apostila síntese autores de concursos

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CURSO PREPARATÓRIO PARA O CONCURSO DE PROFESSOR II DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO SUPLEMENTO GERAL. 1. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Documento Básico 2002. Brasília: MEC/INEP, 2002. 2. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998 3. CHALITA, Gabriel B. I. O poder de fogo da educação. In: Revista Fapesp, edição 85, março 2003. 4. Par. CNE/CEB n. º 17/2001 - Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial. 5. Del. CEE n. º 05/00 e Ind. CEE n.º 12/99 - Fixa normas para a educação de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na educação básica do sistema estadual de ensino. 6. Parecer CNE/CEB n.º 11/2000 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 7. Deliberação CEE n.º 09/2000 e Indicação CEE n.º 11/2000 - Estabelece diretrizes para a implementação, no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, dos cursos de Educação de Jovens e Adultos de níveis fundamental e médio, instalados ou autorizados pelo poder público 8. TAILLE, Yves de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, Júlio Groppa (org.). Indisciplina na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. 9. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Presença da pedagogia: teoria e prática da ação socioeducativa. (Capítulos II, V e X). São Paulo: Global, 1999. 10. FRANCO, Creso, FERNANDES, Cláudia e BONAMINO, Alícia. Avaliação na escola e avaliação da educação: possibilidades e desafios. In CANDAU, Vera Maria(org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 167-188. 11. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, violência e cotidiano escolar. In: Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 137-166 12. ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em escola reflexiva. (Capítulos 1, 2 e 4). Sã Paulo: Cortez, 2003. 1

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Page 1: Apostila síntese autores de concursos

CURSO PREPARATÓRIO PARA O CONCURSO DE PROFESSOR II DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SUPLEMENTO GERAL.

1. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Documento Básico 2002. Brasília: MEC/INEP, 2002.

2. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 19983. CHALITA, Gabriel B. I. O poder de fogo da educação. In: Revista Fapesp,

edição 85, março 2003.4. Par. CNE/CEB n. º 17/2001 - Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Especial.5. Del. CEE n. º 05/00 e Ind. CEE n.º 12/99 - Fixa normas para a educação

de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na educação básica do sistema estadual de ensino.6. Parecer CNE/CEB n.º 11/2000 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação de Jovens e Adultos.7. Deliberação CEE n.º 09/2000 e Indicação CEE n.º 11/2000 - Estabelece diretrizes para a implementação, no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, dos cursos de Educação de Jovens e Adultos de níveis fundamental e médio, instalados ou autorizados pelo poder público8. TAILLE, Yves de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO,

Júlio Groppa (org.). Indisciplina na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.

9. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Presença da pedagogia: teoria e prática da ação socioeducativa. (Capítulos II, V e X). São Paulo: Global, 1999.

10. FRANCO, Creso, FERNANDES, Cláudia e BONAMINO, Alícia. Avaliação na escola e avaliação da educação: possibilidades e desafios. In CANDAU, Vera Maria(org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 167-188.

11. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, violência e cotidiano escolar. In: Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 137-166 12. ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em escola reflexiva. (Capítulos 1,

2 e 4). Sã Paulo: Cortez, 2003.

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1. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Documento Básico 2002. Brasília: MEC/INEP, 2002.

IntroduçãoO presente documento descreve o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, instituído pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP, em 1998, para ser aplicado aos alunos concluintes e aos egressos deste nível de ensino. O ENEM será realizado anualmente, com o objetivo fundamental de avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania.

As tendências internacionais, tanto em realidades mais próximas da nossa como nas mais distantes, acentuam a importância da formação geral na educação básica, não só para a continuidade da vida acadêmica como, também, para uma atuação autônoma do sujeito na vida social, com destaque à sua inserção no mercado de trabalho, que se torna mais e mais competitivo. Esta formação deve ser compreendida como uma sólida aquisição dos conteúdos tradicionais das ciências e das artes associada ao desenvolvimento de estruturas capazes de operacionalizá-los no enfrentamento de problemas apresentados pela realidade social, cada vez mais complexa, e numa dinâmica de tempo progressivamente acelerada.

Esta rapidez com que as mudanças sociais se processam e alteram nossa vida cotidiana impõe um padrão mais elevado para a escolaridade básica, e o projeto pedagógico da escola deve objetivar o desenvolvimento de competências com as quais os alunos possam assimilar informações e utilizá-las em contextos adequados, interpretando códigos e linguagens e servindo-se dos conhecimentos adquiridos para a tomada de decisões autônomas e socialmente relevantes.

Estas premissas já estão delineadas na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que introduz profundas transformações no ensino médio, desvinculando-o do vestibular, ao flexibilizar os mecanismos de acesso ao ensino superior, e, principalmente, delineando o perfil de saída do aluno da escolaridade básica, ao estipular que o educando, ao final do ensino médio, demonstre:

“I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”

No âmbito dessas mudanças, a LDB determina, inclusive, que a União organize processo nacional de avaliação do rendimento escolar, para todos os níveis de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (art. 9º, VI).

É nessa perspectiva que o INEP vem realizando o ENEM, para o universo de alunos concluintes e de egressos deste nível de ensino.

Esse exame difere de outras avaliações já propostas pelo Ministério da Educação. Centra-se na avaliação de desempenho por competências e vincula-se a um conceito mais abrangente e estrutural da inteligência humana. O exame é constituído de uma prova única e abrange as várias áreas de conhecimento em que se organizam as atividades pedagógicas da escolaridade básica no Brasil.

Para estruturar o exame, concebeu-se uma matriz com a indicação de competências e habilidades associadas aos conteúdos do ensino fundamental e médio que são próprias ao sujeito na fase de desenvolvimento cognitivo, correspondente ao término da escolaridade básica. Tem como referência a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a Reforma do Ensino Médio, bem como os textos que sustentam sua organização curricular em Áreas de Conhecimento, e, ainda, as Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB.

A realização anual do ENEM junto aos alunos que completaram ou estão completando a escolaridade básica poderá fornecer uma imagem realista e sempre atualizada da educação no Brasil.

1. Objetivos

O ENEM será realizado anualmente, com o objetivo fundamental de avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania. Pretende, ainda, alcançar os seguintes objetivos específicos:

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a. oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder a sua auto-avaliação com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mercado de trabalho quanto em relação à continuidade de estudos;

b. estruturar uma avaliação da educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos processos de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho;

c. estruturar uma avaliação da educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes pós-médios e ao ensino superior.

2. Características do Exame

2.1. Inscrição

As inscrições serão realizadas em datas e locais a serem definidos, anualmente, em portaria do INEP.

As inscrições serão feitas por instituição contratada para este fim, devendo o interessado preencher corretamente a Ficha de Inscrição, responsabilizando-se pelas informações nelas fornecidas, e efetuar o pagamento da taxa de inscrição.

Para efetuar a inscrição, o interessado deverá portar documento de identidade e cópia do mesmo, para anexá-la à sua ficha de inscrição

Poderão ser aceitas inscrições coletivas patrocinadas por instituições públicas ou privadas, sendo vedado o patrocínio de empresas relacionadas à produção e comercialização de bebidas alcoólicas e/ou fumo. No caso de inscrição patrocinada, a instituição interessada:

I. solicitar à instituição contratada para realizar a inscrição formulários de inscrição ao exame em quantidade correspondente ao número de candidatos que desejar patrocinar; e

II. de posse dos formulários de inscrição, providenciar e responsabilizar-se pelo preenchimento dos mesmos por seus patrocinados e pelo pagamento do valor correspondente às taxas de inscrição dos candidatos que estiver patrocinando, junto à instituição contratada.

O portador de necessidades especiais, interessado em participar do ENEM, no ato da inscrição deverá, obrigatoriamente, declarar o tipo de necessidade a que se refere, sob pena de não ter atendimento apropriado.

Para o portador de necessidade especial amblíope ou cego, a instituição responsável pela aplicação do exame deverá preparar prova e atendimento especial. Aos amblíopes, serão oferecidas provas ampliadas com tamanho de letra correspondente ao corpo 24, e, aos cegos serão disponibilizadas provas em braile.

Aos portadores de deficiência física com séria dificuldade de locomoção, serão oferecidas salas de fácil acesso, e aos participantes incapazes de efetuar a marcação do cartão-resposta, será oferecido auxílio para transcrição.

2.2. Prova

O exame será constituído por uma prova única contendo 63 (sessenta e três) questões objetivas de múltipla escolha e uma proposta para redação. As questões objetivas e a redação destinam-se a avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos participantes ao longo da escolaridade básica, a partir de uma Matriz de Competências especialmente desenvolvida para estruturar o exame.

2.3. Data de Realização do Exame

O exame será realizado no último domingo de agosto, com início às 13 (treze) horas (horário de Brasília) e terá duração de 5 (cinco) horas.

Considerando o horário de Brasília-DF para todo o território Nacional, os portões de acesso aos locais de prova serão abertos às 12 (doze) horas e fechados às 13 (treze) horas impreterivelmente, não sendo permitida a entrada do inscrito que se apresentar após o horário estipulado. 2.4 Locais de Realização do Exame

O exame será realizado anualmente, com aplicação descentralizada das provas, nas capitais, no Distrito Federal e nos demais municípios que, a critério do MEC/INEP, ofereçam condições estratégicas para sua realização de modo a atender adequadamente às demandas do ensino médio e de seus egressos e dentro da estrutura de operacionalização possível, definida para o ENEM, em portaria.

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3. Participantes

O ENEM tem caráter voluntário e dele podem participar, mediante inscrição, os concluintes do ensino médio, no ano de realização do exame, e também os que já o concluíram em anos anteriores, em qualquer de suas modalidades. É direito do participante realizar o ENEM quantas vezes for de seu interesse.

4. Manual do Inscrito

O Manual do Inscrito será remetido ao endereço indicado na ficha de inscrição, juntamente com a confirmação da inscrição e conterá as informações gerais sobre o Exame, as competências e habilidades a serem avaliadas, os critérios de avaliação de desempenho do participante nas duas partes da prova, bem como o questionário socioeconômico com sua respectiva folha de respostas, apropriada para leitura ótica.

O inscrito no ENEM deverá responder ao questionário socioeconômico, parte integrante do Manual do Inscrito, que permitirá traçar o perfil dos participantes e também desenvolver estudos contextuais sobre os resultados anuais do Exame.

Todos os quesitos do Questionário Socioeconômico deverão ser respondidos na folha de resposta para este fim, que deverá ser entregue no dia e local de realização da prova.

5. Matriz de CompetênciasA Matriz de Competências foi desenvolvida para estruturar o ENEM, a fim de definir claramente seus

pressupostos e delinear suas características operacionais.

A Matriz foi construída por um grupo de profissionais da educação – especialistas em psicologia do desenvolvimento, pesquisadores e professores das diferentes áreas de conhecimento e especialistas em psicometria –, a partir de um projeto elaborado e coordenado pelo INEP.

A concepção de conhecimento subjacente a essa matriz pressupõe colaboração, complementaridade e integração entre os conteúdos das diversas áreas do conhecimento presentes nas propostas curriculares das escolas brasileiras de ensino fundamental e médio e considera que conhecer é construir e reconstruir significados continuamente, mediante o estabelecimento de relações de múltipla natureza, individuais e sociais.

O modelo da Matriz contempla a indicação das competências e habilidades gerais próprias do aluno, na fase de desenvolvimento cognitivo correspondente ao término da escolaridade básica, associadas aos conteúdos do ensino fundamental e médio, e considera, como referências norteadoras, o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os textos da Reforma do Ensino Médio e as Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB.

Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências.

A Matriz pressupõe, ainda, que a competência de ler, compreender, interpretar e produzir textos, no sentido amplo do termo, não se desenvolve unicamente na aprendizagem da Língua Portuguesa, mas em todas as áreas e disciplinas que estruturam as atividades pedagógicas na escola. O aluno deve, portanto, demonstrar, concomitantemente, possuir instrumental de comunicação e expressão adequado tanto para a compreensão de um problema matemático quanto para a descrição de um processo físico, químico ou biológico e, mesmo, para a percepção das transformações de espaço/tempo da história, da geografia e da literatura.

A partir das competências cognitivas globais, identificou-se o elenco de habilidades correspondentes, e a matriz assim construída fornece indicações do que se pretende valorizar nessa avaliação, servindo de orientação para a elaboração de questões que envolvam as diferentes áreas do conhecimento.

Busca-se, dessa maneira, verificar como o conhecimento assim construído pode ser efetivado pelo participante por meio da demonstração de sua autonomia de julgamento e de ação, de atitudes, valores e procedimentos diante de situações-problema que se aproximem o máximo possível das condições reais de convívio social e de trabalho individual e coletivo.

Todas as situações de avaliação estruturam-se de modo a verificar se o participante é capaz de ler e interpretar textos de linguagem verbal, visual (fotos, mapas, pinturas, gráficos, entre outros) e enunciados:

• identificando e selecionando informações centrais e periféricas;

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• inferindo informações, temas, assuntos, contextos;

• justificando a adequação da interpretação;

• compreendendo os elementos implícitos de construção do texto, como organização, estrutura, intencionalidade, assunto e tema;

• analisando os elementos constitutivos dos textos, de acordo com sua natureza, organização ou tipo;

• comparando os códigos e linguagens entre si, reelaborando, transformando e reescrevendo (resumos, paráfrases e relatos).

ENEM - COMPETÊNCIASI. Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e

científica.

II. Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

III. Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.

IV. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.

V. Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

ENEM – HABILIDADES1. Dada a descrição discursiva ou por ilustração de um experimento ou fenômeno, de natureza científica,

tecnológica ou social, identificar variáveis relevantes e selecionar os instrumentos necessários para realização ou interpretação do mesmo.

2. Em um gráfico cartesiano de variável socieconômica ou técnico-científica, identificar e analisar valores das variáveis, intervalos de crescimento ou decréscimo e taxas de variação.

Dada uma distribuição estatística de variável social, econômica, física, química ou biológica, traduzir e interpretar as informações disponíveis, ou reorganizá-las, objetivando interpolações ou extrapolações.

3. Dada uma situação-problema, apresentada em uma linguagem de determinada área de conhecimento, relacioná-la com sua formulação em outras linguagens ou vice-versa.

4. A partir da leitura de textos literários consagrados e de informações sobre concepções artísticas, estabelecer relações entre eles e seu contexto histórico, social, político ou cultural, inferindo as escolhas dos temas, gêneros discursivos e recursos expressivos dos autores.

5. Com base em um texto, analisar as funções da linguagem, identificar marcas de variantes lingüísticas de natureza sociocultural, regional, de registro ou de estilo, e explorar as relações entre as linguagens coloquial e formal.

6. Identificar e caraterizar a conservação e as transformações de energia em diferentes processos de sua geração e uso social, e comparar diferentes recursos e opções energéticas.

7. Analisar criticamente, de forma qualitativa ou quantitativa, as implicações ambientais, sociais e econômicas dos processos de utilização dos recursos naturais, materiais ou energéticos.

9. Compreender o significado e a importância da água e de seu ciclo para a manutenção da vida, em sua relação com condições socioambientais, sabendo quantificar variações de temperatura e mudanças de fase em processos naturais e de intervenção humana.

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9. Utilizar e interpretar diferentes escalas de tempo para situar e descrever transformações na atmosfera, biosfera, hidrosfera e litosfera, origem e evolução da vida, variações populacionais e modificações no espaço geográfico.

10. Diante da diversidade da vida, analisar, do ponto de vista biológico, físico ou químico, padrões comuns nas estruturas e nos processos que garantem a continuidade e a evolução dos seres vivos.

11. Analisar fatores socioeconômicos e ambientais associados ao desenvolvimento, às condições de vida e saúde de populações humanas, por meio da interpretação de diferentes indicadores.

12. Compreender o caráter sistêmico do planeta e reconhecer a importância da biodiversidade para preservação da vida, relacionando condições do meio e intervenção humana.

13. Diante da diversidade de formas geométricas planas e espaciais, presentes na natureza ou imaginadas, caracterizá-las por meio de propriedades, relacionar seus elementos, calcular comprimentos, áreas ou volumes, e utilizar o conhecimento geométrico para leitura, compreensão e ação sobre a realidade.

14. Reconhecer o caráter aleatório de fenômenos naturais ou não e utilizar em situações-problema processos de contagem, representação de freqüências relativas, construção de espaços amostrais, distribuição e cálculo de probabilidades.

15. Analisar, de forma qualitativa ou quantitativa, situações-problema referentes a perturbações ambientais, identificando fonte, transporte e destino dos poluentes, reconhecendo suas transformações; prever efeitos nos ecossistemas e no sistema produtivo e propor formas de intervenção para reduzir e controlar os efeitos da poluição ambiental.

16. Na obtenção e produção de materiais e de insumos energéticos, identificar etapas, calcular rendimentos, taxas e índices, e analisar implicações sociais, econômicas e ambientais.

17. Valorizar a diversidade dos patrimônios etnoculturais e artísticos, identificando-a em suas manifestações e representações em diferentes sociedades, épocas e lugares.

18. Confrontar interpretações diversas de situações ou fatos de natureza histórico-geográfica, técnico-científica, artístico-cultural ou do cotidiano, comparando diferentes pontos de vista, identificando os pressupostos de cada interpretação e analisando a validade dos argumentos utilizados.

19. Comparar processos de formação socioeconômica, relacionando-os com seu contexto histórico e geográfico.

20. Dado um conjunto de informações sobre uma realidade histórico-geográfica, contextualizar e ordenar os eventos registrados, compreendendo a importância dos fatores sociais, econômicos, políticos ou culturais.

6. Análise de Desempenho

O desempenho do participante será avaliado nas duas partes da prova (objetiva e redação), valendo 100 pontos cada uma delas. Esse desempenho será qualificado de acordo com as premissas teóricas da Matriz de Competências que se refere às possibilidades totais da cognição humana na fase de desenvolvimento próprio aos participantes do ENEM – jovens e adultos. Essa qualificação será expressa nas seguintes faixas de desempenho: insuficiente a regular, que corresponde às notas entre 0 a 40, inclusive; regular a bom, que corresponde às notas entre 40 a 70, inclusive; e de bom a excelente, que corresponde às notas entre 70 a 100.

6.1. Modelo de Análise de Desempenho na Parte Objetiva da Prova

A parte objetiva da prova será constituída de 63 (sessenta e três) questões de múltipla escolha de igual valor, avaliada numa escala de zero a 100 (cem) pontos, e gera uma nota global que corresponde à soma dos pontos atribuídos às questões acertadas.

As cinco competências que são avaliadas no ENEM na parte objetiva da prova expressam-se por meio de 21 habilidades. Cada uma das 21 habilidades será medida três vezes (três questões para cada habilidade).

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Page 7: Apostila síntese autores de concursos

A interpretação dessa nota global será estruturada a partir de cada uma das cinco competências, pelas relações estabelecidas com as respectivas habilidades e as questões a elas relacionadas, gerando também para cada competência, uma nota de 0 a 100, conforme modelo a seguir:

6.2. Modelo de análise de desempenho na Redação

A redação deverá ser estruturada na forma de texto em prosa do tipo dissertativo-argumentativo, a partir da proposta de um tema de ordem social, científica, cultural ou política.

Na redação, também serão avaliadas as cinco competências da Matriz do ENEM, referidas à produção de um texto. Cada uma das competências será avaliada numa escala de 0 a 100 pontos.

Caso o participante não desenvolva o tema e a estrutura solicitados, será atribuída a nota ZERO à competência II da redação, o que anula a correção das demais competências da redação. A nota global da redação, neste caso, será ZERO.

A nota global da redação será dada pela média aritmética das notas atribuídas a cada uma das cinco competências específicas da redação.

As cinco competências avaliadas na redação são as mesmas avaliadas na parte objetiva da prova, traduzidas para uma situação específica de produção de texto, conforme especificado a seguir.

Competências do ENEM

Parte Objetiva Redação

I. Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica.

I. Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita.

II. Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

II. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.

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123

11

18

1213

14

6

5

4

IICF

VEP

IVCA

IIISP

IDL

1

12

2

3

3

3

7

7

8

8

10

10

10

11

11

18

18

19

19

19

20

2120

21

2021

12

12

12

1313

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14

14

14

14

15

15

15

16

16

16

17

17

17

9 8

97

9

6

5

5

4

4

6

Competências:I. Dominar linguagens (DL)II. Compreender fenômenos (CF)III. Enfrentar situações-problema

(SP)IV. Construir argumentação (CA)V. Elaborar propostas (EP)

Habilidades: 1 a 21

Page 8: Apostila síntese autores de concursos

III. Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.

III. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.

IV. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.

IV. Demonstrar conhecimento dos mecanismos lingüísticos necessários para a construção da argumentação.

V. Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

V. Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

Na competência I, espera-se que o participante escolha o registro adequado a uma situação formal de produção de texto escrito. Na avaliação, serão considerados os fundamentos gramaticais do texto escrito, refletidos na utilização da norma culta em aspectos como: sintaxe de concordância, regência e colocação; pontuação; flexão; ortografia; e adequação de registro demonstrada, no desempenho lingüístico, de acordo com a situação formal de produção exigida.

O eixo da competência II reside na compreensão do tema que instaura uma problemática a respeito da qual se pede um texto escrito em prosa do tipo dissertativo-argumentativo em prosa. Por meio deste tipo de texto, analisam-se, interpretam-se e relacionam-se dados, informações e conceitos amplos, tendo-se em vista a construção de uma argumentação, em defesa de um ponto de vista.

Na competência III, procura-se avaliar como o participante, em uma situação formal de interlocução, seleciona, organiza, relaciona e interpreta os dados, informações e conceitos necessários para defender sua perspectiva sobre o tema proposto.

Na competência IV, avalia-se a utilização de recursos coesivos da modalidade escrita, com vistas à adequada articulação dos argumentos, fatos e opiniões selecionados para a defesa de um ponto de vista sobre o tema proposto. Serão considerados os mecanismos lingüísticos responsáveis pela construção da argumentação na superfície textual, tais como: coesão referencial; coesão lexical (sinônimos, hiperônimos, repetição, reiteração); e coesão gramatical (uso de conectivos, tempos verbais, pontuação, seqüência temporal, relações anafóricas, conectores intervocabulares, intersetenciais, interparágrafos).

Na competência V, verifica-se como o participante indicará as possíveis variáveis para solucionar a problemática desenvolvida, quais propostas de intervenção apresentou, qual a relação destas com o projeto desenvolvido sobre o tema proposto e a qualidade destas propostas, mais genéricas ou específicas, tendo por base a solidariedade humana e o respeito à diversidade de pontos de vista, eixos de uma sociedade democrática.

7. Resultados

7.1. Resultados Individuais

Os participantes do Exame receberão, no endereço indicado na Ficha de Inscrição, o Boletim Individual de Resultados.

No Boletim Individual de Resultados constarão duas notas, uma para a parte objetiva e outra para a redação e, ainda, uma interpretação dos resultados obtidos para cada uma das cinco competências avaliadas nas duas partes da prova, de acordo com o modelo estabelecido na Matriz de Competência do ENEM.

Os resultados individuais do ENEM não serão divulgados por meio de publicação ou instrumentos similares, podendo, todavia, as instituições neles interessadas–estabelecimentos de ensino pós-médio e superior e instituições do mercado de trabalho– a eles ter acesso desde que obtenham a autorização do participante.

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Page 9: Apostila síntese autores de concursos

O participante poderá autorizar a utilização de seus resultados obtidos no ENEM a todos os segmentos sociais que a ele interessar. O MEC/INEP deverá confirmar oficialmente estes resultados, quando acionado formalmente, desde que obtenham autorização formal do participante.

7.2. Resultados para as Instituições de Ensino Pós-Médio e Superior

As instituições de ensino pós-médio e superior que desejarem utilizar os resultados individuais do ENEM, como critério de seleção às suas vagas, deverão encaminhar formalmente ao MEC/INEP a sua solicitação.

Os participantes deverão fornecer o número de inscrição do ENEM às instituições, o que caracterizará sua autorização para uso de seus resultados.

As instituições de ensino pós-médio ou superior que desejarem utilizar os resultados individuais do ENEM deverão planejar a inscrição de seu processo seletivo de modo a atender às exigências cadastrais dos sistemas coletores de dados do MEC/INEP, principalmente no que se refere ao número de inscrição do ENEM (12 dígitos), pois sem o mesmo não será possível fornecer resultados.

As instituições que não dispuserem do número de inscrição dos participantes não receberão os resultados individuais dos mesmos.

7.3. Resultados para as Instituições de Ensino Médio

Resguardado o sigilo dos resultados individuais, o INEP poderá elaborar o Boletim de Resultados da Escola, com a análise de desempenho global do conjunto de concluintes do ensino médio da instituição de ensino interessada, desde que:

I. encaminhem ao MEC/INEP solicitação formal;

II. declarem formalmente que pelo menos 90% (noventa por cento) de seus alunos tenham participado do ENEM;

III. comprovem o recolhimento, em favor do INEP, no caso de instituições privadas, da importância de R$5,00 (cinco reais) por aluno. As instituições públicas estarão isentas do recolhimento dessa importância.

As instituições de ensino médio que não dispuserem do número de inscrição dos participantes não receberão o Boletim de Resultados da Escola, ainda que atendam às especificações acima.

O MEC/INEP não disponibilizará os resultados individuais dos participantes para as instituições de ensino médio.

Síntese da obraEste livro está a favor da educação, da Escola e da profissão docente. Diante daqueles que insistem que

a “escola seja um aparelho reprodutor do Estado”, ou que ressaltam a ignorância dos docentes porque não respondem a suas reformas, parte do princípio de que a Escola continua sendo a instituição que pode possibilitar à maior parte dos cidadãos, sobretudo aos mais desfavorecidos, melhores condições de vida.

È um convite à transgressão das amarras que impedem o indivíduo de pensar por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração em sala de aula, na escola e com a comunidade. Um convite a soltar a imaginação, a paixão e o risco para explorar novos caminhos que permitam que as escolas deixem de ser formadas por compartimentos fechados, horários fragmentados, arquipélagos de docentes e passem a converter-se numa comunidade de aprendizagem, onde a paixão pelo conhecimento seja a divisa, e a educação de melhores cidadãos, o horizonte ao qual se dirigir.

Introdução – Sobre limites, intenções, transgressões e desafios.As páginas deste livro respondem com entusiasmo à idéia de que a educação na Escola contribui para

a socialização dos indivíduos e para que possam ser melhores, pois entendemos que ela continua sendo a instituição que pode possibilitar à maior parte dos cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos, melhores condições de vida.

Inicialmente, o autor pretendia fazer a mudança da Escola, com a noção de projeto de trabalho utilizando o conceito de globalização do conhecimento, mas como a noção de globalização tomou significado ligado à economia, esse nome foi substituído por aprender para compreender .

O autor pretende propor uma proposta transgressora para a educação Escolar, sendo que o termo “transgressão” aparece como um aspecto que define a intenção de mudar.

As transgressões propostas são as seguintes:

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• em primeiro lugar transgredir a visão da educação Escolar baseada nos “conteúdos”, apresentados como “objetos” estáveis e universais e não como realidades socialmente construídas que, por sua vez, reconstroem-se nos intercâmbios de culturas e biografias que têm lugar em sala de aula;

• em segundo lugar pretende transgredir a visão da aprendizagem vinculada ao desenvolvimento e conhecida como construtivismo, pois ao explicar como são produzidos alguns aspectos da aprendizagem, ela reduz, simplifica e desvirtua a complexa instituição social que é a Escola;

• em terceiro lugar procura-se transgredir a visão do currículo centrado nas disciplinas, entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados e que oferecem ao aluno algumas formas de conhecimentos que nada têm a ver com os problemas dos saberes de fora da Escola;

• em quarto lugar a transgressão se dirige à Escola que desloca a necessidade dos alunos à etapa seguinte da Escolaridade, entendendo que a finalidade da infância é chegar à vida adulta e que o desenvolvimento da inteligência tem que chegar à etapa das operações formais;

• a quinta transgressão diz respeito à perda de autonomia no discurso dos docentes, à desvalorização dos seus conhecimentos e à sua substituição por discursos psicológicos, antropológicos ou sociológicos que pouco respondem ao que acontece no cotidiano da sala de aula.

• finalmente, a sexta transgressão diz respeito à incapacidade da Escola repensar-se de maneira permanente, de dialogar com as transformações que acontecem na sociedade, nos alunos e na própria educação.

Capítulo I – Um mapa para iniciar um percursoMinhas quietações e a minha experiência compartilhada com outros educadores, incluindo aí os

educadores da UFMG em 1997, começaram a gestar o caminho que me leva a abordar novos problemas e à necessidade de repensar a educação e a função da Escola.

Uma questão que me intrigou muito foi feita por alguns professores de uma escola de Barcelona: Estamos ajudando nossos alunos a globalizar, a estabelecer relações entre as diferentes matérias, a partir do que fazemos em sala de aula?

Tentar responder a esta questão nos levou a uma colaboração que durou 4 anos com questionamentos a partir de uma dupla perspectiva: a organização dos conhecimentos escolares no currículo da Escola e as concepções do ensino e da aprendizagem em aula.

A intuição mostra que, na Escola, produz-se o que Berstein denomina de ”processo de recontextualização”, o qual consiste na dexcontextualização do discurso científico de sua fonte original mediante a relação, simplificação, condensação e elaboração para que se transforme num “discurso instrucional”, que depois será convertido em “discurso regulador” na medida em que cria “uma ordem, una relação e uma entidade específicas”.

No processo que estou tentando reconstruir, também foram objeto de atenção os diferentes significados com que os professores dotavam sua prática, particularmente com respeito a duas noções:

a) a globalização, como perspectiva que trata de explorar as relações entre os problemas objeto de pesquisa em diferentes campos do conhecimento, e

b) a importância de saber interpretar como aprendem os alunos.Interessava comprovar que é possível organizar um currículo escolar não por disciplinas acadêmicas,

mas por temas e problemas nos quais os estudantes se sentissem envolvidos, aprendessem a pesquisar ( no sentido de propor-se uma pergunta problemática, procurar fontes de informação que oferecessem possíveis respostas) para depois aprender a selecioná-las, ordená-las, interpretá-las e tornar público o processo seguido.

Aprendi ao longo desse trabalho que as ideologias contidas nas reformas educacionais realizadas pela senhora Tatcher no ensino inglês , estabelecendo um currículo nacional em substituição ao planejamento de um currículo autônomo que cada escola tinha até então, favorecerem a homogeneização criando marcos curriculares mais estreitos e falsamente abertos, na medida em que introduzem na avaliação “nacional” dos conteúdos como prova de aprendizagem dos alunos.

Várias circunstâncias constituíram um grito de alerta sobre vários fatos que depois tiveram importância na minha forma de agir e interpretar os processos de reforma acontecidos nos últimos anos, assim como na minha atitude diante dos projetos de trabalho. Por um lado, intuí que as inovações educativas

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promovidas pelos professores nas escolas, quando são institucionalizadas e oficializadas podem chegar a cair na rotina. Também vislumbrei e agora vejo com mais clareza, que o dia que os projetos de trabalho acabarem por ser oficializados, convertendo-se numa prescrição administrativa, como parece que tentam algumas reformas educativas e perseguem as editoras de livros-texto, começarei a questioná-los, talvez olhe para outro lado, para evitar, com isso que se “coisifiquem”, como aconteceu com outras inovações educativas.

A importância dos nomesA proposta de projetos de trabalho, além de conectar-se com uma tradição educativa que tratava de

vincular o que se aprende na Escola com as preocupações dos alunos, as questões controversas (que refletem que não existe “uma” ou “a” interpretação dos fenômenos), os problemas que estabelece a realidade fora da escola e de fazer com que os alunos chegassem a ser protagonistas da aprendizagem, tinha presente a utilização que , em diferentes campos profissionais, fazia-se desse termo.

Diversos profissionais fazem de “projeto” um procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de dar forma a uma idéia que está no horizonte, mas que admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão contribuir para o processo.

Em nenhum momento os projetos de trabalho se apresentaram como uma recuperação de uma maneira de organizar os conhecimentos escolares. Sempre reconhecemos que, tanto em Educação quanto em qualquer campo do conhecimento, é necessário considerar o “lugar” de onde viemos, as idéias e as experiências que nos influenciam, não para copiá-las, mas sim para reinterpretá-las.

Nesta reflexão sobre a Escola e sua função levamos em conta que a problemática atual é diferente daquela que embasou as teorias educacionais do passado. Isto exigiu uma releitura crítica e interpretações alternativas das diferentes experiências estudadas

Do ponto de vista dessas diferenças foram levados em conta os seguintes aspectos:• Algumas

idéias educativas e alguns conhecimentos psicopedagógicos que destacavam a importância dos saberes e das experiências prévias e os processos dos alunos que assimilam o papel da transferência e da compreensão como indicadores da aprendizagem.

• A relação entre o currículo escolar e os problemas reais que são apresentados pelas disciplinas fora da Escola, nas Ciências, nas Humanidades ou nas Artes e nesses campos que não entram na seleção do currículo escolar, mas que permitem interpretar e abordar espaços de conhecimentos transdisciplinares e criar novos objetos de estudo. Campos relacionados com a construção as subjetividade, o estudo das transformações na sociedade e na natureza...

• O papel do diálogo pedagógico, da pesquisa e da crítica como atitude dirigida a favorecer a aprendizagem na aula, junto à postura ideológica de que a função da Escola não é encher a cabeça dos alunos de conteúdo, mas, sim, contribuir para formá-los para a cidadania e oferecer-lhes elementos para que tenham possibilidades de construir sua própria história, diante da que vem determinada pela sua condição de gênero, etnia, classe social ou situação econômica.

• A tentativa de procurar e organizar com os professores uma Educação para a compreensão que, naquele momento, queria dizer favorecer uma atitude globalizadora, que vinculasse a construção da subjetividade (dos docentes e dos alunos) com as interpretações do mundo oferecidas pelas áreas disciplinares, ou pelos temas e problemas em tono dos quais se organize o currículo.

È necessário ressaltar também o valor da indagação crítica como estratégia de conhecimento, uma vez que a incorporação à aula das indagações sobre problemas reais, próximos à preocupações e idéias dos alunos, enriquece sobremaneira o contexto curricular, e é o melhor caminho para ensinar a alguém a pensar (a aprender compreensivamente), uma vez que a pesquisa, permite observar o contexto social do qual procedem e analisar as diferentes estratégias ou percursos que possam tomar no momento de buscar versões dos fatos que lhe permitam interpretar a realidade.

Aprender para compreender e agirOutro componente fundamental do livro é a noção de Educação para a compreensão que se contrapõe

à noção de memorização ou repetição pelo aluno do que lhe é ensinado pelo professor. A Educação para a compreensão, organiza-se a partir de dois eixos que se relacionam: como se supõe que os alunos aprendem e a vinculação que esse processo de aprendizagem e a experiência da Escola têm em sua vida.

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Nesta perspectiva a educação escolar não é preparação para o futuro, mas sim um olhar para o presente do aluno com a sua experiências e as necessidades que têm em cada período escolar, pois o futuro é mutável e ninguém sabe como será. Um artigo publicado no jornal Liberation mostra que 90% dos conhecimentos que necessitarão os alunos que hoje estão na primeira série do Ensino Fundamental quando terminarem a educação básica(em 10 anos) ainda não foi produzido.

Por isso, o que os alunos aprendem não se pode organizar a partir de temários decididos por um grupo de especialistas disciplinares, mas, sim, a partir de conceitos ou idéias-chave que vão além das matérias escolares e que permitem explorá-las para aprender a descobri relações, interrogar-se sobre os significados das interpretações dos fatos e continuar aprendendo. Isso faz com que as disciplinas escolares não sejam um porto de chegada, mas uma referência, um farol que assinala uma costa para orientar-se numa exploração mais ampla e incerta.

Outra idéia que dá sentido à educação para a compreensão é a que propõe que aquilo que se aprende teve ter relação com a vida dos alunos e dos professores, ou seja, deve ser interessante para eles. Essa visão do conhecimento é uma forma de teoria ou ideologia para interpretar a realidade, que se encontra limitada, em boa parte, pela persistência do currículo acadêmico organizado por disciplinas.

È necessário questionar as representações únicas da realidade. Por que se considera uma determinada visão como natural? Por que se excluem outras interpretações da realidade? É preciso pois, questionar a idéia de verdade e de objetividade e as visões unilaterais que propõem um único ponto de vista como interpretação de um fenômeno.

Ensinar o aluno a interpretar os fatos seria a parte central de um currículo que, adota um enfoque para a compreensão, onde se tenta enfrentar o duplo desafio de ensinar os alunos a compreender as interpretações sobre os fenômenos da realidade, a tratar de compreender os “lugares” desde os quais se constróem e assim “compreender a si mesmos”.

Com tudo isso, o que se pretende é ampliar o “horizonte de conhecimento”, que no contexto da Escolas é tanto dos alunos como dos professores, sejam quais forem as bagagens individuais de cada um dos atores. Para continuar aprendendo é necessário um conhecimento prévio, mas sua natureza não precisa ser exclusivamente acadêmica, mas pode ser também do senso comum, fruto da experiência cotidiana ou relacionada a outros conhecimentos organizados, mas não necessariamente científicos.

Não se deve pois de fixar verdades sagradas, universais e estáveis, e sim tentar encontrar o que há por trás do que parece natural e nos coloca numa atitude de incerteza frente ao papel que as diferentes linguagens têm nas disciplinas, nas matérias, etc...

A investigação tem que ir além do reducionismo psicológico e disciplinar, pois é mais fácil escrever um livro baseado em formas fragmentárias de conhecimento, mas sob o rótulo do “rigor científico”, ou avaliar o aprendido mediante uma prova de respostas múltiplas, a aplicação de um algoritmo ou a contestação a uma pergunta cuja resposta única e verdadeira o docente ou o livro já tem, do que desenvolver materiais que ajudem a conectar a experiência individual dos estudantes com os conceitos e os problemas da pesquisa nas disciplinas, e desses com suas vida.

Quando as escolas organizam o currículo por projetos e a atividade docente de maneira diversificada , agrupando os alunos a partir dos temas ou problemas que vão pesquisar, faz com que os alunos vão aprendendo a organizar e orientar seu processo de aprendizagem em colaboração com o professor e com outros alunos.

Globalização, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade – Aprender a compreender e interpretar a realidade

Quando se fala de globalização faz-se do ponto de vista e de perspectivas diferentes, mas o eixo comum é a busca de relações entre as disciplinas no momento de enfrentar temas de estudo, podemos dizer que à conclusão que a noção e a prática da globalização ( que não é o mesmo que interdisciplinaridade) se situa em torno de pelo menos 3 eixos:

a) como forma de sabedoria, como um sentido do conhecimento que se baseia na busca de relações que ajude a compreender o mundo no qual vivemos a partir de uma dimensão de complexidade.

b) como referência epistemológica que restabelece “o pensamento atual como antropológico e histórico chave”, o que o leva a abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

c) como concepção do currículo que adota formas tão díspares como a que coloca a globalização na seqüência de programação desde a qual se podem relacionar conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, partindo da educação para a compreensão por meio dos projetos de trabalho.

Por isso tudo, chame-se globalização ou transdisciplinaridade o que se destaca das diferentes versões é que apontam outra maneira de representar o conhecimento escolar, baseada na interpretação da realidade,

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orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento disciplinar e transdisciplinar ( que não costuma coincidir com o das matérias escolares) vão elaborando.

Capítulo II – A transdisciplinaridade como marco para a organização de um currículo integradoNeste capítulo, o autor trata de revisar e questionar a “verdade sagrada” da organização do currículo

acadêmico a partir das disciplinas ou da sua transmutação em conhecimento escolar através das didáticas especiais, com a finalidade de abordar alguns problemas enfrentados pela Educação, principalmente dos pré-adolescentes, que parecer encontra-se numa difícil encruzilhada, devido à persistência em adotar a organização do currículo por disciplinas como resposta única às necessidades educativas de todos os alunos que cursam a educação básica, muitos dos quais êm dificuldades para conectar-se com essa organização acadêmica .

Uma das grandes dificuldades da Escola hoje, aprece com a extensão da escolaridade às grandes camadas populacionais, o que implica em ensinar para todos o que antes era ensinado para alguns poucos, num quadro que não tem a homogeneidade do passado, mas sim grande diversidade social, cultural e lingüística.

Procurando responder àqueles que acham que o currículo tradicional já não é necessário e nem responde às finalidades da educação básica em relação à vida contemporânea, vamos analisar uma série de “lugares” nos quais se podem localizar algumas referências necessárias às mudanças para repensar a Educação: nas formas de representar no presente; na organização dos saberes e na função da escola.

Uma situação social em processo de mudançaNos tempos atuais a sociedade pós-moderna manifesta a existência de uma nova consciência artística

e cultural, e a consciência de radicais transformações em nossa existência e em suas condições históricas que podem ser caracterizadas, entre outros aspectos, pelos abaixo:• A sociedade globalizada referente à questão da desregulação da economia.• A homogeneização das opções políticas e econômicas ditadas pelo FMI.• A transnacionalização e transculturização dos valores culturais pelos meios de comunicação.• As transformações no emprego exigindo flexibilidade, capacidade de adaptação e atitudes de colaboração.• A progressão geométrica no volume de produção da informação que faz com o excesso dela mude as nossas cabeças;• A primazia do imperativo tecnológico como fator determinante e essencial para a evolução da humanidade.• A necessidade de um processo permanente de aprender sempre, não só durante a escolarização, mas também durante a vida.

Estes aspectos trazem para a Escola uma série de desafios que terá que responder, entre os quais destacamos: a necessidade de selecionar e estabelecer critérios de avaliação; decidir o que aprender, como e para quê; prestar atenção ao internacionalismo, e o que traz consigo de valores de respeito, solidariedade e tolerância; o desenvolvimento das capacidades cognitivas de ordem superior: pessoais e sociais e saber interpretar as opções ideológicas e de configuração do mundo.

A transdiciplinaridadeNa prática da pesquisa em Ciências e na tecnologia, poderemos notar que há uma crescente

aproximação transdisciplinar no momento da organização dos grupos e projetos de pesquisa. A transdisciplinaridade se caracteriza pela definição de um dos fenômenos de pesquisa que requer: a formulação explícita de uma terminologia compartilhada por várias disciplinas e uma metodologia compartilhada que transcende as tradições de campos de estudo que tenham sido concebidas de maneira fechada. Gera-se então a cooperação, a qual se dirige para a resolução de problemas, criando a transdisciplinaridade pela construção de um novo modelo de aproximação da realidade do fenômeno que é estudado.

Uma concepção transdisciplinar do conhecimento deve fazer referência a um marco global de trabalho que guia os esforços de resolução de problemas dos diferentes indivíduos; tem a ver com o fato de que a solução de um problema compreende, ao mesmo tempo, conhecimentos empíricos e teóricos; tem a ver com a comunicação dos resultados que procura estar vinculada ao processo de produção e aos agentes participantes e com a característica do problema que é móvel, dúctil, inclusive instável.

Levando em conta essas características, deveria aperfeiçoar-se uma organização do ensino na Escola bastante diferente da que acontece na atualidade. Ao mesmo tempo que parece possível estabelecer um paralelismo entre o planejamento transdisciplinar na pesquisa e no ensino da interpretação num currículo integrado.

Uma proposta para começar a abordar a perspectiva transdisciplinar em educação deveria começar a perguntar-se sobre o por quê de terminadas disciplinas e, não outras, estarem no currículo; com que função as disciplinas entraram no currículo.

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A necessidade de enfrentar a mudança da EscolaParece que existem muitos sinais de mudança na sociedade e nos saberes a que a Escola parece

resistir em responder. Cabe-nos perguntar “em que direção deveriam ir os caminhos na educação escolar?Estudos da UNESCO mostram que a educação escolar, se encontra em meio a uma série de tensões

que é preciso superar: “entre o global e o local, o espiritual e o material, o universal e o particular, a tradição e a modernidade, o lago e o curto prazo, o desenvolvimento dos conhecimentos e de sua capacidade de assimilação, a necessidade de compartilhar e o princípio de igualdade de oportunidades”.

A rápida mutação da economia e da técnica torna inútil a formação orientada exclusivamente para a formação profissional, já que a evolução dos conhecimentos e das técnicas e a própria transformação das empresas torna rapidamente obsoleto o seu conteúdo. Diante disso o papel do sistema educativo consistiria em ajudar cada aluno a adquirir uma série de sabres e competências gerais básicas, inculcar-lhes a capacidade de adaptar-se às mudanças e, sobretudo, a aptidão, o gosto por aprender e reaprender a vida toda.

Estas constatações vindas de fora da escola apontam na mesma direção das nossas preocupações ao escrever este livro: precisamos de uma escola que forme indivíduos com uma visão mais global da realidade, que vincule a aprendizagem a situações e problemas reais, que trabalhe a partir da pluralidade e da diversidade, preparando para aprender toda vida...

É preciso pois repensar o saber escolar pois, o que se ensina hoje na escola já está filtrado e selecionado, e pode estar longe do que preocupa as disciplinas a que se faz referência, ou aos problemas que os distintos saberes se propõem na atualidade, isto sem falar da distância entre o currículo escolar e o mundo cultural das crianças e dos adolescentes.

Trabalhando de forma tradicional muitas vezes nos parece muito valioso o que fazemos, porque os alunos participam, ativamente, mas o que aprendem com isso? O que aprendem deles mesmos e do mundo que os rodeia? Onde situar a complexidade compreensiva nas diferentes atividades que realizam? A essas e outras perguntas tratamos de dar respostas quando desenvolvemos um projeto de trabalho.

O currículo integrado como marco Frente à experiência fragmentada que possibilita a formação atual dos estudantes, o denominado

currículo integrado pretende organizar os conhecimentos escolares a partir de grandes temas-problemas que permitem não só explorar campos de saber tradicionalmente fora da escola, mas também ensinar aos alunos uma série de estratégias de busca, ordenação, análise, interpretação e representação da informação, que lhes permitirá explorar outros temas e questões de forma mais ou menos autônoma

O CURRÍCULO INTEGRADO DE CARÁTER DISCIPLINARArgumentos contra Argumentos a favor

A integração das várias matérias numa só lição leva a redução dos conteúdos

Consegue-se um maior envolvimento dos alunos.

Há limitações dos professores no momento de ensinar o currículo integrado de Ciências e História, por exemplo.

Favorece a organização escolar pois os alunos não ficam expostos às interrupções de aulas.

Há desperdício de tempo. Evita a repetição de temas e conceitos.Exige uma maior dedicação dos professores Há comunicação e intercâmbio entre os professores o

que contribui para a melhoria da qualidade do ensinoO tempo de preparação toma muito tempo dos professores diminuindo o acompanhamento da aprendizagem do alunoFalta ordem para a compreensão das diferentes disciplinas

A finalidade da organização dos conhecimentos em experiências substantivas de aprendizagem num

currículo integrado não é favorecer a capacidade de aprender conteúdos de maneira fragmentada, e sim interpretar os conhecimentos que se encontram nessas experiências.

Interpretar é decifrar. Significa decompor um objeto em seu processo produtivo, descobrir sua coerência e outorgar aos elementos e às fases obtidas significados intencionais, sem perder nunca de vista a totalidade que se interpreta. Interpretar significa ainda interessar-se pelas diferentes versões dos fenômenos, por suas origens e pela busca das forças que criaram suas interpretações. Todo esse processo leva a uma grande discussão cultural que deve ser o eixo de um currículo transdisciplinar.

Diferenças entre o currículo disciplinar e transdisciplinar

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Centrado nas matérias Problemas trandisciplinaresConceitos disciplinares Temas ou problemasObjetivos e metas curriculares Perguntas, pesquisaConhecimento canônico ou estandardizado Conhecimento construídoUnidades centradas em conceitos disciplinares Unidades centradas em temas ou problemasLições ProjetosEstudo individual Grupos pequenos que trabalham por projetosLivros-texto Fontes diversasCentrado na Escola Centrado no mundo real e na comunidadeO conhecimento tem sentido por si mesmo O conhecimento em função da pesquisaAvaliação mediante provas A avaliação mediante portfólios, transferênciasO professor como especialista O professor como facilitador

Elfand oferece uma alternativa para levar à prática o currículo transdisciplinar baseado na noção de “rede” e centrado na exploração de idéias chaves e diferente da noção de currículo em espiral defendida por Bruner. As idéias-chave seriam estações de conexão entre as diferentes disciplinas, servindo de linhas de transporte metropolitano, as quais seriam os temas objeto de pesquisa dos alunos. Depois de explorar cada projeto de trabalho ou tema de pesquisa, ele será transcrito pelo professor para ordenar o que os alunos possam ter aprendido, vinculá-lo ao currículo da Escola e dialogar com os critérios do currículo básico que exista no país.

Levar em conta uma perspectiva transdisciplinar do saber na organização do currículo implica que os alunos possam aprender, entre outras, as seguintes estratégias de interpretação:

a) questionar toda forma de pensamento único, o que significa introduzir a suspeita e questionar a realidade baseada em verdades estáveis e objetivas;

b) reconhecer, diante de qualquer fenômeno que se estude, as concepções que o regem, a realidade que representam e as representações que tratam de influir nela;

c) incorporar uma visão crítica que leve a perguntar-se a quem beneficia essa visão dos fatos e a quem marginaliza;

d) introduzir, diante de qualquer fenômeno, opiniões diferenciadas, de maneira que o aluno comprove que a realidade se constrói a partir de pontos de vista diferentes e que alguns se impõem diante de outrem=s, nem sempre pela força dos argumentos, mas também pelo poder de quem os estabelece;

e) colocar-se na perspectiva de um “certo relativismo” no sentido de que toda realidade responde a uma interpretação, e que as interpretações não são inocentes, objetivas, nem científicas, e sim interessadas, pois amparam e vinculam visões do mundo e da realidade que estão conectadas a inetresses que quase sempre têm a ver com a estabilidade de um status quo e com a hegemonia de certos grupos.

A opção pela transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado é uma possibilidade diante da situação de incerteza e desconcerto de muitos docentes para responder à mudança que hoje têm lugar na sociedade, os saberes, os alunos e a própria educação escolar. Mas há outras possibilidades. Que tudo continue como está, com o que se continuaria favorecendo a exclusão de muitas crianças e adolescentes que não se adaptam à atual concepção da Escola.Ou, como já se ouve em algumas vozes, que se volte ao ensino tradicional, centrado nas formas reprodutoras, baseadas na informação estável e de caráter universal que o professorado transmite aos alunos.

A transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado implica criar novos objetos de conhecimento para fazer do conhecimento algo efetivo que permita continuar aprendendo e converta, de novo, a atividade do ensino numa aventura social e intelectual. Os projetos de trabalho podem servir como facilitadores dessa travessia.

Capítulo III – Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da EscolaOs projetos de trabalho constituem um lugar, entendido em sua dimensão simbólica, que pode

permitir:a) Aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da subjetividade, longe de um

prisma paternalista, gerencial ou psicologista, o que implica considerar que a função da Escola NÃO é apenas ensinar conteúdos, nem vincular instrução com aprendizagem.

b) Revisar a organização do currículo por disciplinas e a maneira de situá-lo no tempo e no espaço escolares, através de uma proposta que não seja uma representação do conhecimento fragmentada, distanciada dos problemas que os alunos vivem e necessitam responder em suas vias, mas, sim solução de continuidade.

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c) Levar em conta o que acontece fora da Escola, nas transformações sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracteriza a sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira critica com todos esses fenômenos.

É muito importante que se tenha um ponto de partida. A Escola e o mundo mudaram e qualquer que seja a teoria educacional com que se quer trabalhar, ela precisa ser atualizada par os novos tempos em que vivemos, pois a realidade e os problemas para os quais se trata de dar resposta não coincidem, agora, com os que enfrentavam Dewey no inicio do século 20, Bruner nos anos 60,

Os projetos de trabalho supõem um enfoque de ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educativas na Escola, para dar resposta às mudanças sócias que se produzem nos alunos de hoje e na função da educação, e não readaptar uma proposta do passado e atualizá-la.

É preciso mudar a escola porque os tempos estão mudando. A cada dia se guardam aproximadamente 20 milhões de informações técnicas, e um leitor é capaz de ler 1.000 palavras por minuto e que necessitaria de um mês e meio, lendo 8 horas por dia, para poder ler a informação recolhida num só dia.

A edição do fim de semana do New York Times contém mais informação do que aquela a qual uma pessoa média poderia ter acesso ao longo de sua vida na Inglaterra no século XVII, o que leva a estabelecer como prioridade ensinar a interpretar a informação e relaciona-la criticamente com outras fontes.

Os projetos e seus significados na história da escolaridadeVamos estudar as diferenças existentes entre as práticas atuais dos projetos e as que foram propostas

em outras épocas. A Escola e as práticas educativas fazem parte de um sistema de concepções e valores culturais que faz com que determinadas propostas tenham êxito quando se conectam com algumas das necessidades educacionais e educativas.

Nos anos 20 o método de projetos foi utilizado para aproximar a Escola da Vida diária, visando que o aluno não sentisse diferença entre a vida exterior e a vida escola, e por isso os projetos devem estar próximos à vida, conforme dizia Fernando Sainz em 1931.

No início do século 20 Dewey e outros autores esboçaram algumas idéias que sustentam a primeira versão dos projetos: partir de uma situação problemática; levar adiante um processo vinculado ao mundo exterior ã Escola e oferecer uma alternativa ã fragmentação das matérias.

Dewey denominou de operações construtivas àquilo que foi ganhando espaço em sala de aula e tornaram-se conhecidos por projetos. Elas devem possuir quatro condições: a) o interesse do aluno, ainda que seja fundamental, não basta, se não se define que tipo de objetivo e atividade contém; b) atividade que deve ter algum valor intrínseco, excluindo-se as atividades meramente triviais; c) apresentam problemas que despertam a curiosidade dos alunos; d) deve-se contar com uma considerável margem de tempo.

A partir desses princípios, e seguindo Dewey, o Método dos Projetos não é uma sucessão de atos desconexos, e sim uma atividade coerentemente ordenada, na qual um passo prepara a necessidade do seguinte, e na qual cada um deles,se acrescenta ao que já se fez e o transcende de um modo cumulativo.

Desde seu início considera-se que não há uma única maneira de realizar o Método dos Projetos, mas algumas possibilidades são colocadas: a) globais, nas quais se fundem todas as matérias desenvolvendo projetos complexos em torno de núcleos temáticos como a família, as lojas, as cidades; b)por atividades: de jogo, para adquirir experiência social e na natureza e com finalidade ética; c)por matérias vinculadas às disciplinas escolares; d)de caráter sintético. Fala-se também de projetos simples e complexos, relacionados com as matérias ou com a experiência próxima, breves ou extensos.

Nos anos 60, Bruner estabeleceu que o ensino deveria centra-se em facilitar o desenvolvimento de conceitos-chave a partir da estrutura das disciplinas e que os projetos ou o trabalho por temas constituiriam uma alternativa para abordar essa proposta na sala de aula.Essa visão dá ênfase a “que” ensinar e situa os projetos num currículo interdisciplinar, dado que é possível verificar que várias disciplinas tem pontos chaves em comum. Bruner desenvolveu também a idéia do Currículo em Espiral, que diz que o primeiro encontro dos alunos com as idéias-chave se realiza de uma maneira primitiva e depois durante a escolaridade vai sendo abordado de maneira cada vez mais complexa.

Estas idéias atraíram o interesse de muitos educadores, pois indicavam que a aprendizagem nas primeiras idades prepara para a aprendizagem posterior o que significava uma mudança importante na consideração cumulativa do currículo e no que se podia ensinar no Ensino Fundamental. Propugnavam ainda que qualquer matéria podia ser ensinada de maneira efetiva em qualquer etapa de desenvolvimento, implicando uma revolução nas concepções tanto do aluno como aprendiz como dos conteúdos de ensino. Enfatizava a organização do currículo a partir de idéias chave e estruturas das disciplinas, levando em conta a maneira de representar essas idéias partindo de uma perspectiva de desenvolvimento.

Nos anos 80, dois fenômenos se destacam por sua influência na educação escolar. O impacto da denominada revolução cognitiva na forma de entender o ensino e a aprendizagem e as mudanças sobre o

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conhecimento e o saber derivado das novas tecnologias de armazenamento, tratamento e distribuição da informação.

Esses dois fatos, aliados ao controle da economia pelos mercados financeiros e as mudanças das relações no mundo do trabalho acarretaram mudanças na educação escolar e explicam porque os projetos voltam a ser objeto de interesse.

A perspectiva que teve maior eco foi marcada pela relevância da visão construtivista sobre a aprendizagem, e em particular a idéia de que o conhecimento existente na aprendizagem exerce uma poderosa influência em como se adquire um novo conhecimento. Um segundo aspecto diz respeito a importância que se dá ao contexto de aprendizagem e a situar os conteúdos em relação à cultura na qual deverá ser utilizado.

Por último é necessário destacar o papel que têm hoje as estruturas metacognitivas como forma de pensar sobre o planejamento, organização e pesquisa sobre a informação, e como reelaboração das decisões e das ações consideradas importantes no processo de aprendizagem dos alunos.

Tudo isto faz com que o conteúdo das disciplinas necessite ser configurado e apresentado por meio de uma variedade de linguagens(verbal,escrita,gráfica e audiovisual) para abrir aos estudantes os processos de pensamento de ordem superior necessários para que compreendam e apliquem o conhecimento a outras realidades.

A necessidade de abordar a complexidade do conhecimento escolarAlgumas das visões anteriormente apresentadas estão relacionadas com a revisão do sentido do saber

escolar e destacam a importância da compreensão da realidade pessoal e cultural por parte de professores e alunos.

Com os projetos de trabalho pretende-se: a) estabelecer as forma de “pensamento atual como problema antropológico chave”; b) dar um sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais que nos ajude a compreender melhor a complexidade do mundo em que vivemos e planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

Por tudo isso, os projetos de trabalho e a visão educativa a qual se vinculam convidam a repensar a natureza da Escola e do trabalho escolar, pois requerem uma organização da classe mais complexa, uma maior compreensão dos temas em que os alunos trabalham, o que faz com que o docente atue mais como guia do que como autoridades.

Os projetos de trabalho podem contribuir para que os estudantes adquiram as capacidades relacionadas com:

- a autodireção: pois favorece as iniciativas para levar adiante, por si mesmo e com outros, tarefas de pesquisa;

- a inventiva – mediante a utilização criativa de recursos, métodos e explicações alternativas;- a formulação e resolução de problemas, diagnóstico de situações e o desenvolvimento de estratégias

analíticas e avaliativas;- a integração, pois favorece a síntese de idéias, experiências e informação de diferentes fontes e

disciplinas;- a tomada de decisões, já que será decidido o que é relevante e o que se vai incluir no projeto;- a comunicação interpessoal, posto que se deverá contrastar, as próprias opiniões e pontos de vista

com outros, e tornar-se responsável por elas.A psicologia cognitiva de caráter construtivista trata de compreender as funções mentais de ordem

superior em termos de processo e construção simbólica. Essas funções desempenham um papel estratégico em como a mente se relaciona com a informação e em como, mediante processos de interação social, vai transformando em conhecimento pessoal.

A influência de Vigotsky é fundamental nesse planejamento, na medida em que esse autor destacou a importância das relações sociais no desenvolvimento das atividades mentais complexas e o papel que os marcos de internalização, de transferência e da zona de desenvolvimento proximal ocupam no processo de construção do conhecimento.

Prawat indica que ao avaliar o processo de aprendizagem de um indivíduo deve ser levado em conta o conhecimento base que possui, as estratégias que utiliza para aprender e a sua disposição para a aprendizagem. O mesmo autor estabelece uma distinção entre uma visão do construtivismo como “resolução prática de problemas”e uma visão centrada na “problematização” como ponto de arrancada para organizar e compreender as possibilidades de cada situação de ensino e aprendizagem.

Diferente das visões cognitivas que dão ênfase ao produto final, isto é, na assimilação da informação de maneira eficaz, a proposta de Prawat ressalta a importância do processo de acomodação do conhecimento à situação problemática proposta.Nessa perspectiva o papel das idéias chaves torna-se essencial para possibilitar uma situação de aprendizagem.

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A perspectiva da compreensão entende que o aluno entra num processo de construção do significado sobre o qual pode aprender, que vai além da situação concreta e que se instaura como atitude frente à aprendizagem. O papel do professor é o de intérprete desse processo e de facilitador de novas experiências que levem os alunos a outras situações e problemas.

Para que isto aconteça, os projetos de trabalho devem deixar de ser considerados como métodos, pois não se limitam à aplicação de uma fórmula e de uma série de regras e eles não podem ser considerados como método porque: a)não há uma seqüência única e geral para todos os projetos; b)o desenvolvimento de um projeto não é linear nem previsível; c)o professor também pesquisa e aprende; d)não pode ser repetido; e)choca-se com a idéia de que se deva começar do mais fácil para o mais difícil; f)questiona a idéia de que se deve começar pelo mais próximo( a casa, o bairro,etc), da mesma maneira que já não se ensinam primeiro as vogais, depois as consoantes, as sílabas, as palavras a frase; g)questiona a idéia de que se deva ir pouco a pouco para não criar lacunas de aprendizagem; h)questiona a idéia de que se deva ensinar das partes ao todo, e que, com o tempo o aluno estabelecerá relações.

Ao falar de projetos de trabalho o autor está interessado no ensino para a compreensão e na mudança da escola, para favorecer a compreensão dos alunos de si mesmos e do mundo que lhes rodeia. Na cultura contemporânea, uma questão fundamental para que um indivíduo possa compreender o mundo em que vive é que saiba como ter acesso, analisar e interpretar a informação. Na educação escolar supõe-se que se deva facilitar esse aproveitamento, num processo que começa, mas nunca termina, pois sempre podemos ter acesso a formas mais complexas de dar significado à informação.

Ensinar mediante projetos não é fazer projetosNeste ponto podemos que os projetos de trabalho fazem parte de uma tradição na escola que busca

estabelecer uma pesquisa de realidade e trabalho ativo par ao aluno, mas não se pode confundi-lo com Unidade Didática, Centro de Interesse ou Estudo do Meio.

O que têm em comum os projetos de trabalho com outras estratégias de ensino:• Vão além dos limites curriculares ( tanto das áreas como dos conteúdos)• Implicam a realização de atividades práticas.• Os temas selecionados são apropriados aos interesses e ao estágio de desenvolvimento dos alunos.• São realizadas experiências de primeira mão como visitas, presença de convidados na sala de aula, etc.• Deve ser feito algum tipo de pesquisa.• Necessita-se trabalhar estratégias de busca, ordenação e estudo de diferentes fontes de informação.• Implicam atividades individuais, grupais e de classe, em relação com as diferentes habilidades e conceitos que são aprendidos.Todas as características acima elencadas, de uma maneira ou de outra estão presentes nessas

modalidades de ensino, porque se encontram numa tradição educativa que recolhe propostas da Escola Nova e estão relacionadas com o papel da atividade e do estudo do próximo, vinculando-se a Dewey e a Bruner.

Hernandez diz que a existência de uma seqüência de passos conforme abaixo é uma primeira condição para a caracterização de um projeto de trabalho:

• Parte-se de um tema ou de um problema negociado com a turma.• Inicia-se um processo de pesquisa.• Buscam-se e selecionam-se as fontes de informação.• Estabelecem-se critérios de ordenação e de interpretação dos fatos.• Estabelecem-se relações com outros problemas.

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•Representa-se o processo de elaboração do conhecimento que foi seguido.• Recapitula-se (avalia-se) o que se aprendeu.• Conecta-se com um novo tem a ou problema.

O que aparece como distintivo, nessa hipotética seqüência, é que a aprendizagem e o ensino se realizam mediante um percurso que nunca é fixo, mas serve de fio condutor para a atuação dos docentes em relação aos alunos. Apresentamos abaixo algumas característica do que não é um projeto de trabalho:

1. Um percurso descrito por um tema. 2. Uma representação do que sabe o professor que é protagonista das decisões sobre a informação e que é o único que encarna a verdade do saber.3. Um percurso expositivo sem problemas e sem um fio condutor.4. Uma apresentação linear de um tema, baseada numa seqüência estável e única de passos e, vinculada a uma tipologia de informação.5. Uma atividade na qual o docente dá as respostas sobre o que já sabe.6. Pensar que os alunos devam aprender o que queremos ensinar-lhes.7. Uma representação de matérias escolares.8. Converter em matérias de estudo o que nossos alunos gostam e o que lhes apetece.

As principais características do que poderia ser um projeto de trabalho são as seguintes:1. Um

percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação crítica (como contraste de pontos de vista).

2. Onde predomina a atitude de cooperação, e o professor é um aprendiz, e não um especialista (pois ajuda a aprender sobre temas que irá estudar com os alunos).

3. Um percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a idéia de uma versão única da realidade.

4. Cada percurso é singular, e se trabalha com diferentes tipos de informação.

5. O docente ensina a escutar; do que os outros dizem, também podemos aprender.

6. Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos se aprenderão isso ou outras coisas).

7. Uma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.

8. Uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem aprender, se encontrarem o lugar para isso.

9. Por isso, não se esquece que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade manual e à intuição é uma forma de aprendizagem. Para insistir em que não se trata de uma metodologia didática, e sim de uma maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão, gostaria de apontar algumas de suas implicações. Nessa maneira de conceber a educação, os estudantes participam num processo de pesquisa que tem sentido para eles e elas (não porque seja fácil ou porque gostem dele) e em que utilizam diferentes estratégias de pesquisa; podem participar no processo de planejamento da própria aprendizagem e são ajudados a serem flexíveis, reconhecer o outro e compreender seu próprio entorno pessoal e cultural.

A finalidade do ensino é promover, nos alunos, a compreensão dos problemas que investigam. Compreender é ser capaz de ir além da informação dada, é poder reconhecer as diferentes versões de um fato e buscar implicações além de propor hipóteses sobre as conseqüências dessa pluralidade de pontos de vista.

Como acontecia anteriormente os projetos de trabalho não são uma fórmula perfeita que se adapta a todas as ideologias, necessidades e trajetórias profissionais, mas é importante ressaltar que eles implicam um olhar diferente sobre o aluno, sobre o seu próprio trabalho e sobre o rendimento escolar.

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Constituem um planejamento de ensino e aprendizagem vinculado a uma concepção de escolaridade em que se dá importância não só à aquisição de estratégias cognitivas de ordem superior, mas também ao papel do estudante como responsável por sua própria aprendizagem. Significa enfrentar o planejamento e a solução de problemas reais e oferece a possibilidade de investigar um tema partindo de um enfoque relacional que vincula idéias-chave e metodologias de diferentes disciplinas.

Uma pequena recapitulaçãoRecapitulando, podemos ver que os projetos de trabalho se apresentam não como um método ou uma

pedagogia, mas sim como uma concepção da educação e da Escola que leva em conta:• A abertura

para os conhecimentos e problemas que circulam fora da sala de aula e que vão além do currículo básico.• A

importância da relação com a informação que, na atualidade, se produz e circula de maneira diferente da que acontecia em épocas recentes; os problemas que estudam os saberes organizados; o contraste dos pontos de vista e a idéia de que a realidade não é senão para o sistema ou para uma pessoa que a defina. Daí a importância de se reconhecer os “lugares” dos quais se fala, as relações de exclusão que se favorecem e de construir critérios avaliativos para relacionar-se com essas interpretações.

• O papel do professor como facilitador (problematizador) da relação dos alunos com o conhecimento, processo no qual o docente atua também como aprendiz.

• A importância da atitude de escuta; o professor como base para construir com os alunos experiências substantivas de aprendizagem. Uma experiência substantiva é aquela que não tem um único caminho, permite desenvolver uma atitude investigadora e ajuda os estudantes e dar sentido a suas vidas (aprender deles mesmos) e às situações do mundo que os rodeia. Nesse sentido, o diálogo, com a gênese dos fenômenos desde uma perspectiva de reconstrução histórica aparece como fundamental.

• A função dos registros sobre o diálogo pedagógico que acontecem em sala de aula e em diferentes cenários, para expandir o conhecimento dos alunos e responsabilizá-los pela importância que tem aprender dos outros e com os outros.

• A organização do currículo não por disciplinas e baseada nos conteúdos como algo fixo e estável, mas sim a partir de uma concepção do currículo integrado, que leve em conta um horizonte educativo (planejado não como metas, mas sim, como objetivos do processo) para o final da escolaridade básica. Esse horizonte educativo se perfila em cada curso e se reconstrói em termos do que os alunos podem ter aprendido ao final de cada projeto, oficina ou experiência substantiva. O currículo assim se configura como um processo em construção. O que leva ao intercâmbio entre os docentes e anão fixar o que se ensina e se pode aprender na Escola de uma maneira permanente.

• Favorece-se a autodireção do aluno a partir de atividades como o plano de trabalho individual, o planejamento semanal ou quinzenal do que acontece na sala de aula.

• Significa que a avaliação faz parte das experiências substantivas de aprendizagem na medida em que permita a cada aluno reconstruir seu processo e transferir seus conhecimentos e estratégias a outras circunstâncias e problemas. Os projetos assim entendidos apontam outra maneira de representar o conhecimento escolar baseado na aprendizagem da interpretação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento que as disciplinas( que nem sempre coincidem com o das disciplinas escolares) e outros saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso para favorecer o desenvolvimento de estratégias de indagação, interpretação e apresentação do processo seguido ao estudar um tema ou um problema, que, por sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos e dos docentes de si mesmos e do mundo em que vivem.

Capítulo IV – A avaliação como parte do processo dos projetos de trabalhoUma das finalidades dos projetos é promover formas de aprendizagem que questionam a idéia de

verdade única, ao colocar os alunos diante de diferentes interpretações dos fenômenos está-se questionando plenamente a visão de avaliação baseada na consideração da realidade como algo objetivo e estável. Com isso

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o papel da avaliação passa a fazer parte do próprio processo de aprendizagem, e não é um apêndice que estabelece e qualifica o grau de ajuste dos alunos com a resposta única que o docente define.

Partindo-se de uma perspectiva ampla, entende-se por avaliação a realização de um conjunto de ações encaminhadas para recolher uma série de dados em torno de uma pessoa, fato, situação ou fenômeno, com fim de emitir um juízo sobre o mesmo.

Podemos distinguir três fases no processo de avaliação: avaliação inicial, avaliação formativa e avaliação recapitulativa.

Na avaliação inicial, pretende-se detectar os conhecimentos que os estudante já possuem quando começa um curso ou o estudo de um tema. Com ela, os professores podem posicionar-se diante do grupo para planejar melhor seu processo de ensino. Esse tipo de avaliação condiciona muitas vezes as expectativas posteriores dos professores, pois lhes leva a rotular as possibilidades dos alunos de aprender. No entanto, pode constituir-se numa prática recomendável se for inserida num modelo de ensino e aprendizagem que se estruture a partir do conhecimento de base dos estudantes.

A avaliação formativa é a que se supõe que deveria estar na base de todo processo de avaliação. Sua finalidade não é de controlar e qualificar os estudantes, mas, sim ajuda-los a progredir no caminho do conhecimento, a partir do ensino que se ministra e das formas de trabalhos utilizadas em sala de aula. Esta avaliação implica, para os professores, uma tarefa de ajuste constante entre o processo de ensino e o de aprendizagem para se ir adequando a evolução dos alunos e para estabelecer novas pautas de atuação em relação às evidências sobre sua aprendizagem.

A avaliação recapitulativa se apresenta como um processo de síntese de um tema, um curso ou um nível educativo, sendo o momento que permite reconhecer se os estudantes alcançaram os resultados esperados, adquiriram algumas das destrezas e habilidades propostas em função das situações de ensino e aprendizagem planejadas. Na prática, esse tipo de avalição se associa, sobretudo, com a noção de êxito ou fracasso dos estudantes na aprendizagem e serve como passagem para provar oficialmente os conhecimentos adquiridos.

Nos projetos de trabalho, com a avaliação, o que se pretende é estimular a capacidade de pesquisa, parece adequado que os estudantes possam aplicar(transferir) os conhecimentos que aprenderam para situações reais e de simulação, e não responder apenas a enunciados verbais, visuais ou numéricos de caráter reprodutivo. Mais do que medir, avaliar implica entender, interpretar e avaliar. Para isso é necessária uma múltipla abertura por parte dos docentes: conceitual, para dar entrada na avaliação de resultados não previstos e acontecimentos imprevisíveis; investigadora, para dar lugar ao levantamento de evidências tanto do processo como dos resultados; metodológica, para introduzir procedimentos informais frente à inflexível estratégia formal, o que implica passar do monismo ao pluralismo metodológico; ético-política, para recolher o caminho que vai da avaliação burocrática à democrática.

Além disso, a avaliação nos projetos leva em conta que, durante a última década, produziu-se uma série de mudanças nas concepções sobre o ensino e a aprendizagem que teve uma série de repercussões importantes no momento de se apresentar novas visões e práticas sobre a avaliação. Tais mudanças podem ser configuradas da seguinte maneira:

- da preocupação sobre como recordar informação, passou-se ao interesse sobre como transferi-la a outras situações;

-de destacar a importância de saber aplicar fórmulas previamente aprendidas ou memoriza-las para resolver problemas, passou-se à necessidade de planejar-se problemas e encontrar estratégias para resolve-los;

- a importância dos resultados se transformou no interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos;

- a valorização da quantidade de informação, da recitação de memória e da erudição está dando lugar a destacar a importância do saber como capacidade para buscar de forma seletiva, a ordenar e interpretar informação, para dar lhe sentido e transforma-la em conhecimento.

As propostas de mudança nas práticas avaliativas, de forma mais ou menos explícita, foram reconhecidas pela maioria das propostas de inovação curricular realizadas desde os anos 70. O que nem sempre se reflete na maneira de abordar a organização dos conhecimentos na Escola. Essas propostas prestavam atenção especial na forma de avaliar a aprendizagem com a finalidade de:

- dar conta e estar em consonância com as finalidades educativas;- repensar uma prática de avaliação que centrava toda a tensão e o sentido da aprendizagem na

atuação dos alunos diante de uma prova ou exame parcial ou final;- destacar a importância de não confundir a avaliação com a qualificação e a habilitação.

O portfólio como instrumento de avaliação nos projetos de trabalhoO portfólio é uma modalidade de avaliação que tem origem no campo da arte. Arquitetos,

desenhistas e artistas recolhem, selecionam e ordenam amostras de sua trajetória profissional para poder

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apresentá-los em um suporte físico (o portfólio), de maneira que o destinatário possa apreciar os marcos mais significativos do seu percurso, ao mesmo tempo em que se adquire uma visão global do mesmo.

No Ensino Fundamental, Médio e Superior, é possível realizar um processo de seleção e ordenação de amostras que reflitam a trajetória de aprendizagem de cada estudante, de maneira que, além de evidenciar seu percurso e refletir sobre ele, possam contrasta-lo com as finalidades de seu processo e as intenções educativas e formativas dos docentes. A função do portfólio se apresenta, assim, como facilitadora da reconstrução e da reelaboração por parte de cada estudante de seu próprio processo ao longo de um curso ou de um período de ensino.

A utilização do portfólio como recurso de avaliação é baseada na natureza evolutiva do processo de aprendizagem, oferecendo aos alunos e professores a oportunidade de refletir sobre o progresso dos estudantes em sua compreensão da realidade, ao mesmo tempo em que possibilita a introdução de mudanças durante o desenvolvimento do programa de ensino.

Capítulo V – Três projetos de trabalho como exemplos, não como pauta a seguirNeste capítulo o autor justifica algumas dificuldades quando são apresentados exemplos de projetos

de trabalho, pois trata-se de uma experiência única, vivenciadas por um determinado grupo de pessoas, numa determinada circunstância e portanto não pode ser considerada neutra e não pode ser tomado com receita a ser repetida.

Todo projeto implica que a aprendizagem se concebe numa produção ativa de significados em relação aos conhecimentos sociais e à própria bagagem do aprendiz. Ao tornar público uma experiência realizada são descritas algumas possibilidades, mas certamente outras poderiam ser incorporadas.

Capítulo VI – As informações nos servem para aprender e nos provocar novas interrogaçõesUm projeto pode ter diferentes leituras e vai envolvendo as pessoas na medida em que se desenvolve,

podendo surpreender pela curiosidade que vai despertando nas famílias dos educandos.No exemplo citado neste capítulo o projeto se inicia quando a pequena Alice de 4 anos, relata na sala

de aula, que tinha ido ao zoológico com os pais no final de semana, para se despedir de Ulisses, uma orca gigante, que iria para muito longe, para San Diego nos Estados Unidos

A partir desse relato e o acompanhamento da notícia através do jornal converteu-se num projeto de trabalho, que levou as crianças a estudarem as orcas, a geografia do percurso de Ulisses, os meios de transporte, etc. passando do episódico à generalização. Acompanhou-se todo o processo de transferência da orca de Barcelona até San Diego e como reagiu ao seu novo habitat, envolvendo todos os alunos e seus familiares. Tudo foi registrado no portfólio.

A leitura atenta do projeto permite ver que vários conteúdos de diferentes matérias foram abordados, mas não foi necessário ir buscá-los pois eles apareceram naturalmente.Capítulo VII – “Eu aprendi o que queria dizer um símbolo”

O projeto narrado neste capítulo narra a experiência de um projeto de trabalho realizado com crianças da 1ª série do ensino fundamental, que nasceu a partir da visita a museu de Barcelona para visitar as obras do pintor espanhol El Greco. A visita ao museu foi precedida por um vídeo assistido pelas crianças, quando fizeram anotações.

O mundo no século XVI foi trazido à tona com a observação das obras do pintor, a partir da qual surgiram novas interrogações, passeou-se pela história e geografia da vida de EL Greco e se acompanhou na imprensa a repercussão das visitas das escolas ao museu. Na visita ao museu surgiu a necessidade de identificar os símbolos presentes nas obras do pintor e sues significados.

Foram analisadas as influências que marcaram a obra do artista e também se fizeram comparações com obras de outros artistas.Capítulo VIII – Ter saúde é viver de acordo com nós mesmos

Este projeto nasceu a partir de uma lista de 25 respostas sobre por que contaminamos o planeta? As respostas da aluna Gemma que disse “ Suponho que temos que prejudicar a nós mesmos para fabricar alimentos úteis”, deram origem ao projeto intitulado “a saúde: viver de acordo com nós mesmos”.

Foram debatidos diferentes pontos de vista sobre o que é saúde, a relação entre a saúde física e a saúde psíquica, as situações que criam preocupações às crianças e meninas da Quinta série, a tensão e o estresse, e o que está acontecendo comigo?

Do projeto da saúde partiu-se para um novo caminho: a nutrição. Foram estudados o que é nutrição, o cardápio semanal da merenda escolar, a receita de uma alimentação natural e uma breve história da alimentação

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2. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.Síntese da obra

Este livro está a favor da educação, da Escola e da profissão docente. Diante daqueles que insistem que a “escola seja um aparelho reprodutor do Estado”, ou que ressaltam a ignorância dos docentes porque não respondem a suas reformas, parte do princípio de que a Escola continua sendo a instituição que pode possibilitar à maior parte dos cidadãos, sobretudo aos mais desfavorecidos, melhores condições de vida.

È um convite à transgressão das amarras que impedem o indivíduo de pensar por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração em sala de aula, na escola e com a comunidade. Um convite a soltar a imaginação, a paixão e o risco para explorar novos caminhos que permitam que as escolas deixem de ser formadas por compartimentos fechados, horários fragmentados, arquipélagos de docentes e passem a converter-se numa comunidade de aprendizagem, onde a paixão pelo conhecimento seja a divisa, e a educação de melhores cidadãos, o horizonte ao qual se dirigir.

Introdução – Sobre limites, intenções, transgressões e desafios.As páginas deste livro respondem com entusiasmo à idéia de que a educação na Escola contribui para

a socialização dos indivíduos e para que possam ser melhores, pois entendemos que ela continua sendo a instituição que pode possibilitar à maior parte dos cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos, melhores condições de vida.

Inicialmente, o autor pretendia fazer a mudança da Escola, com a noção de projeto de trabalho utilizando o conceito de globalização do conhecimento, mas como a noção de globalização tomou significado ligado à economia, esse nome foi substituído por aprender para compreender .

O autor pretende propor uma proposta transgressora para a educação Escolar, sendo que o termo “transgressão” aparece como um aspecto que define a intenção de mudar.

As transgressões propostas são as seguintes:• em

primeiro lugar transgredir a visão da educação Escolar baseada nos “conteúdos”, apresentados como “objetos” estáveis e universais e não como realidades socialmente construídas que, por sua vez, reconstroem-se nos intercâmbios de culturas e biografias que têm lugar em sala de aula;

• em segundo lugar pretende transgredir a visão da aprendizagem vinculada ao desenvolvimento e conhecida como construtivismo, pois ao explicar como são produzidos alguns aspectos da aprendizagem, ela reduz, simplifica e desvirtua a complexa instituição social que é a Escola;

• em terceiro lugar procura-se transgredir a visão do currículo centrado nas disciplinas, entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados e que oferecem ao aluno algumas formas de conhecimentos que nada têm a ver com os problemas dos saberes de fora da Escola;

• em quarto lugar a transgressão se dirige à Escola que desloca a necessidade dos alunos à etapa seguinte da Escolaridade, entendendo que a finalidade da infância é chegar à vida adulta e que o desenvolvimento da inteligência tem que chegar à etapa das operações formais;

• a quinta transgressão diz respeito à perda de autonomia no discurso dos docentes, à desvalorização dos seus conhecimentos e à sua substituição por discursos psicológicos, antropológicos ou sociológicos que pouco respondem ao que acontece no cotidiano da sala de aula.

• finalmente, a sexta transgressão diz respeito à incapacidade da Escola repensar-se de maneira permanente, de dialogar com as transformações que acontecem na sociedade, nos alunos e na própria educação.

Capítulo I – Um mapa para iniciar um percursoMinhas quietações e a minha experiência compartilhada com outros educadores, incluindo aí os

educadores da UFMG em 1997, começaram a gestar o caminho que me leva a abordar novos problemas e à necessidade de repensar a educação e a função da Escola.

Uma questão que me intrigou muito foi feita por alguns professores de uma escola de Barcelona: Estamos ajudando nossos alunos a globalizar, a estabelecer relações entre as diferentes matérias, a partir do que fazemos em sala de aula?

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Tentar responder a esta questão nos levou a uma colaboração que durou 4 anos com questionamentos a partir de uma dupla perspectiva: a organização dos conhecimentos escolares no currículo da Escola e as concepções do ensino e da aprendizagem em aula.

A intuição mostra que, na Escola, produz-se o que Berstein denomina de ”processo de recontextualização”, o qual consiste na dexcontextualização do discurso científico de sua fonte original mediante a relação, simplificação, condensação e elaboração para que se transforme num “discurso instrucional”, que depois será convertido em “discurso regulador” na medida em que cria “uma ordem, una relação e uma entidade específicas”.

No processo que estou tentando reconstruir, também foram objeto de atenção os diferentes significados com que os professores dotavam sua prática, particularmente com respeito a duas noções:

a) a globalização, como perspectiva que trata de explorar as relações entre os problemas objeto de pesquisa em diferentes campos do conhecimento, e

b) a importância de saber interpretar como aprendem os alunos.Interessava comprovar que é possível organizar um currículo escolar não por disciplinas acadêmicas,

mas por temas e problemas nos quais os estudantes se sentissem envolvidos, aprendessem a pesquisar ( no sentido de propor-se uma pergunta problemática, procurar fontes de informação que oferecessem possíveis respostas) para depois aprender a selecioná-las, ordená-las, interpretá-las e tornar público o processo seguido.

Aprendi ao longo desse trabalho que as ideologias contidas nas reformas educacionais realizadas pela senhora Tatcher no ensino inglês , estabelecendo um currículo nacional em substituição ao planejamento de um currículo autônomo que cada escola tinha até então, favorecerem a homogeneização criando marcos curriculares mais estreitos e falsamente abertos, na medida em que introduzem na avaliação “nacional” dos conteúdos como prova de aprendizagem dos alunos.

Várias circunstâncias constituíram um grito de alerta sobre vários fatos que depois tiveram importância na minha forma de agir e interpretar os processos de reforma acontecidos nos últimos anos, assim como na minha atitude diante dos projetos de trabalho. Por um lado, intuí que as inovações educativas promovidas pelos professores nas escolas, quando são institucionalizadas e oficializadas podem chegar a cair na rotina. Também vislumbrei e agora vejo com mais clareza, que o dia que os projetos de trabalho acabarem por ser oficializados, convertendo-se numa prescrição administrativa, como parece que tentam algumas reformas educativas e perseguem as editoras de livros-texto, começarei a questioná-los, talvez olhe para outro lado, para evitar, com isso que se “coisifiquem”, como aconteceu com outras inovações educativas.

A importância dos nomesA proposta de projetos de trabalho, além de conectar-se com uma tradição educativa que tratava de

vincular o que se aprende na Escola com as preocupações dos alunos, as questões controversas (que refletem que não existe “uma” ou “a” interpretação dos fenômenos), os problemas que estabelece a realidade fora da escola e de fazer com que os alunos chegassem a ser protagonistas da aprendizagem, tinha presente a utilização que , em diferentes campos profissionais, fazia-se desse termo.

Diversos profissionais fazem de “projeto” um procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de dar forma a uma idéia que está no horizonte, mas que admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão contribuir para o processo.

Em nenhum momento os projetos de trabalho se apresentaram como uma recuperação de uma maneira de organizar os conhecimentos escolares. Sempre reconhecemos que, tanto em Educação quanto em qualquer campo do conhecimento, é necessário considerar o “lugar” de onde viemos, as idéias e as experiências que nos influenciam, não para copiá-las, mas sim para reinterpretá-las.

Nesta reflexão sobre a Escola e sua função levamos em conta que a problemática atual é diferente daquela que embasou as teorias educacionais do passado. Isto exigiu uma releitura crítica e interpretações alternativas das diferentes experiências estudadas

Do ponto de vista dessas diferenças foram levados em conta os seguintes aspectos:• Algumas

idéias educativas e alguns conhecimentos psicopedagógicos que destacavam a importância dos saberes e das experiências prévias e os processos dos alunos que assimilam o papel da transferência e da compreensão como indicadores da aprendizagem.

• A relação entre o currículo escolar e os problemas reais que são apresentados pelas disciplinas fora da Escola, nas Ciências, nas Humanidades ou nas Artes e nesses campos que não entram na seleção do currículo escolar, mas que permitem interpretar e abordar espaços de conhecimentos transdisciplinares e criar novos objetos de estudo. Campos relacionados com a construção as subjetividade, o estudo das transformações na sociedade e na

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natureza...• O papel do

diálogo pedagógico, da pesquisa e da crítica como atitude dirigida a favorecer a aprendizagem na aula, junto à postura ideológica de que a função da Escola não é encher a cabeça dos alunos de conteúdo, mas, sim, contribuir para formá-los para a cidadania e oferecer-lhes elementos para que tenham possibilidades de construir sua própria história, diante da que vem determinada pela sua condição de gênero, etnia, classe social ou situação econômica.

• A tentativa de procurar e organizar com os professores uma Educação para a compreensão que, naquele momento, queria dizer favorecer uma atitude globalizadora, que vinculasse a construção da subjetividade (dos docentes e dos alunos) com as interpretações do mundo oferecidas pelas áreas disciplinares, ou pelos temas e problemas em tono dos quais se organize o currículo.

È necessário ressaltar também o valor da indagação crítica como estratégia de conhecimento, uma vez que a incorporação à aula das indagações sobre problemas reais, próximos à preocupações e idéias dos alunos, enriquece sobremaneira o contexto curricular, e é o melhor caminho para ensinar a alguém a pensar (a aprender compreensivamente), uma vez que a pesquisa, permite observar o contexto social do qual procedem e analisar as diferentes estratégias ou percursos que possam tomar no momento de buscar versões dos fatos que lhe permitam interpretar a realidade.

Aprender para compreender e agirOutro componente fundamental do livro é a noção de Educação para a compreensão que se contrapõe

à noção de memorização ou repetição pelo aluno do que lhe é ensinado pelo professor. A Educação para a compreensão, organiza-se a partir de dois eixos que se relacionam: como se supõe que os alunos aprendem e a vinculação que esse processo de aprendizagem e a experiência da Escola têm em sua vida.

Nesta perspectiva a educação escolar não é preparação para o futuro, mas sim um olhar para o presente do aluno com a sua experiências e as necessidades que têm em cada período escolar, pois o futuro é mutável e ninguém sabe como será. Um artigo publicado no jornal Liberation mostra que 90% dos conhecimentos que necessitarão os alunos que hoje estão na primeira série do Ensino Fundamental quando terminarem a educação básica(em 10 anos) ainda não foi produzido.

Por isso, o que os alunos aprendem não se pode organizar a partir de temários decididos por um grupo de especialistas disciplinares, mas, sim, a partir de conceitos ou idéias-chave que vão além das matérias escolares e que permitem explorá-las para aprender a descobri relações, interrogar-se sobre os significados das interpretações dos fatos e continuar aprendendo. Isso faz com que as disciplinas escolares não sejam um porto de chegada, mas uma referência, um farol que assinala uma costa para orientar-se numa exploração mais ampla e incerta.

Outra idéia que dá sentido à educação para a compreensão é a que propõe que aquilo que se aprende teve ter relação com a vida dos alunos e dos professores, ou seja, deve ser interessante para eles. Essa visão do conhecimento é uma forma de teoria ou ideologia para interpretar a realidade, que se encontra limitada, em boa parte, pela persistência do currículo acadêmico organizado por disciplinas.

È necessário questionar as representações únicas da realidade. Por que se considera uma determinada visão como natural? Por que se excluem outras interpretações da realidade? É preciso pois, questionar a idéia de verdade e de objetividade e as visões unilaterais que propõem um único ponto de vista como interpretação de um fenômeno.

Ensinar o aluno a interpretar os fatos seria a parte central de um currículo que, adota um enfoque para a compreensão, onde se tenta enfrentar o duplo desafio de ensinar os alunos a compreender as interpretações sobre os fenômenos da realidade, a tratar de compreender os “lugares” desde os quais se constróem e assim “compreender a si mesmos”.

Com tudo isso, o que se pretende é ampliar o “horizonte de conhecimento”, que no contexto da Escolas é tanto dos alunos como dos professores, sejam quais forem as bagagens individuais de cada um dos atores. Para continuar aprendendo é necessário um conhecimento prévio, mas sua natureza não precisa ser exclusivamente acadêmica, mas pode ser também do senso comum, fruto da experiência cotidiana ou relacionada a outros conhecimentos organizados, mas não necessariamente científicos.

Não se deve pois de fixar verdades sagradas, universais e estáveis, e sim tentar encontrar o que há por trás do que parece natural e nos coloca numa atitude de incerteza frente ao papel que as diferentes linguagens têm nas disciplinas, nas matérias, etc...

A investigação tem que ir além do reducionismo psicológico e disciplinar, pois é mais fácil escrever um livro baseado em formas fragmentárias de conhecimento, mas sob o rótulo do “rigor científico”, ou avaliar o aprendido mediante uma prova de respostas múltiplas, a aplicação de um algoritmo ou a contestação a uma

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pergunta cuja resposta única e verdadeira o docente ou o livro já tem, do que desenvolver materiais que ajudem a conectar a experiência individual dos estudantes com os conceitos e os problemas da pesquisa nas disciplinas, e desses com suas vida.

Quando as escolas organizam o currículo por projetos e a atividade docente de maneira diversificada , agrupando os alunos a partir dos temas ou problemas que vão pesquisar, faz com que os alunos vão aprendendo a organizar e orientar seu processo de aprendizagem em colaboração com o professor e com outros alunos.

Globalização, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade – Aprender a compreender e interpretar a realidade

Quando se fala de globalização faz-se do ponto de vista e de perspectivas diferentes, mas o eixo comum é a busca de relações entre as disciplinas no momento de enfrentar temas de estudo, podemos dizer que à conclusão que a noção e a prática da globalização ( que não é o mesmo que interdisciplinaridade) se situa em torno de pelo menos 3 eixos:

a) como forma de sabedoria, como um sentido do conhecimento que se baseia na busca de relações que ajude a compreender o mundo no qual vivemos a partir de uma dimensão de complexidade.

b) como referência epistemológica que restabelece “o pensamento atual como antropológico e histórico chave”, o que o leva a abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

c) como concepção do currículo que adota formas tão díspares como a que coloca a globalização na seqüência de programação desde a qual se podem relacionar conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, partindo da educação para a compreensão por meio dos projetos de trabalho.

Por isso tudo, chame-se globalização ou transdisciplinaridade o que se destaca das diferentes versões é que apontam outra maneira de representar o conhecimento escolar, baseada na interpretação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento disciplinar e transdisciplinar ( que não costuma coincidir com o das matérias escolares) vão elaborando.

Capítulo II – A transdisciplinaridade como marco para a organização de um currículo integradoNeste capítulo, o autor trata de revisar e questionar a “verdade sagrada” da organização do currículo

acadêmico a partir das disciplinas ou da sua transmutação em conhecimento escolar através das didáticas especiais, com a finalidade de abordar alguns problemas enfrentados pela Educação, principalmente dos pré-adolescentes, que parecer encontra-se numa difícil encruzilhada, devido à persistência em adotar a organização do currículo por disciplinas como resposta única às necessidades educativas de todos os alunos que cursam a educação básica, muitos dos quais êm dificuldades para conectar-se com essa organização acadêmica .

Uma das grandes dificuldades da Escola hoje, aprece com a extensão da escolaridade às grandes camadas populacionais, o que implica em ensinar para todos o que antes era ensinado para alguns poucos, num quadro que não tem a homogeneidade do passado, mas sim grande diversidade social, cultural e lingüística.

Procurando responder àqueles que acham que o currículo tradicional já não é necessário e nem responde às finalidades da educação básica em relação à vida contemporânea, vamos analisar uma série de “lugares” nos quais se podem localizar algumas referências necessárias às mudanças para repensar a Educação: nas formas de representar no presente; na organização dos saberes e na função da escola.

Uma situação social em processo de mudançaNos tempos atuais a sociedade pós-moderna manifesta a existência de uma nova consciência artística

e cultural, e a consciência de radicais transformações em nossa existência e em suas condições históricas que podem ser caracterizadas, entre outros aspectos, pelos abaixo:• A sociedade globalizada referente à questão da desregulação da economia.• A homogeneização das opções políticas e econômicas ditadas pelo FMI.• A transnacionalização e transculturização dos valores culturais pelos meios de comunicação.• As transformações no emprego exigindo flexibilidade, capacidade de adaptação e atitudes de colaboração.• A progressão geométrica no volume de produção da informação que faz com o excesso dela mude as nossas cabeças;• A primazia do imperativo tecnológico como fator determinante e essencial para a evolução da humanidade.• A necessidade de um processo permanente de aprender sempre, não só durante a escolarização, mas também durante a vida.

Estes aspectos trazem para a Escola uma série de desafios que terá que responder, entre os quais destacamos: a necessidade de selecionar e estabelecer critérios de avaliação; decidir o que aprender, como e para quê; prestar atenção ao internacionalismo, e o que traz consigo de valores de respeito, solidariedade e tolerância; o desenvolvimento das capacidades cognitivas de ordem superior: pessoais e sociais e saber interpretar as opções ideológicas e de configuração do mundo.

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A transdiciplinaridadeNa prática da pesquisa em Ciências e na tecnologia, poderemos notar que há uma crescente

aproximação transdisciplinar no momento da organização dos grupos e projetos de pesquisa. A transdisciplinaridade se caracteriza pela definição de um dos fenômenos de pesquisa que requer: a formulação explícita de uma terminologia compartilhada por várias disciplinas e uma metodologia compartilhada que transcende as tradições de campos de estudo que tenham sido concebidas de maneira fechada. Gera-se então a cooperação, a qual se dirige para a resolução de problemas, criando a transdisciplinaridade pela construção de um novo modelo de aproximação da realidade do fenômeno que é estudado.

Uma concepção transdisciplinar do conhecimento deve fazer referência a um marco global de trabalho que guia os esforços de resolução de problemas dos diferentes indivíduos; tem a ver com o fato de que a solução de um problema compreende, ao mesmo tempo, conhecimentos empíricos e teóricos; tem a ver com a comunicação dos resultados que procura estar vinculada ao processo de produção e aos agentes participantes e com a característica do problema que é móvel, dúctil, inclusive instável.

Levando em conta essas características, deveria aperfeiçoar-se uma organização do ensino na Escola bastante diferente da que acontece na atualidade. Ao mesmo tempo que parece possível estabelecer um paralelismo entre o planejamento transdisciplinar na pesquisa e no ensino da interpretação num currículo integrado.

Uma proposta para começar a abordar a perspectiva transdisciplinar em educação deveria começar a perguntar-se sobre o por quê de terminadas disciplinas e, não outras, estarem no currículo; com que função as disciplinas entraram no currículo.

A necessidade de enfrentar a mudança da EscolaParece que existem muitos sinais de mudança na sociedade e nos saberes a que a Escola parece

resistir em responder. Cabe-nos perguntar “em que direção deveriam ir os caminhos na educação escolar?Estudos da UNESCO mostram que a educação escolar, se encontra em meio a uma série de tensões

que é preciso superar: “entre o global e o local, o espiritual e o material, o universal e o particular, a tradição e a modernidade, o lago e o curto prazo, o desenvolvimento dos conhecimentos e de sua capacidade de assimilação, a necessidade de compartilhar e o princípio de igualdade de oportunidades”.

A rápida mutação da economia e da técnica torna inútil a formação orientada exclusivamente para a formação profissional, já que a evolução dos conhecimentos e das técnicas e a própria transformação das empresas torna rapidamente obsoleto o seu conteúdo. Diante disso o papel do sistema educativo consistiria em ajudar cada aluno a adquirir uma série de sabres e competências gerais básicas, inculcar-lhes a capacidade de adaptar-se às mudanças e, sobretudo, a aptidão, o gosto por aprender e reaprender a vida toda.

Estas constatações vindas de fora da escola apontam na mesma direção das nossas preocupações ao escrever este livro: precisamos de uma escola que forme indivíduos com uma visão mais global da realidade, que vincule a aprendizagem a situações e problemas reais, que trabalhe a partir da pluralidade e da diversidade, preparando para aprender toda vida...

É preciso pois repensar o saber escolar pois, o que se ensina hoje na escola já está filtrado e selecionado, e pode estar longe do que preocupa as disciplinas a que se faz referência, ou aos problemas que os distintos saberes se propõem na atualidade, isto sem falar da distância entre o currículo escolar e o mundo cultural das crianças e dos adolescentes.

Trabalhando de forma tradicional muitas vezes nos parece muito valioso o que fazemos, porque os alunos participam, ativamente, mas o que aprendem com isso? O que aprendem deles mesmos e do mundo que os rodeia? Onde situar a complexidade compreensiva nas diferentes atividades que realizam? A essas e outras perguntas tratamos de dar respostas quando desenvolvemos um projeto de trabalho.

O currículo integrado como marco Frente à experiência fragmentada que possibilita a formação atual dos estudantes, o denominado

currículo integrado pretende organizar os conhecimentos escolares a partir de grandes temas-problemas que permitem não só explorar campos de saber tradicionalmente fora da escola, mas também ensinar aos alunos uma série de estratégias de busca, ordenação, análise, interpretação e representação da informação, que lhes permitirá explorar outros temas e questões de forma mais ou menos autônoma

O CURRÍCULO INTEGRADO DE CARÁTER DISCIPLINARArgumentos contra Argumentos a favor

A integração das várias matérias numa só lição leva a redução dos conteúdos

Consegue-se um maior envolvimento dos alunos.

Há limitações dos professores no momento de ensinar o currículo integrado de Ciências e História, por

Favorece a organização escolar pois os alunos não ficam expostos às interrupções de aulas.

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exemplo.Há desperdício de tempo. Evita a repetição de temas e conceitos.Exige uma maior dedicação dos professores Há comunicação e intercâmbio entre os professores o

que contribui para a melhoria da qualidade do ensinoO tempo de preparação toma muito tempo dos professores diminuindo o acompanhamento da aprendizagem do alunoFalta ordem para a compreensão das diferentes disciplinas

A finalidade da organização dos conhecimentos em experiências substantivas de aprendizagem num

currículo integrado não é favorecer a capacidade de aprender conteúdos de maneira fragmentada, e sim interpretar os conhecimentos que se encontram nessas experiências.

Interpretar é decifrar. Significa decompor um objeto em seu processo produtivo, descobrir sua coerência e outorgar aos elementos e às fases obtidas significados intencionais, sem perder nunca de vista a totalidade que se interpreta. Interpretar significa ainda interessar-se pelas diferentes versões dos fenômenos, por suas origens e pela busca das forças que criaram suas interpretações. Todo esse processo leva a uma grande discussão cultural que deve ser o eixo de um currículo transdisciplinar.

Diferenças entre o currículo disciplinar e transdisciplinar

Centrado nas matérias Problemas trandisciplinaresConceitos disciplinares Temas ou problemasObjetivos e metas curriculares Perguntas, pesquisaConhecimento canônico ou estandardizado Conhecimento construídoUnidades centradas em conceitos disciplinares Unidades centradas em temas ou problemasLições ProjetosEstudo individual Grupos pequenos que trabalham por projetosLivros-texto Fontes diversasCentrado na Escola Centrado no mundo real e na comunidadeO conhecimento tem sentido por si mesmo O conhecimento em função da pesquisaAvaliação mediante provas A avaliação mediante portfólios, transferênciasO professor como especialista O professor como facilitador

Elfand oferece uma alternativa para levar à prática o currículo transdisciplinar baseado na noção de “rede” e centrado na exploração de idéias chaves e diferente da noção de currículo em espiral defendida por Bruner. As idéias-chave seriam estações de conexão entre as diferentes disciplinas, servindo de linhas de transporte metropolitano, as quais seriam os temas objeto de pesquisa dos alunos. Depois de explorar cada projeto de trabalho ou tema de pesquisa, ele será transcrito pelo professor para ordenar o que os alunos possam ter aprendido, vinculá-lo ao currículo da Escola e dialogar com os critérios do currículo básico que exista no país.

Levar em conta uma perspectiva transdisciplinar do saber na organização do currículo implica que os alunos possam aprender, entre outras, as seguintes estratégias de interpretação:

a) questionar toda forma de pensamento único, o que significa introduzir a suspeita e questionar a realidade baseada em verdades estáveis e objetivas;

b) reconhecer, diante de qualquer fenômeno que se estude, as concepções que o regem, a realidade que representam e as representações que tratam de influir nela;

c) incorporar uma visão crítica que leve a perguntar-se a quem beneficia essa visão dos fatos e a quem marginaliza;

d) introduzir, diante de qualquer fenômeno, opiniões diferenciadas, de maneira que o aluno comprove que a realidade se constrói a partir de pontos de vista diferentes e que alguns se impõem diante de outrem=s, nem sempre pela força dos argumentos, mas também pelo poder de quem os estabelece;

e) colocar-se na perspectiva de um “certo relativismo” no sentido de que toda realidade responde a uma interpretação, e que as interpretações não são inocentes, objetivas, nem científicas, e sim interessadas, pois amparam e vinculam visões do mundo e da realidade que estão conectadas a inetresses que quase sempre têm a ver com a estabilidade de um status quo e com a hegemonia de certos grupos.

A opção pela transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado é uma possibilidade diante da

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situação de incerteza e desconcerto de muitos docentes para responder à mudança que hoje têm lugar na sociedade, os saberes, os alunos e a própria educação escolar. Mas há outras possibilidades. Que tudo continue como está, com o que se continuaria favorecendo a exclusão de muitas crianças e adolescentes que não se adaptam à atual concepção da Escola.Ou, como já se ouve em algumas vozes, que se volte ao ensino tradicional, centrado nas formas reprodutoras, baseadas na informação estável e de caráter universal que o professorado transmite aos alunos.

A transdisciplinaridade vinculada ao currículo integrado implica criar novos objetos de conhecimento para fazer do conhecimento algo efetivo que permita continuar aprendendo e converta, de novo, a atividade do ensino numa aventura social e intelectual. Os projetos de trabalho podem servir como facilitadores dessa travessia.

Capítulo III – Os projetos de trabalho e a necessidade de mudança na educação e na função da EscolaOs projetos de trabalho constituem um lugar, entendido em sua dimensão simbólica, que pode

permitir:a) Aproximar-se da identidade dos alunos e favorecer a construção da subjetividade, longe de um

prisma paternalista, gerencial ou psicologista, o que implica considerar que a função da Escola NÃO é apenas ensinar conteúdos, nem vincular instrução com aprendizagem.

b) Revisar a organização do currículo por disciplinas e a maneira de situá-lo no tempo e no espaço escolares, através de uma proposta que não seja uma representação do conhecimento fragmentada, distanciada dos problemas que os alunos vivem e necessitam responder em suas vias, mas, sim solução de continuidade.

c) Levar em conta o que acontece fora da Escola, nas transformações sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracteriza a sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira critica com todos esses fenômenos.

É muito importante que se tenha um ponto de partida. A Escola e o mundo mudaram e qualquer que seja a teoria educacional com que se quer trabalhar, ela precisa ser atualizada par os novos tempos em que vivemos, pois a realidade e os problemas para os quais se trata de dar resposta não coincidem, agora, com os que enfrentavam Dewey no inicio do século 20, Bruner nos anos 60,

Os projetos de trabalho supõem um enfoque de ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educativas na Escola, para dar resposta às mudanças sócias que se produzem nos alunos de hoje e na função da educação, e não readaptar uma proposta do passado e atualizá-la.

É preciso mudar a escola porque os tempos estão mudando. A cada dia se guardam aproximadamente 20 milhões de informações técnicas, e um leitor é capaz de ler 1.000 palavras por minuto e que necessitaria de um mês e meio, lendo 8 horas por dia, para poder ler a informação recolhida num só dia.

A edição do fim de semana do New York Times contém mais informação do que aquela a qual uma pessoa média poderia ter acesso ao longo de sua vida na Inglaterra no século XVII, o que leva a estabelecer como prioridade ensinar a interpretar a informação e relaciona-la criticamente com outras fontes.

Os projetos e seus significados na história da escolaridadeVamos estudar as diferenças existentes entre as práticas atuais dos projetos e as que foram propostas

em outras épocas. A Escola e as práticas educativas fazem parte de um sistema de concepções e valores culturais que faz com que determinadas propostas tenham êxito quando se conectam com algumas das necessidades educacionais e educativas.

Nos anos 20 o método de projetos foi utilizado para aproximar a Escola da Vida diária, visando que o aluno não sentisse diferença entre a vida exterior e a vida escola, e por isso os projetos devem estar próximos à vida, conforme dizia Fernando Sainz em 1931.

No início do século 20 Dewey e outros autores esboçaram algumas idéias que sustentam a primeira versão dos projetos: partir de uma situação problemática; levar adiante um processo vinculado ao mundo exterior ã Escola e oferecer uma alternativa ã fragmentação das matérias.

Dewey denominou de operações construtivas àquilo que foi ganhando espaço em sala de aula e tornaram-se conhecidos por projetos. Elas devem possuir quatro condições: a) o interesse do aluno, ainda que seja fundamental, não basta, se não se define que tipo de objetivo e atividade contém; b) atividade que deve ter algum valor intrínseco, excluindo-se as atividades meramente triviais; c) apresentam problemas que despertam a curiosidade dos alunos; d) deve-se contar com uma considerável margem de tempo.

A partir desses princípios, e seguindo Dewey, o Método dos Projetos não é uma sucessão de atos desconexos, e sim uma atividade coerentemente ordenada, na qual um passo prepara a necessidade do seguinte, e na qual cada um deles,se acrescenta ao que já se fez e o transcende de um modo cumulativo.

Desde seu início considera-se que não há uma única maneira de realizar o Método dos Projetos, mas algumas possibilidades são colocadas: a) globais, nas quais se fundem todas as matérias desenvolvendo projetos complexos em torno de núcleos temáticos como a família, as lojas, as cidades; b)por atividades: de

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jogo, para adquirir experiência social e na natureza e com finalidade ética; c)por matérias vinculadas às disciplinas escolares; d)de caráter sintético. Fala-se também de projetos simples e complexos, relacionados com as matérias ou com a experiência próxima, breves ou extensos.

Nos anos 60, Bruner estabeleceu que o ensino deveria centra-se em facilitar o desenvolvimento de conceitos-chave a partir da estrutura das disciplinas e que os projetos ou o trabalho por temas constituiriam uma alternativa para abordar essa proposta na sala de aula.Essa visão dá ênfase a “que” ensinar e situa os projetos num currículo interdisciplinar, dado que é possível verificar que várias disciplinas tem pontos chaves em comum. Bruner desenvolveu também a idéia do Currículo em Espiral, que diz que o primeiro encontro dos alunos com as idéias-chave se realiza de uma maneira primitiva e depois durante a escolaridade vai sendo abordado de maneira cada vez mais complexa.

Estas idéias atraíram o interesse de muitos educadores, pois indicavam que a aprendizagem nas primeiras idades prepara para a aprendizagem posterior o que significava uma mudança importante na consideração cumulativa do currículo e no que se podia ensinar no Ensino Fundamental. Propugnavam ainda que qualquer matéria podia ser ensinada de maneira efetiva em qualquer etapa de desenvolvimento, implicando uma revolução nas concepções tanto do aluno como aprendiz como dos conteúdos de ensino. Enfatizava a organização do currículo a partir de idéias chave e estruturas das disciplinas, levando em conta a maneira de representar essas idéias partindo de uma perspectiva de desenvolvimento.

Nos anos 80, dois fenômenos se destacam por sua influência na educação escolar. O impacto da denominada revolução cognitiva na forma de entender o ensino e a aprendizagem e as mudanças sobre o conhecimento e o saber derivado das novas tecnologias de armazenamento, tratamento e distribuição da informação.

Esses dois fatos, aliados ao controle da economia pelos mercados financeiros e as mudanças das relações no mundo do trabalho acarretaram mudanças na educação escolar e explicam porque os projetos voltam a ser objeto de interesse.

A perspectiva que teve maior eco foi marcada pela relevância da visão construtivista sobre a aprendizagem, e em particular a idéia de que o conhecimento existente na aprendizagem exerce uma poderosa influência em como se adquire um novo conhecimento. Um segundo aspecto diz respeito a importância que se dá ao contexto de aprendizagem e a situar os conteúdos em relação à cultura na qual deverá ser utilizado.

Por último é necessário destacar o papel que têm hoje as estruturas metacognitivas como forma de pensar sobre o planejamento, organização e pesquisa sobre a informação, e como reelaboração das decisões e das ações consideradas importantes no processo de aprendizagem dos alunos.

Tudo isto faz com que o conteúdo das disciplinas necessite ser configurado e apresentado por meio de uma variedade de linguagens(verbal,escrita,gráfica e audiovisual) para abrir aos estudantes os processos de pensamento de ordem superior necessários para que compreendam e apliquem o conhecimento a outras realidades.

A necessidade de abordar a complexidade do conhecimento escolarAlgumas das visões anteriormente apresentadas estão relacionadas com a revisão do sentido do saber

escolar e destacam a importância da compreensão da realidade pessoal e cultural por parte de professores e alunos.

Com os projetos de trabalho pretende-se: a) estabelecer as forma de “pensamento atual como problema antropológico chave”; b) dar um sentido ao conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos naturais, sociais e pessoais que nos ajude a compreender melhor a complexidade do mundo em que vivemos e planejar estratégias para abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar.

Por tudo isso, os projetos de trabalho e a visão educativa a qual se vinculam convidam a repensar a natureza da Escola e do trabalho escolar, pois requerem uma organização da classe mais complexa, uma maior compreensão dos temas em que os alunos trabalham, o que faz com que o docente atue mais como guia do que como autoridades.

Os projetos de trabalho podem contribuir para que os estudantes adquiram as capacidades relacionadas com:

- a autodireção: pois favorece as iniciativas para levar adiante, por si mesmo e com outros, tarefas de pesquisa;

- a inventiva – mediante a utilização criativa de recursos, métodos e explicações alternativas;- a formulação e resolução de problemas, diagnóstico de situações e o desenvolvimento de estratégias

analíticas e avaliativas;- a integração, pois favorece a síntese de idéias, experiências e informação de diferentes fontes e

disciplinas;- a tomada de decisões, já que será decidido o que é relevante e o que se vai incluir no projeto;

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- a comunicação interpessoal, posto que se deverá contrastar, as próprias opiniões e pontos de vista com outros, e tornar-se responsável por elas.

A psicologia cognitiva de caráter construtivista trata de compreender as funções mentais de ordem superior em termos de processo e construção simbólica. Essas funções desempenham um papel estratégico em como a mente se relaciona com a informação e em como, mediante processos de interação social, vai transformando em conhecimento pessoal.

A influência de Vigotsky é fundamental nesse planejamento, na medida em que esse autor destacou a importância das relações sociais no desenvolvimento das atividades mentais complexas e o papel que os marcos de internalização, de transferência e da zona de desenvolvimento proximal ocupam no processo de construção do conhecimento.

Prawat indica que ao avaliar o processo de aprendizagem de um indivíduo deve ser levado em conta o conhecimento base que possui, as estratégias que utiliza para aprender e a sua disposição para a aprendizagem. O mesmo autor estabelece uma distinção entre uma visão do construtivismo como “resolução prática de problemas”e uma visão centrada na “problematização” como ponto de arrancada para organizar e compreender as possibilidades de cada situação de ensino e aprendizagem.

Diferente das visões cognitivas que dão ênfase ao produto final, isto é, na assimilação da informação de maneira eficaz, a proposta de Prawat ressalta a importância do processo de acomodação do conhecimento à situação problemática proposta.Nessa perspectiva o papel das idéias chaves torna-se essencial para possibilitar uma situação de aprendizagem.

A perspectiva da compreensão entende que o aluno entra num processo de construção do significado sobre o qual pode aprender, que vai além da situação concreta e que se instaura como atitude frente à aprendizagem. O papel do professor é o de intérprete desse processo e de facilitador de novas experiências que levem os alunos a outras situações e problemas.

Para que isto aconteça, os projetos de trabalho devem deixar de ser considerados como métodos, pois não se limitam à aplicação de uma fórmula e de uma série de regras e eles não podem ser considerados como método porque: a)não há uma seqüência única e geral para todos os projetos; b)o desenvolvimento de um projeto não é linear nem previsível; c)o professor também pesquisa e aprende; d)não pode ser repetido; e)choca-se com a idéia de que se deva começar do mais fácil para o mais difícil; f)questiona a idéia de que se deve começar pelo mais próximo( a casa, o bairro,etc), da mesma maneira que já não se ensinam primeiro as vogais, depois as consoantes, as sílabas, as palavras a frase; g)questiona a idéia de que se deva ir pouco a pouco para não criar lacunas de aprendizagem; h)questiona a idéia de que se deva ensinar das partes ao todo, e que, com o tempo o aluno estabelecerá relações.

Ao falar de projetos de trabalho o autor está interessado no ensino para a compreensão e na mudança da escola, para favorecer a compreensão dos alunos de si mesmos e do mundo que lhes rodeia. Na cultura contemporânea, uma questão fundamental para que um indivíduo possa compreender o mundo em que vive é que saiba como ter acesso, analisar e interpretar a informação. Na educação escolar supõe-se que se deva facilitar esse aproveitamento, num processo que começa, mas nunca termina, pois sempre podemos ter acesso a formas mais complexas de dar significado à informação.

Ensinar mediante projetos não é fazer projetosNeste ponto podemos que os projetos de trabalho fazem parte de uma tradição na escola que busca

estabelecer uma pesquisa de realidade e trabalho ativo par ao aluno, mas não se pode confundi-lo com Unidade Didática, Centro de Interesse ou Estudo do Meio.

O que têm em comum os projetos de trabalho com outras estratégias de ensino:• Vão além dos limites curriculares ( tanto das áreas como dos conteúdos)• Implicam a realização de atividades práticas.• Os temas selecionados são apropriados aos interesses e ao estágio de desenvolvimento dos alunos.• São realizadas experiências de primeira mão como visitas, presença de convidados na sala de aula, etc.• Deve ser feito algum tipo de pesquisa.• Necessita-se trabalhar estratégias de busca, ordenação e estudo de diferentes fontes de informação.

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•Implicam atividades individuais, grupais e de classe, em relação com as diferentes habilidades e conceitos que são aprendidos.Todas as características acima elencadas, de uma maneira ou de outra estão presentes nessas

modalidades de ensino, porque se encontram numa tradição educativa que recolhe propostas da Escola Nova e estão relacionadas com o papel da atividade e do estudo do próximo, vinculando-se a Dewey e a Bruner.

Hernandez diz que a existência de uma seqüência de passos conforme abaixo é uma primeira condição para a caracterização de um projeto de trabalho:

• Parte-se de um tema ou de um problema negociado com a turma.• Inicia-se um processo de pesquisa.• Buscam-se e selecionam-se as fontes de informação.• Estabelecem-se critérios de ordenação e de interpretação dos fatos.• Estabelecem-se relações com outros problemas.• Representa-se o processo de elaboração do conhecimento que foi seguido.• Recapitula-se (avalia-se) o que se aprendeu.• Conecta-se com um novo tem a ou problema.

O que aparece como distintivo, nessa hipotética seqüência, é que a aprendizagem e o ensino se realizam mediante um percurso que nunca é fixo, mas serve de fio condutor para a atuação dos docentes em relação aos alunos. Apresentamos abaixo algumas característica do que não é um projeto de trabalho:

9. Um percurso descrito por um tema. 10. Uma representação do que sabe o professor que é protagonista das decisões sobre a informação e que é o único que encarna a verdade do saber.11. Um percurso expositivo sem problemas e sem um fio condutor.12. Uma apresentação linear de um tema, baseada numa seqüência estável e única de passos e, vinculada a uma tipologia de informação.13. Uma atividade na qual o docente dá as respostas sobre o que já sabe.14. Pensar que os alunos devam aprender o que queremos ensinar-lhes.15. Uma representação de matérias escolares.16. Converter em matérias de estudo o que nossos alunos gostam e o que lhes apetece.

As principais características do que poderia ser um projeto de trabalho são as seguintes:10. Um

percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação crítica (como contraste de pontos de vista).

11. Onde predomina a atitude de cooperação, e o professor é um aprendiz, e não um especialista (pois ajuda a aprender sobre temas que irá estudar com os alunos).

12. Um percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a idéia de uma versão única da realidade.

13. Cada percurso é singular, e se trabalha com diferentes tipos de informação.

14. O docente ensina a escutar; do que os outros dizem, também podemos aprender.

15. Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos se aprenderão isso ou outras coisas).

16. Uma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.

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17. Uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem aprender, se encontrarem o lugar para isso.

18. Por isso, não se esquece que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade manual e à intuição é uma forma de aprendizagem. Para insistir em que não se trata de uma metodologia didática, e sim de uma maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão, gostaria de apontar algumas de suas implicações. Nessa maneira de conceber a educação, os estudantes participam num processo de pesquisa que tem sentido para eles e elas (não porque seja fácil ou porque gostem dele) e em que utilizam diferentes estratégias de pesquisa; podem participar no processo de planejamento da própria aprendizagem e são ajudados a serem flexíveis, reconhecer o outro e compreender seu próprio entorno pessoal e cultural.

A finalidade do ensino é promover, nos alunos, a compreensão dos problemas que investigam. Compreender é ser capaz de ir além da informação dada, é poder reconhecer as diferentes versões de um fato e buscar implicações além de propor hipóteses sobre as conseqüências dessa pluralidade de pontos de vista.

Como acontecia anteriormente os projetos de trabalho não são uma fórmula perfeita que se adapta a todas as ideologias, necessidades e trajetórias profissionais, mas é importante ressaltar que eles implicam um olhar diferente sobre o aluno, sobre o seu próprio trabalho e sobre o rendimento escolar.

Constituem um planejamento de ensino e aprendizagem vinculado a uma concepção de escolaridade em que se dá importância não só à aquisição de estratégias cognitivas de ordem superior, mas também ao papel do estudante como responsável por sua própria aprendizagem. Significa enfrentar o planejamento e a solução de problemas reais e oferece a possibilidade de investigar um tema partindo de um enfoque relacional que vincula idéias-chave e metodologias de diferentes disciplinas.

Uma pequena recapitulaçãoRecapitulando, podemos ver que os projetos de trabalho se apresentam não como um método ou uma

pedagogia, mas sim como uma concepção da educação e da Escola que leva em conta:• A abertura

para os conhecimentos e problemas que circulam fora da sala de aula e que vão além do currículo básico.• A

importância da relação com a informação que, na atualidade, se produz e circula de maneira diferente da que acontecia em épocas recentes; os problemas que estudam os saberes organizados; o contraste dos pontos de vista e a idéia de que a realidade não é senão para o sistema ou para uma pessoa que a defina. Daí a importância de se reconhecer os “lugares” dos quais se fala, as relações de exclusão que se favorecem e de construir critérios avaliativos para relacionar-se com essas interpretações.

• O papel do professor como facilitador (problematizador) da relação dos alunos com o conhecimento, processo no qual o docente atua também como aprendiz.

• A importância da atitude de escuta; o professor como base para construir com os alunos experiências substantivas de aprendizagem. Uma experiência substantiva é aquela que não tem um único caminho, permite desenvolver uma atitude investigadora e ajuda os estudantes e dar sentido a suas vidas (aprender deles mesmos) e às situações do mundo que os rodeia. Nesse sentido, o diálogo, com a gênese dos fenômenos desde uma perspectiva de reconstrução histórica aparece como fundamental.

• A função dos registros sobre o diálogo pedagógico que acontecem em sala de aula e em diferentes cenários, para expandir o conhecimento dos alunos e responsabilizá-los pela importância que tem aprender dos outros e com os outros.

• A organização do currículo não por disciplinas e baseada nos conteúdos como algo fixo e estável, mas sim a partir de uma concepção do currículo integrado, que leve em conta um horizonte educativo (planejado não como metas, mas sim, como objetivos do processo) para o final da escolaridade básica. Esse horizonte educativo se perfila em cada curso e se reconstrói em termos do que os alunos podem ter aprendido ao final de cada projeto, oficina ou experiência substantiva. O currículo assim se configura como um processo em construção. O que leva ao intercâmbio entre os docentes e anão fixar o que se ensina e se pode aprender na Escola de uma maneira permanente.

• Favorece-

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se a autodireção do aluno a partir de atividades como o plano de trabalho individual, o planejamento semanal ou quinzenal do que acontece na sala de aula.

• Significa que a avaliação faz parte das experiências substantivas de aprendizagem na medida em que permita a cada aluno reconstruir seu processo e transferir seus conhecimentos e estratégias a outras circunstâncias e problemas. Os projetos assim entendidos apontam outra maneira de representar o conhecimento escolar baseado na aprendizagem da interpretação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento que as disciplinas( que nem sempre coincidem com o das disciplinas escolares) e outros saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso para favorecer o desenvolvimento de estratégias de indagação, interpretação e apresentação do processo seguido ao estudar um tema ou um problema, que, por sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos e dos docentes de si mesmos e do mundo em que vivem.

Capítulo IV – A avaliação como parte do processo dos projetos de trabalhoUma das finalidades dos projetos é promover formas de aprendizagem que questionam a idéia de

verdade única, ao colocar os alunos diante de diferentes interpretações dos fenômenos está-se questionando plenamente a visão de avaliação baseada na consideração da realidade como algo objetivo e estável. Com isso o papel da avaliação passa a fazer parte do próprio processo de aprendizagem, e não é um apêndice que estabelece e qualifica o grau de ajuste dos alunos com a resposta única que o docente define.

Partindo-se de uma perspectiva ampla, entende-se por avaliação a realização de um conjunto de ações encaminhadas para recolher uma série de dados em torno de uma pessoa, fato, situação ou fenômeno, com fim de emitir um juízo sobre o mesmo.

Podemos distinguir três fases no processo de avaliação: avaliação inicial, avaliação formativa e avaliação recapitulativa.

Na avaliação inicial, pretende-se detectar os conhecimentos que os estudante já possuem quando começa um curso ou o estudo de um tema. Com ela, os professores podem posicionar-se diante do grupo para planejar melhor seu processo de ensino. Esse tipo de avaliação condiciona muitas vezes as expectativas posteriores dos professores, pois lhes leva a rotular as possibilidades dos alunos de aprender. No entanto, pode constituir-se numa prática recomendável se for inserida num modelo de ensino e aprendizagem que se estruture a partir do conhecimento de base dos estudantes.

A avaliação formativa é a que se supõe que deveria estar na base de todo processo de avaliação. Sua finalidade não é de controlar e qualificar os estudantes, mas, sim ajuda-los a progredir no caminho do conhecimento, a partir do ensino que se ministra e das formas de trabalhos utilizadas em sala de aula. Esta avaliação implica, para os professores, uma tarefa de ajuste constante entre o processo de ensino e o de aprendizagem para se ir adequando a evolução dos alunos e para estabelecer novas pautas de atuação em relação às evidências sobre sua aprendizagem.

A avaliação recapitulativa se apresenta como um processo de síntese de um tema, um curso ou um nível educativo, sendo o momento que permite reconhecer se os estudantes alcançaram os resultados esperados, adquiriram algumas das destrezas e habilidades propostas em função das situações de ensino e aprendizagem planejadas. Na prática, esse tipo de avalição se associa, sobretudo, com a noção de êxito ou fracasso dos estudantes na aprendizagem e serve como passagem para provar oficialmente os conhecimentos adquiridos.

Nos projetos de trabalho, com a avaliação, o que se pretende é estimular a capacidade de pesquisa, parece adequado que os estudantes possam aplicar(transferir) os conhecimentos que aprenderam para situações reais e de simulação, e não responder apenas a enunciados verbais, visuais ou numéricos de caráter reprodutivo. Mais do que medir, avaliar implica entender, interpretar e avaliar. Para isso é necessária uma múltipla abertura por parte dos docentes: conceitual, para dar entrada na avaliação de resultados não previstos e acontecimentos imprevisíveis; investigadora, para dar lugar ao levantamento de evidências tanto do processo como dos resultados; metodológica, para introduzir procedimentos informais frente à inflexível estratégia formal, o que implica passar do monismo ao pluralismo metodológico; ético-política, para recolher o caminho que vai da avaliação burocrática à democrática.

Além disso, a avaliação nos projetos leva em conta que, durante a última década, produziu-se uma série de mudanças nas concepções sobre o ensino e a aprendizagem que teve uma série de repercussões importantes no momento de se apresentar novas visões e práticas sobre a avaliação. Tais mudanças podem ser configuradas da seguinte maneira:

- da preocupação sobre como recordar informação, passou-se ao interesse sobre como transferi-la a outras situações;

-de destacar a importância de saber aplicar fórmulas previamente aprendidas ou memoriza-las para

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resolver problemas, passou-se à necessidade de planejar-se problemas e encontrar estratégias para resolve-los;

- a importância dos resultados se transformou no interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos;

- a valorização da quantidade de informação, da recitação de memória e da erudição está dando lugar a destacar a importância do saber como capacidade para buscar de forma seletiva, a ordenar e interpretar informação, para dar lhe sentido e transforma-la em conhecimento.

As propostas de mudança nas práticas avaliativas, de forma mais ou menos explícita, foram reconhecidas pela maioria das propostas de inovação curricular realizadas desde os anos 70. O que nem sempre se reflete na maneira de abordar a organização dos conhecimentos na Escola. Essas propostas prestavam atenção especial na forma de avaliar a aprendizagem com a finalidade de:

- dar conta e estar em consonância com as finalidades educativas;- repensar uma prática de avaliação que centrava toda a tensão e o sentido da aprendizagem na

atuação dos alunos diante de uma prova ou exame parcial ou final;- destacar a importância de não confundir a avaliação com a qualificação e a habilitação.

O portfólio como instrumento de avaliação nos projetos de trabalhoO portfólio é uma modalidade de avaliação que tem origem no campo da arte. Arquitetos,

desenhistas e artistas recolhem, selecionam e ordenam amostras de sua trajetória profissional para poder apresentá-los em um suporte físico (o portfólio), de maneira que o destinatário possa apreciar os marcos mais significativos do seu percurso, ao mesmo tempo em que se adquire uma visão global do mesmo.

No Ensino Fundamental, Médio e Superior, é possível realizar um processo de seleção e ordenação de amostras que reflitam a trajetória de aprendizagem de cada estudante, de maneira que, além de evidenciar seu percurso e refletir sobre ele, possam contrasta-lo com as finalidades de seu processo e as intenções educativas e formativas dos docentes. A função do portfólio se apresenta, assim, como facilitadora da reconstrução e da reelaboração por parte de cada estudante de seu próprio processo ao longo de um curso ou de um período de ensino.

A utilização do portfólio como recurso de avaliação é baseada na natureza evolutiva do processo de aprendizagem, oferecendo aos alunos e professores a oportunidade de refletir sobre o progresso dos estudantes em sua compreensão da realidade, ao mesmo tempo em que possibilita a introdução de mudanças durante o desenvolvimento do programa de ensino.

Capítulo V – Três projetos de trabalho como exemplos, não como pauta a seguirNeste capítulo o autor justifica algumas dificuldades quando são apresentados exemplos de projetos

de trabalho, pois trata-se de uma experiência única, vivenciadas por um determinado grupo de pessoas, numa determinada circunstância e portanto não pode ser considerada neutra e não pode ser tomado com receita a ser repetida.

Todo projeto implica que a aprendizagem se concebe numa produção ativa de significados em relação aos conhecimentos sociais e à própria bagagem do aprendiz. Ao tornar público uma experiência realizada são descritas algumas possibilidades, mas certamente outras poderiam ser incorporadas.

Capítulo VI – As informações nos servem para aprender e nos provocar novas interrogaçõesUm projeto pode ter diferentes leituras e vai envolvendo as pessoas na medida em que se desenvolve,

podendo surpreender pela curiosidade que vai despertando nas famílias dos educandos.No exemplo citado neste capítulo o projeto se inicia quando a pequena Alice de 4 anos, relata na sala

de aula, que tinha ido ao zoológico com os pais no final de semana, para se despedir de Ulisses, uma orca gigante, que iria para muito longe, para San Diego nos Estados Unidos

A partir desse relato e o acompanhamento da notícia através do jornal converteu-se num projeto de trabalho, que levou as crianças a estudarem as orcas, a geografia do percurso de Ulisses, os meios de transporte, etc. passando do episódico à generalização. Acompanhou-se todo o processo de transferência da orca de Barcelona até San Diego e como reagiu ao seu novo habitat, envolvendo todos os alunos e seus familiares. Tudo foi registrado no portfólio.

A leitura atenta do projeto permite ver que vários conteúdos de diferentes matérias foram abordados, mas não foi necessário ir buscá-los pois eles apareceram naturalmente.

Capítulo VII – “Eu aprendi o que queria dizer um símbolo”O projeto narrado neste capítulo narra a experiência de um projeto de trabalho realizado com

crianças da 1ª série do ensino fundamental, que nasceu a partir da visita a museu de Barcelona para visitar as

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obras do pintor espanhol El Greco. A visita ao museu foi precedida por um vídeo assistido pelas crianças, quando fizeram anotações.

O mundo no século XVI foi trazido à tona com a observação das obras do pintor, a partir da qual surgiram novas interrogações, passeou-se pela história e geografia da vida de EL Greco e se acompanhou na imprensa a repercussão das visitas das escolas ao museu. Na visita ao museu surgiu a necessidade de identificar os símbolos presentes nas obras do pintor e sues significados.

Foram analisadas as influências que marcaram a obra do artista e também se fizeram comparações com obras de outros artistas.

Capítulo VIII – Ter saúde é viver de acordo com nós mesmosEste projeto nasceu a partir de uma lista de 25 respostas sobre por que contaminamos o planeta? As

respostas da aluna Gemma que disse “ Suponho que temos que prejudicar a nós mesmos para fabricar alimentos úteis”, deram origem ao projeto intitulado “a saúde: viver de acordo com nós mesmos”.

Foram debatidos diferentes pontos de vista sobre o que é saúde, a relação entre a saúde física e a saúde psíquica, as situações que criam preocupações às crianças e meninas da Quinta série, a tensão e o estresse, e o que está acontecendo comigo?

Do projeto da saúde partiu-se para um novo caminho: a nutrição. Foram estudados o que é nutrição, o cardápio semanal da merenda escolar, a receita de uma alimentação natural e uma breve história da alimentação.

3. CHALITA, Gabriel B. I. O poder de fogo da educação. In: Revista Fapesp, edição 85, março 2003.

Algumas palavras têm o poder de trazer consigo uma imensa carga de sentimentos, emoções, expectativas, sonhos, desejos e quereres. São, a um só tempo, misto de poesia, de filosofia, de arte... Expressá-las e professá-las pode significar a mudança, a transformação, a transcendência. A junção de suas sílabas tem uma força capaz de mudar o mundo e, em casos extremos, funciona como um artifício bélico do bem, utilizado pelos desbravadores de novos tempos e pelos descobridores de novos caminhos. São armas que injetam ânimo, coragem, sensibilidade, talento. Dessa forma, podemos definir o amplo leque de sentidos e potencialidades da palavra educação, cuja beleza está em desvendar novos amanhãs e promissores horizontes. A todos nós, educadores, foi concedida a oportunidade de contribuir para promovê-la, transmitindo e propagando o desejo pelo conhecimento. Colaboramos para a criação de realidades mais belas e mais condizentes com os nossos sonhos. Faz parte da natureza humana querer sempre o melhor. Buscar a evolução, o desafio, a superação de limites. Façanhas impossíveis sem a educação como fundamento e passaporte. Ciente da grandiosidade dessa missão e de tudo o que ela pode proporcionar, o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação, tem trabalhado para fazer da rede estadual de ensino uma ponte capaz de levar nossos 6 milhões de alunos à aquisição de saberes, de competências e de habilidades capazes de torná-los cidadãos críticos e conscientes, aptos à construção de um futuro erguido sobre os pilares da infinita capacidade humana (que deve ser desenvolvida, incentivada e constantemente aguçada). Nossos programas, projetos e ações têm o objetivo primeiro de despertar mentes e corações para o prazer do aprendizado, da revelação, da epifania que caracterizam o fascinante processo da descoberta. Está sob nossa responsabilidade formar atores sociais talentosos, com maturidade intelectual e emocional suficiente para alcançar não apenas o sucesso profissional, mas a felicidade plena, em todos os aspectos de suas vidas. Todos os nossos alunos compõem um complexo contingente educacional, mas, ao mesmo tempo em que formam um grupo, uma coletividade, são também seres únicos, dotados de histórias de vida singulares, ricas e de natureza incomparável. São meninos e meninas, crianças e jovens provenientes das mais diversas realidades e origens. Muitos vivenciam uma infância e uma adolescência repleta de amor, de cuidado, de atenção e de incentivo de suas famílias. Outros, no entanto, sobrevivem a duras penas numa atmosfera densa, pesada, em nada parecida com o que deveria ser o aconchego e a proteção de um lar estruturado. São desprovidos dos referenciais mais básicos e têm por alimento da alma apenas a esperança depositada em dias melhores. Felizes ou apenas esperançosos têm, como todos nós, carências, problemas, alegrias, vontades, medos, posturas e os mais heterogêneos sonhos. Some-se a isso o fato de estarem atravessando uma fase de formação, de intenso aprendizado, de dúvidas, de questionamentos, de buscas incansáveis... Têm o privilégio, e também a grande responsabilidade, de ter todo um futuro pela frente. Nesse sentido, nossas políticas públicas educacionais levam em consideração, em primeiro lugar, as necessidades mais básicas desses cidadãos do futuro: a compreensão, o respeito por suas diferenças, por seus valores e pela história pessoal de cada um.O desempenho, o sucesso e a ampliação do potencial dos aprendizes dependem de nossa sensibilidade para vê-los como seres humanos e não apenas como números registrados nas

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listas de chamada. Por meio dessa prática, nós, educadores, poderemos ter a chance de ir além e de também aprender com nossos educandos. Sem essa troca essencial, estamos condenados a perder o brilho, a seiva, o norte... Educar é, sobretudo, nunca deixar de aprender e de acreditar.O primeiro passo para fazer da educação uma possibilidade real para todos já foi dado na medida em que promovemos a universalização do ensino. Os números mais recentes apontam um total de 99% de crianças freqüentando a escola no Estado de São Paulo. Uma vez garantido o acesso aos bancos escolares, nossos esforços convergem diretamente para as melhorias nas condições de aprendizagem - decorrentes do reflexo direto da mudança de filosofia da cultura escolar. Agora, singramos os mares de forma mais habilidosa porque navegamos com um lema comum a todas as nossas rotas: "todo professor é capaz de ensinar, todo aluno é capaz de aprender". E o inverso é absolutamente verdadeiro. Um lema que nos faz respeitar, por exemplo, o ritmo próprio de aprendizado e de assimilação de conteúdos de cada estudante. Um direito do indivíduo que vinha sendo relegado, mas que ganhou força com a implantação, em janeiro de 98, do regime de progressão continuada da aprendizagem, que possibilita o avanço contínuo dos alunos ao longo do percurso escolar, organizando o Ensino Fundamental em dois ciclos de quatro anos cada. Para ampliar os benefícios dessa prática aos estudantes de níveis mais avançados, adotamos a flexibilização do currículo no ensino médio, permitindo a matrícula por disciplina e evitando que o aluno refaça componentes nos quais foi bem-sucedido. Nessa viagem de importância histórica, a sociedade civil organizada tem sido nossa grande companheira. Empresas, igrejas, ONGs, universidades, entidades e associações variadas têm contribuído para que nossos alunos e professores desfrutem uma formação intelectual, física e emocional sólida, com direito ao esporte, à cultura, ao lazer, à arte, à profissionalização, à saúde e, enfim, à conquista de uma vida melhor. Juntos, temos viabilizado a capacitação constante dos educadores por meio de cursos, palestras, teleconferências e congressos. Em dezembro, por exemplo, presenciamos a formatura de 7 mil professores pelo programa PEC - Formação Universitária , programa de educação continuada, cujo objetivo é fornecer aos professores efetivos no ensino da 1ª à 4ª série, com formação de nível médio, de mais de 2 mil escolas de ensino fundamental do Estado, a oportunidade de formação em nível superior fornecida pela USP, Unesp e PUC-SP. Em todas as capacitações, encontros, visitas às escolas e conversas com os representantes da categoria, sempre ressaltamos a importância da aliança entre o aperfeiçoamento técnico do professor e a solidificação de uma postura afetiva em sala de aula. Queremos que nossos aprendizes enxerguem no mestre um exemplo a ser seguido, um amigo com quem possam contar e não uma autoridade acima do bem e do mal. Nas escolas, muitos programas e projetos têm favorecido essa prática mais afetiva e integrada. Os alunos sentem-se incentivados a participar, a descobrir e a mostrar seus talentos. Por isso, é fundamental que a comunidade do entorno escolar e da sociedade como um todo prestigie os eventos constantemente promovidos pelos estabelecimentos de ensino. Foi o que a secretaria - juntamente com a população que transitava pelo Centro de São Paulo - fez durante o mês de dezembro de 2002. Nossos funcionários uniam-se aos populares, sempre ao meio-dia, na Praça da República, para prestigiar os corais natalinos de dezenas de escolas estaduais provenientes das mais diversas regiões do Estado. O programa dos corais nas escolas, bem como aqueles ligados à música clássica, ao teatro, ao cinema, à criação de bandas e fanfarras, à preservação do meio ambiente, ao exercício dos direitos e deveres do cidadão - fortalecimento e reativação dos grêmios, campanhas comunitárias, combate às drogas e à violência, etc. - têm propiciado uma revolução verdadeiramente positiva na vida dos estudantes. Programas como Parceiros do Futuro, Comunidade Presente, Prevenção Também se Ensina, Escola em Parceria, Mutirão da Cidadania e Programa Profissão estão, na verdade, plantando sementes e oferecendo não só para São Paulo, mas para todo o Brasil, a chance de ter, num futuro breve, uma colheita digna dos anseios e do trabalho de todo o seu povo. Que as nossas palavras, corroboradas - e impregnadas - pela verdade impressa em nossas ações, possam colaborar para a discussão, para o debate e para a reflexão em torno dessa educação afetiva e eficaz. Uma educação que privilegia a criação de gerações mais capacitadas, tanto para contribuir para o desenvolvimento e o progresso da ciência quanto para desfrutar todos os seus benefícios. Uma educação que oriente e funcione como a bússola que desvenda as infinitas maneiras de navegar, com sucesso, pelos mares da vida.

Gabriel Chalita , professor, é secretário de Estado da Educação de São Paulo. Doutor em Direito, Comunicação e Semiótica, e autor de 34 livros.

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4. Par. CNE/CEB n. º 17/2001 - Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial.

I - RELATÓRIO

A edição de Diretrizes Nacionais envolve estudos abrangentes relativos à matéria que, no caso, é a Educação Especial. Muitas interrogações voltam-se para a pesquisa sobre o assunto; sua necessidade, sua incidência no âmbito da Educação e do Ensino, como atendimento à clientela constituída de portadores de deficiências detectáveis nas mais diversas áreas educacionais, políticas e sociais.

Como base para o presente relatório e decorrente produção de parecer foram utilizadas, além de ampla bibliografia, diversos estudos oferecidos à Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, entre outros, os provenientes do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e, com ênfase, os estudos e trabalhos realizados pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.

Dentre os principais documentos que formaram o substrato documental do parecer sobre a Educação Especial citam-se:

1- “Proposta de Inclusão de Itens ou Disciplina acerca dos Portadores de Necessidades Especiais nos currículos dos cursos de 1º e 2º graus” (sic.)

2- Outros estudos:a) “Desafios para a Educação Especial frente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional”;b) “Formação de Professores para a Educação Inclusiva”;c) “Recomendações aos Sistemas de Ensino”; e, d) “Referenciais para a Educação Especial”.O Presente Parecer é resultado do conjunto de estudos provenientes das bases, onde o

fenômeno é vivido e trabalhado.

De modo particular, foi o documento “Recomendações aos Sistemas de Ensino” que configurou a necessidade e a urgência da elaboração de normas, pelos sistemas de ensino e educação, para o atendimento da significativa população que apresenta necessidades educacionais especiais.

A elaboração de projeto preliminar de Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica havia sido discutida por diversas vezes, no âmbito da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para a qual foi enviado o documento “Referenciais para a Educação Especial”. Após esses estudos preliminares, a Câmara de Educação Básica decidiu retomar os trabalhos, sugerindo que esse documento fosse encaminhado aos sistemas de ensino de todo o Brasil, de modo que suas orientações pudessem contribuir para a normatização dos serviços previstos nos Artigos 58, 59 e 60, do Capítulo V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN.

Isto posto, tem agora a Câmara de Educação Básica os elementos indispensáveis para analisar, discutir e sintetizar o conjunto de estudos oferecidos pelas diversas instâncias educacionais mencionadas. Com o material assim disposto, tornou-se possível, atendendo aos “Referenciais para a Educação Especial”1, elaborar

1 Com base nos “Referenciais para a Educação Especial”, devem ser feitas nesta introdução algumas recomendações aos sistemas de ensino e educação:

1. Implantar a educação especial em todas as etapas da educação básica;2 . Prover a rede pública dos meios necessários e suficientes para essa modalidade;

3. Estabelecer políticas efetivas e adequadas à implantação da educação especial;

4. Orientar acerca de flexibilizações/adaptações dos currículos escolares;

5. Orientar acerca da avaliação pedagógica e do fluxo escolar de alunos com necessidades

educacionais especiais;

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o texto próprio para a edição das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, em dois grandes temas:

a) TEMA I: A Organização dos Sistemas de Ensino para o Atendimento ao Aluno que Apresenta Necessidades Educacionais Especiais; e

b) TEMA II: A Formação do Professor.

O tema II, por ser parte da competência da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE), foi encaminhado àquela Câmara encarregada de elaborar as diretrizes para a formação de professores.

1 - A ORGANIZAÇÃO DOS SISTEMAS DE ENSINO PARA O ATENDIMENTO AO ALUNO QUE APRESENTA NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

1 - Fundamentos

A Educação Especial, como modalidade da educação escolar, organiza-se de modo a considerar uma aproximação sucessiva dos pressupostos e da prática pedagógica social da educação inclusiva, a fim de cumprir os seguintes dispositivos legais e político-filosóficos:

1.1 - Constituição Federal, Título VIII, da ORDEM SOCIAL:

Artigo 208:

III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo.

V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

Art. 227:

II - § 1º - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

§ 2º - A lei disporá normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

1.2 - Lei n°. 10.172/01. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

O Plano Nacional de Educação estabelece vinte e sete objetivos e metas para a educação das pessoas com necessidades educacionais especiais. Sinteticamente, essas metas tratam:

do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios – inclusive em parceria com as áreas de saúde e assistência social – visando à ampliação da oferta de atendimento desde a educação infantil até a qualificação profissional dos alunos;

6. Estabelecer ações conjuntas com as instituições de educação superior para a formação adequada de

professores;

7. Prever condições para o atendimento extraordinário em classes especiais ou em escolas especiais;

8. Fazer cumprir o Decreto Federal nº 2.208/97, no tocante à educação profissional de alunos com

necessidades educacionais especiais [posteriormente, o Conselho Nacional de Educação aprovou o

Parecer CNE/CEB no. 16/99 e a Resolução CNECEB no. 4/99];

9. Estabelecer normas para o atendimento aos superdotados; e10. Atentar para a observância de todas as normas de educação especial.

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das ações preventivas nas áreas visual e auditiva até a generalização do atendimento aos alunos na educação infantil e no ensino fundamental;

do atendimento extraordinário em classes e escolas especiais ao atendimento preferencial na rede regular de ensino; e

da educação continuada dos professores que estão em exercício à formação em instituições de ensino superior.

1.3 - Lei n°. 853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais.

1.4 - Lei n°. 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras determinações, estabelece, no § 1o do Artigo 2o:

“A criança e o adolescente portadores de deficiências receberão atendimento especializado.”

O ordenamento do Artigo 5o é contundente:

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

1.5 - Lei n°. 9.394/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Art. 4º, III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;

V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

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Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.

Parágrafo Único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.”

1.6 - Decreto n°. 3.298/99. Regulamenta a Lei no. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências.

1.7 - Portaria MEC n°. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiências para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.

1.8 - Lei n°. 10.098/00. Estabelece normas gerais e critérios básicos para promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências.

1.9 - Declaração Mundial de Educação para Todos e Declaração de Salamanca.

O Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade.

Desse documento, ressaltamos alguns trechos que criam as justificativas para as linhas de propostas que são apresentadas neste texto2:

“todas as crianças, de ambos os sexos, têm direito fundamental à educação e que a ela deva ser dada a oportunidade de obter e manter nível aceitável de conhecimento”;

“cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios”;

“os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda gama dessas diferentes características e necessidades”;

“as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades”;

“adotar com força de lei ou como política, o princípio da educação integrada que permita a matrícula de todas as crianças em escolas comuns, a menos que haja razões convincentes para o contrário”;

“... Toda pessoa com deficiência tem o direito de manifestar seus desejos quanto a sua educação, na medida de sua capacidade de estar certa disso. Os pais têm o direito inerente de serem consultados sobre a forma de educação que melhor se ajuste às necessidades, circunstâncias e aspirações de seus filhos” [Nesse aspecto último, por acréscimo nosso, os pais não podem incorrer em lesão ao direito subjetivo à educação obrigatória, garantido no texto constitucional];

“As políticas educacionais deverão levar em conta as diferenças individuais e as diversas situações. Deve ser levada em consideração, por exemplo, a importância da língua de sinais como meio de comunicação para os surdos, e ser assegurado a todos os surdos acesso ao ensino da língua de sinais de seu país. Face às necessidades específicas de comunicação de surdos e de surdos-cegos, seria mais conveniente que a educação lhes fosse ministrada em escolas especiais ou em classes ou unidades especiais nas escolas comuns”;

“... desenvolver uma pedagogia centralizada na criança, capaz de educar com sucesso todos os meninos e meninas, inclusive os que sofrem de deficiências graves. O mérito dessas escolas não está só na capacidade de dispensar educação de qualidade a todas as crianças; com sua criação, dá-se um passo muito importante para tentar mudar atitudes de discriminação, criar comunidades que acolham a todos...”;

2 . O documento irá se referir à "necessidades educativas especiais" como "necessidades educacionais especiais", adotando a proposta de Mazzotta (1998), de substituir "educativa" por "educacional". Do mesmo modo, considerando que a tradução do documento original de Salamanca deve ser adaptada à terminologia educacional brasileira, tomamos a liberdade de alterar as expressões “integrada” ou “integradora” por “inclusiva”, assim como adequamos as referências às etapas da educação básica (“primário e secundário” por “fundamental e médio”).

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“... que todas as crianças, sempre que possível, possam aprender juntas, independentemente de suas dificuldades e diferenças... as crianças com necessidades educacionais especiais devem receber todo apoio adicional necessário para garantir uma educação eficaz”. “... deverá ser dispensado apoio contínuo, desde a ajuda mínima nas classes comuns até a aplicação de programas suplementares de apoio pedagógico na escola, ampliando-os, quando necessário, para receber a ajuda de professores especializados e de pessoal de apoio externo”;

“... A escolarização de crianças em escolas especiais – ou classes especiais na escola regular – deveria ser uma exceção, só recomendável naqueles casos, pouco freqüentes, nos quais se demonstre que a educação nas classes comuns não pode satisfazer às necessidades educativas ou sociais da criança, ou quando necessário para o bem estar da criança...” “... nos casos excepcionais, em que seja necessário escolarizar crianças em escolas especiais, não é necessário que sua educação seja completamente isolada”.

“Deverão ser tomadas as medidas necessárias para conseguir a mesma política integradora de jovens e adultos com necessidades especiais, no ensino secundário e superior, assim como nos programas de formação profissional”;

“assegurar que, num contexto de mudança sistemática, os programas de formação do professorado, tanto inicial como contínua, estejam voltados para atender às necessidades educacionais especiais nas escolas...”;

“Os programas de formação inicial deverão incutir em todos os professores da educação básica uma orientação positiva sobre a deficiência que permita entender o que se pode conseguir nas escolas com serviços locais de apoio. Os conhecimentos e as aptidões requeridos são basicamente os mesmos de uma boa pedagogia, isto é, a capacidade de avaliar as necessidades especiais, de adaptar o conteúdo do programa de estudos, de recorrer à ajuda da tecnologia, de individualizar os procedimentos pedagógicos para atender a um maior número de aptidões... Atenção especial deverá ser dispensada à preparação de todos os professores para que exerçam sua autonomia e apliquem suas competências na adaptação dos programas de estudos e da pedagogia, a fim de atender às necessidades dos alunos e para que colaborem com os especialistas e com os pais”;

“A capacitação de professores especializados deverá ser reexaminada com vista a lhes permitir o trabalho em diferentes contextos e o desempenho de um papel-chave nos programas relativos às necessidades educacionais especiais. Seu núcleo comum deve ser um método geral que abranja todos os tipos de deficiências, antes de se especializar numa ou várias categorias particulares de deficiência”;

“o acolhimento, pelas escolas, de todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras (necessidades educativas especiais);

“uma pedagogia centralizada na criança, respeitando tanto a dignidade como as diferenças de todos os alunos”;

“uma atenção especial às necessidades de alunos com deficiências graves ou múltiplas, já que se assume terem eles os mesmos direitos, que os demais membros da comunidade, de virem a ser adultos que desfrutem de um máximo de independência. Sua educação, assim, deverá ser orientada nesse sentido, na medida de suas capacidades”;

“os programas de estudos devem ser adaptados às necessidades das crianças e não o contrário, sendo que as que apresentarem necessidades educativas especiais devem receber apoio adicional no programa regular de estudos, ao invés de seguir um programa de estudos diferente”;

“os administradores locais e os diretores de estabelecimentos escolares devem ser convidados a criar procedimentos mais flexíveis de gestão, a remanejar os recursos pedagógicos, diversificar as opções educativas, estabelecer relações com pais e a comunidade”;

“o corpo docente, e não cada professor, deverá partilhar a responsabilidade do ensino ministrado a crianças com necessidades especiais”;

“as escolas comuns, com essa orientação integradora, representam o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e dar educação para todos; além disso, proporcionam uma educação efetiva à maioria das crianças e melhoram a eficiência e, certamente, a relação custo–benefício de todo o sistema educativo”;

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“A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, em classes comuns, exige que a escola regular se organize de forma a oferecer possibilidades objetivas de aprendizagem, a todos os alunos, especialmente àqueles portadores de deficiências”.

Esses dispositivos legais e político-filosóficos possibilitam estabelecer o horizonte das políticas educacionais, de modo que se assegure a igualdade de oportunidades e a valorização da diversidade no processo educativo. Nesse sentido, tais dispositivos devem converter-se em um compromisso ético-político de todos, nas diferentes esferas de poder, e em responsabilidades bem definidas para sua operacionalização na realidade escolar.

2 . A política educacional

Percorrendo os períodos da história universal, desde os mais remotos tempos, evidenciam-se teorias e práticas sociais segregadoras, inclusive quanto ao acesso ao saber. Poucos podiam participar dos espaços sociais nos quais se transmitiam e se criavam conhecimentos. A pedagogia da exclusão tem origens remotas, condizentes com o modo como estão sendo construídas as condições de existência da humanidade em determinado momento histórico.

Os indivíduos com deficiências, vistos como “doentes” e incapazes, sempre estiveram em situação de maior desvantagem, ocupando, no imaginário coletivo, a posição de alvos da caridade popular e da assistência social, e não de sujeitos de direitos sociais, entre os quais se inclui o direito à educação. Ainda hoje, constata-se a dificuldade de aceitação do diferente no seio familiar e social, principalmente do portador de deficiências múltiplas e graves, que na escolarização apresenta dificuldades acentuadas de aprendizagem.

Além desse grupo, determinados segmentos da comunidade permanecem igualmente discriminados e à margem do sistema educacional. É o caso dos superdotados, portadores de altas habilidades, “brilhantes” e talentosos que, devido a necessidades e motivações específicas – incluindo a não aceitação da rigidez curricular e de aspectos do cotidiano escolar – são tidos por muitos como trabalhosos e indisciplinados, deixando de receber os serviços especiais de que necessitam, como por exemplo o enriquecimento e aprofundamento curricular. Assim, esses alunos muitas vezes abandonam o sistema educacional, inclusive por dificuldades de relacionamento.

Outro grupo que é comumente excluído do sistema educacional é composto por alunos que apresentam dificuldades de adaptação escolar por manifestações condutuais peculiares de síndromes e de quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento, dificuldades acentuadas de aprendizagem e prejuízo no relacionamento social.

Certamente, cada aluno vai requerer diferentes estratégias pedagógicas, que lhes possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento socialmente construído e à vida produtiva, condições essenciais para a inclusão social e o pleno exercício da cidadania. Entretanto, devemos conceber essas estratégias não como medidas compensatórias e pontuais, e sim como parte de um projeto educativo e social de caráter emancipatório e global.

A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida.

Como parte integrante desse processo e contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se a inclusão educacional.

Um longo caminho foi percorrido entre a exclusão e a inclusão escolar e social. Até recentemente, a teoria e a prática dominantes relativas ao atendimento às necessidades educacionais especiais de crianças, jovens e adultos, definiam a organização de escolas e de classes especiais, separando essa população dos demais alunos. Nem sempre, mas em muitos casos, a escola especial desenvolvia-se em regime residencial e, conseqüentemente, a criança, o adolescente e o jovem eram afastados da família e da sociedade. Esse procedimento conduzia, invariavelmente, a um aprofundamento maior do preconceito.

Essa tendência, que já foi senso comum no passado, reforçava não só a segregação de indivíduos, mas também os preconceitos sobre as pessoas que fugiam do padrão de “normalidade”, agravando-se pela irresponsabilidade dos sistemas de ensino para com essa parcela da população, assim como pelas omissões e/ou insuficiência de informações acerca desse alunado nos cursos de formação de professores. Na

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tentativa de eliminar os preconceitos e de integrar os alunos portadores de deficiências nas escolas comuns do ensino regular, surgiu o movimento de integração escolar.

Esse movimento caracterizou-se, de início, pela utilização das classes especiais (integração parcial) na “preparação” do aluno para a “integração total” na classe comum. Ocorria, com freqüência, o encaminhamento indevido de alunos para as classes especiais e, conseqüentemente, a rotulação a que eram submetidos.

O aluno, nesse processo, tinha que se adequar à escola, que se mantinha inalterada. A integração total na classe comum só era permitida para aqueles alunos que conseguissem acompanhar o currículo ali desenvolvido. Tal processo, no entanto, impedia que a maioria das crianças, jovens e adultos com necessidades especiais alcançassem os níveis mais elevados de ensino. Eles engrossavam, dessa forma, a lista dos excluídos do sistema educacional.

Na era atual, batizada como a era dos direitos, pensa-se diferentemente acerca das necessidades educacionais de alunos. A ruptura com a ideologia da exclusão proporcionou a implantação da política de inclusão, que vem sendo debatida e exercitada em vários países, entre eles o Brasil. Hoje, a legislação brasileira posiciona-se pelo atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais preferencialmente em classes comuns das escolas, em todos os níveis, etapas e modalidades de educação e ensino.

A educação tem hoje, portanto, um grande desafio: garantir o acesso aos conteúdos básicos que a escolarização deve proporcionar a todos os indivíduos – inclusive àqueles com necessidades educacionais especiais, particularmente alunos que apresentam altas habilidades, precocidade, superdotação; condutas típicas de síndromes/quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos; portadores de deficiências, ou seja, alunos que apresentam significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores genéticos, inatos ou ambientais, de caráter temporário ou permanente e que, em interação dinâmica com fatores socioambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas da maioria das pessoas3.

Ao longo dessa trajetória, verificou-se a necessidade de se reestruturar os sistemas de ensino, que devem organizar-se para dar respostas às necessidades educacionais de todos os alunos. O caminho foi longo, mas aos poucos está surgindo uma nova mentalidade, cujos resultados deverão ser alcançados pelo esforço de todos, no reconhecimento dos direitos dos cidadãos. O principal direito refere-se à preservação da dignidade e à busca da identidade como cidadãos. Esse direito pode ser alcançado por meio da implementação da política nacional de educação especial. Existe uma dívida social a ser resgatada.

Vem a propósito a tese defendida no estudo e Parecer da Câmara de Educação Básica (CEB/CNE) sobre a função reparadora na Educação de Jovens e Adultos (EJA) que, do seu relator Prof. Carlos Roberto Jamil Cury, mereceu um capítulo especial. Sem dúvida alguma, um grande número de alunos com necessidades educacionais especiais poderá recuperar o tempo perdido por meio dos cursos dessa modalidade:

“Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito do direito civil pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todos e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento”.

Falando da Função Equalizadora, o mesmo Parecer especifica:

“A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio – político – culturais , aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas, podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se vêem desprovidos de bens tão básicos, como a escrita e a leitura.” (Parecer nº 11/2000-CEB/CNE.).

Certamente, essas funções descritas e definidas no Parecer que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos podem, sem prejuízo, qualificar as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, principalmente porque muitos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais também se incluem nessa modalidade de educação.

3 Conselho de Educação do Estado de São Paulo.

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3. Princípios

Matéria tão complexa como a do direito à educação das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais requer fundamentação nos seguintes princípios:

a preservação da dignidade humana;a busca da identidade; eo exercício da cidadania.

Se historicamente são conhecidas as práticas que levaram, inclusive, à extinção e à exclusão social de seres humanos considerados não produtivos, é urgente que tais práticas sejam definitivamente banidas da sociedade humana. E bani-las não significa apenas não praticá-las. Exige a adoção de práticas fundamentadas nos princípios da dignidade e dos direitos humanos. Nada terá sido feito se, no exercício da educação e da formação da personalidade humana, o esforço permanecer vinculado a uma atitude de comiseração, como se os alunos com necessidades educacionais especiais fossem dignos de piedade.

A dignidade humana não permite que se faça esse tipo de discriminação. Ao contrário, exige que os direitos de igualdade de oportunidades sejam respeitados. O respeito à dignidade da qual está revestido todo ser humano impõe-se, portanto, como base e valor fundamental de todo estudo e ações práticas direcionadas ao atendimento dos alunos que apresentam necessidades especiais, independentemente da forma em que tal necessidade se manifesta.

A vida humana ganha uma riqueza se é construída e experimentada tomando como referência o princípio da dignidade. Segundo esse princípio, toda e qualquer pessoa é digna e merecedora do respeito de seus semelhantes e tem o direito a boas condições de vida e à oportunidade de realizar seus projetos.

Juntamente com o valor fundamental da dignidade, impõe-se o da busca da identidade. Trata-se de um caminho nunca suficientemente acabado. Todo cidadão deve, primeiro, tentar encontrar uma identidade inconfundivelmente sua. Para simbolizar a sociedade humana, podemos utilizar a forma de um prisma, em que cada face representa uma parte da realidade. Assim, é possível que, para encontrar sua identidade específica, cada cidadão precise encontrar-se como pessoa, familiarizar-se consigo mesmo, até que, finalmente, tenha uma identidade, um rosto humanamente respeitado.

Essa reflexão favorece o encontro das possibilidades, das capacidades de que cada um é dotado, facilitando a verdadeira inclusão. A interdependência de cada face desse prisma possibilitará a abertura do indivíduo para com o outro, decorrente da aceitação da condição humana. Aproximando-se, assim, as duas realidades – a sua e a do outro – visualiza-se a possibilidade de interação e extensão de si mesmo.

Em nossa sociedade, ainda há momentos de séria rejeição ao outro, ao diferente, impedindo-o de sentir-se, de perceber-se e de respeitar-se como pessoa. A educação, ao adotar a diretriz inclusiva no exercício de seu papel socializador e pedagógico, busca estabelecer relações pessoais e sociais de solidariedade, sem máscaras, refletindo um dos tópicos mais importantes para a humanidade, uma das maiores conquistas de dimensionamento "ad intra" e "ad extra" do ser e da abertura para o mundo e para o outro. Essa abertura, solidária e sem preconceitos, poderá fazer com que todos percebam-se como dignos e iguais na vida social.

A democracia, nos termos em que é definida pelo Artigo I da Constituição Federal, estabelece as bases para viabilizar a igualdade de oportunidades, e também um modo de sociabilidade que permite a expressão das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, no desdobramento do que se chama de conjunto central de valores, devem valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, tanto do ponto de vista de valores quanto de costumes, crenças religiosas, expressões artísticas, capacidades e limitações.

A atitude de preconceito está na direção oposta do que se requer para a existência de uma sociedade democrática e plural. As relações entre os indivíduos devem estar sustentadas por atitudes de respeito mútuo. O respeito traduz-se pela valorização de cada indivíduo em sua singularidade, nas características que o constituem. O respeito ganha um significado mais amplo quando se realiza como respeito mútuo: ao dever de respeitar o outro, articula-se o direito de ser respeitado. O respeito mútuo tem sua significação ampliada no conceito de solidariedade.

A consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (eqüidade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igualdade. O princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional.

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Como exemplo dessa afirmativa, pode-se registrar o direito à igualdade de oportunidades de acesso ao currículo escolar. Se cada criança ou jovem brasileiro com necessidades educacionais especiais tiver acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania, estaremos dando um passo decisivo para a constituição de uma sociedade mais justa e solidária.

A forma pela qual cada aluno terá acesso ao currículo distingue-se pela singularidade. O cego, por exemplo, por meio do sistema Braille; o surdo, por meio da língua de sinais e da língua portuguesa; o paralisado cerebral, por meio da informática, entre outras técnicas.

O convívio escolar permite a efetivação das relações de respeito, identidade e dignidade. Assim, é sensato pensar que as regras que organizam a convivência social de forma justa, respeitosa, solidária têm grandes chances de aí serem seguidas.

A inclusão escolar constitui uma proposta que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos, mas encontra ainda sérias resistências. Estas se manifestam, principalmente, contra a idéia de que todos devem ter acesso garantido à escola comum. A dignidade, os direitos individuais e coletivos garantidos pela Constituição Federal impõem às autoridades e à sociedade brasileira a obrigatoriedade de efetivar essa política, como um direito público subjetivo, para o qual os recursos humanos e materiais devem ser canalizados, atingindo, necessariamente, toda a educação básica.

O propósito exige ações práticas e viáveis, que tenham como fundamento uma política específica, em âmbito nacional, orientada para a inclusão dos serviços de educação especial na educação regular. Operacionalizar a inclusão escolar – de modo que todos os alunos, independentemente de classe, raça, gênero, sexo, características individuais ou necessidades educacionais especiais, possam aprender juntos em uma escola de qualidade – é o grande desafio a ser enfrentado, numa clara demonstração de respeito à diferença e compromisso com a promoção dos direitos humanos.

4. Construindo a inclusão na área educacional

Por educação especial, modalidade de educação escolar – conforme especificado na LDBEN e no recente Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Artigo 24, § 1º – entende-se um processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns4, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação (Mazzotta, 1998).

A educação especial, portanto, insere-se nos diferentes níveis da educação escolar: Educação Básica – abrangendo educação infantil, educação fundamental e ensino médio – e Educação Superior, bem como na interação com as demais modalidades da educação escolar, como a educação de jovens e adultos, a educação profissional e a educação indígena.

A política de inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos demais educandos, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades.

O respeito e a valorização da diversidade dos alunos exigem que a escola defina sua responsabilidade no estabelecimento de relações que possibilitem a criação de espaços inclusivos, bem como procure superar a produção, pela própria escola, de necessidades especiais.

A proposição dessas políticas deve centrar seu foco de discussão na função social da escola. É no projeto pedagógico que a escola se posiciona em relação a seu compromisso com uma educação de 4 Este Parecer adota as seguintes acepções para os termos assinalados:a) Apoiar: “prestar auxílio ao professor e ao aluno no processo de ensino e aprendizagem, tanto nas classes comuns quanto em salas de recursos”; complementar: “completar o currículo para viabilizar o acesso à base nacional comum”; suplementar: “ampliar, aprofundar ou enriquecer a base nacional comum”. Essas formas de atuação visam assegurar resposta educativa de qualidade às necessidades educacionais especiais dos alunos nos serviços educacionais comuns.b) Substituir: “colocar em lugar de”. Compreende o atendimento educacional especializado realizado em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e atendimento domiciliar.

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qualidade para todos os seus alunos. Assim, a escola deve assumir o papel de propiciar ações que favoreçam determinados tipos de interações sociais, definindo, em seu currículo, uma opção por práticas heterogêneas e inclusivas. De conformidade com o Artigo 13 da LDBEN, em seus incisos I e II, ressalta-se o necessário protagonismo dos professores no processo de construção coletiva do projeto pedagógico.

Dessa forma, não é o aluno que se amolda ou se adapta à escola, mas é ela que, consciente de sua função, coloca-se à disposição do aluno, tornando-se um espaço inclusivo. Nesse contexto, a educação especial é concebida para possibilitar que o aluno com necessidades educacionais especiais atinja os objetivos da educação geral.

O planejamento e a melhoria consistentes e contínuos da estrutura e funcionamento dos sistemas de ensino, com vistas a uma qualificação crescente do processo pedagógico para a educação na diversidade, implicam ações de diferente natureza:

4.1 - No âmbito político

Os sistemas escolares deverão assegurar a matrícula de todo e qualquer aluno, organizando-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns. Isto requer ações em todas as instâncias, concernentes à garantia de vagas no ensino regular para a diversidade dos alunos, independentemente das necessidades especiais que apresentem; a elaboração de projetos pedagógicos que se orientem pela política de inclusão e pelo compromisso com a educação escolar desses alunos; o provimento, nos sistemas locais de ensino, dos necessários recursos pedagógicos especiais, para apoio aos programas educativos e ações destinadas à capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos.

Essa política inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos e garantia de recursos financeiros e serviços de apoio pedagógico públicos e privados especializados para assegurar o desenvolvimento educacional dos alunos.

Considerando as especificidades regionais e culturais que caracterizam o complexo contexto educacional brasileiro, bem como o conjunto de necessidades educacionais especiais presentes em cada unidade escolar, há que se enfatizar a necessidade de que decisões sejam tomadas local e/ou regionalmente, tendo por parâmetros as leis e diretrizes pertinentes à educação brasileira, além da legislação específica da área.

É importante que a descentralização do poder, manifestada na política de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios seja efetivamente exercitada no País, tanto no que se refere ao debate de idéias, como ao processo de tomada de decisões acerca de como devem se estruturar os sistemas educacionais e de quais procedimentos de controle social serão desenvolvidos.

Tornar realidade a educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará por decreto, sem que se avaliem as reais condições que possibilitem a inclusão planejada, gradativa e contínua de alunos com necessidades educacionais especiais nos sistemas de ensino. Deve ser gradativa, por ser necessário que tanto a educação especial como o ensino regular possam ir se adequando à nova realidade educacional, construindo políticas, práticas institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade do ensino, que envolve alunos com ou sem necessidades educacionais especiais.

Para que se avance nessa direção, é essencial que os sistemas de ensino busquem conhecer a demanda real de atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, mediante a criação de sistemas de informação – que, além do conhecimento da demanda, possibilitem a identificação, análise, divulgação e intercâmbio de experiências educacionais inclusivas – e o estabelecimento de interface com os órgãos governamentais responsáveis pelo Censo Escolar e pelo Censo Demográfico, para atender a todas as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo desses alunos.

4.2 - No âmbito técnico-científico

A formação dos professores5 para o ensino na diversidade, bem como para o desenvolvimento de trabalho de equipe são essenciais para a efetivação da inclusão.5 A fundamentação legal e conceitual que preside à formação: a) do professor dos professores; b) do professor generalista, (com orientação explícita para o atendimento, em classe comum, de discentes com necessidades especiais); c) do professor para educação especial (para o atendimento às diferentes necessidades educacionais especiais) é estudo próprio da Educação Superior. Portanto, essa matéria está sendo tratada por Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação, encarregada das Diretrizes Nacionais para Formação de Professores.

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Tal tema, no entanto, por ser da competência da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE), foi encaminhado para a comissão bicameral encarregada de elaborar as diretrizes para a formação de professores.

Cabe enfatizar que o inciso III do artigo 59 da LDBEN refere-se a dois perfis de professores para atuar com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais: o professor da classe comum capacitado e o professor especializado em educação especial.

São considerados professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos ou disciplinas sobre educação especial e desenvolvidas competências para:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos;II - flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento;III - avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;IV - atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial. São considerados professores especializados em educação especial aqueles que desenvolveram

competências para identificar as necessidades educacionais especiais, definir e implementar respostas educativas a essas necessidades, apoiar o professor da classe comum, atuar nos processos de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, desenvolvendo estratégias de flexibilização, adaptação curricular e práticas pedagógicas alternativas, entre outras, e que possam comprovar:

a) formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; e

b) complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Aos professores que já estão exercendo o magistério devem ser oferecidas oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Cabe a todos, principalmente aos setores de pesquisa, às Universidades, o desenvolvimento de estudos na busca dos melhores recursos para auxiliar/ampliar a capacidade das pessoas com necessidades educacionais especiais de se comunicar, de se locomover e de participar de maneira cada vez mais autônoma do meio educacional, da vida produtiva e da vida social, exercendo assim, de maneira plena, a sua cidadania. Estudos e pesquisas sobre inovações na prática pedagógica e desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias ao processo educativo, por exemplo, são de grande relevância para o avanço das práticas inclusivas, assim como atividades de extensão junto às comunidades escolares.

4.3 - No âmbito pedagógico

Todos os alunos, em determinado momento de sua vida escolar, podem apresentar necessidades educacionais, e seus professores, em geral, conhecem diferentes estratégias para dar respostas a elas. No entanto, existem necessidades educacionais que requerem, da escola, uma série de recursos e apoios de caráter mais especializado, que proporcionem ao aluno meios para acesso ao currículo. Essas são as chamadas necessidades educacionais especiais.

Como se vê, trata-se de um conceito amplo: em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deva ajustar-se a padrões de “normalidade” para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos.

Um projeto pedagógico que inclua os educandos com necessidades educacionais especiais deverá seguir as mesmas diretrizes já traçadas pelo Conselho Nacional de Educação para a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a educação profissional de nível técnico, a educação de jovens e adultos e a educação escolar indígena. Entretanto, esse projeto deverá

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atender ao princípio da flexibilização, para que o acesso ao currículo seja adequado às condições dos discentes, respeitando seu caminhar próprio e favorecendo seu progresso escolar.

No decorrer do processo educativo, deverá ser realizada uma avaliação pedagógica dos alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, objetivando identificar barreiras que estejam impedindo ou dificultando o processo educativo em suas múltiplas dimensões.

Essa avaliação deverá levar em consideração todas as variáveis: as que incidem na aprendizagem: as de cunho individual; as que incidem no ensino, como as condições da escola e da prática docente; as que inspiram diretrizes gerais da educação, bem como as relações que se estabelecem entre todas elas.

Sob esse enfoque, ao contrário do modelo clínico6, tradicional e classificatório, a ênfase deverá recair no desenvolvimento e na aprendizagem do aluno, bem como na melhoria da instituição escolar, onde a avaliação é entendida como processo permanente de análise das variáveis que interferem no processo de ensino e aprendizagem, para identificar potencialidades e necessidades educacionais dos alunos e as condições da escola para responder a essas necessidades. Para sua realização, deverá ser formada, no âmbito da própria escola, uma equipe de avaliação que conte com a participação de todos os profissionais que acompanhem o aluno.

Nesse caso, quando os recursos existentes na própria escola mostrarem-se insuficientes para melhor compreender as necessidades educacionais dos alunos e identificar os apoios indispensáveis, a escola poderá recorrer a uma equipe multiprofissional7. A composição dessa equipe pode abranger profissionais de uma determinada instituição ou profissionais de instituições diferentes. Cabe aos gestores educacionais buscar essa equipe multiprofissional em outra escola do sistema educacional ou na comunidade, o que se pode concretizar por meio de parcerias e convênios entre a Secretaria de Educação e outros órgãos, governamentais ou não.

A partir dessa avaliação e das observações feitas pela equipe escolar, legitima-se a criação dos serviços de apoio pedagógico especializado para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, ocasião em que o “especial” da educação se manifesta.

Para aqueles alunos que apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandem ajuda e apoio intenso e contínuo e cujas necessidades especiais não puderem ser atendidas em classes comuns, os sistemas de ensino poderão organizar, extraordinariamente, classes especiais, nas quais será realizado o atendimento em caráter transitório.

Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não tenha conseguido prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.

É nesse contexto de idéias que a escola deve identificar a melhor forma de atender às necessidades educacionais de seus alunos, em seu processo de aprender. Assim, cabe a cada unidade escolar diagnosticar sua realidade educacional e implementar as alternativas de serviços e a sistemática de funcionamento de tais serviços, preferencialmente no âmbito da própria escola, para favorecer o sucesso escolar de todos os seus alunos. Nesse processo, há que se considerar as alternativas já existentes e utilizadas pela comunidade escolar, que se têm mostrado eficazes, tais como salas de recursos, salas de apoio pedagógico, serviços de itinerância em suas diferentes possibilidades de realização (itinerância intra e interescolar), como também investir na criação de novas alternativas, sempre fundamentadas no conjunto de necessidades educacionais especiais encontradas no contexto da unidade escolar, como por exemplo a modalidade de apoio alocado na classe comum, sob a forma de professores e/ou profissionais especializados, com os recursos e materiais adequados.

Da mesma forma, há que se estabelecer um relacionamento profissional com os serviços especializados disponíveis na comunidade, tais como aqueles oferecidos pelas escolas especiais, centros ou

6 Abordagem médica e psicológica, que se detinha no que pretensamente “faltava” aos educandos. Implicava um diagnóstico clínico, para avaliar as características e dificuldades manifestadas pelos alunos, objetivando constatar se deviam, ou não, ser encaminhados às classes especiais ou escolas especiais ou ainda às classes comuns do ensino regular.7 Médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros.

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núcleos educacionais especializados, instituições públicas e privadas de atuação na área da educação especial. Importante, também, é a integração dos serviços educacionais com os das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social, garantindo a totalidade do processo formativo e o atendimento adequado ao desenvolvimento integral do cidadão.

4.4 - No âmbito administrativo

Para responder aos desafios que se apresentam, é necessário que os sistemas de ensino constituam e façam funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva.

É imprescindível planejar a existência de um canal oficial e formal de comunicação, de estudo, de tomada de decisões e de coordenação dos processos referentes às mudanças na estruturação dos serviços, na gestão e na prática pedagógica para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.

Para o êxito das mudanças propostas, é importante que os gestores educacionais e escolares assegurem a acessibilidade aos alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliário – e nos transportes escolares, bem como de barreiras nas comunicações.

Para o atendimento dos padrões mínimos estabelecidos com respeito à acessibilidade, deve ser realizada a adaptação das escolas existentes e condicionada a autorização de construção e funcionamento de novas escolas ao preenchimento dos requisitos de infra-estrutura definidos.

Com relação ao processo educativo de alunos que apresentem condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, deve ser garantida a acessibilidade aos conteúdos curriculares mediante a utilização do sistema Braille, da língua de sinais e de demais linguagens e códigos aplicáveis, sem prejuízo do aprendizado da língua portuguesa, facultando-se aos surdos e a suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada. Para assegurar a acessibilidade, os sistemas de ensino devem prover as escolas dos recursos humanos e materiais necessários.

Além disso, deve ser afirmado e ampliado o compromisso político com a educação inclusiva – por meio de estratégias de comunicação e de atividades comunitárias, entre outras – para, desse modo:

a) fomentar atitudes pró-ativas das famílias, alunos, professores e da comunidade escolar em geral;b) superar os obstáculos da ignorância, do medo e do preconceito;c) divulgar os serviços e recursos educacionais existentes;d) difundir experiências bem sucedidas de educação inclusiva;e) estimular o trabalho voluntário no apoio à inclusão escolar.

É também importante que a esse processo se sucedam ações de amplo alcance, tais como a reorganização administrativa, técnica e financeira dos sistemas educacionais e a melhoria das condições de trabalho docente.

O quadro a seguir ilustra como se deve entender e ofertar os serviços de educação especial, como parte integrante do sistema educacional brasileiro, em todos os níveis de educação e ensino:

SISTEMA EDUCACIONAL

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EDUCAÇÃO SUPERIOR

ENSINO

ENSINO

EDUCAÇÃO

MÉDIO

FUNDAMENTAL

INFANTIL

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2 - OPERACIONALIZAÇÃO PELOS SISTEMAS DE ENSINO

Para eliminar a cultura de exclusão escolar e efetivar os propósitos e as ações referentes à educação de alunos com necessidades educacionais especiais, torna-se necessário utilizar uma linguagem consensual, que, com base nos novos paradigmas, passa a utilizar os conceitos na seguinte acepção:

1. Educação Especial: Modalidade da educação escolar; processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.

2. Educandos que apresentam necessidades educacionais especiais são aqueles que, durante o processo educacional, demonstram:

2.1. dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

2.1.1. aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

2.1.2. aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências.

2.2.dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

2.3. altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar.

3. Inclusão: Representando um avanço em relação ao movimento de integração escolar, que pressupunha o ajustamento da pessoa com deficiência para sua participação no processo educativo desenvolvido nas escolas comuns, a inclusão postula uma reestruturação do sistema educacional, ou seja, uma mudança estrutural no ensino regular, cujo objetivo é fazer com que a escola se torne inclusiva8, um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero ou características pessoais, baseando-se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita como desejada.

Os desafios propostos visam a uma perspectiva relacional entre a modalidade da educação especial e as etapas da educação básica, garantindo o real papel da educação como processo educativo do aluno e apontando para o novo “fazer pedagógico”.

Tal compreensão permite entender a educação especial numa perspectiva de inserção social ampla, historicamente diferenciada de todos os paradigmas até então exercitados como modelos formativos, técnicos e limitados de simples atendimento. Trata-se, portanto, de uma educação escolar que, em suas especificidades e em todos os momentos, deve estar voltada para a prática da cidadania, em uma instituição escolar dinâmica, que valorize e respeite as diferenças dos alunos. O aluno é sujeito em seu processo de conhecer, aprender, reconhecer e construir a sua própria cultura.

8 O conceito de escola inclusiva implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto pedagógico – no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educadores – ações que favoreçam a interação social e sua opção por práticas heterogêneas. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive para os educandos que apresentam necessidades especiais. Inclusão, portanto, não significa simplesmente matricular todos os educandos com necessidades educacionais especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário a sua ação pedagógica.

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Ao fazer a leitura do significado e do sentido da educação especial, neste novo momento, faz-se necessário resumir onde ela deve ocorrer, a quem se destina, como se realiza e como se dá a escolarização do aluno, entre outros temas, balizando o seu próprio movimento como uma modalidade de educação escolar.

Todo esse exercício de realizar uma nova leitura sobre a educação do cidadão que apresenta necessidades educacionais especiais visa subsidiar e implementar a LDBEN, baseado tanto no pressuposto constitucional – que determina “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” – como nas interfaces necessárias e básicas propostas no Capítulo V da própria LDBEN, com a totalidade dos seus dispositivos preconizados. Para compreender tais propósitos, torna-se necessário retomar as indagações já mencionadas:

1. O “locus” dos serviços de educação especial

A educação especial deve ocorrer em todas as instituições escolares que ofereçam os níveis, etapas e modalidades da educação escolar previstos na LDBEN, de modo a propiciar o pleno desenvolvimento das potencialidades sensoriais, afetivas e intelectuais do aluno, mediante um projeto pedagógico que contemple, além das orientações comuns – cumprimento dos 200 dias letivos, horas aula, meios para recuperação e atendimento do aluno, avaliação e certificação, articulação com as famílias e a comunidade – um conjunto de outros elementos que permitam definir objetivos, conteúdos e procedimentos relativos à própria dinâmica escolar.

Assim sendo, a educação especial deve ocorrer nas escolas públicas e privadas da rede regular de ensino, com base nos princípios da escola inclusiva. Essas escolas, portanto, além do acesso à matrícula, devem assegurar as condições para o sucesso escolar de todos os alunos.

Extraordinariamente, os serviços de educação especial podem ser oferecidos em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e em ambiente domiciliar.

Os sistemas públicos de ensino poderão estabelecer convênios ou parcerias com escolas ou serviços públicos ou privados, de modo a garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos, responsabilizando-se pela identificação, análise, avaliação da qualidade e da idoneidade, bem como pelo credenciamento das instituições que venham a realizar esse atendimento, observados os princípios da educação inclusiva.

Para a definição das ações pedagógicas, a escola deve prever e prover, em suas prioridades, os recursos humanos e materiais necessários à educação na diversidade.

É nesse contexto que a escola deve assegurar uma resposta educativa adequada às necessidades educacionais de todos os seus alunos, em seu processo de aprender, buscando implantar os serviços de apoio pedagógico especializado necessários, oferecidos preferencialmente no âmbito da própria escola.

É importante salientar o que se entende por serviço de apoio pedagógico especializado: são os serviços educacionais diversificados oferecidos pela escola comum para responder às necessidades educacionais especiais do educando. Tais serviços podem ser desenvolvidos:

a) nas classes comuns, mediante atuação de professor da educação especial, de professores intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis e de outros profissionais; itinerância intra e interinstitucional e outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação;

b) em salas de recursos, nas quais o professor da educação especial realiza a complementação e/ou suplementação curricular, utilizando equipamentos e materiais específicos.

Caracterizam-se como serviços especializados aqueles realizados por meio de parceria entre as áreas de educação, saúde, assistência social e trabalho.

2. Alunos atendidos pela educação especial

O Artigo 2º. da LDBEN, que trata dos princípios e fins da educação brasileira, garante: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

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Consoante esse postulado, o projeto pedagógico da escola viabiliza-se por meio de uma prática pedagógica que tenha como princípio norteador a promoção do desenvolvimento da aprendizagem de todos os educandos, inclusive daqueles que apresentem necessidades educacionais especiais.

Tradicionalmente, a educação especial tem sido concebida como destinada apenas ao atendimento de alunos que apresentam deficiências (mental, visual, auditiva, física/motora e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação.

Hoje, com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais, afirma-se o compromisso com uma nova abordagem, que tem como horizonte a Inclusão.

Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares.

O quadro das dificuldades de aprendizagem absorve uma diversidade de necessidades educacionais, destacadamente aquelas associadas a: dificuldades específicas de aprendizagem, como a dislexia e disfunções correlatas; problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolíngüísticos, psicomotores, motores, de comportamento; e ainda a fatores ecológicos e socioeconômicos, como as privações de caráter sociocultural e nutricional.

Assim, entende-se que todo e qualquer aluno pode apresentar, ao longo de sua aprendizagem, alguma necessidade educacional especial, temporária ou permanente, vinculada ou não aos grupos já mencionados, agora reorganizados em consonância com essa nova abordagem:

1. Educandos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

1.1. aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

1.2. aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;

2. Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, particularmente alunos que apresentam surdez, cegueira, surdo-cegueira ou distúrbios acentuados de linguagem, para os quais devem ser adotadas formas diferenciadas de ensino e adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis, assegurando-se os recursos humanos e materiais necessários;

2.1. Em face das condições específicas associadas à surdez, é importante que os sistemas de ensino se organizem de forma que haja escolas em condições de oferecer aos alunos surdos o ensino em língua brasileira de sinais e em língua portuguesa e, aos surdos-cegos, o ensino em língua de sinais digital, tadoma e outras técnicas, bem como escolas com propostas de ensino e aprendizagem diferentes, facultando-se a esses alunos e a suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada;

2.2. Em face das condições específicas associadas à cegueira e à visão subnormal, os sistemas de ensino devem prover aos alunos cegos o material didático, inclusive provas, e o livro didático em Braille e, aos alunos com visão subnormal (baixa visão), os auxílios ópticos necessários, bem como material didático, livro didático e provas em caracteres ampliados;

3. altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar.

Dessa forma, a educação especial – agora concebida como o conjunto de conhecimentos, tecnologias, recursos humanos e materiais didáticos que devem atuar na relação pedagógica para assegurar resposta educativa de qualidade às necessidades educacionais especiais – continuará atendendo, com ênfase, os grupos citados inicialmente. Entretanto, em consonância com a nova abordagem, deverá vincular suas ações

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cada vez mais à qualidade da relação pedagógica e não apenas a um público-alvo delimitado, de modo que a atenção especial se faça presente para todos os educandos que, em qualquer etapa ou modalidade da educação básica, dela necessitarem para o seu sucesso escolar.

3. Implantação e implementação dos serviços de educação especial

Os princípios gerais da educação das pessoas com necessidades educacionais especiais foram delineados pela LDBEN, tendo como eixo norteador a elaboração do projeto pedagógico da escola, que incorpora essa modalidade de educação escolar em articulação com a família e a comunidade. Esse projeto, fruto da participação dos diferentes atores da comunidade escolar, deve incorporar a atenção de qualidade à diversidade dos alunos, em suas necessidades educacionais comuns e especiais, como um vetor da estrutura, funcionamento e prática pedagógica da escola.

Nesse sentido, deve ser garantida uma ampla discussão que contemple não só os elementos enunciados anteriormente, mas também os pais, os professores e outros segmentos da comunidade escolar, explicitando uma competência institucional voltada à diversidade e às especificidades dessa comunidade, considerando que o aluno é o centro do processo pedagógico.

Além disso, recomenda-se às escolas e aos sistemas de ensino a constituição de parcerias com instituições de ensino superior para a realização de pesquisas e estudos de caso relativos ao processo de ensino e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais, visando ao aperfeiçoamento desse processo educativo.

4. Organização do atendimento na rede regular de ensino

A escola regular de qualquer nível ou modalidade de ensino, ao viabilizar a inclusão de alunos com necessidades especiais, deverá promover a organização de classes comuns e de serviços de apoio pedagógico especializado. Extraordinariamente, poderá promover a organização de classes especiais, para atendimento em caráter transitório.

4.1 – Na organização das classes comuns, faz-se necessário prever:

a) professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos;

b) distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que essas classes comuns se beneficiem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade;

c) flexibilizações e adaptações curriculares, que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência obrigatória;

d) serviços de apoio pedagógico especializado, realizado:

na classe comum, mediante atuação de professor da educação especial, de professores intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis, como a língua de sinais e o sistema Braille, e de outros profissionais, como psicólogos e fonoaudiólogos, por exemplo; itinerância intra e interinstitucional e outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação;

em salas de recursos, nas quais o professor da educação especial realiza a complementação e/ou suplementação curricular, utilizando equipamentos e materiais específicos.

e) avaliação pedagógica no processo de ensino e aprendizagem, inclusive para a identificação das necessidades educacionais especiais e a eventual indicação dos apoios pedagógicos adequados;

f) temporalidade flexível do ano letivo, para atender às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência mental ou graves deficiências múltiplas, de forma que possam concluir em tempo maior o currículo previsto para a série/etapa escolar, principalmente nos anos finais do ensino fundamental, conforme estabelecido por normas dos sistemas de ensino, procurando-se evitar grande defasagem idade/série;

g) condições para reflexão, ação e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na

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relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa;

h) uma rede de apoio interinstitucional que envolva profissionais das áreas de Saúde, Assistência Social e Trabalho, sempre que necessário para o seu sucesso na aprendizagem, e que seja disponibilizada por meio de convênios com organizações públicas ou privadas daquelas áreas;

i) sustentabilidade do processo inclusivo, mediante aprendizagem cooperativa em sala de aula; trabalho de equipe na escola e constituição de redes de apoio, com a participação da família no processo educativo, bem como de outros agentes e recursos da comunidade.

j) atividades que favoreçam o aprofundamento e o enriquecimento de aspetos curriculares aos alunos que apresentam superdotação, de forma que sejam desenvolvidas suas potencialidades, permitindo ao aluno superdotado concluir em menor tempo a educação básica, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da LDBEN.

Para atendimento educacional aos superdotados, é necessário:

a) organizar os procedimentos de avaliação pedagógica e psicológica de alunos com características de superdotação;

b) prever a possibilidade de matrícula do aluno em série compatível com seu desempenho escolar, levando em conta, igualmente, sua maturidade socioemocional;

c) cumprir a legislação no que se refere:

ao atendimento suplementar para aprofundar e/ou enriquecer o currículo;

à aceleração/avanço, regulamentados pelos respectivos sistemas de ensino, permitindo, inclusive, a conclusão da Educação Básica em menor tempo;

ao registro do procedimento adotado em ata da escola e no dossiê do aluno;

d) incluir, no histórico escolar, as especificações cabíveis;

e) incluir o atendimento educacional ao superdotado nos projetos pedagógicos e regimentos escolares, inclusive por meio de convênios com instituições de ensino superior e outros segmentos da comunidade.

Recomenda-se às escolas de Educação Básica a constituição de parcerias com instituições de ensino superior com vistas à identificação de alunos que apresentem altas habilidades/superdotação, para fins de apoio ao prosseguimento de estudos no ensino médio e ao desenvolvimento de estudos na educação superior, inclusive mediante a oferta de bolsas de estudo, destinando-se tal apoio prioritariamente àqueles alunos que pertençam aos estratos sociais de baixa renda.

4.2 - Os serviços de apoio pedagógico especializado ocorrem no espaço escolar e envolvem professores com diferentes funções:

a) Classes comuns: serviço que se efetiva por meio do trabalho de equipe, abrangendo professores da classe comum e da educação especial, para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos durante o processo de ensino e aprendizagem. Pode contar com a colaboração de outros profissionais, como psicólogos escolares, por exemplo.

b) Salas de recursos: serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais especiais semelhantes, em horário diferente daquele em que freqüentam a classe comum.

c) Itinerância: serviço de orientação e supervisão pedagógica desenvolvida por professores especializados que fazem visitas periódicas às escolas para trabalhar com os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e com seus respectivos professores de classe comum da rede regular de ensino.

d) Professores-intérpretes: são profissionais especializados para apoiar alunos surdos, surdos-cegos e outros que apresentem sérios comprometimentos de comunicação e sinalização.

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Todos os professores de educação especial e os que atuam em classes comuns deverão ter formação para as respectivas funções, principalmente os que atuam em serviços de apoio pedagógico especializado.

A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns do ensino regular, como meta das políticas de educação, exige interação constante entre professor da classe comum e os dos serviços de apoio pedagógico especializado, sob pena de alguns educandos não atingirem rendimento escolar satisfatório.

A interação torna-se absolutamente necessária quando se trata, por exemplo, da educação dos surdos, considerando que lhes é facultado efetivar sua educação por meio da língua portuguesa e da língua brasileira de sinais, depois de manifestada a opção dos pais e sua própria opinião. Recomenda-se que o professor, para atuar com esses alunos em sala de aula da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, tenha complementação de estudos sobre o ensino de línguas: língua portuguesa e língua brasileira de sinais. Recomenda-se também que o professor, para atuar com alunos surdos em sala de recursos, principalmente a partir da 5ª série do ensino fundamental, tenha, além do curso de Letras e Lingüística, complementação de estudos ou cursos de pós-graduação sobre o ensino de línguas: língua portuguesa e língua brasileira de sinais.

Os serviços de apoio pedagógico especializado, ou outras alternativas encontradas pela escola, devem ser organizados e garantidos nos projetos pedagógicos e regimentos escolares, desde que devidamente regulamentados pelos competentes Conselhos de Educação.

O atendimento educacional especializado pode ocorrer fora de espaço escolar, sendo, nesses casos, certificada a freqüência do aluno mediante relatório do professor que o atende:

a) Classe hospitalar: serviço destinado a prover, mediante atendimento especializado, a educação escolar a alunos impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar ou atendimento ambulatorial.

b) Ambiente domiciliar: serviço destinado a viabilizar, mediante atendimento especializado, a educação escolar de alunos que estejam impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique permanência prolongada em domicílio.

Os objetivos das classes hospitalares e do atendimento em ambiente domiciliar são: dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar; e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.

4.3 – A classe especial e sua organização:

As escolas podem criar, extraordinariamente, classes especiais, cuja organização fundamente-se no Capítulo II da LDBEN, nas diretrizes curriculares nacionais para a Educação Básica, bem como nos referenciais e parâmetros curriculares nacionais, para atendimento, em caráter transitório, a alunos que apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e demandem ajudas e apoios intensos e contínuos.

Aos alunos atendidos em classes especiais devem ter assegurados:

a) professores especializados em educação especial;

b) organização de classes por necessidades educacionais especiais apresentadas, sem agrupar alunos com diferentes tipos de deficiências;

c) equipamentos e materiais específicos;

d) adaptações de acesso ao currículo e adaptações nos elementos curriculares;

e) atividades da vida autônoma e social no turno inverso, quando necessário.

Classe especial é uma sala de aula, em escola de ensino regular, em espaço físico e modulação adequada. Nesse tipo de sala, o professor da educação especial utiliza métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos pedagógicos especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos

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específicos, conforme série/ciclo/etapa da educação básica, para que o aluno tenha acesso ao currículo da base nacional comum.

A classe especial pode ser organizada para atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos, de alunos surdos, de alunos que apresentam condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos e de alunos que apresentam casos graves de deficiência mental ou múltipla. Pode ser utilizada principalmente nas localidades onde não há oferta de escolas especiais; quando se detectar, nesses alunos, grande defasagem idade/série; quando faltarem, ao aluno, experiências escolares anteriores, dificultando o desenvolvimento do currículo em classe comum.

Não se deve compor uma classe especial com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem não vinculadas a uma causa orgânica específica, tampouco se deve agrupar alunos com necessidades especiais relacionadas a diferentes deficiências. Assim sendo, não se recomenda colocar, numa mesma classe especial, alunos cegos e surdos, por exemplo. Para esses dois grupos de alunos, em particular, recomenda-se o atendimento educacional em classe especial durante o processo de alfabetização, quando não foram beneficiados com a educação infantil. Tal processo abrange, para os cegos, o domínio do sistema Braille, e para os surdos, a aquisição da língua de sinais e a aprendizagem da língua portuguesa.

O professor da educação especial, nessa classe, deve desenvolver o currículo com a flexibilidade necessária às condições dos alunos e, no turno inverso, quando necessário, deve desenvolver outras atividades, tais como atividades da vida autônoma e social (para alunos com deficiência mental, por exemplo); orientação e mobilidade (para alunos cegos e surdos-cegos); desenvolvimento de linguagem: língua portuguesa e língua brasileira de sinais (para alunos surdos); atividades de informática, etc.

Essa classe deverá configurar a etapa, ciclo ou modalidade da educação básica em que o aluno se encontra – educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos – promovendo avaliação contínua do seu desempenho – com a equipe escolar e pais – e proporcionando, sempre que possível, atividades conjuntas com os demais alunos das classes comuns.

É importante que, a partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno e das condições para o atendimento inclusivo, a equipe pedagógica da escola e a família decidam conjuntamente, com base em avaliação pedagógica, quanto ao seu retorno à classe comum.

5 – Organização do atendimento em escola especial

A educação escolar de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais e que requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, bem como ajudas e apoios intensos e contínuos e flexibilizações e adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não tenha conseguido prover – pode efetivar-se em escolas especiais, assegurando-se que o currículo escolar observe as diretrizes curriculares nacionais para as etapas e modalidades da Educação Básica e que os alunos recebam os apoios de que necessitam. É importante que esse atendimento, sempre que necessário, seja complementado por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.

A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno, a equipe pedagógica da escola especial e a família devem decidir conjuntamente quanto à transferência do aluno para escola da rede regular de ensino, com base em avaliação pedagógica e na indicação, por parte do setor responsável pela educação especial do sistema de ensino, de escolas regulares em condições de realizar seu atendimento educacional.

Para uma educação escolar de qualidade nas escolas especiais, é fundamental prover e promover em sua organização:

I. matrícula e atendimento educacional especializado nas etapas e modalidades da Educação Básica previstas em lei e no seu regimento escolar;

II. encaminhamento de alunos para a educação regular, inclusive para a educação de jovens e adultos;

III. parcerias com escolas das redes regulares públicas ou privadas de educação profissional;

IV. conclusão e certificação de educação escolar, incluindo terminalidade específica, para alunos com deficiência mental e múltipla;

V. professores especializados e equipe técnica de apoio;

VI. flexibilização e adaptação do currículo previsto na LDBEN, nos Referenciais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

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As escolas especiais públicas e privadas obedecem às mesmas exigências na criação e no funcionamento:

a) são iguais nas finalidades, embora diferentes na ordem administrativa e na origem dos recursos;

b) necessitam de credenciamento e/ou autorização para o seu funcionamento.

As escolas da rede privada, sem fins lucrativos, que necessitam pleitear apoio técnico e financeiro dos órgãos governamentais devem credenciar-se para tal; as escolas da rede privada, com fins lucrativos, assim como as anteriormente citadas, devem ter o acompanhamento e a avaliação do órgão gestor e cumprir as determinações dos Conselhos de Educação similares às previstas para as demais escolas.

No âmbito dos sistemas de ensino, cabe aos Conselhos de Educação legislar sobre a matéria, observadas as normas e diretrizes nacionais.

6 – Etapas da escolarização de alunos com necessidades especiais em qualquer espaço escolar

Conforme estabelecido nos dispositivos legais da educação brasileira, o processo escolar tem início na educação infantil, que se realiza na faixa etária de zero a seis anos – em creches e em turmas de pré-escola – permitindo a identificação das necessidades educacionais especiais e a estimulação do desenvolvimento integral do aluno, bem como a intervenção para atenuar possibilidades de atraso de desenvolvimento, decorrentes ou não de fatores genéticos, orgânicos e/ou ambientais.

O atendimento educacional oferecido pela educação infantil pode contribuir significativamente para o sucesso escolar desses educandos. Para tanto, é importante prover a escola que realiza esse etapa da educação básica de recursos tecnológicos e humanos adequados à diversidade das demandas.

Do mesmo modo, é indispensável a integração dos serviços educacionais com os das áreas de Saúde e Assistência Social, garantindo a totalidade do processo formativo e o atendimento adequado ao desenvolvimento integral do educando. É importante mencionar que o fato de uma criança necessitar de apoio especializado não deve constituir motivo para dificultar seu acesso e freqüência às creches e às turmas de pré-escola da educação regular.

Após a educação infantil – ou seja, a partir dos sete anos de idade – a escolarização do aluno que apresenta necessidades educacionais especiais deve processar-se nos mesmos níveis, etapas e modalidades de educação e ensino que os demais educandos, ou seja, no ensino fundamental, no ensino médio, na educação profissional, na educação de jovens e adultos e na educação superior. Essa educação é suplementada e complementada quando se utilizam os serviços de apoio pedagógico especializado.

7 – Currículo

O currículo a ser desenvolvido é o das diretrizes curriculares nacionais para as diferentes etapas e modalidades da Educação Básica: educação infantil, educação fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional.

A escolarização formal, principalmente na educação infantil e/ou nos anos iniciais do ensino fundamental, transforma o currículo escolar em um processo constante de revisão e adequação. Os métodos e técnicas, recursos educativos e organizações específicas da prática pedagógica, por sua vez, tornam-se elementos que permeiam os conteúdos.

O currículo, em qualquer processo de escolarização, transforma-se na síntese básica da educação. Isto nos possibilita afirmar que a busca da construção curricular deve ser entendida como aquela garantida na própria LDBEN, complementada, quando necessário, com atividades que possibilitem ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais ter acesso ao ensino, à cultura, ao exercício da cidadania e à inserção social produtiva.

O Artigo 5o da LDBEN preceitua: “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”.

Os currículos devem ter uma base nacional comum, conforme determinam os Artigos 26, 27 e 32 da LDBEN, a ser suplementada ou complementada por uma parte diversificada, exigida, inclusive, pelas características dos alunos.

As dificuldades de aprendizagem na escola apresentam-se como um contínuo, compreendendo desde situações mais simples e/ou transitórias – que podem ser resolvidas espontaneamente no curso do trabalho

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pedagógico – até situações mais complexas e/ou permanentes – que requerem o uso de recursos ou técnicas especiais para que seja viabilizado o acesso ao currículo por parte do educando. Atender a esse contínuo de dificuldades requer respostas educativas adequadas, que abrangem graduais e progressivas adaptações de acesso ao currículo, bem como adaptações de seus elementos.

Em casos muito singulares, em que o educando com graves comprometimentos mentais e/ou múltiplos não possa beneficiar-se do currículo da base nacional comum, deverá ser proporcionado um currículo funcional para atender às necessidades práticas da vida.

O currículo funcional, tanto na educação infantil como nos anos iniciais do ensino fundamental, distingue-se pelo caráter pragmático das atividades previstas nos parágrafos 1o, 2o, 3o e 4o do Artigo 26 e no Artigo 32 da LDBEN e pelas adaptações curriculares muito significativas.

Tanto o currículo como a avaliação devem ser funcionais, buscando meios úteis e práticos para favorecer: o desenvolvimento das competências sociais; o acesso ao conhecimento, à cultura e às formas de trabalho valorizadas pela comunidade; e a inclusão do aluno na sociedade.

8 – Terminalidade específica

No atendimento a alunos cujas necessidades educacionais especiais estão associadas a grave deficiência mental ou múltipla, a necessidade de apoios e ajudas intensos e contínuos, bem como de adaptações curriculares significativas, não deve significar uma escolarização sem horizonte definido, seja em termos de tempo ou em termos de competências e habilidades desenvolvidas. As escolas, portanto, devem adotar procedimentos de avaliação pedagógica, certificação e encaminhamento para alternativas educacionais que concorram para ampliar as possibilidades de inclusão social e produtiva dessa pessoa.

Quando os alunos com necessidades educacionais especiais, ainda que com os apoios e adaptações necessários, não alcançarem os resultados de escolarização previstos no Artigo 32, I da LDBEN: “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” – e uma vez esgotadas as possibilidades apontadas nos Artigos 24, 26 e 32 da LDBEN – as escolas devem fornecer-lhes uma certificação de conclusão de escolaridade, denominada terminalidade específica.

Terminalidade específica é uma certificação de conclusão de escolaridade – fundamentada em avaliação pedagógica – com histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as habilidades e competências atingidas pelos educandos com grave deficiência mental ou múltipla. É o caso dos alunos cujas necessidades educacionais especiais não lhes posssibilitaram alcançar o nível de conhecimento exigido para a conclusão do ensino fundamental, respeitada a legislação existente, e de acordo com o regimento e o projeto pedagógico da escola.

O teor da referida certificação de escolaridade deve possibilitar novas alternativas educacionais, tais como o encaminhamento para cursos de educação de jovens e adultos e de educação profissional, bem como a inserção no mundo do trabalho, seja ele competitivo ou protegido.

Cabe aos respectivos sistemas de ensino normatizar sobre a idade-limite para a conclusão do ensino fundamental.

9 – A educação profissional do aluno com necessidades educacionais especiais

A educação profissional é um direito do aluno com necessidades educacionais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida em sociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio de adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso das pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de nível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho.

Essas adequações e apoios – que representam a colaboração da educação especial para uma educação profissional inclusiva – efetivam-se por meio de:

a) flexibilizações e adaptações dos recursos instrucionais: material pedagógico, equipamento, currículo e outros;

b) capacitação de recursos humanos: professores, instrutores e profissionais especializados;

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c) eliminação de barreiras atitudinais, arquitetônicas, curriculares e de comunicação e sinalização, entre outras;

d) encaminhamento para o mundo do trabalho e acompanhamento de egressos.

As escolas das redes de educação profissional podem realizar parcerias com escolas especiais, públicas ou privadas, tanto para construir competências necessárias à inclusão de alunos em seus cursos quanto para prestar assistência técnica e convalidar cursos profissionalizantes realizados por essas escolas especiais.

Além disso, na perspectiva de contribuir para um processo de inclusão social, as escolas das redes de educação profissional poderão avaliar e certificar competências laborais de pessoas com necessidades especiais não matriculadas em seus cursos, encaminhando-as, a partir desses procedimentos, para o mundo do trabalho.

A educação profissional do aluno com necessidades educacionais especiais pode realizar-se em escolas especiais, públicas ou privadas, quando esgotados os recursos da rede regular na provisão de resposta educativa adequada às necessidades educacionais especiais e quando o aluno demandar apoios e ajudas intensos e contínuos para seu acesso ao currículo. Nesse caso, podem ser oferecidos serviços de oficinas pré-profissionais ou oficinas profissionalizantes, de caráter protegido ou não.

Os Artigos 3o e 4o, do Decreto no 2.208/97, contemplam a inclusão de pessoas em cursos de educação profissional de nível básico independentemente de escolaridade prévia, além dos cursos de nível técnico e tecnológico. Assim, alunos com necessidades especiais também podem ser beneficiados, qualificando-se para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho.

II – VOTO DOS RELATORES

A organização da educação especial adquire, portanto, seus contornos legítimos. O que passou faz parte do processo de amadurecimento da sociedade brasileira. Agora é preciso por em prática, corajosamente, a compreensão que foi alcançada pela comunidade sobre a importância que deve ser dada a este segmento da sociedade brasileira.

Com a edição deste Parecer e das Diretrizes que o integram, este Colegiado está oferecendo ao Brasil e aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais um caminho e os meios legais necessários para a superação do grave problema educacional, social e humano que os envolve.

Igualdade de oportunidades e valorização da diversidade no processo educativo e nas relações sociais são direitos dessas crianças, jovens e adultos. Tornar a escola e a sociedade inclusivas é uma tarefa de todos.

Brasília, 03 de julho de 2001

Conselheiro Kuno Paulo Rhoden- Relator

Conselheira Sylvia Figueiredo Gouvêa- Relatora

III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto dos relatores.

Sala de sessões, em 03 de julho de 2001.

Francisco Aparecido Cordão – Presidente

Carlos Roberto Jamil Cury – Vice-presidente

5. Del. CEE n.º 05/00 e Ind. CEE n.º 12/99 - Fixa normas para a educação de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na educação básica do sistema estadual de ensino.

Fixa normas para a educação de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na educação básica do sistema estadual de ensino

O Conselho Estadual de Educação, com fundamento na Lei Nº 9.394/1996, Art. 58 § 1º, 2º; Art. 59, incisos I, II, III, IV, V, Art. 60, Parágrafo único, Art. 2º, inciso XXIII da Lei Estadual Nº 10.403/71 e na Indicação CEE Nº 12/99 (vide abaixo), Delibera:

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Art. 1º - As atividades e procedimentos relativos à Educação Especial no sistema de ensino do Estado de São Paulo obedecerão as presentes normas.

Parágrafo único - a Educação Especial é modalidade oferecida para educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, caracterizados por serem pessoas que tenham significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores inatos ou adquiridos, de caráter temporário ou permanente e que, em interação dinâmica com fatores sócio-ambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas da maioria das pessoas.

Art. 2° - a Educação Especial, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, deve assegurar ao educando a formação básica indispensável e fornecer-lhe os meios de desenvolver atividades produtivas, de progredir no trabalho e em estudos posteriores, satisfazendo as condições requeridas por suas características e baseando-se no respeito às diferenças individuais e na igualdade de direitos entre todas as pessoas.

Art. 3° - a Educação Especial deve iniciar-se o mais cedo possível e ser garantida em estreita relação com a família.

Art. 4° - o atendimento educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser feito nas classes comuns das escolas, em todos os níveis de ensino.

§ 1º. - Os currículos das classes do ensino comum devem considerar conteúdos que tenham caráter básico, com significado prático e instrumental, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação que sejam adequados à promoção do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais.

§ 2º - As matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais devem ser distribuídas pelas várias classes da série em que estes forem classificados, de modo a tirar vantagens das diferenças e ampliar positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar na diversidade.

§ 3º - o trabalho pedagógico com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais nas classes comuns deve envolver materiais didáticos auxiliares, acompanhamento e reforço contínuo por parte do professor da classe e trabalho suplementar com professor especialista, quando for o caso.

§ 4º - Os educandos com necessidades educacionais especiais deverão contar com mobiliário adequado nas salas do ensino comum.

§ 5º - Caso uma determinada escola pública ainda não apresente prédio adequado para atender os alunos com problemas de locomoção, estes deverão ser encaminhados para uma escola mais próxima, beneficiados com transporte, quando for o caso.

Art. 5° - Aos alunos que apresentem altas habilidades devem ser oferecidas atividades que favoreçam aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, de forma a desenvolver suas potencialidades criativas.

Art. 6° - Quando, apesar de todos os esforços, uma escola não puder organizar seu trabalho pedagógico em classes comuns, de modo a nelas incluir alunos com necessidades educacionais especiais, deverá propiciar-lhes atendimento em classe especial, segundo o tipo de necessidade atendida.

§ 1º - a permanência de cada aluno na classe especial deve ser discutida continuamente pela equipe escolar, com os pais e conselhos de escola ou similares, visando dar-lhe oportunidade de prosseguimentos de estudos na classe comum.

§ 2º - As escolas devem garantir oportunidades aos alunos que estiverem freqüentando classes especiais de participarem, com todos os demais alunos, de atividades extra-classe esportivas, recreativas e culturais.

Art. 7° - Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais decorrentes de deficiências graves que requeiram adaptações curriculares tão significativas que a escola comum ainda não tenha conseguido prover, deverão ser atendidos, em caráter excepcional, em escolas especiais.

§ 1º - a autorização para instalação e funcionamento de escolas de educação especial deverá, além do disposto nesta Deliberação, obedecer às orientações constantes na Indicação N° 12/1999 (vide abaixo) e às normas estabelecidas na Deliberação CEE N° 01/1999, quando se tratar de ensino fundamental e médio e também à Indicação CEE N° 04/1999, quando se tratar de educação infantil.

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§ 2º - a Direção da referida escola deve ser exercida por profissional habilitado em Pedagogia ou em nível de pós-graduação em Educação, de acordo com o Art. 64 da LDB, e os professores devem ter habilitação para docência com especialização adequada, conforme a Lei Nº 9394/1996, Art.59, inciso III.

§ 3º - a escola de educação especial deverá cumprir um mínimo de 200 dias letivos e 800 horas para o ensino fundamental e médio e estipular um mínimo de dias letivos para a educação infantil.

§ 4º - a estrutura curricular da escola especial pode ser organizada de forma flexível, cumprindo o que dispõe o Art. 59, inciso I da Lei N° 9394/96 e as diretrizes curriculares para o ensino fundamental, ensino médio e para a educação infantil, fixadas, respectivamente pelas Resoluções CNE/CEB N° 04/1998, CNE/CEB N° 15/1998 e CNE/CEB N° 22/1998.

§ 5º - a estrutura de que trata o parágrafo anterior deve ser coerente com a proposta pedagógica elaborada pela equipe escolar com a participação da família e ouvidos especialistas na área, se for o caso.

§ 6º - a equipe da escola especial, com a participação da família, deve promover estudos de casos, envolvendo profissionais da saúde e de outras áreas, como subsídio para decidir a programação educacional a ser cumprida e o tipo de atendimento a ser oferecido, e analisar quando cada aluno deve ser encaminhado para classes comuns ou especiais do ensino regular ou supletivo.

Art.8° - a avaliação do desempenho escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais atendidos nas classes comuns, nas classes especiais e nas escolas especiais, deverá ser contínua e cumulativa, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos.

§ 1º - Essa verificação deve tomar como referência os itens básicos relativos à programação escolar a eles proposta, ser voltada à detecção de qualquer progresso no aproveitamento escolar, visando a constante melhoria das condições de ensino a que eles se acham submetidos.

§ 2º - a avaliação de que trata este Artigo deve variar segundo as características das necessidades especiais do aluno e a modalidade de atendimento escolar oferecida, respeitadas as especialidades de cada caso.

§ 3º - Os alunos portadores de necessidades educacionais especiais integrados nas classes comuns estarão sujeitos aos critérios de avaliação adotados para os demais alunos, mas com utilização de formas alternativas de comunicação e adaptação dos materiais didáticos e dos ambientes físicos às suas necessidades.

§ 4º - Caso a escola em que o aluno com necessidades educacionais especiais estude tenha seu ensino fundamental organizado em ciclos com progressão continuada, as dificuldades pedagógicas que o mesmo vier a apresentar devem receber a devida atenção, dado que este aluno, como os demais, prossegue dentro do ciclo beneficiado pelos recursos que lhe são possibilitados, independentemente de ele freqüentar classe comum , ou não.

Art. 9º - para dar suporte e complementar o processo pedagógico das classes comuns, o trabalho educacional com os alunos portadores de necessidades educacionais especiais pode incluir ensino itinerante, serviços de apoio de outras instituições especializadas e do próprio sistema de ensino.

Art. 10 - a matrícula e a transferência de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais devem obedecer aos mesmos critérios estabelecidos para qualquer aluno da rede de ensino.

Parágrafo Único - na transferência, os alunos com necessidades educacionais especiais matriculados, devem receber da escola de origem o Histórico Escolar, acompanhado de uma ficha de avaliação pedagógica que informe à escola de destino o histórico de seu desenvolvimento escolar.

Art. 11 - Programas de formação inicial ou continuada devem oferecer aos professores que ensinam em classes comuns, oportunidades de apropriação de conteúdos e competências necessários para um trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais incluídos em suas classes.

Art. 12 - Classes que atendam apenas crianças com necessidades educacionais especiais devem ser regidas por professores habilitados ou especializados especificamente nas correspondentes áreas de deficiência.

Art. 13 - a educação profissional de nível básico, oferecida aos alunos com necessidades educacionais especiais que não apresentam condições de se integrar aos cursos de nível técnico, poderá ser realizada em oficinas especializadas que tenham os recursos necessários para a qualificação básica e inserção dos mesmos no mercado de trabalho.

Art.14 - Esta Deliberação entrará em vigor na data da publicação de sua homologação , revogando-se as Deliberações CEE nºs 13/1973 e15/1979 e quaisquer outras disposições em contrário.

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DELIBERAÇÃO PLENÁRIA

O Conselho Estadual de Educação aprova, por unanimidade, a presente Deliberação.

O Conselheiro Francisco José Carbonari votou favoravelmente, com as mesmas restrições quando da votação da Indicação CEE nº 12/99, nos termos de sua Declaração de Voto.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto favoravelmente à presente Indicação por considerá-la, no todo, um grande avanço no enfoque dado à Educação Especial no Estado de São Paulo

Minha única restrição à proposta é a permanência do conceito de classes especiais na Indicação que, entendo, coloca em risco a idéia de inclusão presente no conjunto do texto, abrindo uma perigosa possibilidade de continuidade das práticas vigentes de não inclusão que certamente não é o objetivo das autoras .

PROCESSO CEE-1796/73 (Volume II) reautuado em 21-05-98

INTERESSADO: Conselho Estadual de Educação

EMENTA ORIGINAL

Fixa normas gerais para a Educação Especial no sistema de ensino do Estado de São Paulo

ASSUNTO: Educação Especial

RELATORAS: Conselheiras: Sônia Teresinha de Sousa Penin e Zilma de Moraes Ramos de Oliveira

INDICAÇÃO CEE Nº 12/1999 - CEF/CEM Aprovado 15/12/1999

CONSELHO PLENO

I. INTRODUÇÃO

A Educação tem hoje grandes desafios para garantir a todos os indivíduos a apropriação do conteúdo básico que a escolarização deve proporcionar. Esta meta estende-se a todas as modalidades do sistema de ensino, incluindo a Educação Especial, voltada para alunos que apresentam necessidades especiais, ou seja, pessoas que apresentam significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais decorrentes de fatores inatos ou adquiridos, de caráter temporário ou permanente e que, em interação dinâmica com fatores sócio ambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas da maioria das pessoas.

Até recentemente em grande parte dos países o movimento teórico dominante relativo ao atendimento educacional a crianças, adolescentes, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais recomendava ações educacionais que privilegiavam a organização de salas especiais nas instituições escolares, separando tal população dos demais alunos.

Essa tendência, que já foi senso comum no passado, reforça a separação/segregação de indivíduos que, em sua esmagadora maioria, podem e, mais do que isto, devem conviver integradamente aos demais alunos vindo ao encontro da nova visão de sociedade, ou seja uma sociedade que deve estar preparada para oferecer oportunidades iguais para todos, quaisquer que sejam suas diferenças.

A legislação brasileira (Constituição de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 54, alínea III promulgado em 1990, e Lei n.º 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional) posiciona-se favoravelmente ao atendimento dos alunos com necessidades especiais nas classes comuns das escolas em todos os níveis de ensino (Lei 9.394/96 artigo 4º alínea III).

Um apoio pedagógico diversificado na rede de ensino comum é considerado um mediador da aprendizagem e do desenvolvimento destes alunos mais eficiente do que um trabalho segregado com programações específicas. Isto, evidentemente, traz grandes desafios a todas as escolas que têm que estender a todos os alunos com necessidades educacionais especiais seu compromisso de encontrar metodologias de ensino e recursos diferenciados que lhes assegurem êxito na tarefa de atingir os objetivos curriculares. Assim, as classes comuns, em todos os níveis de ensino e não mais as classes e escolas especiais se constituem no "locus" privilegiado que deve permitir às pessoas com necessidades educacionais especiais o acesso às conquistas sociais e acadêmico-culturais que a escolarização proporciona. Entende-se hoje, dentro de uma perspectiva de educação inclusiva, que os conhecimentos, habilidades e valores a serem alcançados pelos alunos com necessidades educativas especiais incluídos nas turmas do ensino comum devem ser os mesmos propostos para os seus colegas,

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variando todavia o apoio que cada aluno deve receber em função de suas peculiaridades e os critérios de aquisição que forem mais convenientes para serem considerados nos processos de avaliação educacional. Todos estes aspectos devem constar da proposta pedagógica de cada escola.

Para eficácia dessa inclusão será necessário oferecer às escolas e aos professores amplo apoio pedagógico, salas de recursos, como também, materiais didáticos e espaço físico escolar adequados.

A educação especial deve assegurar ao educando a formação comum indispensável e fornecer-lhe os meios de desenvolver atividades produtivas, de progredir no trabalho e em estudos posteriores, satisfazendo as condições requeridas por suas características e baseando-se no respeito às diferenças individuais e na igualdade de valor entre todas as pessoas. Ela deve iniciar-se o mais cedo possível e ser garantida enquanto o educando apresentar necessidades educativas especiais. Nesse processo, uma estrita relação escola-família é fundamental.

Para concretizar esta nova perspectiva em relação à educação especial, uma série de concepções e práticas devem ser modificadas. Uma delas diz respeito à questão de delimitar ou não o número dos alunos com necessidades especiais por classe. É certo que muitos deles exigem atenção mais individualizada do que aquela que o professor dispensa a seus alunos em geral. Todavia, ao invés de se raciocinar em determinar um número máximo de alunos com necessidades especiais por classe no ensino comum, a atitude que se considera mais recomendada é distribuí-los pelas classes de uma série de forma equilibrada, considerando que toda classe, enquanto grupo produtor de aprendizagem, deve ser composta de alunos com uma riqueza de diferentes (mesmo que complexas) características: rápidos, lentos, colaboradores, retraídos, agitados, dispersivos, curiosos, dependentes, excessivamente independentes etc. A regra de ouro é tirar vantagens das diferenças e ampliar positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar na diversidade. Outro ponto a ser discutido diz respeito às questões curriculares e metodológicas. Se os currículos das classes do ensino comum considerarem metodologias e processos de avaliação adequadas à promoção de desenvolvimento e aprendizagem de todos os alunos, priorizando os tópicos curriculares que tenham caráter básico e fundamental e com significado prático e instrumental para eles, deve haver constante esforço por parte dos professores para propiciar aos alunos com necessidades especiais condições que contribuam para reduzir suas diferenças no atendimento dos objetivos do ensino. Isto pode envolver materiais didáticos auxiliares, reforço contínuo por parte do professor da classe comum e de professor especialista, quando for o caso.

Ademais, os educandos com necessidades educacionais especiais deverão contar com mobiliário adequado nas salas do ensino comum, devendo ainda as escolas atender à legislação vigente quanto à adequação dos prédios para atender, em especial, os alunos com deficiência física.

Os alunos que apresentam altas habilidades (os assim chamados superdotados) podem ser trabalhados, através de atividades que favoreçam o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares de forma a desenvolver suas potencialidades criativas, ou ter a oportunidade de aceleração curricular, conforme dispõe o inciso II do Art. 59 da Lei 9.394/96, caso isto seja previsto na proposta pedagógica das escolas.

Aqueles alunos com necessidades especiais que, todavia, não apresentarem condições mínimas para serem incluídos em classes comuns deverão receber um atendimento em classe especial segundo o tipo de necessidade especial apresentada. A questão de decidir ou não pela organização de classes especiais deve considerar se elas apresentarão oportunidades mais eficientes para a construção de competências pelos alunos com necessidades especiais - pessoas que apresentam significativas diferenças... necessidades muito diferenciadas das da maioria das pessoas, como já exposto - do que aquelas propiciadas pela inclusão dos mesmos em classe comum com apoio especializado quando necessário. Envolvem tais classes planejamento pedagógico bem fundamentado para garantir sucesso aos alunos nelas matriculados.

Há que se atentar para que as classes especiais nunca sejam ligadas ao atendimento de alunos com fracasso escolar, sob o argumento de que os mesmos têm "lentidão para aprender" ou "comportamento inadequado em classe". Em especial, as classes para atendimento de aluno com deficiência mental não se destinam a servir de local de reunião de alunos repetentes, como muitas vezes se observa. Antes são espaço para a boa pedagogia e não podem servir de álibi para rotulação de alunos como forma de aliviar a responsabilidade escolar. Devem sempre favorecer experiências bem sucedidas, nunca se reduzindo a reduto daqueles que eventualmente são testemunhas das dificuldades da escola em exercer sua função social. Acima de tudo, alunos que não demonstram dominar os conteúdos escolares provocam o questionamneto da forma como tais conteúdos foram selecionados e trabalhados. Para os alunos com dificuldades de aprendizagem, cumpre lembrar que existem outras alternativas: reforço, recuperação paralela e contínua, classes de aceleração.

A permanência de cada aluno na classe especial deve ser discutida continuamente pela equipe escolar, com os pais e conselhos de escola, visando o seu encaminhamento para a classe comum.

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Além disso, as unidades escolares devem garantir oportunidade aos alunos que estiverem freqüentando as classes especiais de participarem com todos os demais alunos da escola de atividades esportivas, recreativas e culturais.

Os alunos que apresentem necessidades especiais decorrentes de deficiências graves que requeiram adaptações curriculares tão significativas que a escola comum ainda não tenha conseguido prover deverão ser atendidos, em caráter excepcional, em escolas especiais, públicas ou privadas. A equipe da escola especial, com a participação da família, deve promover estudos de casos envolvendo profissionais de saúde e de outras áreas para decidir o tipo de atendimento a ser oferecido, cuidando para analisar quando cada aluno deve ser encaminhado para classes comuns ou especiais do ensino regular ou supletivo.

Como toda escola, a escola especial deve, para sua autorização de funcionamento, atender ao que dispõe a Deliberação CEE n.º 01/99, quando se tratar de ensino fundamental e médio e também a Indicação CEE n.º 04/99, quando se tratar de educação infantil. A direção da referida escola deve ser exercida por profissional habilitado em Pedagogia ou em nível de pós-graduação em Educação (Art. 64 da LDB) e os professores devem ter habilitação para a docência com especialização adequada (Lei 9394/96 - Art. 59, inciso III).

A escola especial deverá cumprir um mínimo de 200 dias letivos e 800 horas para o ensino fundamental e estipular um mínimo de dias letivos para a educação infantil. A estrutura curricular pode ser organizada de forma flexível, cumprindo o que dispõe a LDB (Art. 59, I) e as diretrizes curriculares para o ensino fundamental (Parecer CEB/CNE 04/1998), ensino médio (Parecer CEB/CNE 15/1998) e para a educação infantil (Parecer CEB/CNE 22/1998). Tal estrutura deve ser coerente com a proposta pedagógica elaborada pela equipe escolar, com a participação da família e ouvidos especialistas na área, se for o caso.

O importante seria a articulação da escola especial com as escolas comuns, de forma a se ter sempre em mente a meta da inclusão, isto quando as condições gerais de desenvolvimento do aluno, aliadas ao envolvimento da família e ao trabalho pedagógico e terapêutico assim o possibilitarem.

A educação para o trabalho oferecida aos alunos com necessidades especiais que não apresentam condições de se integrar aos profissionalizantes disponíveis na estrutura dos sistemas de ensino deve ser realizada em oficinas especializadas que incluam os recursos necessários para a profissionalização e inserção dos mesmos no mercado de trabalho, sem que se descuide de propiciar-lhes toda uma gama de experiências que lhes garanta a construção de sua cidadania.

Para dar suporte e complementar o processo pedagógico das classes comuns, o trabalho educacional com os alunos portadores de necessidades educativas especiais pode incluir ensino itinerante, serviços de apoio de outras instituições especializadas e do próprio sistema de ensino. Ele poderá contar com o apoio de serviços de reabilitação, necessários a muitos dos alunos como complementares ao trabalho escolar, que são competência dos serviços de saúde.

A avaliação dos alunos com necessidades educativas especiais atendidos nas classes comuns, nas classes especiais, e nas escolas especiais deverá ser contínua e cumulativa, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Essa verificação deve incluir itens básicos, referentes à programação escolar para eles proposta e deve visar a constante melhoria das condições de ensino a que eles se acham submetidos. Deve ser voltada à detecção de qualquer progresso no aproveitamento escolar.

Caso a escola em que o aluno com necessidades especiais estude tenha seu ensino fundamental organizado em ciclos com progressão continuada, as dificuldades pedagógicas que o mesmo vier a apresentar devem receber a devida atenção dado que este aluno, como os demais, prossegue dentro do ciclo beneficiado pelos recursos que lhe são possibilitados.

A avaliação dos alunos com necessidades especiais deve variar segundo suas características e a modalidade de atendimento escolar oferecida, respeitadas as especialidades de cada caso, no que tange às necessidades de recursos e equipamentos especializados para a avaliação do desempenho. Os deficientes físicos, visuais e auditivos integrados nas classes comuns estarão sujeitos aos mesmos critérios de avaliação adotados para os demais alunos, mas com utilização de formas alternativas de comunicação para cegos e surdos e adaptação de materiais didático e espaço físico para os deficientes físicos. A estrutura frasal dos deficientes auditivos não deve interferir na avaliação do conteúdo de suas mensagens escritas, bem como a grafia das palavras para os que possuem visão sub normal. Os portadores de deficiência mental e os alunos que apresentarem condutas típicas serão avaliados em função de seus níveis de desenvolvimento geral e pessoal, considerados os conteúdos curriculares mínimos e os níveis de competência social por eles alcançados.

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A matrícula inicial, a transferência e o desligamento de alunos que apresentam necessidades especiais devem obedecer aos mesmos critérios estabelecidos para a matrícula de qualquer aluno da rede de ensino. Eles têm o mesmo direito à matrícula que os demais alunos. Em caso de transferência devem receber da escola o histórico escolar, acompanhado de uma ficha de avaliação pedagógica que informe à escola de destino o seu grau de desenvolvimento.

A perspectiva apontada, nesta Indicação, exige que todos os professores que trabalham em classes comuns de todo o ensino básico se apropriem de conteúdos e competências necessários para um trabalho com alunos com necessidades educativas especiais em sua formação inicial ou continuada. Classes que atendam apenas crianças com necessidades especiais devem ser regidas por professores habilitados nas respectivas áreas de deficiências.

Finalizando, o sistema de ensino do Estado de São Paulo não pode se esquivar de forma alguma da efetivação de uma política de educação especial, dentro de uma visão mais geral de escola Inclusiva busca efetivar todos os esforços para uma aprendizagem bem sucedida de todos os alunos, combatendo práticas seletivas e excludentes tão características da escola brasileira. Os alunos com necessidades especiais incluem-se evidentemente neste paradigma de uma escola que reconhece o sucesso do aluno, que o estimula a desenvolver-se, que o apoia neste processo. Seguramente a presente Indicação modifica várias práticas escolares tradicionais, dado que se compromete com o direito a uma educação escolar de qualidade que os portadores de necessidades educacionais com total justeza reivindicam. 6. Parecer CNE/CEB n.º 11/2000 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

Conceito e funções da EJA

A focalização das políticas públicas no ensino fundamental, universal e obrigatório conveniente à relação idade própria/ano escolar ampliou o espectro de crianças nele presentes. Hoje, é notável a expansão desta etapa do ensino e há um quantitativo de vagas cada vez mais crescente a fim de fazer jus ao princípio da obrigatoriedade face às crianças em idade escolar. Entretanto, as presentes condições sociais adversas e as seqüelas de um passado ainda mais perverso se associam a inadequados fatores administrativos de planejamento e dimensões qualitativas internas à escolarização e, nesta medida, condicionam o sucesso de muitos alunos. A média nacional de permanência na escola na etapa obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios acabam por se converter em 11 anos, na média, estendendo a duração do ensino fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. Expressão desta realidade são a repetência, a reprovação e a evasão, mantendo-se e aprofundando-se a distorção idade/ano e retardando um acerto definitivo no fluxo escolar. Embora abrigue 36 milhões de crianças no ensino fundamental, o quadro sócio-educacional seletivo continua a reproduzir excluídos dos ensinos fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem escolaridade obrigatória completa.

Mesmo assim, deve-se afirmar, inclusive com base em estatísticas atualizadas, que, nos últimos anos, os sistemas de ensino desenvolveram esforços no afã de propiciar um atendimento mais aberto a adolescentes e jovens tanto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter preventivo para diminuir a distorção idade/ano. Como exemplos destes esforços temos os ciclos de formação e as classes de aceleração. As classes de aceleração e a educação de jovens e adultos são categorias diferentes. As primeiras são um meio didático-pedagógico e pretendem, com metodologia própria, dentro do ensino na faixa de sete a quatorze anos, sincronizar o ingresso de estudantes com a distorção idade/ano escolar, podendo avançar mais celeremente no seu processo de aprendizagem. Já a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas.

O Brasil continua exibindo um número enorme de analfabetos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta, no ano de 1996, 15.560.260 pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais, perfazendo 14,7% do universo de 107.534.609 pessoas nesta faixa populacional. Apesar de queda anual e de marcantes diferenças regionais e setoriais, a existência de pessoas que não sabem ler ou escrever por falta de condições de acesso ao processo de escolarização deve ser motivo de autocrítica constante e severa. São Paulo, o estado mais populoso do país, possui um contingente de 1.900.000 analfabetos. É de se notar que, segundo as estatísticas oficiais, o maior número de analfabetos se constitui de pessoas: com mais idade, de regiões pobres e interioranas e provenientes dos grupos afro-brasileiros. Muitos dos indivíduos que povoam estas cifras são os candidatos aos cursos e exames do ainda conhecido como ensino supletivo.

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Nesta ordem de raciocínio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea.

Esta observação faz lembrar que a ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto ou "vocacionado" apenas para tarefas e funções "desqualificadas" nos segmentos de mercado. Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os registros de memória das culturas afro-brasileira e indígena

Como diz a professora Magda Soares (1998):

...um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, ..., se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (p. 24)

Esta dimensão sócio-cultural do letramento é reforçada pela professora Leda Tfouni:

O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas "letradas" em sociedades ágrafas. ( 9-10)

Igualmente deve-se considerar a riqueza das manifestações cujas expressões artísticas vão da cozinha ao trabalho em madeira e pedra, entre outras, atestam habilidades e competências insuspeitas.

De todo modo, o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particularmente danoso para a conquista de uma cidadania plena.

Suas raízes são de ordem histórico-social. No Brasil, esta realidade resulta do caráter subalterno atribuído pelas elites dirigentes à educação escolar de negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais, entre outros. Impedidos da plena cidadania, os descendentes destes grupos ainda hoje sofrem as conseqüências desta realidade histórica. Disto nos dão prova as inúmeras estatísticas oficiais. A rigor, estes segmentos sociais, com especial razão negros e índios, não eram considerados como titulares do registro maior da modernidade: uma igualdade que não reconhece qualquer forma de discriminação e de preconceito com base em origem, raça, sexo, cor idade, religião e sangue entre outros. Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade.

Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento. Como diz o Parecer CNE/CEB nº 4/98:

Nada mais significativo e importante para a construção da cidadania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história.

Lemos também na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, de 1997, da qual o Brasil é signatário,

...a alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a todos, num mundo em transformação, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. (...) O desafio é

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oferecer-lhes esse direito... A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida..

A incorporação dos códigos relativos à leitura e à escrita por parte dos alfabetizados e letrados, tornando-os quase que "naturais", e o caráter comum da linguagem oral, obscurece o quanto o acesso a estes bens representa um meio e instrumento de poder. Quem se vê privado deles ou assume este ponto de vista pode aquilatar a perda que deles advém e as conseqüências materiais e simbólicas decorrentes da negação deste direito fundamental face, inclusive, a novas formas de estratificação social .

O término de uma tal discriminação não é uma tarefa exclusiva da educação escolar. Esta e outras formas de discriminação não têm o seu nascedouro na escola. A educação escolar, ainda que imprescindível, participa dos sistemas sociais, mas ela não é o todo destes sistemas. Daí que a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa continue a ser um alvo a ser atingido em países como o Brasil.

Contudo, dentro de seus limites, a educação escolar possibilita um espaço democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual. Questionar, por si só, a virtude igualitária da educação escolar não é desconhecer o seu potencial. Ela pode auxiliar na eliminação das discriminações e, nesta medida, abrir espaço para outras modalidades mais amplas de liberdade. A universalização dos ensinos fundamental e médio libera porque o acesso aos conhecimentos científicos virtualiza uma conquista da racionalidade sobre poderes assentados no medo e na ignorância e possibilita o exercício do pensamento sob o influxo de uma ação sistemática. Ela é também uma via de reconhecimento de si, da auto-estima e do outro como igual. De outro lado, a universalização do ensino fundamental, até por sua história, abre caminho para que mais cidadãos possam se apropriar de conhecimentos avançados tão necessários para a consolidação de pessoas mais solidárias e de países mais autônomos e democráticos. E, num mercado de trabalho onde a exigência do ensino médio vai se impondo, a necessidade do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra um tempo de exclusão não mais tolerável.

Tanto a crítica à formação hierárquica da sociedade brasileira, quanto a inclusão do conjunto dos brasileiros vítimas de uma história excludente estão por se completar em nosso país. A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade de vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo também os idosos, exatamente no momento em que o acesso ou não ao saber e aos meios de obtê-lo representam uma divisão cada vez mais significativa entre as pessoas. No século que se avizinha, e que está sendo chamado de "o século do conhecimento", mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho.

E esta é uma das funções da escola democrática que, assentada no princípio da igualdade e da liberdade, é um serviço público. Por ser um serviço público, por ser direito de todos e dever do Estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas públicas. O acesso a este serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam maior igualdade no espaço social. Tão pesada quanto a iníqua distribuição da riqueza e da renda é a brutal negação que o sujeito iletrado ou analfabeto pode fazer de si mesmo no convívio social. Por isso mesmo, várias instituições são chamadas à reparação desta dívida. Este serviço, função cogente do Estado, se dá não só via complementaridade entre os poderes públicos, sob o regime de colaboração, mas também com a presença e a cooperação das instituições e setores organizados da sociedade civil. A igualdade e a liberdade tornam-se, pois, os pressupostos fundamentais do direito à educação, sobretudo nas sociedades politicamente democráticas e socialmente desejosas de uma melhor redistribuição das riquezas entre os grupos sociais e entre os indivíduos que as compõem e as expressam.

As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica do mundo contemporâneo, o usufruto de direitos próprios da cidadania, a importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de comunicação assentados na micro-eletrônica requerem cada vez mais o acesso a saberes diversificados. A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se vêem desprovidos de bens tão básicos como a escrita e a leitura. O acesso ao conhecimento sempre teve um papel significativo na estratificação social, ainda mais hoje quando novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas, vão se tornando exigências até mesmo para a vida cotidiana.

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Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos.

Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras pessoas que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu itinerário educacional e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Neste momento a igualdade perante a lei, ponto de chegada da função reparadora, se torna um novo ponto de partida para a igualdade de oportunidades. A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes "novos" alunos e "novas" alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização.

Tais demandantes, segundo o Parecer CNE/CEB nº 15/98, têm um perfil a ser considerado cuja caracterização se estende também aos postulantes do ensino fundamental:

...são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub – representados nessa etapa da escolaridade.

Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto requer algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho. Pode-se dizer que estamos diante da função equalizadora da EJA. A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. Segundo Aristóteles, a eqüidade é a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu caráter universal. (Ética a Nicômaco, V, 14, 1.137 b, 26). Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade.

Analisando a noção de igualdade de oportunidades, Bobbio (1996) assim se posiciona:

Mas não é supérfluo, ao contrário, chamar atenção para o fato de que, precisamente a fim de colocar indivíduos desiguais por nascimento nas mesmas condições de partida, pode ser necessário favorecer os mais pobres e desfavorecer os mais ricos, isto é introduzir artificialmente, ou imperativamente, discriminações que de outro modo não existiriam... Desse modo, uma desigualdade torna-se instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades. (p. 32)

A educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade

contemporânea, vai se impondo cada vez mais nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos. Ela possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extra-escolar e na própria vida, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado.

Nesta linha, a educação de jovens e adultos representa uma promessa de efetivar um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades. Nela, adolescentes, jovens, adultos e idosos poderão atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso a novas regiões do trabalho e da cultura. Talvez seja isto que Comenius chamava de ensinar tudo a todos. A EJA é uma promessa de qualificação de vida para todos, inclusive para os idosos, que muito têm a ensinar para as novas gerações. Por exemplo, o Brasil também vai conhecendo uma elevação maior da expectativa de vida por parte de segmentos de sua população. Os brasileiros estão vivendo mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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(IBGE), o número de brasileiros com mais de 60 anos estará na faixa dos 30 milhões nas primeiras décadas do milênio. É verdade que são situações não generalizáveis devido a baixa renda percebida e o pequeno valor de muitas aposentadorias A esta realidade promissora e problemática ao mesmo tempo, se acrescenta, por vezes, a falta de opções para as pessoas da terceira idade poderem desenvolver seu potencial e suas experiências vividas. A consciência da importância do idoso para a família e para a sociedade ainda está por se generalizar.

Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares . Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade. Como já dizia a Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI, o chamado Relatório Jacques Delors para a UNESCO:

Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular da vida _ educação de adultos, por oposição à dos jovens, por exemplo _ ou a uma finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da formação geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e enriquecem os outros. (p. 89)

Na base da expressão potencial humano sempre esteve o poder se qualificar, se requalificar e descobrir novos campos de atuação como realização de si. Uma oportunidade pode ser a abertura para a emergência de um artista, de um intelectual ou da descoberta de uma vocação pessoal. A realização da pessoa não é um universo fechado e acabado. A função qualificadora, quando ativada, pode ser o caminho destas descobertas.

Este sentido da EJA é uma promessa a ser realizada na conquista de conhecimentos até então obstaculizados por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver comprime os espaços da estética, da igualdade e da liberdade. Esta compressão, por outro lado, também tem gerado, pelo desemprego ou pelo avanço tecnológico nos processos produtivos, um tempo liberado. Este tempo se configura como um desafio a ser preenchido não só por iniciativas individuais, mas também por programas de políticas públicas. Muitos jovens ainda não empregados, desempregados, empregados em ocupações precárias e vacilantes podem encontrar nos espaços e tempos da EJA, seja nas funções de reparação e de equalização, seja na função qualificadora, um lugar de melhor capacitação para o mundo do trabalho e para a atribuição de significados às experiências sócio-culturais trazidas por eles.

A promessa de um mundo de trabalho, de vida social e de participação política segundo as “leis da estética” está presente nas possibilidades de um universo que se transforma em grande sala de aula virtual. O mundo vai se tornando uma sala de aula universal. Assim, as realidades contemporâneas, ao lado da existência de graves situações de exclusão, contêm uma virtualidade sempre reiterada: os vínculos com uma cidadania universal. A nossa Lei Maior e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não se ausentaram desta perspectiva de encontro entre uma concepção abrangente da educação com uma cidadania universal. A primeira coloca a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como princípio de nossa República nas relações internacionais (art. 4º , IX). A segunda consigna, em seu art. 1º , um amplo conceito de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

A função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo, mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação .

Dentro deste caráter ampliado, os termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito.

III- Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos2. Bases legais vigentesA Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o

pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF, art. 205). Retomado pelo art. 2º da LDB, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos

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educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada.

Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais. Assim o art. 208 é claro:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de : I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada inclusive sua

oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria;

Esta redação vigente longe de reduzir a EJA a um apêndice dentro de um sistema dualista, pressupõe a educação básica para todos e dentro desta, em especial, o ensino fundamental como seu nível obrigatório. O ensino fundamental obrigatório é para todos e não só para as crianças. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e cercado de mecanismos financeiros e jurídicos de sustentação.

A titularidade do direito público subjetivo face ao ensino fundamental continua plena para todos os jovens, adultos e idosos, desde que queiram se valer dele. A redação original do art. 208 da Constituição era mais larga na medida em que coagia à chamada universal todos os indivíduos não – escolarizados, estivessem ou não na faixa etária de sete a quatorze anos, e identificava a fonte de recursos para esta obrigação. Apesar do estreitamento da redação trazida pela emenda 14/96, ela deixa ao livre arbítrio do indivíduo com mais 15 anos completos o exercício do seu direito público subjetivo. Basta ler o art. 5 º da LDB que universaliza a figura do cidadão e não faz e nem poderia fazer qualquer discriminação de idade ou outra de qualquer natureza.

Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo ou seja ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujeito deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigí-lo e o juiz deve deferir imediatamente, obrigando as autoridades constituídas a cumprí-lo sem mais demora. O direito público subjetivo não depende de regulamentação para sua plena efetividade. O não cumprimento ou omissão por parte das autoridades incumbidas implica em responsabilidade da autoridade competente. (art. 208, § 2º ). A lei que define os crimes de responsabilidade é a de nº 1.079/50. Ela, em seu art. 4 º , define tais crimes como sendo aqueles em que autoridades públicas venham a atentar contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Seu art. 14 permite a qualquer cidadão denunciar autoridades omissas ou infratoras perante a Câmara dos Deputados.

A Lei nº 9.394/96 explicita no § 3º do art. 5º que qualquer indivíduo que se sentir lesionado neste direito, pode dirigir-se ao Poder Judiciário para efeito de reparação e tal ação é gratuita e de rito sumário. O uso desta faculdade de agir com vistas a este modo de direito é reconhecido também para organizações coletivas adequadas. Ao exercício deste direito corresponde o dever do Estado na oferta desta modalidade de ensino dentro dos princípios e das responsabilidades que lhes são concernentes. Entre estas responsabilidades está o art. 5º da LDB que encaminha à cobrança do direito público subjetivo e que tem, entre seus preliminares, o recenseamento da população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso (art. 5º, § 1º , I) e fazer-lhes a chamada pública. (art. 5 º § 1º , II). Isto importa em oferta necessária da parte dos poderes públicos a fim de que o censo e a chamada escolares não signifiquem apenas um registro estatístico. Para tanto, o censo deverá conter um campo específico de dados para o levantamento do número destes jovens e adultos.

O exercício deste dispositivo se apóia também na obrigação dos Estados e Municípios em fazer a chamada com a assistência da União. Isto supõe tanto uma política educacional integrada da EJA de modo a superar o isolamento a que ela foi confinada em vários momentos históricos da escolarização brasileira, quanto um efetivo regime de colaboração, de acordo com o art. 8º da LDB.

Por sua vez , o art. 214 da Constituição Federal também é claro:

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A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:

I – erradicação do analfabetismo. II – universalização do atendimento escolar. ....

Erradicar o analfabetismo e universalizar o atendimento são faces da mesma moeda e significam o acesso de todos os cidadãos brasileiros, pelo menos, ao ensino fundamental. Ora, __ seu nome já o diz __ o fundamento é a base e a ponte necessárias para quaisquer desenvolvimentos e composições ulteriores.

O artigo 208 da Constituição Federal se compõe tanto com o art. 214 quanto com o artigo 60 emendado do Ato das Disposições Transitórias. Desta composição resulta, com outros dispositivos legais, um outro formato na distribuição de competências onde todos os entes federativos estão diferencialmente implicados.

De acordo com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 14/96, o art. 60 diz:

Nos dez primeiros anos da promulgação desta emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização do seu atendimento e a remuneração condigna do magistério

...........................

§6º A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental .....nunca menos que o equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal.

Na verdade, o teor da Lei nº 9.424/96 que regulamentou a Emenda nº 14/96 deixa fora do cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) a Educação de Jovens e Adultos. O FUNDEF se aplica tão só ao ensino fundamental no momento em que muitos trabalhadores e mães de família, afastados dos estudos por longos anos, pressionam por uma entrada ou retorno na educação escolar, seja para melhorar a renda familiar, seja para a busca de mobilidade social. O aluno da EJA, integrante da etapa correspondente ao ensino obrigatório da educação básica , na forma de ensino presencial e com avaliação no processo, não é computado para o cálculo dos investimentos próprios deste fundo. É preciso retomar a eqüidade também sob o foco da alocação de recursos de maneira a encaminhar mais a quem mais necessita, com rigor, eficiência e transparência.

Ao mesmo tempo, como assinala Beisiegel (1999) parece estar em curso um processo de redefinição das atribuições da educação fundamental de jovens e adultos, que vêm sendo deslocadas da União para os Estados e, principalmente, para os Municípios, com apelos dirigidos também ao envolvimento das organizações não – governamentais e da sociedade civil. (p.4).

Mesmo assim, o art. 60 emendado, deixa claro, em seu § 6 º, que um quantitativo do equivalente a trinta por cento dos recursos do art. 212 da Constituição Federal deverão ser destinados à erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.

É o que diz Título IX das Disposições Transitórias no art. 87 ao instituir a Década da Educação. O § 3 º, III diz que

Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União deverá prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados.

Esta redefinição se ancora na incumbência da União, de acordo com o art. 9 º III da LDB, de prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva.

Esta função, sem desobrigar os outros entes federativos, se vê esclarecida no art. 75 da LDB que diz a ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino.

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Já o art. 10 e o art. 11 apontam para as competências específicas de Estados e Municípios respectivamente para com o ensino médio e o ensino fundamental.

Diz o art. 10, VI da LDB ser incumbência do Estado:

Assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio.

Por sua vez, o art. 11, V da LDB enuncia ser incumbência do Município:

Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.

Embora o Município seja uma instância privilegiada tanto para o contato mais próximo com estes jovens e adultos, quanto para o controle que os mesmos podem exercer sobre o conjunto das políticas, e conquanto este artigo faça parte de disposições transitórias, os dispositivos legais, a tradição na área e o esforço necessário para fazer esta reparação indicam que o investimento em EJA não conta com um passado consolidado junto aos entes federativos como um todo. Portanto, seja no que se refere à cooperação técnica, seja no que se refere aos investimentos, o regime de colaboração tão acentuado na Constituição Federal torna-se aqui uma necessidade imperiosa. Isto significa uma política integrada, contínua e cumulativa entre os entes federativos, financiada com recursos suficientes e identificáveis em vista de sua sustentabilidade.

Face ao deslocamento de atribuições e em que pese a determinação financeira constritiva da Lei nº 9.424/96, uma vez que as matrículas da EJA não fazem parte do cálculo do FUNDEF, a Lei nº 9.394/96 rompe com a concepção posta na Lei nº 5.692/71, seja pelo disposto no art. 92 da nova Lei, seja pela nova concepção da EJA. Desaparece a noção de Ensino Supletivo existente na Lei nº 5.692/71.

A atual LDB abriga no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) a seção V denominada Da Educação de Jovens e Adultos. Os artigos 37 e 38 compõem esta seção. Logo, a EJA é uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e média.

O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria. Esta feição especial se liga ao princípio da proporcionalidade para que este modo seja respeitado. A proporcionalidade, como orientação de procedimentos, por sua vez, é uma dimensão da eqüidade que tem a ver com a aplicação circunstanciada da justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas inferiorizam as pessoas. Ela impede o crescimento das desigualdades por meio do tratamento desigual dos desiguais, consideradas as condições concretas, a fim de que estes eliminem uma barreira discriminatória e se tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades face a um bem indispensável como o é o acesso à educação escolar. Dizer que os cursos da EJA e exames supletivos devem habilitar ao prosseguimento de estudos em caráter regular (art. 38 da LDB) significa que os estudantes da EJA também devem se equiparar aos que sempre tiveram acesso à escolaridade e nela puderam permanecer. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política conseqüente e diferenciada.

Por isso o art. 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada, específica a este contingente, que não teve acesso à escolarização no momento da escolaridade universal obrigatória, via oportunidades educacionais apropriadas. A oferta dos cursos em estabelecimentos oficiais, afirmada pelas normas legais, e a dos exames supletivos da EJA, pelos poderes públicos, é garantida pelo art. 37 § 1º da LDB. A associação entre gratuidade e a oferta periódica mais freqüente e descentralizada da prestação dos exames pode reforçar o dever do Estado para com esta modalidade de educação. Para tanto, os estabelecimentos públicos dos respectivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de oportunidades e de acesso aos cursos e exames supletivos sob o princípio da gratuidade. Tais oportunidades se viabilizarão, certamente, pela oferta de escolarização mediante cursos e exames (§1º do art. 37). Por meio dela ou de outras, o poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si (§2 º do art. 37).

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A oferta desta modalidade assevera, pois, que os estabelecimentos públicos não podem se ausentar deste dever e eles devem ser os principais lugares desta oferta. A disseminação de cursos autorizados, reconhecidos e credenciados, sob a forma presencial, pode ir tornando exames supletivos avulsos cada vez mais residuais.

A lei reitera um direito inclusive à luz do princípio de colaboração recíproca que preside a República Federativa do Brasil. O regime de colaboração é o antídoto de iniciativas descontínuas ou mesmo de omissões, bem como a via conseqüente para a efetivação destes dispositivos assinalados e dos compromissos assumidos em foros internacionais. Cabe também às instituições formadoras o papel de propiciar uma profissionalização e qualificação de docentes dentro de um projeto pedagógico em que as diretrizes considerem os perfis dos destinatários da EJA.

O art. 38 diz que os sistemas de ensino manterão cursos da EJA e exames supletivos. Tais cursos tanto podem ser no âmbito da oferta de educação regular para jovens e adultos (art. 4º , VII), quanto no de oportunidades apropriadas ...mediante cursos (regulares) e exames (supletivos) (art. 37, §, 1º). Tais cursos e exames, de acordo com a Lei e as diretrizes, deverão atender à base comum nacional e possibilitar o prosseguimento de estudos... Após a assinalação das novas faixas etárias, o § 2 º do artigo prevê que as práticas de vida, os conhecimentos e habilidades dos destinatários da EJA serão aferidos e reconhecidos mediante exames.

A legislação educacional existente hoje é bem mais complexa. Ela, além dos dispositivos de caráter nacional, compreende as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios. Dentro de nosso regime federativo, os Estados e os Municípios, de acordo com a distribuição das competências estabelecidas na Constituição Federal, gozam de autonomia e assim podem estabelecer uma normatividade própria, harmônica e diferenciada. A quase totalidade dos Estados repete, em suas Constituições, a versão original do art. 208, bem como a necessidade de um Plano Estadual de Educação do qual sempre constam a universalização do ensino obrigatório e a erradicação do analfabetismo. Em muitas consta a expressão ensino supletivo.

Observados os limites e os princípios da Constituição Federal e da LDB, os entes federados são autônomos na gestão de suas atribuições e competências. Desse modo, por exemplo, tanto a Constituição Estadual do Paraná como a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte mantêm a redação original do art. 208, I da Constituição Federal. O Estado de Sergipe, em sua Constituição, diz no art. 217, VI que é dever do Estado garantir a oferta do ensino público noturno, regular e supletivo, adequado às necessidades do educando, assegurando o mesmo padrão de qualidade do ensino público diurno regular. A Constituição Mineira, art. 198, XII, garante a expansão da oferta de ensino noturno regular e de ensino supletivo adequados às condições do educando. A Constituição Estadual de Goiás se expressa no art. 157, I que O dever do Estado e dos Municípios para com a Educação será assegurado por meio de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria e que deverão receber tratamento especial, por meio de cursos e exames adequados ao atendimento das peculiaridades dos educandos. E a Constituição de Rondônia diz no art. 187, IX ser princípio da educação no Estado a garantia de acesso ao ensino supletivo. O Estado do Pará, em sua Lei Maior, diz no § único do art. 272 que O Poder Público estimulará e apoiará o desenvolvimento de propostas educativas diferenciadas com base em novas experiências pedagógicas, através de programas especiais destinados a adultos, crianças, adolescentes e trabalhadores, bem como à capacitação e habilitação de recursos humanos para a educação pré - escolar e de adultos. O município de São José do Rio Preto (SP), além de repetir do art. 208 da Constituição, explicita, em sua Lei Orgânica no art. 178, que o Município aplicará parcela dos recursos destinados à educação, objetivando erradicar o analfabetismo em seu território.

Como conseqüência desta composição federativa e dos dispositivos normativos, a autonomia dos sistemas lhes permite definir a organização, a estrutura e o funcionamento da EJA.

Por outro lado, o Brasil é signatário de vários documentos internacionais que pretendem ampliar a vocação de determinados direitos para um âmbito planetário. O direito à educação para todos, aí compreendidos os jovens e adultos, sempre esteve presente em importantes atos internacionais, como declarações, acordos, convênios e convenções.

Veja-se como exemplo, além das declarações assinaladas neste parecer, como a Declaração de Jomtien e a de Hamburgo, a Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, de 1960. Essa Convenção foi assinada e assumida pelo Brasil mediante Decreto Legislativo nº 40 de 1967 do Congresso Nacional e promulgada pela Presidência da República mediante o Decreto nº 63.223 de 1968.

IV- Educação de Jovens e Adultos - Hoje

... mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade da vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais.

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Para que a educação básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos a oportunidade de alcançar um padrão mínimo de qualidade de aprendizagem. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos)

Como já apontado, é no processo de redemocratização dos anos 80 que a Constituição dará o passo significativo em direção a uma nova concepção de educação de jovens e de adultos. Foi muito significativa a presença de segmentos sociais identificados com a EJA no sentido de recuperar e ampliar a noção de direito ao ensino fundamental extensivo aos adultos já posta na Constituição de 1934. A LDB acompanha esta orientação, suprimindo a expressão ensino supletivo, embora mantendo o termo supletivo para os exames. Todavia, trata-se de uma manutenção nominal, já que tal continuidade se dá no interior de uma nova concepção. Termos remanescentes do ordenamento revogado devem ser considerados à luz do novo ordenamento e não pelos ordenamentos vindos da antiga lei. Isto significa vontade expressa de uma outra orientação para a Educação de Jovens e Adultos, a partir da nova concepção trazida pela lei ora aprovada.

Do ponto de vista conceitual, além da extensão da escolaridade obrigatória formalizada em 1967, os artigos 37 e 38 da LDB em vigor dão à EJA uma dignidade própria, mais ampla, e elimina uma visão de externalidade com relação ao assinalado como regular. O art. 4º VII da LDB é claro:

O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:....oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades

adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

Assinale-se, então: desde que a Educação de Jovens e Adultos passou a fazer parte constitutiva da lei de diretrizes e bases, tornou-se modalidade da educação básica e é reconhecida como direito público subjetivo na etapa do ensino fundamental. Logo, ela é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora. Portanto, ao assinalar tanto os cursos quanto os exames supletivos, a lei os tem como compreendidos dentro dos novos referenciais legais e da concepção da EJA aí posta.

1. Cursos da Educação de Jovens e AdultosA LDB determina em seu art. 37 que cursos e exames são meios pelos quais o poder público deve

viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola de modo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendo como referência a base nacional comum dos componentes curriculares .

Se a lei nacional não estipula a duração dos cursos -- por ser esta uma competência da autonomia dos entes federativos --, e se ela não prevê a freqüência, --como o faz com o ensino presencial na faixa de sete a quatorze anos --, é preciso apontar o que ela prevê: a oferta desta modalidade é obrigatória pelos poderes públicos na medida em que os jovens e os adultos queiram fazer uso do seu direito público subjetivo. A organização de cursos, sua duração e estrutura, respeitadas as orientações e diretrizes nacionais, faz parte da autonomia dos entes federativos. Tal entendimento legal foi assumido pelo Parecer CEB nº 5/97. A matrícula em qualquer ano escolar das etapas do ensino está, pois, subordinada às normas do respectivo sistema, o mesmo valendo, portanto, para a modalidade presencial dos cursos de jovens e adultos.

Os cursos, quando ofertados sob a forma presencial, permitem melhor acompanhamento, a avaliação em processo e uma convivência social. Isto não significa que cursos semi-presenciais, que combinam educação a distância e forma presencial, ou que cursos não- presenciais que se valham da educação a distância não devam conter orientações para efeito de acompanhamento. Os então chamados cursos supletivos, __ dizia o CFE em 1975 __ não constituem mera preparação para exames Os cursos supletivos [são] atividades que se justificam por si mesmas.(Documenta nº 178 de 9/75). Com efeito, por estarem a serviço de um direito a ser resgatado ou a ser preenchido, os cursos não podem se configurar para seus demandantes como uma nova negação por meio de uma oferta desqualificada, quer se apresentem sob a forma presencial, quer sob a forma não-presencial ou por meio de combinação entre ambas. Os exames, sempre oferecidos por instituição credenciada, são uma decorrência de um direito e não a finalidade dos cursos da EJA.

A normatização em termos de estrutura e organização dos cursos pertence à autonomia dos sistemas estaduais e municipais (nesse último caso, trata-se do ensino fundamental), que devem exercer o papel de celebrantes de um dever a serviço de um direito. Contudo, deve-se observar a imperatividade da oferta de exames supletivos prestados exclusivamente em instituições autorizadas, credenciadas e avaliadas. Afinal, a avaliação, além de ser um dos eixos da LDB, consta dos artigos 10 e 11 da mesma lei.

Como referência legal para a autonomia dos sistemas pode-se citar o art. 46 da LDB que, mesmo sendo voltado para as instituições de ensino superior, espelha um aspecto da avaliação dentro do espírito da lei.

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A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados periodicamente, após processo regular de avaliação.

É justo, pois, que os órgãos normativos dos sistemas saibam o que estão autorizando, reconhecendo e

credenciando, dada sua responsabilidade no assunto. Daí não ser exacerbado que tais órgãos exijam, quando da primeira autorização dos cursos, documentos imprescindíveis para tal responsabilidade. Entre outros documentos de caráter geral, como, por exemplo, identificação institucional, objetivos, qualificação profissional, estrutura curricular, carga horária, processo de avaliação, avultam o regimento escolar, para efeito de análise e registro, e o projeto pedagógico para efeito de documentação e arquivo. Isto combina com o novo papel esperado dos Conselhos de Educação com ênfase na função de acompanhamento , na radiografia e superação de eventuais deficiências, na identificação e reforço de virtudes. Ainda como resposta ao princípio da publicidade dos atos do governo, recomenda-se a sua utilização pelos meios oficiais e pelos meios de comunicação de modo que as Secretarias e os Conselhos de Educação dêem a máxima divulgação dos cursos autorizados.

Para que esta estruturação responda à urgência desta modalidade de educação, espera-se que ações integradas entre todos os entes federativos revelem e traduzam mecanismos próprios ao regime de colaboração.

As diretrizes curriculares nacionais da EJA são indispensáveis quando da oferta destes cursos. Elas são obrigatórias pois, além de significarem a garantia da base comum nacional, serão a referência exigível nos exames para efeito de aferição de resultados e do reconhecimento de certificados de conclusão.

Outro ponto importante, face à organização dos cursos, é a relação entre ensino médio e ensino fundamental. Pergunta-se: o ensino médio supõe obrigatoriamente o ensino fundamental em termos organizacionais? O ensino fundamental, embora determinante na rede de relações próprias de uma sociedade complexa como a nossa, não é condição absoluta de possibilidade de ingresso no ensino médio, dada a flexibilidade posta na LDB, em especial no art. 24, II, c. O importante é a capacitação verificada e avaliada do estudante, observadas as regras comuns e imperativas. Mas, nunca será demais repetir que tal não é a via organizacional comum da educação nacional e nem ela é capaz de responder à complexidade dos problemas educacionais brasileiros. É preciso insistir na importância e na necessidade do caráter obrigatório e imprescindível do ensino fundamental na faixa de sete a quatorze anos. O ensino fundamental é princípio constitucional, direito público subjetivo, cercado de todos os cuidados, controles e sanções. Além do que já se legislou sobre esse assunto, a partir do capítulo da educação da Constituição, da LDB e da Lei do FUNDEF, há outras indicações legais a serem referidas.

Assim, a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 alterou o teor do art. 7 º , XXXIII da Constituição Federal para a seguinte redação: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Também a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando tornou-se dever do Estado, garantido pelo art. 54, VI da Lei 8.069/90 que especifica a adequação deste turno às condições do adolescente trabalhador. A proibição de trabalho noturno a estes adolescentes e jovens foi sempre uma forma de respeito a um ser nessa fase de formação e, de outro lado, uma possibilidade de se ofertar o espaço institucional desta formação: a escola.

Pode-se acrescentar, ainda, a este respeito, o art. 227 da Constituição que, ao tratar do direito à proteção especial, impõe, no inciso III, a garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola.

É verdade que a legislação brasileira, ao tornar o ensino fundamental obrigatório para todos, não impôs que forçosamente ele se desse em instituições escolares. A realização desta obrigação e deste dever encontra nas instituições escolares próprias seu lugar social mais adequado e historicamente consolidado. Esta constituição de conhecimentos, quando devidamente ancorada na lei, nas normatizações conseqüentes e nos objetivos maiores da educação, pode ser oferecida também em cursos virtuais, em outros espaços adequados e mesmo no lar. Daí a existência do art. 24, II, c da LDB que inclui como uma das regras comuns da educação básica esta possibilidade ao dizer: independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. Tal possibilidade não é a ótica predominante na Lei, tendo-se em vista, por exemplo, o § 4º do art. 32 da LDB que diz: o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Mesmo assim, esta emergência ou aquela exceção devem ser acompanhadas de avaliação e sob normatividade específica. As iniciativas desenvolvidas por entidades públicas ou privadas que ofertam modalidades de ensino fundamental por si mesmas ou mediante instituições não credenciadas a certificar o término destes estudos, devem ser objeto de avaliação criteriosa por parte dos órgãos normativos dos sistemas.

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Além disso, é bom recordar que o art. 38 fala em prosseguimento de estudos regulares. Por isso mesmo, torna-se fundamental dar conseqüência ao disposto no art. 4º, I e VII da LDB.

O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24, II, c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, em geral por razões de caráter sócio-cultural. Logo, aos limites já postos pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes como a de uma banalização da regra comum da LDB acima citada.

A LDB incentiva o aproveitamento de estudos e sendo esta orientação válida para todo e qualquer aluno, a fortiori ela vale mais para estes jovens e adultos cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa e os tornaram capazes de tomar decisões ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado ou elaborado estas competências. A EJA é momento significativo de reconstruir estas experiências da vida ativa e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores da escolarização articulando-os com os saberes escolares. A validação do que se aprendeu "fora" dos bancos escolares é uma das características da flexibilidade responsável que pode aproveitar estes "saberes" nascidos destes "fazeres".

Entretanto, no caso de uma postulação de ingresso direto no ensino médio da EJA, tal situação deverá ser devidamente avaliada pelo estabelecimento escolar, obedecida a regulamentação do respectivo sistema de ensino. Logo, a regra é o esforço para que o ensino seja universalizado para todos e que a uma etapa do ensino se siga a outra. Daí a importância do art. 4º II da LDB que coloca como dever do Estado para com a educação pública de qualidade a garantia da progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Este é o caminho para todos os adolescentes e jovens. A exceção fica por conta do art. 24, II, c da LDB devidamente interpretado. Se tal exceção é uma alternativa dentro da função reparadora da EJA, isto não pode significar um aligeiramento das etapas da educação básica como um todo.

Um outro ponto importante a ser considerado é o aproveitamento pela EJA da flexibilidade responsável tal como posta no art. 24 da LDB, sem que isto signifique uma identificação mecânica entre a própria EJA e um modo de aproveitamento de estudos, práticas e experiências como fonte de conhecimentos. Com efeito, dentro das regras comuns, é possível harmonizar para ela o inciso III deste mesmo artigo respeitada uma transposição criteriosa. Diz o inciso:

...nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.

Em parte, a Lei nº 5.692/71 já apontava para este aspecto quando, em seu art. 14, § 4º dizia:

Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação de elementos de idade e aproveitamento.

Esta noção de avanços progressivos se aproxima, tanto da progressão parcial quanto do que diz no mesmo art. 24 o inciso V, letras b, c referindo-se à verificação do rendimento escolar do aluno. Tal verificação poderá ter como critérios:

...b) ...a possibilidade de de estudos para alunos com atraso escolarc)...a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante a verificação do

aprendizado.

Ora, acelerar quem está com atraso escolar significa não retardar mais e economizar tempo de calendário mediante condições apropriadas de aprendizagem que incrementam o progresso do aluno na escola. Tal progresso é um avanço no tempo e no aproveitamento de estudos de tal modo que o aluno atinja um patamar igual aos seus pares. Quem está com adiantamento nos estudos também pode ganhar o reconhecimento de um aproveitamento excepcional. Em cada caso, o tempo de duração dos anos escolares cumpridos com êxito é menor que o previsto em lei. Em ambos os casos, tem-se como base o reconhecimento do potencial de cada

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aluno que pode evoluir dentro de características próprias. Um, porque sua defasagem pedagógica, em termos de pouca experiência com os processos da leitura e da escrita, pode ser redefinida por meio de uma intensidade qualitativa de atenção e de zelo; outro, porque o avanço pode ser resultado de um capital cultural mais vasto advindo, por vezes, de outras formas de socialização que não só a escolar, como enunciado no art. 1 º

da LDB, considerados tantos os fatores internos relativos à escola, como os externos relativos à estratificação social. Estes aspectos devem ser considerados quando da busca de uma ascensão qualitativa nos estudos. De todo modo, a aceleração depende do disposto no art. 23 da LDB e que correlaciona a flexibilidade organizacional, faixa etária e aproveitamento sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

A rigor, as unidades educacionais da EJA devem construir, em suas atividades, sua identidade como expressão de uma cultura própria que considere as necessidades de seus alunos e seja incentivadora das potencialidades dos que as procuram. Tais unidades educacionais da EJA devem promover a autonomia do jovem e adulto de modo que eles sejam sujeitos do aprender a aprender em níveis crescentes de apropriação do mundo do fazer, do conhecer, do agir e do conviver.

Outro elemento importante a se considerar é que tal combinação da faixa etária e nível de conhecimentos exige professores com carga horária conveniente e turmas adequadas para se aquilatar o progresso obtido, propiciar a avaliação contínua, identificar insuficiências, carências, aproveitar outras formas de socialização e buscar meios pedagógicos de superação dos problemas. O perfil do aluno da EJA e suas situações reais devem se constituir em princípio da organização do projeto pedagógico dos estabelecimentos, de acordo com o art. 25 da LDB.

Sob o novo quadro legal, a existência de iniciativas que já faziam a articulação entre formação profissional e educação de jovens e adultos implica que a relação entre ensino médio e educação profissional de nível técnico se dê de modo concomitante ou seqüencial. O ingresso de um estudante na educação profissional de nível técnico, supõe a freqüência em curso ou término do ensino médio, tanto quanto o diploma daquela supõe o certificado final deste.

Com as alterações advindas da LDB e do decreto regulamentador nº 2.208/97, muitos jovens e adultos poderão fazer concomitantemente o ensino médio e a educação profissional de nível técnico. Assim diz o parecer CNE/CEB 16/99 analisando o referido decreto:

A possibilidade de aproveitamento de estudos na educação profissional de nível técnico é ampla, inclusive de “disciplinas ou módulos cursados”, interhabilitações profissionais (§ 2 º do art. 8º.), desde que o “prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda cinco anos” (§ 3º do artigo 8º). Este aproveitamento de estudos poderá ser maior ainda: as disciplinas de caráter profissionalizante cursadas no ensino médio poderão ser aproveitadas para a habilitação profissional “até o limite de 25% do total da carga horária mínima” do ensino médio “independente de exames específicos”(parágrafo único do artigo 5º), desde que diretamente relacionadas com o perfil profissional de conclusão da respectiva habilitação. Mais ainda: através de exames, poderá haver “certificação de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico “ (artigo 11).

A autorização de funcionamento, o credenciamento e as verificações dos cursos da EJA pertencem aos sistemas, obedecidas as normas gerais da LDB e da Constituição Federal. Para esta autorização e credenciamento, dada sua inserção legal agora na organização da educação nacional como modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, os cursos deverão estar “sub lege” . Quando da primeira autorização, eles deverão apresentar aos sistemas, como componente imprescindível da documentação, a sua proposta de regimento para efeito de conhecimento e de análise. Os projetos pedagógicos, que são fundamentalmente expressão da autonomia escolar e meios de atingimento dos objetivos dos cursos, deverão ser cadastrados para efeito de registro histórico e de investigação científica. Desse modo, os órgãos normativos exercem sua função pedagógica de assessoramento e de aconselhamento, e ao exercerem-na avalizam estabelecimentos e cursos por eles autorizados, tornando-se corresponsáveis pelos mesmos. No caso de estabelecimentos que deixem de preencher condições de qualidade ou de idoneidade, cabe às autoridades a suspensão ou a cassação da autorização de cursos. E, dadas as competências postas pela LDB nos artigos 9, 10, 11 e 67 , os sistemas estaduais e municipais deverão fazer da avaliação dos cursos o momento oportuno para um exercício da gestão democrática, em vista da superação de problemas e da correção de propostas inadequadas ou insuficientes.

2. Exames

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Os exames da EJA devem primar pela qualidade, pelo rigor e pela adequação. Eles devem ser avaliados de acordo com o art. 9º , VI da LDB. É importante que tais exames estejam sob o império da lei, isto é, que sua realização seja autorizada, pelos órgãos responsáveis, em instituições oficiais ou particulares, especificamente credenciadas e avaliadas para este fim.

Ora, as instituições, tanto umas como outras, estão compreendidas dentro de cada sistema, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, tanto as instituições de ensino mantidas pelo poder público estadual e do Distrito Federal, como as instituições de ensino fundamental e médio, criadas e mantidas pela iniciativa privada, de acordo com o inciso III do art. 17, podem oferecer cursos da EJA. Segundo o art. 18, as instituições de ensino fundamental fazem parte das competências dos Municípios.

Também os exames só poderão ser oferecidos por instituições que hajam obtido autorização, credenciamento específico e sejam avaliadas em sua qualidade pelo poder público, de acordo com o art. 7 o , o art. 10, IV, o art. 17, III, o art. 18, I da LDB e, no caso de educação a distância, consoante o Decreto n. 2.494/98.

As instituições educacionais de direito público ou de direito privado, que sejam credenciadas para fins de exames supletivos, regram-se pelo art. 37 da Constituição Federal, que assume o cidadão na condição de participante e usuário de serviços públicos prestados. Diz o artigo 37, § 6º :

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

É importante salientar que a elaboração, execução e administração de exames supletivos realizados fora do país ficam reservadas à própria União, sob o princípio da sua competência privativa em legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV). Por se tratar de exames em outro país, cabe à nação brasileira, representada pelo Estado Nacional e seus respectivos Ministérios das Relações Exteriores e da Educação, realizar tais exames para brasileiros residentes no exterior e reconhecê-los como válidos para o território nacional.

Para efeito da prestação de exames, é importante considerar idade estabelecida em lei bem como o direito dos portadores de necessidades especiais. A LDB diminui significativamente a idade legal para a prestação destes exames, segundo art. 38, § 1, I e II : maiores de quinze anos para o ensino fundamental, e maiores de 18 anos para o ensino

médio. As comunidades indígenas gozam de situação específica e sob a figura da "escola indígena" se regulam

nesta matéria pelo Parecer 14/99 e pela Resolução CNE/CEB noº 3/99. Esta forma de ser não impede que indivíduos pertencentes a estas comunidades queiram, por sua iniciativa, se valer destes exames supletivos.

A concepção subjacente à EJA indica que a considerável diminuição dos limites da idade, face ao ordenamento anterior, para se prestar exames supletivos da educação de jovens e adultos, não pode servir de álibi para um caminho negador da obrigatoriedade escolar de oito anos e justificador de um facilitário pedagógico. Vale ainda a advertência posta no Parecer 699/72 do então CFE a propósito da

... ausência de controle do Poder Público sobre os cursos que se ensaiavam e, mesmo, sobre os exames que se faziam... Tudo isso, aliado às facilidades daí resultantes, encorajava a fuga da escola regular pelos que naturalmente deveriam seguí-la e concluí-la. Era por motivos dessa natureza que, já nos últimos anos, muitos educadores outra coisa não viam na madureza senão um dispositivo para legitimar a dispensa dos estudos de 1º e 2º graus.

Esta advertência reforça a importância e o valor atribuídos à oferta universal, anual, imperativa e permanente do ensino fundamental universal e obrigatório. O dever do Estado para com o ensino fundamental, com obrigatoriedade universal, se impõe na faixa etária cujo início é a de sete anos , com a faculdade posta no art. 87 , § 3º da LDB de oferta de matrícula aos seis anos, e cujo término se situa nos quatorze anos. Já a etapa do ensino médio, com seus três anos de duração, se realiza entre os quinze e os dezessete anos .

A LDB marca as idades mínimas para a realização dos exames supletivos tanto quanto a duração mínima de oito anos do ensino fundamental obrigatório para todos a partir dos sete anos. Também o ensino médio tem duração mínima de três anos, logicamente a partir dos 14 ou 15 anos. A questão relativa à idade dos exames supletivos deve ser tratada com muita atenção e cuidado para não legitimar a dispensa dos estudos do ensino fundamental e médio nas faixas etárias postas na lei a fim de se evitar uma precoce saída do sistema formativo oferecido pela educação escolar.

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Ora, se a norma é que os estudos se dêem em cursos de estabelecimentos escolares nas faixas etárias postas na lei e sob a forma disposta na LDB, em especial no capítulo II do Título V, então a correlação cursos de jovens e adultos/exames supletivos, dadas as novas idades legais, encontra a via de seu esclarecimento em um raciocínio indireto .

No caso do ensino fundamental, a idade para jovens ingressarem em cursos da EJA que também objetivem exames supletivos desta etapa, só pode ser superior a 14 anos completos dado que 15 anos completos é a idade mínima para inclusão em exames supletivos. Esta norma aqui proposta deve merecer, neste parecer, uma justificativa circunstanciada.

A legislação que trata da "educação escolar obrigatória" (entre os 7 e 14 anos) instituiu, de forma clara e incisiva, as garantias e os mecanismos financeiros e jurídicos de proteção. Assim, qualquer modalidade de burla, de laxismo ou de aproveitamento excuso que fira o princípio de, no mínimo, oito anos obrigatórios, se configura como uma afronta a um direito público subjetivo. Além dos direitos e garantias explícitas na Constituição Federal, na LDB, na ECA, nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, há que assinalar certas normas importantes.

Certamente não é por acaso que a idade de 14 anos está protegida em normas nacionais e acordos internacionais. Deve-se referir de novo ao art. 7º, XXXIII da Constituição, art. 203, art. 227, § 3º , I e III, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei nº 5.452/43 nos arts. 80, 402 a 414; e 424 a 441. Importante citar o Programa Nacional de Direitos Humanos expresso no Decreto nº 1904/96 e nos Atos Internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre os quais a Convenção n. 117/62, art. 15, 3 a respeito de objetivos e normas básicas da política social. Por tudo isto, a possibilidade de quebra destes princípios e garantias só se justifica em casos excepcionalíssimos, mediante consulta prévia ao órgão normativo e ao Conselho Tutelar e a respectiva autorização judicial. Experiências ou tentativas que se aproveitam da fragilidade social de crianças e de adolescentes, fazendo uso de artifícios e expedientes ilícitos para inseri-los precocemente em cursos da EJA, é um verdadeiro crime de responsabilidade cuja sanção está prevista não somente nas leis da educação.

Cumpre apelar ao Conselho Tutelar , de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069/90, no caso de pais ou responsáveis comprovadamente inconseqüentes com o dever de matricular seus filhos ou tutelados em escolas. Esta responsabilidade dos pais e tutores tem uma dupla face. Quando em face de um caso comprovadamente excepcional à regra da obrigatoriedade universal , eles devem justificá-lo junto ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, consoante os art. 98 e 101, I e III do ECA. Já o caso de evidente e obstinada forma de crime de abandono intelectual (assim conceituado pelo Código Penal segundo o art. 246) é objeto de sanção explícita.

Como diz a Declaração de Jomtien da Educação para Todos, da qual o Brasil é signatário:

Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro;

Cada pessoa __ criança, jovem ou adulto __ deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.

A responsabilidade por uma oferta irregular de cursos não atinge só os estabelecimentos que os oferecem. Ela implica também as autoridades que os autorizaram, inclusive as dos órgãos executivos, pois elas podem ter sido omissas ou coniventes. Nesta medida, também elas podem estar incluídas no § 2 º do art. 208 da Constituição Federal que diz: o não – oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. A cobrança desta responsabilidade cabe à sociedade civil e, quando omissos, também não estão isentos os responsáveis pelos estabelecimentos escolares, de acordo com os art. 56 da Lei nº 8.069/90 e o art. 246 do Código Penal .

Raciocínio homólogo deve ser estendido ao ensino médio. Esta etapa ainda não conta, em nível nacional, com a obrigatoriedade, embora a LDB, no art. 4 º, indique a progressiva extensão da obrigatoriedade. O art. 38 dispõe a destinação da EJA não só para o ensino fundamental na idade própria mas também para o ensino médio na idade própria. A indicação lógica que se pode deduzir do art. 35 articulado com o art. 87 é que a idade própria assinalada na lei é a de 15 a 17 anos completos. Se o ensino fundamental é de 8 anos obrigatórios com faixa etária assinalada, se o ensino médio é de 3 anos, se as etapas da educação básica são articuladas, fica claro que a idade própria, até para efeito de referência de planejamento dos sistemas, é a de 15 a 17 anos completos. Por analogia com o ensino fundamental, por uma referência de equidade, o estudante da EJA de ensino médio deve ter mais de 17 anos completos para iniciar um curso da EJA. E só com 18 anos completos ele poderá ser incluído em exames. Mas se as Constituições Estaduais previrem a obrigatoriedade do ensino médio, o raciocínio a propósito do ensino fundamental se aplica com igual força para esta etapa, nos limites da autonomia dos Estados.

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Os certificados de conclusão dos estudantes poderiam ser conseqüência de exames referenciais por Estado cujos cursos integrariam tanto o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), quanto os sistemas próprios de avaliação dos Estados e Municípios e poderiam se inspirar, mediante estratégias articuladas, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sob a forma de colaboração. De todo modo, mais do que exames anuais torna-se importante implementar e efetivar a avaliação em processo como modo mais adequado de aferição de resultados. Tais observações alertam para a prática de exames massivos sem o correspondente cuidado com a qualidade do ensino e o respeito para com o educando.

A propósito da relação exames/idade, torna-se importante, no âmbito deste parecer, uma orientação relativa à emancipação civil de jovens e a prestação de exames supletivos de ensino médio.

A Constituição Federal em seu art. 3º IV coloca como princípio de nossa República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É evidente que a Constituição está empregando o termo discriminação no sentido de uma separação preconceituosa desrespeitadora do princípio da igualdade. Isto é: uma atitude que priva indivíduos ou grupos de direitos aceitos por uma sociedade por causa de uma diferença. Esta atitude, então, torna-se opressiva. A rigor, discriminar é separar, estabelecer uma linha divisória, classificar ou mesmo estabelecer limites. É reconhecer diferenças e semelhanças sem que isto signifique motivo de exclusão ou separação ou formas de desprivilegiamento. Quando o próprio texto constitucional estabelece estas linhas divisórias, ele está aceitando uma discriminação que, por razões procedentes, separa, distingue sem que haja prejuízo ou preconceito para um dos lados da linha. Trata-se do caso, por exemplo, da idade que, relacionada com determinadas capacidades, separa, estabelece uma linha divisória, enfim discrimina o sujeito para votar, ser votado, habilitar-se para mandatos ou para se aposentar, entre outros. É o caso da discriminação etária como linha divisória entre jovens e adultos.

Vale para este aspecto o definido pela Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, em 1960:

...o termo "discriminação" abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino

Neste contexto, pode haver permissão de prestar exames supletivos de ensino médio para os jovens emancipados entre 16 e 18 anos ?

As disposições legais gerais da emancipação, previstas no Código Civil , trazem a interdição absoluta deste instituto para o menor de 16 anos (art. 5º). Pode-se dizer que tal interdição decorre, entre outras razões, pela necessidade de permanência na escola. A capacidade plena, própria da maioridade, é adquirida aos 21 anos. Os indivíduos entre 16 e 21 anos são considerados relativamente incapazes (art. 6 º) a certos atos ou no modo de exercê-los. O cessar desta incapacidade relativa pode ocorrer quando do casamento, do exercício de emprego público efetivo, da colação de grau em ensino superior e do estabelecimento civil ou comercial, com economia própria, se a pessoa estiver entre 16 e 21 anos (art. 9 º). Na medida em que a LDB já rebaixou a idade legal para prestação de exames supletivos de ensino médio para 18 anos, a questão adquire menor amplitude.

Entretanto, o instituto da emancipação se dirige para determinados casos dos atos concernentes à vida civil, devidamente citados no Código Civil. Os casos permitidos são todos próprios dos atos da vida civil, especificamente os relativos à gerência de negócios e à faculdade de dispor de bens. Logo, este instituto não é absoluto. Há linhas divisórias. Ora, entre os casos já citados, inexiste qualquer referência à capacidade de um emancipado entre 16 e 18 anos prestar exames supletivos do ensino médio. A referência de cessação da incapacidade para atos da vida civil no caso da colação de grau científico em um curso de ensino superior, ainda que explicável pela data do Código Civil (1916), atualmente se torna mais e mais improvável e excepcionalíssima pela extensão e duração que tem hoje os ensinos fundamental e médio.

Na base da consideração de que o emancipado de 16 a 18 anos não tenha acesso ao exame supletivo está o raciocínio, já comprovado, que o acesso à maturidade intelectual depende de um processo psico-sociopedagógico e não de um ato jurídico. Além do mais, a nova LDB já rebaixou bastante a idade para a aptidão legal de prestação de tais exames. Se tomarmos como referência as leis passadas pertinentes ao assunto, ver-se-á que esta capacidade jurídica se punha acima dos 18 anos. Isto confirma a mesma assertiva já posta pelo CFE ante igual objeto no parecer 808/68 de 5/12/68 do Cons. Celso Cunha

A Câmara de Ensino Primário e Médio é, assim, de parecer que não pode inscrever-se e prestar exames de madureza de 2º ciclo a candidata casada com apenas 16 anos de idade, porque a lei, ao estabelecer a exigência de 19 anos para fazê-lo, não cogitou da capacidade civil do

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candidato, e sim do seu amadurecimento mental e cultural, do que ele sabe e do que está em condições de aprender.

Também o parecer 699/72, tendo como referência legal a idade de 21 anos para a realização dos exames, diz:

É inútil que se adquira e alegue emancipação, pois não se resolve uma questão de ordem psicopedagógica pela tentativa de convertê-la em matéria jurídica.

O Parecer 1484/72 do mesmo Conselho responde a uma demanda específica, confirmando o Parecer 699/72. O mesmo posicionamento negativo quanto à possibilidade de um menor de 21 anos prestar exames supletivos foi reconfirmado pelo Parecer 1759/73. Esta posição é reassumida, agora, por este parecer, quanto aos menores na faixa etária de 16 a 18 anos.

A diferença entre a capacidade civil, adquirível também pela emancipação, e a maturidade intelectual obtida no processo pedagógico patenteia a razão pela qual se interdiz os menores de 18 anos, ainda que emancipados para certos atos da vida civil, prestarem exames supletivos de ensino médio. Semelhante é o raciocínio pelo qual se impede um menor de 18 anos, embora emancipado, obter habilitação de motorista com base na sua imaturidade psicossocial.

Isto posto, a consideração fundamental, no entanto, é a necessidade de que todos os jovens e adultos possam ter oportunidades de acesso ao ensino médio. Além dos dispositivos legais já citados, cumpre ainda reforçar esta imperatividade com o art. 227 da Constituição Federal (prioridade do direito à vida, à saúde, à alimentação e à educação; direito do trabalhador adolescente à escola) e com o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O esforço para universalizar o acesso a e a permanência em ambas as etapas da educação básica, para regularizar o fluxo e respeitar a nova concepção da EJA, assinala que as políticas públicas devem se empenhar a fim de que a função qualificadora venha a se impor com o seu potencial de enriquecimento dos estudantes já escolarizados nas faixas etárias assinaladas em lei. É por isso que a vontade política deve comprometer-se tanto com a universalização da educação básica quanto com ações integradas a fim de tornar cada vez mais residual a função reparadora e equalizadora da EJA.

A avaliação em processo, também tornada progressivamente presente no interior dos sistemas deverá, para efeito de decisões sobre a qualidade do ensino da EJA, analisar criticamente a função de exames avulsos desvinculados dos próprios cursos. Tal aspecto se tornará mais constante e presente quando a EJA vier a se integrar ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

3. Cursos a distância e no exterior A educação a distância sempre foi um meio capaz de superar uma série de obstáculos que se interpõem

entre sujeitos que não se encontrem em situação face a face. A educação a distância pode cumprir várias funções, entre as quais a do ensino a distância, e pode se realizar de vários modos. Sua importância avulta cada vez mais em um mundo dependente de informações rápidas e em tempo real. Ela permite formas de proximidade não-presencial , indireta, virtual entre o distante e o circundante por meio de modernos aparatos tecnológicos. Sob este ponto de vista, as fronteiras, as divisas e os limites se tornam quase que inexistentes.

A LDB traz várias referências tanto para educação a distância como para o ensino a distância. Assim, deve-se consultar os art. 80 e art. 32, § 4º bem como o Decreto Federal nº 2.494, de 10 de fevereiro de 1998. Se o art. 80 incentiva o poder público no sentido do desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades, o art. 32 § 4º restringe tais iniciativas quando se tratar do ensino fundamental na faixa etária obrigatória. Este deve ser sempre presencial, salvo quando utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.

Este veio fecundo e contemporâneo, dado seu caráter inovador e flexível, pode sempre ser tomado de assalto por mãos inescrupulosas com conseqüências inversas ao desejado: ensino medíocre e certificados e diplomas mercadorizados. Daí a importância de um processo permanente de certificação que informe sobre a qualidade das iniciativas neste setor.

O Decreto nº 2.494/98 regulamenta a educação a distância em geral e reserva à competência da União a autorização e o funcionamento de cursos a distância. Ao fazer referência à EJA, o decreto permite a presença de instituições públicas e privadas. Mas exige, em qualquer circunstância, a obediência às diretrizes curriculares fixadas nacionalmente (§ único do art. 1 º), considerando-se os conteúdos, habilidades e competências aí descritos. (§ único do art. 7º).

Já o art. 2º do decreto diz que os cursos a distância que conferem certificado ou diploma de conclusão do ensino fundamental para jovens e adultos....serão oferecidos por instituições públicas ou privadas

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especificamente credenciadas para este fim....em ato próprio, expedido pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto.

O credenciamento das instituições é, pois, mediação obrigatória para que cursos a distância sejam autorizados e para que seus diplomas ou certificados tenham validade nacional. Tais cursos deverão ser reavaliados a cada cinco anos para efeito de renovação do credenciamento, segundo o art. 2 º , § 4º do decreto e de acordo com procedimentos, critérios e indicadores de qualidade definidos em ato próprio do Ministro da Educação e do Desporto (art. 2º, § 5º).

Quanto à moralidade destes cursos, o § 6º do artigo 2º não deixa margem à dúvida:

A falta de atendimento aos padrões de qualidade e a ocorrência de irregularidade de qualquer ordem serão objeto de diligência, sindicância e, se for o caso, de processo administrativo que vise apurá-los, sustando-se, de imediato, a tramitação de pleitos de interesse da instituição, podendo ainda acarretar-lhe o descredenciamento.

O art. 3º diz que a matrícula nos cursos a distância de ensino fundamental para jovens e adultos será feita independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação.....conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.

O art. 4º permite o mútuo aproveitamento de créditos e certificados obtidos pelos estudantes em modalidades presenciais e a distância de cursos.

Exigido sempre o exame presencial para efeito de certificado de conclusão, promoção ou diplomação em instituições credenciadas, diz o art. 8º que nos níveis fundamental para jovens e adultos .... os sistemas de ensino poderão credenciar instituições exclusivamente para a realização de exames ... será exigido para o credenciamento de tais instituições a construção e manutenção de banco de itens que será objeto de avaliação periódica (art. 8º, § 1º ).

O credenciamento destas instituições, competência privativa do poder público federal pode ser delegado aos outros poderes públicos. É isto o que diz o artigo 12 do Decreto nº 2.561/98. Pelas suas características, especialmente quanto à possibilidade de certificado formal de conclusão tanto do ensino fundamental como do ensino médio, os cursos da EJA, sob a forma não-presencial, hão de prever, obrigatoriamente, exames presenciais ao final do processo. Tais exames somente poderão ser realizados por instituição especificamente credenciada para este fim por meio de ato do poder público o qual, segundo o art. 9 º

do Decreto nº 2.494/98, divulgará, periodicamente, a relação das instituições credenciadas, recredenciadas e os cursos ou programas autorizados.

Assim, tal competência pode ser delegada aos sistemas de ensino, no âmbito de suas respectivas atribuições, para fins de oferta de cursos a distância dirigidos à educação de jovens e adultos e ensino médio e educação profissional de nível técnico (art. 12 do Decreto).

Esta competência da União, se privativa dentro do território nacional, com maior razão há de sê-lo fora dele. A equivalência de estudos feitos fora do país e a revalidação de certificados de conclusão de ensino médio emitidos por país estrangeiro, reitere-se, são de competência privativa da União para terem aqui validade. O mesmo se aplica, sob condições próprias, quando da autorização e credenciamento de cursos e exames supletivos ofertados fora do Brasil e subordinados às nossas diretrizes e bases.

No caso da revalidação, ressalvada a delegação de competências, pode-se invocar o art. 6 º do Decreto nº 2.494/98, que diz:

Os certificados e diplomas de cursos a distância emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presencial.

Ora, a revalidação, no caso, está sujeita à norma geral vigente sobre o assunto e que tem o art. 23, § 1 º

da LDB como uma de suas referências. Diz o parágrafo:

A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferência entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.

O primeiro aspecto a se destacar é a distinção entre equivalência de estudos e a revalidação de diplomas.

A eqüivalência é um processo que supõe previamente uma comparação qualitativa entre componentes curriculares de cursos diferentes para efeito de avaliação e classificação de nível e de grau de maturidade

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intelectual. Quando a correspondência é de igual valor, mesmo no caso de nomenclatura diferente para conteúdos idênticos ou bastante análogos, atribui-se a estes componentes curriculares a equivalência dos estudos ou dos créditos pretendidos. Neste caso, vale a autonomia dos sistemas e dos estabelecimentos escolares para efeito de reclassificação, tendo como base as normas curriculares gerais, como diz a LDB no § 1º do art. 23.

Já a revalidação é um ato oficial pelo qual certificados e diplomas emitidos no exterior e válidos naquele país tornam-se equiparados aos emitidos no Brasil e assim adquirem o caráter legal necessário para a terminalidade e conseqüente validade nacional e respectivos efeitos. Para tanto, se requer um conjunto de formalidades imprescindíveis para que os efeitos legais se processem em um quadro de autenticidade. Respeitadas as formalidades inscritas nos acordos ou convênios culturais de reciprocidade bilateral próprios das vias diplomáticas, certificados e diplomas que necessitem de revalidação, sê-lo-ão por autoridade oficial competente no país. A reciprocidade, entenda-se, vale tanto para os casos em que um país exija explicitamente a revalidação de ensino médio feito no Brasil, quanto para os que subentendem plena validade de certificados de conclusão sem exigências específicas de adaptação. Quando for o caso, o ato revalidador dos certificados pode exigir a análise prévia dos estudos realizados no exterior para efeito de equivalência.

Quando a educação profissional de nível técnico estava integrada ao então ensino de 2 º grau, o art. 65 da Lei nº 5.692/71 também regrava o assunto, havendo normatização do assunto pelo CFE, como, por exemplo, a Resolução n. 4/80 e o Parecer 757/75 reexaminado pelo Parecer 3.467/75. Antes da Lei nº 5.692/71, o parecer 274/64 regulamentava longamente a questão da equivalência. Em geral, a revalidação tem maior número de casos face ao ensino superior, hoje regulada pelo art. 48, § 2 º da LDB. E, como dantes, para prosseguimento de estudos no ensino superior, a prova válida exigida para ingresso neste nível é o certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente, segundo o inciso II do art. 44 da LDB.

Associando-se a LDB ao Decreto nº 2.494/98, deve-se dizer que quando houver acordo cultural entre países que assegurem reciprocamente a plena validade de certificados de conclusão sem outras exigências de adaptações, o mesmo não vale para os certificados da EJA. Tomando-se o art. 6 º do Decreto supra mencionado, entende-se que os certificados de conclusão de ensino médio de jovens e adultos, emitidos por instituições estrangeiras, validados pelo país de origem e reconhecidos pelas formalidades diplomáticas, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais. Tais documentos servirão de prova tanto para efeito de prossecução na educação profissional de nível técnico, quanto para o processo seletivo para o ensino superior.

Em qualquer hipótese, cabe aos poderes públicos dos respectivos sistemas a formalização conclusiva da revalidação, sempre respeitados o teor dos acordos culturais celebrados entre o Brasil e outros países.

O segundo aspecto se refere a cursos de EJA e exames supletivos para brasileiros residentes no exterior. Sob este ponto de vista não deixa de ser significativa a experiência levada adiante pelo governo brasileiro no Japão, em 1999. Muitos descendentes nipônicos, brasileiros natos, puderam prestar exames supletivos inclusive com a supervisão da Câmara de Educação Básica. Logo, tratou-se de exame nacional em um contexto transnacional. Trata-se de uma competência privativa da União, própria do art. 22, XXIV, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O Brasil, diz acertadamente o parecer CEB nº 11/99, não tem competência para autorizar o funcionamento de escolas em outro país porque somente a autoridade própria do país onde a escola pretenda instalar-se poderá emitir tal permissão, no exercício da soberania territorial. Mas, um exame prestado fora do território brasileiro, para efeito de validade nacional e respectivo certificado de conclusão, deve passar necessariamente pelo exercício das soberanias nacionais em causa. Daí porque tais iniciativas devem ter como entidades autorizatórias aquelas que tenham caráter nacional. Nesse caso, o foro adequado é o Ministério da Educação, o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Nacional de Educação.

VI - Iniciativas públicas e privadas. O campo da EJA é bastante amplo, heterogêneo e complexo. Múltiplas são as agências que as

promovem, seja no âmbito público, seja no privado, onde se mesclam cursos presenciais com avaliação no processo, cursos à distância, cursos livres, formas específicas de educação mantidas por organizações da sociedade civil e tantas outras iniciativas sob a figura da educação permanente.

De modo geral, pode-se distinguir iniciativas que provém dos poderes públicos e da iniciativa civil.A União sempre atuou de alguma maneira no âmbito da educação de jovens e adultos sob forma de

assistência técnica e financeira. O papel atual, posto no art. 8 º , § 1º da LDB, releva a função de articulação como capaz de impedir descontinuidades e induzir ações continuadas e integradas entre os diferentes entes federativos. A presença articuladora da União torna-se, inclusive, um locus fundamental de encontro dos diferentes entes federativos e de outros interlocutores participantes da EJA. O Ministério, abrigando o conjunto dos interessados, poderia propor orientações gerais e comuns, coordenar as várias iniciativas inclusive com

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vistas ao emprego eqüitativo e racional dos recursos públicos e sua redistribuição no âmbito das transferências federais.

Atualmente, a Coordenadoria da EJA (COEJA), vinculada à Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do MEC, integra o conjunto das políticas do ensino fundamental. Entre seus objetivos e finalidades está o de estabelecer e fortalecer parcerias e convênios com Estados e Municípios. Tais iniciativas se fazem sob o princípio do art 8º, § 1º que estabelece a função supletiva e redistributiva da União junto aos sistemas de ensino. Vários projetos com Municípios e Estados, via convênios e parcerias com outros órgãos públicos de outros Ministérios e organizações não-governamentais, são avaliados antes de obter financiamento. O MEC tem editado, coeditado e distribuído livros pedagógicos e didáticos apropriados para essa modalidade, direcionados aos alunos e aos professores, inclusive sob a forma de propostas curriculares. É um modo de traduzir a função supletiva da União no sentido de proporcionar aos projetos pedagógicos das instituições e dos estabelecimentos da EJA mais recursos didáticos. Outras iniciativas se dirigem para projetos relativos ao apoio a docentes que queiram desenvolver ações de formação continuada. Amparado pelos ditames constitucionais e infra-constitucionais, a União, ao deixar de atuar diretamente nessa área, reserva aos Estados e Municípios a ação direta de atuação.

Desde 1997, a Presidência da República apoia ações de alfabetização por meio do Conselho da Comunidade Solidária que, a rigor, a partir de 1999, tornou-se uma organização não - governamental. Seu Programa de Alfabetização Solidária, realizado em parceria com o MEC e a iniciativa privada, atua em vários municípios, prioritariamente no Nordeste e no Norte, e dentre esses os que exibem maiores índices de analfabetos. Universidades associadas ao programa fornecem apoio para o processo de alfabetização. Desde 1999, o programa vem se estendendo para os grandes centros urbanos.

O governo federal mantém outros programas vinculados ao Ministério de Assuntos Fundiários e da Reforma Agrária junto aos assentamentos. E há uma forte presença do Ministério do Trabalho no âmbito de projetos educacionais voltados para diferentes formas de capacitação de trabalhadores, o qual conta com recursos do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (FAT). Há, uma forte presença das entidades do chamado "Sistema S" em programas de educação profissional de nível básico. Com a reforma da educação profissional em curso, as escolas técnicas públicas e privadas também estão implantando e incrementando programas de educação profissional de nível básico paralelamente à oferta de cursos de educação profissional de nível técnico.

A nova formulação legal da EJA no interior da educação básica, como modalidade do ensino fundamental e sua inclusão na ótica do direito, como direito público subjetivo, é uma conquista e um avanço cuja efetivação representa um caminho no âmbito da colaboração recíproca e na necessidade de políticas integradas.

Os Estados, com sua atuação agora focalizada no ensino médio, estão tendendo a reduzir sua presença nesta área. Mesmo assim algumas secretarias mantiveram suas equipes até mesmo para repassar a experiência adquirida para os Municípios.

Os Municípios, ora com mais e maiores encargos no âmbito da educação básica, não possuem uma realidade homogênea nem quanto ao seu tamanho, nem quanto à sua inserção em diferentes regiões e contextos. Assim, é preciso reconhecer que muitos, seja por falta de tradição na área, seja por carência de recursos, não estão tendo capacidade e condições de assumir os encargos que lhes foram atribuídos. Ao mesmo tempo muitas administrações municipais vêm buscando assumir este compromisso com propostas curriculares, formação docente e produção de material didático. Donde a importância da existência de uma fonte permanente de recursos a fim de viabilizar o caráter includente deste direito.

Assim, como direito de cidadania, a EJA deve ser um compromisso de institucionalização como política pública própria de uma modalidade dos ensinos fundamental e médio e conseqüente ao direito público subjetivo. E é muito importante que esta política pública seja articulada entre todas as esferas de governo e com a sociedade civil a fim de que a EJA seja assumida, nas suas três funções, como obrigação peremptória, regular, contínua e articulada dos sistemas de ensino dos Municípios, envolvendo os Estados e a União sob a égide da colaboração recíproca.

Também os interessados na efetivação do direito à educação dos jovens e adultos têm procurado se reunir em torno de associações civis-educacionais, sem fins lucrativos, e que mostram trabalhos da maior relevância social. Muitas delas acumulam conhecimentos significativos dada sua presença , de longa data, neste campo.

Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a importância da educação e incorporando sua necessidade, têm tomado iniciativas próprias ou buscado o fortalecimento de parcerias seja com os poderes públicos, seja com organizações não - governamentais e redefinindo ações já existentes no âmbito do "Sistema S".

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Os trabalhadores, conscientes do valor da educação para a construção de uma cidadania ativa e para uma formação contemporânea, tomam a EJA como espaço de um direito e como lugar de desenvolvimento humano e profissional.

A rigor, uma vez e quando superadas as funções de reparação e de equalização, estas iniciativas deverão encontrar seu mais marcante perfil na função qualificadora.

Este conjunto de iniciativas tem realizado eventos e se reunido em fóruns regionais, nacionais e internacionais. A UNESCO tem sido incentivadora destes eventos e um lugar institucional de encontro dos mais diferentes países com suas mais diversas experiências.

Para se avançar na perspectiva de um direito efetivado é preciso superar a longa história de paralelismo, dualidade e preconceito que permeou a sociedade brasileira e as políticas educacionais para a EJA. Neste sentido, consoante a colaboração recíproca e a gestão democrática, a avaliação necessária das políticas implica uma atualização permanente em clima de diálogo com diferentes interlocutores institucionais compromissados com a EJA.

VIII - Formação docente para a educação de jovens e adultosA formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve considerar como meta o disposto no

art. 22 da LDB. Ela estipula que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Este fim, voltado para todo e qualquer estudante, seja para evitar discriminações, seja para atender o próprio art. 61 da mesma LDB, é claro a este respeito: A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase de desenvolvimento do educando...

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer. Aqui poder-se-ia recuperar a exigência e o espírito do art. 57 do ECA:

O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental.

A maior parte desses jovens e adultos, até mesmo pelo seu passado e presente, movem-se para a escola com forte motivação, buscam dar uma significação social para as competências, articulando conhecimentos, habilidades e valores. Muitos destes jovens e adultos se encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos docentes. Por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas características e expectativas. Quando a atuação profissional merecer uma capacitação em serviço, a fim de atender às peculiaridades dessa modalidade de educação, deve-se acionar o disposto no art. 67, II que contempla o aperfeiçoamento profissional continuado dos docentes e, quando e onde couber, o disposto na Res. CNE/CEB 03/97.

A Res. CNE/CP nº 01/99 que versa sobre os Institutos Superiores de Educação inclui os Cursos Normais Superiores os quais poderão formar docentes tanto para a educação infantil, como para ensino fundamental aí compreendida também a preparação específica para educação de jovens e adultos equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental. (art. 6º, § 1o, V)

A Res. CEB/CEB nº 02/99, que cuida da formação dos professores na modalidade normal média, não se ausentou desta modalidade de educação básica. Assim, o § 2 º do art. 1º implica no mesmo compromisso de propostas pedagógicas e sistemas de ensino com a educação escolar de qualidade para as crianças, os jovens e os adultos. Isto quer dizer que não se pode "infantilizar" a EJA no que se refere a métodos, conteúdos e processos. O art. 5º , no seu § 2º assinala :

Os conteúdos curriculares destinados (...) aos anos iniciais do ensino fundamental serão tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à (re)significação de conhecimentos e valores, nas situações em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos.

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O art. 9º , IV da mesma Resolução estatui que os cursos normais médios poderão preparar docentes para atuar na Educação de Jovens e Adultos.

É claro que a lei e sua regulamentação pertinente, ao destacarem as modalidades e cada fase, querem que a igualdade de oportunidades se exerça também pela consideração de diferenças significativas para a constituição de saberes próprios da educação escolar voltadas para jovens e adultos. Se cada vez mais se exige da formação docente um preparo que possibilite aos profissionais do magistério uma qualificação multidisciplinar e polivalente, não se pode deixar de assinalar também as exigências específicas e legais para o exercício da docência no que corresponder, dentro da EJA, às etapas da educação básica. Assim, o diferencial próprio do ensino médio deve ser tão considerado como os dois segmentos do ensino fundamental.

Esse apelo à consideração das diferenças, baseadas sempre na igualdade, se apresenta insistentemente no corpo da lei. O art. 4º , VI da LDB impõe a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e no inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.

Vê-se, pois, a exigência de uma formação específica para a EJA, a fim de que se resguarde o sentido primeiro do termo adequação (reiterado neste inciso) como um colocar-se em consonância com os termos de uma relação. No caso, trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas. E esta adequação tem como finalidade, dado o acesso à EJA, a permanência na escola via ensino com conteúdos trabalhados de modo diferenciado com métodos e tempos intencionados ao perfil deste estudante. Também o tratamento didático dos conteúdos e das práticas não pode se ausentar nem da especificidade da EJA e nem do caráter multidisciplinar e interdisciplinar dos componentes curriculares. Mais uma vez estamos diante do reconhecimento formal da importância do ensino fundamental e médio e de sua universalização dentro da escola com a oferta de ensino regular.

O art. 26 da mesma lei aponta a base comum e a diversificada do currículo consideradas as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela; o art. 27, II repete a consideração das condições de escolaridade dos alunos como diretriz da educação básica .

Desse modo, as instituições que se ocupam da formação de professores são instadas a oferecer esta habilitação em seus processos seletivos. Para atender esta finalidade elas deverão buscar os melhores meios para satisfazer os estudantes matriculados. As licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais do ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA. Se muitas universidades, ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins lucrativos, já propõem programas de formação docente para a EJA, é preciso notar que se trata de um processo em via de consolidação e dependente de uma ação integrada de oferta desta modalidade nos sistemas.

Tratando-se de uma tarefa que sempre contou com um diagnóstico de um Brasil enorme e variado, alcançar estes jovens e adultos implica saber que muitos deles vivem em distantes rincões deste país, por vezes impossibilitados de ter o acesso apropriado a uma escola. Neste sentido, as funções básicas das instituições formadoras, em especial das universidades, deverão associar a pesquisa à docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo. Uma metodologia que se baseie na e se exerça pela investigação só pode auxiliar na formação teórico-prática dos professores em vista de um ensino mais rico e empático. Além disso, o docente introduzido na pesquisa, em suas dimensões quantitativas e qualitativas, poderá, no exercício de sua função, traduzir a riqueza cultural dos seus discentes em enriquecimento dos componentes curriculares.

Por isso, ao lado da maior preocupação com a profissionalização de docentes da EJA, a luta por esta escolarização sempre esteve associada, respeitadas as épocas, ao “cinematógrafo”, às “escolas itinerantes”, às "missões rurais", à “radiodifusão”, aos cursos por "correspondência", “aos discos”, às "telesalas", aos "vídeos" e agora ao "computador". A superação (e não sua negação) da distância sempre foi tentada como meio de presença virtual entre educadores e educandos. A formação de docentes da EJA, com maior razão, deve propor o apropriar-se destes meios.

Não será por outro motivo que as Disposições Transitórias da LDB incentivam os três entes federativos a assumirem suas responsabilidades de modo a proverem cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados, de acordo com o art. 87, II. E para tanto compete igualmente aos entes federativos o dever de recensear os jovens e adultos que não tiveram acesso ao ensino fundamental e deverão criar formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente de escolarização anterior, segundo o art. 5º I e § 5º . Se certas regiões forem acometidas de tais dificuldades que impossibilitem o ensino presencial, se tais circunstâncias representarem uma situação emergencial, então o ensino a distância (será) utilizado como complementação da aprendizagem. É o que diz o art. 32, § 4º . E o art. 38 § 2º estimula a aferição e o reconhecimento dos conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos

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por meios informais. Vale, pois, o que diz o Parecer CEB nº 04/98 quando lembra a sensibilização dos sistemas educacionais para reconhecer e acolher a riqueza da diversidade humana.

Mas é preciso que a formação dos docentes voltados para EJA, ofertados em cursos sob a égide da LDB seja completa nos estabelecimentos ofertantes pelo curso normal médio ou pelo curso normal superior ou por outros igualmente apropriados. Como diz o mesmo Parecer supra citado, é preciso que em qualquer nível formativo se dêem correlações entre os conteúdos das áreas de conhecimento e o universo de valores e modos de vida de seus alunos. O Brasil tem uma experiência significativa na área (como se viu nas bases históricas) e um acúmulo de conhecimento voltado para métodos, técnicas alternativas de alfabetização de educação de jovens e adultos. Tais experiências, salvo exceções, não conseguiram se traduzir em material didático específico voltado para a educação de jovens e adultos, em especial para além do processo alfabetizador. As instituições de nível superior, sobretudo as universidades, têm o dever de se integrar no resgate desta dívida social abrindo espaços para a formação de professores, recuperando experiências significativas, produzindo material didático e veiculando, em suas emissoras de rádio e de televisão, programas que contemplem o disposto no art. 221 da Constituição Federal de atendimento a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. No caso dos sistemas públicos, nunca é demais lembrar o art. 67 da LDB e, para todos os estabelecimentos privados ou públicos, o princípio da valorização do profissional da educação escolar posto na Constituição e na LDB.

Ao lado da formação inicial, a articulação entre os sistemas de ensino e as instituições formadoras se impõe para efeito de formação em serviço sob a forma, por exemplo, de cursos de especialização. Nesta direção, deve-se lembrar a Resolução CEB nº 03/97 que fixa diretrizes para os novos planos de carreira e remuneração do magistério e que insta os sistemas a implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício...(art. 5º )

Para qualquer profissional que se ocupe do magistério, a garantia de padrão de qualidade é um princípio que cobre o espectro da cidadania enquanto participação e enquanto exigência da clientela a que se destina. A pior forma de presença é aquela que se situa nas antípodas da qualidade e que atende pelo termo mediocridade, já expresso pelo cinismo da fórmula “qualquer coisa serve” ou “antes isso do que nada”.

A formação adequada e a ação integrada implicam a existência de um espaço próprio, para os profissionais da EJA, nos sistemas, nas universidades e em outras instituições formadoras.

IX - As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos.Cada sociedade tem uma perspectiva sobre o tempo aí compreendidas a duração e as fases da vida.

Trata-se de um dado cultural extremamente significativo. A Antropologia, a Psicologia e a Sociologia não cessam de apontar, nas diferentes sociedades, as condições para se passar de uma fase da vida para outra. Ser reconhecido como criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso faz parte de importantes intercâmbios e significações relativos ao indivíduo e à cultura da qual ele participa. O processo pelo qual cada indivíduo torna-se um ente social reconhecido constitui-se de momentos que possibilitam uma continuidade de si, via descontinuidades mediadas por classes sociais, etnias, gênero e também de faixas etárias. A faixa etária é trazida para o interior das sociedades, inclusive via códigos legais ao fazerem a distinção entre menores e maiores, púberes e impúberes, capazes e incapazes, imputáveis e inimputáveis, votantes e não-votantes. Da idade decorrem a assinalação de direitos e deveres e modos de transposição das leis. Ao estudioso das épocas, não pode passar desapercebido que a fluidez da demarcação de faixas etárias e suas capacidades depende, inclusive, de sua relação com os níveis de estratificação social.

A Constituição Federal de 1988 tem um capítulo dedicado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. Dele decorreu o Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei n.8.069/90. Inúmeras referências aos jovens e adultos também comparecem no capítulo da educação. A EJA contém em si tais processos e estas considerações preliminares são importantes para o conjunto das diretrizes.

As bases legais da LDB nos encaminham para uma diferenciação entre o caráter obrigatório do ensino fundamental e o caráter progressivamente obrigatório do ensino médio, à vista da necessidade de sua universalização. Ora, sendo a EJA uma modalidade da educação básica no interior das etapas fundamental e média, é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela toma para si as diretrizes curriculares nacionais destas mesmas etapas exaradas pela CEB/CNE. Valem, pois, para a EJA as diretrizes do ensino fundamental e médio. A elaboração de outras diretrizes poderia se configurar na criação de uma nova dualidade.

Contudo, este caráter lógico não significa uma igualdade direta quando pensada à luz da dinâmica sócio–cultural das fases da vida. É neste momento em que a faixa etária, respondendo a uma alteridade específica, se torna uma mediação significativa para a ressignificação das diretrizes comuns assinaladas.

A sujeição aos Pareceres CEB 04/98 e 15/98 e às respectivas Res. CEB nº 02/98 e 03/98 não significa uma reprodução descontextuada face ao caráter específico da EJA. Os princípios da contextualização e do

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reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares. Muitos alunos da EJA têm origens em quadros de desfavorecimento social e suas experiências familiares e sociais divergem, por vezes, das expectativas, conhecimentos e aptidões que muitos docentes possuem com relação a estes estudantes. Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir soluções justas, equânimes e eficazes.

A contextualização se refere aos modos como estes estudantes podem dispor de seu tempo e de seu espaço. Por isso a heterogeneidade do público da EJA merece consideração cuidadosa. A ela se dirigem adolescentes, jovens e adultos, com suas múltiplas experiências de trabalho, de vida e de situação social, aí compreendidos as práticas culturais e valores já constituídos.

Diante dos ditames dos pareceres considerados, a regra metodológica é: descontextualizá-los da idade escolar própria da infância e adolescência para, apreendendo e mantendo seus significados básicos, recontextualizá-los na EJA. Mas para isto é preciso ter a observação metodológico-política do Parecer/CEB 15/98, aplicável para além do ensino médio: a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada.

Uma destas diversidades se expressa nos horários em que a EJA é oferecida, especialmente o noturno. Se cansaço e fadiga não são exclusividade dos cursos da EJA, também métodos ativos não são exclusividade de nenhum turno.

Esta atenção não pode faltar também a outros aspectos que se relacionam com o perfil do estudante jovem e adulto. A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano. A flexibilidade poderá atender a esta tipificação do tempo mediante módulos, combinações entre ensino presencial e não–presencial e uma sintonia com temas da vida cotidiana dos alunos, a fim de que possam se tornar elementos geradores de um currículo pertinente.

O trabalho, seja pela experiência, seja pela necessidade imediata de inserção profissional merece especial destaque. A busca da alfabetização ou da complementação de estudos participa de um projeto mais amplo de cidadania que propicie inserção profissional e busca da melhoria das condições de existência. Portanto, o tratamento dos conteúdos curriculares não pode se ausentar desta premissa fundamental, prévia e concomitante à presença em bancos escolares: a vivência do trabalho e a expectativa de melhoria de vida. Esta premissa é o contexto no qual se deve pensar e repensar o liame entre qualificação para o trabalho, educação escolar e os diferentes componentes curriculares. É o que está dito no art. 41 da LDB:

O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.

Neste sentido, o projeto pedagógico e a preparação dos docentes devem considerar, sob a ótica da contextualização, o trabalho e seus processos e produtos desde a mais simples mercadoria até os seus significados na construção da vida coletiva. Mesmo na perspectiva da transversalidade temática tal como proposta nos Parâmetro Nacionais do Ensino Fundamental vale a pena lembrar que cabe aos projetos pedagógicos a redefinição dos temas transversais aí incluindo o trabalho ou outros temas de especial significado. As múltiplas referências ao trabalho constantes na LDB têm um significado peculiar para quem já é trabalhador. É nesta perspectiva que a leitura de determinados artigos deve ser vista sob a especificidade desta modalidade de ensino.

Veja-se como exemplo este parágrafo do art. 1º da LDB:

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Leia-se agora este inciso II do art. 35:

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

Tome-se o parágrafo único do art. 39:

Parágrafo único: o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.

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Por isso, aqueles 25% da carga horária do ensino médio aproveitáveis no currículo de uma possível habilitação profissional tais como dispostos no § único do art. 5 º do Decreto nº 2.208/97 e a forma como foi tratada esta alternativa nos Pareceres CEB 15/98 e 16/99 se dirigem para e expressam uma realidade significativamente presente na vida destes jovens e adultos. O que está dito no Parecer CEB nº 15/98 para o ensino médio em geral ganha mais força para os estudantes da EJA porque em sua maioria já trabalhadores.

O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular (...) O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional da educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino profissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho...

Reconhecendo-se a importância de tempos liberados na vida contemporânea, é preciso identificar o

impacto dos meios de comunicação sobre os estudantes. Pode-se dar, como exemplos, a procedência migratória de muitos e seu gosto pelas manifestações das culturas regionais, derivando daí elementos significativos para a constituição e sistematização de novos conhecimentos. Muitos estudantes da EJA, face a seus filhos e amigos, possuem de si uma imagem pouco positiva relativamente a suas experiências ou até mesmo negativa no que se refere à escolarização. Isto os torna inibidos em determinados assuntos. Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e Educação Física são espaços oportunos, conquanto associados ao caráter multidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar a desinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo da socialidade. Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às dimensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares são constituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüência facultativa. Contudo, a oferta destes componentes não será obrigatória para os alunos no caso de exames supletivos avulsos descolados de unidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliação em processo.

Importante é também distinguir as duas faixas etárias consignadas nesta modalidade de educação. Apesar de partilharem uma situação comum desvantajosa, as expectativas e experiências de jovens e adultos freqüentemente não são coincidentes. Estes e muitos outros exemplos deverão ser ressignificados, onde o zelar pela aprendizagem, tal como disposto no art. 13, III da LDB, ganha grande relevância . Desse modo, os projetos pedagógicos devem considerar a conveniência de haver na constituição dos grupos de alunos momentos de homogeneidade ou heterogeneidade para atender, com flexibilidade criativa, esta distinção. Não perceber o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mesmos conteúdos como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes seria contrariar mais do que um imperativo legal. Seria contrariar um imperativo ético.

Os momentos privilegiados desta ressignificação dos pareceres são os da elaboração e execução dos projetos pedagógicos. O momento da elaboração do projeto pedagógico __ expressão e distintivo da autonomia de um estabelecimento __ inclui o planejamento das atividades. A organização dos estabelecimentos usufrui de uma flexibilidade responsável em função da autonomia pedagógica. O projeto pedagógico resume em si (no duplo sentido de resumir: conter o todo em ponto menor e tornar a tomar, sintetizar o conjunto) o conjunto dos princípios, objetivos das leis da educação, as diretrizes curriculares nacionais e a pertinência à etapa e ao tipo de programa ofertado dentro de um curso, considerados a qualificação do corpo docente instalado e os meios disponíveis para pôr em execução o projeto.

No momento da execução, o projeto torna-se um currículo em ação, materializado em práticas diretamente referidas ao ato pedagógico. Contudo, se muitos dos que buscam a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos (LDB, art. 4º VII) ou o ensino noturno regular (LDB, art. 4º VI) são prejudicados em seus itinerários escolares, não se pode reduplicar seu prejuízo mediante uma via aligeirada que queira se desfazer da obrigação da qualidade. Torna-se fundamental uma formulação de projetos pedagógicos próprios e específicos dos cursos noturnos regulares e os da Educação de Jovens e Adultos.

Tais diretrizes assumem o ponto de vista do Parecer CEB nº 15/98 quanto a uma política de qualidade dentro dos projetos pedagógicos. Estes associam-se ao prazer de fazer bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético. Neste sentido, a EJA não pode sucumbir ao imediatismo que sufoca a estética, comprime o lúdico e impede a inventividade.

Um momento específico dessa referência é a recontextualização que se impõe à transposição didática e metodológica das diretrizes curriculares nacionais do ensino fundamental e do médio para a EJA. Suas experiências de vida se qualificam como componentes significativos da organização dos projetos pedagógicos

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inclusive pelo reconhecimento da valorização da experiência extra – escolar (art. 3, X). Tal recontextualização ganha com a flexibilidade posta no art. 23 da LDB cujo teor destaca a forma diversa que poderá ter a organização escolar tendo como um critério a base na idade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos se aplicam obrigatoriamente aos estabelecimentos que oferecem cursos e aos conteúdos dos exames supletivos das instituições credenciadas para tal.

Diz o art. 38 da LDB:

Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.

Este artigo implica os sistemas públicos de ensino na manutenção de cursos de jovens e adultos e exames supletivos. Já se viu reiteradamente que prioritária é a oferta de cursos na faixa da escolaridade universal obrigatória , sem desconsiderá-la no turno da noite. A oferta de cursos da EJA deve ser um esforço constante e localizado dos poderes públicos com o objetivo de tornar a função reparatória cada vez mais uma coisa do passado e que desapareça de nossos códigos a imposição do “erradicar o analfabetismo”. Erradicar é tirar algo pela raiz. Neste sentido, trata-se de eliminar as condições gerais, que não permitem um mínimo de eqüidade, e as específicas que, dentro dos cursos, não consideram o perfil do aluno em adequação aos métodos e diretrizes, como ocorre tão frequëntemente com os alunos da EJA.

A base nacional comum dos componentes curriculares deverá estar compreendida nos cursos da EJA. E o zelar pela aprendizagem dos alunos (art. 13, III) deverá ser de tal ordem que o estudante deve estar apto a prosseguir seus estudos em caráter regular (art. 38). Logo, a oferta desta modalidade de ensino está sujeita tanto à Res. CEB nº 02 de 7/4/1998 para ensino fundamental, quanto à Res. CEB nº 03 de 26/6/1998 para o ensino médio e, quando for o caso, a Res. CEB nº 04/99 para a educação profissional.

Vale a pena consignar como cada Parecer correspondente a estas resoluções definiu a base nacional comum.

O Parecer CNE/CEB 04/98 diz que a base nacional comum refere-se ao conjunto dos conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento articulados aos aspectos da Vida Cidadã de acordo com o art. 26. Por outro lado, o mesmo parecer entende que a parte diversificada não é um recurso adicional a esta Base. Os conteúdos desta parte são integrados à Base Nacional Comum....

Por seu turno, o Parecer CEB nº 15/98 resume, em um trecho, as várias vezes que tocou neste ponto, no que está em sintonia com o parecer do ensino fundamental: tudo o que se disse até aqui sobre a nova missão do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se aplica para ambas as “partes”, tanto a nacional comum como a “diversificada”, pois numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento não faz sentido que elas estejam divorciadas.

Vê-se, pois, que a base de ambos os ensinos é a “nacional comum” integrada com o que se pode denominar de “nacional diversificada”. Este princípio se aplica também à língua estrangeira moderna. A LDB, em seu art. 26, § 5º , ao incluir obrigatoriamente, a partir de uma lei de caráter nacional, uma língua estrangeira moderna, reconhece esta integração e “nacionaliza” a obrigação da oferta de uma língua estrangeira. Seja pela necessidade contemporânea do domínio de uma língua estrangeira, seja pela “nacionalização” deste imperativo, seja pela compreensão abrangente dos pareceres citados, seja para que a igualdade de oportunidades no prosseguimento de estudos regulares não venha, de novo, a faltar aos concluintes do ensino fundamental da EJA, o § 5º do art. 26 é componente obrigatório dos conteúdos curriculares desta modalidade de ensino. A escolha de qual língua, esta sim, é uma opção da rede ou da escola nos seus projetos pedagógicos. Entretanto, a prestação de exames supletivos de língua estrangeira deve ser de oferta obrigatória e de inscrição facultativa pelo aluno.

Portanto, as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos, quanto ao ensino fundamental, contêm a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada que deverão integrar-se em torno do paradigma curricular que visa estabelecer a relação entre a Educação Fundamental com a Vida cidadã, com as Áreas de Conhecimento, segundo o Parecer CEB nº 04/98 e Res. CEB nº 02/98. Quanto ao Ensino Médio, a EJA deverá atender aos Saberes das Áreas Curriculares de Linguagens e Códigos, de Ciências da Natureza e Matemática, das Ciências Humanas e suas respectivas Tecnologias, segundo o Parecer CEB nº 15/98 e Res. CEB nº 03/98.

X - O direito à educaçãoNo Brasil, país que ainda se ressente de uma formação escravocrata e hierárquica, a EJA foi vista como

uma compensação e não como um direito. Esta tradição foi alterada em nossos códigos legais, na medida em que a EJA, tornando-se direito, desloca a idéia de compensação substituindo-a pelas de reparação e eqüidade.

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Mas ainda resta muito caminho pela frente a fim de que a EJA se efetive como uma educação permanente a serviço do pleno desenvolvimento do educando.

A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o conceito de educação básica que preside a organização da educação nacional em suas etapas. As necessidades contemporâneas se alargaram, exigindo mais e mais educação, por isso, mais do que o ensino fundamental, as pessoas buscam a educação básica como um todo.

A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma programática ou um desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir .

A EJA é educação permanente, embora enfrente os desafios de uma situação sócio-educacional arcaica no que diz respeito ao acesso próprio, universal e adequado às crianças em idade escolar.

Os liames entre escolarização e idade podem até não terem conseguido a melhor expressão legal, mas pretendem apontar para uma democratização escolar em que o adjetivo todos tal como posto junto ao substantivo direito seja uma realidade para cada um deste conjunto de crianças, adolescentes, jovens e adultos. A efetivação deste “direito de todos” existirá se e somente se houver escolas em número bastante para acolher todos os cidadãos brasileiros e se desta acessibilidade ninguém for excluído. Aí teremos um móvel da atenuação de constrangimentos de qualquer espécie em favor de uma maior capacidade qualitativa de escolha e de um reconhecimento do mérito de cada um num mundo onde se fazem presentes transformações na organização do trabalho, nas novas tecnologias, na rapidez da circulação das informações e na globalização das atividades produtivas, para as quais uma resposta democrática representa um desafio de qualidade.

Os pareceres da Câmara de Educação Básica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de nível técnico, assinalam e reafirmam a importância, o significado e a contemporaneidade da educação escolar, daí decorrendo a busca e as ações em vista da universalidade de acesso e de permanência. Qualquer formação futura deve ter nas etapas da educação básica, cada vez mais universalizadas, um patamar de igualdade e de prossecução. Assim sendo, a EJA é um modo de ser do ensino fundamental e do ensino médio, com seus homólogos voltado para crianças e adolescentes na idade adequada são chaves de abertura para o mundo contemporâneo em seus desafios e exigências mais urgentes e um dos meios de reconhecimento de si como sujeito e do outro como igual.

De acordo com Bobbio (1987), a possibilidade de escolha aumenta na medida em que o sujeito da opção se torna mais livre. Mas esta liberdade só se efetua quando se elimina uma discriminação que impede a igualdade dos indivíduos entre si. Assim, tal eliminação não só libera, mas também torna a liberdade compatível com a igualdade, fazendo-as reciprocamente condicionadas. A superação da discriminação de idade diante dos itinerários escolares é uma possibilidade para que a EJA mostre plenamente seu potencial de educação permanente relativa ao desenvolvimento da pessoa humana face à ética, à estética, à constituição de identidade, de si e do outro e ao direito ao saber. Quando o Brasil oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os “dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua multiplicidade, moderno e democrático.

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 01/2000ESTABELECE AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO E JOVENS E ADULTOS.

Art. 1º - Esta Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos a serem obrigatoriamente observadas na oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio dos cursos que se desenvolvem, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias e integrantes da organização da educação nacional nos diversos sistemas de ensino, à luz do caráter próprio desta modalidade de educação.

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Art. 2º - A presente Resolução abrange os processos formativos da Educação de Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica nas etapas dos ensinos fundamental e médio, nos termos da LDBem especial dos seus artigos 4º, 5º ,37, 38, e 87 e, no que couber, da Educação Profissional.

§ 1º - Estas Diretrizes servem como referência opcional para as iniciativas autônomas que se desenvolvem sob a forma de processos formativos extra-escolares na sociedade civil.

§ 2º - Estas Diretrizes se estendem à oferta dos exames supletivos para efeito de certificados de conclusão das etapas do ensino fundamental e do ensino médio da Educação de Jovens e Adultos.

Art. 3º - As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental estabelecidas e vigentes na Resolução CNE/CEB Nº 02/1998 se estendem para a modalidade da Educação de Jovens e Adultos no ensino fundamental.

Art. 4º - As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio estabelecidas e vigentes na Resolução CNE/CEB 3/98, se estendem para a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no ensino médio.

Art. 5º - Os componentes curriculares conseqüentes ao modelo pedagógico próprio da educação de jovens e adultos e expressos nas propostas pedagógicas das unidades educacionais obedecerão aos princípios, aos objetivos e às diretrizes curriculares tais como formulados no Parecer CNE/CEB 11/2000, que acompanha a presente Resolução, nos pareceres CNE/CEB 4/98, CNE/CEB 15/98 e CNE/CEB 16/99, suas respectivas resoluções e as orientações próprias dos sistemas de ensino.

Parágrafo único - Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as faixas etárias e se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar:

I - quanto à eqüidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação;

II- quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores;

III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica.

Art. 6º - Cabe a cada sistema de ensino definir a estrutura e a duração dos cursos da Educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos.

Art. 7º - Obedecidos o disposto no Art. 4º, I e VII da LDB e a regra da prioridade para o atendimento da escolarização universal obrigatória, será considerada idade mínima para a inscrição e realização de exames supletivos de conclusão do ensino fundamental a de 15 anos completos.

Parágrafo único - Fica vedada, em cursos de Educação de Jovens e Adultos, a matrícula e a assistência de crianças e de adolescentes da faixa etária compreendida na escolaridade universal obrigatória ou seja, de sete a quatorze anos completos.

Art. 8º - Observado o disposto no Art. 4º, VII da LDB, a idade mínima para a inscrição e realização de exames supletivos de conclusão do ensino médio é a de 18 anos completos.

§ 1º - O direito dos menores emancipados para os atos da vida civil não se aplica para o da prestação de exames supletivos.

§ 2º - Semelhantemente ao disposto no parágrafo único do Art. 7º, os cursos de Educação de Jovens e Adultos de nível médio deverão ser voltados especificamente para alunos de faixa etária superior à própria para a conclusão deste nível de ensino ou seja, 17 anos completos.

Art. 9º - Cabe aos sistemas de ensino regulamentar, além dos cursos, os procedimentos para a estrutura e a organização dos exames supletivos, em regime de colaboração e de acordo com suas competências.

Parágrafo único - As instituições ofertantes informarão aos interessados, antes de cada início de curso, os programas e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos didáticos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições.

Art. 10 - No caso de cursos semi-presenciais e a distância, os alunos só poderão ser avaliados, para fins de certificados de conclusão, em exames supletivos presenciais oferecidos por instituições especificamente autorizadas, credenciadas e avaliadas pelo poder público, dentro das competências dos respectivos sistemas, conforme a norma própria sobre o assunto e sob o princípio do regime de colaboração.

Art. 11 - No caso de circulação entre as diferentes modalidades de ensino, a matrícula em qualquer ano das etapas do curso ou do ensino está subordinada às normas do respectivo sistema e de cada modalidade.

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Art. 12 - Os estudos de Educação de Jovens e Adultos realizados em instituições estrangeiras poderão ser aproveitados junto às instituições nacionais, mediante a avaliação dos estudos e reclassificação dos alunos jovens e adultos, de acordo com as normas vigentes, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos culturais e as competências próprias da autonomia dos sistemas.

Art. 13 - Os certificados de conclusão dos cursos a distância de alunos jovens e adultos emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presencial, respeitados os requisitos diplomáticos de acordos culturais.

Art. 14 - A competência para a validação de cursos com avaliação no processo e a realização de exames supletivos fora do território nacional é privativa da União, ouvido o Conselho Nacional de Educação.

Art. 15 - Os sistemas de ensino, nas respectivas áreas de competência, são co-responsáveis pelos cursos e pelas formas de exames supletivos por eles regulados e autorizados.

Parágrafo único - Cabe aos poderes públicos, de acordo com o princípio de publicidade: a) divulgar a relação dos cursos e dos estabelecimentos autorizados à aplicação de exames supletivos,

bem como das datas de validade dos seus respectivos atos autorizadores.b) acompanhar, controlar e fiscalizar os estabelecimentos que ofertarem esta modalidade de educação

básica, bem como no caso de exames supletivos. Art. 16. As unidades ofertantes desta modalidade de educação, quando da autorização dos seus cursos,

apresentarão aos órgãos responsáveis dos sistemas o regimento escolar para efeito de análise e avaliação.Parágrafo único. A proposta pedagógica deve ser apresentada para efeito de registro e arquivo histórico. Art. 17 - A formação inicial e continuada de profissionais para a Educação de Jovens e Adultos terá

como referência as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e para o ensino médio e as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores, apoiada em:

I - ambiente institucional com organização adequada à proposta pedagógica; II - investigação dos problemas desta modalidade de educação, buscando oferecer soluções

teoricamente fundamentadas e socialmente contextuadas;III - desenvolvimento de práticas educativas que correlacionem teoria e prática;IV - utilização de métodos e técnicas que contemplem códigos e linguagens apropriados às situações

específicas de aprendizagem. Art. 18 - Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se

destinam ao ensino fundamental deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28 e 32 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental.

Parágrafo único - Na organização curricular, competência dos sistemas, a língua estrangeira é de oferta obrigatória nos anos finais do ensino fundamental.

Art. 19 - Respeitado o Art. 5º desta Resolução, os cursos de Educação de Jovens e Adultos que se destinam ao ensino médio deverão obedecer em seus componentes curriculares aos Art. 26, 27, 28, 35 e 36 da LDB e às diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio.

Art. 20 - Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino fundamental, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão seguir o Art. 26 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental.

§ 1º - A explicitação desses componentes curriculares nos exames será definida pelos respectivos sistemas, respeitadas as especificidades da educação de jovens e adultos.

§ 2º - A Língua Estrangeira, nesta etapa do ensino, é de oferta obrigatória e de prestação facultativa por parte do aluno.

§ 3º - Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculiaridades dos portadores de necessidades especiais.

Art. 21 - Os exames supletivos, para efeito de certificado formal de conclusão do ensino médio, quando autorizados e reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, deverão observar os Art. 26 e 36 da LDB e as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio.

§ 1º - Os conteúdos e as competências assinalados nas áreas definidas nas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio serão explicitados pelos respectivos sistemas, observadas as especificidades da educação de jovens e adultos.

§ 2º - A língua estrangeira é componente obrigatório na oferta e prestação de exames supletivos. § 3º - Os sistemas deverão prever exames supletivos que considerem as peculiaridades dos portadores

de necessidades especiais. Art. 22 - Os estabelecimentos poderão aferir e reconhecer, mediante avaliação, conhecimentos e

habilidades obtidos em processos formativos extra-escolares, de acordo com as normas dos respectivos

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sistemas e no âmbito de suas competências, inclusive para a educação profissional de nível técnico, obedecidas as respectivas diretrizes curriculares nacionais.

Art. 23 - Os estabelecimentos, sob sua responsabilidade e dos sistemas que os autorizaram, expedirão históricos escolares e declarações de conclusão, e registrarão os respectivos certificados, ressalvados os casos dos certificados de conclusão emitidos por instituições estrangeiras, a serem revalidados pelos órgãos oficiais competentes dos sistemas.

Parágrafo único - Na sua divulgação publicitária e nos documentos emitidos, os cursos e os estabelecimentos capacitados para prestação de exames deverão registrar o número, o local e a data do ato autorizador.

Art. 24 - As escolas indígenas dispõem de norma específica contida na Resolução CNE/CEB 3/99, anexa ao Parecer CNE/CEB 14/99.

Parágrafo único - Aos egressos das escolas indígenas e postulantes de ingresso em cursos de educação de jovens e adultos, será admitido o aproveitamento destes estudos, de acordo com as normas fixadas pelos sistemas de ensino.

Art. 25 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

7. Deliberação CEE n.º 09/2000 e Indicação CEE n.º 11/2000 – Estabelece diretrizes para a implementação, no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, dos cursos de Educação de Jovens e Adultos de níveis fundamental e médio, instalados ou autorizados pelo poder público.

DELIBERAÇÃO CEE Nº 09/2000

Artigo 1º - Os cursos de educação de jovens e adultos, indicados no artigo 37 da Lei Federal Nº 9.394/96, referentes ao ensino fundamental e médio, instalados ou autorizados pelo Poder Público, serão organizados no sistema de ensino do Estado de São Paulo de acordo com as diretrizes contidas nesta Deliberação.

Artigo 2º - Os cursos de educação de jovens e adultos destinam-se àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio, na idade própria.

Artigo 3º - Os cursos de educação de jovens e adultos serão organizados de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, estabelecidas pela Res. CEB/CNE Nº 01/00, bem como com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio estabelecidas, respectivamente, pelas Res. CEB/CNE N° 02/98 e Nº 03/98

§ 1º - Além dos componentes da base nacional comum, é obrigatória a oferta de língua estrangeira moderna nos cursos de educação de jovens e adultos correspondentes aos quatro últimos anos do ensino fundamental, bem como no ensino médio na parte diversificada do currículo.

Artigo 4º - Os cursos de educação de jovens e adultos atenderão, no que couber, ao disposto nas Seções I, III e IV do Capítulo II da LDB.

Artigo 5º - Os cursos de educação de jovens e adultos serão organizados em dois níveis, correspondentes, respectivamente, ao ensino fundamental e ao ensino médio.

Artigo 6º - Os cursos de educação de jovens e adultos correspondentes aos quatro primeiros anos de escolaridade do ensino fundamental terão organização, duração, estrutura e certificação definidas pelas próprias instituições ou organizações que os ministrarem.

Artigo 7º - Os cursos presenciais correspondentes aos quatro últimos anos do ensino fundamental terão a duração mínima de 1.600 horas de efetivo trabalho escolar, sendo que a idade mínima para a matrícula inicial será de 14 anos completos.

Parágrafo Único - No caso de alunos classificados ou reclassificados, bem como dos que tiveram acelerada sua aprendizagem, a idade para conclusão do curso será, todavia, de 15 anos completos, no mínimo.

Artigo 8º - Os cursos presenciais correspondentes ao ensino médio terão a duração mínima de 1.200 horas de efetivo trabalho escolar, sendo que a idade mínima para a matrícula inicial será de 17 anos completos.

Parágrafo Único - No caso de alunos classificados ou reclassificados, bem como dos que tiveram acelerada sua aprendizagem, a idade para conclusão do curso será, todavia, de 18 anos completos, no mínimo.

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Artigo 9º - As instituições que oferecem cursos presenciais de educação de jovens e adultos, instalados ou autorizados pelo poder público, realizarão as avaliações previstas nos respectivos planos e certificarão os estudos completados.

Artigo 10 - Os alunos matriculados em cursos de jovens e adultos em data anterior à homologação da presente Deliberação, terão direito de concluir seu curso nos termos da Deliberação CEE nº 17/1997.

Artigo 11 - Os cursos de educação de jovens e adultos a distância ou individualizados com presença flexível obedecem, adicionalmente, a normas específicas.

Parágrafo Único - Enquanto não houver manifestação deste Conselho sobre os exames previstos na Res. CNE/CEB Nº 01/00 os cursos aprovados até a data da homologação da presente Deliberação, poderão realizar a avaliação de seus alunos nos termos aprovados em seu projeto pedagógico.

Artigo 12 - Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação, após devidamente homologada, ficando revogadas as disposições em contrário, especialmente as da Deliberação CEE nº 17/1997.

INDICAÇÃO CEE Nº 11/2000CONSELHO PLENO A Comissão Especial constituída pela Portaria do Presidente n°43/2000 em 24/05/2000, para atualizar as normas do sistema estadual de ensino referentes à questão da educação de jovens e adultos, julga oportuno apresentar pequeno retrospecto histórico-legal. Para isso, dentre estudos realizados, vale-se de considerações e informações apresentadas em trabalho realizado para a Secretaria de Estado da Educação, através da Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE, denominado "Ensino Supletivo: Caracterização e Proposições para Expansão e Melhoria de Qualidade" (1.998). Esse estudo reitera que a defasagem educacional de contingente expressivo da população, decorrente do abandono precoce da escola por contingências e problemas sócio-econômicos diversos, reflete-se na qualidade das relações que esses excluídos mantêm em sua prática social, na forma como se inserem em um ambiente em constante mudança estrutural, e no aparecimento de uma massa de jovens e adultos que demandam por formas alternativas de estudo que supram suas necessidade educacionais. Salienta que é através da Educação de Jovens e Adultos que se podem criar oportunidades para que essa população supra sua defasagem escolar. Para que essa modalidade de educação, no entanto, possa estar consoante com as necessidades dessa população, deve-se considerar, em sua organização, que vivemos em uma época marcada por aceleradas transformações dos processos econômicos, culturais e políticos que determinam novas exigências para que os indivíduos possam participar dos bens e conhecimentos, exercer a cidadania e integrar-se na vida produtiva. Deve ser considerado, também, que se destina a uma população, que freqüentemente já vem assumindo compromissos profissionais e familiares. Não se trata, portanto, de prover essa clientela apenas com os conteúdos previstos para o nível de ensino em que ela retoma sua escolarização, mas sim de procurar desenvolver nesses jovens e adultos, de forma integral, competências necessárias à sua inserção nas diferentes dimensões da vida social. O mesmo estudo historia que o ensino público, voltado para a população sem escolaridade ou dela excluída, teve como marco a "Campanha Nacional de Educação de Adultos", deflagrada em 1947 pelo Governo Federal. O Estado e os municípios de São Paulo se integraram a esse movimento. Nos bairros da Capital e no interior, surgiram os cursos populares noturnos, que funcionavam nos Grupos Escolares e eram regidos por professores remunerados e voluntários. Em conseqüência do crescimento rápido dos cursos, foi criado e estruturado, de acordo com a Lei Estadual n° 76, de 23 de fevereiro de 1948, o Serviço de Educação de Adultos - SEA, que manteve em todo o Estado classes noturnas. Prossegue, informando que, com o advento da Lei Federal n° 4.024/61, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foi transferida para os governos estaduais e municipais a incumbência da organização e execução dos serviços educativos. Essa lei dispôs que, para os que iniciassem o ensino primário após a idade de 7 anos, poderiam ser formadas classes especiais ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento. Manteve o tradicional exame de madureza, fixando em 16 e 19 anos as idades mínimas para o início dos cursos, respectivamente, de "Madureza Ginasial" e de "Madureza Colegial". Exigia, porém, um prazo de dois a três anos para a sua conclusão em cada ciclo, exigência essa abolida posteriormente pelo Decreto-Lei n° 709/69. Foi mantido o controle (aferição) fora do processo, sendo que escolas privadas obtiveram, da autoridade competente (então federal), credenciais para realizar o exame e expedir o certificado. São Paulo deu continuidade ao trabalho que vinha desenvolvendo, fazendo adaptações necessárias para o cumprimento do novo dispositivo legal. Os cursos supletivos ministrados nas chamadas Escolas Noturnas se limitavam às quatro primeiras séries do ensino de 1° grau e se destinavam aos maiores de 14 anos, sendo mantidos pelo Poder Público. Quanto aos exames de madureza, em 1969, passaram a ser organizados pelo sistema estadual de ensino. As normas para sua elaboração (Resolução CEE n° 37/67) determinavam que "deveriam ser realizados simultaneamente, em duas épocas, no decorrer do ano, em Estabelecimentos de

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Ensino Secundário mantidos pelo Estado, indicados anualmente pela Secretaria da Educação". Em 1969, São Paulo realizava o seu primeiro exame de madureza unificado, com um total de 10.372 candidatos inscritos. No mesmo ano, a Fundação Padre Anchieta - Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativa, iniciava suas experiências no campo da educação, com a finalidade de atender às necessidades da massa de indivíduos marginalizados da rede escolar, utilizando para tanto os recursos propiciados pelo rádio e televisão. O seu primeiro trabalho nessa área foi com o "Curso de Madureza Ginasial" que prestou relevante serviço na preparação dos candidatos que desejavam se submeter aos exames e não tinham condições de freqüentar ou pagar um curso preparatório. Assim, antes mesmo da vigência da Lei Federal n° 5.692/71, São Paulo já vinha utilizando tanto meios formais quanto informais de educação de jovens e adultos. Em 1969, devido ao crescimento da demanda por cursos de 1ª à 4ª série, a Secretaria Estadual de Educação criou, em substituição ao SEA, o Serviço de Educação Supletiva - SES - (Decreto Estadual n° 52.324/69), subordinado à Divisão de Orientação Técnica do Departamento de Ensino Básico. Em 1971, para dar atendimento à parte referente aos exames supletivos, instituiu-se, na Divisão de Orientação Técnica do Departamento de Ensino Secundário e Normal, uma Equipe Técnica encarregada da planificação, coordenação e supervisão dos exames unificados. Posteriormente, em 1976, foi criado o Serviço de Ensino Supletivo e o Serviço de Exames Supletivos (Decreto Estadual n° 7.510/76). O primeiro, com a finalidade de orientar cursos supletivos, ficou ligado à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da SEE; o segundo, responsável pela organização de exames supletivos de educação geral e profissionalizante, ficou ligado ao Departamento de Recursos Humanos da mesma Secretaria. Esta estrutura perdura até hoje. Em 11 de agosto de 1971, havia sido promulgada a Lei Federal n° 5.692/71, que fixou diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus. No capítulo IV da referida Lei situava-se o ensino supletivo, com a finalidade de suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tivessem seguido ou concluído na idade própria; de proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Dispunha que o ensino supletivo abrangia cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo, através da Deliberação CEE nº 30/72, baixou as normas gerais para o ensino supletivo no sistema de ensino do Estado de São Paulo. Esta Deliberação teve uma duração muito curta, de apenas um ano. Em novembro de 1973, foi baixada uma nova Deliberação, de nº 14/73, também estabelecendo normas gerais para o ensino supletivo. Entre outras alterações, trouxe a das idades mínimas dos alunos, elevando de 18 para 19 anos a idade para matrícula na Suplência de 2º grau e baixando de 16 para 14 anos, para matrícula na Suplência II do 1º grau (a anterior, nº 30/72, só permitia aos alunos de 14 anos se freqüentassem curso de qualificação ou de aprendizagem, ou se já estivessem integrados no trabalho). Fixou as durações de cada etapa da suplência: 2 anos ou 4 semestres para a Suplência II e 1 ano e meio ou 3 semestres para a Suplência de 2º grau. Conferiu às escolas a avaliação do aproveitamento. Nova Deliberação, a de nº 19/82, revogou-a, igualmente estabelecendo normas gerais para este ensino. Manteve as mesmas idades mínimas, mas elevou a duração da Suplência de 2º grau para 2 anos ou 4 semestres. Quanto à avaliação, além de mantê-la no processo, a cargo das escolas, acresceu a necessidade de aprovação em exames supletivos especiais nas disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Matemática. Essa Deliberação foi revogada pela Deliberação CEE nº 23/83, a qual renovou as normas gerais para o ensino supletivo no sistema de ensino do Estado de São Paulo. Previa cursos e exames e abrangia desde a alfabetização, até a formação profissional, passando pelo ensino dos conteúdos mínimos previstos em lei para o ensino regular. Manteve as idades mínimas para matrícula, de 14 anos para a Suplência II de 1º grau, e de 19 anos para a Suplência de 2º grau. Manteve, também, a duração de 2 anos/4 semestres para cada uma delas. Previa, ainda, a realização de experiências pedagógicas, a avaliação no processo pelas escolas, em todos os níveis e disciplinas, o aproveitamento de estudos, a certificação, a oferta de cursos de qualificação profissional, a adoção do sistema modular de formação profissional, o regime de entrosagem e de intercomplementariedade dos estabelecimentos de ensino entre si ou com outras instituições sociais, inclusive empresas. O curso deveria ter estrutura, duração e regime escolar que se ajustasse às suas finalidades próprias e ao tipo especial de alunos a que se destinasse. Quanto ao pessoal docente deveria ter preparo adequado às características especiais desse tipo de ensino. Permaneceu em vigor até 1997, já na vigência da Lei Federal nº 9.394/1996 - LDB, que estabelece as atuais Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Promulgada em 20 de dezembro de 1996, a LDB consagra a Seção V de seu Capítulo II (da Educação Básica), especificamente à Educação de Jovens e Adultos.Com a competência atribuída por esta Lei a cada sistema de ensino, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo regulamentou a matéria pela Deliberação CEE n° 17/97 (com redação modificada pela Deliberação CEE n° 20/97). É esta a regulamentação até agora em vigor para o sistema de ensino do Estado de São Paulo.

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A Deliberação CEE nº 17/1997, proposta pela Indicação CEE nº 16/1997, dispõe sobre aspectos operacionais relativos aos cursos e exames supletivos, frente à Lei Federal nº 9.394/96. A Indicação já salientava que a questão comportava reflexões e estudos, acenando, portanto, com a volta ao assunto em nova oportunidade. Esta, surge agora, pois recentemente, em 10-05-2000, a Câmara de Educação Básica - CEB, do Conselho Nacional de Educação - CNE, aprovou o Parecer nº. 11/2000, relatado pelo eminente Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, homologada pelo Sr. Ministro da Educação em 05-7-2000, que resultou na Resolução CEB/CNE nº 01/2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. O referido Parecer trata exaustiva e amplamente da matéria. Apresenta os fundamentos e funções da Educação de Jovens e Adultos - EJA, suas bases legais, as diretrizes para essa educação, recuperando sua evolução histórico-legislativa no país, e detendo-se na legislação vigente, tendo como marco a Constituição Federal e a LDB. Apresenta, ainda, o estado atual da EJA no país, distinguindo cursos de educação de jovens e adultos dos exames supletivos, e as possibilidades pedagógicas que, flexivelmente, a LDB permite e encoraja. Outras questões são tratadas, como a peculiaridade de cursos a distância e no exterior, bem como de cursos semi-presenciais, as bases históricas da EJA no Brasil, as iniciativas públicas e privadas, os indicadores estatísticos e a importantíssima questão da formação docente. Este Parecer é de grande riqueza, constituindo-se em referência e subsídio indispensáveis à compreensão e ao equacionamento da oferta de oportunidades educacionais à população constituída pelos jovens e adultos de todas as idades e condições. A Comissão Especial deste CEE, constituída para atualizar as normas do sistema estadual de ensino referentes à matéria, considerou tanto os mencionados Parecer e Resolução da CEB/CNE, quanto a Deliberação CEE nº 17/97 e a experiência vivida no Estado pelas redes públicas estadual e municipais e pelas organizações privadas e não governamentais, para propor a regulamentação dos cursos de educação de jovens e adultos. Ateve-se tão somente aos cursos, deixando para breve oportunidade a regulamentação dos exames supletivos, tanto os destinados aos interessados não vinculados a cursos de educação de jovens e adultos instalados ou autorizados pelo poder público, como os destinados a alunos de cursos a distância e semi-presenciais, exames estes instituídos pela Res. CEB/CNE N° 01/00 Nesse sentido, apresenta projeto de Deliberação que procura, com brevidade e objetividade, estabelecer as diretrizes para a implementação, no sistema de ensino do Estado de São Paulo, dos cursos de educação de jovens e adultos de níveis fundamental e médio, instalados ou autorizados pelo Poder Público, tendo como referência subjacente os pressupostos sociais, econômicos, legais e educacionais de tão importante modalidade de educação.

8. TAILLE, Yves de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, Júlio Groppa (org.). Indisciplina na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.

Por que as crianças obedecem? ... pergunta feita no começo de nosso século...Hoje, parece-me que a pergunta formulada espontaneamente seria a inversa: por que as crianças não

obedecem nem a seus pais, muito menos a seus professores? Exagero?, escrever sobre a in-disciplina se fosse décadas antes teria que versar sobre disciplina na escola.

Tema é delicado por três razões: A 1ª moralismo ingênuo ... A indisciplina na sala de aula seria decorrência da falta de valores de nosso tempo. Quais valores? A 2ª o reducionismo - reduz o fenômeno estudado ao jogo de mecanismo mentais isolados... A 3ª a complexidade , ambigüidade do tema - O que é disciplina??? O que é sua negação, Indisciplina?..poderá ser traduzida de duas formas: 1) revolta contra as normas 2) o desconhecimento delas...(citação do filme Sociedade dos Poetas Mortos) revolta discente.Tratar a Disciplina/indisciplina no nível da moralidade significa optar por uma dimensão específica e tratar do tema através da vergonha é considerar apenas uma de suas dimensões afetivas. A indisciplina na sala de aula é (entre outros fatores) decorrência do enfraquecimento do vinculo entre moralidade e sentimento de vergonha.

A VERGONHA

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A Vergonha - citando Jean-Paul Sartre: "A vergonha pura não é o sentimento do ser tal ou tal objeto repreensível, mas, em geral, de ser um objeto, isto é, de me reconhecer neste ser decaído, dependente e imóvel que sou para outrem"

Sentimento de vergonha (segundos dados) surge na criança por volta dos 18 meses. - idade em que a criança toa definitiva consciência de si. (...).seus primeiros sinais de vergonha que poderíamos chamar de embaraço, nada têm de percepção de sim como objeto repreensível . Exemplo: basta que se a olhe fixamente e ela baixa os olhos, cessa sua atividade, claramente constrangida, envergonhada. A partir do momento em que a criança toma consciência de sua própria perceptibilidade o sentimento de vergonha a acompanhara.

VERGONHA E MORALA vergonha não se associa apenas à moralidade, mas é impossível pensar a moralidade sem ela - duas

considerações: 1ª- Sentimento de Culpa – sentimento associado à moralidade (...) 2ª - Sentimento de vergonha quando relacionada à moralidade. - a "verdadeira" moral pressuporia o sentimento de culpa por tratar-se de um controle interno: a vergonha seria suspeita pois remeteria a um controle externo: o olhar alheio.

Freud e Piaget situam a origem da moralidade na relação da criança com seus pais; Para Piaget a motivação básica da moral adulta é o sentimento da própria dignidade portanto uma certa

imagem moral positiva de si que se procura preservar e impor.EM resumo, se a vergonha é sentimento inevitável, inerente ao ser humano, aquela associada à moral

não se impõe necessariamente. A vergonha pode seguir vários caminhos: a moral é um deles. A qualidade da interação social determina em grande parte o quanto a moralidade vai associar-se à imagem que cada um faz de si. O olhar alheio tem grande responsabilidade neste processo.

VERGONHA E SOCIEDADEO homem pós-moderno sofre as tiranias da intimidade - Interessa-se apenas pelo que diz respeito a sua

personalidade, aos seus afetos, impulsos, idiossincrasias....Investe todas as suas energias em si mesmo...O espaço público lhe dá medo, desempenhar papéis parece-lhe uma traição à pureza de seu Eu profundo... Se temos dificuldade em refletir segundo outros modos é porque estamos imersos neste pensamento moral, que destaca as virtudes da intimidade, concebida sentido como fonte de verdade: basta pensarmos na força, hoje das propostas ecológicas, feministas, minoritárias - é como se tudo o que é público,político, padecesse por definição dos vícios da mentira e da falsidade, e fosse preciso depura-lo, regenera-lo, trazer-lhe energia do único lugar em que este nasce: o espaço íntimo.

O binômio moral/vergonha se desfaz, ou, pelo menos, se enfraquece, seja porque os valores como o "sucesso" na vida, o dinheiro etc., acabam por ocupar tal destaque que invadem a imagem que cada um almeja do Eu., este Eu sendo então único olhar considerado legítimo para avalia-la ...

A INDISCIPLINA EM SALA DE AULAToda moral pede disciplina, mas toda disciplina não é moral - O que há de moral em permanecer em

silencia horas a fio, ou em fazer fila?...Certos atos de indisciplina podem ser genuinamente morais - exemplo: Quando um aluno é humilhado, injustiçado e se revolta contra as autoridades que o vitimizam – Tenhamos cuidado em condenar a indisciplina sem ter examinado a razão....

A indisciplina é freqüentemente sentida como humilhante. 1) Enfraquecimento da relação vergonha/moral - alunos não sentirão nem vergonha, nem orgulho de

suas balburdias. Não sentirão nada. O olhar reprovador do professor não terá efeito: seus cenários são outros, suas platéias são outras.

2) O homem contemporâneo desertou o espaço público (Jogar lixo nas ruas). Somente lhe intereça o que é privado, íntimo - . A vergonha moral tenderá a levar em conta essencialmente os olhares de sua esfera privada o "olhar público" tornando-se ilegítimo. - A escola padece desta situação.Ou o professor impõe-se pessoalmente por suas características (íntimas, portanto), ou nada consegue uma vez que os alunos desprezam sua função (pública por definição) _ Algumas escolares particulares procuram "personalizar" seu ensino. O aluno se torna "cliente" a quem a escola vende um "produto" - O cliente sempre tem razão...

3) Psicologia - descobre o papel das motivações -(conscientes e inconscientes) - Os alunos acham normal desertar as aulas por eles consideradas "maçantes". Ao culto da motivação, soma-se outro: o culto à infância e à juventude.

4) A vergonha de ser velho o orgulho de ser ou parecer jovem: tal é o espírito atual "Nossa época prefere as crianças aos sábios" - Comte-Sponville. (...) A família antes organizada em função do adulto passa a ser organizada em função da criança- Os pais infantilizam-se. Este fato acaba por se repetir - troca-se Machado

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de Assis por historias de Walt Disney, a filosofia -por discussões das crises existenciais, as ordens pelas negociações, a autoridade pela sedução. A escola passa a ser o templo da juventude, não mais o templo do saber.

5) "Nossa época cessou de reverenciar o estudo e a instrução . Seu ídolos estão em outros lugares (...) e não existe mais nada da vergonha de enrubescerem...(..) não satisfeitos em ridicularizar a escola e a universidade, pretendem suplanta-las e provar que o sucesso e o dinheiro não passa mais por esses templos do conhecimento" (Bruckner). Tudo está dito nesta citação. Muitos nem têm mais orgulho de ser alunos. Nem vergonha de nada saberem. Então, por onde "segura-los"?

A Indisciplina em sala de aula não se deve essencialmente a "falhas" psicopedagógicas, pois está em jogo o lugar que a escola ocupa hoje na sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam, o lugar que a moral ocupa.

Criança de 12 anos: " se fosse eu pensava assim: Estou todo danado mesmo posso fazer o que eu quero"

A soução é exatamente contrária: reforçar o aluno o sentimento de sua dignidade como ser moral. Resta à escola uma solução: lembrar e fazer lembrar alto e bom tom, a seus alunos e à sociedade como um todo que sua finalidade é a preparação para o exercício da cidadania. E para ser cidadão, são necessários sólidos conhecimentos, memória, respeito pelo espaço

Público, um conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, e dialogo franco entre olhares éticos. Não há democracia se houver completo desprezo pela opinião pública.

9. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Presença da pedagogia: teoria e prática da ação socioeducativa. (Capítulos II, V e X). São Paulo: Global, 1999.

CAPÍTULO II

PEDAGOGIA DA PRESENÇAEste capítulo é iniciado dizendo que o trabalho educativo é uma fonte inesgotável de aprendizagem. A

relação educador/educando oferece-se como espaço de desenvolvimento pessoal e social de seus protagonistas.Ao educador cabe perseguir a eficácia na ação, não se deixando reter nos momentos do testemunho e da

denúncia.Para isso, é necessário reconhecermos os seguintes passos:

• Reconhecer os requisitos intrínsecos à ação educativa.• Empenhar-se em incorporar esses requisitos ao seu modo de compreender e de atuar diante de

situações que variam de um momento para outro, de educando para educando, de situação para situação.

São requisitos mais importantes que a coragem, o heroísmo e o zelo extremo:1. Aprender com os próprios erros.

2. Aceitar o outro como ele é.3. Interessar-se pelas potencial idades e limites de cada jovem.O desempenho que devemos esperar de um educador emocional e tecnicamente preparado é que ele use

o bom senso para evitar situações que venham a requerer mobilizações extremas de habilidades e sentimentos. Ele deve refletir sobre os acontecimentos do dia-a-dia para não ser vítima do tédio e do aborrecimento.

O autor cita Pierre Voirin que nos leva a aprender a dimensão da presença no processo pedagógico em toda a sua complexidade, inteireza e implicações.

2. 1. PRESENÇA: UMA NECESSIDADE BÁSICAO primeiro e mais decisivo passo para vencer as dificuldades pessoais é a reconciliação do jovem

consigo mesmo e com outros, o que muda sua forma de inserção na sociedade.O autor enfatiza que, quando o cotidiano transforma-se em rotina, a inteligência e a sensibilidade

fecham-se para o inédito e o específico de cada caso, em cada situação.

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Para ele, nenhuma lei, nenhum método ou técnica, nenhum recurso logístico, nenhum dispositivo político-institucional pode substituir o frescor e o imediatismo da presença solidária, aberta e construtiva do educador diante do educando.

O autor menciona Anton S. Makarenko, educador soviético.

2. 2. APRENDER A FAZER-SE PRESENTEO autor relata que a capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva, na realidade do educando é

uma aptidão possível de ser aprendida, desde que haja, da parte de quem se propõe a aprender, a disposição interior (abertura, sensibilidade, compromisso) para tanto. A presença não é alguma coisa que se possa apreender apenas no nível da pura exterioridade.

Paulo Freire, segundo o autor, diz que educação só é eficaz na medida em que reconhece e respeita seus limites e exercita suas possibilidades.

Pelo distanciamento, o educador afasta-se no plano da critica, buscando, a partir do ponto de vista da totalidade do processo, perceber o modo como seus atos se encadeiam na concatenação dos acontecimentos que configuram o desenrolar da ação educativa.

Essa postura exige de quem educa:• uma clara noção do processo; e

• uma ágil inteligência do instante.

2. 3. CAMINHO DE EMANCIPAÇÃODiante de adolescentes com sérios problemas e conduta, os educadores seguem, de um modo geral, um

dos seguintes enfoques básicos: 1. Amputação, por intermédio de abordagens correcionais e repressivas, daqueles aspectos da

personalidade do educando considerados nocivos a ele próprio e à sociedade.2. Reposição, mediante práticas assistencialistas, quanto aos aspectos materiais e paternalistas, no que

se refere ao lado emocional, do que lhe foi sonegado nas fases anteriores de sua existência.3. Aquisição, pelo próprio educando, por meio de uma abordagem autocompreensiva, orientada para a

valorização e o fortalecimento dos aspectos positivos de sua personalidade, do autoconceito, da auto-estima e da autoconfiança necessários à superação das suas dificuldades.

A Pedagogia da Presença propõe-se a viabilizar o paradigma emancipador, mediante uma correta articulação do seu ferramental teórico, com propostas concretas de organização das atividades práticas.

2. 4. AO ENCONTRO DE SI MESMOPara Costa, o educador que se dirige ao educando na perspectiva da Pedagogia da Presença verá que

uma outra ordem de exigências antecede a dá suporte a muitas preocupações. A Pedagogia da Presença é parte de um esforço coletivo na direção de um conceito e de uma prática

menos irreais e mais humanos de educação de adolescentes em dificuldade.Construir o resgate da parcela mais degradada, em termos pessoais e sociais, de nossa juventude é, sem

dúvida alguma, uma das grandes tarefas do nosso tempo.

2. 5. O ADULTO NO MUNDO DOS ADOLESCENTESAcredita-se a presença dos adultos no mundo dos jovens em dificuldade pessoal e social não deve ser

intervencionista e limitada.O educador começa a tomar consciência de que não existe nenhum método ou técnica inteiramente

eficaz e satisfatória capaz de ser aplicada com sucesso em todos os casos. As dificuldades a serem enfrentadas parecem não ter fronteiras muito precisas.

A consciência do educador abre-se em um amplo espectro de problemas.O educando é destinatário e credor daquilo que melhor for capaz de transmitir em cada momento do

seu relacionamento.

2. 6. CONHECER O PROCESSOA Pedagogia moderna, em todas as suas modalidades, começa por uma abertura e integração dos dados

que lhe chegam mediante a psicologia, a sociologia, a antropologia, a psicologia social, as ciências médicas e o direito.

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A observação atenta e metódica dos comportamentos que são próprios ao adolescente tentará conhecer aquele a que dá mais importância, atenção, valor.

Para o adolescente, existir não é um problema metafísico, é dispor de alguns bens (materiais e imateriais) para ele essenciais.

A consciência de estar no mundo é consciência de aceitação, de acolhimento, de pertinência, de integração, de aconchego.

2. 7. ADOLESCÊNCIA E SOLIDÃOCada adolescente em dificuldade, à sua maneira tenta:

• dissimular – visando reter a presença que escapa;• compensar – quando a perda parece consumada;

• protestar – que é o momento em que o jovem procura outras presenças, indo ao encontro dos que, de referências, são vítimas do sofrimento, da mesma solidão.

O termo presente, embora não seja de uso freqüente no domínio da Pedagogia, apresenta um conteúdo relacional que faz dela a mais exigente das realidades. Está longe de sua experiência a consciência de que sua vida ter valor para alguém pode fazê-lo feliz.

2. 8. MUITO ALÉM DA ADAPTAÇÃOOs programas socioeducativos dirigidos a jovens e situação de especial dificuldade ainda não sabem,

em sua maioria, tirar proveito pleno das possibilidades da presença.Na palavra socialização pesa, hoje, um grave equívoco. Geralmente entende-se por esse termo uma

perfeita identidade entre os hábitos de uma pessoa e as leis e as normas que presidem o funcionamento da sociedade. O comportamento ajustado é a única coisa que realmente importa.

A socialização, entendida como uma adaptação prática à vida social, é sempre algo de desejável e francamente necessário.

2. 9. A CONTRADIÇÃO ENTRE A MISSÃO E OS MEIOS A intervenção específica do educador baseia-se numa relação pessoal positiva que leve o jovem a

encontrar o caminho que o retorne a si mesmo e aos outro.Na histórica da educação dos jovens em dificuldade em nosso país ilustra bem os descaminhos

percorridos, a saber:a. Numa primeira etapa, o atendimento caracterizou-se por uma desconfiança a prior, em face do

educando, e, por intervenções do tipo correcional-repressivo, que prevaleceram durante muito tempo.b. Na segunda etapa dessa evolução, a visão do adolescente em dificuldade como elemento hostil e

ameaçador (enfoque criminológico da periculosidade) foi substituída pelo enfoque da privação, da carência.

c. A terceira etapa dessa conturbada e sofrida trajetória vê o atual sistema como uma massa falida em todos os níveis e aspectos. O panorama legal revelou-se inadequado e propiciador de situações desumanas e arbitrárias.

2. 1O. RECIPROCIDADE: A DIMENSÃO ESSENCIAL DA PRESENÇAA reciprocidade é quase sempre o fator que explica os sucessos que surgem inesperadamente, quando

todas as esperanças razoáveis já foram por terra.A verdade da relação educador/educando, do ponto de vista da Pedagogia da Presença, baseia-se na

reciprocidade, entendida como a interação na qual duas presenças se revelam mutuamente.A simpatia de um grupo humano representa, para quem é por ela contemplado, o sinal de que o valor

que lhe é próprio foi reconhecido. É uma forma de homenagem prestada à pessoa. Quando essa dimensão não existe ou foi excluída da vida de alguém, provoca sempre uma amarga decepção.

Outra forma de reciprocidade é operada pela própria pessoa na sua relação consigo mesma. É a aquisição do autodomínio, mediante as suas virtualidades físicas, intelectuais e afetivas.

O terceiro tipo de reciprocidade liga-se de forma estrita às duas primeiras. É o momento em que o educando sente-se chamado a fundir seu dinamismo de base em atitudes socializadas, adaptadas às convivências de contextos humanos mais amplos, mas que guardam correspondência com seu próprio movimento de auto-edificação.

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2. 11. A RELAÇÃO EDUCADOR/EDUCANDO: ALGUNSOBSTÁCULOS DE BASE

Ao consideramos a importância da presença do educador para o adolescente em dificuldade, tornamo-nos sensíveis a certas deficiências das pessoas e instituições sobre as quais o autor acredita que vale a pena chamar a atenção:

a. O trabalho educativo, preocupado apenas em readaptar o adolescente em dificuldade, tende sempre a ignorar o estado de solidão e abandono a que ele foi relegado antes de, pela manifestação de condutas não-aceitas, a sociedade preocupar-se com ele. Insistir, de forma continuada, em chamar a atenção do jovem para a gravidade social dos seus atos é um expediente que, além de inútil, freqüentemente contribui para o fracasso da ação educativa. O educando centraliza-se todo no mal de que sofre e procura prioritariamente qualquer coisa que possa trazer-lhe um pouco de alívio e satisfação.

b. Algumas vezes, o jovem em dificuldade apercebe-se de que não ocupa um lugar importante nas preocupações de seu educador

c. As intervenções disciplinares malconduzidas constituem outro problema da maior gravidade. O educador deve ser exigente, não devendo nunca, porém, colocar a exigência antes da compreensão.

d. A administração de alguns programa socioeducativos oficiais é outra fonte de problemas muito graves. O atendimento burocrático ao adolescente em dificuldade faz com que ele se sinta como um papel tramitando de repartição em repartição, de forma impessoal e descuidada.

e. Certas concepções da sua função impedem o educador de assumir o papel fundamental que dele se espera na vida do educando: ajudá-lo encontrar-se a si mesmo e aos outros.

2. 12. A AUTORIDADE NA PEDAGOGIA DA PRESENÇAA autoridade nasce menos do conhecimento que se tem do educando e de suas dificuldades que da

capacidade do educador de (re)conhecer o educando e aceitá-lo.A introdução da reciprocidade nas relações educador/educando é que torna aquele capaz de levar o

jovem a integrar normas e autoridades, revestindo a relação educativa de seu verdadeiro significado.O educador deve criar, então, no cotidiano do trabalho dirigido ao jovem em dificuldade oportunidades

concretas, acontecimentos estruturadores que evidenciem a importância das normas e limites para o bem de cada um e de todos.

Não há como fazer a felicidade das pessoas contra sua vontade.

2. 13. A SELEÇÃO E O PERFIL BÁSICO DO EDUCADOR Quem se propuser a assumir essa modalidade de trabalho educativo com adolescentes em dificuldade

deverá, no exame médico, apresentar, além da solidez nos aspectos físico e mental, uma certa capacidade de resistência à fadiga e autodomínio dos impulsos. Essas são qualidades extremamente necessárias, pré-requisitos essenciais para se prosseguir no processo de seleção.

Três características devem ser observadas com todo o cuidado:1. Inclinação sadia pelo conhecimento dos aspectos da vida do adolescente que testemunham as suas dificuldades e o seu potencial para superá-los.2. A capacidade de auto-análise.

3.A abertura, capacidade de deixar penetrar sua vida pela vida dos outros, de modo a captar seus apelos e responder às suas dificuldades e impasses.

2. 14. LIBERDADE E EDUCAÇÃOA liberdade confunde-se com a aventura humana. Ela começa no momento em que aceitamos, para

alcançar algum objetivo que julgamos relevante, arriscar a segurança biológica, o equilíbrio psíquico e o bem-estar socioeconômico nos quais fundamos os alicerces da nossa vida.

A questão da liberdade na atividade educativa de adolescentes em dificuldade é das que mais requerem clareza e equilíbrio.

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A tarefa do educador é fazer tudo o que esteja ao seu alcance, para que, enfim, o educando se descubra e comece a trilhar o seu caminho.

2. 15. A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIALCosta encerra esse capítulo nos revelando que acredita que a presença é uma exigência constante para o

desenvolvimento da personalidade e a inserção social de todo ser humano.Mais do que responder a exigências e temores deste tempo de crise, o educador orientará sua atuação

para as necessidades humanas e materiais dos adolescentes. Sua ação cotidiana manifesta-se na pessoa do educando.

CAPÍTULO V

EDUCADOR/EDUCANDO: UMA RELAÇÃO DE AJUDANo trabalho educativo e social com adolescentes em dificuldades, existe um conjunto constante de

elementos que caracterizam a modalidade e a especificidade da ação educativa à qual o autor se refere: a presença de um jovem com dificuldades pessoais e sociais, que se refletem em sua conduta, e a presença de um adulto que, com base na sua experiência, procura ajudá-lo, para que ele encontre o seu caminho na vida.

O autor nos mostra que o modelo de relação de ajuda proposto por Carkhuff aplica-se a um amplo espectro de relações. A sua intenção é atender às exigências sociais de modo que os benefícios das investigações e descobertas, que resultaram em avanços no campo da psicologia, possam vir em auxílio também dos profissionais de outras áreas.

5. 1. PRESENÇA E SIGNIFICAÇÃO NA RELAÇÃO DE AJUDA Significar é assumir, diante de alguém ou de alguma coisa, uma atitude de não-indiferença. Quando

deixamos de ser indiferentes diante de algo, aquilo assume para nós um valor.Nesse momento, o autor cita Clara Feldman e Mário Lúcio de Miranda, reproduzindo as seis dimensões

básicas por eles apresentadas, as quais são válidas para o processo de ajuda como um todo:

a) empatia;b) aceitação incondicional ou respeito;c) congruência;d) confrontação;e) imediaticidadef) concreticidade

Texto > Carkhuff, citado pelo autor, argumenta que a operacionalização das dimensões de ajuda e de seus efeitos sobre o ajudado envolve as habilidades do ajudador e os comportamentos do ajudado no curso do processo de mudança. Essas habilidades contribuem decisivamente para que a capacidade de ajudar deixe de ser uma qualidade pessoal inata.

Tais habilidades, consideradas básicas, são as seguintes:

• Atender: comunicar, de maneira não-verbal, disponibilidade e interesse pelo ajudado. • Responder: comunicar, corporal e verbalmente, compreensão pelo ajudado.• Personalizar: mostrar ao ajudado sua parcela de responsabilidade no problema que está vivendo.• Orientar: avaliar, com o ajudado, as alternativa de ações possíveis e facilitar a escolha de um delas.

Durante o processo de ajuda, o ajudado passa pelas seguintes fases:

1. Envolver-se: capacidade de entregar-se ao processo de ajuda.2. Explorar: capacidade de avaliar a situação real em que se, encontra no momento do processo de ajuda.3. Compreender: estabelecer ligações de causa e feito entre os vários elementos presentes em sua vida..

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4. Agir: movimentar-se do ponto onde está para o ponto aonde quer chegar.

5. 2. CARCTERIZANDO RELAÇÃO DE AJUDA São as seguintes as mencionadas características:

1. Sentimento.2. Expressão de afeto.3. Totalidade.4. Consentimento mútuo.5. Expectativa.6. Comunicação e interação.7. Estruturação.8. Cooperação.9. Acessibilidade e segurança.

10. Orientação para a mudança.

5 . 3. RELAÇÃO DE AJUDA NOS PROGRAMAS SOCIOEDUCATIVOS DIRIGIDOS A ADOLESCENTES EM DIFICULDADE

Costa nos lembra que o passo inicial para implantação do modelo de relação de ajuda de Carkhuff em um programa socioeducativo dirigido a jovens em situação de dificuldade pessoal e social deve ser a inclusão, no treinamento da equipe, das técnicas utilizadas no processo de ajuda, a fim de que o paradigma estruturador das relações propostas possa ser desenvolvido.

O autor menciona as fases desse processo:

I. Preparação do ambiente físico.II. Acolhimento. III. Atendimento físico.IV. Observação.V. Escuta. VI. Resposta ao conteúdo.VII.Resposta ao sentimento.VIII. Resposta ao sentimento e ao conteúdo.IX. Resposta com imagens.X. Resposta ao comportamento.XI. Resposta a perguntas.XII.Resposta com os próprios sentimentos.XIII. Personalização.XIV. Orientação.

5. 4. O AMBIENTE FÍSICO MATERIAL: UM EDUCADOR OBJETIVOA estrutura de um programa socioeducativo está relacionada com as suas instalações e com o material

existente. Mesmo simples, as instalações devem revelar gosto e cuidado.A relação educador/educando, nesses programas com adolescentes em dificuldades, impõe um certo

nível de preocupação com o ambiente.

5. 5. CUIDADOS NO ACOLHIMENTONos primeiros contatos com e educador, o educando percebe a imagem que o educador tem em relação à sua pessoa.

• Tratar o educando pelo nome.• Cumprimentar o educando, voltando-se para ele, indo ao seu encontro.• Individualizar o educando.• Proporcionar ao adolescente em dificuldade ou um pouco mais de comodidade é um gesto concreto de

acolhida que fala por si mesmo.

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5. 6. ATENDER COM O CORPOA linguagem corporal é um fator muito forte, por transmitir mensagens que não conseguiríamos

verbalmente.

Exemplo de alguns comportamentos que facilitam a interação com o educador:

• Proximidade• Inclinação• Contato Visual• Assentir com a cabeça• Tocar• Manter a mesma altura do educando

5. 7. OBSERVAÇÃOÉ um recurso básico e fundamental do educador, pois é por meio da observação que ele sentir-se-á

permitido a distanciar-se do senso comum e da cultura organizacional da sua área de atuação.O relacionamento qualitativo do adolescente consigo mesmo e com os outros poderá ser apreendida

pela observação do modo como ele estabelece contato visual com as pessoas e delimita seu território corporal.E transmitir mensagens não-verbais e que observar é captar as mensagens não-verbais.

5. 8. A HABILIDADE DE ESCUTARO educador que escuta o educando, empenhando-se de forma sincera em colocar-se no seu lugar, sem

julgar, procurando compreendê-lo e aceitá-lo, o jovem se sentirá envolto de calor e reciprocidade capazes de aliviar sua tensão e reduzir o seu sofrimento.

O educador deve, ao escutar o educando, captar muitos sinais e utilizá-los na compreensão do educando.

5. 9. RESPONDER AO CONTEÚDOResponder ao conteúdo é refletir sobre a fala do educando, ou seja, elementos importantes ligados ao

tema central.Ao conteúdo permite ao educador compreender o educando, observando suas reações à sua resposta.

5. 10. RESPONDER AO SENTIMENTOÉ a habilidade de captar o que o educando está sentindo a cada momento de relação e repassar-lhe sa

percepção.

Consiste em:

• Identificar a categoria do sentimento.• Identificar a intensidade do sentimento.• Escolher a palavra-sentimento apropriada.

• Responder ao educando usando a forma: "Você está se sentindo..."

5. 11. RESPONDER AO SENTIMENTO AO CONTEÚDOÉ compreender como ele se sente e o porquê sente assim. A resposta ao sentimento e ao conteúdo

possibilita fazer a ligação entre o mundo interno e o mundo externo do adolescente em dificuldade.

5. 12. RESPONDER COM IMAGENSA força da imagem está no fato de tornar concreta uma experiência até então não completamente

definida.

A resposta de imagem pode ser dada ao educando de diversos jeitos:

• Isoladamente.• Acompanhada de resposta de sentimento. • Acompanhada de resposta de conteúdo.

• Acompanhada de resposta de conteúdo e sentimento.

5. 13. RESPONDER AO COMPORTAMENTOÉ a expressão do educando diante do educador.

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O comportamento pode assumir três modos básicos:

1. o educando se expressa corporal e verbalmente, 2. o educando não se expressa verbalmente, apenas corporalmente, de maneira estática. É o que se

chama silêncio parado;3. o educando não se expressa verbalmente, apenas corporalmente, de maneira dinâmica. É o silêncio

movimentado.5. 14. RESPONDER ÀS PERGUNTAS

Ao contratar com perguntas do educando, o educador deve estar atento à mensagem subjacente.

As pessoas têm motivos para perguntar e essas motivações podem ser agrupadas em 4 tipos básicos:

1. A pessoa pergunta porque precisa de uma resposta para tomar uma decisão ou iniciar uma ação.2. A pessoa pergunta visando manter (ou iniciar) um contato com a outra.3. A pessoa pergunta porque quer expressar algo e não conseguir.

A pessoa quer saber algo e não tem coragem de perguntar diretamente.

5. 15. RESPONDER COM OS PRÓPRIOS SENTIMENTOSA genuinidade da parte do educador é uma forma de quebrar sua imagem de superioridade em relação

ao educando.

Responder com os próprios sentimentos implica em responder com:

• coerência• cuidado e empatia

• efetividade

5. 16. RUMO À FASE INICIAL DA RELAÇÃO DE AJUDADevemos atender e responder são etapas que correspondem à fase responsiva da relação de ajuda. São

consideradas etapas da fase inicial, a personalização e a orientação.

5. 17. PERSONALIZARQuando o educando consegue identificar o seu papel dentro do seu próprio problema, ocorre a

personalização.Ao conteúdo (trocando os pronomes): dando respostas aditivas que internalizam os temas da fala do

educando.À fala: quando o educando assume a responsabilidade pela própria vida.O objetivo: este e o último elemento do processo cuja identificação vai possibilitar ao jovem em

dificuldade elaborar seu programa de ação ou determinar a direção de sua mudança.

5. 18. ORIENTARO educador deve orientar o educando em dificuldade, de forma a facilitar-lhe a decisão, elaborando

com ele um plano de ação. O mais importante na fase de orientação é que o educador esteja sempre ao lado do educando.

5. 19. CRESCER SEMPREA efetividade de um processo de ajuda mede-se pelas mudanças que foram desencadeadas no ajudado.

Mudança no sentido positivo e construtivo significa crescimento.

CAPÌTULO XA PREVENÇÃO E O ENFRENTAMENTO DE SITUAÇÕES-LIMITE

10.1. O CONTEXTO

Para o adolescente dotado de saúde mental senso de dignidade humana, a privação da liberdade e será sempre – e assim deve ser – percebida como uma severa limitação.

A responsabilização – é o território comum entre a pedagogia e a justiça. O caminho pelo devido processo – com as etapas, formalidades e ritos previstos na lei – tem uma

irrecusável dimensão didático-pedagógica.

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Essa responsabilização – se olhada pelo ângulo da pedagogia – revela-se a condição necessária para que o adolescente possa ser reconhecido como fonte deiniciativa, compromisso e liberdade, ou seja, como sujeito.

A consciência plena da extensão e da gravidade dos seus atos que possibilitará ao adolescente assumir de forma responsável as conseqüências. É nesse contexto que a medida socioeducativa de privação de liberdade poderá tornar-se inteligível para ele.

10. 2. A PREVENÇÃOTem sentido falar de prevenção quando estamos lidando com adolescentes a quem já foi aplicada a

medida privativa de liberdade.Os centros socioeducativos são, na verdade, a última linha de defesa social desses jovens.

A ação de natureza preventiva, assim:

1. Elaboração de uma proposta pedagógica sólida.2. A partir de uma proposta pedagógica que se deve pensar a estrutura física.

I. a da estruturação de espaços adequados para o desenvolvimento de um cotidiano educativo e;II. a do provimento de adequadas condições de segurança.

A regra aqui é assegurar o máximo de segurança externa, para tornar possível o mínimo de segurança interna.

3. Recrutar e selecionar o pessoal com base em critérios consistentes.4. Não se limitar ao treinamento introdutório do pessoal.5. Adotar a prática da supervisão externa do trabalho desenvolvido.6. Elaborar um regimento interno e um código de ética.7. Contar com segurança externa diuturna.8. Centrar o foco da proposta educativa na busca constante de relações de qualidade.9. Produzir e distribuir entre os educandos, por meio de um procedimento didaticamente estruturado.10. Estruturar e manter canais de dialogo.11. O trabalho deverá ser fiscalizado pelas autoridades com competência para fazê-lo.12. Não deixar sem resposta clara e fundamentada, positiva ou negativa, nenhuma reivindicação dos

educandos.13. Empregar os recursos do emprego da força e da contenção física do educando.14. Evitar todo e qualquer tipo de ação tratamento vexatório, degradamente ou aterrorizante.15. Não utilizar, em circunstância alguma, o recurso à punição coletiva.16. Preocupar-se em assegurar que em todas as atividades desenvolvidas.17. Afastar imediatamente da entidade não os educadores que têm conflitos com os educandos, pois,

em nosso trabalho, a conflitividade aberta e leal entre educador e educando é necessária e até salutar.

18. Assegurar a assistência religiosa, mas evitar por todos ~s meios a manipulação religiosa do educando.

19. Ter em mente que o, Código de Ética dos Educadores e o Guia do Educando devem ser encarados e estruturados como duas faces de uma mesma moeda.

20. É indispensável que diuturnamente haja um técnico de nível superior respondendo pela unidade em fins de semanas.

21. 0 período entre o entardecer e o horário de recolher-se ao dormitório deve ser rico em atividades.22. 0s fins de semana e feriados prolongados também devem ser rico em programações especiais.23. Em momentos e condições previamente estabelecidos, o adolescente deve ter acesso a informações

sobre a sua situação perante a Justiça.

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24. O relacionamento com a família deve ser incentivado em todas as etapas do desenvolvimento do processo educativo.

25. Treinar toda a equipe em ações de combate a incêndios e primeiros socorros, e equipar a unidade para essas eventualidades.

26. Determinar intervenção da segurança externa no interior da unidade.27. Treinar o pessoal para evitar o pânico e as reações desproporcionais e descontroladas momentos de

ruptura da ordem interna.28. Manter croquis da unidade com o elenco correto dos diversos espaços.29. O treinamento em negociação é fundamental, pois essa deve ser a principal arma a ser empregada

no enfrentamento das situações-limite.

10. 3. ENFRENTAMENTOSempre fazer o possível para evitar as situações-limite.É nessas horas que a equipe deve demonstrar toda sua disciplina, preparo, equilíbrio e coesão.

Atenção aos aspectos:

1. A segurança das pessoas.2. Desde o início é preciso identificar interlocutores certos e manter abertos os canais de diálogo. 3. Não tentar usar o pessoal do quadro educativo para exercer funções que exigem técnica de ação

policial.4. Recorrer à ajuda de segurança externa, sempre que isso se mostrar necessário.5. Não omitir nem distorcer as informações.6. Falar a verdade aos educandos e não prometer nada que não tenha condições de ser cumprido.7. Comunicar o evento, o mais depressa possível, às autoridades administrativas do órgão.8. Proceder a imediata e rigorosa apuração do ocorrido e, se necessário, apontar as responsabilidades

administrativas e criminais do fato ocorrido.9. Designar uma equipe de educadores para receber, informar e orientar os pais e outros parentes dos

educandos que acorrerem ao local.10. Não fazer ameaças aos educandos quanto às conseqüências do ocorrido, procurando assegurar-lhes

condições de recuo.11. Uma vez refluído o evento, procurar equilíbrio e justiça na apuração das responsabilidades, jamais

deixando os fatos sem apuração.12. Informar à imprensa o ocorrido, sem omitir a verdade por espírito corporativo ou preservação da

imagem institucional.13. Caso haja algum educador envolvido no ocorrido.14. Além das autoridades, os órgãos responsáveis por Direitos Humanos informados.15. O ocorrido deve ser analisado em todos os detalhes pela equipe, visando levantar elementos que

possibilitem a adoção de uma conduta capaz de prevenir a sua repetição.

“Fazer hoje o possível de hoje para fazer amanhã o impossível de hoje”Paulo Freire

10. FRANCO, Creso, FERNANDES, Cláudia e BONAMINO, Alícia. Avaliação na escola e avaliação da educação: possibilidades e desafios. In CANDAU, Vera Maria(org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 167-188.

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A década de 90 foi marcada pela emergência da prioridade do tema da avaliação. No âmbito educacional, a referida prioridade expressou-se em dois veios principais: as propostas relativas à avaliação de sistemas educacionais e as iniciativas voltadas para a superação do caráter excludente da avaliação tradicional. Muito embora ambos os veios guardem estreita relação com as políticas públicas, deve ser observado que a interação entre a avaliação de sistemas educacionais e as propostas de avaliação continuada tem sido pequena. Tipicamente, essa relação limita-se ao estímulo à implantação de propostas de ciclos e avaliação continuada a partir da evidência de que a distorção idade-série tem alimentado o fracasso escolar.

O presente capítulo focaliza o Ensino Básico e analisa a situação atual da avaliação em relação àqueles veios principais acima identificados.

A avaliação na LDB

A importância dada à avaliação pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96 - é inédita, a ponto de ser apresentada por Cury como um dos eixos centrais da atual LDB, que “vai da negação de um sistema nacional de educação à afirmação de um sistema nacional de avaliação”. Cury está se referindo ao artigo 9º da lei, que estabelece em um de seus itens a atribuição da União de “assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria do ensino”.

A interpretação do significado do texto legal não pode prescindir de considerações acerca da função que pode ser desempenhada por avaliações de sistemas de ensino em diversos contextos. Embora as experiências internacionais e as propostas de acadêmicos e políticos envolvidos com avaliação sejam muito diversas, dois tipos de papéis têm sintetizado as diferentes propostas e práticas. No primeiro deles, prioriza-se a construção ou definição de políticas baseadas em evidências (evidence based policies), atribuindo-se à avaliação o papel de produtora de evidências (Goldstein: 1998). O segundo papel prioriza a avaliação como indutora de reformas (assessment based reforms), abordagem que, em muitos casos - mas não em todos -, está associada a propostas de incorporação de mecanismos de mercado pelas redes de ensino e escolas (Linn: 1995; Gentili:1996). A análise do texto legal não permite que se conclua pela vinculação da lei a uma das tendências apontadas. Com efeito, se a menção ao objetivo de “definição de prioridades” pode ser interpretada como associada à noção de políticas baseadas em evidências, o texto é ambíguo em relação a como o objetivo de “melhoria do ensino” se vincula à avaliação. Seria por meio da adoção das já mencionadas políticas baseadas em evidências? Ou pela vinculação direta da avaliação a adoção de mecanismos de mercado? Ou por ambas as alternativas?

Em trabalho que focaliza o processo de institucionalização do SAEB (Bonamino e Franco: 1999), mostramos como o sistema de avaliação da educação brasileira afasta-se do paradigma da reforma baseada em avaliação e aproxima-se ora do paradigma das políticas baseadas em evidências ora de paradigma que pode ser chamado de políticas justificadas por 'evidências', localizando-se a diferença entre esses dois últimos paradigmas no modo como eles se relacionam com a pesquisa e as evidências. Em um dos casos, pesquisas e evidências fundamentam políticas; no outro, políticas pré-definidas buscam justificar-se por meio de estratégias seletivas em relação a pesquisas e evidências.

O segundo aspecto referente à avaliação tratado na LDB é a avaliação do aluno. Como no caso da avaliação dos sistemas educacionais, nossa análise do texto legal busca identificar as novidades introduzidas na lei, examina até que ponto e de que modo essas novidades relacionam-se com políticas e práticas correntes nas redes de ensino e tematiza essas políticas e práticas com o intuito de interpretar as orientações e possibilidades abertas pelo texto legal.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece, no inciso V do artigo 24, as seguintes diretrizes para a avaliação na escola:

A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos

qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os

casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.

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Além da repetição literal de aspectos da Lei 5692/71, como no caso do disposto no item (a) do inciso transcrito, a Lei 9394/96 trata como possibilidade aquilo que era equacionado praticamente como exceção no âmbito da legislação precedente. Este é o caso da aceleração de estudos, aspecto objeto de muitas iniciativas ao longo das décadas de 80 e, principalmente, de 90. A menção aos estudos paralelos de recuperação também está no rol de práticas consagradas que foram incorporadas ao texto legal. Note-se que, embora práticas de recuperação paralela estejam presentes na escola desde a 1º metade da década de 70, a legislação anterior não especificava o caráter paralelo dos estudos de recuperação. Observe-se também que, embora inciso transcrito mencione a possibilidade de promoção escolar mediante verificação do aprendizado, o tema da progressão e classificação dos alunos em séries, ciclos ou etapas é objeto de outras especificações, no inciso II do mesmo artigo 24:

A classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:

a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;

b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o

grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.

O aspecto relevante a ser destacado aqui refere-se ao item (c), que permite a inscrição de alunos em séries ou etapas compatíveis com seu grau de desenvolvimento e experiência. Isso contrasta com o modo pelo qual a LDB de 1971 concebia a possibilidade de progressão do aluno. De acordo com a legislação anterior, “verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação dos elementos idade e aproveitamento” (Lei 5692/71, artigo 14). Note-se duas mudanças relevantes: o desenvolvimento e a experiência do aluno tomam o lugar do aproveitamento e o texto atual contempla situações mais abrangentes que o anterior, por permitir a progressão e classificação dos alunos independentemente de escolarização anterior.

Finalmente, devem ser consideradas as prescrições legais para a organização do ensino básico e examinadas suas conseqüências para a avaliação na escola. O artigo 23 da atual LDB regulamenta a organização da educação básica:

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

Neste aspecto, a atual legislação difere bastante das anteriores e da cultura prevalente, que considera a organização em séries como a regra e arranjos diferenciados como exceção à regra. O contraste é enfatizado pela noção de que são aceitáveis todas as formas de organização que estejam a serviço do interesse do processo de aprendizagem. Em especial, deve ser observado que a lei faz menção à organização por ciclo e por ida de, possibilidades de estruturação da educação básica que enfatizam a importância da avaliação continuada. Com efeito, a avaliação continuada e a adoção de ciclos longos no ensino fundamental redundam em sistema estruturado por idade, aspecto que não passou desapercebido, já na década de 50, por Almeida Júnior (1957), autor que enfatizava que a adoção desse tipo de estruturação para o ensino precisava vir acompanhada por uma série de mudanças pedagógicas e culturais.

A avaliação continuada e ciclos guardam uma estreita relação, uma vez que uma escolarização organizada em ciclos não deveria pressupor a interrupção da mesma ao final de cada ano letivo. For outro lado, deve ser considerado que a origem recente de boa parte das atuais propostas de avaliação continuada está associada à progressão contínua mesmo que a escolaridade não seja organizada em ciclos, como ocor reu, por exemplo, na metade da década de 90 no município de Niterói.

A conjugação da proposta de ciclos com avaliação continuada dentro de cada ciclo só passou a ter repercussão nacional no âmbito dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Portanto, os PCN trazem elementos de continuidade com a organização escolar por ciclos e como a avaliação continuada, aspectos posteriormente valorizados na LDB promulgada em 1996. O processo que originou a primeira versão dos PCN iniciou-se no final de 1994, portanto quase dois anos antes da promulgação da Lei 9.2324/96. Embora não estritamente coetâneos, ambos os instrumentos são convergentes nas tentativas de garantir a organização do ensino em ciclos e a adoção de formas contínuas e cumulativas de avaliação do desempenho do aluno. Os PCN

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propõem uma organização por ciclos no Ensino Fundamental, estendendo para todo o Ensino Fundamental as experiências da década de 80 com os ciclos básicos de alfabetização. Para os PCN, “Os conhecimentos adquiridos na escola requerem tempos que não são necessariamente os fixados de forma arbitrária, nem pelo ano letivo, nem pela idade do aluno. As aprendizagens não se processam com a subida de degraus regulares, mas por avanços de diferentes magnitudes. Embora a organização da escola seja estruturada em anos letivos é importante que em uma perspectiva pedagógica a vida escolar e o currículo possam ser assumidos e trabalhados em dimensões de tempo mais flexíveis”. Ainda de acordo com os PCN, o ciclo corresponderia melhor “ao tempo de evolução das aprendizagens e a uma organização curricular mais coerente com a distribuição dos conteúdos ao longo do período de escolarização”.

O conceito de ciclo tem sido mobilizado para operacionalizar o ideal de uma escola inclusiva, estando associado à possibilidade de que os percursos traçados por cada estudante possam ser mais individualizados.

A reorganização da escolaridade não tem valor, a não ser que permita a mais alunos aprenderem melhor. Importa, sobretudo, que ela represente um progresso sensível para os alunos em dificuldade, pois aqueles que têm êxito sem dificuldade na organização atual da escola não justificam sua reforma. Em contrapartida, uma reorganização que vise aos menos favorecidos não deve(m) penalizar os bons alunos. As possibilidades de ci-clos e avaliação continuada contribuírem para um sistema educacional inclusivo e democrático estão, portanto, além do que poderia ser equacionado em termos legais ou em documentos com propostas curriculares.

Propostas e práticas de avaliação continuada

As estatísticas educacionais brasileiras mostram que a experiência da repetência de série ao longo do processo de escolarização está longe de ser uma exceção. As conseqüências deste quadro são extremamente graves, já que as altas taxas de repetência contribuem para abaixar o moral de grande parcela dos alunos, geram mais repetência via aumento da distorção idade/série, consomem improdutivamente partes consideráveis dos já insuficientes recursos financeiros dos orçamentos da educação e transformam a escola em instância de exclusão social. Tal situação tem levado pesquisadores em educação e gestores de redes de ensino a proporem estratégias que objetivam superar a situação vigente. Abordagens neste sentido são revistas e avaliadas abaixo.

A primeira abordagemConsiste em investir na melhoria das condições de ensino com o objetivo de aprimorar a performance

educacional dos alunos e, por esta via, conter os altos índices de repetência, melhorando a produtividade das redes de ensino. Ações deste tipo estão sintonizadas com o posicionamento de técnicos ligados ao Banco Mundial, os quais têm expressado o ponto de vista de que, ao menos nos países em desenvolvimento, “alguns tipos de investimentos podem induzir economia de recursos em montante substancialmente maiores que o investimento efetuado”. Ao especificarem os tipos de investimento mais efetivos para os países em desenvolvimento, os autores têm indicado como áreas prioritárias aquelas diretamente associadas às práticas pedagógicas, em especial livros didáticos.

Com relação à melhoria da performance dos alunos a partir de investimentos em insumos educacionais, a pesquisa detectou modesto resultado positivo apenas no estado do Piauí. Quanto à melhoria da taxa de promoção, os resultados foram negativos nos três estados estudados, o que sugere que melhoria nas taxas de promoção é um objetivo ainda mais difícil de ser alcançado do que melhoria na performance dos alunos. Este tipo de achado está em sintonia com resultados de Fletcher (comunicação pessoal), os quais evidenciam que os esforços educacionais feitos em Minas Gerais não tiveram reflexos na melhoria da taxa de promoção de alunos.

A segunda estratégiaUtilizada pelos gestores para lidar com a repetência é a adoção de medidas normativas de promoção via

avaliação continuada. Segundo Mainardes (1999), o referido tema chegou ao Brasil através de eventos promovidos pela UNESCO e implementou-se um primeiro ciclo de experiências de promoção automática nos estados de São Paulo (1968-72), Santa Catarina (1970-84) e Rio de Janeiro (1979-84). A adoção das referidas políticas de não reprovação foi baseada em diagnósticos gerais sobre os problemas da repetência, os quais não estavam articulados com visões pedagógicas que interpretassem as causas dos altos índices de repetência, nem com propostas desenhadas para a superação do problema. Referindo-se a essas experiências, Cunha (1991: 218) afirmou que “onde a promoção automática foi adotada sem outras medidas complementares, a qualidade do ensino caiu irremediavelmente, como foi o caso de Santa Catarina e do Rio de Janeiro”.

Em uma avaliação geral do tema, pode-se afirmar que, apesar das medidas de caráter político - como a organização de fóruns para debate da proposta de política educacional - e de caráter pedagógico - tais como veiculação de material didático e de fundamentação pedagógica, assessorias pedagógicas e tenta tivas de viabilizar espaços no calendário escolar para discussões - as propostas de implementação do Ciclo Básico

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geraram resistência por parte dos professores e se descaracterizaram (Neubauer-da-Silva e Davies 1993:27). O estudo do progresso de coortes que passaram pelo Ciclo Básico nos diferentes estados indica que as estratégias adotadas não superaram o problema da seletividade sócio-econômica no ensino de 1º grau como um todo.

Para alguns, como Neubauer-da-Silva e Davies (1993), em artigo intitulado “É Proibido Repetir”, as propostas baseadas na não reprovação constituem-se em opção importante para uma educação não excludente e oferecem uma alternativa à cultura da repetência. Considerando-se que, apesar dos problemas mencionados em relação à implantação do Ciclo Básico, as gestões que introduziram o Ciclo Básico foram administrações pelo menos relativamente bem-sucedidas, não é difícil compreender que experiências como o Ciclo Básico tenham sido utilizadas em outros contextos ou mesmo inspirado políticas mais ousadas de avaliação continuada. Essas políticas acionam mecanismos que, em conjunto com diversas medidas de caráter pedagógico e estrutural, estendem a promoção sem reprovação até a 8ª série do ensino fundamental ou impõem em severas restrições à possibilidade de reprovação do aluno antes da 8ª série. Muito embora o caso mais divulgado tenha sido a recente regulamentação de mecanismos deste tipo pela Secretaria Estadual de Educação e pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo (Camargo: 1999), há diversas propostas deste tipo recém-implantadas ou em gestação.

As evidências consideradas, acerca da repetência e das políticas de avaliação continuada, nos levam a um cenário complexo. De um lado, as informações disponíveis acerca do efeito da melhoria do ensino nas taxas de promoção indicam que, diante de melhorias, os professores optam, ao menos em um primeiro momento, por modificar seus padrões de aprovação, o que redunda na tendência de manutenção de taxas de repetência elevada mesmo quando há progressos no processo de ensino e aprendizagem. Neste contexto, faz-se necessário que os gestores de redes de ensino acionem mecanismos específicos de minimização da repetência, não bastando confiar em que melhorias na qualidade de ensino reflitam-se automaticamente em mais altas taxas de aprovação. De outro lado, as experiências de avaliação continuada têm gerado conflitos dispersivos no seio da escola, mesmo quando implementadas em contextos favoráveis. Isto indica que a generalização de propostas de avaliação continuada em condições menos favoráveis tende a trazer mais problemas do que soluções.

O tema da resistência de professores a reformas educacionais foi abordado por Castro e Carnoy (1997:35), autores que enfatizam que a reforma educacional “pode ter um impacto positivo na qualidade do ensino, mas o impacto é maior quando os principais atores, inclusive os professores, apóiam a reforma”. No caso das propostas de avaliação continuada, o problema concentra-se, de um lado, na ineficiência das propostas de superação do caráter excludente da escola a partir de medidas gerais voltadas para a melhoria da qualidade da educação e, de outro lado, na resistência por parte dos professores e no desvio de racionalidade gerados pelas propostas que limitam o poder de decisão dos professores quanto à aprovação ou reprovação de seus alunos.

Avaliação: para onde vamos?A cultura da promoção dos alunos e da inclusão social, em contraste com a cultura da repetência e da

exclusão social, tem marcado muitos dos esforços de política educacional Como conseqüência, o percentual da população que tem conseguido atingir o fim da escola fundamental e média tem aumentado bastante, embora fique aquém do conseguido por muitas das nações que, como a nossa, só no século XX começaram a dedicar-se sistematicamente a montar sistemas educacionais para todos. O otimismo com a melhoria do percentual das titulações é muitas vezes refreado pela desconfiança de que o aumento das titulações tenha sido obtido ao preço da deterioração do nível de ensino. Ainda que aceitemos provisoriamente que o nível correspondente a determinado grau de ensino possa ter caído, permanece em aberto qual é o balanço geral da situação brasileira face à eventual queda do nível correspondente a determinados graus de ensino e ao aumento dos níveis de escolaridade da população. Encerramos apontando alguns impasses cuja resolução parece-nos associada às possibilidades de que os ciclos, a avaliação continuada e a avaliação de sistemas educacionais possam ter uma contribuição efetiva no fortalecimento da educação pública brasileira.

Muito embora a origem do tema da avaliação continuada remonte a meados do século XX, as atuais propostas envolvendo avaliação continuada e ciclos guardam relação direta com as propostas desenvolvidas durante a década de 80, no contexto da redemocratização do país.

A despeito de tensões recorrentes, quando acionada no âmbito de políticas públicas consistentes e abrangentes, a avaliação continuada tem sido um importante mecanismo de superação da exclusão social, até porque as políticas que focalizam a melhoria das condições de ensino e aprendizagem sem especificar medidas relativas à avaliação não têm sido bem-sucedidas quanto à melhoria das taxas de aprovação. Recentemente, vários estados e municípios tomaram ou estão tomando iniciativas voltadas para a adoção de ciclos longos e avaliação continuada no ensino fundamental e mesmo no ensino médio. Neste capítulo, já apresentamos uma série de razões para valorizarmos essas iniciativas, desde que situadas dentro de um conjunto de medidas mais

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amplas. No entanto, é necessário apontar para um problema ainda em aberto, que merece atenção especial dos pesquisadores e dos gestores de sistemas de ensino. Desde 1983, temos acumulado experiências ininterruptas com ciclos e avaliação continuada. Neste período, quase a totalidade de iniciativas esteve concen-trada no primeiro segmento do então ensino de 1º grau, freqüentemente nos dois anos iniciais da escolarização. Apenas eventualmente estendeu-se a avaliação continuada até o equivalente à 8ª série. Nesses casos, houve resistência redobrada por parte de professores, o que parece estar associado ao perfil e cultura profissional diferenciados dos professores que atuam no segundo segmento. Por isso, os gestores educacionais envolvidos com a adoção de ciclos e avaliação continuada ao longo de todo o ensino fundamental precisarão considerar não só que se trata de uma mudança de paradigma na organização do ensino mas que essa mudança envolve tensões que estão associadas à própria identidade profissional dos professores, em especial a dos professores do segundo segmento do ensino fundamental e do ensino médio. O eventual desprezo deste aspecto tende a comprometer as chances de que ciclos e avaliação continuada possam contribuir para as políticas de inclusão social.

Quanto à avaliação de sistemas educacionais, a atual LDB é a primeira legislação que especifica a atribuição da União em promover a avaliação dos sistemas educacionais. Esse aspecto da legislação foi influenciado por contexto favorável à avaliação das atividades públicas e pela própria preexis tência de um sistema nacional de avaliação da educação básica e de alguns sistemas estaduais de avaliação das redes de ensino. A partir de 1994, na gestão do Ministro Paulo Renato Souza, a avaliação dos sistemas educacionais ganhou prioridade dentro das políticas públicas do Ministério da Educação, o que viabilizou condições para o aprimoramento e fortalecimento deste tipo de avaliação. Muito embora o sistema brasileiro de avaliação da educação evite o paradigma em que a avaliação funciona como indutora das reformas, a avaliação brasileira não limita-se a produzir elementos para a formulação de políticas educacionais, funcionando também como elemento de justificação de políticas pré-formuladas. Transformação positiva deste quadro implica em dar à avaliação dos sistemas educacionais o status de prioridade de Estado, em contraste com a atual situação de prioridade de governo. O estudo das implicações associadas à mencionada mudança de prioridades está além das possibilidades do presente trabalho mas vale a pena ressaltar que seria necessário considerar aspectos tais como o papel do Conselho Nacional de Educação no que se refere à avaliação de sistemas educacionais, a relação da União com as demais esferas do poder público e as condições necessárias para que o INEP, enquanto órgão responsável pela avaliação, possua uma cultura de órgão de Estado.

11. CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, violência e cotidiano escolar. In: Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 137-166.

O fenômeno da violência na sociedade atual, especialmente nas grandes cidades, vem adquirindo cada vez maior visibilidade social, particularmente a partir dos anos 80, e sendo objeto de preocupação tanto por parte do poder público e dos cientistas sociais, como da sociedade brasileira em geral.

É neste contexto que as questões relativas às relações entre escola e violência vêm emergindo com especial dramaticidade entre nós. Algumas manchetes recentes de jornais do país evidenciam esta realidade:

“Aluno acusa professor de agressão na escola.”“Escola depredada atrai o tráfico.”“Uma forma de exibicionismo: a explosão de bombas nas escolas.”“Unidos na bagunça: alunos indisciplinados e mal educados atormentam os professores das escolas

de classe média.”Este trabalho parte de três afirmações fundamentais:- primeira: não se pode dissociar a questão da violência na escola da problemática da violência presente

na sociedade em geral; miséria, exclusão, corrupção, desemprego, concentração de renda e poder, autoritarismo, desigualdade, entre outras chagas de nossa sociedade, estão articulados à questão da violência através de uma teia ampla de relações; violência social e violência escolar estão relacionadas mas esta relação não pode ser vista de modo mecanicista e simplista;

- segunda: sendo assim, a problemática da violência só pode ser compreendida partindo-se de sua complexidade e multicausalidade, não podendo ser reduzida às questões relativas à desigualdade e exclusão social, criminalidade, crise do Estado e das políticas públicas, especialmente na área social, falta de ética, etc.; o fenômeno da violência apresenta não só uma dimensão estrutural, mas também uma dimensão cultural, ambas intimamente articuladas, exigindo-se mutuamente;

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- terceira: as relações entre violência e escola não podem ser concebidas exclusivamente como um processo de “fora para dentro”; a violência presente na sociedade penetra no âmbito escolar afetando-o, mas também como um processo gerador no próprio interior da dinâmica escolar: a escola também produz violência.

O que se entende por violência?Pergunta aparentemente simples, encerra grande complexidade e dificuldade. Não é fácil definir ou

conceituar o que se entende por violência.Neste trabalho nos basearemos numa perspectiva ampla, teremos como referências fundamentais

Jurandir Freire Costa (1991) e Marilena Chauí (1999).Para Jurandir Freire Costa :Violência é o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Agressões físicas, brigas,

conflitos podem ser expressões de agressividade humana, mas não necessariamente expressões de violência. Na violência a ação é traduzida como violenta pela vítima, pelo agente ou pelo observador. A violência ocorre quando há desejo de destruição.

Quanto à professora de filosofia da Universidade de São Paulo, em recente artigo, publicado na Folha de S. Paulo de 14 de março deste ano sobre o tema da violência, contrapõe ética e violência e assim caracteriza a violência:

1) tudo o que age usando força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo o ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito. Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror (Caderno Mais, p.3).

A violência não pode ser reduzida ao plano físico, mas abarca psíquico e moral. Talvez se possa afirmar que o que especifica a violência é o desrespeito, a coisificação, a negação do outro, a violação dos direitos humanos. É nesta perspectiva que queremos nos aproximar da trama que enreda cotidiano escolar e violência.

Escola e violência: o que pensam professores e jovens.Um estudo realizado em 1997 e 1998, evidenciou que a problemática das diferentes manifestações da

violência no cotidiano escolar é extremamente complexa e multidimensional. Destacaremos alguns aspectos que nos parecem especialmente significativos na perspectiva de construir caminhos, de trabalhar na prática pedagógica as diversas questões que a violência coloca, conscientes dos limites da ação escolar, assim como das redes visíveis e invisíveis que vinculam a sociedade e as diferentes formas de violência nela presentes ao dia-a-dia das escolas.

Para os professores/ (as), a violência está aumentando nas escolas não somente do ponto de vista quantitativo como também qualitativo. Hoje, ela apresenta grande diversificação e, em muitos casos, cresce em intensidade. Em segundo lugar, para a grande maioria destes atores, trata-se de uma realidade que nas suas manifestações intra-escolares se apresenta como reflexo da violência social.

Neste sentido, é um fenômeno fundamentalmente derivado, cuja dinâmica se origina na sociedade e se reflete na escola, seu dinamismo é de “fora” para “dentro”. Os/as professores(as), em geral, tem dificuldade de identificar formas de violência geradas pela própria escola, não vêem a cultura escolar como fonte de violência.

Os tipos de violência assinalados como estando mais presentes no dia-a-dia da escola são as ameaças e agressões verbais entre os alunos e alunas, e entre estes e os adultos. No entanto, apesar de menos freqüentes, também se dão as agressões físicas, algumas com graves conseqüências.

Um fenômeno novo e de especial dramaticidade é o assedio das escolas pelo narcotráfico. Trata-se de uma realidade cada vez mais presente, particularmente nas escolas públicas situadas em zonas periféricas das grandes cidades, consideradas de risco do ponto de vista social. Trata-se de um tema extremamente difícil que coloca, muitas vezes, a direção das escolas e o corpo docente em situações-limite, em que o medo, o sentido de impotência e o desânimo imperam.

Através das observações sistemáticas de campo, ocorridas num período de 12 meses, analisou o enraizamento do narcotráfico nas populações onde atua, permitindo-lhe um alto nível de controle sobre elas. Os mecanismos de dominação dos narcotraficantes disseminam, nos locais sob seu controle, uma prática que vai atingir, principalmente, os jovens e seus movimentos.

Assim, segundo a autora:A idéia central a ser problematizada é a de que ações como a dos grupos em questão operam uma

ruptura na lógica da instituição escolar, violando um de seus princípios fundamentais, que faz da relativa descontinuidade entre a escola como instituição social e o meio imediato em que se insere uma das condições

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básicas de sua eficácia. Sejam quais forem as funções que se pretenda obter da escola, impõe-se a necessidade de sua relativa autonomia (p.206).

A autora concluiu perguntando se o Estado e a sociedade terão capacidade de dar condições de cidadania a esta juventude, questão em que a escola tem papel fundamental:

A questão fundamental, então, é se Estado e sociedade serão capazes do esforço necessário para alçar esses jovens às condições de cidadania compatíveis com as exigências atuais, considerando toda a complexidade de que se reveste esse processo em sociedades em que coexistem diferentes lógicas sociais (...), fazendo da escola uma das instâncias fundamentais para a instauração desse processo ou, ao contrário, se multiplicar-se-ão as práticas sociais voltadas para a consolidação de uma juventude cada vez mais segregada, socializada de forma sistemática ou intermitente por acontecimentos e grupos sociais particulares, como as quadrilhas, as seitas religiosas, os bailes, os DJs, cuja ação – através de gincanas e, mais recentemente, de programas televisivos – busca instituir formas de contenção e redirecionamento das práticas de grupos que fazem do exercício da violência um estilo de vida.

Outro aspecto, intimamente relacionado com os anteriormente mencionados, que permeia todos os depoimentos, é a afirmação do desenvolvimento de uma cultura da violência, que se alastra e favorece todo um processo de banalização e naturalização de diferentes formas de violência. Este fenômeno, segundo Peralva (1997), se constrói em torno de duas lógicas complementares:

De um lado, a encenação ritual e lúdica de uma violência verbal e física; de outro, engajamento pessoal em relações de força, vazias de qualquer conteúdo preciso, exceto o de fundar uma percepção do mundo justamente em termos de relação de força. Nos dois casos, o que está em jogo é a construção e a auto-reprodução de uma cultura da violência.

Para a autora, esta construção só é possível porque ocorre à margem do mundo dos adultos e traduz a debilidade do controle exercido pelos adultos sobre o universo juvenil, sua capacidade (...) de fundar, no interior do colégio, um modelo de ordem.

Este fenômeno também pode ser visto como fruto da crise do processo civilizatório pela qual passamos, é estimulado pela mídia, especialmente por vários programas de televisão aos quais as crianças e adolescentes são particularmente adeptos, e está muito presente nas grandes cidades. Tal realidade provoca situações que as pessoas, incluídas as crianças e os jovens, terminem por ter, como afirma uma professora, a violência escondida na pele, o que faz com que situações, algumas vezes as mais comuns, mobilizem comportamentos de grande agressividade e distintas reações violentas. Quanto mais a luta pela sobrevivência se acentua, mais esta cultura da violência se desenvolve. No caso brasileiro, é possível afirmar que uma cultura marcada pela violência acompanha toda sua história, multiplicando-se, ao longo do tempo, as formas de autoritarismo, exclusão, discriminação e repressão. Não se trata, portanto, de uma realidade nova.

Outra questão muito presente na configuração da problemática das manifestações da violência no universo escolar é a violência familiar.

Cárdia (1997) assinala, com muita propriedade, a relação entre a violência urbana, a violência familiar e a vida escolar do(as) alunos(as). Mais uma vez, as condições de vida – moradia, saúde, trabalho, etc. – são uma forte condicionante de tal problemática, aliada ao estresse da vida nas grandes cidades e aos conflitos da dinâmica familiar.

Quanto ao tema das depredações, pichações, da manutenção do ambiente físico das escolas, da “ecologia escolar”, constitui outra dimensão que pode ser encarada como manifestação de violência. Muitas vezes tais ocorrências, associadas às agressões e ao assédio de gangues e galeras às escolas, provocam medo, sentimento de impotência e angústia nos (as) educadores(as).

Na enumeração das diversas formas de violência vivenciadas, as questões sociais tiveram grande destaque. Durante a dinâmica, foram inúmeras vezes mencionadas as más condições de vida das populações pobres, a falta de um bom policiamento e segurança, o desemprego, etc. Outro ponto muito discutido foi o porte de armas, tanto de policias e soldados que abusam do poder da patente e da força de ter uma arma de fogo na mão, quanto da população civil que anda cada vez mais armada.

Quem está com medo está fraco.A situação política foi mencionada com a falta de iniciativa do governo, a corrupção, etc.Eles/elas, geralmente, sugeriram “saídas” onde a iniciativa pública e a iniciativa privada deveriam agir

conjuntamente.As dificuldades dos relacionamentos interpessoais também foi outro importante ponto mencionado. As

brigas em bailes funk que se relacionam com o tráfico e com os grupos rivais, bem como as brigas promovidas por lutadores em boates e bares cariocas foram percebidos como um grande problema que geralmente envolve jovens.

Outra questão mencionada com força foi o abuso de poder dos “mais fortes”, sejam estes/as os/as mais velhos/as, os/as familiares, as autoridades da escola.

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Também foram lembrados: a banalização da violência pelos veículos de comunicação, principalmente a TV, a discriminação sexual, a violência contra a mulher e contra a criança na família ou na sociedade e a agressão aos semelhantes com palavras e atitudes, por motivos banais do cotidiano.

Os/as jovens demonstram acreditar que, embora a violência seja um sério problema em nossa sociedade, é possível solucioná-lo. Apresentaram inúmeras e variadas iniciativas neste sentido e afirmaram que um investimento maior por parte do governo, das ONGs e da iniciativa privada no campo da educação permitiria uma maior conscientização das pessoas a respeito da vida em sociedade, produzindo um futuro menos violento.

Os/as jovens narraram fatos, envolvendo a violência, que viveram ou presenciaram no seu cotidiano, como também aqueles referidos à violência social, como a desigualdade social, a omissão do governo, a violação dos direitos humanos, a banalização da violência, levantando um debate sobre a responsabilidade social de cada indivíduo na sociedade.

Na medida em que esses pequenos atos passam a ser considerados normais devido à sua freqüência, acaba-se banalizando a violência, o que contribui para formar hábitos e atitudes que cada vez mais são influenciados pela agressão e pelo desrespeito ao outro. A maior violência é o conformismo com a banalidade, afirmaram.

Apresentaram diferentes propostas para eliminar ou minimizar a violência,chamando a atenção para falas conhecidas sobre a violência, aquilo que se escuta no dia-a-dia, como: estupra mas não mata; bandido bom é bandido morto; é coisa de maluco, mas a polícia vai ter que prender a própria polícia; quando punimos alguém estamos saciando nosso desejo de punir.

Apontaram a importância educacional e social de um investimento para que as pessoas se tornem mais conscientes, cumprindo seus deveres de cidadãos, e aprendam a pensar e medir seus atos, evitando futuros marginais e marginalizados.

Violência e cotidiano escolar: questão de segurança ou de proposta político-pedagógica?Como tentamos neste trabalho evidenciar, a problemática da violência escolar é complexa,

multidimensional e multicausal, provocando nos educadores e na sociedade em geral um clima de insegurança, angústia, perplexidade e medo. Diante desta situação, é possível distinguir duas lógicas para promover a busca de soluções.

A Primeira, sem dúvida a mais freqüente, é enfrentá-la privilegiando-se ou colocando ênfase nas medidas de caráter policial, repressivo e punitivo. A “segurança” passa a ser o foco das soluções propostas.

É importante se ressaltar que a questão da segurança já então se apresentava como indissociável de uma proposta político-social mais ampla. Segundo a opção neste nível, admitia diferentes tratamentos.

Passando a questão da violência na escola, e pelas idéias de Spósito, que analisa principalmente no nível estadual, o problema da violência no Estado de São Paulo passa a ser tratada cada vez mais apenas como problema da área de segurança pública e cada vez menos apresentou desafios de natureza educativa. Iniciativas típicas desta perspectiva são as rondas escolares, a instalação de alarmes ligados a distritos policiais, etc. A violência escolar passa a ser vista, inclusive pelos educadores, como, principalmente, responsabilidade da polícia militar.

Infelizmente, é esta tendência a privilegiar o enfoque centrado na segurança no tratamento do tema que vem tomando corpo e se afirmando entre nós em muitas administrações estaduais e municipais.

Quanto à perspectiva político-pedagógica, os/as professores (as) indicaram vários caminhos para enfrentar com determinação os desafios de superar a violência escolar: o “resgate do aluno” como sujeito do processo educativo, as práticas participativas e de diálogo nas diferentes instâncias escolares – da sala de aula aos conselhos de escola -, os espaços sistemáticos de reflexão coletiva dos(as) professores(as) sobre a prática educativa e seus problemas concretos, a intensificação de atividades extraclasse, como esporte, teatro, excursões, grupos de música, etc., o estímulo à participação dos alunos e alunas em diferentes órgãos e atividades da escola, a integração da escola na dinâmica comunitária, etc. É no contexto pedagógico que devem ser situadas, sempre com uma consciência lúdica dos próprios limites da ação educativa.

Consideramos ser necessário promover, em todos os âmbitos da vida, individual, familiar grupal e social, uma cultura de direitos humanos.

Nesse sentido, as organizações e movimentos, além de denunciar as violações dos direitos humanos e promover ações visando sua proteção e defesa, expandiram o horizonte de suas inquietações e o espaço social de sua atuação. Desde então, adquirem especial relevância as atividades de promoção e educação em direitos humanos.

A educação em direitos humanos é na América Latina uma prática jovem. Espaço de encontro entre educadores populares e militante de direitos humanos, começa a se desenvolver coincidentemente com o fim

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de um dos piores momentos da repressão política na América Latina e conquista certo nível de sistematização na segunda metade da década e dos 80.

Trata-se de procurar reforçar processos de democratização e humanização para que penetrem e transformem os diferentes âmbitos sociais em que se desenvolvem as sociedades latino-americanas.

Toda proposta de educação em direitos humanos tem que estar informada por uma tomada de posição que explicite o marco filosófico e ideológico do qual se parte.

A síntese abaixo revela posturas fundamentais para a autora:Os direitos humanos aparecem, para nós, como uma utopia a promover e plasmar em diferentes níveis

e espaços da sociedade. Como tais, se apresentam como um marco ético-político que serve de crítica e orientação (real e simbólica) das distintas práticas sociais (jurídicas, econômicas, educativas, etc.) na luta permanente por uma ordem social mais justa e livre.

Nesse sentido, os vemos paradigmáticos, isto é, como modelo e/ou critério exemplar a partir do qual podemos ler nossa história e nosso porvir como povos (In: Magendzo: 1994, p.164).

Segundo Sime (1991), devem ser considerados:Deve ser uma pedagogia de indignação e que diga não à resignação. Não queremos formar seres

insensíveis, e sim capazes de indignar-se, de escandalizar-se diante de todas as formas de violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser um espaço onde expressamos e compartilhamos a indignação através dos sentimentos de rebeldia contra o que está acontecendo.

O segundo aspecto que assinala Sime é a pedagogia de admiração diante de toda expressão de afirmação da vida.

A educação em direitos humanos favorece a capacidade de perceber essas buscas concretas e cria espaços onde se socializam tais experiências, além de construí-las e implementá-las.

Esta pedagogia da admiração é um convite a criar espaços para partilhar a alegria de viver. Alegramo-nos porque vamos descobrindo que existem pequenos germes de um cotidiano novo, porque nos admiramos ao ver como mudamos e ao ver como os demais mudaram ou querem mudar. A admiração contribua para a vitória da vida.

Segundo Sime, o terceiro aspecto inerente a uma proposta educativa, cujo eixo central está na vida cotidiana, trata de afirmar uma pedagogia que promova convicções firmes e se expresse na forma de trabalhar a dimensão ética da educação.

A convicção do valor supremo da vida é a coluna vertebral do nosso projeto de sociedade, de homem e de mulher novos. Nossa opção pela vida é o que unifica nossa personalidade individual e nossa identidade coletiva. Mas também existem outros valores que propomos como convicções, que dão consistência ética à mística pela vida: solidariedade, justiça, esperança, liberdade, capacidade crítica.

A educação em direitos humanos está referida radicalmente a esta vontade de afirmação da vida.Os educadores são profissionais de cunho cultural e sócio-político.Devemos defender o direito à vida, a uma vida digna e a ter razões para viver deve ser defendido e

promovido para todas as pessoas, assim como para os diferentes grupos sociais e culturais. Essas dimensões as concebemos de maneira integrada e tem de ser trabalhadas de forma conjunta. Elas são: ver,saber, celebrar, comprometer-se, sistematizar e socializar.

A educação em direitos humanos trabalha permanentemente o ver, a sensibilização e a conscientização sobre a realidade. Articular o local, o contexto latino-americano e a realidade mundial é outra de suas exigências fundamentais.

Junto com o ver, profundamente vinculado a este, está o saber socialmente construído sobre os direitos humanos, além do saber que emerge da prática cotidiana e os saberes sociais de referência.

A educação em direitos humanos deve ser uma prática que proporcione prazer, alegria e emoção, devendo carregar a dimensão afetiva como componente imprescindível.

Estas conquistas se dão a partir da ação do envolvimento, da participação em ações, grupos, campanhas, movimentos e iniciativas concretas, enquanto construção de práticas coletivas e a participação em organizações e movimentos da sociedade civil. Estas práticas devem estar sistematizadas no processo educativo.

Escola e sociedade civil, órgãos governamentais e organizações não-governamentais devem somar esforços nesta perspectiva. Lutar contra as causas estruturais da violência e afirmar a vigência dos direitos humanos – civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais, etc, no nível das práticas sociais e culturais, constitui um elemento fundamental para criar condições de desenvolvimento dos processos de humanização e democratização da nossa sociedade.

Depoimento de uma professora:É tudo muito difícil e não sabemos por onde caminhar. Só sei que me recuso a ser derrotada. Já até saí de sala dizendo que não voltava mais. Mas eu retorno a cada dia e tento fazer sempre novos recomeços. A violência,

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seja aqui em sala de aula, seja lá onde for, não vai me derrotar. Espero que não derrote também os alunos. Aí, a derrota seria geral.

12. ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em escola reflexiva. (Capítulos 1, 2 e 4). Sã Paulo: Cortez, 2003 .

Introdução

A sociedade da informação, como sociedade aberta e global, exige competências de acesso, avaliação e gestão da informação oferecida.

As escolas são lugares onde as novas competências devem ser adquiridas ou reconhecidas e desenvolvidas. Sendo a literacia informática uma das novas competências, de imediato se coloca uma questão: a das diferenças ao acesso à informação e da necessidade de providenciar igualdade de oportunidades sob pena de desenvolvermos mais um fator de exclusão social: a info-exclusão.

Resolvido o problema do acesso, permanece o desenvolvimento da capacidade de discernir entre a informação válida e inválida, correta ou incorreta, pertinente ou supérflua. Acrescente-se-lhe a competência para organizar o pensamento e a ação em função da informação, recebida ou procurada, e teremos, em princípio, uma pessoa preparada para viver na sociedade da informação.

Nesta era da informação e da comunicação, que se quer também a era do conhecimento, a escola não detém o monopólio do saber. O professor não é o único transmissor do saber e tem de aceitar situar-se nas suas novas circunstâncias que, por sinal, são bem mais exigentes. O aluno também já não é mais o receptáculo a deixar-se rechear de conteúdos. O seu papel impõe-lhe exigências acrescidas. Ele tem de aprender a gerir e a relacionar informações para as transformar no seu conhecimento e no seu saber. Também a escola tem de ser uma outra escola. A escola, como organização, tem de ser um sistema aberto, pensante e flexível. Sistema aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere.

Esta era começou por se chamar a sociedade da informação, mas rapidamente se passou a chamar sociedade da informação e do conhecimento a que, mais recentemente, se acrescentou a designação de sociedade da aprendizagem. Reconheceu-se que não há conhecimento sem aprendizagem. E que a informação, sendo uma condição necessária para o conhecimento, não é condição suficiente. A informação, se não for organizada, não se constitui em conhecimento, não é saber, e não se traduz em poder.

As novas competências exigidas pela sociedade da informação e da comunicação, do conhecimento e da aprendizagem

Podemos considerar que o mundo atravessa uma situação de mudança com paralelismo em outras situações históricas em que, pelo seu efeito transformador, sobressai a revolução industrial. Porém, o valor não está hoje na capacidade de seguir instruções dadas por outros para fazer funcionar as máquinas, mas sim na capacidade de transformar em conhecimento a informação a que, graças às máquinas, temos um rápido acesso. As novas máquinas são hoje apenas uma extensão do cérebro. O pensamento e a compreensão são os grandes fatores de desenvolvimento pessoal, social, institucional, nacional, internacional.

A noção de competência inclui não só conhecimentos (fatos, métodos, conceitos e princípios), mas capacidades (saber o que fazer e como), experiência (capacidade de aprender com o sucesso e com os erros), contatos (capacidades sociais, redes de contatos, influência), valores (vontade de agir, acredi tar, empenhar-se, aceitar responsabilidades e poder (físico e energia mental).

Conceptualizações deste tipo apontam para uma formação holística e integrada da pessoa que não se queda na informação, nem sequer no conhecimento, mas vai para além deles para atingir a sabedoria, característica que era tão querida aos nossos antepassados gregos.

Temos de reconhecer que o exercício livre e responsável da cidadania exige das pessoas a capacidade de pensar e a sabedoria para decidir com base numa informação e em conhecimentos sólidos. O cidadão é hoje cada vez mais considerado como pessoa responsável. O seu direito a ter um papel ativo na sociedade é cada vez mais desejado. Trata-se de uma grande conquista social, nas situações em que esse direito já foi conquistado, o que, infelizmente, não acontece de uma forma universal. Esta dimensão sócio-política tem de ser tida em conta. Nem políticos nem educadores podem ignorá-la, sob pena de se estarem a construir castelos na areia. O empowerment pessoal, ou seja, a construção do poder pelo cidadão, não se resume meramente à obtenção de mais poder e mais direitos, mas traduz-se na capacidade real para exercer esse poder na construção de uma cidadania participativa.

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Um dos fatores para que exista este empowerment no mundo em que vivemos tem a ver com a facilidade em aceder à informação. Esta deve ser fidedigna, relevante e fácil de encontrar. A ser assim, cada cidadão deve estar preparado para encontrar a informação necessária, para decidir sobre a sua relevância e para avaliar da sua fide-dignidade. Sem o saber que lhe permite aceder à informação e ter um pensamento independente e crítico, ele pode ser manipulado e info-excluído.

Um dos autores que mais tem trabalhado a questão das competências e que é bem conhecido (eu diria até bem amado e bem des-amado) no Brasil é Philipe Perrenoud. Por essa razão fui rever o seu conceito de competência. E o que encontrei nos seus escritos? A noção de que a competência é a capacidade de utilizar os saberes para agir em situação, constituindo-se assim como uma mais-valia relativamente aos saberes. Ter competência é saber mobilizar os saberes. A competência não existe, portanto, sem os conhecimentos. Como Conseqüência lógica não se pode afirmar que as competências estão contra os conhecimentos, mas sim com os conhecimentos. Elas reorganizam-nos e explicitam a sua dinâmica e valor funcional.

A abordagem por competências não pretende mais do que permitir a cada um aprender a utilizar os seus saberes para atuar. Esta noção de competência não restringe as competências a ações práticas de natureza simples e linear como muitos também pensam. Resolver um problema complexo que se tornou objeto de investigação, por exemplo, não é de todo uma ação simples, embora tenha uma natureza prática e requeira a mobilização de múltiplos conhecimentos.

As empresas reconhecem hoje a realidade das competências. Mas mesmo no mundo dos negócios não se trata de competências simples, lineares, acabadas e imutáveis, mas de competências dinâmicas em que a compreensão do mundo e a sabedoria da vivência social são fundamentais. Os bons empresários de hoje não querem pessoas adaptadas, mas pessoas capazes de se adaptarem. Pessoas capazes. Pessoas.

O problema que se põe tem a ver com a formação de base que deve proporcionar-se às pessoas (a todas as pessoas) para que sejam capazes de se adaptar à realidade por vontade e convicção próprias quando e nas circunstâncias em que assim o entenderem, mas sem se deixarem manipular e fazendo ouvir a sua voz crítica sempre que necessário. Quem será capaz de o fazer sem a grande competência que lhe vem do pensamento e sem o grande poder que lhe advém da informação?

Parece-me importante, neste contexto, discutir também a relação entre o indivíduo e a sociedade no que respeita

ainda à formação por competências. Trata-se de uma relação bilateral. A sociedade não existe sem as pessoas que a constituem e a vão enformando. Mas, por sua vez, esta influencia a formação e a atuação das pessoas. A escola é um setor da sociedade; é por ela influenciada e, por sua vez, influencia-a. Perante o mundo como ele é, quer a escola isolar-se e construir-se contra a sociedade? Ou quer ser sociedade e na macro-estrutura social ter uma voz crítica contextualizada e situada?

Para que os cidadãos possam assumir este papel de atores críticos, situados, têm de desenvolver a grande competência da compreensão que assenta na capacidade de escutar, de observar e de pensar, mas também na capacidade de utilizar as várias linguagens que permitem ao ser humano estabelecer com os outros e com o mundo mecanismos de interação e de intercompreensão. Hoje temos mais uma linguagem: a linguagem informática.

Compreender o mundo, compreender os outros, compreender-se a si e compreender as interações que entre estes vários componentes se estabelecem e sobre tudo isto ser capaz de “linguajar” é o alicerce da vivência da cidadania. é através da compreensão que nos preparamos para a mudança, para o incerto, para o difícil, para a vivência noutras circunstâncias e noutros países. Mas também para a permanente interação, contextualização e colaboração.

Neste processo de mudança e interatividade, a capacidade de continuar a aprender autonomamente é fundamental. Por isso as noções de pessoa, diálogo, aprendizagem e conhecimento, ativo e ativável, encontram-se na base dos atuais paradigmas de formação e de investigação. Como igualmente se encontram nos paradigmas de desempenho profissional e se estendem, por analogia, aos de desempenho das organizações.

São hoje muitas as competências desejadas, que assentam num conjunto de capacidades. Valoriza-se a curiosidade intelectual, a capacidade de utilizar e recriar o conhecimento, de questionar e indagar, de ter um pensamento próprio, de desenvolver mecanismos de auto-aprendizagem. Mas também a capacidade de gerir a sua vida individual e em grupo, de se adaptar sem deixar de ter a sua própria identidade, de se sentir responsável pelo seu desenvolvimento constante, de lidar com situações que fujam à rotina, de decidir e assumir responsabilidades, de resolver problemas, de trabalhar em colaboração, de aceitar os outros. Deseja-se ainda dos cidadãos que tenham horizontes temporais e geográficos alargados não se limitando a ver o seu pequeno mundo, que tenham dos acontecimentos uma compreensão sistêmica, que sejam capazes de comunicar e interagir, e que desenvolvam a capacidade de auto-conhecimento e auto-estima.

A competência para lidar com a informação na sociedade da aprendizagem

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É preciso saber o que procurar e onde procurar. Uma vez conectado, é preciso distinguir entre o que é relevante e irrelevante, sério e fraudulento para reter o importante e deitar ao lixo o que não presta ou não se adapta. A informação, pela sua grande quantidade e pela multiplicidade de utilizações que potencialmente encerra, tem de ser reorganizada por quem a procura, a quem compete agora pôr em ação a sua mente interpretativa, seletiva, sistematizadora, criadora.

O desenvolvimento destas múltiplas fontes de informação exige re-estruturações na relação do professor e do aluno com o saber disponível e com o uso que se faz desse saber. Se hoje em dia a ênfase é colocada no saber e na sua utilização em situação, é fundamental que os alunos abandonem os papéis de meros receptores e os professores sejam muito mais do que simples transmissores de um saber acumulado. Mantendo-se embora o triângulo da atuação didática (professor, aluno, saber), o vértice do saber é como um botão que se abre numa variedade de fontes de informação. O professor continua a ter o papel de mediador, mas é uma mediação orquestrada e não linear.

Os alunos na sociedade da aprendizagem

Numa “sociedade que aprende e se desenvolve”, como a caracterizou Tavares (1996), ser aluno é ser aprendente. Em constante interação com as oportunidades que o mundo lhe oferece. Mais do que isso: é aprender a ser aprendente ao longo da vida. O aluno tem de se assumir como um ser (mente num corpo com alma) que observa o mundo e se observa a si, se questiona e procura atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interações. Tem de se convencer de que tem de ir à procura do saber. Busca ajuda nos livros, nas discussões, nas conversas, no pensamento, no professor. Confia no professor a quem a sociedade entrega a missão de o orientar nessa caminhada. Mas é ele que tem de descobrir o prazer de ser uma mente ativa e não meramente receptiva.

Subjaz a este modelo uma abordagem pedagógica de caráter construtivista, sócio-cultural. A aprendizagem é um modo de gradualmente se ir compreendendo melhor o mundo em que vivemos e de sabermos melhor utilizar os nossos recursos para nele agirmos. Uma boa parte das competências hoje exigidas são dificilmente ensináveis. E contudo elas têm de ser desenvolvidas.

Neste contexto, importa perguntar qual o lugar da aprendizagem dentro e fora da sala de aula e, mais à frente, reconceptualizar o papel do professor.

A sala de aula deixou de ser um espaço onde se transmitem conhecimentos, passando a ser um espaço onde se procura e onde se produz conhecimento. Uma conceptualização da escolarização neste sentido implica a utilização de estratégias de organização das aprendizagens que assentem no próprio aluno e promovam a sua capacidade de auto e hetero-aprendizagem. E que, por isso mesmo, lhe conferem poder, o responsabilizam e autonomizam e, deste modo, contribuem para a tão desejada democratização.

Numa afirmação de síntese, direi que as atividades didáticas a realizar pelos alunos implicam:a) uma tomada de consciência do que sabiam ou precisavam de saber para realizar a atividade;b) pesquisa pessoal;c) um trabalho colaborativo entre eles; d) uma sistematização orientada;e) uma reflexão individual e partilhada sobre a tarefa realizada e os processos de realização e

aprendizagem que lhe eram inerentes;f) O apoio do professor como uma das fontes de saber e de regulação da aprendizagem.

Como resultado das intervenções salientou-se a mudança de atitudes dos alunos face à aprendizagem, o seu afastamento de uma pedagogia da dependência para uma pedagogia da autonomia. Passaram a depender menos do professor, a serem mais auto-determinados, a terem maior consciência crítica, a serem mais responsivos perante os contextos, a valorizarem mais as suas capacidades, a terem o sentido de prazer que deriva da consciência do seu próprio progresso. Como aspecto difícil de ultrapassar, os professores-pesquisadores salientam a dificuldade inicial de envolver os alunos na reflexão, habituados como estão a reproduzirem o que o professor lhes transmite “pronto-a-vestir”.

Os professores na sociedade da aprendizagemColocando-se a ênfase no sujeito que aprende, pergunta-se então qual o papel dos professores. Criar,

estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e estimular a aprendizagem e a auto-confiança nas capacidades individuais para aprender são competências que o professor de hoje tem de desenvolver.

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O conhecimento está lá, na escola, lugar privilegiado para as iniciações, as sistematizações, o estabelecimento de relações estruturantes, as discussões críticas e as avaliações informadas. Os professores são estruturadores e animadores das aprendizagens e não apenas estruturadores do ensino.

Eu diria que, primeiro que tudo, os professores têm que repensar o seu papel. Se é certo que continuam a ser fontes de informação, têm de se consciencializar que são apenas uma fonte de informação, entre muitas outras. Deve, no entanto, salientar-se que o seu valor informativo tem níveis diferentes conforme o acesso que os seus alunos puderem ter a outras fontes de informação. É fundamental que os professores percebam esta diversidade. Haverá alunos que não vão precisar muito da informação substantiva dos professores, embora precisem da informação processual no sentido de a digerirem e criticarem.

Porém, outros alunos necessitarão que o professor os informe sobre a substância e sobre o processo.Para não se sentirem ultrapassados, os professores precisam urgentemente de se recontextualizarem na

sua identidade e responsabilidades profissionais.Na mesma lógica das capacidades e das atitudes que pretende ajudar a desenvolver nos seus alunos, o

professor tem, também ele, de se considerar num constante processo de auto-formação e identificação profissional. Costumo dizer que tem de ser um professor reflexivo numa comunidade profissional reflexiva.

O grande desafio para os professores vai ser ajudar a desenvolver nos alunos, futuros cidadãos, a capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também o espírito crítico. Mas cuidado! o espírito crítico não se desenvolve através de monólogos expositivos. O desenvolvimento do espírito crítico faz-se no diálogo, no confronto de idéias e de práticas, na capacidade de se ouvir o outro, mas também de se ouvir a si próprio e de se auto-criticar. E tudo isto só é possível num ambiente humano de compreensiva aceitação, o que não equivale, não pode equivaler, a permissiva perda de autoridade do professor e da escola. Antes pelo contrário. Ter o sentido de liberdade e reconhecer os limites dessa mesma liberdade evidencia um espírito crítico e uma responsabilidade social.

A noção de professor reflexivoA noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e reflexão que

caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de idéias e práticas que lhe são exteriores. É central, nesta conceptualização, a noção do profissional como uma pessoa que, nas situações profissionais, tantas vezes incertas e imprevistas, atua de forma inteligente e flexível, situada e reativa. Na concepção schniana (Schn, 1983, 1987), uma atuação deste tipo é produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte e evidencia uma sensibilidade quase artística aos índices, manifestos ou implícitos, na situação em presença.

Continuo a acreditar nas potencialidades que nos oferece a proposta de formação do professor reflexivo. No meu país reconheço nela um potencial que tem ajudado os professores a tomarem consciência da sua identidade profissional que, só ela, pode levar à permanente descoberta de formas de desempenho de qualidade superior e ao desenvolvimento da competência profissional na sua dimensão holística, interativa e ecológica. Reconheço, porém, a necessidade de proceder a novas formas de aprofundamento e de, como afirmei na introdução, acentuar o caráter colaborativo no coletivo docente.

A relação entre o professor reflexivo e a escola reflexivaO professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho, que ele, com

os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas. Vou ainda mais longe. A escola tem de se pensar a si própria, na sua missão e no modo como se organiza para a cumprir. Tem, também ela, de ser reflexiva.

Mas o que é a escola? Uma comunidade educativa, um grupo social constituído por alunos, professores e funcionários e fortes ligações à comunidade envolvente através dos pais e dos representantes do poder municipal. A idéia do professor reflexivo, que reflete em situação e constrói conhecimento a partir do pensamento sobre a sua prática, é perfeitamente transponível para a comunidade educativa que é a escola.

Se a capacidade reflexiva é inata no ser humano, ela necessita de contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade. É repetidamente afirmado, nos estudos em que o fator da reflexão é tido em consideração, a dificuldade que os participantes revelam em pôr em ação os mecanismos reflexivos, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos. É preciso vencer inércias, é preciso vontade e persistência. É preciso fazer um esforço grande para passar do nível meramente descritivo ou narrativo para o nível em que se buscam interpretações articuladas e justificadas e sistematizações cognitivas.

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Nestes contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um papel de enorme relevância. Um triplo diálogo, poderei afirmar. Um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o diálogo com a própria situação, situação que nos fala, como Schn nos refere na sua linguagem metafórica.

Este diálogo não pode quedar-se a um nível meramente descritivo, pois seria extremamente pobre. Tem de atingir um nível explicativo e crítico que permita aos profissionais do ensino agir e falar com o poder da razão.

Os formadores de professores têm uma grande responsabilidade na ajuda ao desenvolvimento desta capacidade de pensar autônoma e sistematicamente. E têm vindo a ser desenvolvidas uma série de estratégias de grande valor formativo, com algum destaque para a pesquisa- ação no que concerne à formação de professores em contexto de trabalho.

A escola na sociedade da aprendizagemAs mudanças de que temos vindo a falar não se situam só ao nível dos alunos e dos professores. Elas

estendem-se ao nível da organização que é a escola.De uma maneira geral, direi que as escolas ainda não compreenderam que, também elas, têm de se

repensar. Permanecem na atitude negativa de se sentirem desfasadas, mal compreendidas e mal-amadas, ultrapassadas, talvez inúteis. Quedam-se à espera que alguém as venha transformar. E não perceberam ainda que só elas se podem transformar a si próprias. Por dentro. Com as pessoas que as constituem: professores, alunos, funcionários. Em interação com a comunidade circundante.

As escolas que já perceberam o fenômeno, começaram a funcionar como comunidades auto-críticas, aprendentes, reflexivas. Constituem aquilo a que chamei a escola reflexiva que defini como:

“organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico si -multaneamente avaliativo e formativo" (Alarcão, 2001b:25).

A escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É auto-gerida. Tem o seu projeto próprio, construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se permanentemente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Não esquece o contributo dos pais e de toda a comunidade. Considera-se uma instituição em desenvolvimento e em aprendizagem. Pensa-se e avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria.

Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI. Vem a propósito aqui mencionar a introdução das novas tecnologias. Alguns países compreenderam a importância da escola na educação dos jovens cidadãos e apostam numa educação autonomizante e atual. Numa escola deste tipo a gestão da informação é muito importante.

Termino, recorrendo de novo à convicção de Morin de que é preciso organizar o pensamento para compreender e poder agir. É esta idéia que é preciso introduzir nos paradigmas de formação das pessoas e de funcionamento das instituições. Será esta a minha mensagem. O resto são ferramentas. Úteis, sem dúvida. Mas apenas ferramentas.

Gerir uma escola reflexiva é gerir uma escola com projeto

Só um modelo democrático de gestão se coaduna com o conceito de escola reflexiva. Por modelo democrático de gestão entendo um modelo organizacional em que todos e cada um se sente pessoa. E ser pessoa é ter papel, ter voz e ser responsável. Um modelo em que cada um se considera efetivamente presente ou representado nos órgãos de decisão. E em que há capacidade real de negociação e de diálogo capaz de ultrapassar as dicotomias entre o eu e o nós, entre os administrativos e os professores, entre os professores e os alunos, entre os pais e os professores, entre os diferentes órgãos dentro da escola, entre a decisão casuística e a decisão determinada por princípios gerais, e entre aquilo a que Barroso (1992) chama a dicotomia entre a lógica do desejo e a lógica de ação.

Todos nós que habitamos a escola sabemos que fazemos parte de um sistema social onde coexistem diferentes atores, diferentes filosofias, diferentes percepções e objetivos e muitos jogos de poder conflituosos. A gestão de uma escola reside na capacidade de mobilizar cada um para a concretização do projeto institucional, sem perder nunca a capacidade de decidir.

Gerir uma escola reflexiva é nortear-se pelo projeto de escola, em constante desenvolvimento e tomar as decisões adequadas no momento certo. Relembro que o projeto deve ter sido coletivamente construído e

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centrar-se sobre o núcleo duro da atividade da escola: a adaptação contextualizada do currículo enquanto projeto nacional e a sua gestão em tudo o que isso implica de gestão de alunos, professores, funcionários, espaços, equipamentos, horários, recursos e, sobretudo, gestão de aprendizagens. Mas relembro também que o projeto pode restar um documento inerte se não houver o envolvimento continuado das pessoas. São as pessoas que, na qualidade de atores sociais, dão vida aos projetos, desenvolvendo atividades várias, e mobilizando, nesse sentido, as estratégias que se lhes apresentam como conducentes à realização das tarefas a executar.

Gerir uma escola reflexiva é, pois, ser capaz de mobilizar as pessoas para serem esses atores sociais e transformarem o projeto enunciado em projeto conseguido ou o projeto visão em projeto ação.

Gerir uma escola reflexiva implica ter um pensamento e uma atuação sistêmica que permita integrar cada atividade no puzzle global e não deixar-se navegar ao sabor dos interesses individuais ou das influências de gru-pos instituídos.

A reflexão sobre a gestão de uma escola reflexiva leva-me de novo às cinco dimensões identificadas por Senge para as instituições aprendentes: liderança, modelo mental, visão partilhada, aprendizagem em grupo e pensamento sistêmico. Nelas entronco a convicção de que o saber (relação com o saber) se desenvolve na interação com a tarefa de educar, tarefa que coloca o educando no centro da missão da escola (conceito de educação), mas também a certeza de que o poder para organizar a educação não reside nas mãos individuais; pelo contrário, ele resulta das interações que entre todos se desenvolvem com vis ta ao pensamento sobre o ato de educar e à criação de condições contextualizadas para que esse maravilhoso fenômeno possa acontecer.

A título de conclusão, apresento alguns postulados para a gestão de uma escola reflexiva.Gerir uma escola reflexiva é:

- ser capaz de liderar e mobilizar as pessoas;- saber agir em situação;- nortear-se pelo projeto de escola;- assegurar uma atuação sistêmica;- assegurar a participação democrática;- pensar e escutar antes de decidir;- saber avaliar e deixar-se avaliar;- ser conseqüente;- ser capaz de ultrapassar dicotomias paralizantes;- decidir;- acreditar que todos e a própria escola se encontram num processo de desenvolvimento e de

aprendizagem.O resultado de gerir uma escola reflexiva é ter a satisfação de saber que a sua instituição tem rosto

próprio e é respeitada por isso mesmo: porque é a escola X ou a escola Y, com nome próprio, com identidade.

Pesquisa-ação e formação do professorA pesquisa-ação tem múltiplas definições. Tomarei, como referência, a dos colaboradores de Lewin, o

grande conceptualizador da pesquisa-ação. Eles afirmam que a pesquisa-ação é:“uma aplicação da metodologia científica à clarificação e á resolução dos problemas práticos. É também um processo de mudança pessoal e social planeada. Em ambos os sentidos constitui um processo de aprendizagem que dá particular relevo à qualidade da colaboração no planeamento da ação e na avaliação dos resultados” (Benne, Bradford e Lippitt, 1964:33).

Nos últimos anos tem-se realçado o valor formativo da pesquisa-ação e a formação em contexto de trabalho, pelo que muitas vezes se usa o trinômio pesquisa-formação-ação. Subjaz a esta abordagem a idéia de que a experiência profissional, se sobre ela se refletir e conceptualizar, tem um enorme valor formativo. Aceita-se também que a compreensão da realidade, elemento que constitui o cerne da aprendizagem, é produto dos sujeitos enquanto observadores participantes implicados. Reconhece-se ainda que o móbil da formação nos profissionais adultos advêm do desejo de resolver os problemas que encontram na sua prática quotidiana.

Tendo em conta estas constatações, tentei articular três construções teóricas que nos permitem compreender o papel e o valor da pesquisa-formação-ação no desenvolvimento individual e coletivo dos professores e da escola em que se inserem, considerada também ela, em desenvolvimento e em aprendizagem.

As três construções teóricas são:a) a pesquisa-ação;b) a aprendizagem experiencial;c) a abordagem reflexiva.

Explicarei a sua articulação a partir de uma figura que, para o efeito, elaborei.

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A pesquisa-ação, a abordagem reflexiva e a aprendizagem experiencialA pesquisa-ação é uma metodologia de intervenção social cientificamente apoiada e desenrola-se

segundo ciclos de planificação, ação, observação, reflexão. Como parte de um problema que se pretende solucionar e como se sabe que para bem resolver um problema é preciso caracterizá-lo primeiro, introduzi, na representação da minha conceptualização, o elemento “problema” e associei-lhe as dimensões observação e reflexão que permite caracterizá-lo.

Se considerarmos agora a abordagem experiencial, cujo modelo foi concebido por Kolb (1984), relembraremos que a aprendizagem é um processo transformador da experiência no decorrer do qual se dá a construção de saber. Este processo compreende quatro fases, ilustradas na figura.

São elas:a) experiência concreta,b) observação reflexiva,c) conceptualizacao,d) experimentação ativa.

A essência do modelo é muito simples. Por processos de observação e reflexão, a experiência é analisada e conceptualizada. Os conceitos que resultam deste processo de transformação servem, por sua vez, de guias para novas experiências, o que confere à aprendizagem também um caráter cíclico, desenvolvimentista.

A relação deste processo de aprendizagem com o percurso da pesquisa-ação é óbvia. Tomando como ponto de partida os problemas emergentes da prática quotidiana dos professores como atores envolvidos, e se efetivamente eles forem assumidos como problemas relativamente aos quais se quer dar resposta, impõe-se, como primeira tarefa, a compreensão do problema nos seus vários elementos. Este processo de desocultação da situação problemática, esta análise estruturada e enquadradora, decorre de um processo de observação e reflexão, necessário à adequada conceptualização da solução a planificar, que ocorre na fase seguinte.

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Compreendido o problema, urge planificar a solução de ataque e pô-la em execução para, de seguida, se observar o que resulta da experiência, se conceptualizarem resultados e problemas emergentes, se planificar ou re-planificar, entrando assim num novo ciclo da espiral da pesquisa-ação.

Se agora analisarmos o processo numa perspectiva reflexiva de cariz schniano, podemos nele encontrar as componentes da reflexão na ação e sobre a ação, a que acrescentei a da reflexão para a ação, tão importante na pesquisa-ação.

A reflexão na ação acompanha a ação em curso e pressupõe uma conversa com ela. Refletimos no decurso da própria ação, sem a interrompermos, embora com breves instantes de distanciamento e reformulamos o que estamos a fazer enquanto estamos a realizá-lo, tal como fazemos na interação verbal em situação de conversação.

A reflexão sobre a ação pressupõe um distanciamento da ação. Reconstruímos mentalmente a ação para tentar analisá-la retrospectivamente.

Para que a dimensão formadora atinja um alto grau formativo e um valor epistêmico, resultando em aquisição de conhecimentos a disponibilizar em situações futuras, importa que esse processo seja acompanhado por uma meta-reflexão sistematizadora das aprendizagens ocorridas. É o processo de meta-reflexão de que nos fala Schön, ao pôr em destaque a relevância da reflexão sobre a reflexão na ação.

Um pouco por todas as escolas estão a surgir grupos de professores que se constituem para estudar um assunto ou encontrar solução para um problema do seu quotidiano. Isto revela um comprometimento com a profissão, um desejo de aperfeiçoamento profissional e uma manifestação de interesse pela melhoria da qualidade da educação. Parece-me, porém, que não bastam boas intenções. É preciso saber como se pode ser mais reflexivo, para se ser mais autônomo, responsável e crítico.

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