
utiliza com frequência como material moldável, de trabalho, pois mesmo o mais leve aquecimento
é capaz de alterar o estado físico da cera.
Ainda que o amadurecimento das sementes ocorra ao longo do processo enxofre, a planta
continua produzindo substância em profusão, que será usada apenas em poucos casos para a
preservação da espécie, servindo sobretudo como alimento para outros organismos, em especial
roedores e aves.
Na formação da flor como forma (figs. 12-14), as pétalas não surgem com formas distintas
entre si, mas se assemelham entre elas e formam conjuntamente um novo corpo superior. Muitas
vezes, elas mal são visíveis individualmente, ou mesmo se fundem, como acontece com as
convolvuláceas. Quem sabe quantas pétalas compõem uma tulipa ou papoula?! O importante,
aqui, não é a figura individual, mas o conjunto, o órgão que pode se desenvolver quando os
indivíduos se contêm em benefício do todo. Flores compostas, como a margarida, são
constituídas por uma grande quantidade de flores individuais. O que parece ser uma pétala é, na
verdade, uma flor que abdicou de sua fertilidade em favor do todo; os pontos amarelos no interior
são as frutificações que dão origem às sementes. Assim, as flores tornam-se uma imagem da
sociedade, uma escultura social.
A dispersão do pólen e da semente é, desse modo, a imagem de um processo social que
contribui para o crescimento e o desenvolvimento de outros.
Esse mecanismo, aplicado à ação humana, foi formulado por Rudolf Steiner, há cem anos,
da seguinte maneira: “O bem-estar de um grupo de pessoas que trabalham juntas cresce na 56
medida em que o indivíduo reivindica menos os méritos do seu desempenho para si, ou seja,
quanto mais ele transfere o lucro a seus colaboradores e quanto mais tem suas necessidades
satisfeitas não por seu próprio desempenho, mas pelo desempenho dos outros. Dentro de um
conjunto de pessoas, todo arranjo que é contrário a essa lei irá, mais cedo ou mais tarde, gerar
miséria e infelicidade. Essa lei básica aplica-se à vida social com o mesmo radicalismo e
infalibilidade de qualquer lei natural que rege determinado espectro de acontecimentos naturais.
Mas não se deve pensar que é suficiente aplicá-la como uma lei moral geral, ou traduzi-la na
crença de que todos devem trabalhar para o bem dos demais. Não. Na realidade, a lei só se
impõe da forma certa quando um grupo de pessoas consegue criar organizações nas quais
ninguém jamais poderia reclamar os frutos do seu trabalho apenas para si; e, preferencialmente,
quando a totalidade desses frutos é transferida para o grupo inteiro. E cada um deve, por sua vez,
ser sustentado pelo trabalho dos outros. O que importa é saber que trabalhar em prol dos outros
e obter uma determinada renda são coisas completamente distintas”.
O diagrama da teoria da plasticidade
Voltemos agora aos pequenos diagramas que Beuys desenhou nas margens do livro de
Grohmann. Depois de ocupar-se com as forças polares de formação do enxofre e do sal, em cuja
atuação conjunta, de caráter mercurial, pode aparecer a imagem da planta, o artista passou a
relacionar esses três princípios constitutivos entre eles.
Primeiro, vemos três formas independentes, sobrepostas (fig. 15); no alto, há uma forma que
circula várias vezes em torno dela mesma. No meio, uma figura em forma de gota ou chama,
arredondada na base e pontiaguda em cima. Abaixo, há uma forma dura, angulosa, que lembra
as pedras disformes de basalto colocadas ao lado das últimas mudas dos 7 mil carvalhos
plantados em Kassel. Até no tamanho, as três formações organizam-se de cima para baixo, indo
da leve para a pesada.
Nas três figuras seguintes (fig. 16), os elementos desenhados separadamente na figura
anterior condensam-se em uma única, repetida três vezes, duas delas quase idênticas. Na forma
do alto, o elemento superior e o intermediário permaneceram formalmente iguais; apenas foram
aproximados. Já o elemento de baixo foi reduzido a um quadrado. A forma inferior varia em
relação às duas quando o quadrado que serve de base passa a apoiar-se sobre uma de suas
pontas, assumindo a forma de losango.
A primeira figura tripartida – processo botânico-alquímico
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No último desenho da série feita nas margens do texto de Grohmann (fig. 17), há duas
figuras justapostas: a figura interna mostra o mesmo círculo que as figuras descritas
anteriormente (figs. 15 e 16); abaixo dele, há uma figura em forma de gota; ela se abre e então se
fecha, sem se arredondar. Em vez disso, assume uma estrutura cúbica, cujos contornos
abrangem um dado inclinado para a frente (fig. 18). Essa frente não é um plano, mas uma ponta.
A estrutura interna nos é familiar porque remete aos primeiros desenhos. No alto, há um círculo
de tamanho médio que irradia para dentro; abaixo, uma estrutura menor com linhas levemente
radiais. Entre elas, há uma imagem de puro movimento, em forma de gotas e fagulhas.
Aqui, portanto, os três elementos – enxofre, mercúrio e sal – aparecem empilhados um
sobre o outro, como raiz, folha e flor (não pensados como substâncias, mas apenas enquanto
processos).
Conhecemos dois desenhos de plantas feitos por Beuys e datados do mesmo ano em que
tomou contato com Grohmann e talvez também com as palestras de Steiner. Eles estão
diretamente relacionados ao que vimos nos desenhos da margem do livro.
Ligeiramente distinto, o pequeno desenho da coleção Vegesack (fig. 5) corresponde, em
sua formação de raiz e flores, aos desenhos à margem do texto; no centro, duas folhas
representam a zona mercúrio. É uma planta tripartida altamente esquemática, no invólucro oval
do seu Ätherleib (corpo etéreo), termo escrito no desenho.
É somente nos últimos anos que Beuys toca mais uma vez no tema das plantas sob o
prisma da tripartição. Um desenho de 1967, intitulado Ein Berglattich (Uma cicerbita) (fig. 19),
reproduz de forma bastante fiel uma planta com raízes, folhas e flores. Apenas as palavras “azul”,
“verde” e “amarelo”, escritas ao lado da raiz, das folhas e das flores, respectivamente, enfatizam a
ideia da tripartição. Amarelo e azul, que compõem a polaridade básica da teoria das cores de
Goethe, unem-se e fundem-se no centro do desenho, na cor verde. Poderíamos conjecturar por
que Beuys associa o azul ao polo da raiz. As demais atribuições não causam estranheza, já que o
polo das flores é, também na natureza, muitas vezes amarelo, enquanto a maioria das folhas são
verdes.
Uma planta que Beuys desenhou com giz num quadro-negro, ao explicar sua Bomba de
mel no local de trabalho (fig. 20), mostra claramente o que está apenas implícito em Uma
cicerbita: a metamorfose das folhas no meio da planta, na região compreendida entre a zona do
sal e a do enxofre, isto é, na zona mercúrio. A apresentação da raiz, ainda que apenas sugerida
no desenho, caracteriza o princípio sal. E o broto é representado, desenhado mesmo, como se
oscilasse em movimento lemniscáticoNT desenhando a típica forma de flor que se implanta
horizontalmente sobre a haste vertical (fig. 20).
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Vamos comparar o que Beuys representa de forma abstrata com o esboço para sua obra
Bomba de mel no local de trabalho. Juntemos aqui um desenho esquemático e morfológico do
tipo planta (fig. 22) e parte de outro desenho, de 1970 (fig. 21). Tomemos a parte direita desse
segundo desenho, e a coloquemos na vertical, ao lado do tipo “planta”.
Fica claro de imediato que Beuys está criando uma abstração gráfica da planta, que corresponde,
de um lado, aos três princípios descritos anteriormente e, de outro, ao princípio planta em si. Na
base, o desenho mostra uma estrutura simples e evidente, que lembra a geometria da raiz. Dessa
estrutura parte, da esquerda e para cima, uma linha circular curta que gira em torno dela mesma,
e que está associada à formação dos cotilédones,NT na planta. Beuys a representou tanto no
desenho da cicerbita quanto no desenho ao lado da bomba de mel. A figura central, em forma de
chama, relaciona-se às brácteas. Evidentemente, a figura do alto, em rotação visível, corresponde
ao broto. O desenho de Beuys espelha a formação planta em seus detalhes essenciais, ao
mesmo tempo em que a esquematiza.
Também aí se reconhece que a intenção de Beuys é representar a formação tipo planta;
quando a planta floresce, os cotilédones caíram, secos, há muito tempo. Girando em forma de
espiral e balançando levemente, sobe pelo meio do desenho uma linha que se expande e, em
seguida, contrai-se numa pequena estrutura, antes de continuar a subir e de partir, em linhas
circulares, rumo ao centro.
Os princípios do diagrama da teoria da plasticidade
Na figura 23, temos o também típico desenho em forma de diagrama que explica a teoria da
plasticidade (fig. 23). Beuys desenhou o diagrama da esquerda de maneira muito mais solta, livre,
indiferente às formas da natureza; foi fiel, apenas, aos três princípios alquímicos de formação. Por
meio de traços duplos verticais, separou os três princípios constitutivos (enxofre, mercúrio e sal),
para ressaltá-los. Ele assinala a progressão de seu desenrolar, estruturando o processo, assim
como faz a planta quando produz cada uma de suas folhas no caule. Em suas falas, Beuys
enfatizava o fato de que cada processo criativo da natureza ou da vida social pode estar mais
concentrado em um ou outro passo do desenrolar plástico. Isso pode originar um desequilíbrio e,
consequentemente, uma necessidade de adaptação ou tratamento.
Esse díptico talvez seja a mais bela representação gráfica relacionada à teoria da plasticidade. O
que podemos observar na planta, e que nos leva à plena compreensão de sua natureza tripartida,
pode agora ser visto em tudo, em qualquer organismo com o qual estejamos lidando.
59
No meio de um diagrama simples e claro, que está em uma coleção suíça (fig. 24), há um gráfico
que, quando desenhado de maneira isolada, apresenta o polo do caos do lado esquerdo e o polo
da forma do lado direito. Esquerda e direita são, portanto, os lugares opostos do indefinido e do
definido, da forma e da energia, mas também da vontade e do pensamento, ou dos membros e
do crânio. Entre eles estão o movimento e a alma/sentimento, ou coração.
Num complexo desenho a lápis (fig. 25), que resume muito do que Beuys mostra em
quadros-negros em suas palestras, encontramos o gráfico da teoria da plasticidade (na parte
inferior, à esquerda). Embaixo dele, Beuys escreveu os termos alquímicos enxofre, mercúrio, sal;
acima, os três níveis de desenvolvimento do terreno – saturno, sol e lua – relacionados a esses
três processos constitutivos, como Steiner descreve em sua Geheimwissenschaft im Umriss (A
ciência oculta. Esboço de uma cosmovisão supra-sensorial. 4ª. ed. São Paulo: Antroposófica,
1998). Essa é a explicação mais clara possível. Na parte superior, à direita, a planta aparece
invertida ao lado do homem, de modo que as raízes que se encravam na matéria – como a razão
na tecnologia – ficam paralelas à cabeça (Beuys designa-os sistemas nervoso e sensível). Os
órgãos respiratórios e o centro do aparelho circulatório (chamados por Beuys de sistema rítmico)
pulsam de maneira rítmica e estão cercados pela sequência de costelas, em paralelo às folhas
ritmicamente organizadas da planta.NT Além disso, os órgãos reprodutivos da planta e do homem
estão relacionados (no sistema metabólico, segundo Beuys).
À esquerda, acima, ao lado dos três sistemas de órgãos da planta, há três conceitos que se
referem ao organismo social e à sua figura idealizada e tripartida: vida econômica, vida jurídica,
vida espiritual. Voltaremos ao assunto quando falarmos da floresta.
Em primeiro lugar: por que gordura?
Beuys usava quase que exclusivamente gordura vegetal; às vezes, cera de abelha. De
onde vem a gordura vegetal? A reserva de gordura nas raízes ou nos brotos, quando existe, é
insignificante. Em toda e qualquer planta, a matéria gordurosa forma-se na semente que germina.
“A gordura já é, em si, um padrão de qualidade térmica, pois surgiu a partir de um processo
térmico inerente ao crescimento orgânico na planta, na formação das sementes. A gordura é
massa moldável, ainda muito próxima do estado líquido; pois tão logo se aproxime dela algum
calor externo, como o da mão ou o do sangue, torna-se óleo outra vez.” Assim como a matéria
presente no botão se retrai completamente para que a força criativa orientada para o futuro, a
força da germinação, torne-se preponderante, também a gordura presente numa semente que
está por germinar desempenha um papel fundamental para torná-la resistente ao inverno e dar ao
rebento a energia da qual ele necessitará nos primeiros dias de vida. Até que suas raízes 60
consigam extrair da terra a quantidade suficiente de água e até que as primeiras folhas tenham se
desenvolvido o suficiente para que possam alimentar-se por assimilação, a planta depende de
suas reservas de energia. O trigo ou o milho contêm em seus brotos minúsculos tal quantidade de
gordura que se torna viável e possível prensá-los e produzir óleo para o uso doméstico.
O produto obtido a partir da gordura vegetal, e que chega às lojas como margarina, é a
substância que Beuys usava quando montava os “cantos de gordura”. Essa gordura era ideal
para tornar aparente o aspecto escultural da obra em si, porque seu ponto de fusão é tão baixo
que o mínimo aquecimento faz com que ela derreta e escorra, e o menor resfriamento a
endurece. Assim, pareceu adequado ao artista dispor a gordura entre polos de calor e frio;
mesmo sem forma, esse material revela imediatamente a ambivalência da plasticidade.
Beuys se interessava também pelo que a gordura contém de energia, sua neguentropia,NT sua
potencialidade, seu calor e sua luz (um litro de óleo pode aquecer 9 mil litros de água a um grau!).
A gordura vegetal é obtida por energia solar (quimismo etéreo). O oposto dessa energia, que
deriva de sementes do futuro, é o mundo morto, mineral (figs. 31 e 32). Em seus gráficos, Beuys
usa, para caracterizá-lo, o desenho de uma pequena grade, que lembra a estrutura de
cristalização de sais minerais, visível através de raios-X. Podemos encontrar essa grade no
diagrama duplo (fig. 23), na folha da direita, no alto. Na folha ao lado, embaixo, foi desenhado um
pequeno cubo, como já vimos nos desenhos à margem do livro de Grohmann. Ao lado do
diagrama Evolução (fig. 25) está escrito: Anstalt (instituição). Beuys refere-se a todo tipo de
organização no qual as leis, os regulamentos, as fórmulas, as regras e os comportamentos são
definidos e gerenciados. Este é o ponto em que toda e qualquer vida é paralisada, morta, e todo
futuro, enterrado.
A mensagem básica do gráfico tripartido
O gráfico tripartido, que Beuys desenvolveu segundo uma concepção de processo
baseada na alquimia, e a partir da contemplação das plantas, serve como síntese da formação do
mundo em geral. Encontramos diferentes conceitos anotados em seus quadros-negros e
partituras, acima e abaixo dos diagramas, alguns dos quais já foram citados aqui. Mas é preciso
um alto grau de abstração para atribuir as diferentes realidades que Beuys liga ao processo
tripartido, quando o digrama é aplicado ao mundo. Beuys exige de seu público esta força
dinâmica de pensamento quando fala do conceito ampliado de arte. Já a metamorfose das folhas
no broto de uma planta requer um potencial de imaginação apto a abstrair os fatos isolados que
temos diante dos olhos e, comparando as formas isoladas em sua sequência, essa imaginação
61
descobre um todo dinâmico. Esse todo só se revela no tipo de formação da planta no seu espaço
do meio, entre a raiz e a flor.
Sempre que um tal princípio de movimento prevalece – levando à formação e à
transformação das formas e processos –, Beuys o coloca na parte central do diagrama da teoria
da plasticidade. Na discussão com o padre jesuíta Mennekes, este princípio de movimento torna-
se um princípio de evolução. Beuys não pensa nele de modo abstrato – por exemplo, no sentido
kantiano, como um esquema que pode ser usado para ordenar os elementos do mundo. Não
pensa nele apenas como um princípio de atuação geral, mas, nesse diálogo sobre religião, ele
olha para a figura de Cristo e então chama o princípio mercúrio de “princípio Cristo” e o próprio
Cristo de “princípio de evolução”. E acrescenta: “Este princípio de evolução pode partir do
homem, pois a antiga evolução já foi concluída. Tudo de novo que acontece sobre a Terra é
necessariamente resultado da ação do homem.”
No que diz respeito ao homem, e considerando o plano orgânico, o princípio mediador é o
“sistema rítmico” que atua como intermediário, na respiração, entre o exterior e o interior e, na
corrente sanguínea, entre o que está embaixo e o que está no alto. Enquanto o cérebro está
protegido pelo crânio fechado (princípio sal), o coração e os pulmões estão cercados pelo peito,
estruturado de maneira rítmica, com costelas superiores fechadas, e inferiores, abertas.
Do ponto de vista do sistema ósseo, o corpo humano se expande (princípio enxofre) para
baixo e para fora: um osso na coxa, dois ossos na perna, muitos ossos no pé; o que é o oposto
do que acontece na formação da cabeça. No peito, no coração, experimentamos as emoções de
maneira mais intensa; a vontade emerge do corpo e se realiza através dos seus membros; o
pensamento está ligado ao cérebro. Todos estes aspectos são encontrados nos diagramas de
Beuys. Esse também é o motivo pelo qual ele define como obra de arte tanto algo que resulta da
ação do homem quanto uma obra da natureza concebida por uma força criadora.
O conceito terapêutico de Beuys
Na década de 1970, olhando para os processos unilaterais que tinham se desenvolvido na
sociedade, Beuys chamou as pessoas que eram guiadas por desejos surdos de roqueiros;
aqueles que desfrutavam das belezas do mundo, de hippies; e de teóricos, os que criavam
abstrações científicas, enquanto que o homem saudável pode combinar harmonicamente querer,
sentir e pensar (fig. 33).
No geral, Beuys vê o homem moderno, com seu pensamento abstrato, matemático, preso
ao materialismo. Seu pensamento é abstrato; seus apartamentos sóbrios, construídos em
ângulos retos, isolam-no da natureza. A cruz, sinal da morte – também presente na mira do fuzil e 62
no eixo do sistema cartesiano de medição – marca o homem moderno, segundo ele. Ele quer
combater essa unilateralidade, trazendo-lhe suavidade e calor. Assim surge a ideia de Fettecke
(Canto de gordura): quando aplica gordura nos cantos de uma sala, o artista transporta calor para
um espaço que é, em si, frio. “Este é o processo terapêutico em si […]. Isso é o primordial na
arte.”
Em termos concretos, Beuys traz para o espaço retangular da galeria vários pacotes de
gordura, abre-os, empilha-os e amassa tudo, de modo que o material se torne plasticamente
maleável. Então ele aplica essa gordura em um ou mais cantos, alisando-a ao máximo. Depois
contempla, analisa o todo por algum tempo e, a seguir, deixa a sala (fig. 34). Assim como se
aplica óleo na cabeça do moribundo no sacramento da extrema-unção, o espaço humano,
marcado pelo ângulo reto, é ungido, para que possa estar à altura do advir orgânico, das suas leis
de vida e crescimento.
Em incontáveis pronunciamentos, Beuys fala de como o materialismo que marca a visão
de mundo das pessoas pode ser superado; e sobre como gerar um tipo de pensamento no
organismo social que, por exemplo, organize a atividade econômica humana de forma fraterna.
As formas que ele emprega para tornar nítida sua ideia do processo de superação das
condições vigentes são inúmeras: ele não usa só gordura ao trabalhar com os cantos, mas
também açúcar, que não é tão rico em energia, junto com um fio cheio de pequenas lâmpadas,
ou com argila moldável. Outras vezes, ele cobre o ângulo duro de um canto com feltro, sobre o
qual dispõe, ocasionalmente, um triângulo de gaze. Em uma ocasião, ele disparou chamas de um
bueiro quadrado e fez subir uma nuvem de vapor pequena e difusa de um porão de paredes
escuras, frias e espessas (fig. 35).
Além das palestras e desenhos em quadros-negros que Beuys usou para expor sua teoria
da plasticidade, seu interesse especial era a criação da escultura social, da plasticidade social. A
partir daí também surgiram quadros-negros, mas principalmente palestras.
Assim como vimos a maneira pela qual o gráfico da teoria da plasticidade se desenvolveu,
a partir da própria obra de Beuys, considerando a formação planta, veremos agora onde a
escultura social se insere no processo evolutivo da natureza e da cultura. Depois da Terra como
um todo, a floresta é a maior escultura social. Entre as florestas, a floresta tropical da Amazônia é
a maior delas. A ela dedicamos a última seção da nossa abordagem.
A escultura social
63
Seu surgimento na evolução
A teoria sintética do neodarwinismo, desenvolvida a partir das ideias de Darwin, continua a ver a
evolução como resultado da luta pela existência e do processo de seleção natural. Os seres que
estão mais bem adaptados a um determinado meio, graças a seus genes, teriam maior chance de
sobreviver e de transmitir seu material genético à geração seguinte. O conceito de gene de outros
tempos – um gene produz uma característica – está, no entanto, ultrapassado. Como é possível
que os 22 mil genes humanos sejam capazes de produzir cerca de 36 mil proteínas? Toda uma
cascata de processos epigenéticosNT está por trás dos processos fisiológicos e de crescimento
de um organismo. Essa cascata está, por assim dizer, aberta para cima. Se dizemos que os
processos fisiológicos que ocorrem dentro de uma célula são “ligados” pelos chamados
processos epigenéticos, imediatamente perguntamos quem opera o interruptor e, na sequência,
quem “ligou” o processo que aparece como sendo o operador do interruptor – e como ele será
desligado, ou seja, como se transformou num processo dinâmico. Isto se aplica não só à célula
individual, mas também ao conjunto de células, ao órgão no qual ele se encontra e, finalmente, ao
organismo como um todo. (Exemplos simples: Como se estabelecem o tamanho e a proporção de
uma bananeira ou das espirogirasNT de uma lagoa? O que inibe ou estimula o crescimento das
células envolvidas na formação das folhas dentadasNT ou no surgimento de folhas duplas?
Quem atribui uma tarefa a cada um dos indivíduos de uma comunidade de insetos sociais?
Quem, em caso de transtorno grave, as redistribui?)
Tanto o surgimento de aminoácidos e proteínas férteis nos genes, como a formação de
organismos unicelulares são completos enigmas na evolução. Como se deu o processo em que
algas azuis e arqueias, ao penetrar em uma célula eucariotaNT (ou serem assimiladas por ela),
não foram digeridas, mas se transformaram em micro-organismos capazes, por sua vez, de
assimilar e digerir?
Esse tipo primitivo de célula, que atua em toda a evolução – agindo como um fundamento na
construção de organismos multicelulares – surgiu da simbiose. Embalados e protegidos por uma
membrana comum, organismos que originalmente viviam isolados passam a viver juntos e,
graças ao modo como cooperavam uns com os outros, aumentaram tanto a sua independência,
sua autonomia em relação ao ambiente, quanto sua capacidade de sobrevivência. (Isso é
comparável com o surgimento de cidades medievais, nas quais os diversos artesãos se reuniram
e se organizaram, criando uma administração eficiente. O povoado é protegido por um muro,
cujos portões controlam o que pode ou não entrar na cidade.) Ao longo de toda evolução, o
ganho de autonomia revela-se como o progresso em si.
64
O nível máximo de autonomia é alcançado, sem dúvida, na fase final da evolução, com o
aparecimento do homem. Se o que chamamos de vida não é uma “eclosão” de processos
químicos – pois não há, na física ou na química, nada que torne plausíveis os conceitos vida e
autonomia –, tampouco há nos processos vitais algo que possa fazer emergir aquilo que
chamamos de alma. No entanto, se uma forma particular de complexidade e autonomia é
alcançada, isso resulta, obviamente, na materialização de um novo princípio de eficiência.
Um novo princípio de organização, até então último, atua sobre os membros de um organismo
pré-humano e modifica a forma das suas pernas traseiras, de modo a fazer com que o ser se
erga. Os membros anteriores, liberados do peso do corpo, tornam-se livres; e as mãos, sem
função técnica específica, podem servir a todo impulso técnico que se lhes ofereça.
Na evolução posterior, sobretudo desde a Idade da Pedra, o desenvolvimento da organização do
sistema nervoso do homem tornou-se cem vezes mais veloz que o ritmo evolutivo geral. Em
consequência, o desempenho cultural do homem tornou-se cada vez mais significativo, fazendo
surgir o desejo de liberdade. Essa liberdade não se baseia apenas na emancipação do meio, mas
também no desejo por autonomia, autodeterminação, de não depender das organizações sociais
e de suas estruturas. Esta é a tarefa evolutiva da cultura humana.
Como as individualidades podem contribuir para estimular o grau de liberdade de outras? Como o
potencial criativo do indivíduo pode levar à escultura social e como ela se apresenta?
Falando sobre arte, Beuys disse: “[O homem] é o criador do mundo [futuro]. Isso não é pretensão;
é o que se exige dele. Houve tempos em que, por meio de líderes e de guias espirituais, muito foi
dado aos seres humanos; havia normas sociais válidas para o coletivo, e regulamentos
relacionados a ele. Era preciso observá-las rigorosamente. Tudo tinha um significado então. Uma
vez que o homem se emancipou de tudo isso, não tem mais essa obrigação. Ao longo do
desenvolvimento, produz suas referências sozinho, e passou a dispor livremente delas. Isso pode
e deve, consequentemente, ser esperado dele. […] Há muita miséria no mundo porque essa
coisa – como é que vamos chamá-la? – foi perturbada e revestida por forças negativas e também
por forças bem-intencionadas; mas, em princípio, o homem pode [usar livremente estas forças];
basta se voltar para o que está diante dele, em vez de partir de preconceitos, ou de algo de que o
convenceram, ou daquilo que a propaganda fez dele”.
Beuys considera a “divisão tripartida do organismo social” a forma mais sensata de organização
da escultura social como formação social para o futuro: “A estrutura tripartida surge no momento
em que, no processo de desenvolvimento do pensamento jurídico romano, o princípio dualista é
superado. A estrutura tripartida surge como ideia básica justamente no momento em que toda a
compreensão cultural está sob o primado da vida econômica. […] Voltando ao momento que
antecede Platão e Aristóteles, chegamos a uma espiritualidade mais antiga, que poderíamos
65
chamar de popular e mitológica; e vemos que a compreensão da cultura é uniforme, isto é, está
sob a liderança da vida espiritual. Arte, ciência e religião eram uma coisa uniforme. Havia uma
autoridade, o sumo sacerdote, o rei ou sei lá quem, que representava a cultura sob o princípio da
unidade, e o termo usado era vida espiritual.
“Posteriormente, o conceito básico tornou-se a vida jurídica. Então, em certo ponto do
desenvolvimento, a vida econômica passa a determinar a cultura; e aí aparece a tríade.”
Rudolf Steiner foi um observador muito atento de todos esses processos. Ele não inventou nada,
só observou. A partir da percepção, foi praticamente anotando os resultados, um na sequência do
outro. E os resultados da percepção mostram que o organismo social é tripartido, que ele não
precisa ser tripartido. O organismo social é tripartido, mas de forma distorcida, ou seja, em
constelação patológica, ulcerada ou emaranhada etc. Seria um completo mal-entendido tentar
compreender os pontos-chave de Steiner como uma tentativa de dividir o organismo social em
três partes. Não é essa sua intenção. Ele apenas constata e indica as medidas terapêuticas que
devem surgir na consciência das pessoas para que elas possam regular os princípios
corretamente e com mais atenção; e para que o organismo social não permaneça despercebido
em sua forma tripartida, já que essa inconsciência gera todos os emaranhamentos, nós e
deformidades. O aspecto terapêutico está, portanto, presente em Steiner, e é da maior
importância.
Nesse sentido, podemos dizer que os três campos da vida social referidos por Steiner e Beuys
existiam também na Antiguidade, mas eram dominados, por exemplo, pelo faraó, que não só era
responsável pela organização da expressão religiosa, mas também era a autoridade final em
assuntos jurídicos e conduzia a vida econômica – ao determinar, por meio de um ritual, quando,
depois da enchente do Nilo, a semeadura e a colheita deveriam começar. A vida espiritual, a
jurídica e a econômica estavam, assim, em uma única mão, com predomínio da espiritualidade.
Com a criação do direito romano, surge, ao lado do pontífice máximo, uma entidade jurídica
independente dele. Modifica-se, assim, a constituição política do Império Romano.
A Revolução Francesa é, também, o início da Era Industrial, do Gründerzeit,NT pela primeira vez,
a começar pela Europa Ocidental e Central, a vida econômica se destaca tanto que domina o
Estado. Nos últimos anos e décadas, viu-se como o capitalismo emergente é capaz de arruinar
toda uma estrutura estatal.
A exigência da Revolução Francesa por liberdade, igualdade e fraternidade ainda é um desafio
para o futuro. No chamado mundo livre, “liberdade intelectual” parece ser algo indiscutível.
Mesmo assim, é claro que o Estado, ou seja, as estruturas jurídicas, dominam principalmente o
sistema escolar, universitário e o da formação em geral, mas também o sistema de saúde,
embora a instância jurídica não devesse ter nada a opinar sobre a vida do espírito. Pois o que é 66
bom e verdadeiro não pode ser decidido democraticamente. A vida jurídica, por sua vez, deveria
se limitar a garantir a preservação da liberdade individual, enquanto o papel da vida econômica
deveria ser satisfazer as necessidades básicas dos homens que vivem em sociedade. Qualquer
forma de serviço em benefício próprio ou de autoenriquecimento, assim como o acúmulo de
capital privado, ocorre às custas de outrem. Sempre que alguém guarda algo para si mesmo,
outra pessoa é privada desse algo. Isso é evidente para qualquer ser pensante. Falamos disso
quando abordamos a polinização no reino vegetal, partindo da lei básica social de Rudolf Steiner:
“Dentro de um conjunto de pessoas, todo arranjo que é contrário a essa lei irá, mais cedo ou mais
tarde, gerar miséria e infelicidade”.
Num dístico, o poeta alemão Schiller fala do ensinamento que podemos extrair do ato de
olhar para uma planta:
Se buscas o supremo, o maior, a planta pode ensinar-te;
sê ativamente aquilo que ela é passivamente; é tudo.
A evolução não tem sequência, portanto, quando a particularidade do indivíduo é exaltada,
mas sim quando ele promove o bem comum, partindo de sua capacidade de ser livre e de sua
criatividade. O homem só se engrandece na medida em que esse engrandecimento lhe possibilita
oferecer uma contribuição maior à coletividade.
Observemos mais uma vez a figura 25, na qual Beuys caracteriza os quatro estágios de
desenvolvimento – pedra, planta, animal e homem – e também descreve, na parte inferior, o
processo de desenvolvimento cultural que acabamos de descrever.
Tomando toda a largura da página, há uma figura que conecta uma estrutura circular (à
esquerda) a outra (à direita). À esquerda, Beuys desenha o mundo terreno abobadado, protegido
pela placenta cósmica; a humanidade ainda está ligada a ela por um cordão umbilical. Sua
cosmovisão é formulada nos mitos. É o momento em que os líderes espirituais dominam a vida
em sociedade. O artista insere nesse círculo o algarismo 1 e, sob ele, a palavra myth (mito).
Referindo-se ao desenvolvimento da humanidade ocidental, ele representa à direita a passagem
do mito ao logos, o conhecimento, escrevendo os nomes Platão e Aristóteles. Começa o período
em que a vida jurídica se coloca lado a lado com a vida espiritual. Beuys insere um 2 nessa parte.
Ele também desenha, à direita do círculo cultural chamado de mítico, uma tangente vertical, no
alto da qual escreve a palavra Cristo e insere uma pequena cruz.
Quando o cordão umbilical que nos ligava aos deuses antigos foi cortado, e Platão e Aristóteles
desenvolveram um tipo de pensamento que transformou o que era espiritualidade em ideias
racionais, tornou-se plausível a concepção de um ser humano que tinha em si todo o cosmos – o
67
que até então era associado apenas a deuses ou a um único deus. Assim começa uma nova era
mundial.
O desenvolvimento posterior expulsa o divino da nossa visão de mundo; e está expresso
no pensamento de homens como Newton, Kant, Helmholtz, Marx – ou seja, no desenvolvimento
de uma imagem e de uma compreensão de mundo baseada na física, e de um materialismo
fisiológico e sociológico. Estas são as precondições externas para aquele grau de autoconfiança
e egoísmo que fundamentam a sensação de liberdade do homem atual.
“Como o homem, no decorrer da evolução, chega ao materialismo? Como as pessoas são
levadas ao ponto em que, por assim dizer, chocam-se duramente no chão, na matéria? É um
processo de materialização. O materialismo é um método cristão. Sem Cristo não há
materialismo. Mas não podemos parar por aí. Isso é apenas um processo de emancipação para
se chegar à individuação e não ficarmos presos ao velho coletivo… O materialismo é uma técnica
para se livrar do velho coletivo; em seguida, o homem acordou e pôs-se de pé como indivíduo, e
como indivíduo egoísta, que pensa, em primeiro lugar, em si mesmo.
“Agora tudo é uma questão de como o homem conseguirá sair de novo do isolamento que lhe foi
imposto sistematicamente, com o desenrolar do materialismo no Ocidente. … [O materialismo] é
um termo científico que surgiu pelo desenvolvimento geral do reducionismo.NT Evitou-se tudo o
que é de natureza espiritual, que se refere à consciência, à alma, ao emocional, até ao princípio
vital. Reduziu-se tudo às leis da matéria. Assim, o materialismo dá certo. Assim, ele é um método
genial… Mas se esse limitado conceito de ciência transforma-se num conceito válido para toda a
cultura, então a cultura é extinta, porque ele é o princípio da morte. O materialismo elaborou o
princípio da morte. Se você o vê como um mistério, então ele nada mais é do que a repetição do
mistério do Calvário. Aqui, neste ponto, é que o homem encarnou mesmo.”
Por isso Beuys reinsere, no limiar para o presente, exatamente no centro do desenho
Evolução, a palavra Cristo, seguida da palavra cruz. Se Jesus era o Cristo, ele deve ter sido o ser
mais solitário que o mundo já viu sobre a Terra: um homem-eu com plena consciência do mundo
sobrenatural, cercado por seres humanos para quem o mundo espiritual era inacessível. Tendo
chegado, por meio da história cultural da modernidade, à liberdade pessoal, o homem também
pode se sentir completamente isolado e infinitamente solitário. Por outro lado, tem a chance de se
emancipar das condições herdadas e criar outras novas, aceitas por todos. “Como consequência
disso, o homem pode criar até mesmo o seu planeta, [o planeta] do qual precisa para seu
desenvolvimento futuro. Isso seria um aspecto Júpiter. Se levarmos em consideração a evolução
das condições no planeta, é óbvio que o homem não viverá para sempre na Terra. Mas, após a
era do materialismo, ele se tornará gradualmente capaz de criar seu próprio planeta futuro, já que
tem suas possibilidades individuais, suas próprias forças. E ele deve mesmo fazê-lo.” E Beuys 68
acrescenta a pergunta: “Como cada um, cada pessoa que vive na Terra, pode se tornar um
criador de formas, um escultor, um desenhista do organismo social? Nessa hora, chegamos a um
estágio de desenvolvimento da arte muito mais espiritual do que todo seu desenvolvimento
anterior. Trabalharíamos, então, com um material realmente vivo. […] Aí, todos serão capazes de
criar formas numa matéria viva, isto é, de realmente criar algo vivo. […] Para chegar até lá, é
preciso primeiro reaver a substância geral, aberta, viva, fluida, cuja característica maior é o fato
de possuir calor. Não se trata, claro, de calor físico, como o calor do fogão. Mas sim de um calor
social. É provável que ele seja exatamente igual à substância real do amor. Ela tem um caráter
sagrado. Mas é uma substância […] real. Portanto, é uma forma superior de calor, que chamo de
calor evoluído. […] O calor interpessoal precisa ser gerado. Isso é o amor. É o que está contido
neste conceito misterioso de Cristo.”
Beuys identifica o ponto culminante do desenvolvimento desta percepção do próprio eu no
presente e, para caracterizá-lo, deixa que as linhas evolutivas [da fig. 25] confluam para um ponto
e atravessa esse ponto com uma linha vertical e uma linha horizontal, em forma de cruz. À
esquerda e na parte inferior da margem, ele desenha um cubo, como um sinal do princípio sal. No
princípio sal, uma unidade cristalina, estruturada a partir do caos e isolada do seu meio, exibe sua
particularidade.
Em uma perspectiva cultural, isso corresponde ao homem livre, capaz de tomar decisões;
o homem criativo. Sua tarefa é, como já foi salientado, moldar a escultura social por meio do calor
interpessoal ou da substância do amor. Se esse calor interpessoal é tomado, conscientemente,
como material moldável, então é possível ampliar o conceito de arte como “arte social”: “Então,
naturalmente, falamos da vida econômica”, pois é na vida econômica que o egoísmo, surgido
com a liberdade, é mais difícil de ser superado.
Documenta 7 – 7 mil carvalhos
Como apelar para um comportamento moral não dá muito resultado, Beuys tenta trabalhar
com grandes imagens, que coloca no espaço cultural da arte. Em 1982, na Documenta 7, ele faz
transportar 7 mil blocos de basalto cuneiformes para a frente do Friedericianum, o salão de
exposição central do evento. Os blocos foram reunidos e a pilha que formavam terminava um
pouco antes do meio do gramado, em frente à entrada da exposição. Nesse ponto, ele planta a
primeira das 7 mil árvores previstas para serem plantadas até o início da Documenta 8. Beuys
diz: “O início simbólico da rearborização vital da Terra deve acontecer em Kassel. […] Trata-se de
uma ação de caráter racional; neste caso, do plantio de árvores. […] Deve-se criar primeiramente
um entendimento global para – onde quer que isso seja possível – tornar sustentáveis tais
69
processos. Pode ser que amanhã eu comece o trabalho pela Argentina, enchendo as Ilhas
Malvinas de árvores [Beuys dá sua risadinha típica…]. Isso seria a solução para o problema”. Ao
trabalhar com árvores, Beuys escolhe “uma coisa muito simples … a imagem mais básica”.
Em 1972, ele levou a iniciativa “Organização pela Democracia Direta por Plebiscito”NT para a
Documenta e, em 1977, a “Bomba de mel, símbolo da Universidade Livre Internacional. […] Os
grupos existentes à época em todo o mundo, mais ou menos organizados, que trabalhavam junto
à Universidade Livre Internacional, apresentaram-se para mostrar o princípio, ou seja, o conceito
de arte ampliada, para apresentar o conceito da escultura social. Ou seja, um conceito de arte
[…] que considera o homem como ser criativo por excelência, sob a tese ‘Todo homem é um
artista’. Ou seja, um conceito de arte que se concentra na capacidade do ser humano [e] num
novo conceito de capital, que reconhece que o dinheiro não é capital, mas que o verdadeiro
capital do homem é sua capacidade ou suas capacidades, e que é preciso criar um novo sistema
econômico a partir daí. Com um novo conceito de democracia, com uma nova compreensão da
liberdade humana como ponto de partida, tudo seria recriado. Ou seja, transformar toda a
existência do homem aqui sobre a Terra.”
No encontro de pessoas que têm os mesmos direitos e definem livremente suas formas de
convívio, em todos os níveis da sociedade, numa conversa democrática, pode surgir e crescer
aquela escultura social à qual Beuys, no seu desenho sobre a evolução, dá o nome de
Sonnenstaat (Estado do Sol) ou, de acordo com Steiner, Jupiter (Júpiter).
Em 1982 acontece – não no Friedericianum, mas em toda a cidade de Kassel e além dela,
até Nova York – a ação do plantio de árvores (fig. 36).
A floresta virgem
As florestas da região central da Europa, com exceção de algumas reservas naturais,
foram reflorestadas segundo um uso comercial e, portanto, apenas parcialmente adequadas para
ser descritas como organismo social autônomo. A maior e mais importante floresta da Terra,
aquela que podemos chamar de organismo independente, é a floresta tropical da região
amazônica, no Brasil.
Antes de concluir este artigo, dirigimos o olhar para esse imenso organismo social,
protótipo natural de cooperação e interação na fraternidade: a floresta virgem, as florestas
tropicais da bacia amazônica – “uma obra de arte, que não foi feita pelo homem, mas que é uma
obra de arte”.
70
No pior solo possível – lixiviadoNT por chuvas diárias há milhões de anos e exaurido em
seus minerais hidrossolúveis –, cresce uma comunidade vegetal de biodiversidade excepcional.
Ela é constituída fundamentalmente por árvores de até quarenta metros de altura, nas quais
outras plantas se instalam.
Onde há várzeas, crescem herbáceas anuais. Elas criam raízes, fazem brotar uma haste
com folhas e morrem ao florescer. O que é uma árvore em comparação a elas? Na figura 37,
vemos a árvore como uma montanha orgânica, sobre a qual as plantas crescem como se
estivessem em uma campina.
Uma árvore é uma protuberância da terra, que pode chegar a altura e peso
impressionantes. Uma árvore expande substancialmente a superfície da terra da qual brotou.
Sobre toda a sua superfície crescem plantinhas (os seus próprios brotos naturais), que em parte
carregam folhas e em parte florescem. Ainda que uma árvore tenha sido formada por um
processo de crescimento orgânico, apenas uma fina camada (situada entre a casca e o tronco)
continua viva. A madeira do tronco, com seus condutos de água, morre, mas permanece estável
por um longo tempo, sustentando a copa. Ano após ano, os canais nas hastes e ramos que
conduzem a seiva formam uma nova camada externa que pressiona as camadas antigas, agora
como casca ou cortiça, para fora (o mesmo acontece com os canais que conduzem a água, que
formam uma nova camada interna). Quanto mais úmido é o clima no qual uma árvore cresce,
mais depressa sua casca se desfará, podendo transformar-se em húmus.
Sobre essa fina camada de húmus que está sempre se renovando crescem – como numa
campina sobre a árvore – as mais diversas espécies de plantas, sobretudo orquídeas, bromélias
e samambaias. Estas plantas, por sua vez, oferecem hábitat a uma variedade de espécies
animais.
As folhas das árvores seguem o ritmo anual: começam a murchar na árvore, e quando
morrem, caem e são comidas imediatamente, no calor úmido da floresta tropical, por pequenos
artrópodes e micro-organismos, decompostas por bactérias e atravessadas por hifas de fungos
que encontram sua alimentação no substrato que se formou. Na floresta úmida, esse processo de
transformação é voraz; cerca de 80% da matéria orgânica que cai ao solo volta para o ciclo de
nutrientes. Os 20% que se perdem são lavados pela chuva antes que as plantas consigam
reabsorvê-los. As árvores da floresta úmida e as plantas que crescem sobre elas não perdem sua
folhagem na mesma época, como o que acontece nas zonas temperadas. Elas crescem de tal
modo que, em alguma parte da floresta, sempre é “outono”.
Também há uma fonte regular de material orgânico (fig. 38). O húmus da árvore,
constantemente criado, assim como os elementos que libera, são imediatamente assimilados
pelas hifas e pela raiz, e reconduzidos ao ciclo de nutrientes.
71
Podemos distinguir macronutrientes (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio e magnésio) e
micronutrientes ― (oligoelementos como boro, cobalto e molibdênio). A maioria dos solos
tropicais carece de alguns nutrientes, em especial fósforo. Os minerais que não existem no solo
da floresta, vêm com os ventos alísios, carregados sobre o Oceano Atlântico na forma da poeira
fina do deserto norte-africano. Isso revela um contexto organicísticoNT ainda mais amplo, que
ultrapassa continentes.
Como pudemos verificar com precisão cada vez maior nas últimas décadas, os organismos
que estão na camada de húmus formam uma espécie de sistema digestivo. A matéria orgânica
alimenta os organismos que a decompõem; as substâncias que são liberadas nesse processo
servem, no nível elementar, aos cogumelos e às árvores para a síntese de seus próprios
organismos. Nesse contexto, os cogumelos assimilam os minerais dissolvidos na água; não
apenas os usam para construir suas hifas e frutificações, como os transportam para o sistema
das raízes das árvores, cujas ramificações mais finas eles entrelaçam ou penetram. Na figura 39,
fungos frutificam em um toco de árvore em deterioração.
Essa ligação de fungos e árvores também permite que os primeiros integrem à sua
alimentação as substâncias assimiláveis que as árvores levaram para as pontas de suas raízes.
Quase todas as árvores de uma floresta e numerosas espécies de fungos participam desse
intercâmbio de substâncias. A troca pode ir tão longe que os fungos, em vez de absorverem eles
mesmos os carboidratos das árvores, passam-nos adiante para as árvores que estão, por assim
dizer, “famintas”.
Assim, a floresta se apresenta como uma comunidade de proporções sem precedentes: ela
é um organismo cujos órgãos individuais proliferaram de forma independente como espécies,
mas que só podem viver no contexto da comunidade, ou graças a ela. Quando a floresta é
destruída, a fauna e a flora do solo perdem sua base vital, o ciclo não mais pode ser reconstruído,
e os minerais ainda existentes são completamente lavados em pouco tempo. No lugar onde essa
imensa riqueza biológica vivia, sob a atmosfera de estufa da Terra, instala-se em muito pouco
tempo um deserto, cultivável apenas por uns poucos anos, e apenas mediante o uso de uma
quantidade cada vez maior (e mais cara) de adubo artificial.
Mesmo a água da floresta amazônica tem características organicísticas (fig. 40). Da água
da chuva que cai diariamente sobre a floresta, 74% vem da evaporação da grande área de
vegetação, 26% é trazida pelos ventos alísios do Oceano Atlântico e 26% regressa, através do
sistema fluvial, ao mar (a figura 41 mostra um nevoeiro que surge após uma tempestade na
floresta).
O espaço vital da floresta tem no solo seu sistema de alimentação mineral; na folhagem,
seu metabolismo; e, nas copas das árvores, seu sistema reprodutivo. A fecundação se dá graças 72
ao pólen, carregado entre as espécies pelo vento ou por insetos, pássaros, morcegos. Não teria
fundamento ver este intenso sistema de vida sob o prisma da eliminação e da seleção. É evidente
que, aqui, as simbioses entre comunidades de inegável abundância permitem a pluralidade de
formações organicísticas.
Esse ecossistema, delineado apenas com traços grosseiros, é um protótipo magnífico de
uma escultura social na qual os membros de um organismo sustentam uns aos outros.
Num contínuo processo sal, minerais são liberados no solo, onde estão as raízes; eles
saem da matéria orgânica em decomposição, são dissolvidos na água e então assimilados pelas
hifas de fungos e pelas pontas de raízes. Fraternalmente distribuídos, como numa vida
econômica socializada, são então conduzidos à copa das árvores.
No processo mercúrio, a zona da folhagem desenvolve folhas e ramificações entre o solo
sombreado e as copas translúcidas, em intermináveis metamorfoses do tipo planta, dando a cada
um dos elementos envolvidos – como numa forma de vida jurídica altamente desenvolvida – um
hábitat adequado e conveniente.
No processo enxofre, sementes do futuro desenvolvem-se na copa.
A floresta dá espaço, assim, a uma biodiversidade que não pode ser encontrada em
nenhum outro lugar. Se analisarmos um de seus hectares, constatamos que muitas espécies
ocorrem nele apenas uma vez. Os indivíduos desenvolvem variações, como os seres humanos
fariam em uma vida intelectual livre.
As herbáceas que florescem apenas por um ano mostraram o protótipo natural da
plasticidade tal como Beuys o representa nos diagramas da sua teoria da plasticidade. Raiz, folha
e flor ilustram os processos sal, mercúrio e enxofre. Em seus desenhos, flores e o florescimento
tornam-se equivalentes a processos sociais transformadores.
Arquetipicamente, a floresta tropical mostra como seres de natureza distinta e em
patamares de desenvolvimento diversos podem formar uma comunidade na qual estabelecem
uma unidade coesa, como células e órgãos de um único organismo.
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81.
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143
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149
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ão p
erm
itind
o a
repr
essã
o de
seu
s im
puls
os.
A i
déia
enca
rnad
a to
rna-
se s
ímbo
lo.
Ass
im é
com
os
mito
s, a
ssim
é c
om a
arte
de B
euys
– m
ensa
gem
cifr
ada
de s
igni
ficaç
ões
abst
rata
s e
conc
reta
s
sim
ulta
neam
ente
pró
xim
as e
dis
tant
es.
O a
rtist
a pr
ocur
a os
sig
nific
ados
atem
pora
is q
ue e
stra
nham
ente
vão
con
cord
ar c
om o
aqu
i e
agor
a. O
18 V
EN
ÂN
CIO
FIL
HO
, Pau
lo. M
arce
l Duc
ham
p. p
p. 4
5-46
. 19
Idem
. p. 6
0.
20 S
CH
ELL
ING
F. W
. J..
Intro
duçã
o à
filos
ofia
da
mito
logi
a. p
. 74.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA15
2
mar
avilh
oso
torn
a-se
nat
ural
por
que
os d
euse
s, in
terv
indo
nos
ass
unto
s
hum
anos
, pe
rtenc
em a
o m
undo
rea
l de
ste
tem
po e
con
cord
am c
om a
orde
m d
as c
oisa
s ac
redi
tada
, sin
toni
zand
o-se
com
as
apre
sent
açõe
s qu
e
lhe
perte
ncem
.21 A
travé
s do
s m
itos,
tem
os a
pos
sibi
lidad
e de
con
side
rar
sobr
e a
exis
tênc
ia,
suas
ca
usas
e
cons
eqüê
ncia
s,
para
doxo
s e
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güid
ades
, tra
zend
o no
vas
poss
ibili
dade
s pa
ra o
rea
l. A
ssim
é q
ue o
praz
er e
spiri
tual
, m
ítico
ou
relig
ioso
, as
sem
elha
-se
ao p
raze
r es
tétic
o
desi
nter
essa
do.
O
rom
antis
mo
há
mui
to
havi
a al
tera
do
a vi
são
clás
sica
do
“ver
dade
iro”,
pass
ando
a a
ceita
r a n
oção
de
“sen
tido”
, inc
orpo
rand
o-o
aos
cont
eúdo
s cu
ltura
is
atra
vés
da
anál
ise
sim
bólic
a.
O
pens
amen
to
rom
ântic
o pr
eten
dia
com
pree
nder
a t
otal
idad
e da
s si
gnifi
caçõ
es e
os
códi
gos
não
apre
ensí
veis
pel
a ra
tio v
alor
izad
a pe
lo c
lass
icis
mo.
Par
a se
dar
cont
a do
ocu
lto, o
hom
em d
o ro
man
tism
o ne
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itava
de
um m
odel
o
trans
cend
enta
l de
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sam
ento
– u
ma
espé
cie
de r
eorg
aniz
ação
dos
sina
is d
e es
tímul
os a
ntiq
üíss
imos
.
O
sím
bolo
e
suas
tra
duçõ
es,
inte
rpre
taçõ
es
ou
deco
dific
açõe
s,
cons
tituí
a, e
ntão
, o
mét
odo
rom
ântic
o de
ver
a e
xist
ênci
a. O
arq
uétip
o
ajud
ará
a m
enta
lidad
e de
sses
ho
men
s na
an
ális
e do
s co
nteú
dos
cultu
rais
, a
sua
busc
a de
sen
tido
na m
itolo
gia,
par
a a
form
ação
de
mod
elos
ex
plic
ativ
os
hist
óric
os.
A
mito
logi
a,
desd
e o
rom
antis
mo,
cons
iste
, en
tão,
em
um
con
junt
o im
agét
ico,
em
um
agr
upam
ento
de
sím
bolo
s co
nceb
idos
de
form
a a
poss
ibili
tar u
ma
leitu
ra tr
ansc
ende
nte
do
sent
ido
da v
ida:
sím
bolo
s qu
e de
vem
inte
r-agi
r for
man
do in
cess
ante
men
te
cone
xões
par
a pr
opal
ar s
eus
efei
tos
de v
erda
des.
A i
déia
de
tota
lidad
e co
mpr
eend
ia s
ujei
to e
obj
eto,
nat
urez
a e
espí
rito,
nad
a te
ria s
entid
o is
olad
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te.
A a
rte p
ara
Sch
ellin
g, p
or
exem
plo,
ocu
pa p
osiç
ão p
rivile
giad
a um
a ve
z qu
e a
inte
ligên
cia
esté
tica
é
form
aliz
ador
a, c
riado
ra d
e m
undo
s. A
obr
a de
arte
dá
aces
so a
o A
bsol
uto
porq
ue
nela
se
an
ulam
op
osiç
ões
e se
ex
prim
e a
iden
tidad
e do
s
cont
rário
s. N
a fil
osof
ia d
e S
chel
ling,
o s
entid
o do
mito
não
é e
xter
ior a
ele
,
não
deve
se
r pr
ocur
ado
fora
de
le,
o re
gist
ro
das
deco
dific
açõe
s
21 Id
em, s
obre
os
cont
os d
e G
oeth
e.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA
153
mito
lógi
cas
é o
da t
radu
ção
ou d
e de
svel
amen
to.
Não
sen
do a
lego
ria,
segu
ndo
o pr
óprio
pen
sado
r, el
e é
uma
taut
egor
ia:
A m
itolo
gia
não
é
aleg
óric
a: e
la é
tau
tegó
rica.
Par
a el
a, o
s de
uses
são
ser
es q
ue e
xist
em
real
men
te, q
ue n
ão s
ão u
ma
outra
coi
sa, q
ue n
ão s
igni
ficam
out
ra c
oisa
,
mas
que
sig
nific
am s
omen
te a
quilo
que
ele
s sã
o.22
Nos
de
senh
os
de
Jose
ph
Beu
ys
figur
am
o oc
ulto
, im
agen
s
oste
nsiv
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te p
rimiti
vas,
par
cela
de
irrac
iona
lidad
e hu
man
a ca
muf
lada
pelo
rac
iona
lism
o da
era
mod
erna
. S
ão p
roje
tos
para
fut
uras
Akt
ione
n
que,
por
sua
vez
, sã
o ta
mbé
m p
roje
tos.
Est
es p
apéi
s re
sulta
m d
e um
proc
esso
artí
stic
o qu
e sã
o pa
rte d
a ex
periê
ncia
de
impr
imir
expr
imin
do
trans
cend
enta
lmen
te o
sag
rado
e,
na s
eqüê
ncia
, gu
arda
m m
anch
as q
ue
cele
bram
for
ças
prim
ordi
ais.
Tra
ta-s
e de
ent
idad
es q
uase
org
ânic
as,
prot
eifo
rmes
, por
vez
es in
disc
erní
veis
e q
ue tê
m u
rgên
cia
em re
conc
iliar o
hom
em c
om a
sua
real
idad
e ci
rcun
dant
e.
O p
rimiti
vo x
amã
trans
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a-se
em
arti
sta,
no
níve
l m
ais
alto
do
dese
nvol
vim
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civ
iliza
tório
: in
terp
enet
rand
o pa
ssad
o e
futu
ro,
ambo
s
cum
prem
pap
el p
edag
ógic
o na
soc
ieda
de (j
á fo
i com
enta
do q
ue a
s lo
usas
negr
as e
ram
os
verd
adei
ros
quad
ros
de B
euys
), m
ostra
ndo
que
tant
o a
intu
ição
qu
anto
o
conh
ecim
ento
sã
o dá
diva
s sa
grad
as.
Form
ando
espa
ços
de
inte
ress
e es
tétic
o,
os
dese
nhos
de
B
euys
co
nstit
uem
man
ifest
açõe
s do
es
paço
m
ágic
o di
vino
, co
nvite
s pa
ra
que
se
expe
rimen
te a
col
igaç
ão d
e na
ture
za, a
rte e
vid
a, c
omo
em u
ma
cave
rna
neol
ítica
.
Obs
erva
ndo
por
este
âng
ulo,
o d
esen
ho é
um
a lin
guag
em a
uxili
ar
para
o ri
to v
ital.
As
man
chas
pic
tóric
as, e
m s
ua m
aior
ia n
egra
s ou
sép
ias,
são
irred
utív
eis.
Rud
imen
tare
s, p
rovo
cam
a le
itura
apo
iada
nos
reg
istro
s
pré-
cultu
rais
qu
e nã
o se
de
ixam
ap
reen
der
inte
lect
ualm
ente
e
que
atin
gem
tão
som
ente
a a
lma
desa
visa
da,
insp
irand
o os
des
ejos
mai
s
hum
anitá
rios,
at
ávic
os
mes
mo,
fa
mili
ares
à
cons
ciên
cia
de
grup
o.
Sup
rimin
do
a id
éia
de
indi
vidu
alis
mo,
ca
ract
eriz
am
uma
sofis
ticad
a
sabe
doria
arc
aica
. O
voc
abul
ário
é e
lem
enta
r, co
m i
mag
ens
de u
ma
sign
ifica
ção
ampl
iada
, ab
erta
s ao
qu
estio
nam
ento
co
nsta
nte
pelo
22 F
. W. J
. Sch
ellin
g. “I
ntro
duçã
o”. O
s P
ensa
dore
s. [V
. not
a 8]
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA15
4
indi
vídu
o co
mum
: o
Leitm
otiv
é o
hom
em e
a s
ua o
rigem
– k
osm
os,
ou
seja
, a
mat
éria
-prim
a do
mito
. S
ão p
ensa
men
tos,
rab
isco
s qu
e fa
lam
ao
hom
em a
inda
indi
stin
to d
o ko
smos
, pa
rtici
pant
e no
seu
pró
prio
dev
ir ou
mes
mo
da s
ua e
tern
a G
esta
ltung
.P
álid
as p
ista
s pa
ra a
ntig
as e
ínt
imas
expe
ctat
ivas
.
As
conf
igur
açõe
s te
riom
órfic
as,
de
extra
ordi
nária
pl
astic
idad
e,
surg
em c
arre
gada
s de
refe
rênc
ias
hist
óric
as, d
e si
gnifi
cado
s m
itopo
étic
os
ou p
uram
ente
aut
obio
gráf
icos
. P
or v
ezes
par
ecem
aut
êntic
os s
ímbo
los
exis
tenc
iais
, si
gnos
ab
erto
s,
raci
onai
s e
sem
pre
rela
cion
ais.
P
odem
,
tam
bém
, ap
rese
ntar
vea
dos,
ren
as,
hien
as,
rapo
sas
e ai
nda
o ch
acal
(cuj
a ín
dole
e
form
a as
sem
elha
m-s
e ao
do
co
iote
am
eric
ano)
prov
enie
ntes
da
flo
rest
a ge
rmân
ica,
im
agét
ica
de
tradi
ção
regi
onal
.
Sur
gem
figu
rado
s em
traç
os r
aref
eito
s qu
e pa
ssam
a id
éia
da d
elic
adez
a
do s
entid
o bu
scad
o, a
frag
ilida
de d
a id
entid
ade
que
se d
isso
lve
a to
do o
mom
ento
pa
ra
se
reco
mpo
r no
in
stan
te
segu
inte
. R
eúne
m
imag
ens
fugi
dias
e e
squá
lidas
de
uma
parte
da
mem
ória
mís
tica
do m
undo
,
exis
tem
em
alg
um l
ugar
e a
spira
m a
rea
tual
izaç
ão d
e um
a ex
periê
ncia
ante
rior:
mel
anco
lia e
êxt
ase
alte
rnam
-se
num
a ún
ica
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em.
A fl
uide
z do
s tra
ços
e a
debi
lidad
e do
s co
ntor
nos
dos
dese
nhos
de
Beu
ys t
rans
mite
m t
ão s
omen
te s
igni
ficad
os –
ine
xist
em p
ropr
iam
ente
cont
eúdo
s –,
est
rutu
ra p
rimár
ia a
ser
des
vela
da p
elo
espí
rito
desa
rmad
o e
som
ente
por
est
e, p
osto
tra
tar-
se a
pena
s de
alu
sões
fra
gmen
tada
s e
difu
sas.
Pur
os e
lem
ento
s rit
ualís
ticos
e,
por
isso
mes
mo,
orig
inár
ios,
guar
dam
o c
arát
er f
orm
al d
a in
cons
istê
ncia
rac
iona
l, sã
o in
tuiç
ões
em
esta
do b
ruto
: m
ater
ial
esco
ndid
o na
bas
e do
car
áter
.23O
ani
mal
ali
conf
igur
ado
é o
alim
ento
. E
est
a é
a fo
rma
de m
anip
ular
os
deus
es
ocul
tos
nos
obje
tos
natu
rais
atra
vés
de s
eus
sím
bolo
s.
A
poss
ibilid
ade
de
uma
inte
rpre
taçã
o da
s m
anch
as
ou
das
anot
açõe
s ap
aren
tem
ente
aci
dent
ais
de B
euys
par
ece,
à p
rimei
ra v
ista
,
por d
emai
s pe
ssoa
l. P
orém
a s
upos
ta s
ubje
tivid
ade
do a
rtist
a se
pre
tend
e
a m
esm
a do
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pov
o, p
ovo
da te
rra, d
as in
tem
périe
s e
luta
s ou
dos
bon
s
tem
pos
dos
anse
ios
rom
ântic
os.
São
, ao
fim
e a
o ca
bo,
“idéi
as é
tnic
as”
23 G
ötz,
Adr
iani
. Dra
win
gs, o
bjec
ts a
nd p
rints
. p. 1
2.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA
155
(Völ
kerg
edan
ke)
tang
ívei
s em
im
agen
s, r
econ
hecí
veis
uni
vers
alm
ente
porq
ue
são
man
ifest
açõe
s lo
cais
da
s “id
éias
el
emen
tare
s”
(Ele
men
targ
edan
ke)
da
hum
anid
ade,
24
nunc
a vi
venc
iada
s em
es
tado
puro
. As
suas
co
res
são
terr
a,
pret
a,
orgâ
nica
, pi
gmen
tos
prim
ário
s,
mat
éria
-prim
a (U
rsto
ff)m
esm
o de
vid
a, (
re)a
pres
enta
ção
pura
, qu
e nã
o
deté
m a
pla
stic
idad
e da
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stân
cia,
ant
es a
tua
antro
polo
gica
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te p
ara
a
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de
um
es
paço
re
al,
de
cará
ter
forte
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te
antiu
rban
o,
conj
uran
do
o es
pírit
o da
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rra
(Erd
geis
t),se
m
guar
dar
qual
quer
cons
ider
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pel
o tra
dici
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efe
ito e
stét
ico.
O a
spec
to e
tern
amen
te p
rovi
sório
e e
xper
imen
tal
de s
uas
obra
s
refle
te a
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eabi
lidad
e qu
e B
euys
esp
era
e de
seja
alc
ança
r pa
ra u
ma
estru
tura
soc
ial a
ltern
ativ
a –u
m p
edid
o pa
ra q
ue s
e dê
ate
nção
aos
sin
ais
nebu
loso
s en
viad
os
pela
in
tuiç
ão
hum
ana.
S
empr
e ag
uard
ando
inte
rcom
unic
açõe
s de
ene
rgia
s vi
tais
, ap
osta
ndo
no e
tern
o pr
eval
ecer
sobr
e as
tend
ênci
as d
estru
idor
as e
mor
tais
. O in
form
e e
o et
éreo
par
ecem
prop
or o
dire
ito à
lib
erda
de i
ntui
tiva:
por
ém s
ão f
orm
as d
e pr
ecis
ão
apen
as i
mpr
essi
onis
tas
e, n
o en
tant
o, e
xtre
mam
ente
elo
qüen
tes
que,
cont
radi
toria
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te, p
resc
inde
m d
e co
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tário
s, já
que
sem
pre
fora
m d
e
algu
ma
form
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entif
icad
as,
sent
idas
e a
té t
emid
as.
Est
as f
orm
as s
ão
apen
as in
díci
os d
e si
tuaç
ões.
Ape
land
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ra o
déj
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te, t
rata
-se
de im
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ias
(urtü
mlic
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Bild
). S
ão c
onte
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sem
form
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xas,
cons
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ndo
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acab
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, su
rgem
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ntem
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trans
form
ação
, co
mo
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mem
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s m
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iais
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suas
arg
umen
taçõ
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artís
ticas
.
Inex
iste
qua
lque
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stíg
io d
o B
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iterrâ
neo,
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s co
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erot
ism
o, p
osto
que
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raba
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de B
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m r
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ereç
amen
to d
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Rom
antis
mo:
sã
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qüên
cias
pi
ctór
icas
si
mbó
licas
ou
co
nden
saçõ
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sint
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que
se
rem
etem
sem
pre
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um
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ioso
pro
cess
o
auto
gera
dor
do e
spíri
to g
erm
ânic
o. T
emos
, is
to s
im,
uma
met
áfor
a da
bele
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o co
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pac
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e m
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ples
men
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triun
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imen
to,
sem
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s pr
ópria
s ar
mas
do
inim
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A r
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PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA
186
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es
tétic
o re
com
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pelh
amen
to
dos
mét
odos
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essu
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e o
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ístic
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s
tela
s si
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tella
dis
cipl
inam
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de:
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eito
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s do
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agen
s
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que
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s ai
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nida
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ica,
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s de
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lara
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uma
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, dev
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nsar
se
gost
a da
obra
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um
reap
rend
izad
o, n
ão m
ais,
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, de
um d
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PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA18
7
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s cu
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arti
fício
nec
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olve
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rata
-
se
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orpo
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es n
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e
não
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s-pr
imas
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* * *
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s e
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oria
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s da
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recl
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trem
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, co
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os
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ente
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,
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, o c
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das
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s e/
ou
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dos.
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olve
m n
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rula
s se
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prát
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delic
iosa
s im
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icas
, mas
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nas
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tam
par
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ecto
s
imed
iato
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ras
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par
a os
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s do
arti
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são
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das
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traci
onis
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nte
repu
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ítica
de
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lock
que
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iga.
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be
m
prov
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qu
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po
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amen
te
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seja
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vel,
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os
em
parte
, pe
lo
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cim
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rico
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icaç
ões
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o. O
s te
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dos
com
entá
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sunt
o de
sde
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o. O
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ilo c
onfo
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um
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lina
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inta
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urgi
ram
in
úmer
os
virtu
osos
capa
zes
de
desv
enda
r to
das
as
min
úcia
s id
eoló
gica
s de
qu
alqu
er
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA
188
ambi
ente
soc
iocu
ltura
l, qu
al s
eja
o pe
rfil.
Per
dido
s em
um
rede
moi
nho
de
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linha
s, e
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psic
ológ
icas
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lado
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prát
icas
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-se
tão
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ante
s qu
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ram
as
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tístic
os.
Sem
pre
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ocur
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úl
timo
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once
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disp
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el p
ara
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arar
um
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iscr
imin
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equ
ival
ente
, as
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les
gove
rnad
as
pelo
“p
oliti
cam
ente
co
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” re
nega
m
a co
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hum
ana,
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peci
alm
ente
as
am
bigü
idad
es
da
aven
tura
, da
au
toria
artís
tica.
E
m 1
970,
por
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mpl
o, D
onal
d Ju
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sob
re o
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o, e
dest
a ve
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a do
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trário
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final
, di
z o
clic
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”que
m
cala
, co
nsen
te”.
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epro
duçã
o do
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go t
rech
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opor
tuna
, ab
revi
a a
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anaç
ão d
as m
uita
s ar
esta
s af
iada
s pe
la te
se: 2
Sem
pre
ache
i que
o m
eu tr
abal
ho ti
vess
e im
plic
açõe
s po
lític
as, t
ives
se
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des
que
perm
itiria
m,
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ou
pr
oibi
riam
ce
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tipos
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co
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ento
s po
lític
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ões.
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mbé
m
ache
i qu
e a
situ
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est
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bem
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e q
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meu
trab
alho
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tudo
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odia
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r. M
inha
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ção
e is
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ento
, qu
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s po
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mud
ou e
m
rela
ção
ao i
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ltim
os c
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s m
ais
ou m
enos
, er
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ação
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imen
tos
dos
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clar
o, m
ais
inte
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, de
m
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que
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que
não
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ngol
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ros
inte
ress
es;
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parte
, pe
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xem
plo
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ovim
ento
dos
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itos
civi
s, m
ostra
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que
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cois
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odia
m m
udar
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pou
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Gue
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situ
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do
tipo
‘ou
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lo’:
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óprio
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pod
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cois
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as n
ão m
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e.
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que
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tos,
rec
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ulta
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ritos
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e P
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B
2 D
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d. “
The
artis
ts a
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oliti
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a sy
mpo
sium
”. A
rtfor
um.
pp 3
6-7.
C
itaçã
o re
tirad
a de
WO
OD
, P
aul
(et
alii)
. M
oder
nism
o em
dis
puta
– a
arte
des
de o
s an
os
quar
enta
. p.
97.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 9916158/CA18
9
and
Bac
k A
gain
).3 Até
o s
isud
o Jo
seph
Beu
ys e
nten
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as p
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delib
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uper
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o no
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ican
o. M
as q
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rais
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ão
que
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ão e
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PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
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oduç
ão
Ihaveneitherthescholar’smelancholy,whichisemulation;northemusician’s,whichis
fantastical;northecourtier’s,whichisproud;northesoldier’s,whichisambitious;northe
lawyer’s,whichispolitic;northelady’s,whichisnice;northelover’s,whichisallthese;butitis
amelancholyofmineown,compoundedofmanysamples,extractedfrommanyobjects.
WilliamShakespeare,Asyoulikeit
Olugar-melancoliaéaqueledacontingênciaradicaldaarte,nosanos1960
e1970,talcomopropostapelasobrasdofrancêsYvesKlein,donorte-americano
AndyWarholedo
alemãoJosephBeuys.Orientadopeloduploestatutoda
produçãoque,aomenosdesdeoiníciodaartemoderna,sedivideentreabuscada
originalidadetípicadasbelasarteseamultiplicidadecaracterísticadaindústria,
esselugardimensionaacrisecontemporâneadasubstânciapoéticaapartirda
iminentesaturaçãopúblicadaarte.Umasubjetividadeartísticafragmentária
perde,definitivamente,arealidadedaobracomooespaçoíntegrodapossibilidade
deaçãoeconhecimento.Emcontrapartida,segundoanossahipótese,elaaponta
novascoordenadasparaacapacidadeprodutivadohomem.
Aexperiênciadeumaesculturaoudeumapinturamoderna“autônomas”
dálugaraum
envolvimentohesitante,porémpersistente,um
sentimentodefalta
simultâneoàresistênciadessesartistas,capazdegarantir,enfim,asobrevivência
daarte.Seapresençadaobranãomaisresumeoconceitodeartecomorealização
existencialdoartista,suaininterruptaconstruçãodarealidade,elacircunscreve
umalatênciaexistencialcontemporâneacapazdemanterolugar-melancoliacomo
alertaàreconciliação
dohomem
consigomesmoapartirde
umnovo
envolvimentopositivocomarealidade.Conscientesdasváriasmediaçõessociais
sofridaspelaobradearte,osartistasaabordamapartirdessadimensão.Eles
sabemqueaobra“perece”aolongodorápidoprocessodeinstitucionalizaçãoda
arteeseucondicionamentoaum
mercado
cada
vezmaisinflacionado.E
incorporamtalcondiçãohostilàssuaspráticasartísticas.
Acomeçarpelopróprio
meiodearte,doqualaparentementedesistem,
masdeonde,defato,resistem.Grave,Beuysseretiradaquele“guetopseudo-
cultural”àqualaarteteriasereduzido;umcéticoWarholabandonaapinturaao
liberarsuasalmofadasprateadasdajaneladagaleriadeLeoCastelli–“umobjeto
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
16
amaisasemovimentarporaí”,reconheceoartista-;eo“inconseqüente”Klein
decreta-sede
férias1.Em
talestado
deexceçãopoética,atuam,porém,e
forçosamente,noprópriomeiodearte.É
aqueleguetoqueBeuysocupacoma
explicaçãodesuaartedeinvestimentoexistencial;apesardeseuódioporpinturas
eobjetosdemodogeral,Warholprosseguecomsuare-fabricaçãoininterrupta;
Kleincontinuaamultiplicarsuastelasazuispelasgalerias.
Nossosartistasconscientementeseapropriamdarealidadedeconsumode
seustrabalhosparaampliarseuslimitespoéticos:atravésdaquelesobjetos
perecíveis,nãodepois,masali,nomomentodenossaexperiênciacomeles.E,de
possedessepungentesaber,elesasseguramasobrevivênciadaarte.
Lugarintermédioda“correntecontínuadecriações”2,formadapelosatos
decriaçãodoartistaedoespectador,aobradearteapresenta-senoseuaspecto
maisindigente.Comoseocorresseumabaixaderesistênciaentreosdoispólosda
conexãoestética,aobrainstauraumaespéciedecurto-circuito.Umalatência
estética:aexperiênciadosmonocromosdeKlein,dassériesefilmesdeWarholda
décadadesessentaedaesculturabeuysianadosanos60/70guarda,emdiferentes
graus,algodeumainérciaentreseusrespectivosestímuloseasrespostasporele
provocadas.DoencantoimediatocomomaravilhosoazulIKBparaosidênticos
monocromosvendidosapreçosdiferentesnaexposiçãodeMilão,oudamanifesta
indiferençanosfilmescomobjetosparadosde
Warholparaum
estranho
envolvimento,nóstransitamos-juntamentecomosartistas-entreospólosda
crençaedadúvidaradicaisacercadaarte.Destituídadacertezapelapresença
plenadaobradearte,umaverdadedaarteécomoqueperseguida,tantopelo
espectadorquantopeloartista,mantendovivaepulsanteessaverdade.
Essaspráticasartísticasproblematizam
osfatoresquedeterminam
aobra
deartecomovalor,asaber,oartistacomocriadororiginal,osmétodosetécnicas
deproduçãoe/ouaestruturainstitucional.Assumem
acrescentecirculaçãodas
1“Bienquenoussoyonstoujours,nousl’ècoledeNice,envacances,nousnesommespasde
touristes.Voilàlepointessentiel.Lestouristesviennentcheznousenvacances,noushabitonsle
paysdevacancesquinousdonnecetespritdefaireconneries.”KLEIN,Yves.
Kle
in,
Ray
sse,
Arm
an:
des
Nou
veau
xR
éalis
tes.In:YvesKlein(Cat.Expo.).Paris,GEORGESPOMPIDOU,
1982,p.263.
2“Refiro-meàatividadedoartista,quenoatodecriaçãotemumvalordistintodovalordoobjeto
noqualfinda.Nessesatos,pode-seatingirdimensõesdepercepçãoeexperiênciaquenuncasão
inteiramenteacessíveisaosespectadores,inclusiveparaoartistacomoespectador.Para
compreenderaobra,oespectadortemdealcançá-laporumatocriativopessoal.”ROSENBERG,
Harold.
Obj
eto
Ans
ioso.SãoPaulo,Cosac&Naify,2004,p.279.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
17
obrasdearteemexposiçõesepublicações,aindistinçãoentrelowehighartou
entrearteecultura,eassimguardamalgodadeliberadaconfusãodegêneros
comandadapeloDada.
Olugar-melancoliaéaqueledaartedasaúde,comobemdefineKlein.
Afinal,menosaproduçãodedeterminadaobra,aliestáem
jogo,sobretudo,a
saúdeespiritualdoartista.Semalegitimaçãodaarteapartirdepropriedades
intrínsecasda
obra,ou
agarantiade
sua“verdade”atravésdascategorias
tradicionaisdepinturaeescultura,essesartistassedecidempelaatividadeem
detrimentodoobjeto.Umaatividadeexplícitanas“performances”deKleine
Beuysquecompreendefundamentalmenteoposicionamento(nossoeodoartista)
naobra–comonassériese,principalmente,nosfilmesdeWarhol,quepropõem
umaincômodacontemplação,comosenosobrigasseanosperguntaranós
mesmoscomonosportamosemrelaçãoaeles.
Num
exercícioeminentementecrítico,muitomaisdo
queteórico,
propomosentrarnoslugaresdemelancoliadeKlein,WarholeBeuys,obrasmuito
distintascapazes,entretanto,derevelardiferentesfacetasdasensibilidadeabalada
dohomem
contemporâneo.Comentusiasmo,indiferençaouum
gravehumor,o
pintorfrancês,odesignernorte-americanoeoescultoralemãoapresentam
novas
condiçõesde
produção
simultâneas
à(im)possibilidade
deexistênciana
contemporaneidade.
Oquefazerquandojátudofoifeito?Porqueagirquandotodaaçãoé
absorvidahomogêneaeacriticamente?Comoseportardiantedeumarealidade
aparentementerefratáriaaqualquervalor?Aderindoestritamenteaela,parece
resignar-seWarhol,queencontranacriaçãodeprodutosounafabricaçãodeobras
dearte
uma“saída”só
aparentemente
cômoda.
Assim
eleinaugura,
estrategicamente,suaprópriaindústriadearte-espaçodesuspensãoprodutiva,
vácuo3
-ondeseredefineacondiçãoparaotrabalhodofazerartenaNovaIorque
dosanos1960.Aindaqueessaeoutrasdesuaslacônicasobservaçõesnão
tematizem
frontalmenteamelancolia,comonãolernovácuodoartistanorte-
americanoapossibilidadedesobrevivênciadaarteemtemposdemassificaçãoe
3“Ithinkwe’reavacuumhereattheFactory:it’sgreat.Ilikebeingavacuum;itleavesmealone
towork(…)I’mjustdoingwork.Doingthings.Keepingbusy.Ithinkthat’sthebestthinginlife:
keepingbusy.”WARHOL,Andy.ApudBERG,Gretchen.
And
yW
arho
l:M
ytr
uest
ory.In
KennethGOLDSMITH(ed.).I’llbeyourmirror:theselectedAndyWarholinterviews.New
York,Carroll&GarfPublishers,2004,p.87.
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18
consumo?Warholpropõeetornapúblico,naFactory,um
verdadeirolaboratório
daperversãododuploestatutodaatividadeprodutivado
homem
comsuas
serigrafiaseseusfilmesexperimentais.
Pareceentãolícitoestenderanoçãowarholianadevácuoparaopróprio
lugar-melancolia:somentesobcondiçõesespecíficasde
“pressão
artística”
adquire-seacondiçãosinequanonparafazerarte
.Seupontodepartida:asobras
comomelancólicosleftovers,sobraspoéticasqueocupamolugar-melancolia.Tão
corriqueiroquantopreciso,otermoleftover4,rapidamentemencionadoporAndy
WarholemsuadivertidaFilosofia,acabaporindicaromododefuncionamentodo
seupróprioprocedimentoartístico.Oartistare-fabricacelebridades,acidentes
automobilísticos,latasdesopa,produtosdeconsumocotidiano.Umtrabalhode
reciclagem,enfim,dosobjetos/imagensjádevidamenteconsumidos.Warhol
exageraomecanismodarepetiçãopeloqualdeterminadoobjetofoidescartadoe
“realiza”obracomoumaespéciederevigoramentodessemesmomecanismo.Sua
interferência(discreta)nãosedá
sobretaisobjetos/imagensesimna
sua
disposição,nastelas,nosfilmes,noslugaresoficiaisdaarte,capazdesurpreender
oespectador.Assimoartistapotencializaosleftoversdasociedadeamericanaao
reproduzi-losedeslocá-losparaumagaleriadearte,ondepassam
asersuas
própriasobras/leftoversartísticas.
Adiferençaentreapotênciapoéticaearealidadedeconsumodaobra
decideseufuncionamento,aquidefinidocomomovimentodoleftoveraovazio.
Movimentorealizadopelosartistasepornósrefeitonaexperiênciadaobra,capaz
derevigorarnossaexistênciasimultaneamenteàpromoção
donossore-
envolvimentopositivocomarealidade.Porexemplo,diantedo
leftover
warholiano,filmeousériedeserigrafias,nósnossentimosmuitopróximosao
torporcotidianocontemporâneo.Renteaocotidianosocialdoconsumonorte-
americano,oartistatomaimagensdescartadaseasmanipulanascamadas
serigráficascomounidadestemporais.Comoseretirasseoconteúdo(supérfluo)
dedeterminadoevento,eleparecedeixarparaoespectadorsomenteodiferencial
dotempo,queentão“aparece”pesado,talqualopresenteextensoda
contemporaneidade.Assimpercebemosomovimentodoleftoveraovaziomenos
4“Ialwaysliketoworkonleftovers,doingtheleftoverthings.Thingsthatwerediscarded,that
everybodyknewwerenogood.Ialwaysthoughttheyhadagreatpotentialtobefunny.Itwaslike
recyclingwork.Ialwaysthoughttherewasalotofhumorinleftovers.”WARHOL,Andy.
The
Philo
soph
yof
And
yW
arho
l(Fr
omA
toB
and
Back
Aga
in).NewYork/London,1975,p.93.
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19
comodesenvolvimento
deumalinguagem
específicado
quecomoo
revigoramentodastécnicasdereproduçãoempregadas.
DomesmomodoofazemKleineBeuysaoproporarevitalizaçãoda
pinturaedaesculturaque,sempassarpelarenovaçãodalinguagempictóricaou
escultórica,
sebaseia
noentendimento
dasobras-leftovers
emsuas
potencialidadesespecíficas.ParaKleinapotênciapoéticacoincide
coma
sensibilidade,com
odesejo,queé“manipulado”em
objetosoutelas-“cinzas”
(finitas)do
monocromoasinalizarainfinita
potênciadapintura.JáBeuys
empreendesuasaçõesapartirdalocalizaçãodapotênciapoéticanopensamento,
ondeseencontraemfluxoconstante.Assim,elebemreconheceaincapacidadede
seuspálidosobjetosem
conservaraforçaoriginaldesuasações.Aomesmo
tempo,porém,elesconseguemincitaroespectadoracolocarquestões,ouseja,
acionamseupensamento.
Identificadoscomcertas“categorias”artísticas,aindaquenelaselesnãose
esgotem,osdiferentesmovimentosdo
leftoveraovazioseguem
semprena
direçãodeum
alertaacercadasnossascapacidadesvitais.Irredutívelàrealidade,
apotênciapoéticaconstituiacondiçãoprecípuadodarformaaomundo.E,
conseqüentemente,anósmesmos.
Termoquegaranteasobrevivênciadaartenolugar-melancolia,oleftover
guardaalgodo
queGiorgioAgambennomeiadisponibilidade-para-o-vazio
-
noçãofundadasobreasoperaçõesefetuadaspeloreadymadeepelaPopArtque,
intencionalmente,confundemedeturpamoduploestatutodaatividadepoéticado
homem.Aodistinguirocaráterdapresençadaobradeartedapotencialidade
característicadoprodutoindustrial,AgambenreconhecenoreadymadeenaPop
Artobjetoshíbridosque,respectivamente,inviabilizam
apassagem
daesferado
produtotécnicoàqueladaobradearte,edoestatutoestéticoàqueledeproduto
industrial.ReadymadeePopnãopertenceriam,então,verdadeiramentenemà
atividadeartísticanemàproduçãotécnica.Comosenãoseoferecessemnemao
prazerestéticonemao
consumo,“permanecem
tambémsobomodode
disponibilidade,namedidaem
querealizam,aomenosporum
momento,a
suspensãodosdoisestatutos(...),
apresentando-secomoumaverdadeira
disponibilidade-para-o-vazio”
5 .
5AGAMBEN,Giorgio.L
’hom
me
sans
cont
enu.Paris,Circé,1996,p.108.
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20
Oqueinteressanessaespécieestranhadedisponibilidadeéoíndicede
umapredisposiçãoquenãoseesgotanaobra.Talcaráterdedisponibilidade-para
seráverificadonolugar-melancoliafundamentalmenteapartirdeumacionamento
estético.Afinal,mesmodemonstraçõesmais“conceituais”,comoadoslivrosde
Klein(YvespeintureseHaguenaultpeintures)ouadascaixasdesabãode
Warhol,exigemoenvolvimentosensíveldoespectador.
Faz-senecessário,no
entanto,distinguirasescalasdasoperaçõesde
DuchampeWarhol.AtéserreeditadoporArturoSchwarzem1964,oreadymade
tinhacomoespectadoracomissãodaSociedadedosArtistasIndependentesouo
próprio
círculodeparesdoartista.ElesóganhavisibilidadepúblicanaNova
Yorkde1964-coincidentementeoanoemqueascaixasdesabãoBrilloeasde
catchupHeinzsãoexpostasnaStableGallery,namesmacidade.Asimultânea
conquistadeum
públicopeloreadymadeepelaobrawarholianasedeve,como
sabemos,menos
aumamesmacondição
deplanejamentodasrespectivas
operaçõesdoqueaoambientepropícioparasuaacolhida–aqueledaiminente
BusinessArtem
meadosdosanossessenta.Assim,Warholnãosóexpõe,mas
mentalizasuasobrasapartirdeumpúblico:suaconcepçãopoéticaseformanuma
dimensãoinexoravelmentepúblicadaarte.Poroutrolado,semsepreocuparcom
umainauguraçãoformal,Duchampafirmacomoreadymadeoatopoéticodeuma
atípicasubjetividadeartística.
JáoaspiranteaBusinessArtistincorporaem
suacooperativaartísticaa
rarefaçãodessasubjetividadequenãomaisseformaemconflitocomoambiente
públicoesimapartirdele.Agoraoartistatrafegapelairredutívelrealidade
institucionaldaarte.Parafazê-locom“desenvoltura”–nãosemumaprovocação
–elaboraumapersonaartísticapública.Conformadocomaindigênciadeseus
leftovers,Warholresistecomseu“lixo”assimcomoKleinofazcomassuas
cinzas-“lembrançasdeumavidadeespetáculo,pobrescoisasmortas”6 ,segundo
DoreAshton,paraquem
avidadaartedeKleinteriadesaparecidonosobjetos
expostosemsuaprimeiraretrospectivaemNovaYork.A
vidadesuaarteé,no
entanto,revividaemnossaexperiência:asmesmascinzasqueconsubstanciam
a
suspensãodomovimentodeKleinem
direçãoàscoisasdomundoreativam
o
6AssimDoreAshtondescrevesuasimpressõessobreaprimeiramostraretrospectivadeYves
KleinemNovaYorkem1967.ApudBUCHLOH,Benjamin.B
euys
:the
Tw
iligh
toft
heId
ol.In
RAY,Gene(org)JosephBeuys:mappingthelegacy.NewYork,D.A.P./TheJohnandMarble
RinglingMuseumofArt,2001,p.200.
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21
nossoprópriomovimento.É
comoseseguíssemosos“dutos”depigmentoazul,
refazendonolugar-melancoliakleinianoomovimentodaquelascinzasfinitasao
infinitodasensibilidade/princípiodapintura.Num
continuumcomaobra,esse
revigoramentonãopretende,éclaro,mudaroestadodascoisas,esimalterar
nossacondutafrenteaessestatusquo.
Menosàqualidadedoobjeto,Kleinremeteàintensidadedofenômeno,
explícitanaparedeenafontedefogo(criadasparaaexposição“Monochrome
undFeuer”,noMuseuHausLange,em
Krefeld).Praticamentetemadopintor
francês,essaexcitaçãodeânimorevelaumaética–queelechamaéticadoazul-
que,além
deum
ethosartístico,écomoquevivenciadaliteralmentenassuas
ações,permanecendoemseusleftovers.Taléticaéumaevidênciaazul–“para
serazul/nãodevehaverperguntas.”7
DistantesdoirrestritoentusiasmodeKlein,aindiferençadeWarholouo
absolutocomprometimentoexistencialdeBeuystambémconformam
condutas
artísticas,aquireconhecidascomodignidadedissimulada8.Farsante,charlatãoou
acomodado,oentusiasmadoKlein,oxamãBeuyseofriodesignerWarhol
trafegamporentreadúvidaeacrençanaarte,aexigirdenósumatomadade
posição.Afoito,Kleinnosdáum
ultimatonaconhecidamontagemfotográfica“o
pintordoespaçosejoganovazio!”.Simplesmenteum
homem,nem
homem
da
religião,nemhomem
daciência,nemhomem
daarte9(aomenosdaquelaem
vigor),YvesKleinseatiraaomundonumaintensidadedemovimentocompatível
comaplenacapacitaçãohumana.Seriaosaltoasoluçãopoéticadomovimento
espiritualrecalcadoquefazsurgiramelancolia?Kleinsimulaoriscoextremo
implícitonaatividadedoartista–umtipodeduelocomamorte10.
*****
7STEVENS,Wallace.ApudROSENBERG,Harold.
Obj
eto
Ans
ioso.Op.cit.,p.168.
8Valemo-nosdaexpressãokierkegaardiana“dignidadecalma”,utilizadapelofilósofoparadefinir
oestadoíntegroqueresultadoatodaescolha,afim
de“ganharoqueéacoisaprincipaldavida,te
reganharvocêmesmo,nacondiçãoquevocêpossuioudepreferênciaquevocêqueirapossuira
energianecessáriaparafazê-lo.”KIERKEGAARD,Sören.O
ubi
enO
ubi
en.Paris,Gallimard,
1943,p.479.
9KLEIN,Yves.
Kle
in,R
ayss
e,A
rman
:de
sN
ouve
aux
Réa
liste
s.InYvesKlein(Cat.Expo.).
Op.cit.,p.264.
10AGAMBEN,Giorgio.L
’hom
me
sans
cont
enu.Op.cit.,p.13.
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22
AmelancoliaatravessaahistóriaculturaldoOcidentedesdobrando-see
renovando-senasmaisdiversas
situações.Assuntoda
medicinadesdea
Antigüidade,elapercorreafilosofia,aarteealiteraturamenoscomoconceitodo
quecomoumanoção“quecadaum
acreditacompreendersomenteem
seus
própriostermos”11 .“Farpanacarne”deumamodernidade“quedesdeosgregos
nãocessadenascer,massemjamaisterminardesedesligardesuasnostalgias,de
seuslamentos,deseussonhos”12 ,amelancoliareúneaalegriaeapenadohomem
frenteaum
extintosentimentounitário
devida.Doce,triste,amarga,maldita,
severa,divina,intensa13 ;doença,estado,disposição,sentimento
subjetivo
passageirotransferidoparaobjetosinanimadoseambientes,elaassumea
plasticidadedonossolugarnomundo,oque“estejaalémdenós,massejanós”14.
Sentimentosemfinalidadenempropósito,amelancoliaenvolveohumano
emsuafrouxaextensão
àscoisasdo
mundo.Emersonbemreconheceu
a
melancoliacomosilenciosa,poiscobreosentimentodacondiçãodohomemem
suapercepção/ligação/inquietaçãocotidianaem
relaçãoaomundo.Descendente
daangústia,“liberdadepresa”,paraVirgiliusHaufniensis,amelancoliaéuma
formadedesejo,quetoma“forma”em
imaginação,conhecimento,pensamento,
etc.Eexatamentecomosentimento,nãoháumacoisa,situaçãoouacontecimento
específicoquepossasertomadaedescritaindependentementedaquelesentimento
elemesmo.Sentimentosemobjeto,amelancolianãosereduzaum
sintomaoua
umadoença,bemsabeRobertBurtonqueserecusaadiscutiroassunto15 .Assim
tambémofazStarobinski,quandonãodecidepelamelancoliacomocausaou
efeitodamodernidadeemBaudelaire:
11Naintroduçãode“SaturneetlaMélancolia”,RaymondKlibanskycomparaamelancoliaàtorre
deBabel,umaprovávelalusãoaRobertBurtonquereconheceemAnatomiadaMelancolia:“The
TowerofBabelneveryieldedsuchconfusionoftonguesasthisChaosofMelancholydothvariety
ofsymptoms.”SaturneetlaMélancolie.KLIBANSKY,Raymond;PANOFSKY,Erwin;SAXL,
Fritz
.Sa
turn
eet
laM
élan
colie
.É
tude
sH
istor
ique
set
Philo
soph
ique
s:N
atur
e,R
elig
ion,
Méd
ecin
eet
Art.Paris,ÉditionsGallimard,1989.
12BONNEFOY,Yves.Prefácio.InJeanSTAROBINSKI.
Mél
anco
lieau
mir
oir:
troi
sle
ctur
esde
Baud
elai
re.Paris,Julliard,1989,p.7.
13BURTON,Robert.
The
Ana
tom
yof
mel
anch
oly.NewYork,NewYorkReviewBooks,2001,
p.11.
14STEVENS,Wallace.O
Hom
emdo
Vio
lão
Azu
l.InPoemas.SãoPaulo,Cia.dasLetras,1987,
p.62.
15“Andwhetheritbeacauseoraneffect,adiseaseorsymptom,letDonatusAltomarusand
Salvianusdecide;Iwillnotcontendaboutit”.BURTON,Robert.
The
Ana
tom
yof
Mel
anch
oly.
NewYork,TheNewYorkReviewofBooks,2001,p.169.
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23
“Asdestruiçõesereconstruçõesdourbanismodomeiodoséculo,com
suamisturade
monumentalidadeefunçãorepressiva,sãoumadascausasdospleenedosentimentode
exílio?Ousãoelesevocadosporqueosentimentomelancóliconãocessaatéqueencontre
umobjetoaoqualapliqueseutrabalho,fixandoosensodaperdasobretodaimagemque
aceitadelereenviarajustificaçãodeseuprópriotédio?”16
Mas,nãoseriamaindeterminaçãodaesculturasocialbeuysianaouo
devaneiodarevoluçãoazulkleinianaasrespostasartísticascompatíveiscomo
flagrantecolapsode
modelos
epistemológicos
clássicos,inclusiveaqueles
atinentesàprópriaarte?Umnovohumanismoparaonovohomempropostopor
Klein,aarteantropológicaconcebidaporBeuys,oumesmoadesencantada
vontadewarholianadeserumamáquina,visamtodasaumareconciliaçãodo
homem
comelemesmo.Seasprimeiraspossuemotípicocaráterplanetárioda
tradiçãouniversalistadopensamentoeuropeu,a“proposta”donorte-americano
levaadianteafamosadesibiniçãoculturalnorte-americana.Todaselas,porém,
visamaumaamplarevisãodacapacidadedohomem.Diantedailegibilidade
dessequadro,propositalmenteassumimosum
termovagoerico,quenosabreum
universotãovastoquantodesgastado.
Deorigemgrega,apalavramelancoliasignificabilenegra,um
dosquatro
humoresquecirculam
nocorpodohomem
erespondemporsuaconstituição,
segundodoutrinade400AC.quepermanececomoesquemaoperatóriodurante
maisdedoismilanos.Talesquemasofre,porcerto,desvios,algunsdeles
exemplarmenteinterpretadosporPanofsky,SaxleKlibanskynocélebre“Saturno
eaMelancolia”.Longedenóspretenderum
exaustivohistóricodotermo,vale
destacarcontudoalgumasdasreferênciasabordadasaolongodenossapesquisa,
namedidaem
queaidentificaçãodamelancolianoencontrocomasobrasfoi
condicionadapelavastaliteraturaexistentesobreotema.
Apósseunascimentocomodoençanosaforismosde
Hipócrates,a
melancoliamereceserdestacadaem
“ProblemaXXX,1”,um
dostrintaeoito
livroscurtosquecompõe“Problemas”,obraatribuídaaAristóteles.Se,porcerto,
estenãofiguraentreostextosmaislidosdofilósofo,duasoutrêspáginasde
“ProblemaXXX”,quetratado
pensamento,da
sabedoria
eda
criação,
influenciaram
ainterpretaçãodogêniohumanomaisdoquetodososoutros
escritos.AobradeAristóteles,aliás,seriaumadaquelasque,semdestacar-sepor
seuestilooupeladensidadedepensamento,mantémsuafulguraçãoinalterada:
16STAROBINSKI,Jean.L
aM
élan
colie
auM
iroi
r:tr
oisl
ectu
resd
eBa
udel
aire
.Op.cit.,p.64.
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“Umsentimentodefamiliaridadenosligaa[obrascomoessa]”,afirmaofilólogo
JackiePigeaud,paraquemtaisobrasfalariamde“evidências,ouantes,deidéias
querecebemosnãosabemosmaisdeonde(...)narram
lugares-comunsdenossa
própriacultura(...)”17.
“Porquerazãotodososqueforamhomensdeexceção,noqueconcerneà
filosofia,àciênciado
Estado,àpoesiaou
àsartessãomanifestadamente
melancólicos,ealgunsapontodeseremtomadospormalesdosquaisabilenegra
éaorigem,comocontam,entre
osrelatosrelativosaosheróis,osquesão
consagradosaHércules?”18Semquestionarofatodequetodoserdeexceção,nos
maisvariadosdomínios,éummelancólico,Aristótelesofereceexemploseaborda
diretamenteascausasdamelancolia-oexcessodebilenegra,resíduoinstávelpor
excelência.
SegundoMarsílioFicino,“ProblemaXXX”corroboraacélebrefórmula
platônica,em
“Teeteto”e“Fedro”,segundoaqualoshomensdegêniosão
habitualmentearrebatados.Sóexistemgêniosentreoshomenstomadosporalgum
furor.Aristótelesinova,contudo,aointerpretarofurordivinodePlatãocomouma
sensibilidadedaalma.Elemedeagrandezaespiritualdeum
homem
porsua
capacidadedeexperiênciae,sobretudo,desofrimento,empreendendonotextoa
grandetarefadodeslocamentodanoçãomíticadefurorpelanoçãocientíficade
melancolia.19Graçasàcausalidadefísicadabile,essetextonosconfirmaquese,
porcerto,énecessárioumdom20,ooutroestáemnós.Assimoestagiritasubstitui
agratuidadedaescolhadivinapeloacasodamisturaquenosconstitui.O
problema,então,dizrespeitoaumafisiologia:sãoascondiçõesdonossocorpo
quenosdeterminamafalar,enãoum
Deusquefalapornossavoz.
17PIGEAUD,Jackie.Apresentação.ARISTÓTELES.
OH
omem
deG
ênio
ea
Mel
anco
lia.
OPr
oble
ma
XX
X,1.RiodeJaneiro,Ed.NovaAguilar,1998,p.7.
18ARISTÓTELES.
OH
omem
deG
ênio
ea
Mel
anco
lia.O
Prob
lem
aX
XX
,1.Op.cit.,p.81.
19PANOFSKY,Erwin;SAXL,Fritz;KLIBANSKY,Raymond.
Satu
rne
etla
Mél
anco
lie.Op.
cit.,p.89.
20AssimcomoPlatãoafirmaqueninguémseriabompoetasemosoproinspiradocomparávelà
loucura,Aristótelesescreve,naRetórica,sobreaorigemdapoesianainspiração.Apoesiasupõe
entãoapossessãodopoetaporumaforçadivina,MusaouApolo,um‘foradesi’maisoumenos
definido.Oessencialécompreenderquerefletirsobreapoesiaexigequeseimagineaomesmo
tempoum
dom,qualquercoisapelaqualoindivíduonãoéresponsável,eumaarte,istoé,uma
técnicahabilidosa,egênerosinstituídos,queimplicam,aocontrário,umaeducaçãoeumamestria.
ÉexatamenteistoquefundaacríticaquePlatãofazdapoesianodiálogoÍon.JackiePIGEAUD.
Introdução.ARISTÓTELES.
OH
omem
deG
ênio
ea
Mel
anco
lia.
OPr
oble
ma
XX
X,
1.Op.cit.,p.47/8.
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25
Filhodemédicos,conhecedordafisiologiadeseutempo,Aristótelesnão
fazdadoençaedesuadescrição,contudo,oessencialdasuaobra.Aindaque
analiseascaracterísticasfísicasdamisturadabilenocorpo,suainstabilidade
entrecalorefrio,oquelheinteressaéocomportamentodesseindivíduodoentioe
excepcionalqueéomelancólico.Pois,em
váriaspassagens,oautordistingueo
doentiododoentee,conseqüentemente,oexcessofortuitodapresençaconstante
deumaconcentraçãodebilenegraemumindivíduo.
Maisinteressadonocomportamentodohomemdoquenadoença,oautor
destacaosefeitosdovinho,agradaçãodosestadosdeembriaguezemdetrimento
daquantidadedolíquidoabsorvidapeloindivíduo.Abilenegraagecomoo
vinho:ambos“modelamocaráterdecadaum”.Ébriooumelancólico,ohomemé
projetadomaisoumenosprogressivamenteforadesimesmo,em
direçãoaos
outros.Aloquacidade,apiedade,oamorporoutrem,aafeiçãoexageradaou
mesmoaagressividadeeaviolênciasãocomportamentosqueimplicamarelação
comooutro
21.Ainconstânciadetectadainicialmenteremeteaessemovimento
essencial.“Portanto”,resumeAristóteles,“porqueapotênciadabilenegraé
inconstante,inconstantessãoosmelancólicos”.Mas“épossívelquehajaumaboa
misturadainconstância”,afirmaofilósofo,quesugereum
frágilequilíbrioda
inconstânciacapazdegarantiraexcelênciado
melancólico.Econcluipela
existênciadeumasaúdedomelancólico:“todososmelancólicossão,portanto,
seresdeexceção,eissonãopordoença,maspornatureza”.
Afluidafronteira
entre
normalidadeepatologiateria
imposto
o
reconhecimentoda
melancolia
comodisposição
emoposição
aum
estado
permanente,viabilizando,assim,atransformaçãodadoutrinadosquatrohumores
emumateoriadecaracteresetiposmentais.
Amelancoliaesuainserçãonodomíniodafisiologia(filosofianatural)
repercuteem“Trêslivrossobreavida”deMarsilioFicino,livrosobrebem-estare
saúde,emparticularsobreosriscosdesaúdeassociadoscomavidaintelectual.
Aoanimaraligaçãoaristotélicaentrebrilhoemelancoliaefazerdestaum
tema
queressoapelaRenascença,anoçãodemelancoliapropagadaporFicinoteria
mesmoinfluenciadoamaisquecélebregravuraMelencoliaIdeAlbrechtDürer.
21PIGEAUD,Jackie.Introdução.ARISTÓTELES.
OH
omem
deG
ênio
ea
Mel
anco
lia.
OPr
oble
ma
XX
X,1.Op.cit.,p.25.
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26
Apartirdodestaquedadonotextoaristotélicoàcaracterísticacentralda
melancolia-instabilidade/relaçãocomooutro-,deve-sedistinguir,contudo,a
individualidadegregadaquelamoderna.Seamelancoliaremetetantoàrelaçãoda
almacomocorpoem
umindivíduoquantoàdestecomooutro/sociedade,tais
relações
obviamentese
configuram
diferentementena
Antigüidade
ena
modernidade.Nomundoantigo,aconstituiçãodaidentidadeéorientadaporum
marcovalorativoconcedidodeantemãoaalgodistintodoeu,queregulaa
condutaapropriadaacadapessoa.Acaracterizaçãodaindividualidadeédadapela
conexãocomumacomunidadeconstituída,aqualtemporalvoemodelo.Jána
modernidade,háaexpressãodeum
núcleointerno,inscritoemsi,cujoalcanceé
antesembaralhadodoquefavorecidopelasrelaçõessociais22 ,oqueinstauraum
conflito. Em
contraposição
aohomem
antigoquesofrede
algumacoisa,o
indivíduomodernosofresemoutroobjetoquenãosimesmo23 .Afiguraaladade
Dürer,porexemplo,écriaçãodoartistaque,abandonadoporDeus,conformaem
obradearteamelancoliacomocrescentedistânciaentreaconsciênciaeodivino.
NanotávelgravuraMelencoliaI,cujainfluênciaseestendepelaEuropapormais
detrêsséculos,ErwinPanofskyidentificaaelevaçãodamelancoliacomopaixão
(temperamento,doençaou
estadodeespírito)aumacondiçãointelectual.A
gravurareúneolamentoeoentusiasmocriadorcomoosextremosdeumamesma
disposiçãodopróprioDüreracercadoslimitesdasuatãoamadaGeometriapara
lidarcomsuasinfinitasimagensinternas.Agoradetentordetodaaautoridade
sobreaobra,oartistamanifestasuaconsciênciaagudaacercadaintransponível
distânciaentreumarepresentaçãocompletamenteinterioreaproduçãoconcreta
daobra-oquedeterminaoestadodealertadacriaturaalada.
DaíasuainterpretaçãoporPanofskycomooauto-retratoespiritual24do
artistaalemão.Conscientedainadequaçãoentreumainfinitapotênciacriativae
suaefetivaconcretização,Dürersabequesuaatividadeconsistenaproduçãodele
22LIMA,LuizCosta.L
imite
sda
voz
(Mon
taig
ne,S
chle
gel,
Kaf
ka).RiodeJaneiro,Topbooks,
2005,p.26.
23Ohomem
gregosofredequalquercoisa,éprecisoum
objetoparaqueum
sofrimentoexista,
enquantoohomem
moderno
sofresimplesmente,elepodeserelemesmooobjetodeseu
sofrimento.VerVERNANT,J.-P..ApudEHRENBERG,Alain.L
afa
tigue
d’êt
reso
i:dé
pres
sion
etso
ciet
é.ÉditionsOdileJacob,1998,p.255.
24PANOFSKY,Erwin.L
avi
eet
l’art
d’A
lbre
chtD
ürer.Paris,Hazan,1987,p.64.
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27
mesmo–reúneoprazereadordesersimesmo,eixoem
tornodoqualgirao
melancóliconaqueleséculoXVI.
Amelancoliaeradetalmodo“assimiladaàconsciênciadesiquenão
haviaquasenenhum
homem
distintoquenãofosseautenticamentemelancólico,
ouqueaomenosnãosepassassecomotal,aosseusprópriosolhosassimcomo
aosolhosdeoutros.”
25Com
apossívelexceçãodaFrança,queteriafeito“guerra
àtristeza”,comoescreveMarcFumaroli,eoptadopelasaúde,amelancoliaé
celebradaportodaaEuropacomoosofrimentodeumaalmaquefazdeleasua
glória.VideHamletque,segundoFreud,“dispõedeumavisãomaispenetranteda
verdadedo
queoutraspessoasquenãosãomelancólicas”.ParaFreud,o
personagem,com
suaexacerbadaauto-crítica,que“sedescrevecomomesquinho,
egoísta,desonesto,carentedeindependência,alguémcujoúnicoobjetivotemsido
ocultarasfraquezasdesuapróprianatureza,podeser,atéondesabemos,que
tenhachegadobempertodesecompreenderasimesmo.”26
Se,grossomodo,oséculoXVIII,comseunotórioamorpelarazão,não
ofereceterrenopropícioàmelancolia,em
contrapartida,falar-sedamelancolia
românticaconstituiquaseum
pleonasmo.PoisoEuromântico,quesecolocano
mundo
easpiraao
ilimitado,exaltaoconflitofamiliaràmelancolia
para
transfigurá-loemcondiçãopoéticaideal.Aininterruptarenovaçãodatensãoentre
entusiasmo/aspiraçãoeabatimento/condiçãogeraumanovavitalidadepoética.
Assimamelancoliaromântica“aspiravaadescobrir,nasolidezdaapreensão
diretaenaexatidãodeumalinguagem
precisa,osmeiosdese‘realizar’”.27
Espéciedelugarprodutivodamelancolia,aobradearteromânticaéaevidência
domovimentodopensamento/criaçãoquenãoconsegueseresumiraumaação
conclusiva.Justo
aocontrário,envolveoprocessodeproduçãodaobracomo
ocasiãoparaoenvolvimentototaldohomem
nomundo.Atípicainquietação
melancólica,consoanteaosentimentodefaltaromântico,éanimadapeloaspecto
produtivodaobracomoreconciliaçãocomomundo.
25“ChezMichel-Ange,cesentimentatteintunetelleprofondeuretunetelleintensitéqu’ilprend
laformed’nesorted’autodélectation,encorequecelle-cisoitempreinted’amertume:‘Lamia
allegrezz’èlamalinconia.’(majoieestlamélancolie).”
PANOFSKY,Erwin;SAXL,Fritz;
KLIBANSKY,Raymond.
Satu
rne
etla
Mél
anco
lie.Op.Cit.,p.376.
26FREUD,Sigmund.
Luto
em
elan
colia.In:EdiçãoStandardBrasileiradasObrasPsicológicas
CompletasdeSigmundFreud,vol.XIV.RiodeJaneiro,ImagoEditoraLtda.,1974,p.279.
27PANOFSKY,Erwin;SAXL,Fritz;KLIBANSKY,Raymond.
Satu
rne
etla
Mél
anco
lie.Op.
Cit.,p.385.
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28
“Paraorestabelecimentodetodasascoisas,amediaçãopropostaéentãoaqueladaarte,
espéciederetornodomundoapartirdomovimentodeinteriorizaçãodaironiaromântica.
Atorefletido,um
momentodesetornarasimesmodoespírito,essainteriorizaçãose
acompanhadeumades-inserçãoquenãoésomenteaqueladoeucomrelaçãoasi
mesmo,masaqueladoescritorcomrelaçãoaomundoaoredor(...)aironiaromântica
tendeasetornaressencialmenteainfinitanegaçãodaqualaconsciênciaécapazno
exercíciodesualiberdade.Porcerto,aironiaromânticanãoesqueceomundo,poistem
necessidadedequalquercoisaàqualseopor,maselasófazdiscernirnoseiodomundo
taisridículosparticulares:éomundo‘exterior’emsuatotalidadequeelareprova,porque
elaserecusasecomprometercomoquequerquesejaexterior.Oumelhor,oironista
tentaráconferirum
valorexpansivoàliberdadequeeleconquistouprimeiroparaele
somente:elevementãoasonharcomumareconciliaçãodoespíritoedomundo,todasas
coisassendorestituídasnoreinodoespírito”28.
Mas“sonhosnãoenchem
barriga”,retrucabem-humoradoofilósofo
dinamarquêsSörenKierkegaard,paraquem
a“poesiaéumaespéciede
reconciliação,maselanãoreconcilia[ohomem]comarealidadeem
que[ele]
vive”29 .Éilusórianamedidaemquenãoéumavitóriasobrearealidade,esim
emigraçãopuraparaforadela.Sem
nosdebruçarsobreacríticakierkegaardiana
daironiaromântica,tampoucoseguircomseupensamentoemumahistórialinear
damelancolia,aproveitamosadeixadofilósofodeclaradamentemelancólicopara
pensaratemporalidadedonossolugar-melancolia.
Aoassumircomocernedesuareflexãoohomem
quecaminhapelo
assoalhodomundo,ouseja,oserhumanocomoserespiritualnasuadupla
condiçãotemporaleeterna,com
freqüência,atravésdeseusváriosheterônimos,
Kierkegaardseressentedaausênciadepaixãoquedominaseutempo.OestetaA
deOuOu30 ,porexemplo,concluiseulamentopelodéficitdepaixãonaqueles
“temposincultos”aoadmitirquesuaalmavoltasempreaoVelhotestamentoea
Shakespeare,ondepodeencontrarsereshumanosreais,capazesdeodiareamar.
AssimAexpressaofatodequeamodernidadedestruiuaformadahistória
previamentefixada-ostextosdoVelhoTestamentoforamsubstituídospela
escritamodernafragmentária,anarrativaperdeuqualquerconexãoimediatacom
seunarrador.Porisso,um
serhumanoéagoraconsideradooresponsável,o
“editorfinaldesuaprópriahistória”.
Jáseuinterlocutor,ojuizWilhelm,emum
diálogofeitoatravésdecartas,
defendeapossibilidade,ouantes,aresponsabilidadequeosujeitotemdese
28STAROBINSKI,Jean.
Iron
ieet
Mél
anco
lie:
Goz
zi,H
offm
ann,
Kie
rkeg
aard.In:Critique.
Paris,avril/mai1996,nº228,p.454.
29KIERKEGAARD,Sören.O
Con
ceito
deIr
onia.Petrópolis,Ed.Vozes,1991,p.255.
30CujaepígrafeéumacitaçãodeYoung:“Arepassionsthen,thepagansofthesoul?Reasonalone
baptized?”
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29
escolher:ohomeméticoseriacapazdetomarpossedesimesmoemsua“eterna
validade”.ParaoapaixonadoA,essaseriaumailusãodiantedaimpossibilidade
desercapazdere-possuirumaorigemdefinitivamenteperdidaemrelaçõesinter-
pessoaisesócio-culturais.AocontráriodoargumentodeWilhelmacercadeuma
personalidadequetemsuateleologiaem
si,Aremeteàsuacondiçãohistórica.
Vítimadeum
desejoporautenticidadeetransparênciaqueamodernidade
despertou,masnãopôdesatisfazer,ojuizerroneamentesupõequeAnãoquerser
umSelf.Narealidade,oestetaéconscientedoquãoproblemáticoétornar-seum
numaeranaqualoserhumanofoiabandonado
aum
sistemadesignos
contingentes
quenuncarepresentam,somente
simulam
apresença
do
significado31 .Daísuamelancolia,talcomodefinidapelojuizWilhelm:
“Oqueéentãoamelancolia?Éahisteriadoespírito.Cheganavidadeum
homemum
momentoemqueaimediaticidadeporassimdizeramadureceeoespíritodemandauma
formasuperiorondequerseagarrarelemesmocomoespírito.Ohomem,enquanto
espíritoimediato,éfunçãodetodaavidaterrestre,eoespírito,sereunindoporassim
dizersobreelemesmoquersairdetodaessadissipaçãoesetransfigurarnelemesmo;a
personalidadequersetornarconsciênciadelamesmaemsuavalidadeeterna.Seisso
nãoacontece,omovimentoéparado,eseeleérecalcado,entãoapareceamelancolia.
Pode-sefazermuitoparaseenterrarnoesquecimento,pode-setrabalhar(...)masa
melancolia
permanece.Háqualquercoisadeinexplicávelnamelancolia(...)sese
perguntaaummelancólicoarazãodesuamelancolia,oqueooprime,eleresponderáque
elenãoosabe,queelenãopodeexplicá-lo.Énistoqueconsisteoinfinitodamelancolia.
Earespostaéinteiramentejusta,poisassimqueeleosabe,amelancolianãoexistemais
(...)ofatodesermelancóliconãoésóum
signoruimpoisamelancoliasótocaas
naturezasmaisdotadas(...)Masmesmoohomem
cujavidatemomovimentomais
calmo,omaispacífico(...)guardarásempreumpoucodemelancolia;issosedeveaalgo
maisprofundo–aopecadooriginal,eissoseexplicapelofatoquenenhumhomempode
setornartransparenteparaelemesmo.Poroutrolado,aspessoascujaalmanãoconhece
amelancolia,sãoaquelascujaalmanãotemaidéiadeumametamorfose.”32
Aquestãodopecadooriginalécondiçãodaliberdadequesubjazànossa
existênciahistórica.Aíapareceaangústia,centrodetodooproblemapara
VirgiliusHaufniensis,angústiaqueseencontranainocênciadohomem
“então
presente,masnoestadodeimediaticidade,desonho”.Équandoatuacomouma
vagacompreensãodapossibilidadedaliberdade,umestadodesercapaz33que
permiteaqueda.Semprepresenteapossibilidadedetransgressão,aconsciência
dohomem
semanifestacomoangústia,obscurosentidoprimordialda
possibilidadedadiferençaantesqueelarealmenteocorra,ou,naspalavrasde
31GARFF,Joakin.“
The
esth
etic
isab
ove
all
my
elem
ent”
.InElsebetJEGSTRUP.TheNew
Kierkegaard.Bloomington,IndianaUniversityPress,2004,p.63.
32KIERKEGAARD,Sören.O
ubi
en..
Ou
bien
...Op.cit.,p.487/8.Grifodaautora.
33EAGLETON,Thierry.A
side
olog
iasd
aes
tétic
a.RiodeJaneiro,JorgeZahar,2003,p.133.
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30
Kierkegaard,“aaparênciadaliberdadediantedesimesmacomopossibilidade.”
Menosaintuiçãodeum
‘outro’doqueosprimeirosmovimentosdaprópria
possibilidadecategorialdaalteridade34 ,aangústiahabitaoespaçovaziodo
presentedoSelfconfrontadopelapossibilidadeilimitada.SegundoHaufniensis,
constituiaberturadopresenteparaofuturoeterno-éomomentumnoqualoself
écolocadonummovimentoauto-transformador.
Importaparanossolugar-melancoliaaatençãointransigenteàexistência
dohomem
decarneeossodopensamentokierkegaardiano.Nessesentido,nos
interessaoqueVirgilius
Haufniensisdenominaatmosfera
deconceito35,
atmosferacomum
aohomem
eaoobjeto/mundoquedeterminaa“ação”da
verdade,inexistenteemsimesma,ouentendidaapartirdeumalógicainterna.Em
“OConceitodeAngústia”,ofilósofoenfatizaosentimentodopensamento,a
importânciadenosapropriarmosafetivamentedoquepensamos:nãopodemos
entenderoquepensamossemviverdeacordocomtalsentimentodepensamento.
Avesso
àsubjetividade
“desavergonhadamente
exibicionista”
de
Kierkegaard,EmmanuelLevinasreconheceanoçãode
crençacomouma
novidadefilosóficadopensadordinamarquês.LembramosentãodoestetaA,cuja
consciência,produtodeumaépocadescrentedaautenticidadehistóricadas
Escrituras,aindaouveumavozquefalaatravésdelas.Persisteumadúvida,que
“nãoémeraocasiãoparareconfirmarumacerteza,masum
elementodacerteza
elamesma”,afirmaLevinas,paraquem“Kierkegaardnãoestavapreocupadocom
adistinçãoentreféeconhecimento,incertezaecerteza;oqueointeressavaeraa
diferençaentre
umaverdadevitoriosaeumaperseguida(...)perseguiçãoea
humildadequevemcomela,sãoelasmesmasasmodalidadesdaverdade.”36
Senosso
lugar-melancolia
sedistanciada
forte
subjetividade
kierkegaardiana,elemantém,porcerto,airredutibilidadedadiferençaentreo
dentroedoforadapessoa,espéciedemedidadeexistênciaasercontinuamente
conquistada.Nãosurpreende,então,aafinidadeentreodesesperodoapaixonado
poetadoromance“ARepetição”–“comoeuentreinomundo;porqueeunãofui
34Idem,p.134.
35“Quelascience,commelapoésieetl’art,exigeaupréalableuneatmosphèreaussibienchez
celuiquireçoit,qu’unefautedemodulationnesoitpasmoinstroublantequ’unefautedansdans
l’exposéd’unepensée.”KIERKEGAARD,Sören.
Mie
ttes
philo
soph
ique
s/Le
conc
ept
del’a
ngoi
sse/
Trai
tédu
dése
spoi
r.Paris,Gallimard,1990,p.171.
36LEVINAS,Emmanuel.
Exist
ence
and
Ethi
cs.InRÉE,Jonathan;CHAMBERLAIN,Jane
(org.).Kierkegaard:acriticalreader.Oxford,BlackwellPublishers,1998,p.35.
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31
consultado,porquenãomefoidadoconhecerosusoseoscostumesaoinvésde
meincorporaràsfileiras,comoseeutivessesidocompradoporum
comerciante
dealmas?”37-earesignaçãodeWarhol,quereconheceaexistênciacomoum
trabalho,pois“ternascidoécomotersidoseqüestradoevendidocomoescravo.
Aspessoasestãosempretrabalhando.Omaquinárioestásempreemandamento...
aspessoasestãosempretrabalhando”38 .
Amelancoliaencontra-seestreitamenteligadaàhistóriaocidentalda
consciênciadesi.Noslugaresinstauradospelasobrasdosnossosartistas,ela
talvezpossasercompreendidaapartirdo
queosociólogofrancêsAlain
Ehrenbergdenominaindividualidadeincerta
39.Osujeito
doséculoXVIIIse
integraàquelaiminenteesferapública,oindivíduodivididodoséculoXIXdeve
sedefiniremconflitocomasociedade,jáohomemdasegundametadedoséculo
XXseriaaqueleemancipadonaplenaacepçãodotermo.Distantedoindivíduo
iluministaquetemaexistênciajustificadapelocontratofictícioestabelecidoentre
oshomens,oudaqueleoitocentistaquedeveserumapessoaporsimesmanum
grupamentoquetiradelepróprio
asignificaçãodesuaexistência,oindivíduo
contemporâneoacabaportornar-seinteiraetristementeresponsávelporsi.Sem
regrasdeautoridadenemmodelosdisciplinaresdegestãodecondutas,eleé
obrigadoaseauto-instituir.Aangústiasedissimulaaíportrásdocansaçodeser
simesmo40 .EncarnadoàperfeiçãoporWarhol,cujaprópriaincapacidadede
desejar,comoveremos,érevertidaemmétododetrabalho,essafaltacrônicade
energia,juntoàressuscitaçãodapessoabeuysianaeoentusiasmomonocromático
deKleincolocamemjogooutras“medidas”deexistência.
NaBabeldamelancolia,éinvariávelaincapacidadedeosujeitofazero
lutodoobjetoperdido.PodemosentãopensarasatividadesdeBeuys,Warhole
Kleincomoarealizaçãodotrabalhodelutodeumadeterminadaobradearte.
Aindaquenãoconstituampropriamentenovosobjetosdeinvestimentodaslibidos
artísticas,osleftoverscontêmomovimentodesseinvestimento,movimentocapaz
demanterolugar-melancoliacomoum
espaçoabertoàreconciliaçãodohomem
comsuacapacidadedeprodução.Umareconciliaçãonohorizontedofuturo,
37KIERKEGAARD,Sören.L
aR
epri
se.Paris,Flammarion,1990,p.144.
38WARHOL,Andy.
The
Philo
soph
yof
And
yW
arho
l.Op.Cit.,p.96.
39EHRENBERG,Alain.L
’indi
vidu
ince
rtai
n.Calmain-Lévy,HachetteLittératures,1995.
40EHRENBERG,Alain.L
afa
tigue
d’êt
reso
i:dé
pres
sion
etso
ciet
é.ÉditionsOdileJacob,1998,
p.52.
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32
expectativaqueintegraacompulsivaproduçãodeleftoversnadireçãodovazioa
serocupadopeloespírito.
ConformeFreudexplicita
em“Lutoemelancolia”,otrabalhona
melancoliasediferenciadaquelerealizadonolutoprecisamentepelaincapacidade
dosujeitodesligar-sedafixaçãosobreumobjeto.Naausênciadoobjetoamado,é
exigidoquetodaalibidodosujeitosejaretiradadesuasligaçõescomesteobjeto.
Pormeiodeum
processodoloroso,com
maioroumenordispêndiodetempoe
energia,otrabalhodolutoéconcluídoeoegoficanovamentelivreedesinibido.
Jánamelancolia,osujeitonãoconseguedesligar-sedoobjetoperdido.Aliás,sem
reconhecê-loconscientemente,oegoidentifica-secomesseobjeto,apontode
perder-senodesesperoinfinitodeumnadairremediável.
Apartirdadefiniçãodeumarelaçãocomofuturo,pensamosomovimento
dosleftovers
aovaziono
lugar-melancolia
àmaneira
darepetição
kierkegaardiana.Aforaasnoçõesde
melancolia
eangústia–estaúltima
notoriamentecentralno
seupensamento,poistodaaexistênciaencontra-se
fundadanaincertezafundamentaldaexperiênciadaangústia-,dealgummodo
Kierkegaardparecelidarcomum
lutoemsuacategoriaderepetição41.Categoria
religiosa,essarepetiçãotratadarenovaçãopeloindivíduodesuarelaçãosubjetiva
apaixonadacomumobjetoquenuncapodeserconhecido,apenasacreditado.Não
setrata,com
certeza,detransportalcategoriaemsuadimensãoreligiosa–aliás,
centralàproblemáticakierkegaardiana,queseconcentranocomosetornarum
cristãonoCristianismo,em
queDeuséooutroabsolutoedeterminaaprópria
condiçãodepossibilidadeparaoindivíduo-,nósapensamosapartirdaespecífica
temporalidadedoreganharumadeterminadarelação.
Arepetiçãoéumalembrançaorientadaparaofuturo,segundoVirgilius
Haufniensis,quando“todaavidarecomeçadenovo,nãoporumacontinuidade
imanentecomopassado,oqueseria
umacontradição,mas
poruma
transcendênciaquecravaentrearepetiçãoeaprimeiraexistênciavividaum
tal
abismoquesóseriaumaimagemdizerqueopassadoeoseguintetêmentreelesa
mesmarelação42 .Essereganhar,ou
segundaimediaticidade,implicauma
concepçãodetempoformadaporumasucessãodeinstantesaserdistinguidado
41Em
seu“pequeno
livro”ARepetição,Kierkegaardtentare-estabelecerumaespéciede
comunicaçãocomsuaex-noivaRégineOlsen.
42KIERKEGAARD,Sören.
Mie
ttes
philo
soph
ique
s/Le
conc
ept
del’a
ngoi
sse/
Trai
tédu
dése
spoi
r.Op.cit.,p.174.
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33
tempocomofluxocontínuoinfinito.AindadeacordocomHaufniensis,oinstante
éaambigüidadeondeotempoeaeternidadesetocamum
aooutro,colocando
porissooconceitodetemporalidade,ondeotempointerceptaconstantementea
eternidadeeondeaeternidadepenetraconstantementeotempo.Issoporqueessa
eternidadenãoseencontraforadotempo,esim,comobemobservaoestetaA,
trata-sedeuma“ricaeternidadesituadanocentrodasvicissitudesdotempo.”43
Parece-nosentãoviávelpensaromovimentodoleftoverparaoVazio
comoumarepetiçãoque,darealidadefinitadaobraparaumapotênciapoética
infinita,abreaesferatemporalinteira,numarelaçãointrínsecacomopresente
temporaldoinstantedaexperiênciadaobra.Assimcomoaojovemestudantede
“ARepetição”,aquem,enquantopermanecia“suspensograduporummês,sem
mexerumpéoufazerumsómovimento”,nadaerapossível,somentealcançamos
adisponibilidadequenãoseesgotanaobrasenosmantivermosemmovimento.
*****
“Thereisnogreatercauseofmelancholythanidleness,nobettercurethanbusiness.”
RobertBurton,Anatomyofmelancholy
Nolugar-melancolia,oprimeirocapítulodatese,destacamososaspectos
dasobrasdeYvesKlein,AndyWarholeJosephBeuysqueimediatamentenos
levaramàidentificaçãodamelancolia.Doimpactodaevidênciaazulnapinturado
francês,seguimosparaatemporalidadeinstauradapelasimagensnassériesde
serigrafiasenosfilmesdeWarhol,edaíencontramosaressonânciamaterialque
caracterizatodaaobradeBeuys,comdestaqueparaosseusdesenhos.
Apartirde
suasrespectivascaracterísticas/herançasculturais,nossos
artistaspartemdo“princípioativo”dapintura,daserigrafia
edaescultura,
superandoostermosdessascategoriasparareencontrarsuapotênciaprimeira.
AssimKleininsisteno“indefinível”deDelacroix,raizromânticadatradição
modernadacorfrancesa.Jáadimensãoplásticabeuysianavembaseadana
palavraenopensamentocaracterísticosdeumasensibilidadeculturalalemã44 ,o
43KIERKEGAARD,Sören.O
ubi
enou
bien
.Op.Cit.,p.46.
44“A
Nuremberg,commepartoutailleursem
Allemagne,l’intérêtàl’Antiquitérenaissanteest
littéraireetscolastiqueplusquevisueletesthétique.Em
Italie,ladécouverted’unesculpture
classiquesoulèvedescommentairesenthousiastesquantàaspuissanceexpressive,asbeauté,as
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34
queexplicariaaproporçãoentreconteúdosimbólicoecargamaterialnasuaobra.
Domesmomodo,oworkaholicWarholprosseguea“tradição”americanado
trabalhoduro,jápatentena
produção
artísticaimediatamenteanteriordo
expressionismoabstrato.
“Minhavidafoiproduzir”:aanotaçãodeKierkegaardem
seudiáriono
anode1849intitulaosegundocapítulodatesequetratadasatividadesdos
artistas-distintosmodosdeocupaçãodesimesmoslocalizadosemsuasdistintas
realidadesartísticasinstitucionais.Assimcomoofilósofosegueincansávelnos
limitesdeum
“pequenotratado”oude“migalhasfilosóficas”,Warholre-fabrica
“automaticamente”nasuafábricadearte,Beuyssemovimentaincansávelpelos
espaçosinstitucionais,realizaaçõesdasquaissobramobjetos,eKleindispõeseus
monocromosazuisdemesmaproporçãojuntoàspinturasabstratasquecirculam
peloestérilcenárioartísticoparisiensedofinaldosanos1950einíciodosanos
1960.Exercícioconstanteeinútil,aproduçãodosleftoversrevelaacompulsão
própriaàmelancolia,comoesclareceobibliotecárioBurtonque“escrevesobrea
melancoliaporestarocupadoemevitaramelancolia”.45
OacessodiretoàartepelomundodosnegóciosnaManhattandofinaldos
anos1950éabordadocomdesdém
porWarhol:sesoubessequeseriatãofácil
expor,eleoteriafeitoantes.VivenciandoinlocoaiminênciadaArtBusiness
americana,oartistapodeempreenderoseupróprionegóciodearte,umafábrica
ondeamplificaoprocessodeproduçãoeacirculaçãodeobras/mercadorias.Jána
Europadosanos1950/60,aproduçãocontemporâneatinhaumainserçãodifícil
nasinstituições.OquepodeserverificadonaprimeiraexposiçãodeYvesKlein,
em1956,nagaleriadeColleteAllendy,condicionadaaoapoiodeum
críticode
arte(quandoentãoKleinseaproximadePierreRestany).Nadécadaseguinte,tal
comportamentoinstitucionalcomeçaamudar,primeironaAlemanha(paísno
qual,aliás,aobradeKleintemumareceptividadebemmaiordoquenaFrança),
ondeseiniciaumapolíticadeaquisiçãodeartistasjovens.Nofim
dosanos
sessenta,écriadaacoleçãoLudwigque,comfortepresençadaPopArt,participa
detodaumaatmosferareceptivaàproduçãoartísticacontemporânea.Talclimade
fidélitéàlanature;em
Allemagne,ellen’inspirequedesdiscussionspurementérudites.Les
inscriptionsintéressentdavantagequelesimages,celles-ciétantappréciéesmoinscommedes
oeuvresd’artquecommedesproblèmesd’iconographieou
dessourcesdedocumentation
historique.”Panofsky,Erwin.L
avi
eet
l’art
d’A
lbre
chtD
ürer.Hazan,1987,p.54.
45BURTON,Robert.
The
Ana
tom
yof
Mel
anch
oly.Op.cit.,p.20.
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35
institucionalizaçãodaslinguagensartísticascontemporâneasépropícioàartede
umBeuys,queatuajustamentenaotimizaçãoestéticadoespaçodaarte.
DefinidoemrelaçãoaoestérilambienteartísticodaFrançadopós-guerra,
opensamento
monocromode
Klein
sedesenvolve
graças
aovalorda
impregnação,espéciedepossedefinidaexclusivamenteatravésdemarcase
registros.Seusleftoversconstituemobjetosdedesejo,jáquenosincitamao
encontronuncaconcluídoda
sensibilidade,pois“sentirésempresentirà
distância,nosentidoqueaapariçãodacoisatemcomoreversoecomocondição
umaformadeausênciaoudeincompletude,sendoessarazãopelaqualosentiré
originalmentearticuladoaomovimento”46 .
Semenergiaparadesejar,nemtempoparapensar,Warholidentificaa
“sensibilidade”americanaemplenaemergênciadasociedadedeconsumo,capaz
dealterardrasticamenteoestar-no-mundo.Indefinívelem
termosdedistância
espacialfísicadado
adventoda
mídia,oquecaracterizariafinalmentea
existência?Warholnosperguntacomsuassériesdecelebridades,todaselas
realizadasapartirdeumadistânciafixa,constantenecessáriaparamediramínima
distânciaparaatingirooutro.Eempreendesuafábricadeartemovidapelonovo
tempodoconsumoamericano,onderealizaumaespéciedemicrocosmoda
formaçãodasubjetividadecontemporânea.
“Do
leftoverao
vazio”,aenfraquecida
subjetividadeartística
contemporâneamodeladanumadimensãopúblicanosencaminhacomsuasobras
ànossa(im)possibilidadedaexistência.Noterceirocapítulo,Beuysrealizaesse
movimentoaovazioatravésdaamplitudeescultóricadesuaplásticasocial,
permeada
peladiscussãosobrealinguagem.Kleinofaz,na
experiência
artística/estética,
literalmente
“conformada”
emsuapotência
primeira
-
angústia/desejo-naexposiçãodoVazio.
Faz-senecessárioobservar:afim
deevitaroexcessodenotasdepéde
páginareferentesàscitaçõesdosartistas,principalmenteaquelasfeitasporKleine
Warhol,abreviamosnocorpodotextoasduaspublicaçõesdasquaisfoiretiradoo
maiornúmerodecitaçõesdessesartistas,seguidopelonúmerodapáginaem
46“EmStraus,essaaproximaçãodosentirradica,enfim,numadeterminaçãodavidacomo
essencialmenteconstituídapelodesejo,poisoprópriodavidaétenderàconstituiçãodeuma
totalidadecomomundo,reduzindoassimaseparaçãoquefundamentasuasingularidade;essa
totalidadeéaquiloque,dealgumaforma,sedeseja,istoé,queaum
temposeatualizaesenega
emcadaexperiência.”BARBARAS,Renaud.
Sent
ire
faze
r–
afe
nom
enol
ogia
ea
unid
ade
daes
tétic
a,p.94.InRevistaNovosEstudosCEBRAP,nº54.Julhode1999.
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36
questão.“LeDépassementdelaProblématiquedel’artetautresécrits”,coletânea
detextosdeYvesKlein,seráabreviadaporDP;“ThePhilosophyofAndyWarhol
(fromAtoBandbackagain)”,afilosofiadeAndyWarhol,seráabreviadapor
PAW.Taiscitações,assimcomotodasasoutras,serãotraduzidaspelaautora
somentequandoseencontraremnocorpodotexto;ouseja,todasascitações
reproduzidasem
notasdepédepáginaserãomantidasnosidiomasoriginaisdas
publicaçõesconsultadas.
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2 No
luga
r-m
elan
colia
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68
mesmateladiferentesrolosdefilme,cadaum
delesacompanhadodesuaprópria
trilhasonora.Com
25hdeduração,ofilme,compreensivelmenteexibidosomente
umavezemsuaversãocompleta,resumeoprincipalassuntodassériesdemorteda
décadadesessenta:avida,e/ouseudéficitemrelaçãoàduraçãodanossaexistência.
Eusabiaquenuncamaisoprojetarianovamentecomessaduração,então,elefoicomoavida,
nossasvidas,passandocomoum
flashdiantedenós–passariasomenteumavezenósnunca
maisaveríamosnovamente.33
2.3 Jo
seph
Beu
ys
2.3.
1
Res
sonâ
ncia
plás
tica
Est-cequetouteformationplastique,decelleducristalàcelledel’homme,nepourraitpas
s’expliqueracoustiquementpardesmouvementsarrêtésoucontrariés?
Novalis,Fragments
JosephBeuysécapazdetransformarumemaranhadoheterogêneodematérias
esímbolosem
verdadeiroscamposdeforça.Sãoambientes,vitrines,emesmo
desenhos,comtalpotênciadeconvicçãosomentepossívelaumaagudasensibilidade
deescultor:notávelsensodeproporçãoeprofundosentimentodamatériaproduzem
assimapregnânciamaterialdetodaumatramaiconográficaemdeterminadaextensão
espacial.Nasuperfíciedeumafolhadepapelounoespaçodeumasala,oartista
combinamatériasecoisasdasmaisdiversasnaturezas,formandosubstânciascom
peso,densidade,volumeetemperaturaespecíficos–fatoresquedeterminam
a
receptividadedaobraechegam
aalterarnossasprópriascondiçõesfísicas.Beuys
manipulasubstânciasque,semestancarnumaforma,acabam
porescoar,deixando
umrastroqueconfluidiretamenteparanossasterminaçõesnervosas.Rastro
quase
visível,aserintegralmenteacompanhado“deperto,”em
suasilenciosaressonância
volumétrica.
33WARHOL,Andy.ApudDavidBourdon.
War
hol.Op.Cit.,p.265.
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69
Équeotrabalhobaseia-senumaespéciedevolumetriaquímica,capazde
quantificaro“soluto”emmovimentonaobraqueacabaporreverberarnoespectador.
Obraasersentida,interpretada,cheirada,ouvida–comtodososnossos25sentidos,
diriaoartista.ComooamálgamadefiguraepapéissobrepostosdeMulhersentada
nochão(1952?),porexemplo,quesuperaaintegraçãoespacialdafiguraàáreada
folhadepapel.Sangrandoabordasuperioresquerdadopapelrasgado,aimagemda
mulherde
cabeçainclinadaecomosmembrosdobradosapresentaacentuada
mobilidadepelairregularidadedaligeiraelevaçãodamargemdafolha.Asmargens
soltasdopapelsobreaqualestápintadaafigura,aliás,sugeremumadiscreta
animaçãodetodasuasuperfície,amenizandoseuslimitesfísicos.O
movimentosóé
completado,noentanto,–eprincipalmente-,peladistensãocorpóreadafigura,
determinadamenosporumacoerênciamorfológicadoquepelavitalidadeorgânica
damatériautilizada-obeize
34.Odesenvoltomovimentodopincelsobreopapel
importasim,masnãodecideovigordodesenho,finalmenteconseguidocomas
característicasfísicasdasoluçãoocretransparente.Corsubstantiva,obeizetrazpara
asuperfíciedopapelapróprianaturezafemininainterna,fluida,consubstanciandoa
ligaçãodamulhercomoespiritual,suaprópriacapacidadedegerarvida,acentuada
peladesproporcionalregiãopélvica.Substânciainerenteaocorpodamulherfigurada,
overnizinscrevedelicadamenteaimagem
nopapel,ondeproduzum
sutilvolume
capazdealterarvisualmentesuagramatura35 .
Valenotarafreqüênciacomqueocorpohumanoaparecenosprimeiros
desenhosdeBeuys.Éum
corpovisivelmentealongado,massemprecontraído,
muitasvezescomasarticulaçõesem
evidência,aindaquenuncarepresentadonas
suaspartescomponentes.Geralmenteexecutadonumamanchaúnica-pigmento
condensadoouváriostraçosdegrafite-,essecorpoaparececomoconcentração
energéticadeumasubstância.Comoobeize,queavançaligeiramentepeloslimitesda
áreadocorpodeMulhersentadanumaespéciedevazamentomicroscópico:oferro
sedepositanaprópriagranulaçãodopapeldepoisqueosolventeescorre,eacabapor
34Palavraalemãparaumtipodevernizcompostodeferro.
35SegundoAnnTemkin,obeize
criaum
volumedesuperfícienuançadoeum
contornoclaro
extraordinariamentebonitonoqueeleafundanopapel.TEMKIN,Ann;BERNICE,Rose.T
hink
ing
isFo
rm:t
heD
raw
ings
ofJo
seph
Beu
ys.NewYork,ThamesandHudson,1993,p86.
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formarumaespéciedehalo(sutilíssimo)dafigura.Aimagemembeizereagecomo
papel,quimicamente,porassimdizer,produzindoaliumcontornoluminoso,espécie
demarcadatransubstanciaçãodasoluçãodeferronamatériacirculatóriadocorpoda
mulher. A
energiacontidanessespequenoscorposjáparticipa
daoperação
de
armazenamentoetransporte
deenergiaquefundamentaateoriadaesculturade
Beuys.Pequenasmanchasdeaquarelaebeizeouverdadeirosemaranhadosdelinhas,
delicadasouagressivas-semprevigorosas,contudo-,mostramamesmasubstância
interna,concentrada
evibrante,reativadaem
diferentesproporçõeseordens
materiais.Seuvastorepertóriosimbólico-material-feltro,cobre,fios,cruz,piano,ou
mesmoasmassasdeceraegordura-obedeceao
mesmoprincípioda
força
substantiva,capaznãosódedarligaàsváriasreferênciashistóricas/culturaismas
tambémdesustentá-lacomopermanênciamaterialressoante.Sejanadimensãomais
íntima,dosdesenhos,sejanaexplícitadimensãopúblicadeTallow(1977),entra
sempreemjogoaressonânciaessencialdeumasubstânciainternavital.
ParaBeuys,essaressonânciacaracterizaaprópriaarte,surgindoemtodasua
obrano
estado
mesmode
potência.Nocasodo
piano,umapotênciasonora
correspondenteaumaartedaescuta.Aindaqueoutrosinstrumentosmusicaistenham
sidoutilizadospeloartista,opianoaparececommaisfreqüênciaem
suaobra.Com
suagrandecaixaderessonância,oinstrumentopareceincorporarproporcionalmente
melhoraexigênciade
“escutar”umaescultura.Condiçãode
possibilidade
da
escultura,aescutasignificaareceptividadeessencialcapazdenossintonizarcom
determinadasubstância,emumamesmafreqüênciadeondas,porassimdizer.
AsensibilidadeescultóricadeBeuysvaiaoencontrodaforçadapresença
daqueleobjetopesado,idolatradonaculturaocidentalporsuacapacidadesonora,de
modoainstaurarcomeleum
potentelugarderessonânciaparaoqualsomos
convocados.Oartistaescutaopiano,nãosónasuafundamentalqualidadede
ressonância,comotambémnasuacapacidadededelimitarseupróprioespaço/lugar.
Pois,assimcomoesseinstrumentomusicalexigequeointérpretecaminheem
sua
direção,Beuysnoslevaatéopianoenosenvolvenaquelaatmosferade“contra-
música”.Assimsomosmobilizadosnumaescutaessencial,fenômenoacústicoque
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nospermiterelacionardemaneirareceptivacomopiano-poderosoinstrumentode
açãoqueestimulaadiscussão36conformeacentuaopoderdeconvicçãoformal
daqueleambiente.
Sobranasalaum
pianosilencioso,capazdepotencializarumaressonância
precisamentepelaimpossibilidadedapropagaçãodasondassonoras.Acapacidade
queopianotemdeproduzi-lasnãoé,noentanto,eliminada.Osomlatenteé
reforçadopeloimpactodamassacinzadofeltroque,aorevestiropiano,menoso
escondedoqueocala.Facilmentereconhecível,oinstrumentomusicalimpeleao
incômodoeinevitávelacompanhamentodeseu“movimento”interno,àescutade
umapossibilidadedeproduçãosonora.
Aimpossibilidadedemúsicanessepianodefeltroacabaporafirmara
presençaindubitáveldareservasonoraqueinstauraolugar-melancoliabeuysiano.
Lugardeafliçãodiantedeum
pianomudo,alireinaatemporalidadeespecíficada
possibilidadedearte.Umaartequeaindaestáporvir,dependendo
denossa
permanenteescuta,naquelemomento,esemprenaquelemomento37,comoum
presentemobilizadopelofuturoeterno.Estáemjogoumapossibilidadedearte,aser
diferenciadadeum
impulsodearte(paraficarcomomesmoinstrumentomusical,o
queRaoulHaussmanchamade“aarteantesdetocaropiano”).Aoinvésdeatentar
paraoperíodoqueantecedeaproduçãodaobra,Beuyslidacomaprópriacapacidade
deprodução,semantesnemdepois,fazendoartedapossibilidadedetocarumpiano,
digamos.Oartistaconseguesituartalpossibilidade,eali,naqueleambiente,nos
incitaraocontínuodesenvolvimentodenossasprópriascapacidades.
Essaespéciedecondensaçãodapossibilidadedaartenumlugarfunciona
devido
aumaaltacapacidade
deaproveitamentodaspropriedadesfísicasdas
matérias.Maleabilidadedagordura,transparênciadobeize,armazenamentodecalor
dofeltro,etc.,sãopotencializadasnacombinaçãocomelementosdedistintas
naturezas.Ofeltro,porexemplo,pareceaquecerosarranjosformaisdosFonds,
36JosephBeuysdeclarasobre“Infiltrationhomogènepourpianoàqueue,leplusgrandcompositeur
contemporainestl’enfantthalidomide.”InCENTREGEORGESPOMPIDOU.JosephBeuys.(Cat.
Expo.).Paris,1994,p.281.
37“L’instantestcetteéquivoqueouletempsetl’éternitésetouchent,etc’estcecontactquiposedu
temporeloùletempsnecessentderejecterl’éternitéetoùl’éterniténecessedepénétrerletemps.
Seulementalorsprendsonsensnotredivisionsusdite:letempspresent,letempspassé,letempsà
venir.”KIERKEGAARD,Sören.L
eco
ncep
tde
l’ang
oiss
e.Op.cit.,p.256.
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72
enquantoque,aoenvolveropiano,oisola,intensificasuavibraçãoenergéticae,
conseqüentemente,acentuaanossaprópria
vibração.Esseforte
sentimentoda
matériaéreveladodemodobrutoediretoemTallow,descomunalmassadegordura
animalcortadaem
cincoblocos,esculpidaparaumaexposiçãodeesculturasaoar
livrenacidadedeMünster,em
1977.Tallowcontraria
qualquerpropostade
“embelezar”oambiente.Aoinvésdeoptarporum
lugarfavorável,Beuysescolhe,
segundoCarolineTisdall,opiorlugarpossível–um
canto”morto”sobarampade
acessoaoauditóriodauniversidade,ondesóacumulapoeira.Fazdestecantoomolde
doqueviriaasersuapoderosaobra,preenchendocomgorduraanimalovazio
correspondenteàquelelugar.Afirmaassimoautênticopotencialartísticoda
escultura,emcontraposiçãoaoqueoartistacertavezdefiniucomo“pequenogueto
pseudo-cultural”domundodaarte.
Comosecapazdeescutaraquelecantoabandonadoaoatingiramesma
freqüênciasonora,Beuysreiteraaoseumodoaquelaressonâncianaimensamassa
gordurosa.Fazescultura.Estabelecealigaentreodesertodeconcretoproduzidopelo
planejamentourbanocontemporâneo,materializando,porassimdizer,opensamento
acercadosmotivossubjacentesàtalplanejamentonumadosecavalardematériaviva.
Oresultado,umaimpressionantepeça
degorduraanimal,cortada
afrio
(delicadíssimaoperação)em
cincoblocosquecontinuamumapulsaçãoúnica.
Aquelessólidosextraordináriossósedeixam
acompanharaoritmodaenergia
circulanteemseuinterior,aindaquente38.Feitosdeumamatériabruta,quedemorou
trêsmesesparasolidificar-se,sãocomoseresesquisitos,esilenciosos,quecontinuam
suavidafazendozumbirnossoouvido.
38SegundoBeuys,“essaéaprimeiraesculturaquenuncaesfriará,eseelaesfriarelanuncaficará
quentenovamente.”
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73
Figu
ra10
–B
euys
traba
lha
emTa
llow
ÉimpressionanteafotografiadeBeuysjuntoaumdoscincoblocoscortados.
Diminutoemrelaçãoàquelapeçaenorme,oartistadeixaclaraaconsciênciaacerca
dasuaresponsabilidadepelapermanênciamaterialdealgumacoisanomundo.Tal
permanêncianãosetraduznumaformafixaetangível,esimem
umaatividade
orgânicaconcomitanteàconstânciadeum
trabalhodemundoqueédevolvidoanós.
Assimoartistaconcebesuaplástica,demonstradaemtodoseuvigorcom
Tallow,no
qualsetrabalhaamatériamenosparavencersuaresistênciadoqueparadelimitara
cristalizaçãodomovimentoorgânicodagordura.Seuofíciodeescultornãoémoldar
ouentalhar,éacompanharomovimentointernodascoisas.Trata-sedeum
processo
detransportedeenergia,comoBeuysdeclaraeevidencia,porvezes,literalmente,nas
obras.Umapermanentereativação
desubstânciasno
sentidode
assegurara
possibilidadedealgocomoqueaarteestejaemrelação–aprópriapossibilidadede
substânciapoética.
Atentoàspropriedadesfísicasdoselementos,fazligamaterialforteobastante
paracausarum
impactonoespectador,oqualacabaporsentirmodificadassuas
próprias“propriedades”.ComooeconopeitoprovocadoporTallow,gritoabafado
deadvertênciaacercadenossaprópriacapacidadedepensamento,produção,criação.
Taléosentidodoesculpirbeuysiano:exercícioderealizaçãodaobraenquanto
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reativaçãoconstantedapossibilidadeprodutiva.Atensão39épermanente,quase
material,tomanãosóoolhardoespectador,mastodooseucorpo/mente.Équeaarte
ainda(esempre)estáporvir,eéurgentequetodossedêem
contadisso,parece
ensinarBeuys.Convictodopotencialcriativodohomem,oartistareitera,acada
trabalho,asubstânciapoéticaquelheéinerente(todohomem
éum
artista,Beuys
repete),comoumverdadeiroatodefé,segundoCarolineTisdall.
“Aquestãoéacapacidadedecadaum
sobreseulugardetrabalho,oquecontaéa
capacidadedeumaenfermeiraoudeum
agricultordesetornarumapotênciacriativa,ea
reconhecê-lacomoumapartedeumdeverartísticoaexecutar.Eisaquestão.”40
EmSite(1967)Beuysnosincitaàcompreensãodaplástica-quejánasceno
homem
eabrangetodasassuasfaculdadeseosseussentidos-atravésdospés.
Executaumaespécieesquisitadetapetegeométricocomplacasdecobre,feltroe
gordura,porsobreoqualdevemos
caminhar.Eventualreferênciairônica
ao
Minimalismo41 ,Siteindicamenosum
deslocamentoespacialdoqueapassagem
de
umestágioparaoutro,mudançadeestadoexplícitanafusãodofeltroedagordura.
Ignoraolocalespecífico,constituindoolugardeum
eventohumanototal,segundo
Beuys,“umlugardesignado,ondealgumacoisaaconteceuoupodeacontecerno
futuro”.Acomeçarpelasdiferentesreaçõesqueocorrementreospésdopassanteeos
materiais:amaleávelcombinaçãodefeltroegorduracede,gastando-seconformevai
sendopisada,jáasplacasdecobreresistem.Eassimoartistademonstranapráticao
movimentoinerenteasuaplástica:aocaminharsobreesselugar,“eledeveriadarum
novo
entendimentoacercadaPlasticidade-Elasticidaderecebidaatravésdospés
(...)”.42
39Aforçadosobjetosadvémdeum
“sensaigudesproportionsetdesemplacements.Ilses’agit
jamaisd’uneidéequisetrouveréaliséemaisd’uneréalisationqui,parunecertainedisposition
physique,sevoitchargéedesens(...)l’essencedel’oeuvren’estplusum
pointfixeetdistant,em
dehorsdeceluiquilesregarde,maiselleestdanslaformequisesitueentrel’oeuvreetlespectateur,
danslatensiondesonregard”.HERGOTT,Fabrice.
L’A
rtC
omm
eun
Cou
teau
Aig
uisé.In
CENTREGEORGESPOMPIDOU.JosephBeuys(Cat.Expo.).Op.cit.,p.73.
40BEUYS,Joseph.P
arla
prés
ente
,je
n’ap
part
iens
plus
àl’a
rt.Paris,L’Arche,1998,p.30.
41SegundoRosenthal,apalavra“site”éumleitmotifentreosMinimalistaseartistasafins,eétambém
otítulodotrabalhodedançadeRobertMorriseYvonneRainerexecutadoduranteumavisitae
Düsseldorfem1964,quandoBeuysencontraMorris.Noentanto,otrabalhodeBeuysdemesmotítulo
nãoevocarianenhumadaspreocupaçõesdosamericanos.
Jose
phB
euys
:A
ctio
ns,
Vitr
ines
,E
nvir
onm
ents
.ROSENTHAL,Mark.Houston,MenilFoundation,2004.
42BEUYS,Joseph.ApudCarolineTISDALL.J
osep
hB
euys.Cat.Expo.Guggenheim,1989,p.160.
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75
Figu
ra11
-Site
Essasensação,recebidapelospés,percorretodoonossocorposeguindoatéa
mentenumacorrenteúnica.OmododareceptividadedeSiteexemplificatoscae
radicalmenteoprocessodecontra-imagem
43quedistinguetodaapoéticabeuysiana.
Nesseprocessoéequacionadooqueocríticonorte-americanoHaroldRosenberg44
chamade“atocriativopessoal”doespectador,queparticipada“correntecontínuade
criações”àqualaartedevesuasobrevivência.OqueBeuyspropõeéumaespéciede
correntealternada,quepode
edeveserinvertida
peloespectador.Aorepetir
determinadafreqüênciadeondas,elaéalteradajustopornossomovimentointerior,
numacontínuareativaçãodesubstâncias.Trata-se,afinal,domesmoprocessode
armazenamentoetransmissãodeenergia,comunicadopeloartistasobaformada
permanenteindagaçãoquevisaàsobrevidadaarte(com
freqüência,quandodo
aparecimentodeBeuys,perguntou-seacercadapertinênciadesuaarte).
43“Youreallydogetintoazoneofdeathwhenyoubecomeconsciousofourcontemporary
civilization,oftheconceptbehindit.Butthisdarkmoodcanprovoketheoppositemoodinpeople,
youknow.I’vealwaysthoughtthatitwouldbebettertousecolorlessmaterials,forinstance,
especiallyinactionsandhappenings,andfortoolsandsculptures.Initially,Imean,thematerialis
colorless–youmightthinkofgreyasbeingtheneutralizationoranimageofneutralizationinthearea
ofcolor.Iusethisgreytoprovokesomethinginpeople,somethinglikeacounter-image–youmight
evensay,tocreatearainbowinpeople’sminds…”BEUYS,Joseph.I
fno
thin
gsa
ysno
thin
g.In
BASTIAN,Heiner;SIMMEN
Jeannot.JosephBeuys.Zeichnungen.Tekeningen.Drawings.Prestel-
Verlag,München,1979.
44ROSENBERG,Harold.
Obj
eto
Ans
ioso.SãoPaulo,Cosac&Naify,2004,p.279.
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76
Odesafio
inerenteatodaarteaparecenaobracomoprovocação.Nossa
adesãoérápida.A
obra“fere”logo,efica,incômoda,àsvezesdolorida,comoum
leveformigamentoouum
profundoeconopeito.Ouum
arrepioleve,comono
desenhoNinfa-floral(1956),cujacontraçãodaalongadafigurafemininaemaquarela
nopapeldesedapareceserepetirbemnasuperfíciedanossaprópriapele.Équeao
delimitarocorpodecabeçapendenteepernasdobradasnoespaçodeumafolhade
papelextremamentefino,aaquarelaprovocaasuacontração,ealiformaveiosque
irradiamdafiguraparadiferentesdireçõesdafolha.Beuysfiguraaoconformaro
estadodaimagem
nasuperfíciedopapel,“àflordapele”,talcomodeixanossos
nervos.Apelículatransparentedepapeldesedaeaquarela,talqualpelefina
enrugada,continuapornossaepiderme,eriçando
sutilmenteospêlosdenossos
braços.
Figu
ra12
–N
infa
Flor
al
JáasAbelhas-Rainha
45(1952)incomodam
maisnofundo,causandouma
sensaçãodoloridanaregiãosuperiordacoxapelacontinuidadeintestinacomas
massasdeceraedemadeira.Aquelesamálgamasparecemseresvivos,menospor
umamorfologiadoqueporumaorganicidade,queremetetantoàatividadedeórgãos,
veiaseartérias(Abelha-rainha
3)quantoaumaespéciede
fossilizaçãodesta
45Otemadasabelhasem
Beuys,juntoaseusprodutos,comoceraemel,devesercompreendidoa
partirdasualeiturade“SobreAbelhas”(1923),obradeRudolfSteinerquepropõeomodode
organizaçãodosinsetoscomoummodeloparaoshomens.
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atividadeorgânica(Abelhas-rainha1e2).Freqüenteem
seusdesenhosiniciais,o
motivodaabelhacertamenteserelacionacomaformaçãoeoespíritocientíficosdo
artista,assimcomoàssuasleiturascompulsivas.
Figu
ra13
–A
belh
a-ra
inha
3
UtilizadonafamosaaçãoComoseexplicam
quadrosaumalebremorta
(1965),omelremeteàcapacidadedeproduçãoapartirdoprocessamentointerno(no
interiordoorganismodasabelhas)deum
elementoexterno(opólen).Transparente,
douradoeviscoso–edoce!-,escorrefirmeelentamente,num
interessanteestado
intermediário.Damesmaformavariáveldolíquidoemesmovolumefixodosólido,
oscilaentreabaixavibraçãodasmoléculascaracterísticadoestadosólidoesuaalta
vibraçãoquandonoestadolíquido,caracterizandobemadisposiçãoprodutivado
próprio
homem,qualificadaporBeuyscomoestado-mel.46Omel,aliás,parece
46“Sil’onprocedeparalchimie:quelquerpartdanslafleur,làprocessuscalorifiqueestleplusintense,
làounaissentlesmatièresodoriférantesquisediffusentdansl’espaceenvironant,làouseformele
néctar,l’authentiquemieldesplantes,auniveauqu’onpurraitdéjàappelerstade-mieletdéjàatteint
parlaplante.C’estcemielquel’abeilleprendetauquelellefaitencoreunefoistraversersoncorps
pouremfaireunechosesupérieure,luidonnerl’éfficacitésupérieuredeceteffet-mielgénéralement
présentdanslanature.L’abeillenefaitriend’autrequecollecterettransposeràumniveausupérieur...
Ilfautbiencomprendrequetoutceciestenquelquesorteumproduitdelacivilisation.Laruchetoute
entière,tellequenouslaconnaissonsaujourd-hui,estuneformequeleshommesontcrééepar
dressage,carlesabeillessauvagesagissentumpeucommelesguêpes,demanièreassezanarchique,et
façonnentdepetitsrayonsdemielirréguliers...Ceciesteffectivementlefruitd’unecultureet
representeunecomprehensionthérapeutique…Autrefoisetmaintenantencore,onutilizelemielàdes
finsthérapeutiques…Le
laitetlemile...”BEUYS,Joseph.ApudBernhardBLUME.
Beu
ysA
lchi
mis
te.InCENTREGEORGESPOMPIDOU.JosephBeuys(cat.expo.).Op.cit.,p.254.
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conjugarastrêsetapasde
suaTeoriada
Escultura:forma/idéia,potênciae
movimento.Etapasverificadasnacerasolidificadaqueguardaasdiferentesfasesdo
derreter,doescorreredocristalizar,e,conseqüentemente,docaloredoresfriamento.
Portransferência,digamos,Beuysdemonstracomaceraacapacidadequeo
homemtemdecriarsubstânciasnelemesmo.Espéciehumanadecera,opensamento
constituianossasubstânciaporexcelência,princípiocriativodemonstradoporBeuys
nassuasextensasredesdeassociaçõese/ounasmassasgordurosasqueobedecemao
mesmoprincípiode
movimento.Assim,aindaquesejapossívelinterpretar
logicamentesuastramasintrincadas,estasnãosesujeitamaum
encadeamentolinear
dopensamento,têm
adensidadedesuaprópriaarticulação,denaturezamúltipla,a
serexperimentadacomnossos25sentidos.
Épelomovimentodopensamentodoespectadorqueoimpactodaobrade
arteprossegue,de
outro
modo,em
outra
freqüência,digamos,exigindo
uma
capacidadedevisãoqueuneintuiçãoeraciocínio.Aspessoasantesdetudodevem
sercapazesde
ver.Em
arte,reconheceBeuys,nãohá
nada
paraentender,
absolutamentenada.Somenteaconjugaçãoentreintuiçãoeraciocíniobastaparaa
extremacuriosidadedemundodeBeuys,quenainfânciatomaaformadeum
laboratóriomultidisciplinar47,atéchegaraseuconceitoalargadodearte.Intuiçãoe
raciocínioestãoem
definitivoincorporadosàdimensãoexistencialdaapaixonada
poéticabeuysiana.Ésobreumapaixãopelopensamentodefinidoradaprópriavida
queescreveClimacus,oestudantedefilosofiadeKierkegaard:
“Estavaapaixonado,ardorosamenteapaixonado–pelopensamento,ou,antes,pelo
pensar.Nenhumjovemapaixonado,diantedapassagemincompreensível,naqualoamor
despertanoseupeito,diantedorelâmpagoqueacendenaamadaum
amorrecíproco,
poderia
experimentarumaemoçãomaisprofundado
queelediantedapassagem
compreensívelem
queum
pensamentoseencadeiaem
outro,umapassagem
que
representavaparaeleoinstantefelizdarealizaçãodoquepressentiraeesperarano
silênciodesuaalma....prestavaatençãoaomurmúriosecretodospensamentos;seuolhar
tornava-sesonhador,nãoporqueadivinhasseaimagem
daamada,masporqueviao
movimentodopensamentoaparecerdiantedesi.”48
47SegundoBeuys,aoscincoanosdeidadeelejátinhadesenvolvidoumlaboratórioenvolvendofísica,
química,meditaçãoepesquisaem
todosostiposdesistemas,oqueteriamuitoavercomseu
desenvolvimentoposterior.BEUYS,Joseph.ApudCarolineTISDALL.
Jose
phB
euys
:w
ego
this
way.London,VioletteEditions,1998,p6.
48KIERKEGAARD,Sören.É
prec
iso
duvi
dar
detu
do.SãoPaulo,MartinsFontes,2003,p.7.
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79
Aintençãoaoreproduziralongacitaçãonãoétransporaspalavrasde
ClimacusparaBeuys,ésugerirumaaproximaçãodeprocedimentos.Assimcomo
Kierkegaardlidacomaincompatibilidadeentreafilosofiaeaexistência,entreuma
compreensãoatemporaldo
mundo
pelopensamentoeumaexistênciatemporal,
Beuysinsistenainsuficiênciado“pseudo-guetocultural”daarteparaum
pleno
desenvolvimentodascapacidadesdohomem.Amboscontinuam,porém,atrabalhar
arduamente,comumaféinabalávelnapossibilidadedeumaarteeumafilosofia.
2.3.
2Fo
rmas
pens
ante
s49
Nousjetonsiciumregardprofondémentinstructifdanslanatureacoustiquedel’âme,etnous
trouvonsuneressemblancenouvelleentrelalumièreetlapensée,puisquetoutesdeuxs’allientàdes
oscilationsouàdesvibrations.
Novalis,Fragments
Aatividadeplásticacomeçanodesenho,primeiraeconstantereaçãopoética
que,desdeapráticadaaquarelanosanos1940atéosesquemascursivosdosquadros-
negrosdofinaldosanos1970,incorporaanoçãodemovimento.Sãodedezavinte
mildesenhos,algoencantatórios,cujaforçaresideem
noscoadunarcomoritmo
instaurado
pelasmatériasutilizadas.Tãoóbvianaaquarela,tambémnítidanos
múltiplostraçosagrafiteounaopacidadeluminosadosóleossobrepapel,uma
fluênciasubstantivaconformaaplásticabeuysianasempreem
processo.Matérias-
figuraçõescirculam
simultâneasaum
pensarinconclusivo,verificadotantonas
intrincadasredesdeassociaçõesquantoemdespretenciosasnotascomo,porexemplo,
astrêsfigurashumanasproduzidasemaquarelaentre1956/58.
49AssimJosephBeuysrefere-seaosseusdesenhos.
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80
Figu
ra14
-Mäd
chen
Traçosdepigmentosecosugeremacabeça,obraço,ovestidoeaspernasda
apagadaMädchen(1958),taiscomoporçõesremanescentesdeumaimagemanterior
bemdefinida.Sangrandoabordadireitadafolhadepapel,afigurafemininaparece
sofrermaisaaçãodotempodoqueadoartista-eresiste.Avibraçãotênuedo
pigmentodefineaforçadeumaimagem
fugidiaqueimprimeumapassagem
de
tempoindefinida,masefetivamentesentidacomorealidade.
Jánaaquarelasemtítulodomesmoano,vemosnametadesuperiordeuma
folhadepapelbem
comprida(40,9X9,5cm)um
corpohumanofeitodepequenas
áreasretangularesem
suavestonsdecarne,ligeiramentesobrepostas.Articulando
somenteopulso,Beuysinterfereemdiferentestemposdesecagemdaáguaeobtém
concentraçõesvariáveisdepigmento.Équandoafiguraganha“corpo”,etronco,
braços,regiãopubianaepernas–precários-surgemnoexatoinstantedaconjugação
entreomovimentodopinceleaimprecisãocaracterísticadaaquarela.Esseestado
intermediárioúmido,digamos,apresentaumasuperfícieintranqüilaque,reforçada
porsuaorientaçãodesproporcionalmentevertical,garanteoaspectoinacabável(enão
inacabado)dodesenho.
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81
Figu
ra15
–se
mtít
ulo
Éocasodanítidasilhuetahumanasemtítulo(Akt)de1956(18,2X13,1cm),
umamassacompactaformadapelasobreposiçãodecamadascinzaesverdeadoque
sugeremzonasdeluzesombradeumaesculturadecorpo“nu”,em
perfil.O
movimentodopincelacompanha,repetidasvezes,ocontornocurvilíneodafigurae
produzsucessivasveladurascomdiferentesconcentraçõesdepigmentoque,tais
comocorrentesalternadasdeenergia,fazemafigurabrilhar.Brilhodeumaplástica
inerenteaopigmento,indiciaaenergiacirculantequecorrespondeaotrabalhointerno
humano.
Figu
ra16
–se
mtít
ulo
(Akt
)
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82
Esse
trabalhoéopróprio
pensar,exclusivaatividadedo
homem,
constantementereativadoporBeuysnodesenho.Pormeiodessaatividade,oartista
trazàtonadopapel(rasgado,deembrulhooubloco,oqueestiveràmão,enfim)o
invisívelprodutohumanoeodeixavazarbrutonomundo,emseuaspectocaótico
mesmo,talcomosedá
internamente.Conservaseuvolumeesuavibração,
permitindoopróprio
“movimentodopensamentoaparecerdiantede(...)[nós]”
(Climacus).Afinal,ede
acordo
comopróprio
artista,odesenhojáestáno
pensamento,eentãoeleéopensamento50.Guardaporinteiro
aenergiadoseu
movimentorevelando-anumoutroestado.Conservasobreopapelointervaloentrea
purapotênciadopensamentoesuarealidade,oquetornaodesenhocapazde
influenciaralinguagem/plásticadeBeuyse,simultaneamente,dereverterparaseu
própriopensamento.
Daíocaráterde“pesquisapura”dessesdesenhos,comobemdefiniuHansvan
derGrinten(umdosprimeiroscolecionadoresdasobrasdeBeuys,juntamentecom
seuirmão,cujoceleiroabrigouaprimeiraexposiçãodoartista,“BeuysFluxus”).Sem
pretenderqualquerconhecimentoespecífico,oartistaacompanhacomodesenhoo
rastrodaenergiadopensamentonamaterialidadedomundo.Poisjustoemoposição
àespecificidadequeesclerosaascapacidadesdohomem,oartistaprocuraaspróprias
basesda
criatividadehumana,préviaàbipolarização
entre
arteeciênciano
pensamentoocidental.Deacordocomopróprioartista,elecomeçaadesenharpara
desenvolverumametodologiaparapensarsobrearteeciência51 .
O“resultado”:
desenhos
dificilmente
datadoseclassificáveisque
acompanham,esquematicamenteoupormeiodesubstânciasfluidas,ofluxode
pensamento.Naação
Hauptstrom>>Fluxus52(1967),porexemplo,odesenho
50AreferênciadeBeuysacercadapresençadodesenhonopensamentopodeserrelacionadacomo
antigoconceitodeIdea,queexistetantointernaquantoexternamente.Sobreadiscussãoda
transformaçãosofridapeloconceitodeidéiadePlatãoaolongodaAntigüidade,verPANOFSKY,
Erwin.I
dea:
Aev
oluç
ãodo
conc
eito
debe
lo.SãoPaulo,MartinsFontes,1994.
51Aindaquenadécadade1970Beuysreconheçanaciênciao‘limitedaimprescindívelexigênciado
pensamentológico’,oquejustificasuaopçãopelaarte,pois‘somenteaartepodeserrevolucionária.’
BEUYS,Joseph.A
Rev
oluç
ãoso
mos
nós.InGloriaFERREIRA;CecíliaCOTRIM(org.).Escritosde
artistas:anos60/70.RiodeJaneiro,JorgeZaharEditor,2006,p.300-324.
52Aaçãofoirealizadaem20demarçode1967,juntamentecomHenningChristiansen,porocasiãoda
aberturadesuaexposiçãoFettraum(espaçodegordura),numaresidênciaparticularem
Darmstadt.
SegundoFabriceHergott,amovimentaçãosedáatravésde“linhaspróximasaotrajetodalebre,
animalqueBeuysnãopáradeimitaraodarpulos,saltosemcírculos,oupermanecerimóvelagachado,
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formadoporsériesdelinhasirregulares,emzigue-zagues,num
cadernodepáginas
quadriculadas,seria
capazde
registrarasvariaçõesde
umaenergiainstintiva
encarnadapelalebreesuarelaçãocomopensamentohumanorepresentadopelas
palavras.Ouem
Vulcão(1949),ondeépossívelrefazeravelocidadeeaforçado
traçarexecutadopeloartistaealentasecagemdaágua,quecarregaopigmentoeo
concentranoscantosinferioresenapartesuperiorcentraldafolhadepapel(oque
nospermitesuporqueBeuysatenhavirado).Equasesentiroaveludadodasmanchas
docantoinferiordireitoedopróprionúcleodo“vulcão”-brumaavermelhadade
pigmentosecoqueentranhanossulcosdecrayon,maisoumenosdefinidosdeacordo
comavariaçãodaforçaempregadanaextensãodoemaranhado.Talqualaimagem
deumaexplosãovulcânica,aefervescênciadopensamentotransparecenaprópria
presençabrutadeumasubstânciaplástica,indefinidaeilimitada.
Figu
ra17
–V
ulcã
o
Utilizadosprincipalmentenadécadade1950,aquarelaeoutrosmateriais
aquosos,comocháousanguedelebre,constituemexcelentesmeiosdeconversãodo
caráterfluidodessasubstânciaparaasuperfíciedopapel.Paraalém
daspossíveis
implicaçõessimbólicasdosangue,porexemplo,esseslíquidosdeixam
visíveisas
etapasdoseupercursoem
diferentescamadas,fixandonoespaçodeumafolhade
papelointervalodetempodotransportedopigmento.Sãoessas“etapas-camadas”
adotandoum
gestualouexpressõesindodopuromimetismodalebreàimagem
dopensador”.In
CENTREGEORGESPOMPIDOU.J
osep
hB
euys.(Cat.Expo)Op.Cit.,p.293.
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movediçasdecorquedeterminam
ocontinuumespaço-temporalde
matériae
figuraçãocaracterísticodas“formaspensantes”-formasdoprocessodopensamento
quecontém
jáo“primeirocomeçodemudançadacondiçãomaterialdomundo”53 .
Registrodeum
“pensarquejáémoldar”,odesenhoéaextensãodopensamentona
superfíciedopapelassimcomoalínguaoénaspalavras,eaesculturasocialno
mundoondevivemos.
Oraiodaação
doescultorincide
nointervalodaturbulênciaentre
o
pensamentoeumaforma,nomodopeloqualmoldamosdesenho,falaousociedade.
Válidaparaos“materiaisinvisíveisusadosportodomundo”,aplásticabeuysiana
compreendeos“processosprimáriosdebaseem
açãonaescultura”,apassagem
da
potênciaàrealidadedaformaliteralmenteconsubstanciadanocaráterreversívelde
matériascomoceraegordura.Équeaoreagiraocalor,essasmatériasderretem
e,
mesmodepoisdesolidificadas,guardamaformadoseuprocessodetransformação.
Independentementedeseusestadosatuais,vivemnaiminênciadamodificação,de
umamudança
deestado
físico,
movimento
constitutivoque,efetuado
pela
transferênciadeenergia(calor),nãoresultaem
deslocamentoespacial.Essetipode
movimentoédecisivoparaanoçãodeesculturadoartistaque,“docaosparaa
ordem,doindeterminadoparaodeterminado,doorgânicoparaoabstrato,doquente
paraofrio,daexpansãoparaacontração”,implicaaativaçãodealgosobformade
potência. Nabasedaplásticabeuysiana,oprincípiodamudançadeestadofísicofaz
lembraraimagemdatábuarecobertadeceraqueAristótelesutilizaem
“Deanima”
paratentardescreverapurapotênciadopensamentoesuatransiçãoaoato54 .Poisse
nãoéjustamenteapassagemdopensamentoàaçãoqueBeuysmanifestanasAktions
enosdesenhos?Umamudançadeestadodadisponibilidadementalouativaçãoda
consciência,queseria
oprimeirocomeçodemudançanacondiçãomaterialdo
53“Drawingformeisalreadyinthethought,andsothereforeitisthethought...[If]thecomplete
invisiblemeansofthinkingpowersarenotinaforma,thenitwillneverresultinagooddrawing.Soit
isthefirstbeginningofchangingthematerialconditionintheworld...throughoutsculpture,
throughoutmachineryorengineering...whereuniversalsthroughdrawingendnotwiththeconceptof
drawingofthetraditionalartist.”BEUYS,Joseph.J
osep
hB
euys
and
the
lang
uage
ofdr
awin
g,p.
103.
54NaGréciadoséculoIVA.C.com
maiorfreqüência,especialmenteparausoprivado,seescrevia
gravandocomuminstrumentoumatábuacobertadeumafinacamadadecera.
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mundo.Enãoseriaentãopossívelpensartodasuaatividadecomodemonstraçãoda
possibilidade(eurgência!)dorevolverdessacamadadeceraaomínimo“escorrer”
dopensamento?Beuysmostraaoespectadoroimpulsoessencialdofazeromundo,
presenteem
cadahomem
aomododeumapotencialidadecomoum
ecodasua
intuiçãodeescultura55.
Eapartirdeumaligaçãofísica,numprocessode“sentirsubstâncias”,o
escultorvisaàrestituiçãodosentidooriginaldotermo“moldar”–aplicado,em
temposeculturasanteriores,tantoàconsciênciaquantoaomaterialnosentido
escultórico.Oqueficaevidentena
substânciaoleosa
marromavermelhada
Braunkreuz(cruzmarrom)que,muitousadaemdesenhos,principalmenteapartirda
décadade1960,torna-seumaespéciedemarcaregistradadoartista.Épossívelouvir
nelaoecodonomedeChristianRosenkreuz56outodasasimplicaçõessimbólicasda
cruz,relacionadaaocristianismoouaonazismo(cruzdupla).Apesardevariar
consideravelmenteemtonalidadeetextura,asubstânciapossuitalsolidezqueremete
àsensaçãodesujeira,aevocaremnós“oconjuntodomundodecores...provocarde
algummodoum
mundoclaroeluminoso,um
mundotãosupra-sensíveleespiritual
quantopossível,eissoporsuaimagemcontrária.”.
AntesdoBraunkreuz,Beuysteriautilizadosubstânciasoleosascinza,como
aqueladaespessamanchaqueconstituiodesenhoTeoriadaescultura(1958).Mais
“frio”doqueaquelemarrom,essecinzaopacosegue,porém,omesmoprincípioda
contra-imagem:grudadisplicenteefirmenasuperfíciedopapel,oferecendoatrito
suficienteparacolocaremmovimentoopensamentodoespectador,que“existecomo
potênciadepensarenãopensar,comoumatábuaenceradanaqualnãohánada
escrito.”57Aoconcentrarpotência(matériacinza)eforma(teoriadaescultura)na
55“(...)j’aiouvertlelivre,j’aivuunesculpturedeLehmbruckettoutàcoupj’aieul’intuitionqu’avec
lasculptureonpouvaitfairequelquechosedeformidable.‘Toutestsculpture’,semblaitmecriercette
image.”BEUYS,Joseph.ApudMarionHOHLFELDT.
Chr
onol
ogie
.InCENTREGEORGES
POMPIDOU.JosephBeuys(cat.expo)Op.Cit.,248.
56ChristianRosenkreuzéomísticoapartirdoqualfoinomeadaaseitaRosa-cruz,umadasbasesdas
teoriasdeRudolfSteiner-provavelmenteatravésdasquaisBeuyssetornoufamiliarcomoRosacruz.
57AGAMBEN,Giorgio.
Bar
tleby
ode
laco
ntin
gênc
ia.InPreferiríria
nohacerlo:Bartlebyel
escribientedeHermanMelville.Valencia,Pre-textos,2001,p.99.
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substânciaúnicado
desenhosegundoomecanismoda
contra-imagem,Beuys
revigoraumaherançaculturalalemãdeproduçãodeimagem.58
Figu
ra18
–O
h,Fa
lada
alip
endi
as
Otempodofluxodopensamentobeuysianoficamarcadonasuperfíciedo
papelatravésdoescoamentodesubstânciasúmidas,ou“secas”comoOh,Falada,ali
pendias(1950),quandoanítidafiguraçãodeum
bustodecavaloparece“escorrer”
pelafolhadepapelnumasérie
delinhasdediferentesgradações.Figuraçãoe
“abstração”totalizamumaúnicamassadedesenhocujadensidadeéproporcionalao
volumedopensamento.Porissoháincrivelmentemuitonodesenho.Espéciedeliga
dotempodopensar,odesenhotrabalhaovolumedopensamentohumano.
Seguindo
ofluxo
essencialmentepré-verbaldo
pensamento,odesenho
acompanhatodasasatividadescotidianasdoartista59.E,subtraindo-seàfugados
58AlainBorerobservaquenotermoBildbauerkunstoatodebater(bauen)éassociadoaBild,
‘imagem’,que,porsuavez,associa-seà‘idéia’,comonapalavragregaeiden.BORER,Alain.J
osep
hB
euys.SãoPaulo,Cosac&Naify,2001,p.14.Lembramosentãodaproduçãodeimagensem
xilogravura,cujaorigemremontaaotrabalhodoourives.SegundoPanofsky,osmaioresgravadoresdo
séculoXVnãosão,originalmente,nempintoresnemiluminadores,masourivesqueaplicam
sua
tecnologiaantigaaumanovafinalidade:produzirdesenhossobrepapelnolugardedecoraçõessobre
metal.PANOFSKY,Erwin.L
’art
etla
vie
deA
lbre
chtD
ürer.Op.Cit.,p.12.
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instantes,estabeleceapresençaespacialdotempoem
ritmosvariáveis:agudoe
convulsivoemVulcão,sutilelíricoemCabeçadeVeado(1954),vivoedelicadonos
várioscorposfemininosalongadose/oucontorcidos,algocoaguladoemOh,falada,
pendias.Estessãoalgunsdos456desenhosselecionadospelopróprioartistaemThe
SecretBlockforasecretperson
inIreland60 ,realizadosentre
1936
e1976
e
apresentadospelaprimeiravezem
1974,nacidadeinglesadeOxford.Sobriamente
emolduradosem
madeiraclara,estesdesenhos
cobrem
extensorepertório
de
observaçãocientífica,ficção,mito
ehistória,quedeveserlidonassuastramas
particulares,mastambém,eprincipalmente,sentidocomoum
blocoescultórico
indivisível.
“Estãoaquidesenhosqueeucoloqueideladoduranteanos,umpoucoaquieláacadaano.
Hámilharesdessesdesenhosem
coleçõesprivadas,masanaturezadesseblocosecretoé
diferente...em
seuconjunto,elerepresentaminhaseleçãodeformaspensantes(thinking
forms)emevoluçãoduranteum
períododado(...)Eramuitoimportanteparamimfazeresses
desenhos–paramim,elesestãomaispróximosdarealidadedoquedeoutrosgênerosda
pretensarealidade.”61
Umengenhososimbolismocompõeosegredoimpossíveldeserdecifrado
apenaspeloencadeamentológicodas“pistas”fornecidasporBeuys.Comosugere
CarolineTisdall,odesenhoseria
umaespéciedelinguagem
secreta,umaforma
codificadacujaaparênciaclara,objetivaecientíficaconservaria
osegredo.À
primeiravistaumailustraçãocientífica,osegundodesenhodobloco,Tulipidendron
lyriofolium(1948),porexemplo,revela-seainvestigaçãolíricadafolhadeuma
planta.Doisretângulossobrepostos,levementetraçadosem
grafite,definem
pontos
59“Beuyshasbeendescribedbythosewhoknewhimasconstantlydrawing;hedrewwhiletraveling,
whilewatchingTV,whileinprivatediscussion,whileinperformance.”TEMKIN,Ann.JosephBeuys:
lifedrawing.InAnnTEMKIN;BerniceROSE.T
hink
ing
isfo
rm:
the
draw
ings
ofJo
seph
Beu
ys.
NewYork,ThamesandHudson,1993.
60Patentenotítulo,arelaçãocomaIrlandapassapelafascinaçãodeBeuyscomouniversoceltaassim
comoporsuaafinidadecomJamesJoyce,leituradejuventudeimportanteparaodesenvolvimentode
suapoética,oqueéconfirmadonosSketchbooksdeUlyssesde1958-61.AaproximaçãocomJoyce
parecesedarporsuaexperimentaçãodelinguagem
indissociadadaatençãoàtradiçãoirlandesa.O
envolvimentocomosmitos,culturaepaisagemCeltascoincidecomadescobertadeumainterconexão
entreessacivilizaçãoeacidadenataldoartista,Clèves,situadaaolongodopercursofeitopelosceltas
paraatingironortedaÍndia.DeacordocomCarolineTisdall,“comoosceltas,elefaziapartedesses
seresquejamaisserevelamtotalmente.Eleeraum
tipode‘receptáculoaossegredos’.”TISDALL,
Caroline(entrevista)InCENTREGEORGESPOMPIDOU.J
osep
hB
euys.Op.cit,p.342.
61BEUYS,Joseph.EntrevistaaCarolineTisdall.ApudHERGOTT,FabriceInCENTREGEORGES
POMPIDOU.J
osep
hB
euys.(cat.Expo),p.93.
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quedividemafiguraemzonassimétricaseassimevidenciamosvaziosdobrancodo
papeleoscheiospelaaquarela.Verde,marromeamareloseinterpenetrame
preenchemocorpodafolha,comoquesubmetidaaumaestranhaedelicadaanálise
químicadesuageometria,capazderevelarcomprecisãoaefemeridadeoumistério
dasuavida.
Figu
ra19
-Tul
ipid
endr
only
riofo
lium
Ostítulosdemuitosdosdesenhos–um
longotravessãoseguidopelosinalde
interrogaçãoepeloanoem
queaobrafoirealizada-deixam
claraanatureza
investigativadalinguagem.Umainvestigaçãoespiritualeintelectual,aseguircada
oscilaçãodopensamento,nosmínimosmovimentos,comopesoprópriodosseus
atritoscomoassoalhodomundo,acumula-sesobaformadeenergiaemTheSecret
Block.Pois,sabendodairredutibilidadedacargaconcretavitalnopensamento,Beuys
faz“umadistinçãoentreadificuldadedoraciocínioeopesodopensamento”62–o
quecaracterizaadensidadeespecíficadosseustrabalhos.
62KIERKEGAARD,Sören.É
prec
iso
duvi
dar
detu
do.Op.Cit.,54.Nessepequenotextoinacabado,
publicadoemseusPapéis,oestudantedefilosofiaapaixonadopelopensamento,Climacus,localizao
pensamentonadimensãoconcretadaexistência,identificandoumaradicalheterogeneidadeentreeles
atravésdeimagensconcretas,comoaqueladoseudesmaioprovocadopelopesodoseupensamento.
Segueentão,tambématravésdeimagenscorriqueiras,comoospasseioseconversasdeClimacuseseu
paiporCopenhagen,aconstataçãodeumarealidadequenãopodeserconcebidademodoabstratopela
linguagem:“Naidealidadetudoétãoplenoquantonarealidadetudoéverdadeiro.Porisso,como
possodizerqueimediatamente,tudoéverdadeiro,possotambémdizerqueimediatamentetudoéreal;
poisapossibilidadesurgesónoinstanteemqueaidealidadeécolocadaemrelaçãocomarealidade”.
Idem,p.109.
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Sóentãoomundo
passaaexistir.Ummundo
muitoespiritualemuito
material,parafraseandoopoetaNovalis,cujanoçãoderomantização63cabeà
perfeiçãonocuidadodeBeuyscomavitalidadeconcretadascoisas,proporcionala
suavontadedeespiritualizarasociedade.Assimtodasuaatividadecompreendeum
processodecomunicação,operaçãosonoraquecomeçanacabeça,sempreprotegida
eaquecidapelochapéudefeltro.Lugardastransferênciasdo
pesodamatéria
pensamento,acabeçaéumaconstantedorepertóriobeuysiano.Em
Comoexplicar
pinturasparaumalebremorta,elaénutridapelomel,queescorremanifestandoo
carátereminentementeplásticoda
linguagem.Assim
comoocorre
naação
Titus/Iphigéniequando,aocuspirgorduraBeuys“demonstra‘oaspectofísico’da
língua,suacapacidadeplásticaenutritiva”64 .
Figu
ra20
–Ex
periê
ncia
deum
aca
veira
hibe
rnal
63“Lemondedoitêtreromantisé.C’estainsiqu’onretrouveralesensoriginel.Laromantisationn’est
autrechosequ’uneélévationauxpuissancesqualitatives.Lemoiinférieurestidentifiédanscette
operation,avecunmoimeilleur.Noussommesnous-mêmesunetellesériedepuissancesqualitatives.
Cetteopérationestencoreentièrementinconnue.Sijedonneàl’ordinaireum
senssupérieur,à
l’habituelum
aspectmystérieux,auconnuladignitédel’inconnu,aufinil’aspectdel’infini,jele
romantise.(...).”NOVALIS.
Frag
men
ts-p
réce
déde
les
disc
iple
sà
Saïs.Paris,JoséCorti,1992,p.
297.
64“Certainsdessinspréparatoiresdel’action,les‘partitions’,etdesdiagrammestracesàlacraiesurle
solmontrent,àtraversdescoupesschématiséesde
cavitésbucco-laryngées,différentsstades
d’émissiond’um
sonet,parconséquent,lemouvementinternequenecessiteum
travaild’articulation,
l’aspectplastique
del’activité
langagière.”
Titu
s/Ip
higé
nie.MALET,Florence.InCENTRE
GEORGESPOMPIDOU(Cat.Expo).Op.cit.,p.311.
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90
Antesdeelaborarateoriadaescultura,BeuysesboçaExperiênciadeuma
caveirahibernal(1949-51),esquemabásicodacirculaçãodeenergianoprocessode
formação
dalinguagem/plástica.Traços
leveseprecisoslocalizam
naquela
cabeça/caveiraumacargadelinguagememestadobruto–aprópriapregnância65do
pensamentoquealimentatodooprocessoplástico.Semexpandir-se,opensamento
correpelosfiníssimoscanaisdasviasdo
cérebro,adeterminaropercursoda
formaçãodaautoconsciência.Atéaproduçãodafala,sugeridapelaconcentraçãode
linhasnaalturadafronte,um
dosvérticesdo
triângulocompostopelasvárias
nervurasdegrafitequeligamàgargantaeàparteposteriordocrânio.
Ao“exibir”suaidentidadesecretaemTheSecretBlockforaSecretPersonin
Ireland,Beuysestimulanoespectadoraproduçãodoseupróprio“segredo”.Éque,
aodeixarnaquelastramasintrincadasmarcasirredutíveisaumainterpretaçãoou
comunicaçãodireta,oartistaativariaacapacidadedoespectadordeproduzir–
contra-imagensquemodificamascondiçõesoriginais.
Figu
ra21
–C
aixa
Embo
rrach
ada
Domesmomodo,oardensoqueseconcentra
naescuraevaziaCaixa
emborrachada(1957)abreum
verdadeirocontra-espaço.Objetofeitoparaguardar
65“J’aipuresterdesheures,amoureuxdelasonoritédelalangue,c’est-à-direquandlaprégnancede
lapenséerésonneem
elle;j’aipuresterainsi,desheuresentières...commeum
joueurdeflûte
musarde
avec
asflûte.”KIERKEGAARD,Sören.ApudVIALLANEIX,Nelly.
La
Rep
rise
(introduction).Paris,Flammarion,1990,p.,41.
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91
coisas,acaixadeBeuysestávazia.Oamálgamademadeira,borrachaealcatrão
formaumacaixatãopesadaeescuraquantoosentimentoquemobilizaoartistapara
suaprodução–umadepressãograve,queoterialevadoaclínicaspsicológicasem
DüsseldorfeEssen.Certamentepodemserencontradosmotivosparaessadepressão-
seuesforçoparaseafirmarcomoartista,asdoresfísicasoriundasdaguerra,olutoem
relaçãoàcatástrofedoNazismonaAlemanha-,osquais,porsisó,nãoexplicam,
porém,aproduçãodacaixa.Oartistatrabalhanaqueleobjetoaconcentraçãodo
materialproduzidonafronteiraentreoíntimoeosocial,ointernoeoexterno,a
própriadimensãoespiritual-defato,oquecaracterizaahumanidadedohomem.
Quantomenosháespírito,menosháangústia,sentimentoirredutíveledesconhecido
queexplicaofatopeloqual“nenhumhomem
podesetornartransparenteparaele
mesmo.”Equeomobiliza.
Arelaçãoentre
angústiaecapacidade
émencionadaporVirgilius
Haufniensis66comoumaespéciedesentimentodeauto-capacitaçãocontraposto
a
umaproibiçãoouameaçaexterna,aindaquenãodefinida.Umaincertezaexistencial
que,seem
Beuystemrelaçãocomosegundopós-guerraesuaindefinição
profissionalnumpaísarruinado,éessencialmenteum
sofrimentoinerenteaum
sentimentodomundo.Umaadesãotãointensaquecapazde“levaranovosestadosde
consciência”,eproporcionaro“começodeumanovavida”,declaraoartista,que
enxerganaCaixaEmborrachadaumaespéciedeorigemdasuaTeoriadaEscultura:
“Euquerodizercomissoqueeuviarelaçãoqueexistiaentreocaosqueeuhavia
experimentadoeumaanalogiaescultural.Ocaospodeterum
caráterdecura,numa
ligaçãoquecanalizaocalordaenergiadocaosparatransformá-laemqualquercoisa
ordenadaoucolocadaemforma.”67
Talvez
sejalícito
pensaraCaixaEmborrachada
comomarca
desua
maturidadeartística,fronteirasimbólicaentreum
períododeisolamentoeumaetapa
artísticapública,quandoBeuyscomeçaamanipularprodutivamenteumaconturbada
66VirgiliusHaufniensisserefereàansiedadedeAdãocomoavagaeambivalenteexperiênciadeser
capazeproibido:“L’épouvanteicinepeutdevenirquedel’angoisse;carcequiaétéprononcé,Adam
nel’apáscomris,eticiencorenousn’avonsquel’équivoquedel’angoisse.Lapossibiliteinfiniede
pouvoir,qu’éveillaitladéfenseagrandidufaitquecettepossibilitéemévoqueumaautrecommeas
conséquence.”.KIERKEGAARD,Sören.M
iette
sph
iloso
phiq
ues/
Le
conc
eptd
el’a
ngoi
sse/
Tra
itédu
dése
spoi
r.Paris,ÉditionsGallimard,1990.,p.205.
67JosephBEUYS.CENTREGEORGESPOMPIDOU.J
osep
hB
euys.Op.cit.,p.257.
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individualidadenosegundopós-guerra.Comosetransformasseaexperiênciada
angústiaem
matériaplásticaessencial,oartistadelaextraiabaseteóricadeseu
conceitodearte-o“caráterprimáriomaisimportantedaesculturaem
geral”-,o
princípiodacontração,atravésdoqualadoríntimadoartistaguardadanacaixa
revelaaprópriadordomundo.Acaixaestásimvazia,mastodaabertaàinfinita
imensidãoindiferenciadadomundo.Guardaovaziodaprópriaincertezafundamental
daexperiênciadaangústianaqualsefundamentatodaexistêncianumarelaçãocomo
futuro,pois,inversamenteproporcionalàssuasreduzidasdimensõesfísicas(43X91
X77cm),seabretodooespaçodapossibilidade.Misteriosoleftoverbeuysiano–em
oposiçãoao“pacoteestéticoauto-explicativo”característicodepartedaobradearte
contemporânea,segundoocríticonorte-americanoHaroldRosenberg.
SeguindoomesmoprincípiodecontraçãodateoriaescultóricadeBeuys,a
gorduraviramaterialbrutocapazdedominarum
lugarcomseuodorfortequando
empregadaem
grande
quantidade,comona
salade
gorduraFettraum.A
irredutibilidade
doseuaspectoorgânico
importa,porém,no
queassume
fundamentalmenteuma“flexibilidadepsicologicamenteafetiva”,comoreconheceo
artista,paraquem“aspessoasinstintivamenteasentemrelacionadacomprocessose
sentimentosinternos”.Semointermediário
deum
supostoconteúdocomunicado,
estabelece-seumaespéciedeafinidadeimediata,quandoamatériaindistintaatingea
receptividadedoespectadorcomaintensidadedeseupróprioprocessointerno.O
caráterdereversibilidadefísicadagorduraacabaentãoporconverterparaaprópria
comunicaçãoentreobra/artistaeespectador,numapoderosacontra-imagem
quefaz
dagorduraamatériapreferencialdoescultor.
Ofortecaráterderealidadedagorduranãoéeliminadocomaformatação
triangulardoscantos.Aocontrário,comoqueopotencializa,acentuando
a
contradiçãoentrepotência/matériaeação/forma.AliBeuysparecemoldaraprópria
formavivadefinidaporSchillercomo“objetodoimpulso
lúdico”,noqualvida
constituioobjetodoimpulso
sensível,conceitoquesignifica“todosermateriale
todaapresençaimediatanossentidos”,eforma,oobjetodo
impulso
formal,
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“conceitoquecompreendetodasasdisposiçõesformaisdosobjetosetodasassuas
relaçõescomasfaculdadesdopensamento”68 .
Marcasubstantivada
estratégiaestéticabeuysiana,oscantos,comsua
presençaindubitável,convocam
oespectadorpararesolveracontradiçãoentre
a
matériabrutaeaformageometrizada.Utilizadosemaçõesapartirde1963,oscantos
degordurasolidificadabalizamoespaçodaartecomumaíndolelúdica69,definindoo
territórioocupadopeloartistacomoa“passagemdoestadopassivodasensibilidade
paraoativodo
pensamentoedoquerer(...)[quesedá]somentepeloestado
intermediáriodeliberdadeestética,eemboraesteestado,emsimesmo,nadadecida
quantoanossosconhecimentoseintenções,deixando
inteiramenteproblemático
nossovalorintelectualemoral,eleé,aindaassim,acondiçãonecessáriasemaqual
nãochegaremosnemaumconhecimentonemaumaintençãomoral.”70
Figu
ra22
–C
anto
dego
rdur
a
68SCHILLER,Friedrich.
AE
duca
ção
Est
étic
ado
Hom
em.SãoPaulo,Iluminuras,2002,p.77.
69“Poisparaissoexigir-se-iacompreenderaprópriaunificação,aqualpermaneceimperscrutávelpara
nóscomotodaaçãorecíprocaentrefinitoeinfinito.Arazão,pormotivostranscendentais,faza
exigência:devehaverumacomunidadeentreimpulsoformalematerial,istoé,devehaverumimpulso
lúdico,poisqueapenasaunidadederealidadeeforma,decontingênciaenecessidade,depassividade
eliberdade,completaoconceitodehumanidade.”FriedrichSCHILLER.Idem,p.78.
70SCHILLER,Friedrich.Idem,p.113.
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3 “Min
havi
dafo
ipro
duzi
r”
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95
3.1
Jose
phB
euys
.Art
ista
emm
arch
aEsseuniverso,doravantesemdono,nãolhepareceestérilnemfútil.Cadagrãodessapedra,cada
fragmentomineraldessamontanhacheiadenoitebastaparaencherocoraçãodeumhomem.
ÉprecisoimaginarSísifofeliz.
AlbertCamus,OMitodeSísifo.
Com
oshabituaiscoleteechapéudefeltro,JosephBeuyséfotografadoao
centrodaparededefundodaSaladeGorduradeLucerne(1969).Braçosestendidos
aolongodocorpo,elepermanecedepée,semesboçarqualquermovimento,olha
fixoparafrente–aindaquenãoparanós,jáqueacâmeraencontra-seàsuaesquerda.
Ligeiramentecurvado,parecedarsinaisdecansaço,aoqual,entretanto,nãocede.
Resistee,aliás,fazdesuaresistênciaaprópriacondiçãodepossibilidadeparaa
simulaçãodeumcircuitoestéticonoespaçoinstitucionaldaarte.Oartistamarcacom
gorduraosângulosdaquele“cubobranco”ondeseexpõefrancamente,efazdasala
vaziadeexposiçõesolugardeumamanobralúdica:matériaepulsãodeformados
cantosconvergiriamparaelemesmoque,porsuavez,asreativaria.Sãoestasas
coordenadasdoseulugar-melancoliaqueserepetemesecomplicam
aolongodas
Aktionsconformeopercursoeaparafernáliamaterialcom
aqualoartistainterage.O
escultoracionaesteticamenteoespectadordalidolugardaarteatravésdeum
trabalhorigorosamentematerialquecomeça,na
salado
museu
suíço,pela
“conversão”doestadodamentedohomem
-nempuramatérianempuraforma-
naquelasmassasorgânico-geométricas.Formasquevivemem
nossasensibilidade,e
cujavidaseformaem
nossoentendimento,BeuysparecesalmodiarSchiller,para
entãocompletarsuatarefaaoposicionar-sebemnocentrodasala,deondeconduzo
impulsolúdico.
Oartistasedirigefrancaeindiretamenteanós.Assimcomoofaznasações
realizadasnosanossessentaquando,aosemovimentar,pretendemenosarregimentar
opúblicodoqueacionarcadaumdeseuscomponentes.Nósnãoparticipamosdoseu
deslocamentodesenvolto.Nósoacompanhamose,aofazê-lo,tomamoscomonosso
aqueleseupotentearsenalmaterial-simbólico.AssimBeuysatingetodososnossos
“25sentidos”demodoaativarnaíntegranossamente.Fundamentalmente,trata-se
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deumapresença
artísticacapazde
nosconduzirao
estado
estéticode
determinabilidaderealeativa1.
Tudocomeçanacabeça,afirmoucertavezoartista.Éondeseprocessaa
consciência,apartirdosentimentodeliberdadequeadquirimosaonosperceberanós
mesmoscomomatériaeconhecer-noscomoespírito.Somenteaovivermostal
liberdade,aorecriarmosnossadignidadecomohomens,é-nospermitidofazeralguma
coisa.Aocompreenderaexperiênciadaartecomoocaminhoparaaconciliaçãoentre
anaturezadohomem
comoexercíciodaliberdade2 ,Schillersetornaumaprimeira
referênciaparaoconceitoexpandidodeartedeBeuys.“Aarteentendida,portanto,
emsentidolúdico:estaéaexpressãomaisradicaldaliberdadehumana”,sentenciao
artistaemconferênciarealizadanacapitalitalianaem1972.
Naação“eemnós...embaixodenós...terraabaixo”3(1965),eledemonstra
aolongode24homodopeloqualadisposiçãoestéticadamentedáorigem
à
liberdadeecapacitaohomem
parasuperaroscondicionamentosnaturais/externos.
Limitadoaoespaçodeum
caixoterecobertoporumatelabranca,Beuysseequilibra
comcruzesdebronze,alonga-seoucurva-separamanipularosobjetoseasmatérias4
1“Amente,portanto,passadasensaçãoaopensamentomedianteumadisposiçãointermediária,em
quesensibilidadeerazãosãosimultaneamenteativaseporissomesmosuprimem
mutuamenteseu
poderde
determinação,alcançando
umanegaçãomedianteumaoposição.Estadisposição
intermediária,emqueamentenãoéconstrangidanemfísicanemmoralmente,emborasejaativados
doismodos,mereceoprivilégiodeserchamadaumadisposiçãolivre,esechamarmosfísicooestado
dedeterminaçãosensível,elógicoemoralodedeterminaçãoracional,devemoschamarestéticoo
estadodedeterminabilidaderealeativa.”SCHILLER,Friedrich.CartaXIX.A
Edu
caçã
oE
stét
ica
doH
omem.SãoPaulo,Iluminuras,2002,p.102/3.
2Aliberdadeestéticanãodeve,porém,serconfundidademodoalgumcomliberdadeouautonomia
encontradanarazãoprática,comoesclareceSchilleremnotadaCartaXIX,“lembroquealiberdade
dequefalonãoéaquelaencontradanecessariamentenohomemenquantointeligência,liberdadeesta
quenãolhepodeserdadanemtomada;massim
aquelaquesefundaemsuanaturezamista.Quando
ageexclusivamentepelarazão,ohomem
provaumaliberdadedaprimeiraespécie;quandoage
racionalmentenoslimitesdamatériamaterialmente,sobasleisdarazão,provaumaliberdadeda
segundaespécie[estética]”.FriedrichSCHILLER.Idem.,p.99.
3ApresentadanagaleriaParnass,em
Wuppertal,aaçãofazpartedohappeningFluxus24horas,da
qual,além
deBeuys,participamBazonBrock,CharlotteMorrman,Nam
JunePaik,EckartRahn,
TomasSchmidteWolfVostell.
4Umbocaldevidrocomágua,cujatampaéligadaporumfioaum
pequenocofrecheiodegordura,
umacaixadetorrãodeaçúcarsobreaqualécolocadaumafinavaraqueatravessaumarolhadecortiça
pintadaemvermelho,ummoldedeplásticoemformadecoelhocom,colocadasnointerior,luvasde
boxedecriança,doiselementosgeométricosemmadeira...doisoutros‘ângulos’degordura,emcima
dosquaisoartistacolocaseuspés,ummagnetofone,umpequenoquadronegrosobreoqualfoiescrito
aoinversoPANXXXttt,umabengalacujasduasextremidadesestãocobertasporgordura,duas
‘cruzesdejets’(Wurfkreuze)embronze,umlongocilindrodefeltro,umapeledecoelho,ummolde
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queocercam.Erecorreregularmenteaumacunhadegordura(suspensaporum
pedaçodemadeira),sobreaqualpousacuidadosamenteacabeça,comosea
escutassecomatenção-oucomoseocontatorenovadocomagorduralhepermitisse
cumpriraquelaverdadeiraprovaderesistência.
Figu
ra23
–Em
ação
:eem
nós
...em
baix
ode
nós
...te
rra
abai
xo
Beuysvenceoslimitesdetempo(24h)eespaço(“caixa-pedestal”)dasua
experiênciasensívelaoestendê-losaumadimensãoformal.Escutaagorduraque,
“emsegredo”,lhecomunicasua“vibração”,atransmiteaosobjetoscomosquais
interage.E
entãoligaomagnetofone,comoqueparapropagarpelopúblicoaquele
fenômenoderessonânciacorrespondenteaoraiodaintervençãohumanacapazde
transcenderarealidadefísicadasala.Livreeauto-determinado,ohomem
em
atividadedesconheceasnoçõesdeespaçoetempocomprovadascientificamente,
resumeBeuysque,emumapartitura,criticaasfórmulasmatemáticasdesenvolvidas
porAlbertEinsteineMaxPlanck.Converteaconstante“h”dePlanck(“quantum
elementardeação”correspondenteaoprodutodeumaenergiaporum
tempo)à
própriadimensãodoHumano,“ovalornadireçãodoqualconvergetodofuturo”.
Oserhumanolivreécapazdeinstaurarseupróprioespaço,talcomoBeuyso
fazem
Hauptstrom
>>Fluxus,comoqualinauguraseuEspaçodegordura
[Fettraum].Numasalabemiluminada,oescultorcomeçaporocuparseuEspaço
emgelatinaem
formadecoelho...em
frente,duaspáscomcaboduploformandoum
Vlevantando
sobreumapranchademadeira.”VerMALET,Florence.J
osep
hB
euys.(Cat.exp.)Op.Cit.,278.
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comumasériedepequenos“muros”degordura,pintadosdemarrom,colocadosa
algunscentímetrosdaparede.Nessaáreaocorrepropriamenteomovimentode
ocupaçãodoEspaço-umacomplexaseqüênciadedezmovimentosdistintosque
Beuysexecutaaosedeslocaraolongodedezhoraspor“estações”constituídaspor
diferentespeçasdegorduraeum
equipamentosonoro(cincomagnetofones,um
microfoneeum
alto-falante).AcompanhadopelascomposiçõesmusicaisdeHenning
Christiansen,oritmodeseugestualchegaaopúblicodemodointenso,porvezes
irritante.
Figu
ra24
–Em
ação
:Hau
ptst
rom
>>Fl
uxus
Beuyssedeitaaofundodasalajuntoacincomontículosdegorduraentreos
quaissecontorce,alongaecontraiocorpo.Semjamaisentrarem
contatocoma
gordura,masdealgummodosempreconectadacomela,écomoseoartista
concretizasseaprojeçãosimbólicadaliberdadesobreascoisasmateriaisnopróprio
corpo.Asarticulaçõescorporaisserevelamextensõesdamatériagordurosa,eo
movimentosedesenvolve
comoumaestranhaespéciede
pas-de-deux,bem
denominadapelo
artista“cerimôniade
iniciação”.Acentuada
pelo
somde
Christianssen,aextremarigidez
muscular5desenvolvida
duranteomovimento
respondeaotensointervaloentreoseucorpoeagorduraque,afinal,estruturatodo
5SegundoFabriceHergott,aviolênciadecertasseqüênciasgestuaisétransmitidaaoespectador
atravésdomediadoracústico.Amúsicaadquireentãointensidadeeaspectocaóticoinsuportáveisque
irritamprofundamenteopúblicocomo,porexemplo,enquantoelesealonga
numaposiçãopróxima
àqueladoparto,acabeçalevantadaeosmembrosafastadosatéarigidezdosseusmúsculos.Ver
CENTREGEORGESPOMPIDOU(Cat.Expo.).Op.Cit.,p.292.
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aqueleEspaço.Aolongodasestações,eleencena,porassimdizer,aproduçãodos
estadosintermediáriosdaformafundamentadosnesseintervalo.Talcomoquando,de
péouagachado,pressionapedaçosdagorduracomasaxilaseosjoelhosemoldao
negativodoseuprópriocorpo.Ouquandomordegorduraecera,eproduzesculturas
“negativas”de
boca/dente,assimcomo“conesde
ouvido”,umaespéciede
instrumentodeescutaqueBeuysintroduznaorelhae“delicadamente”manipula
atravésdeumavara,“deacordocomograudetensãodopúblico”6 .
Osomacentuaoritmodosmovimentoscorporais7queestruturamoEspaço,
assimcomoreverberao“desenho”feitopeloartista,quandosuamãoacompanha
rigorosamentealinhatraçadanochãocomumapontametálicaque,ligadaaum
microfone,soa“estridente”.Expandeacusticamenteoestadosempreintermediárioda
forma-cristalizadanaantecâmaraqueprecedeasaladagordura,ondeseencontram
expostosquatrodesenhoseobjetosdistribuídosem
vitrines–queBeuysalirevela
comoopróprioespaçoemtornodohomemlivre.
Figu
ra25
–La
Riv
oluz
ione
siam
ono
i
6Idem,p.293.
7Inclusiveaimitaçãodomovimentodeumalebre,cujavibraçãoédevidamenteregistradanopapel.
VERNota20doprimeirocapítulo.
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100
Quandoalgumaspessoastomamumavisãoobscuradahumanidade,eutenho
queperguntar:dequem
elastomam
umavisãomaisclara?8 ,pareceperguntaro
resolutoBeuysdocartazLaRivoluzionesiamonoi(1972).Aomododohomem
schilleriano,educadoesteticamente,queenobrece9ouniversodamatéria,aimagem
fotográficadoartistaem
plenacaminhadarevelaadignidadedohomem
emplena
atividade,prontoadecidiroquantodesejaintervirsobreascondiçõesdomundo.
Prestesacompletarmaisum
passo,avançadecididoemnossadireção,menosanos
convocarparaasuarevoluçãodoqueanosdespertarparaanossa.Afinal,a
“revolução”sóteminíciodentrodecadaumdenós.Aimagemrevelaafundamental
convicçãointernaquedecidetantoaatividadequantoaresponsabilidadedecadaum
paraformarum
espaçosocialcomum,definidoporBeuysatravésdanoçãode
esculturasocial.Essanoçãocomeçaaserarticuladaaoiníciodosanos1970,na
mesmaépocadaveiculaçãodessecartaz,quepareceservircomopeçadepropaganda
dasuacondutaartística.Suaposturaaltivaassinalaaqualidadeéticainseparávelda
dimensãoestética.
Afinal,adverte
Beuys,“émelhorserativohojedo
queserradioativo
amanhã”.Seuhumor,umtantonegro,contrastacomofrescordaeducaçãoestética
deSchiller.Poisenquantoopoetaseentusiasmacomoprojetodeumanova
humanidade,oartistaexperimentade
modointensoaderrocadadessamesma
humanidade.Estaríamos“vivendonumazonademorte,esomenteporqueestamos
vivendonumazonademortenósestamoscomeçandoacompreenderoqueavida
realmentesignifica”
10,declaraBeuys.Comosealiexperimentássemosumaespécie
dederradeiroatritocomasuperfíciedanossavida,quefreianossocômododeslizare
8BEUYS,Joseph.ApudBECKMANN,Lukas.
The
Cau
ses
liein
the
futu
re.InGeneRAY(ed.)
JosephBeuys:mappingthelegacy.NewYork,D.A.P./DistributorsArtPublishers,2001,p.91.
9“Ondequerqueoencontremos,estetratamentoespirituosoeesteticamentelivredarealidadecomum
éosinaldeumaalmanobre.Deveserditanobreamentequetenhaodomdarinfinitos,pelomodode
tratamento,mesmooobjetomaismesquinhoeamaislimitadaempresa.Énobretodaaformaque
imprimeoselodaautonomiaàquiloque,pornatureza,apenasserve(émeromeio).Umespíritonobre
nãosebastacomserlivre,precisapôrem
liberdadetodoomaisàsuavolta,mesmooinerte.”
SCHILLER,Friedrich.
AE
duca
ção
Est
étic
ado
Hom
em.Op.Cit.,p.116.
10Em
conversacomBastianeSimmen,Beuysreconheceocaráterfataldostemposemquesevive,
masque,aomesmotempo,podesersuperadonofuturo.“Thefuture,tomywayofthinking,isthe
dimensionthatcontainsthepointwhereeverythingbegins.Ithinkthatthatiswhatisreallymeantby
comingtotermswiththepresent.Andthepresentreallydoescarrythisfatalprinciplewhereveryou
look.”BEUYS,Joseph.I
fnot
hing
says
anyt
hing
,Ido
n’td
raw.Op.cit.,p.94.
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101
acabapornosdespertarparaoqueverdadeiramentesignificaserhumano.Desse
modo,em
oposiçãoaumaatitudefatalista,o“caráterfataldostemposem
que
vivemos”exigeaçãourgente:umefetivoacordocomohumanoapartirdeumaclara
elaboraçãodoquecaracterizaavida.
Bastianresumeosentidoprogressivodaartebeuysianaemtudoopostaaum
progressolinearemdireçãoaofuturo:“AutopiadeBeuyséumaformadevidaque
existeem
algumlugarnoabismodopresente”11 .Seaunificaçãoutópicadomundo
propostapelafilosofiadahistória,supostamentecapazdeconduziraum
futuro
melhor,nãosecumpre,Beuyssevoltaparaofuturoapartirdaspossibilidades
contidasnopresente.E,comoseescavasseasuperfíciedaquelazonademorte,libera
omaterialcontidonassuasváriascamadassubterrâneaseotrazàsuperfíciedopapel,
revigoradoporseustraçosepelafluidezdosmateriaisempregados.Figurasque
revelamaconexãomíticaentreanimalehomemououniversomágicodeumpassado
indefinidoganhamevidênciamaterial-oquantodepossibilidadeelasaindacontém?
Comoseexplorasseadiferençatemporalentredeterminadopassadosugeridopor
aquelasimagenseopresentecomamatéria,Beuysquerperseguircomaajuda
dessasfigurasumaanálisevisual,etambémtrazerum
elementodeanálisevisual
paraaconsciência.12Oobjetivonãoéaregressãoaum
mundomítico,elevisaa
despertaraconsciênciadoespectadorparaofuturoatravésdeum
alertaàvitalidade
materialpresentenaqueledesenho.
Umaarteantropológica,oartistaadenominacompropriedade,fundamentada
nosentidorealdatemporalidadedoshomens,pois“damesmamaneiraqueohomem
nãoestáaqui,masdevevir,aartedevevir,poiselaaindanãoexiste”.13Maisdoque
sobreahistóriaem
si,apráticaartísticadeBeuysincidesobreascondiçõesda
história,oquedefineumaespéciedeconceitoplásticodearte.Pois,se,porora,ele
não“pertenceàarte”,tambémnãoperdedevistaoseuconceito,feitopresenteno
carátertemporalexpansivodosambientes.Aliomaterialdeterminaverdadeiras
11BASTIAN,Heiner.
Sign
sar
eSe
nses.InJosephBeuys.Zeichnungen.Tekeningen.Drawings.Op.
cit.,p.83.
12BEUYS,Joseph.ApudADRIANI,Gotz;KONNERTZ,Winfried;THOMAS,Karin.J
osep
hB
euys
:L
ifean
dW
orks
.NewYork,Barron’s,1979,p.71.
13BEUYS,Joseph.ApudBASTIAN,Heiner;SIMMEN,Jeannot.I
fno
thin
gsa
ysan
ythi
ng,I
don’
tdr
aw.Op.Cit.,p.97.
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102
linhasdeforçaquemantémasuacapacidadedealteração.Domesmomodo,nasuas
inesperadasações,aprópriaestruturatemporaldaexperiênciaécolocada“emcena”,
permanenterenovaçãodatensãocomaexpectativa.Alongaduraçãodeumaação
concentradanumasalaintensificaoefeitodesobreposiçãoeimpregnaçãomútuade
experiênciaeexpectativa14característicasdo“temporeal”,vivido,sempreaexigir
resoluções.Essaexpansãotemporalacentuaosestadosintermediáriosdaforma
produzidos
emEspaço
deGordura,porexemplo,
domesmomodoque,
proporcionalmente,taisestadosrevigoramessacondição
temporal–comonas
palavraspronunciadasporBeuysnodiscursoaLehmbruck:aevoluçãofuturado
princípioplásticoconsideradocomoprincípiodotempoemsi.Issosignificaquea
plásticaésimplesmenteumconceitodofuturo15.
*****
Osgrãosfotográficosvisíveisnamaioriadasfotografiasdasaçõesrealizadas
porBeuys,em
meadosdosanos
1960,recriamadimensãoespaço-temporal
materializadanaquelasocasiões.Incapazesdereproduzi-la,essasimagensconseguem
evocá-laaoincorporarosincidentesocorridosaolongodoprocessofotográfico,
desdeodisparodaobjetivaatéaampliação.Asuperexposição,afaltadefoco,o
enquadramentocasual,asmanchasproduzidasduranteoprocessodarevelação,ou
mesmoorecorteirregulardasbordasdopapel,acabam
porsugerir,naimagem
fotográficafinal,a“atmosfera”deexpectativamantidaaolongodasações.16Tal
14EstabelecidaspelohistoriadoralemãoReinhardtKoselleck,“espaçodeexperiência”e“horizontede
expectativa”sãocategoriasformaisindicativasdeumacondiçãoantropológicasemaqualahistória
nãoépossívelnemtampoucoconcebível.“Theformalprospectofdecipheringhistoryinitsgenerality
bymeansofthispolaritycanonlyintendtheoutliningandestablishmentoftheconditionsofpossible
histories,andnotthishistoryitself.Putdifferently,thereisnohistorywhichcouldbeconstituted
independentlyoftheexperiencesandexpectationsofactivehumanagents.Withthis,however,nothing
isyetsaidaboutagivenconcretepast,present,orfuturehistory(…)Thecoupleisredoubledupon
itself;itpresupposesnoalternatives;theoneisnottobehadwithouttheother.Noexpectationwithout
experience,noexperiencewithoutexpectation.”KOSELLECK,Reinhardt.
Futu
res
past
:on
the
sem
antic
sofh
isto
rica
ltim
e.NewYork,ColumbiaUniversityPress,2004,p.256/7.
15BEUYS,Joseph.R
emer
ciem
ent
aW
ilhel
mL
ehm
bruc
k.InParlaprésentjen’appartientplusà
l’art.Paris,L’Arche,1988,p.16.
16AfotógrafaUteKlophaus,queacompanhouBeuysemgrandepartedasuaempreitada,observaque
tentavasecertificardequeafotografianãotivesseumar“final.”VerPHILLIPS,Christopher.A
rena
:
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103
comoacontecenaimagem
dasaladoscantos,cinzaedensa,fotografiapouco
contrastadaebastantegranulada,emqueaposiçãodacâmeraédecisivaparasugerir
aoespectadorumasituaçãoespacialquenãofoiefetivamentevivenciadaporele.
Ligeiramentedeslocadaparaoladoesquerdodasala,sem,entretanto,deixarde
manteroartistacentralizado,acâmeranoslevaaidentificarum
jogodeforças
simétricoformadoentreeleeoscantosdegordura.
Sehoje,juntoaosfilmeseaosdepoimentos/testemunhosescritos,tais
fotografiasconstituem
osúnicos
documentosdessas
ações,na
época,elas
contribuírambastanteparaainserçãodaobradeBeuysnarealidadepúblicadaarte.
Oartista,aliás,trafegacomdesenvolturaportodaaextensãopúblicadaarte,desdeo
espaçoinstitucionalatéaqueledamídia.Asinstituiçõesdearte17,porexemplo,são
incorporadascomobaseneutraparaseuprojetoeducacionalestético,videafamosa
exposiçãorealizadaem
1979noGuggenheimamericano,quandoBeuysgravasua
própriavoznafita-guia.Domesmomodo,eleseapropriadosmeiosdecomunicação.
Apósseu“atodenascençamidiático”18–afotografiaem
queoartista,deolhar
penetranteesangueaescorrerdonariz,segurafirmeumacruz,torna-seaprimeira
largamentepublicadanaimprensa-,Beuysnãosópassaaseramplamentecoberto
pelosmeiosdecomunicaçãocomobemseaproveitadelesparaveicularsuapersona
artística.Diantedadimensãoinexoravelmentepúblicadaarte,ainserçãodesua
esculturasocialviraum
“problemaartístico”19,contornadopormeiodeumasériede
the
chao
sof
the
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med.InCOOKE,Lynne,KELLY,Karen(ed.)J
osep
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euys
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na–
whe
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ould
Ihav
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tifI
had
been
inte
llige
nt!NewYork,DiaCenterfortheArts,1994,p.52.
17Nasuamaioria,instituiçõespúblicas.Deveserobservadoqueaquestãodapolíticademuseutem
maiordimensãonaEuropadoquenosEUA,jáqueamaiorpartedosmuseuseuropeuséfinanciada
pelogoverno–assimcomoosãoasexposições“revolucionárias”doartistanasdécadasde60e70.de
acordocomAnnTemkin,Beuysargumentavaqueosmuseustinhamqueparticipardeum
conceito
‘totalizado’dearteetrabalharparareverterodestinodaculturacomoum
empreendimentoisolado.
TEMKIN,Ann;BERNICE,Rose.T
hink
ing
isFo
rm:t
heD
raw
ings
ofJo
seph
Beu
ys.Op.cit.,p.62.
18Afotografiaganhaimpactonamedidaem
quecoloca,maisumavez,naAlemanha,aquestãoda
intolerância.Aimagem
éfeitapelofotógrafoHeinrichRiebbesehlduranteaação“Kukei,akopee-
Nein!,Brankreuz,cantosdegordura,cantosdegorduramodelados”,em1964,porocasiãodoFestival
daNovaArte,em20dejulhode1964,datacomemorativadoatentadorealizadocontraHitler,20anos
antes.HEINTZ,Julie.L
aqu
estio
nde
sm
édia
s.InCENTREGEORGESPOMPIDOU.JosephBeuys
(cat.exp.).Op.cit.,p.284.
19SegundoogaleristaitalianoLucioAmelio,anoçãode“esculturasocial”teriaseoriginadodeuma
sériedemedidasestratégicastomadasnoiníciodosanos1970paraasseguraroreconhecimentodaarte
européia,diantedaenormeestruturadomarketingamericano.Ameliorelataque,nacozinhaemCapri
em1971,foiestabelecidaumaestratégiaparamudaraidéiadearte,parachegaràesculturasocial.O
primeiropassoseriamostrarotrabalhoclássico,osdesenhosporelefeitosnosdiasdemedodopós-
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104
medidasestratégicas,entreasquaisaprópriafotografiaLaRivoluzionesiamonoi,
concebidacomopeçagráfica(cartazepostais),ouacampanhapublicitáriarealizada
para7000carvalhos.
Apósum
períododerecolhimentodadécadade1950,aobradeBeuys
começaaganharoespaçopúbliconosanossessentacomsuasfamosasações,ejáno
iníciodosanossetentaassumeesseespaçocomoelementofundamentaldesuatarefa
artística.Ahistóriacontroversado
seuacidentena
SegundaGuerraesua
sobrevivêncianasmãosdosTártaroscomeçaaficarconhecida,atésetornar,no
iníciodadécadade1980,oprincipalacessoàsuaobra,paraobem
paraomal.
Onipresentes,agorduraeofeltro,porexemplo,adquiremum
outroteorsimbólico
porcontadotratamentoempregadoemBeuyspelostártaros,queteriaasseguradosua
sobrevivência.Ahistóriaganhaum
pesodecisivodentrodasuabiografiaque,como
umverdadeiroinstrumentodetrabalho,é,naquelemomento,direcionadaparaassuas
experiênciasdeguerra.
Darecusaouimpossibilidadedefalarsobreassuasexperiênciasdeguerra20,
Beuyspassaaassumi-lascomoum
compromissopúblico,doqualcertamentefaz
parteDemonstraçãoAuschwitz(1956-1964)conhecidacomoVitrinedeAuschwitz,
umdosrarostrabalhosquefazreferênciadiretaàsegundaguerra.Duasbarrasde
sabão,um
fogareiro,trêslingüiças,um
crucifixo,dentreoutroselementos,são
preservadosem
umaespéciedepequenaestufa,queparecemantidapelocalordos
guerra,equeiriamprognosticarotrabalhoposterior.Masporquenãoeraumaestratégiaretrospectiva,
essaexposiçãotambémtinhaqueterumcomponentecontemporâneo.Desenhos,objetos,filme,vídeo
efala,faziam
partedessaapresentação-apregaçãopelacriatividade,daartecomoliberdade.O
segundopassoeraArena,Arenacomoumtúmulo,comoumcontainermisteriosodetodasasidéiasdo
artista,ocampodebatalha,aarmapelaqualoartistainvestedignidadeemtodooserhumano,opapel
doartistacomoocatalizadordacriatividadeem
todoserhumano.Oterceiropasso,Terremotoin
Palazzo(...).VerAMELIO,Lucio.ApudKORT,Pamela.
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io.InCOOKE,Lynne,KELLY,Karen(ed.)J
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whe
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Iha
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tifI
had
been
inte
llige
nt!NewYork,DiaCenterfortheArts,1994,p.50/51.
20Aoserquestionado,porHelmutRywelski,sobresuasexperiênciasduranteedepoisdaguerra,
Beuysdeclaranãointeressar-senaquelemomentoem
confirmarounegarquedeterminadoseventos
individuaiscatastróficossugeridosconstituíssem
porsimesmosogatilhoparasuaobra.Afinal,
tratava-sedasomadecatástrofesvivenciadas-somaestaquenãoseconcluiu,enfatizaoartista,
dizendoexperimentá-lasdiariamente.JosephBEUYS.ApudNISBET,Peter.
Cra
shC
ours
e.InJoseph
Beuys:Mappingthelegacy.Op.Cit.,p.153.
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próprioselementos–vivos!Oresultado:umaunidadeorgânicasólida21 ,formadapor
materiaisdediversasconsistências(madeira,sabão,metaloupalha)que,ligados
pelascoresterciáriastípicas
dorepertório
beuysiano(acinzentado,marrom,
amarelado)ganham
umamesmasubstancialidade.Umpequenocampocalorífico
podeser“pressentido”atravésdovidro-transparente,aomesmotempoemqueisola
aqueleaglomeradomaterial,eleoabretodoaoambiente-queresumeoprincípiode
contração/expansãodaplásticabeuysiana.
Figu
ra26
–D
emon
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ção
deA
usch
witz
Essavitrineganhaaatençãodepartedacríticarecenterealizadaemrelaçãoà
obradeBeuysapartirdaevidênciadofatodoHolocausto,sobreoqualoartista
poucosepronuncia.Se,até1970,eleparecerelutaremfalardiretamentesobresua
experiêncianaSegundaGuerra,em
1980,reconheceosatosnazistascomoum
traumacapazdedirecioná-loartisticamenteaum
“novocomeçoradical”22.Tal
comportamentoambivalenteécompreendidoporMaxReithmann23comoumesforço
21Beuyschegaaconsiderararealizaçãodeumadelasem
bronze,assim
escreveocolecionador
LudwigRihn
paraHaraldSzeemannem
carta
de8deagostode1991.CENTREGEORGES
POMPIDOU.JosephBeuys(cat.exp.).Op.cit.,p.116.
22Aoserquestionado,porAndréMuller,sobrecomosesentiudepoisdeserconfrontadocomaescala
factualdoshorroresnazistas,Beuysreconheceum
choqueirreversível,defato,suaexperiência
primária,básicadesseofim
daGuerra,capazdelevá-loacomeçaralidarcomaartecriticamenteem
primeirolugar;suaorientaçãonosentidodeum
novocomeçoradical.BEUYS,Joseph.Apud
REITHMANN,Max.I
nth
eR
ubbl
efie
ldof
Ger
man
His
tory
.InJosephBeuys:Mappingthelegacy.
Op.Cit.,p.153.
23Artistaescholarindependente,autordetrêsestudossobreBeuys,dentreeles,aorganizaçãode“Par
lapresente,jen’appartiensplusàl’art”.
Inth
eR
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Ger
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His
tory
:qu
estio
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rJo
seph
Beu
ys.InJosephBeuys:mappingthelegacy.Op.Cit.,pp.139-174.
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106
doartistadeseesquivardoseventosreaisdoTerceiroReich,oquelevaoautorà
cobrançadeumarespostadeBeuysem
relaçãoàmemóriadeAuschwitz.JáGene
Ray24enxergasuasobraseaçõescomoobjetosegestosdeum
projetodeluto,
conscienteounão,emrelaçãoaoHolocausto.Umprojetomarginal,segundooautor,
jáquenãosustentadoporumaleiturasistemáticanemtampoucoenunciadocomotal
pelopróprioartista.Impossibilitadode“falar[diretamente]doseuprópriopaís”,
Beuysempregariauma“estratégiaindireta”paraefetivarseutrabalhodeluto.A
propostadeRayéprecisamenteexplicitaresseprojetoatravésdaanálisedevários
trabalhos
aosquaisassociadiretamente
eventosocorridos
noscamposde
concentração.Estabeleceas“ligaçõesbrutais”vedadasaoartista,taiscomoentrea
gorduraeoscorposqueimados,ofeltroeocabelodasvítimas(materialdoqualseria
feitoofeltro),ofogareiroportátileosfornoscrematórios,aesculturaTalloweas
formasdostrenserampasdoscamposdeconcentração(“atravésdeváriosgrausde
abstração”,oautortemocuidadodeadvertir).
JáMaxReithmannnotaaausênciadeumaprofundareflexãocríticaacercada
histórianoconceitodearteampliadadeBeuys.O
artistaseapropriariadanoçãode
liberdadedeSchillereFichtesemlevarem
contaadiretaapreciaçãodahistóriada
qualeladeriva25 .Afinal,aproduçãoartísticapós-Auschwitzexigiriaumaprofunda
reflexãocríticaacercadahistóriaenãoasimplesanalogiaentrepresenteepassado
sugeridaporBeuys-Auschwitzaindaexiste,sobtodaumaoutraforma.Talanalogia
nãoseria
possível,dessemodo,eleestaria
apenassereferindo
adoiscenários
diferentes.Nesse
sentido,um
supostoprojetode
luto
seria
encoberto
pelo
esquecimentodahistóriarecentedaAlemanha,quando
Beuysbloqueiadesua
consciênciaosconteúdosdapráticadedestruiçãodeAuschwitz,negandovozàsua
memória-àqualsósechegariaaum
acordo,oautorafirmaliteralmente,atravésde
linguagemeimagens.
24RAY,Gene.In
Jose
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euys
and
the
afte
r-A
usch
witz
subl
ime.InJosephBeuys:mappingthe
legacy.Op.Cit.,pp.55-74.
25“AndwemustalsoasktowhatextentBeuyscanjustifyusingthenotionsheborrowsfromSchiller
andFichteforhisexpandedconceptofart–notjustasaprivateindividual,butasanartist.Foranyone
producingartinGermanyafterAuschwitznotonlycomesintoconflictwithGermanhistory,butalso
withthenotionsinnateinhisorherartisticworktotheextentthatthesenotionshavebeenborrowed
from
Germanintellectualhistory.”REITHMANN,Max.
Inth
eR
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Ger
man
His
tory
:qu
estio
nsfo
rJo
seph
Beu
ys.InJosephBeuys:mappingthelegacy.Op.Cit.,149.
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Porcerto
sãoplausíveis,emesmopatentes,asrelaçõesfixadasentre
os
objetosdeBeuyseoseventosdoscamposdeconcentração.Elasnosparecem,
contudo,pordemaisóbvias,comoseoautorbuscasseumaverossimilhança
radicalmente
contrária
ànatureza
daobra
doartista.Podemos
prosseguir
indefinidamentecomasassociações,comoabanheiraassociadaaosmétodosde
higieneimplantadospeloTerceiroReichouafamosaimagem
doartistanaação
Kukei,akopee-Nein!,Brankreuz,cantosdegordura,cantosdegorduramodelados,
ondeeleestendesuamãodireitanumaposiçãosemelhanteàsaudaçãonazista.Tal
leituraiconográfica(nãosóviávelcomoimprescindível)nãoseesgota,porém,numa
únicaassociaçãodiretacomoHolocausto.Oque,afinal,acabariaporparalisaraobra
numailustraçãodoeventoeassimperderoseuricosentidoplástico.Sim,poiso
caráterexpansivodaesculturabeuysianatambémserevelanumaextensacadeiade
associaçãodeobjetosqueconformariaaprópriacapacidadedanossalibidoseligara
umoutroobjeto–trabalhoenfaticamenterequisitadoporBeuysatodosnós,com
nossasrespectivas“viasparalelas.”
Ementrevistaconcedidaao
mesmoMax
Reuthmann,em
1982,Beuys
mencionaaimpossibilidadederepresentaroseventosdeAuschwitzpormeiode
imagens:sóseriapossível“lembrardesseseventosaoapresentarumacontra-imagem
positivadeles”.Essaespéciedelembrançadesprovidadeimagenséalvodacríticade
MaxReuthmann,paraquemoexcessoderealidadedoefetivogenocídionoscampos
deconcentraçãodemandaria
otestemunho
daimagem.Quando,nessamesma
entrevista,Beuystrazparaopresenteos“métodosdeAuschwitz”aocompará-losà
“destruição”daalmaedocorpocausadapeloconsumismo,eleamenizariaaquelas
mortesincomparáveis,esquivando-sedesuaresponsabilidadeperanteasingularidade
domonstruosoevento.
Sementraremdiscussãoacercadarepresentaçãooudaimagemou,poroutro
lado,acercadaimpossibilidadeoudarecusaemtransmitiresseevento,sabemosque
arespostadeBeuysnãoédaordemdamemória/imagem,esim,comooartista
repete,deumacontra-imagem.Ouseja,umadimensãopropriamenteplásticaque,
longedatransmissãodedeterminadofato,pretendeasuaurgenteeininterrupta
reelaboração.O
Holocaustopodeentãoserpensado,dentrodaobradeBeuys,como
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umcompromissocotidianocomasobrevivênciadahumanidadeapartirdasua
capacidade,ounão,deproduzirumaforma.Quandomenciona,namesmaentrevista
de1982,apossibilidadedesuperarotrauma“aofazeraspessoasdinâmicas
interiormente”,oartistacoloca,porassimdizer,nasprópriasmãosdaspessoasa
(im)possibilidadede
umaforma.Exerceassimsuaresponsabilidadeperanteo
Holocaustoaodeixarclaraasuacrençaemumaforma.Umacrençaquepassapara
nóscomouma“forçaparareflexão,paraaauto-determinação,para
nãodeixar-se
levar”(Adorno),bemdefinidapelocríticodearteinglêsDavidSylvestercomo
“curiososentidodeobrigaçãoderesponderpositivamente”26 .
Oindiscutívellegadodaextremahumilhaçãosofridapelogênerohumanono
segundopós-guerraparticipadeumaextensaredequesegueumaintrincadalógicade
valores,ondeopesodacoisamaiscorriqueirapodeganharenormesproporções.Se,
porcerto,o
exercíciodemapeartalredeapartirdesuacoerênciaessencialmente
plásticavemaserprodutivoparaacompreensãodoalcancedoHolocaustonasua
obra,importaparaoartistaacionarnossopensamento.“Oelementomaisimportante
paraqualquerumqueolhemeusobjetoséminhatesefundamental:todohomeméum
artista.Essaéaminhacontribuiçãoparaa‘históriadaarte’.”Asviasparalelasque
tomam
ospensamentosdosespectadoresconstituemosentidomaiordaplásticade
umBeuysque,completamentedesiludidocomasvelhasformas,aindaacreditanas
“formasem
geral”.Afinal,areelaboraçãodahumanidadepartedecadaum
denós,
individualmente.
AesculturadeBeuysnãopropõeumaformaesimapossibilidadedessa
forma.Oquecertavezfoitachadoporumdosseusinterlocutores,apartirdeumdos
seusdiscursos,comoumaproposta“vagaeindefinida”,revelajustamenteocaráter
planetárioegenerosodeumprojetoestéticoquedevelidarnadamenosdoquecoma
revisãodosprincípiosdebasedahumanidadeocidental.Artistaalemão,Beuys
respondeàsituaçãocríticadenaçãoaindaem
formação27atravésdeum
autêntico
26SYLVESTER,David.O
nB
euys.InArtinAmerica.April1999,p.115.
27SegundoElias,“umdosmaissériosproblemasquepermaneceatéhojeporenfrentarnaAlemanha
Ocidental”obscurecidonosanos1950peloesforçomaciçodereconstrução“Aliderançanacional-
socialista(...)arrastouopovoalemãoparaamaiorcatástrofequesofreudesdeaGuerradosTrinta
Anos.Amassadopovoalemão,entretanto,sejanolesteounooeste,nãoapreceter-seapercebidoda
magnitudedessacatástrofe.Temcertamenteconsciênciadesuamaisvisívelconseqüência:adivisão
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projetode
espiritualização.Umprojetoque,forçosamente,seestendeàcrise
generalizadada
humanidadeocidental-uma“crisedo
idealdeumafilosofia
universalesuasformasmetódicas,jáqueoestabelecimentoprimáriodessanova
filosofiaéoestabelecimentodamodernahumanidadeeuropéiaemsi.”28
*****
Os“fatos”extremosdaSegundaGuerraapenastrazemàtonaferidasjábem
profundasnacarnedamodernidadeocidental,curáveissomenteapartirdoqueBeuys
chamadeumaoutra“relaçãoteórica”.Movidoporum
desejodeconexãogenuína
entreamenteeouniverso
,elerealizasuaesculturacomoumaespéciedetrabalhode
revigoramento
daprópria
consciênciamoderna.Oexercíciodessaescultura
correspondeàre-elaboraçãodasbasesdenossacapacidadeprodutivasegundouma
outra“estruturademundo”capazdedarcontadocentrovivointercambiáveldesses
universosdenaturezasdistintas.Paratal,defineseucampodetrabalhoatravésda
elaboraçãoclaradoquesignificaavida,tarefaárduadeprocuradasubstância
existencialdo
homem
apartirdareformulaçãodasituaçãoteóricageradapelo
dualismoáridodopensamentomoderno.
Beuys
formulaentãoumaespécieestéticade
teoriado
conhecimento
fundamentadanamatéria,talcomo“demonstra”nodesenhoTeoriadaescultura(p.
14).Aliasubstancialidadedo
Braunkreuzsintetizaacompreensão
dascoisas
segundoarelaçãorecíprocaentreavidasensível(corpo/servivo)eaessênciadas
coisas(alma/ser).Capazdeestabelecerumaconexãoentre
asnossas“forçasda
cabeça”eo“horizonteinterior”29das“grandesporçõesderealidade”
30apartirde
dapopulaçãoemdoisEstados.Masoutras,enãomenossériasconseqüências,nãosãoreconhecidas
comotais.”ELIAS,Norbert.
OsA
lem
ães.RiodeJaneiro,JorgeZahar,1997,p.360.
28“Skepticismaboutthepossibilityofmetaphysics,thecollapseofthebeliefinauniversalphilosophy
astheguideforthenewman,actuallyrepresentsacollapseofthebelievein‘reason’,understoodas
theancientsopposedepistemetodoxa.Itisreasonwhichultimatelygivesmeaningtoeverythingthat
isthoughttobe,allthings,values,andends–theirmeaningunderstoodastheirnormativerelatedness
towhat,sincethebeginningsofphilosophy,ismeantbytheword‘truth’(...)Alongwiththisfallsthe
faithin‘absolute’reason,throughwhichtheworldhasitsmeaning,thefaithinthemeaningofhistory,
ofhumanity,thefaithinman’sfreedom,thatis,hiscapacitytosecurerationalmeaningforhis
individualandcommonhumanexistence”.HÜSSERL,Edmund.
The
Cri
sis
ofE
urop
ean
Scie
nces
and
Tra
nsce
nden
talP
heno
men
olog
y.Evanston,NorthwesternUniversityPress,1970,p.12.
29“(...)amatérianoespaço,queem
geralnósexperimentamosapenasdefora,podepossuirum
horizonteinterior,equeporissoseuser-extensonãoénecessariamenteoseuser-total.Vistoapartir
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seucentrovivo,amatériapareceresponderà“absolutaperdadeconexãoentreos
objetosnaturaiseosobjetosdepensamento”,dizHeinerBastian,quebemexprimeo
queBeuyscertavezsereferiucomo“sentirsubstâncias”:“oobjetodopensamentoé
omesmoqueopensamentodoobjeto;queacoisaemsidevaprimeiroemitiralgo,
algoquesepossasentir,umaemanaçãopalpável;equeenquantosedáessatroca,a
certezadealguémsobreelesignificanadamaisnadamenosdoqueconheceraquele
objeto”.31 Umareceptividadeincondicionalao
maisinsignificanteeao
mais
significativo,indistintamente,épontodepartidadesuasoperações“teóricas”.
Conformeesclareceementrevistarealizadanofim
dadécadadesetenta,autilização
dofeltronãodeveriaserrelacionadaàsuaexperiênciacomostártaros,esim
ligadaà
procurapormaterialparasuaepistemologiaeàsuateoria.32Beuysencontrana
matériaumaobviedade33quegarantetantoasuaauto-renovaçãocomoanossa.Essa
obviedadeépreservadapeloartistaatravésdeumaresoluçãoformaltãopoderosa
quantoquaseimperceptível,talcomoocorrecomospoderososFondsdofinalda
décadade70.Asobreposiçãodosváriosretângulosdefeltroestruturaamatéria
maleávelaomesmotempo
emqueacentuaaprópria
maleabilidade.Resultado:
sólidoscompactosqueconservamarentresuascamadaserespiramaoexpandircalor
peloambiente.A
materialidadedaexistência34daquelesindiscutíveissólidosaquece
oambientee,porconseqüência,anósmesmos.Bem
sabemos,porém,queafonte
dessecalor,nãoéexclusivamenteexterna–oqueficaevidentenomúltiploJaJaJa
daúnicaconcretudereal,ameraextensãopodeperfeitamenteparecerumaabstração,damesmaforma
queamerainterioridade.”JONAS,Hans.
Opr
incí
pio
vida
.Fu
ndam
ento
spa
raum
abi
olog
iafil
osóf
ica.Petrópolis,Ed.Vozes,2004,p.33.
30“Whatoureyesseeareallthesehugechunksofreality,nottheseinvisibleformsthataretheonly
thingthattellusanythingworthknowingaboutreality.”JosephBEUYS.
Ifno
thin
gsa
ysan
ythi
ng,I
don’
tdra
w.Op.cit.,p.92.
31BASTIAN,Bastian.
Sign
sar
eSe
nses.InJosephBeuys.Zeichnungen.Tekeningen.Drawings.Op.
cit.,p.77.
32BEUYS,Joseph.ApudPeterNISBET.
Cra
shC
ours
e.InJosephBeuys:mappingthelegacy.Op.
Cit.,p.11.
33“(...)wasn’ttheodorofwildlilacssomething‘obviously’beautiful,yetwasn’ttheveryobviousness
ofit(andthethingsecretlyshared)soimpossibletoputyourfingeron?Andwasn’tthissame
obviousnesstheretooinatree,afield,astream,alivingcreature–themissingpieceinthepuzzleof
matterandsoul?”HeinerBASTIAN.Op.Cit.,p.77.
34ExpressãoutilizadapelocríticoDavidSylvesternoartigopreviamentecitado.
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111
JaJa,NeeNeeNeeNeeNee(1969),emqueretângulosdefeltroformamumpequeno
paralelepípedode15X25X25cm,macioesólidocapazdenosaquecer.
EssaevidênciamaterialsemanifestacompotêncianoambienteOfim
do
séculoXX
35(1983),formadoporpedrasdebasaltopraticamenteem
estadonatural
(extraídasdeumadeterminadacolinanaAlemanha).Assemelhadosacristaisde
proporções
antropomórficas,aquelespesadossólidos
debasalto
dispostos
horizontalmenteestruturamum
ambienteamplo,cujafluidezédadapeloaspecto
irregularde
cada
umadaquelaspedraspesadas.Conformeadentramosasala,
percebemosnasuperfíciedecadaum
dosblocosirregularesum
círculodevinte
centímetrosdediâmetro.Escavou-seaextremidadedecadaumadaquelaspedras,de
onde
umaporção
dematériana
formade
umcone
regularfoiretiradae
posteriormenterecolocadanacavidadeaberta,juntocomfeltroegesso.Oscorpos
basálticosparecemganharumaface,oqueosaproximariadohumano.
Figu
ra27
–O
fimdo
sécu
loXX
Aquelearranjodepedraspoderiaentãoservistocomoum
amontoadode
corposhumanos-segundoGeneRay,umaalegoriadacatástrofedogenocídio
35Ouassalas,jáqueháquatroversõesdaobraque,porsuavez,seoriginadoprojeto“7000
carvalhos”paraaDocumentadeKasselde1982.A
disposiçãohorizontaldosblocossecontrapõeà
verticalidadedoscarvalhos.Umadasversõesde“O
fimdoséculoXX”contém
cincopedrasese
encontraem
Düsseldorf;outraversão,de31pedras(1983-85),estánaTateGallery,em
Londres;
enquantoaversãode21pedras,queseencontraem
Berlim,possuium
equipamentoparamovere
instalaraspedras.Porfim,háumaversãode44pedras(1983)emMunique.
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112
nazista.Talinterpretação,perfeitamenteaceitável,nãodáconta,noentanto,da
imperceptívelpassagem
domaterialparaohumanoqueparecereverberaralide
modoininterrupto.Afinal,aquelesbizarrosserescaídospermanecem
pedras,ebem
pesadas.Dessemodo,aoinvésde“resolver”omistériodaquelescorposbasálticos,a
identificaçãocomoscorposhumanostãosomenteoacentua.
Easensaçãode
estranhezacontinuaenquantocirculamosporaquelesirregularescorposbasálticosde
“cabeça”
regular,queinsinuaocontrasteentre
anatureza
supra-sensíveldo
pensamentohumanoeocaráterorgânicodeseucorpo.
Seexperimentamosumaexpansãoespacialnoambientecomoum
todo,uma
espéciedevibraçãotambémpodesersentidaemcadaumdaquelessólidosbasálticos
quetêmseucaráterdeblocointerrompidopelocortecircular.Odesencaixedaporção
geométricada
matériasugereamaleabilidadedaquelasubstânciamineralque,
acentuadapelofeltro,imprimecertavidaaomineral.E
fazdaquelesserescaídoso
lugardatransferênciarecíprocaentreoinorgânicoeoorgânico,oudaindefinição
entreohumanoeomaterial-derivadaínossasensaçãodeestranheza.
Aquelesblocosvivemnumatensãoentrevidaemorte,anunciandooque
Beuyscertavezsereferiucomoaliberaçãodomaterialismo36 ,típicodopensamento
moderno,quefundaoconhecimentodarealidadeexclusivamentenamatériapura,
desprovidadetodotraçodevida.Emcadaum
dosblocos,edemodomaisamplo,na
suadisposiçãoaleatória,identificamosem
OFimdoSéculoXX
umaespéciede
revolverdainérciadaculturaeuropéia.A
“desmontagem”daspedras(materialismo)
semostraum
trabalhoem
plenocursoque,naversãomontadaem
Düsseldorf,é
figuradopelosutensíliosdetransporte
dosblocos.O“calor”daquelaatividade
mantémoambiente,cujadimensãotemporalexpansivasugereaniquilamento-mas
nãodesolação,jáqueoaniquilamentoacabaapenascomoquejáexiste,enquantoa
desolaçãoacabacomaspossibilidadesdecriar37 .OFimdoSéculoXXabreespaçoà
36Em
conversacomKounellis,Kiefer,Cucchi,Beuysdeclaraaurgênciadealargarascoisaspara
liberaromaterialismodesuaunilateralidade.Trata-sedeum
processodeampliação,jáqueBeuys
reconheceopensamentocientíficoeanalíticoqueseoriginano
Renascimento,um
verdadeiro
acontecimentoparaoconhecimento,apercepçãoeopensamentohumanos,limitadoàpartematerial
domundo,atudooqueémensurável,ponderávelecalculável.BEUYS,Joseph;KOUNELLIS,Jannis;
KIEFER,Anselm;CUCCHI,Enzo.B
âtis
sons
une
cath
édra
le.Paris,L’Arche,1988,p.172.
37LEÃO,EmmanuelCarneiro.O
porv
irde
Nie
tzsc
he.InRevistaTempoBrasileiro,nº143.Riode
Janeiro,EdiçõesTempoBrasileiro,2000,p.76.
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113
renovaçãoprofunda
dos7000
Carvalhos.Integrantesde
ummesmoprojeto
desenvolvidoparaaDocumentadeKasselem1982,asobrasapresentam
emlarga
escalaapolaridadeentrevidaemorterecorrentenaobradeBeuys,sejanosobjetos,
sejanasuabiografia(videseudesastreaéreo,operíodonosanos1950ouaindao
sentimentodeumprofundocansaçodavidajáaoscincoanosdeidade).
Afinal,nadadenovoseproduziriaporum
simplesdesenvolvimento:um
antecedentenãocontém
todooseguinte.A
obradeBeuys,quealudesempreaum
segundonascimento,resume-seem
suaatividadecotidianacomoum
trabalho
empreendidofundamentalmenteatravésdamatéria,capazdemanterlatenteuma
renovação.Ainterpenetraçãomútuaentrerestosculturaisemateriaisresultaemobra
deunidadeorgânica,capazdemanterobjetoseambientescomoterritóriosde
conexãoentreascoisasdaNaturezaeaquelasdaCultura.Sãocomoorganismos
vivos,ejustoporessaidentidade,porassimdizer,elessãocapazesde“atingirum
nervoemalgumlugar”doespectador38.Umlevearrepioouum
intensotremor,por
atraçãoou
porrepulsão,nãoimporta,desdequeintegralsejaosentiraquela
substancialidade.Essetrabalhoinconclusivoinstauraseulugar-melancolia,quesó
terminaporsedefinircomotalcom
anossaocupação,capazdemanteraliaefetiva
trocadecalor39quedásentidoaoprincípiodaesculturasocialdeBeuys.
Figu
ra28
–Em
ação
:Eur
asia
38BEUYS,Joseph.ApudHeinerBASTIANeJeannotSIMMEN.I
fno
thin
gsa
ysan
ythi
ng,I
don’
tdr
aw.InJosephBeuys.Zeichnungen.Tekeningen.Drawings.Prestel-Verlag,München,1979,p.98.
39Em
entrevistaaAchilleBonitoOliva,Beuysrelacionaocalorliberadoaolongodoprocesso
escultóricoaEros.BEUYS,Joseph.L
am
ortm
etie
nten
évei
l.Op.Cit.,p.71.
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114
Oprincípiodo
caloréconsagrado
peloartistanaaçãoEURASIA,34º
movimentodaSinfoniasiberiana(1966),realizadaemCopenhagen(naqualretoma
suaprimeiraaçãoimportanteem1963,Sinfoniasiberiana,primeiromovimento).Já
aonomearaaçãoapartirdoantigocontinente,Beuysexpõeseutema:adivisão
religiosaepolíticaentreoLesteeoOeste.Recorrentenorepertóriobeuysiano,o
temadadivisãodizrespeitotantoàcrisedeidentidadedoseuropeusnopós-guerra–
emparticularàdivisãodoEstadoalemão-quantoàfraturaentreespíritoematéria.
Essarupturaseria“resolvida”naimagemdacruz,utilizadaparaintroduziraaçãona
chamada“DivisãodaCruz”,quandooartistacoloca,nochão,duascruzeslatinas
feitasem
bronze,quedãoasprimeirasorientaçõesparaa“conquista”doespaço
Eurásia.ConformeBeuyssemovimentadá-seaocupaçãodoterritórioatravésdo
entrecruzamentodelinhasdenaturezasdistintas.Àslinhastraçadasnochãosomam-
seaquelasdosbastõesqueprendemalebreeseintegram
aocorpodoartista.
Verdadeiraslinhasdeforçaincorporam
osconteúdossimbólicosdotremulardas
orelhasdalebre(queevocariaodespertardaconsciênciahumanaquerepercuteao
níveldaterra,permitindoodegelodosoloeaconseqüentelivrecirculaçãoentreo
LesteeoOeste)oudapalmilhadeferro(queremeteadurezadosolo,metáforada
terrageladadaSibéria).Todaessatramaseriacapazdeproduzircalor,verifica
Beuysaofim
daação,quandomedeatemperaturadotriângulodefeltrocolocadono
cantodasala(32ºC)edagordura(21ºC).Posteriormenteanotadasnoquadro-negro
juntoàtemperatura-limite
doorganismohumano(42ºC),essastemperaturas
registramocalorsimbolicamentetrocadoentrealgunselementosdaação.
Tudo
dependedo
caráterdecalorno
pensamento.Aodefinirocalor,
princípiodesuaescultura,comoanovaqualidadedavontade,Beuysincitao
revigoramentomaterial,porassimdizer,do“fazer”dohomem
emtodaaépoca
modernaque,desdeainterpretaçãodapráxiscomovontadeepulsãovitalpor
Aristótelesem
“Deanima”,encontra-sefundamentadonavontade.Consideradopor
Beuyscomolibido,anoçãodecalor,noentanto,éinerenteàssuassubstânciascomo
calorfísico,umaformadeenergiaquesetransferedeum
corpoparaooutroapartir
deumadiferençadetemperaturaentreosdoisesósemanifestanumprocessode
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115
transformação.A
partirdessasensaçãoconcreta,apraxiscontemporâneaganhaum
incrementoquegaranteasobrevivênciafísicaeespiritualdohomem(particularmente
daquelecontemporâneodeprimido,comoveremosnocapítuloseguinte).Afinal,calor
físicooulibido,trata-sedaenergiaquedecideentreavidaeamorte.
ParaSchiller,avontade,enãoarazão,éamarcadistintivadoserhumano,
“porqueohomeméoserquequer.”40JáparaSchelling,aVontade,éoseroriginal41,
“oespíritonosentidomaisamplodapalavra(...)naorigemeleémaisvontade,euma
vontadeunicamentepelavontade,umavontadequenãoquerqualquercoisa,masse
quersomenteelamesma.”Participantedesseabismooriginaleda
existência
espiritualestaria
ohomem,mediadorentre
DeuseaNatureza,“redentorda
Natureza”.Essanoçãoexercegrandeinfluênciasobreocírculodospoetasromânticos
deIena,tendosidodesenvolvidaporNovalissobaformadeumainterpretaçãoda
ciência,daarteeem
geral,detodaaatividadedohomem
comoformaçãoda
natureza.PensaGiorgioAgamben,oprojetodeNovalissuperaoidealismodeFichte,
querevelouaohomem
aforçadoespíritopensante.“Fichteensinouedescobriuo
empregoativodoórgãodopensamento.Talvezeletenhadescobertoasleisdo
empregoativodosórgãosemgeral?”42
Quandofazdopróprio
corpo“instrumento,utensílioparaaformaçãoea
modificaçãodomundo”,maisdoqueFichteouSchiller,BeuysecoaNovalisemseu
fragmento1694:“precisoentãoquenósprocuremosfazerdenossocorpoum
órgão
universaldeaptidõesedecapacidades.Modificarnossoinstrumentoémodificaro
universo.”Comunicaçãodohomemcomomundo,ocorpoétantopedaçodemundo
quantopossibilidadedepossedessemundoatravésdaatividade–“corpoquevivee
podemorrer...cujaformaexterioréorganismoecausalidade,ecujaformainterioré
oser-ele-mesmoeafinalidade”43.A
novarelaçãoteóricapropostaporBeuysengaja
40SCHILLER,Friedrich.
Sobr
eo
Subl
ime.Citadoemnota64,p.154.
41“Enderrièreetsuprêmeinstance(...)iln’yad’autreEtrequelaVolonté.LaVolontéestl’être
originel(Ur-sein)etàelles’appliquenttoutlesprédicatsdecelui-ci:absencedefond(Grundlosigkeit),
étérnité,indépendanceparrapportautemps,auto-assentiment(Selbstbejahung).Toutelaphilosophie
netendqu’àtrouvercetteformulationsupreme.”SCHELLING.Recherchesphilosophiquessurla
naturedelalibertéhumaine.ApudAGAMBEN,Giorgio
.L’h
omm
esa
nsco
nten
u.Op.Cit.,p.124.
42Idem.
43JONAS,Hans.
Opr
incí
pio
vida
.Fun
dam
ento
spar
aum
abi
olog
iafil
osóf
ica.Op.cit.,p.28.
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183
4.2
Jose
phB
euys
.
4.2.
1
Am
plitu
dees
cultó
rica.
L’airestorganedel’hommeaussibienquelesang.Laséparationducorpsetdumondeest
semblableàcelleducorpetl’âme.Novalis,Fragments.
Figu
ra50
–Ba
rraqu
ed’
ullO
dde
–lo
cald
etra
balh
ode
umci
entis
taar
tista
EmBarraqued’ullOdde-localdetrabalhodeum
cientista/artista
(1961-67),sabemosestarnolugardetrabalhodeBeuysdevidoaoselementos
marrons,amareladosecinzentos,maisoumenosopacos,armazenadosnagrande
estantedemadeira.Sãolatasefrascosdevidrodetamanhoseformatosvariados,
instrumentosebrinquedos,plugselétricos,um
motorenferrujado,caixasou
pedaçosdemadeira,pedra,metal,papel.Umaquantidadeexcessivaderecipientes
emateriaistoscoscontrastacomoexíguoespaçodamesadetrabalho(talqual
umaescrivaninha)contíguaàestante,einsinuaaárduaatividaderealizada
naquelelocal.Aomesmotempoem
queacentuaocarátercustosodatarefa,a
solitárialâmpadasobreaescrivaninhasugereumaresistência,sublinhada,com
certohumor,pelofioelétricoqueamantémacesa.Sugerindoumacorrentede
energiaentreapequenamesadoartistaeassubstânciasdaestante,ofio
se
destacavisualmentecontraaparedebrancadasaladeexposiçõesaatravessaros
móveisdispostosaofundodasalaparaentãoconectar-seàtomada.Adiscreta
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184
linhasinuosasustenta,porassimdizer,aenergiadaqueleambientedensode
trabalho,algovulnerável–afinal,esedesconectássemosofiodatomada?
Conformenosaproximamosdaestantepodemosidentificarcadaum
dos
elementosaliarmazenados.Quandodelanosafastamos,porém,osvemostodos
integradosàsprateleirasque,juntamentecomaslateraisdaestante,determinam
linhasdeforçasobreoplanodaparede.Espéciesdecoordenadasortogonaisdo
lugardetrabalhodeBeuys,essaslinhasincorporamoselementos,retificadosnos
retângulosmarromeamareladopenduradosacimadaescrivaninha.Leves,quase
transparentessecomparadosaosmóveisopacos,essesplanossintetizam
as
substâncias-cordeBarraqued’ullOdde-recorrentes,aliás,emtodoorepertório
beuysiano,comoobeizeeoBraunkreuzdosdesenhos.Eacentuam
ocaráter
frontaldaobra,queganha,comasdiversasgradaçõesdassubstânciasguardadas
nosnichosda
estante,um
movimentode
expansão/contração-espéciede
pulsaçãocontraaparededasaladeexposições.
Beuys“planifica”seulocaldetrabalhonaquelaparede,sobrepõe,por
assimdizer,suaatividadeindividualnoespaçoinstitucionaldaarte,marcando
comBarraqued’ullOddeoperíododareorientaçãopúblicadesuaobra.A
elaboraçãodotrabalho,entre1961e1967,coincidecomacrescentedesenvoltura
comaqualoartistaocupa“seuterritório”narealidadematerialdomundodaarte
aoassumirsuasexperiênciasdeguerrae/ouaquelasentãovivenciadas.Talcomo
aindefiniçãoentreciênciaeartesugeridanotítulo:menosdúvidapessoaldeum
jovememrelaçãoàsuafuturaatividadeprofissionaldoqueansiedadedohomem-
artistaeuropeuquantoaosrumosdasuaprópriacivilização.Lugardaexpectativa
quantoaum
métododetrabalho23capaz(re)elaborardevidamenteoconteúdo
vivido,olocaldeatividade-artee/ouciência–éexatamenteproporcionalà
urgenterevisãodosfundamentosdo
conhecimento
humanoexigidapelo
gravíssimoestadodascoisas.Àausênciadoartista-cientistasegueasuspensãoda
atividade,eumasensaçãodedesamparo,justopelafrancaeinequívocaexposição
dosmateriaisquedemarcamaqueleterritóriodetrabalhoaovoltar-separanós.
Guardadasnasprateleiras,aquelassubstânciasrecusamqualquerespéciede
23Em
entrevistarealizadaem1976,Beuysdeclaraaquelatransiçãoentreciênciaearte,vividacom
ansiedade,comoamaisimportante“experiência-chave”“emtermosdemétodoetrabalho”.
Relata,commuitohumor,suasprimeirasexperiênciasacadêmicascomaciência(umaaulade
biologia)eaarte,paraentãoconcluirporsuainsatisfaçãocomocaráterdeespecialização
envolvidoemambasasatividades.JAPPE,Georg.T
he“k
eyex
peri
ence
s”in
terv
iew.InJoseph
Beuys:mappingthelegacy.Op.Cit.,pp.185-198.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
185
acúmuloetãosomentepedemporresgate,alertaalâmpadaacesaque,sem
iluminarotampodesuaescrivaninha,apontaparafrente.
Assim
tomam
contado
ambientecotidianodetrabalhodeBeuysos
elementosdasuaespécieestéticadeteoriadeconhecimentoexpostossem
qualquerorganização,anosalertarparaonossopermanenteembatecoma
realidade.Ohomem-artistasituaseusubstratoexistencialinnatura,semprepor
definir-se,comolugardetrabalho,anunciandoaperguntadeescalaplanetária
pelosignificadodoconhecimentoparaaexistênciahumanaquedistinguetodasua
práticaartística.Eaqui,comoemuma“lojadeserta”24 ,ocupamosmaisum
lugar-
melancoliabeuysiano:espéciedeconfissãopúblicaacercadaindigênciadoseu
material,efetivareconciliaçãodohomemcomelemesmo–possível“auto-retrato
espiritual”doartistacontemporâneo.
LembramosentãodagravuraMelencoliaIdeDürer,“exposiçãoobjetiva
deum
sistemafilosófico[Geometria]eaconfissãosubjetivadeum
indivíduo
[Melancolia]”25aconfigurar,decertomodo,seuauto-retratoespiritual.Aodotara
Geometria,disciplinaporeletãoamada,deumaalmaeaMelancolia,suaprópria
condiçãoemocional,deum
espírito,Dürerconcentraumanoçãoabstrataem
figurahumana.Reflexodasuapersonalidadeinteira,agravuraassimrealiza
simbolicamenteaconsciênciado
artista-geômetraacercada
necessidadede
conciliaçãodassuas“visõesinteriores”comaslimitaçõestécnicasdageometria
26.
Cercadapelosinstrumentos,inutilizados,demediçãodoateliêdaGeometria,a
figuraaladainterrompesuaatividadeepermaneceem
um“estado,porassim
dizer,desuper-alerta(...)seuolharfixoéaqueledabuscaintelectual,tãointensa
quantoestéril.Elasuspendeuseutrabalhonãoporindolência,masporqueesse
trabalhosetornou,aseusolhos,semsentido.Nãoéosonoqueparalisasua
24SYLVESTER,David.O
nBe
uys.Op.cit.,p.116.
25“Enelleseconfondentetsetransmuentdeuxgrandestraditions,iconographiqueetlittéraire:
celledelaMélancolie,personnificationd’unedesquatrehumeurs,etcelledelaGéométrie,
personnificationd’undesseptartslibéraux.Enelles’incarnel’espritdel’artistedelaRenaissance,
respectueuxdel’habilitétechnique,maisquin’enaspirequeplusardemmentàlathéorie
mathématique–quisesent‘inspiré’parlesinfluencescelestesetlesidéeséternelles,maisqui
souffred’autantplusdesafragilitéhumaineetdeslimitationsdesonintellect.Enelleenfinse
résumeladoctrineneo-platoniciennedugéniesaturnien,repenséeparAgripppadeNettesheim.
Mais,enplusdetoutcela,MélancolieI,enuncertainsens,estunautoportraitspiritueldeDürer.”
PANOFSKY,Erwin.L
avi
eet
l’art
d’A
lbre
chtD
ürer.Paris,Hazan,1987,p.264.
26“Quantoàgeometria,elapodedemonstraraverdadedecertascoisas;masporoutrascoisas,
deve-seresignaràopiniãoeaojulgamentodoshomens.”DÜRER,Albrecht.ApudPANOFSKY,
Erwin.Idem.
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energia,éopensamento.”27AbandonadoporDeus,oartistaagoradevebuscarsua
própriasubstânciaexistencial,exercendoassim
suanovaautoridadenoespaçoda
obra.
AindaqueBarraquenãoadquira
naobradeBeuyspesocomparável
àqueledeMelencoliaI-cujainfluênciaseestendepelaEuropaporaomenosmais
detrêsséculos-naobradeDürer,pareceviávelpensá-lacomoum
outro
momentodacondiçãomodernadabuscadasubstânciaexistencialpeloartista.
EnquantoDürerfiguraaiminentesubjetividadecriativado
artistasolitário,
envolvidoporseusinstrumentosdemediçãodestituídosdeuso,oartista-cientista
ausentedeseulocaldetrabalhoadeixaem
suspensonaforte
cargaafetiva
daquelassubstâncias.Beuysinstaurapublicamenteseulocaldetrabalhoapartir
deumdensoconteúdodeexperiência/vida,seformadefinida.
*****
Aquestãoprimordialésaberseasestruturasnasquaisvivemosestãode
acordocomnossoserprofundo28 .AssimBeuysesclareceonexodasuaamplitude
escultóricaque,daconstruçãodesiàdeum
mundoem
comum,devesupriro
déficitespiritualcontemporâneo.Aesculturasocialseriacapazdecobriroespaço
darelaçãoentrerealidadeinternaeexternacomoumatotalidadeorgânica,pois,a
quem
faltasseumanoçãoorgânicadeserhumano,tambémfaltariaanoçãode
organismodasociedadenaqualossereshumanosvivem.Fundamentadonaidéia
deGoethesobreomovimentopolardosprocessosdeconcentraçãoeexpansãona
natureza,seuprocedimentoplásticovisaàspossibilidadesde
umacriação
individuallivreetodasasrealizaçõesdavidasocialepolíticaaomododas
metamorfosesdasformasvivas.Dessemodo,suabase,opensamento,energia
fundamentalquecorrenointeriordeumorganismosingularhumano,mantidoem
circulaçãonoorganismosocial29,conduzàproduçãodeformasconformesua
27PANOFSKY,Erwin.L
avi
eet
l’art
d’A
lbre
chtD
ürer.Op.Cit.,p.252.
28DepoimentodeBeuysaojornalLeFigarode16dejaneirode1981.InCENTREGEORGES
POMPIDOU.JosephBeuys(Cat.Expo.)Op.cit.,p.349.
29SegundoMaxReithmann,Beuysteriaseapropriadodanoçãodeorganismosocialdesenvolvida
pelosidealistasalemães.Jáem
“MaisAntigoProgramaSistemáticodoIdealismoAlemão”,por
exemplo,háumacríticaaoEstadocomoumaestruturamecânicaquereduzossereshumanosao
estatutodemerascoisasoumeios,enãofinsnelesmesmos.Segue-seentãoapropostadeuma
relaçãoentrenaturezaesociedadenaformadeum
organismo:asociedadeseriaum
organismo
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naturezaplena.
Assim
Beuysdemonstranaespéciedesistemacirculatório
constituídoporBombademelnolugardetrabalho(1977),em
queomel,
símbolomaterialdopensamento,corredentrodetubos(órgãosintermediários)
ligadosaumabomba(coração)noescritóriodaFIU(UniversidadeInternacional
Livreparacriatividadeepesquisasinterdisciplinares).InstaladanaDocumenta6
deKassel,ageringonçasimulaainteraçãoorgânicaentreohomem
criativoea
sociedade,fusãodecapacidadehumanaeestruturassociais.
Exclusivocapitaldasociedade,essacriatividadeéfocodaaçãorealizada
nainstalaçãodaBombaatravésdainsistênciaem
umaauto-atividadelivredo
Ego.Beuysdefendeaexistênciadeum
cernedoEgoindependentedosersocial,
radicalizando
aidéiadeliberdadenapessoainterna,feitasinônimodaarte
mesma30 .Proporcionalaoextermíniodeumasubjetividadehumanistapeloregime
fascista,suacrescenteênfasenacapacidadeinternadohomemtambémrespondeà
contemporâneaperdadesi.Entraem
jogoanoçãodepessoaem
permanente
tensãocomoespaçopúblico-acomeçarpelaprópriaelaboraçãodesuamitologia
-,asmutaçõesdaindividualidadecontemporâneaquedefinemaqualidadedesua
amplitudeescultórica.Trata-sedeumdifícilequilíbrioecológico,porassimdizer,
somentealcançadoseconsideradaapessoana“distânciaquefazaligação”(lição
democráticadaesculturasocial).
DesdeasvitrinesatéPlightficaexplícitaatensãoentreum
(potencial)
interioreseu(alcance)exterior,contínuatransferênciaasituarapessoanomundo
quepodevirarpatologia.ComoadepressãodeBeuysnoiníciodesuavida
profissional,consubstanciadanaCaixaEmborrachadaqueguardariaseucaos
internoparareativá-lonomundosobdeterminadaforma.Ocaospodeterum
caráterdecura,em
sualigaçãocomaidéiadeum
movimentoabertoque
canalizaocalordaenergiadocaosparatransformá-laem
qualquercoisa
ordenada31–aprópriateoriadaescultura.
Anoçãodepessoaseligaaopróprioaglomeradoplásticoem
contínuo
processode(trans)formaçãorecorrentenorepertóriobeuysiano.Concentradonas
socialnoqualapoesiaeaarteocupariamumaposiçãocentralafim
derestauraraliberdade
individual.
30BeuysseafastariaassimdasreferênciasprimeirasdeMarxeSchiller,aosquaisoartistateria
recorridonocontextodotrabalhosocialmentenecessário.Marx,uma“menteespiritual”eum
“gigante”comocríticodocapitalismo,teriainevitavelmente“perdidodevista”aliberdadeemseu
últimotrabalho.DomesmomodoSchiller,“mentor”desuanoçãoampliadadearte,nãoteriatido
seaproximadodemodosuficientementeradicaldacapacidadeindividual.
31BEUYS,Joseph.ApudHOHLFELDT,Marion.
Chr
onol
ogie.Op.cit.,p.257.
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substânciasorgânicasmaleáveiseinstáveis,eleédesmembrado,porassim
dizer,
natransferênciadeenergiadosdispositivoselétricos.Fios,baterias,aparelhosde
feltroecobrerepresentamiconográficaematerialmenteprodução,manutençãoe
conduçãodeenergia,transferênciacontínuadeenergiaentrecorposquecobreo
intervaloentreoum
eooutro.Contrapondo-seàbaixaenergiacontemporânea,o
acúmulodeenergiaem
taisdispositivosremeteaumaespéciededinamização
espiritualquevisaàambiênciadepressivacontemporâneacaracterísticadafalta
dearticulaçãodoindivíduocomomundosocial-político32.OsgrandesFonds,que
chegam
aprovocarasensaçãodecalorao“aquecer”oambienteeonosso
interior.Ataldinamizaçãoviracalor,princípioescultóricofundamental,capazde
“tratar”adoençadavontadedohomemcontemporâneo.
Emcontraposiçãoàformacristalizadaefria,oformarlíquidoequente,
sobretudo,aliás,asuaconservação:opensaremmovimentoécondiçãosinequa
nonparaadinamizaçãoespiritualbeuysiana,aseraplicado,porassim
dizer,à
derrotadaAlemanha.Apósdiagnosticarograveestadoem
queseencontraseu
povo,comoorgulhoabaladoeumaprofundadeficiênciaidentitáriaecerta
inércia,Beuyspropõeaçãoapartirdore-assentamentodesuaterracommatéria
brutaefluida.Dagorduratosca,dofeltroquenteeinforme,dospigmentoscorde
terraesanguepreparaosolorealdeumareconstruçãosocialaserefetivadapor
cadaumdosmembrosdessasociedade.
Beuysdecididamentefalacomohomem
doseupovo.Comextrema
fluêncianonovoidiomaculturaldaarte,porém,torna-seumapersonacultural
pública.Suadinamizaçãoespiritualimplicaassimumamanobraestéticamulti-
mídia:suaamplacoberturapelamídiaconsiste,defato,emumdesenvoltotráfego
poraquelamaterialidadecultural,inerenteàesculturasocial,ecapazdere-situara
Alemanhanocircuitoartístico-cultural.Alémdaarteem
si,daeducaçãoedo
ensinosuperior,aimprensa,orádio,atelevisão,oconjuntodeórgãosde
32Ehrenbergrefere-seàinversãodadívidadoindivíduoparacomasociedade:enquantoo
indivíduoobjetivadocoletivamente–classessociais,categoriassócio-profissionais–possuidívida
comasociedade,aqueleindefinidosocialmentevê
suaresponsabilidadesaumentaremna
proporçãodoaumentodadívidadasociedadeparacomele.Amultiplicaçãodedemandasde
reconhecimentopessoaleaconfusãodeleisedasimagensqueaacompanham
exprimem
nabanalidadedocotidianoessainversãodadúvida.Éporissoqueoindivíduopareceperderdevista
adimensãoenergéticadapolítica.EHRENBERG,Alain.L
’indi
vidu
ince
rtai
n.Op.Cit.,p.309.
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189
informação
quesetornaram
hojeum
empreendimentodo
Estado33acaba
incorporadocomlucidezàsuaprodução-atuaçãoartística.
Paraocríticonorte-americanoMarkRosenthal34,oartista,quechegaa
cantarem
apoioàscausasdopartidoVerde,estariaseestabelecendocomoum
tipodesuperstaraosmoldesdeJohnLennonnaInglaterraouBobDylannos
EUA.Guardadasasdevidasdiferençasdevisibilidadeentre
osuniversosda
músicaPopeodasartesplásticas,essaspersonalidadesrespondemàperda
contemporâneadeumvigorpolítico.Assim,oinegávelimpactodaobradeBeuys
naquelesanossetentanãopodeserdissociadodaqueledasuafigurapública–
capazdelevantardúvidasarespeitodesuacondutamoral.“Xamãoucharlatão?”:
arevistaalemãDieSpiegelexpõeemmanchetedecapaaambigüidadeinerenteà
estratégicaatuaçãoculturaldoartista.Corpo/“Self”artísticoepersona/imagem
públicaintencionalmenteseconfundemnaglamourosaarenaartística,ocupada
porumasubjetividadeartísticainflacionada35 .
Éexatamentesobretalinflaçãosubjetivaqueincideaseveracríticado
norte-americanoBenjaminBuchloh,em
artigopublicadonarevistaArtforum,
apósaretrospectivadoartistanoGuggenheim36.Umtantoressentidodianteda
invasãoporumartistaalemãodeum
dosíconesdodomínioculturalamericano-
“bonito
edifício,normalmentebrilhantecomclaridade,calor,luz”,que,por
ocasiãoda
exposição,em
1979,estaria
“sombriamenteiluminadoem
um
crepúsculocinzaemelancólico”-,ocríticoprocuradesmantelarcom
argumentos
lógicosamitologiaprivado-públicadesenvolvida
porBeuys.Buchloh
praticamente
desqualificasuaprodução
artísticade
“interesse
visual
insatisfatório”,desdeseuilegítimofundamentonocarismaàquestionávelligação
doartistacomaestruturadepoderdasinstituiçõesculturais.
33BEUYS,Joseph.ApudJulieHEINTZ
.L
aqu
estio
nde
sm
édia
s.InCENTREGEORGES
POMPIDOU.JosephBeuys.(Cat.Expo.).Op.cit.,p.284.
34SegundoRosenthal,apersonacriadaporBeuysdeveserexaminadanocontextodasociedade
Ocidentalnaprimeirametadedosanos60,eradascaminhadasparaapaz,idealismo,esociedades
colaborativaslideradasporindivíduoscarismáticosqueraramenteseassociavam
apartidosou
sistemaspolíticos.ROSENTHAL,Mark.
Jose
phB
euys
:A
ctio
ns,
Vitr
ines
,E
nvir
onm
ents.
Houston,TheMenilFoundation,2004,p.13.
35Ainflaçãodavidaprivadanãodeveentãosercompreendidacomoumaescaladanarcísica,elaé
oquesetornaavidaprivadaquandoelasemodelasobreavidapública:um
espaçoondese
comunicaparanegociarechegaraoscompromissosnolugardecomandareobedecer.Trata-sede
novasrelaçõesentreumprivadoeumpúblicocujosconteúdosforammodificados.EHRENBERG,
Alain.L
’indi
vidu
ince
rtai
n.Op.Cit.,p.19.
36BUCHLOH,BenjaminH.D.
Beuy
s:th
eT
wili
ght
ofth
eId
ol,
Prel
imin
ary
Not
esfo
ra
Cri
tique.InJosephBeuys:mappingthelegacy.Op.Cit.,pp.199-211
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Sempretenderseguirpassoapassosuacrítica,valeatentarparaalgumas
desuasobservações.Acomeçarpelaleituraliteraldomitodeorigembeuysiano,
apartirdainverossímilfotografiadoartistadepé,emfrenteàaeronaveJU87-
“embomestadodeconservação”-,publicadanamonografiadeAdriani“Joseph
Beuys:LifeandWorks”juntoàlegenda“JosephBeuysdepoisdeum
pouso
forçadonaCrimeaem
1943”.“Quemteria,oupoderia,posarparafotografias
depoisdoacidenteaéreo,quandoseveramenteferido?Ostártaroscomsuacâmera
defeltroegordura?”,perguntaumBuchlohmal-humorado.
Evidênciadomaisconhecidoeexploradodoseventosauto-biográficosde
Beuys,abem-humoradafotografia,assimcomoapublicaçãodolivro,fazparteda
estratégicainserçãopúblicadesuaobradeconteúdoexistencial.Assim,então,ela
incidesobreaincerta
existênciacontemporânea,trazidaapúblico,porassim
dizer,apartirdanoçãode“experiência-chave”,mencionadapeloartistaem
entrevistade
197637.Compostaporelementosimaginados,intuídos
ou
subconscientes,talexperiência,externa,factualoudecarátervisionário,em
sonhos,seria
capazdeconferiràssuasproposiçõesartísticasum
assertivo
conteúdo
vital.Semse
oferecercomoobjetosde
cognição
racional,as
experiências-chavevalemexclusivamenteporumaverossimilhançadeforçade
origem,aestabelecernoespaçodaarteumlugaremcompletainteraçãocomuma
cargadevida.
Dentrodateoriadoconhecimentobeuysiana,aexperiência-chaveconstitui
aprópriabiografiaconfiguradaeminstrumentodetrabalho,preciosoinstrumento
debuscaeescavaçãodoexatopontodeligaçãocomomundo,atravésdaqualele
poderiacompreenderodesenvolvimentodetudo38.Indispensávelferramentapara
oempreendimentodaartecomotarefaexistencial,abiografia-inter-relaçõesde
todososprocessosenãoaseparaçãodavidaemcompartimentosseparadosdo
todo–estabelecenoespaçodaarteum
vínculodeconteúdovitalconcretoentrea
realidadesensívelealinguagem/pensamentosupra-sensível.Assim,ofeltrooua
gorduracorrespondemenosaum
materialaserconformadodoqueàsubstância
existencialem
estadobruto,em
re-elaboraçãocontínuaaolongodesuaprática
artística.
37VerJAPPE,Georg.T
he“k
eyex
peri
ence
s”in
terv
iew.InJosephBeuys:mappingthelegacy.
Op.Cit.,pp.185-198.
38BeuysexplicaaCarolineTisdallquesuahistóriapessoalinteressasomentenamedidaemque
eletentouusarsuavidaesuapessoacomouminstrumentodesdeumaidademuitotenra.
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Essare-elaboraçãofaladeum
segundonascimento,iconograficamente
verificado,porexemplo,emBanheira(1960).Aorelacioná-laàrealidadedeter
nascidoemtaláreaeemtaiscircunstâncias,Beuysaludeaoiníciodetodoseu
processoindividualdeconhecimento,atingidoatravésdeumadordurável39.Uma
dorextensivaàqueladetodaaEuropa,profundamenteferidapelosmétodos
nazistasdeextermíniotambémaludidosnabanheira.MaisumavezBeuysreitera
oprocedimentodeidentificaçãocompletaentresuapessoaeaAlemanha/Europa.
Aliás,entreele,umapessoa,esuaterra.Trata-sedeum
profundoenvolvimento
existencialmenosnosentidodeumasubjetividadeforte
doquedaintensa
qualidadedepessoa.
BeuysidentificaaonipresenteferidacomseunascimentonocurrículoLife
Course/WorkCourseaoregistrarnoanode1921a“exposiçãodeumaferida
remendadacomfita”.Trata-sedoseunascimentoespiritual,renovadoaolongodo
cursodavida,permanenteconquistadaliberdade.
Sinceroenvolvimentoexistencial,agraveinsistênciagravenaferida
participa,no
entanto,do
currículocomoumabem-humoradareferênciaaos
tradicionaiscurrículosdeartista.Publicadopelaprimeiravezem
1964,Life
Course/WorkCourseserviucomobiografiaoficialdeBeuysnasegundametade
dadécadade1960emcatálogosdeexposição,adquirindosuaformadefinitivaem
1970numaexposiçãodemúltiplosrealizadanaInglaterra(ArtsCouncilofGreat
Britain).Com4000cópias,ocurrículointegraaexposiçãocomoum
desses
múltiplos:alioartistasituaumaseqüênciadeeventosbiográficospontuais
verídicos,comooconviteparaministraraulasnaacademiadeartedeDüsseldorf
(1961)ouaamizadecomBobMorriseYvonneRainer,juntoaosprincípios
fundamentaisdesuaplástica,feridaoucalor,“transformados”em
exposições.
Autênticoregistro
daobra-vidado
homem-artistacontemporâneo,aauto-
biografiamúltiplaincorporacomhumorumainflacionadasubjetividadeartística
mantendoumadignidadedissimulada,própriaàincertaexistênciaartísticano
novoambientecultural.Enãoseriajustamenteaalternânciaentrepúblicoe
privadoalegitimaracondutado
empreendedorda
artecomorealização
existencial?
39BEUYS,Joseph.InBEUYS,Joseph;KOUNELLIS,Jannis;KIEFER,Anselm;CUCCHI,Enzo.
Bâtis
sons
une
cath
édra
le(entretien).Paris,L’Arche,1988,p.160.
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192
Fielaospólosde
suaamplitude
escultórica,oartistaseposiciona
politicamente:em
1979
participadafundaçãodopartido
verdealemãoDie
Grünen(OsVerdes),sendodesignadocomocandidatooficialdopartidoparaas
eleiçõesaoParlamentoFederal,noanoseguinte.Opartido,noentanto,voltaatrás
emsuadecisão,precisamenteporcontados“subtendidosautobiográficosemtudo
oqueelediz”40.Enquantoaquelesenvolvidosem
políticaestudantilduranteos
anos1960
naAlemanha
trabalharam
nodesenvolvimentode
umanova
e
adequadateoriaepráticapolítica,Beuyslevaadiantecomapolíticaseutrabalho
artístico(afinal,nãosepodeobedeceradoismestres,bemlembravaKurt
Schwitters).
Aoobjetivaroequilíbrioentreo“maisprofundo”doindivíduolivreeas
estruturasnasquaiselevive,aesculturasocialvolta-separaaperdadevigor
políticonaEuropadosanossessenta.QuandoBuchlohserefereàquelesque
debochavam
damobilizaçãodeBeuysparafundaroGrandePartidoEstudantil
(1967),eleesqueceou,talvez,ignoraqueopróprioartistatambémpareciarirao
fundartalpartido,concebidocomoomaiorpartidodomundo,masamaiorparte
deseusmembroséconstituídaporanimais.Proporcionalàlúcidacompreensão
doenfraquecimentodospartidospolíticoseuropeus,ohumordeBeuysdáotom
damensagemcentraldaOrganizaçãopelaDemocraciaDiretaporReferendum
(1971):nuncavoteempartidospolíticosnovamente.
Basedasrealizaçõessociais,apolíticaintegraaesculturasocialem
uma
desuasfunçõesprincipais-darcorpoàdependênciamútuaquesustentaa
autonomiadecadaum.Daíaconvocaçãodecadaindivíduoparaparticiparda
criaçãodeformasparaavidaem
comum,capazde“superar”asériacrisede
representaçãopolíticaeuropéia,focodeBeuysnosanos1970,quedemonstra
didaticamenteoavançodacrise
políticaeuropéiaaolongodaelaboraçãode
Forçasdiretrizes(1974-77).
40“Lecontenurévolutionnairedesonmessageestmalheureusementinacessibleàbeaucoupde
gens.Ilyadessous-entendusauto-biographiquesdanstouscequ’ildit.Ilessaiedemettreànula
perceptionquotidienneetderévéleràtraverslacréativitédeasproprepenséecequicachederrière
darealité
immédiatementperceptible.”LukasBECKMANN.ApudHOHLFELDT,Marion.
Chr
onol
ogie.CENTREGEORGESPOMPIDOU.JosephBeuys.Op.Cit.,p.348.
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193
Figu
ra51
–Fo
rças
dire
trize
s
PartedacoleçãopermanentedaNationalgaleriedeBerlim
apartirde
1977,ainstalaçãorecebeotítuloapósofechamentodaexposição“Artinto
Society,SocietyintoArt”,realizadanoInstitutodeArtescontemporâneas,em
Londres,noanode197441.Portodososdiasdasquatrosemanasdeexposiçãona
galeria,demeio-diaatéoitohoras,Beuysdiscutiacomosvisitantesosprincípios
eosobjetivosdesuaarte,explicitando,atravésdeesquemas,oavançodacrise
políticaqueseiniciacomomundomoderno.O
artistaescreveedesenhasobre
quadros-negros-espéciesdepinturasdesuaarteemconceitoampliado-apoiados
sobretrêscavaletes.Aofim
decada“lição”,eleremoveoquadrodocavaleteeo
atiraaochão,que,porsuavez,depoisdequatrosemanassetransformaemuma
baseirregularformadaporcamadasescurasdeaproximadamente100quadros-
negros.Conceitoseidéiasperdem
sua“materialidade”nostraçosdegizqueaos
poucossedissolvemnasuperfíciedecadaquadro-negroatiradoaochão,onde
formam,porsuavez,um
irregularsoloescuro,sugerindooininterruptofluxode
pensamento.
Umquadrocontém
ainscrição
programáticado
projetoescultórico
beuysiano:“Forçasdiretrizesdeumanovasociedade”[Richtkräfteeinerneuen
Gesellschaft]sugeremosprincípiosdebasedeumaconcepçãodasociedadecomo
organismoternário.Ostrêscavaletesaludiriam,assim,aosistematripartitede
41Deondeosquadrosseguem,em
1975,paraagaleriaRenéBlock,em
NovaIorque,edepois
paraaBienaldeVeneza(1976),ondesãoreagrupados.
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RudolfSteiner42utilizadocomoidéianessemomentoondetodanoçãodecultura
estásubmetidaaoprimadodavidaeconômica43 .Steineridentificaosloganda
RevoluçãoFrancesacomoaexpressãoinconscientedasnecessidadesdistintasdas
trêsesferassociaisquecompõem
asociedade:liberdade
navida
cultural,
igualdadenavidapolíticaefraternidadenaeconômica.
Aalternânciaentrefascínio44erepulsapelaRevoluçãoFrancesanaobra
deBeuystestemunhaodecisivopapeldo
eventonoprocessoformativoda
modernidade
democrática-quando
oindivíduocomeçaase
emancipar,
organizaçõesemodelospolíticossãoinstituídos,eentreelesseestabeleceum
pactocomvistasaumautópicasociedadereconciliadacomelamesmanumfuturo
ideal.Talprojeto,noentanto,acabaporresultaremumaunidadepolíticapartida,
observaKoselleck45,quedetectaumareduçãoda
políticaenquantotarefa
constantedaexistênciahumanaaolongodoprocessodafilosofiadahistóriado
séculoXVIII.Aconcepçãodaunidadedomundoemnomedeumahumanidade
homogêneaconcebidapeloprocessocríticodoIluminismoteriaconjuradoessa
crisenamedidaemqueencobriuseusentidopolítico,resumindo-oaconstruções
utópicasdofuturo.OEstadoseparamoralepolítica,edaíresultaum
auto-
interesseaexigirum
novo
conceitode
ciênciaecriatividade,umanova
concepçãodedemocracia.Conscientedodescompassoentreumaidéiaabstratade
democraciaearealidadedasociedadeorganizadahierarquicamente,Beuyspensa
umademocraciaconstruídanãopelospartidos,nãopelopredomíniodeuma
minoria,maspelacontribuiçãoepelaparticipaçãodetodososcidadãos,ecria
42Osquadros-negrosdeBeuyscompartilhariamumaestranhasemelhançacomosdesenhosde
quadro-negrodeSteiner,realizadosentre1919e1924,tambémdurantepalestras.ROSENTHAL,
Mark.Op.Cit.,p.129.
43BEUYS,Joseph.ApudHOHLFELDT,Marion.
Chr
onol
ogie.InCENTREGEORGES
POMPIDOU.JosephBeuys(Cat.Expo.).Op.cit.,p.316.
44SegundoCarolineTisdall,aRevoluçãoFrancesateriasetornadoalvodofascíniodeBeuysa
partirdadescobertadesuasligaçõescomAnarcharsisCloots.RevolucionáriodoséculoXVIII
guilhotinadonaRevolução,Cloots,queseauto-designavaAnti-Cristo,tambéméorigináriode
Clèves.LucioAméliorelataumaaçãorealizadanoescritóriodeumagaleriaem
Roma,quando
Beuys,supostamentesemplanejar,começaalerum
livrosobreavidadeCloots.“Quandoele
estavaacaminhodaguilhotina,AnarchisisClootsdisseparaoexecutor,‘Olheessacabeça,você
raramentevêumacabeçacomoesta.’EentãoClootsfeztrêscumprimentos,primeirose
inclinandoparafrente,entãoparaum
ladoedepoisparaooutro.FoioqueBeuysfeztambém.
Essafoiaação.”KORT,Pamela.TheNapolitantetralogy:andinterviewwithLucioAmélio.In
COOKE,Lynne,KELLY,Karen(ed.)J
osep
hBe
uys.
Are
na–
whe
rew
ould
Iha
vego
tifI
had
been
inte
llige
nt!Op.cit.,p.43.
45KoselleckidentificanoséculoXVIIIa“antecâmaradaépocaatual,cujatensãoseacentuou
progressivamentedesdeaRevoluçãoFrancesa,queafetouomundointeiro,extensivamente,e
todososhomens,intensivamente”.KOSELLECK,Reinhardt.C
rític
ae
cris
e:um
aco
ntri
buiç
ãoà
pato
gêne
sedo
mun
dobu
rguê
s.RiodeJaneiro,Eduerj/Contraponto,1999,p.10.
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195
emDüsseldorf,noanode1971,aOrganizaçãoparaademocraciadiretapor
referendumassociaçãoiniciativapopularlivre.
****
*
ParaBuchloh,aelaboraçãodamitologiaprivadaepúblicabeuysiana
somentepoderiadesenvolver-seemanter-senoambientede“a-historicidadeda
produção
edo
consumoestéticos
naEuropa
dopós-guerra”.Umavez
compreendidosoDadaeoConstrutivismoRussosegundosuasrespectivas
implicaçõespolíticaseepistemológicas,osupostomistérioecarátermetafísicode
suaobracairiam
porterra.Semtraçarumarelaçãopontualcomtaiscorrentes
artísticas,reconhecemos,comocrítico,suaconexãohistóricacomapráticade
Beuysque,noentanto,aelasnãosevinculaapartirdesuaslógicaslingüísticas.
Longedeumaartecomoexpressãodelamesma,oartistacutuca,porassimdizer,
osfundamentosconceituaisdessaslinguagens.
Umaartede“potencialaltamentedissociativo”,própriodoordinárioda
vidaque,assim
comováriasartistas/tendênciasdosanossessenta,aproxima-sedo
Dada.ÉimbuídodeseuespíritocontestadorqueeleprovocaDuchampem
O
silênciodeDuchampestásendosuperestimado(1964).Desnecessáriochamara
atençãoparaaescalapúblicadaação,transmitidaaovivopelaTV
alemã,importa
aquiacontra-propostadeBeuys:àestagnadaposição“anti-arte”doartista,a
extensãoanti-arte–movimento–arte.AosilêncioaristocráticodeDuchamp,o
artistaalemãoretrucainsistentecomum
palavratório–“sonoridadedalíngua,
querdizer,quandoapregnânciadopensamentoressoanela”46–amplificado
atravésda
mídia.Assim
Beuysopõe
àtransparênciado
GrandeVidroa
pregnânciaopacadafolhadepapelcom
ainscrição
DasSchweigenvonMarcel
Duchampwirdüberbewerttfitacom
Braunkreuzechocolate,abengalade
extremidadescobertasde
gorduraou
oângulode
gorduradispostonuma
construçãodemadeira–potenciallingüísticodissociativoderessonânciaplástica
aconfirmaralinguagemverbalcomoorigemdasuaplástica47 .
46KIERKEGAARD,Sören.J
ourn
al.ApudNellyVIALLANEIX.IntroductionàLaReprise.Op.
Cit.,p.41.
47“Meucaminhopassoupelalinguagem,pormaiscuriosoqueissoseja,elenãopartiudeum
pretensodomplástico.”JosephBEUYS.ApudREITHMANN,Max.
Le
Lan
guag
e:lie
udu
viva
nt.InParlapresente,jen’appartiensplusàl’art.Op.Cit.,p.138.
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Aamplitudeescultóricabeuysianafundamenta-senoentendimentodo
conceitodePlastikcomolinguagem.Modeloparaoqueosgregoscompreendiam
comoaformahumanaeaformadasuacriaçãodeveser,oidealplásticoderivaria
doscomeços
dalinguagem,parcialmentepreservadospelosmitosgregos,
segundoofilósofoalemãoJohannGottfriedHerder48 .Amitologiaconstituiria
linguagem
figurativadeumaalmapoéticacapazdegerarum
ricomanancialde
imagensque,comoaesculturagregaantiga,incorporavaumaenergiahumana
fundamental.DesdeosalongadoscorposemBeize,que“brilham”sobreopapel,
todooprocessoescultóricovisaaumamaterializaçãodessaenergianoseu
própriocaráterfluido.Assiméqueoexímiodesenhistaentregasuahabilidadeao
própriocursodosmateriaisparaaí“encontrar”figuraçõescujasvozes“falam
o
queosdiscursosdenossasdisciplinassilenciaramparasempre”aproporcionar
“umapequenamágicadeconheceralgoem‘outralíngua’”.49Odesenvolvimento
daprópriamitologiabeuysianaaludeaoscomeçosdalinguagemnohomem,carga
vitalantesdeadquirirqualquersentido,oudetomarqualquerformadeculturaou
história–opróprio“ser”nagaleriadeDüsseldorf.
Figu
ra52
–C
omo
expl
icar
arte
para
uma
lebr
em
orta
48“Immediatelyafterhis1986LehmbruckAwardSpreech,BeuystoldajournalistthatHerder’s
conceptionofthe‘humanbeingasasculptedcolumn’laybehindthetheoryofPlastikarticulated
inhistalk.”PamelaKORT.
Beu
ys:
the
prof
ileof
asu
cces
sor.InJosephBeuys;mappingthe
legacy.Op.Cit.,p.28.
49HeinerBASTIAN;JeannotSimmen
.Jo
seph
Beuy
s.Z
eich
nung
en.
Teke
ning
en.
Dra
win
gs.
Prestel-Verlag,München,1979.
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4.2.
2Si
lênc
io C’estainsiquel’ouïemedevintpeuàpeulesensfavori;cars’ilestvraiquel’intériorité,
incommensurableavecl’extérieur,semanifesteparlavoix,l’oreilleest,delamêmefaçon,
l’instrumentparlequelcetteintérioritéestsaisie,etl’ouïelesensàl’aideduquelonse
l’approprie.SörenKierkegaard,OubienOubien
Em26denovembrode1965Beuysinaugurasuaprimeiramostraemuma
galeria
dearte50comaaçãoComoexplicararteparaumalebremorta.
FotografadaporUteKlophaus,aaçãoaparececomfreqüênciaempublicaçõesde
artenaimagem
p/bdoartistacomalebrenocoloeacabeçauntadademel,a
sugerirosilêncioecertomistérioanunciadosnotítulodaação.Beuys,emrara
apariçãopúblicasemseuchapéu,estásentadoem
umbancodetrêsapoios,um
delesenvolvidoporum
rolodefeltro.Comacabeçacobertadeouroemel,o
artistatemopédireitoamarradoaum
soladodeferro(comonaaçãoEurasia),
enquantooesquerdorepousasobreumaplacadefeltro.Comobraçoesquerdo,
eleseguraalebre,àqualsedirigeatravésdeum
levemovimentodemão,
registrado
nafotografiacomoborrãodiscreto.Klophausfixao“sentidode
explicação”daaçãoaocaptaroinstanteem
queamãodoartistasecurvapara
cimaeodedoindicadorselevantanotípicogestodequemensina.
Antesdesesentar,Beuysteriacaminhadopelagaleriacomalebreno
colo,lheexplicandoosquadrospenduradosnasparedes.Explicaçõesmudas,que
ecoariamnosilêncioproduzidopelosdispositivosempregadosnaação:obanco
envolvidocomfeltro,asoladeferroeum
rádio–numafreqüênciaquase
inaudível51-,sobobanco,feitocomossosecomponenteseletrônicos.Níveis
necessáriosparaexplicararteàlebre,esclareceoartistaque,aoandarpelasala
comasoladeferro,produziriaumestampidocapazdequebrarosilêncioreinante.
Silêncio“amplificado”paraopúblicoque,semacessodiretoàgaleria,podia
acompanharaperformance,em
suastrêshorasdeduração,atravésdaporta
envidraçadadaentradaedajanelaviradaparaarua,ouaindapelatransmissãoao
vivoemumaparelhodeTV.
50NaGalerieSchmela,emDüsseldorf,inauguradaem1957comumaexposiçãodemonocromos
deYvesKlein.
51BEUYS,Joseph.ApudCarolineTISDALL.
Jose
phBe
uys.New
York,Solomon
R.
GuggenheimMuseum,1979.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
198
Asexplicaçõesqueoartista,hermeticamentefechadonagaleria
de
Düsseldorf,comose
numavitrine,murmurapara
alebrenossão
incompreensíveis.O“rádio”montadomalfuncionaeatelevisãosóretransmiteo
silêncio.Recorrenteem
suaobra,a(im)possibilidadedacomunicaçãoviraaqui
silêncioproduzidoporelemesmo,comauxílio
demateriaiseinstrumentos
familiares.Umsilênciopesado,porassimdizer,talcomoaquele“emitido”pelo
telefonequenãocomunica(Telefonedeterra,1968)oupelopianoquenãotoca.
Silênciosdensosdevida,naterraespalhadasobreabasedotelefone,nofeltro
quentequeenvolveopiano,naprópriapresençadoartistaenfim.Enquantoem
açõescomoHauptstrom>>
Fluxusaparelhostraduzemem
somaressonância
plásticadasuamovimentação,aquiosilênciocondensatalplásticanasua
condiçãodeformaçãointerna.
Aofalar,compenetrado,comalebremortanagaleria,Beuysnegaao
públicoqualquerexplicaçãoarespeitodesuastramascomplicadas.Tãocaraà
nossacultura,aexplicaçãoaquidenadavale,provaoartista,quepreferenãodar
asignificaçãoimediatadasoladeferro,massimfalardopensamentoquese
encontraporcaminhosparalelos.Elebemsabedaimpossibilidadedeuma
interpretaçãoobjetiva,dafieltransmissãodeum
pensamentotalcomofoi
concebido.Acomunicaçãocomoanimalcontémalgodeinexpressávelaosoutros
homens,conversamudaqueguardaum
segredodaexistência-exatocentrodo
mundo,atingidopelalebreconformeelaseencarnanaterraepenetranassuas
leis.Quantoaohomem,caberealizartaltarefaatravésdoseupensamento52.
Oquenósapreendemosdarealidadeexterior,declaraoartista,écomoum
grandeenigma(...)quesereproduzsempredenovo.Mas,pararesolveresse
enigma,sóexisteohomem,ohomem
éasoluçãodesseenigma.53Atravésda
linguagem,plásticaquejánascenelemesmo,ohomem
solucionaoenigmada
realidadeexterior,demonstraBeuysquandore-propõe,porassimdizer,oenigma
quelheéininterruptamentepropostoemseuembatecomarealidade.Atravésdo
52“Éissoquefazalebre:encarnar-sefortementedentrodaterra,coisaqueohomem
sópode
realizarradicalmentepormeiodeseupensamento:esfregar,bater,cavarnaMateria(terra);por
fimpenetra
(alebre)nasleisdaterra.Nessetrabalhoseupensamentoéaguçadoeentão
transformado,tornando-serevolucionário.”BEUYS,Joseph.ApudCarolineTISDALL.J
osep
hBe
uys.NewYork,SolomonR.GuggenheimMuseum,1979.
53LembramosdaadmiraçãodeKierkegaardporSócratesepelospré-socráticosque,sobaforma
dopoemaedoenigma,tentamexpressarsuarelaçãocomoreal.Sócratestinhaapreocupaçãode
transmitirenigmassemprereconhecendosuaignorância,eassimlevarseudiscípuloaentrarem
contatopessoalcomaquiloquediz.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
199
“potencialaltamentedissociativo”dosleftoversoudesuamovimentaçãopor
entre
todaumaparafernáliamaterial,oartistaativaoscomponentesdesuas
experiências-chaveparadevolvê-losaoespectadorcomosubstânciasnamaior
liqüescênciaemobilidadepossíveis.
Importasomenteesseestado,aquiliteralmenteincorporadopeloartistaao
cobrirsuacabeçacommel.Beuysatualizaseupensamentovivonomundo;
exteriorizaaenergiahumanaprimordialque,porsuaexistênciasupra-sensível,
nãoseliganaturalmenteàvidaterrestre.Esobopesodessaplástica,elecaminha
comossoladosdefeltroeferropeloespaçodaarteondefundaseulugar-
melancolia-território
dasoluçãocontinuamenterenovadadoenigmaquedá
formaaomundohumano.
Todo
aquelesilênciofaladacapacidadeinternado
homem,póloda
amplitudeescultóricabeuysianaouvidaem
Plightcomoosominteriordaalma
ouaimaginaçãodamúsica.Semainterferênciadequalquersomexterno,aobra
reverberaodesenvolvimentodopotencialhumano–odoartista,nofeltro,eo
nosso,aoexperimentá-lo.NagaleriadeDüsseldorf,Beuyscomoqueocorporifica
simbolicamenteno
mel,comoqualrevesteasedefísicada
produçãodo
pensamento,eotransfereatodososdispositivoscapazesderessoaraquele
potencialao
sedeslocarpela
sala.Instaura
assim
essa
potencialidade
externamente,naquelepequenoambientedaarte,ondeseouveaconversa
silenciosadeBeuyscomaqueleanimalquenaturalmenteencarnanaterra:como
entãoohomempodelevarelemesmoqualquercoisaaomundo,qualquercoisa
quevemdodomíniodasidéias,queseencontranoexteriordomundoterrestre,
matéria54,pareceperguntaràlebre.
Atransferênciado
pensamento/plástica,formade
existênciasupra-
sensível,paraomundo
sensível,materialmenteressonanteem
suasgrandes
esculturas,éconformadanessaconversacomalebre.Umsolilóquiosobre
pensamento,linguagem
econsciência,intrínsecoatoda
suaobra,aliás,
concentradonasuaimpressionantepresençanasaladeexposições.Menossua
capacidadedoqueacapacidadehumana,noentanto,Beuyscolocaempautaum
potencialinternoadesenvolver-setemporalmentenarealidade.
54BEUYS,Joseph.EntrevistaaAchilleBonitoOliva.Lamortmetiensem
éveil.In
Par
lapr
esen
teje
n’ap
part
iens
àl’a
rt.Op.Cit.,p.92/3
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
200
Adensidadematerialdasuaobraapresenta-seaquicomoopróprio
presente“extenso”dopotencialdetransformaçãodohomem
nomundosituado
porsuapresençapesada.Beuysreforçanelemesmoasínteseentreeternoe
temporal-sucessãoinfinitaondeseencontraavida-própriadaexistência
humana.Corpoealmaunidosnoespírito,ohomem
seconectacomarealidade
temporal,semabandonar,no
entanto,opresentesemsucessão,próprio
do
espírito.AssimBeuysdemonstra,pelaindubitávelmaterialidadedoselementos
deintensacargainterna,espacializadaaolongodaaçãonaquelasala,ealiinstitui
atemporalidadedensadopresente.Éumaprogressãoquenãoavança,porque
“paraaimaginaçãooeternoéopresentedeumaplenitudeinfinita”.
Figu
ra53
–Eu
mes
mo
empe
dras
Emquemedidaohomem
podelevaraomundomaterialessapotência
espiritual?Beuyspareceesboçarsuapergunta-chavenosdoisdesenhosEu
mesmoempedras(1955).Emum
deles,vemosumacabeçahumana,cujaparte
superiorseconectacomblocosdepedrafeitosdenervosostraçosconcentrados
queseguematéabordadireitadopapelondeseespalhamemlinhasesparsas.Um
outrobloco,“solto”,encontra-seàfrentedacabeçae,entreeles,concentram-se
enérgicosriscoscirculares,aglomeradotectônicoademarcarcomvigoroespaço
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201
daconexãoentreproduçãointernaeoexterior.“Lugar”daconquistadaliberdade
-darevolução,diriaBeuys-,oinstanteconstantementerenovadonocursodavida
daqueleem
permanentemovimento.Em
contrastecomessasugestão
de
movimento,nodesenhosuperiorvemoscabeçaecorpointegradosemum
bloco
comprido–comoaspesadaspedrasdebasaltodeOFimdoséculoXX–sinônimo
dopensamentopetrificado.
Breveanotação/reflexão,Eu
empedrasanunciaoprincípioartístico
fundamentalbeuysiano:apossibilidadedasuperaçãodamatériainerte(realidade)
pelopensamentoemmovimento/linguagem.Consubstanciadanaconversacoma
lebremorta,imprescindívelexperiênciadamortepararegenerarforçasesetornar
criativo,talsuperaçãopermanecelatentenoespaçodasgaleriasdearteemOFim
doSéculoXX
paraserealizarnoespaçoexternodaDocumentacomos7000
Carvalhos.Aliopensamentodohomemtãovastocomoomundo...maisvasto
mesmoganhasuadevidadimensãoplanetária.Em
contrastecomainérciado
statusquo,materializadanaspedrasdebasalto,omovimentodarenovação
criativabrotadaprópriaterra.Éseivanaturalquecorreporaquelafloresta,
manifestaaextensãocósmicadosmundosmaterial(raízes)eespiritual(galhos).
Aamplitudeescultóricabeuysiana,campodaartesinônimodohumanoem
formação,“conclui-se”demodoespetacularnavisãototaldaáreacobertapela
seqüênciadecarvalhosepedrascomootempoderegeneraçãodavidanaterra.
Espéciedeflorestadepossibilidade,aseqüênciadasárvoresconcentrao
movimentobeuysianodoleftoverparaovaziocomoininterruptare-proposição.A
cadaárvorequebrotaaoladodoblocodebasaltoésugeridoopresentecolocado
emmovimentopelofuturoquenuncasetornapassado,porquevemsempre
confrontadopelohomemcomopossibilidadesemlimite.Possibilidadesdiscretas,
osleftovers,“acionam”nossopensamentoaindicarafaltadelimiteprópriaà
plástica/linguagemhumana.Aqui,elaépraticamenteatualizadanohorizontesem
limitedaflorestade7000Carvalhos.
Reconciliaçãodohomemconsigomesmo,sínteseentrepresentetemporal
eeternonoinstante:aíestáosentidomaiordaarteem
conceitoampliadoao
futuro,“étersemlimite
eindeterminadoda
possibilidade
quesósetorna
determinadoem
seuingressono
presente,semserelemesmoesgotado
ou
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202
reduzidonesseingresso.Eletocaorealsomentenavidadeum
serespiritual”55–
ohomem-artista,paraquem
“Ahumanidadepodeestabelecernovascausasnahistórianabasedacriatividadehumana,
nabasedopensamentohumano–novascausasquepodemdeterminaroprogressohistórico
dofuturo(...)Opassadoeofuturosóexistemporqueahumanidadecontinuaaestabelecer
novascausas.Nósdevemoscompreenderquesemprefoidessamaneira.”56
Figu
ra54
–70
00C
arva
lhos
55CRITES,Stephen.‘T
heB
lissf
ulSe
curi
tyof
the
Mom
ent’
Rec
olle
ctio
n,re
petit
ion,
and
Eter
nalR
ecur
renc
e.InRobertL.PERKINS(ed.)InternationalKierkegaardCommentary:Fear
andTremblingandRepetition.Vol.6.Macon,MercierUniversityPress,1993,p.246.
56BEUYS,Joseph.ApudBECKMANN,Lukas.T
heca
uses
liein
the
futu
re.InJosephBeuys:
mappingthelegacy.Op.cit.,p.111.
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225
5 Con
clus
ãoIthoughwouldsailaboutalittleandseethewaterypartoftheworld.ItisawayIhaveofdriving
offthespleen,andregulatingthecirculation(…)wheneveritisadamp,drizzlyNovemberinmy
soul(..)
HermanMelville,MobyDick
Olugar-melancolia
sedesenvolve
segundoaestruturatemporaldo
acidentedetremnointeriordeum
túnel,comodescreveKafkaem
seudiário.
Semdistinguiraluzdaentrada,nóspermanecemosali,parados,ansiosospelaluz
dasaída,tãominúsculaquesempreescapaanossoolhar,continuamentea
procurá-la.Adquirimosbrevenoçãodasaídacomos“flashes”monocromáticos
deKlein,atravésdaspistassubstantivasdeBeuys–diferentescombinaçõesde
elementosdochãodeseutúnel–ounossucessivoseidênticostakestomadospor
Warholdaquelasituação.Cadaum
delesrepetesuacondiçãodeacidentado:
alegria
compulsiva
daininterruptadescoberta,osofrimentoíntegroou
a
insistênciano
caráteransiosodo
nossotempo
sãoexperimentadoscomoa
aberturadeum
espaçovazioemnossoprópriotúnel.Doconsumodosdiferentes
leftoversficaum
arrepiodaconsciência,disposiçãomentalque,senãomudaa
formapráticadenossotúnel,coincidecomnossacondutaemrelaçãoaele–enão
seriaesteoúnicomododemudá-lo?
Comolugares-melancolia,apresentamosnessatesedesempenhospoéticos
jáhistóricos
quesobrevivem,entretanto,comvigorcrescente:atravésde
manobrasinspiradasecalculadassobreamaterialidadedaartemoderna,asobras
deBeuys,KleineWarholrepotencializam
anossavivêncianoespaçodaarte
contemporânea.Identificadocomaressonânciadamatériaviva,JosephBeuys
trafegaporlinguagensartísticasmodernasvisandoexclusivamenteàpotência
espiritualdaforma.Aoproclamarsuatesefundamental–todoserhumanoéum
artista-,dásuacontribuiçãopessoalparaa‘históriadaarte’que,desvinculadada
típicasubjetividadeartísticaou
dainovaçãoformal,desafia
adinâmicado
modernismopautadanodesenvolvimentoprogressivo.Empreendeassimum
ensaioparaumanovaeconomiapoética–aesculturasocial–cujaverdadese
encontranatramadacisãoentreestéticaearte.
QuantoaYvesKlein,tendemosaresponderafirmativamenteaocrítico
ItzhakGoldberg:sim,opintorencarnaumaespéciedeÍcarodamodernidade
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comolegítimodescendentedo
“choc”baudelairiano.Agentetransmissorda
sensibilidade,oartistasabe,noentanto,quesuainsistênciasobreaintensidadedo
fenômenoagorasósobreviveatravésdetruques,comoodacélebrefotografiado
salto
novazio.Oscilandoentre
umavocaçãoprofundamenteidealistaeuma
atitudecínica,paraNanRosenthal,aobradeKleinhesitaria,contudo,entre
pesquisasutópicasoutranscendentaisemanifestaçõesasmaisfraudulentas.Sua
pinturaageentreapuraemergênciadaformadomístico/idealistaMalevichea
não-formadocético/irônicoDuchamp,apartirdalógicadocampotalcomoa
concebeafísicamoderna,ondeéimpossíveltraçarumalinhaesepararduas
substânciasdiferentes.Presenteeatuanteemcadapontodocampo,encontra-sea
polaridadedapotênciaabsoluta.Afinal,sentenciaKlein,os‘pintoreseospoetas’
verdadeirosnãopintamnemescrevempoemas.Elessãosimplesmentepintorese
poetasnoestadocivil.1
Ocontatodiáriocomumaprodução
artísticamoderna,rapidamente
absorvidapelomercadoelogoelevadaàsupremadignidadedaHistóriadaArte,
permiteaAndyWarholobservar:oscríticosdearteatribuíam
àPopmais
precursoresdoqueospaisqueShirleyTempletinhanosfilmes.Aooperarsobrea
materialidadedaarteexplicitamentepermeávelàculturademassa,oartista
suspendeovalordaarte,ehojeverificamosqueoreal-artificialwarholiano
antecipavadefatonossocotidianohiper-flat.Aindividualidadeincerta,elaborada
noslaboratóriosdaFactory,éagoratelevisionadaem
programasdeauditórioe
reality-shows;todosnósinstalamosmini-factoriesemnossascasaseescritórios.
Umaposição
geográficaestratégica
eprivilegiadaeumaaguda
inteligênciavisualsecombinamparaqueocorraoqueoestetaAkierkegaardiano
qualificariacomoumafelizchance:aabsolutainterpenetraçãorecíprocaentre
formaamatériacapazde“formar”omundoatual.“MundoWarhol”,onde,para
MaurizioCattelan,artistaresidenteemNovaYork,nósvivemostantoquantona
cidadedoEmpireState–oedifíciosimplesmenteestálá,vocêoconhece,devez
emquandoolhapraeleparaseorientarquandoestáperdido,masvocênãopensa
realmentenele2 .Aincorporaçãodoartistaàpaisagem
contemporâneaconfirma
seu“dom”paraadireçãodeartedocotidianonovaiorquinonasdécadasde
1KLEIN,Yves.
Que
lque
sex
trai
tsde
mon
jour
nal
en19
57.InCENTREGEORGES
POMPIDOU.YvesKlein(catálogodeexposição).Op.cit.,p.178.
2CATELLAN,Maurizio.A
rmy
ofon
e.Artforum,October,2004,pp.148/9.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
227
60/70/80.Assim,osefeitosdo“curtoséculoamericano”sefazemsentiremobras-
Warholsque,semlevaraoautorportrásdelas,comeleapenascoincidem.
Espéciede
acordo
comarealidadeculturalizadaestabelecido
peloartista
justamentepormeiodanão-ediçãodosseusregistros.
Anão-atividadeininterruptadaFactorytestemunhaoatualestadodoqueo
historiadorReinhardtKoselleckdenominaaceleração-indicadorinfalíveldeque
adiferençatemporalprogressivaentreexperiênciaeexpectativa,oprogresso,só
seconservaquando
continuamentemodificada3 .Nasseqüênciasdeimagens
múltiplasWarholsimulaexperiênciasacumuladas
queinstauram
certa
permanênciasemefetivar-senumaestruturaduradouranemtampouconuma
mudançadaaçãoinicial.Oartistadá-secontadonovotempoqueagoratemem
suamão4 ,um
tempocontabilizadoemunidadesque,combinadas,tornamvisível
determinadoaspectoda
diferençaentre
experiênciaeexpectativa.Tensão
antropologicamentepré-existente,na
modernidade
elaéconcebidacomo
separaçãoconscienteentreespaçodeexperiênciaehorizontedeexpectativaaser
constantementepreenchidapelaaçãohumana–taléanoçãomodernadotempo
histórico.Cadavezmaislarga,adiferençaentreexperiênciaeexpectativa,no
entanto,parecesedesconectardoassentamentodascondiçõesparapermitirquese
vivaeseaja.
Assim
Warholestabelecevisualmenteumaespéciededistensãoentre
expectativaeexperiênciacomoaexperiênciado
seulugar-melancolia:
duração/conceito-objetoquepermanecenasucessãoderetratoseauto-retratos
atravésdaexpectativaininterruptamentepreenchidapela“mesma”experiência.
Trata-sedamultiplicaçãoporzero,repetiçãodamesmaimagem
quedemonstra
umdéficitdeexistência,umaperdadequalidadedavivência,porassim
dizer,
consoantecomcertaestruturatemporal.Oque,comosabemos,significamenosa
mortedo
quejustamenteaqualidadeespecíficado
confrontowarholiano:
incômodapermanênciadeum
vazioqueexigeatomadadedecisãopornossa
3ParaKoselleck,aaceleraçãoéum
indicadorinfalíveldequeadiferençatemporalprogressiva
entreexperiênciaeexpectativa,oprogresso,sóseconservaquandocontinuamentemodificada
KOSELLECK,Reinhardt
.Fut
ures
Past.Op.cit.,p.269.
4Atravésdoexemplodorelógiodigital,Warholnãopodesermaisprecisoeconcreto:“Digital
clocksandwatchesreallyshow
methatthere’sanewtimeonmyhand.Andit’ssortof
frightening.Somebodyhasthoughtofanewwaytoshowtime,soIguesswewon’tbesayingone
‘o’clock’toomuchlonger,becausethat’s‘oftheclock’or‘bytheclock’andtherewon’tbeany
moreclocks:it’llbe‘onetime’insteadof‘oneo’clock’and‘three-thirtytime’and‘four-forty-
time’.”(PAW117)
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vida.Menosum
impacto,asensaçãoprovocadaéadeum
torporalerta,também
sentidocomaspolaroidsdecelebridades,fotografiasúnicasechapadas,comose
ambientadasemshoppingcenters,ondeamanutençãodaluz,datemperatura,do
some/oudocheiroanulaasvariáveisàsquaissomosnaturalmenteexpostos.
“Imersos”numaatmosferaplastic
andwhite,aquelesrostosnosafrontam,
mobilizando-nosnum
estranhoestadointelectualimaginativo.
Asensação,incômodaaoextremo,écomoqueprolongada,porexemplo,
novídeo“DialH-I-S-T-O-R-Y”5,deJohanGrimonprez.Colagemdedepoimentos
devítimaseseqüestradoresdeaviõesnosanos70/80,aobraéconduzidaporuma
narraçãofictícia,monocórdia,inspiradaemromancesdeDonDelillo,epelatrilha
demúsica-discodosanosoitenta.Aediçãodasimagens,corteseaceleraçãodas
seqüências,combinadaàediçãodosom,exigeumapercepçãoquealternaentreo
automatismodosreflexoscondicionadoseafruiçãocontemplativa.Amonótona
vozem
offreitera:osseqüestradorestomaram
olugardosescritores.Restam
agorasomenteosfragmentosdagrandeliteraturadopassado,eoenredodovídeo
-aincapacidadedalinguagem
dizeratotalidadedoreal–sedesenrolacomoa
própria
sucessão
dasimagensbalizadapeloritmoconstanteda
narração
monocórdiaque,numuníssonocomosomdisco,provocaumaaflição.Somos
entãodeixadosnumestadosimilaraodotorporalertawarholiano.
Seumanovaexperiênciaécriadapelapenetraçãodo
horizontede
expectativano
espaço
deexperiência(Koselleck),ainsistenteinvasãodo
inesperadocomoqueanulaessacriação.Longedereduzir-seaum
lamentopor
nossacondiçãonasociedadedoespetáculo,noentanto,ovídeotemcomoefeitoa
capacidadedenos(i)mobilizarnapoltrona.Disquehistória:conecte-secomo
eventofundamentaldasuaexistênciaperpetuamenteem
curso,enfrentesuas
condiçõesdepossibilidade-oqueseé,eoquesepodeviraser.Diantedoque
definitivamentenãopodesermudado,resistimos,porém,alinasaladecinema-e
foradela. (“DialH-I-S-T-O-R-Y”confirmouasensaçãodúbiadedesolamentoe
excitação,posteriormentequalificadacomomelancolia,queexperimenteiao
primeiroencontrocomWarhol.Assistidoem
2001,noCCBBdoRio,enquanto
euelaboravaoprojetodapresentetese,ovídeomepermitiure-vivenciaruma
5Estruturadoem
duaspartesde50minutos,ovídeo,elaboradonaBélgicaem
1995/7,foi
apresentadonaDocumentadeKasselsobaformadeinstalação.
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sensação
similaràquetivecomasobrasdo
artistanorte-americanono
KunstmuseumdeLucerne,em
1995–meuprimeirolugar-melancolia–eassim
confirmarotemadotrabalhoaserdesenvolvido).
Elessempredizemqueotempomudaascoisas,masvocêrealmentetem
quemudá-lasporvocêmesmo(PAW111).Aprincípioestranhaàhabitual
impassibilidadedeWarhol,afraseporelepronunciadaacabaporconfirmar,no
entanto,partedanaturezadúbiadanossaexperiênciacomsuasobras.Afinal,
comofoidiscutidoaolongodatese,éfundamentalmenteapartirdoaspecto
temporalqueoartistanospropõeum
confronto.Entreanegaçãoeaafirmação,
elenosmostraquearealidadesópodesermodificadaquandoseconcordacom
ela.Nasváriasexclamaçõesmonocórdias,porexemplo,oartistareconhecesua
impotênciadiantedoquedefinitivamentenãopodesermudado.E,justamentepor
incorporarsuaslimitaçõesaoseumétododetrabalho–anão-ediçãodeimagens–
eleresiste,passivo.Suaobranãoagride,desconcertajustamentepelacompleta
honestidadedesuaresistência.
Aíestásua“força”,praticamenteneutra,talcomonasupressãoda
exclamação,porexemplo,emtheworldisgreat-nãoapresentariaestasentença,
aliás,umaestruturalacunarpróximaàquelade“Iwouldprefernotto”de
Bartleby?GiorgioAgambenobservaqueafrasepronunciadapelopersonagemde
Melville
deixaem
abertoareferência,deslocaalinguagem
doregistroda
proposição,quepredicaalgodealgo,paraodoanúncio,quenãopredicanadade
nada.Bartlebyseinscreveria,assim,naestirpedosmensageiros,paraquem
a
linguagemseconverteempuroanúnciodesuapaixão.“Purificadodetodadoxa,
detodoparecersubjetivo,opathosépuroanúnciodoaparecer,exposiçãodoser
semalgumpredicado”6 .TalcomoWarhol,queincide,parafalarcomAgamben,
no“pontode
indiferençaentre
potênciaenão-potência”poética-pura
possibilidadecomoestratégiadeser-noespaçoculturalcontemporâneo.
Sobreessepontodeindiferençaentrepotênciaenão-potência,surgeo
lugar-melancolia,lugardesuspensãodaartequeindicaopassoparaumaoutra
formaartísticaapartirdaambigüidadedapotênciapoéticanocontextocultural
aberto,ecrescentementedominadopelaculturademassa.OperaçãoPoppor
excelência,talcomorealizadaporWarhol:umavezdistinguida,comohighart,
6AGAMBEN,Giorgio.B
artle
byo
dela
cont
ingê
ncia.Op.cit.,p.115.
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230
suapráticaartísticadeoutras,eleprecisaencontraroutrapráticaviável;anunciar
sua“aposentadoria”,talvez,comofezem1965,quandoaPopArtcomeçavaaser
seriamenteconsideradaporhistoriadoresdaarteemuseus.Em
grandefesta
realizadanaFactory,porocasiãodolançamentodolivro“PopArt”,deJohn
RublowskyeKenHeyman,Warholsevêcompletamentesatisfeito
comsua
decisãodeabandonaraartequandoobserva,aoseulado,umagarotaem
um
vestidoCourrègesdeplásticodizersuando,quevestiraquiloeracomosentarnua
numacadeira
decozinha.Elatinhaumacópiadolivroepediuqueeuo
autografasse.Conformeeu
folheava
aspáginaseolhava
asreproduções
coloridas,eumevicompletamentesatisfeitoportermeaposentado:osbásicos
enunciadosPoptinhamsidocompletamentecolocados7.
Aculturademassaétãosedutoraque,inevitavelmente,determinará
qualquernovaprática,eofaránãodeum
modoneutroeaberto,mas,ede
preferência,distorcendo,segundosuasprópriasregras,asqualidadespróprias
àquelaprática.Warholcompreendeuejogoucomissodetalmodoquesuaobra
dosanossessenta,valerepetir,longedesemostrardatada,pareceganharforça.
Trata-sedeum
cortante“atotímidomonossilábico”sobreolimiteentreocampo
autônomodaarteeasituaçãoculturaldemassa.
Desnecessáriorepetirocaráterinofensivodarevoluçãoazulouoaspecto
vagodaesculturasocial,háquesevoltarparaoíndicetransformadordessas
propostas.Semoferecerperigoouameaça,amarchadoBeuysdesarmadooua
silenciosaretiradadosquadrosporKleinsãotãolevesquantoasalmofadas
prateadasdeWarholqueflutuam
galeriaafora.Essasobras,entendidasem
suas
respectivastrajetóriasaovazio,conseguemdesconcertarporsuacontingência
absoluta,porsuacoragemedisponibilidadeparaassumirsuavulnerabilidade–
suaprópriapotênciadonão-ser,demodoarestituirapossibilidadequeasmantém
entre
oplenoacontecereonão-acontecer.Asresistênciasjogamcoma
possibilidadeindefinidadequeascoisaspodemserdiferentes,mesmosenãose
sabeexatamentecomo.
7WARHOL,Andy.
POPi
sm.Op.cit.,p.115.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210216/CA
1
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mas
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mes
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ão.
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uma
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, com
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udo
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ção,
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omem
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atra
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tino,
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ndon
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des
tino
traça
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, e d
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ma
cois
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4
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anen
tem
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s que
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s poé
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forç
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tal,
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s sin
gula
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um e
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ys s
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icad
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ssim
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to e
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cla
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trário
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med
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min
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Ele
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Por o
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arte
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hille
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Jam
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ys q
uest
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seu
indi
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mo
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rópr
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Paris
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e lin
guag
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lico
cont
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inte
rpre
taçõ
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Duc
ham
p, 2
002:
72).
Beu
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ue a
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va D
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eiro
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lvid
o um
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2001
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002:
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Beu
ys.
9
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997)
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5: 2
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003)
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sino
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o, já
que
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ia fa
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bém
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de
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daí,
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próp
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lico
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bém
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essa
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cipa
ção
e a
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le ta
mbé
m p
rodu
ziss
e su
a en
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a vi
tal.
O s
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ia fu
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“lu
gare
s”, o
u pr
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“ser
” no
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um
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ia v
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vés d
a m
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dos
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igos
val
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a
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não-
dete
rmin
ação
par
a a
dete
rmin
ação
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mov
imen
to q
ue re
ge a
hum
anid
ade
11
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mo
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po é
um
con
tinen
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cisa
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a de
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or d
á no
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as D
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ao se
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degg
er, 1
954:
198
-203
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seu
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o-bi
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fico,
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ys c
oloc
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u” ,
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o o
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em n
uma
rela
ção
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nte
com
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199
5:10
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Joyc
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ica
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, con
traria
ndo
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cias
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inan
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tura
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gles
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ara
inov
á-la
ou
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á-la
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ado.
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ellin
g qu
ando
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que
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ados
pod
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uma
futu
ra u
nião
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re a
poes
ia e
a fi
loso
fia a
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mito
” (B
rum
, 200
2:3)
. Só
que
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ys p
ropõ
e um
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itolo
gia
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ifica
ções
sing
ular
es, p
ara
cada
pes
soa.
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itolo
gia
dele
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sistia
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nov
as li
ngua
gens
, nov
os lu
gare
s, no
sen
tido
heid
egge
riano
que
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oxim
ava,
est
udan
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raiz
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pala
vra,
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once
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bita
r, o
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truir
luga
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Hei
degg
er, 2
002:
127)
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ys e
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es. A
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