aps - mercador de veneza corrigido e finalizado
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UNIVERSIDADE PAULISTA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
CAMPUS PARAÍSO
Atividade Práticas Supervisionadas (APS).
Disciplinas:
Comunicação e Expressão
Direito Civil
Direitos Fundamentais
Direito Penal
Professores:
Dra. Cibele Mara Dugaich
Edson Saleme
Glauco Bauob Baschi
Justino Mattos Neto
Titulo: Analise do Filme “ O Mercador de Veneza ”
Alunas: RA: Turma: Turno
Gisele Novais Barbosa B529FE-8 DR1S68 Noturno
Gisely Rosana Pires B4662B-6 DR1X68 Noturno
Kezze Estrela de Sena B4554H-8 DR1V68 Noturno
Raiane Almeida T. Bueno B46GCJ-2 DR2X68 Noturno
Thais de Sousa Silva B542HC-2 DR1S68 Noturno
2012/2
Dados do filme:
Título original: The Merchandt of Venice
Gênero: Drama
Ano de lançamento: 2004
Direção: Michael Radford
Roteiro: Michael Radford, baseado em peça teatral de William Shakespeare.
Produção: Cary Brokaw, Michael Cowan, Barry Navidi e Jason Piette
Elenco:
* Jeremy Irons (Antônio)
* Al Pacino (Shylock)
* Joseph Fiennes (Bassanio)
* Lynn Collins (Pórcia de Belmonte)
* Zuleikha Robinson (Jessica)
* Kris Marshall (Graciano)
* Gregor Fisher (Solanio)
* Mackenzie Crook (Launcelot Gobbo)
* Charlie Cox (Lorenzo)
* Tony Schiena (Leonardo)
* John Sessions (Salerio)
* Allan Corduner (Tubal)
Resumo do filme
O filme se passa em Veneza no final do século XVI, época em que existia grande
discriminação contra judeus. Bassanio, um jovem nobre sem dinheiro, pede um
empréstimo de três mil ducados para seu amigo Antônio, um mercador rico de Veneza,
para poder viajar até Belmonte e cortejar uma linda mulher chamada Pórtia, que também
é herdeira de uma grande fortuna. Antônio concorda em emprestar o dinheiro a
Bassanio, porém está com pouco dinheiro devido o seu dinheiro e mercadorias estarem
em alto mar voltando de outras cidades, então eles vão até um judeu chamado Shylock,
para financiá-lo.
Apesar de Shylock ter tido problemas com Antônio, devido ao antissemitismo, e por ter
insultado e cuspido nele, Shylock diz que emprestará dinheiro com uma condição: se
Antônio não devolver os três mil ducados em três meses, ele deverá ter cortada uma
libra de carne de seu copo e dar a carne para Shylock. Antônio aceita apesar da
relutância de Bassanio, por achar que o judeu está sendo generoso. Então, Bassanio
com seu amigo Graciano preparam-se para partir para Belmonte, logo após aceitar um
antigo servo de Shylock, Lancelot, como seu novo servo. Lancelot vai até a casa de
Shylock para entregar um convite para um jantar de Bassanio, e falar com Jéssica, filha
de Shylock, e esta pede a ele que entregue uma carta a Lorenzo.
Em Belmonte, Pórtia está recebendo muitos pretendentes, pois seu pai deixou em seu
testamento a recomendação de que os pretendentes terão que escolher um dos três
baús – um de prata, um de ouro e outro de chumbo, cada um com uma inscrição, se o
pretendente escolher o baú certo, ele deverá se casar com Pórtia, se escolher o errado,
deverá ir embora. O primeiro pretendente é um príncipe marroquino obcecado com
riquezas e luxo, recusa o baú de chumbo, que continha a inscrição “Aquele que me
escolher ganhará o que muitos homens desejam", alegando que não gostaria de arriscar
tudo por aquele metal, e o de prata que tinha inscrito “Aquele que me escolher ganhará
aquilo que merece”, pois, aquilo lhe soa estranho, e acaba escolhendo o baú de ouro
que continha uma inscrição dizendo “Aquele que me escolher ganhará o que muitos
homens desejam", pensando que isto indica que quem o escolher ganhará Pórtia, mas
ele estava errado e teve que partir.
O Segundo pretendente, o pomposo e arrogante príncipe de Aragão, recusa o de
chumbo dizendo o chumbo é muito ordinário para ele arriscar tudo e o de ouro dizendo
que ele não quer ter o que todos os homens desejam por não querer se misturar com
almas normais, e escolhe o de prata, pois ele dará o que ele realmente merece, já que
na cabeça dele seria algo muito valioso, como a mulher, por ele se achar uma grande
pessoa, e acaba escolhendo o baú errado.
Durante o jantar, Lorenzo recebe a carta de Jéssica e parte para seu encontro, para
ajuda-la a fugir e Shylock chega a sua casa algum tempo depois para descobrir sobre a
fuga da filha e que ela levou dinheiro e joias junto, no mesmo tempo em que Bassanio e
Graciano saem para Belmonte. Um tempo depois descobrem que Antônio perdeu um
navio valioso no estreito entre França e a Inglaterra e Shylock discute com outros
mercadores sobre sua vingança contra Antônio, após isso vai ver com Tubal se ele tem
noticias de onde está sua filha, e acaba descobrindo que Antônio perdeu outro navio que
vinha de Trípoli e novamente volta a ficar animado com sua vingança que chega cada
vez mais perto, mas ao mesmo tempo fica angustiado com a filha que ele descobriu que
gastou muito dinheiro em apenas uma noite e que trocou o seu anel de turquesa que
ganhou de sua esposa por um macaco.
Então Bassanio e Graciano chegam a Belmonte, e lá encontram Lorenzo e Jéssica.
Bessanio se põe a escolher entre os baús, enquanto Pórtia fica ansiosa para que ele
escolha o certo, então ele recusa a prata e o ouro por achar que o mundo se preocupa
muito com ornamentos e que a beleza é comprada e escolhe o chumbo, pois a ameaça
dele o comove mais do que a eloquência, e dentro do baú, encontra o retrato de Pórtia.
E Bassanio recebe uma carta de Antônio falando sobre o que aconteceu logo após a
festa de comemoração, e fica abalado, porém Pórtia promete que providenciara tudo
para Bassanio ajudar Antônio assim que eles se casassem. Logo após o casamento, ele
parte com Graciano, que também havia se casado com Nerissa, a criada de Pórtia,
Pórtia é sobrinha do juiz Belário, em Pádua. Então, Pórtia resolve que ela tomará o lugar
do juiz e resolverá o caso. Ela e sua criada se vestem como homens e partem para
Veneza.
Enquanto isso, Antônio implora para que Shylock reconsidere o trato, e fica a espera de
Bassanio, e depois eles vão ao tribunal, onde Shylock faz um discurso sobre seus
motivos e sobre a multa escolhida, e tentam o fazer esquecer a multa, porem ele não
desiste e Antonio diz para desistirem de fazê-lo mudar de ideia, e a multidão fica furiosa,
até que Bassanio aparece e diz que pagara seis mil ducados para Shylock no lugar da
divida de Antonio, mas este recusa o dinheiro, e diz que terá o eu foi prometido a ele.
Um mensageiro chega e entrega uma carta à corte avisando que Belario não poderia
comparecer, mas que havia enviado um jovem Juiz no lugar dele para cuidar do caso. O
Juiz pede misericórdia, mas Shylock recusa e o tribunal se vê obrigado a aceitar a
sentença de Shylock, e quando começam a se preparar para a sentença, Bassanio ouve
as ultimas palavras que Antonio queria dizer para ele, mas antes de Shylock conseguir
tirar a carne de Antonio, o juiz diz que ele pode ter a carne, mas se ele derrubar uma
gota de sangue, ele terá todos os bens e propriedades confiscados, de acordo com a lei
de Veneza, pois no contrato ele não havia dito nada de sangue, apenas de carne.
Então Shylock aceita a quantia de dinheiro e desiste de tirar 1 libra de carne de Antonio,
mas o juiz diz que ele não pode ter mais a quantia de dinheiro, por ter recusado-a antes
e, por ser judeu logo sendo considerado um estrangeiro, ele teve de abrir mão de sua
propriedade ao tentar matar um cidadão e deve dar metade do que tem ao governo, e a
outra metade a Antônio, além de Shylock ter sua vida a mercê do Duque de Veneza,
mas ele dá misericórdia a Shylock, entretanto exige sua propriedade, porém, Antonio
pede para perdoarem a divida de Shylock, com a condição de que ele passe sua
propriedade ao homem que se casou com sua filha, e que ele se converta ao
cristianismo.
Então após o tribunal, Bessanio e Antônio vão até o Juiz e seu assistente, não
reconhecendo que do dois eram na verdade, Portia e Nerissa disfarçadas, para
oferecerem a gratidão e dizem que devem muitas coisas a ele, mas Pórtia diz que não
quer nada, só o anel que Bassanio estava usando, a fim de testa-lo, mas este recusa
entregar o anel, visto que ele prometeu para Pórtia que nunca o daria ou o perderia, mas
Antonio o convence a entregar o anel, e Graciano dá o seu anel ao assistente. Pórtia e
Nerissa voltam há Belmonte um pouco antes de Antônio, Bessanio e Graciano, e as
duas começam a questioná-los por causa dos anéis que os dois deram ao Juiz e ao
assistente.
Então Pórtia entrega o anel a Antonio e diz para ele mandar Bassanio cuidar melhor
dele, e alega que o juiz deu o anel para ela em troca de possuí-la na noite anterior e
Nerissa faz o mesmo, e os dois ficam aflitos, mas então Pórcia releva que ela era o juiz
e os personagens fazem as pazes, e no final é revelado que Shylock foi expulso do
gueto onde morava por não ser mais judeu.
A obra conta uma história de amor entre os seguintes personagens: Bassânio (Joseph
Fiennes), um nobre veneziano que perdeu toda sua herança e planeja casar-se com
Pórcia (Lynn Collins), uma bela e rica herdeira; o seu amigo Antônio (Jeremy Irons), que
concorda em lhe emprestar o capital necessário para que ele viaje até Belmonte, no
continente onde vive Pórcia. Como Antônio é um mercador, toda a sua fortuna está
investida numa frota de navios mercantes que navegam em águas estrangeiras. Ele
então faz um empréstimo junto a Shylock (Al Pacino), um agiota que concorda em
emprestar o dinheiro, desde que Antônio empenhe uma libra de sua própria carne como
garantia, vendo na dívida a chance de se vingar de quem o despreza. Quando Bassânio
chega a Belmonte, descobre que para ganhar a mão de Pórcia terá que se submeter a
um teste envolvendo três cofres, deixados pelo pai da moça antes de morrer e ainda
recebe a notícia de que os barcos de Antônio naufragaram e ele perdeu toda sua
fortuna, estando sua vida, agora, nas mãos de Shylock. No dia estipulado, ele não tem a
quantia em dinheiro para devolver a Shylock, que resolve recorrer à justiça para ter seu
contrato executado.
Com o caso sendo levado ao tribunal de Veneza para que defina se a condição será
mesmo executada, Pórcia, já casada com Bassânio, resolve ajudá-los secretamente e,
disfarçando-se de advogado, defende o amigo de seu amado. Ela entra no tribunal
vestida de homem, apresentando-se como Baltasar, que é um jovem advogado e,
oferece o pagamento em dinheiro para o judeu. Porém, munido de má fé e com uma
grande vontade de vingar-se de Antônio, Shylock recusa a oferta, afirmando que quer
que o contrato seja executado, ou seja, quer a libra de carne de Antônio.
A trama consegue envolver pelo embate entre a lei moral e a justiça, no contexto
histórico-literário shakespeariano, desvelando a precariedade jurídica, com a habilidade
no manejo das palavras de falsas verdades e manipulação ideológica. De um lado,
Antônio teve de assinar um contrato extremamente perigoso para sua integridade física
e, de outro, a justiça teria que tutelar a dignidade da pessoa humana.
Como o judeu não aceita o pedido de perdão da dívida em face ao dinheiro oferecido,
Pórcia começa a dar o seu veredicto: o documento já está vencido. O filme mostra
claramente que Shylock e os judeus são humilhados e discriminados por sua religião e
por seus modos de ganharem a vida, não só pela maioria cristã, mas também pela
própria lei que deveria ser cega. Esta ao proibir os judeus de não possuírem
propriedades, tira destes a chance de ganhar a vida de outra forma que não à
agiotagem, já que esta também é considerada crime pela cristandade, contribuindo
profundamente para o agravamento da crise entre judeus e cristãos.
Além das formas desiguais de tratamento entre o direito de ir e vir, e o de moradia.
Baseadas nos costumes, inclusive de princípios e leis rígidas impostas principalmente
pelos preconceitos da sociedade cristã em relação ao povo judeu.
Veneza é uma das cidades-estados mais liberais da Europa em 1596, contudo, judeus
viviam isolados em guetos e eram bastante discriminados, permanecendo trancados ao
anoitecer e pelo dia ao saírem de acordo com a lei são obrigados a usar um gorro de cor
vermelha o qual o identificava como da religião judaica. Também não podiam ter
propriedades, então muitos deles ganhavam a vida como agiotas, o que não era
permitido pela lei cristã sob o crime de usura. As autoridades venezianas fecham os
olhos para o fato, no entanto há fanáticos religiosos que os perseguem. E é nesse
contexto que acontece a trama até seu desfecho.
No filme o jovem nobre Bassânio, que estava endividado por dilapidar suas posses, vê
em um casamento com uma bela moça rica, chamada Pórcia, pela qual se apaixona a
chance de pagar suas dívidas com seus credores. O seu objetivo é viajar a Belmont e
pedir a mão de Pórcia em casamento. Entretanto, precisava de algum capital para a
viagem, por isso, conta seu plano ao seu amigo e um de seus maiores credores,
Antônio, para o qual pede dinheiro, mas este não o tem em mãos. Em função disso,
solicita-o por três messes, a um agiota judeu chamado Shylock. Este por sua vez, já
possui desavenças com Antônio, mas aceita emprestar-lhes, contanto que no contrato
estivesse que obteria uma libra de carne do próprio Antônio, caso não houvesse
pagamento.
Antônio é um comerciante rico que possuía sua riqueza em barcos espalhados pelo
mundo.
Com isso, Bassânio viaja, obtém sucesso em sua empreitada em Belmont e se casa
com Pórcia. Já em Veneza, Antônio está em perigo, pois seus barcos naufragam,
impossibilitando-o de honrar o contrato. Ao passar os três meses combinados e a não
ocorrência do pagamento, Shylock exige a libra de carne de Antônio de forma irrefutável.
Este teme pela sua vida e avisa a Bassânio, que ao saber, retorna para Veneza.
Estando certo de que conseguiria pagar a dívida a tempo, assina o contrato sem excitar.
Legalmente, pode reclamar o judeu, por estes termos, uma libra de carne, que ele corte
junto ao coração do mercador. Se compassivo, aceita triplicada a importância da dívida
e a permite rasgar o documento. Mais uma vez, o judeu nega o pedido e pede que o juiz
dê logo a sentença para que ele possa retirar a libra de carne. Pórcia pede que o judeu
pague um médico para que Antônio não venha a morrer de hemorragia. O judeu diz que
isto não consta no contrato e que ele não tem a obrigação de pagar um médico para
Antônio. Então, Pórcia autoriza que o judeu retire a libra de carne do peito de Antônio,
mas com uma ressalva: “São palavras expressas: “uma libra de carne”. Tira, pois, como
o combinado: tua libra de carne. Mas se derramares, no instante em que a cortares, uma
gota que seja de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza,
para o Estado passarão por direito”.
Neste momento, o judeu decide pelo dinheiro, mas já era tarde, ele já o tinha negado e
por lei não poderia voltar atrás. Pórcia mostra ainda uma lei que diz que nenhum
estrangeiro pode atentar contra a vida de membro nascido na cidade de Veneza e, se o
fizer, a pessoa que ele atentou poderá se apropriar de metade dos bens desse
estrangeiro e o Estado ficará com a outra metade, sob a guarda do Doge. O juiz
condena o judeu com base nesta lei e determina que se o judeu quiser a metade
pertencente ao Estado ele teria que pedir de joelhos o perdão, o que foi concedido pelo
Doge antes que o judeu fizesse. Depois disso tudo, foi formulado um contrato que o
judeu assinou abrindo mão dos seus direitos sobre os seus próprios bens em detrimento
de Antonio e sua filha fugida.
É voz comum na doutrina que, quando duas ou mais vontades ajustam-se, em
determinado momento e mediante modo estabelecido, surge o conceito de contrato.
Podemos dizer que o contrato é a manifestação ajustada da vontade humana, conforme
as prescrições da lei e com escopo de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
modificar ou extinguir direitos. Entretanto, a liberdade de contratar, nos moldes
tradicionais do direito privado, encontra limitação, modernamente, na ideia de ordem
pública, vez que o interesse individual não pode prevalecer sobre o interesse social. O
juiz shakespeariano valeu-se em conjunto da interpretação teleológica, atendendo às
exigências do bem comum, objetivando a justiça, que no caso respeitou, mesmo
naquele tempo, o valor supremo da dignidade da pessoa humana.
A discussão vai para o tribunal, e a partir daí, ocorre uma reviravolta na tragédia que
estava para ocorrer. Pórcia se disfarça de juiz e viaja a Veneza para defender Antônio, e
assim o faz, tanto, que Shylock desiste da execução do contrato.
Com a defesa de Pórcia (disfarçada), o doge decide a punição do judeu, por atentar
contra a vida de um cristão de Veneza. Pela sentença, este deveria dar parte de seus
bens ao Estado e a outra a Antônio. Mas, a pedido do mercador (Antônio), eles não
seriam confiscados caso ocorresse à conversão de Shylock ao cristianismo este aceita
os termos, mesmo contra sua vontade.
Dessa forma, Bassânio volta para Belmont com Antônio, onde reencontram Pórcia, que
revela quem estava no tribunal em sua defesa.
Todos ficam surpresos, mas tudo se esclarece.
Por tanto, a pena de Shylock e o julgamento não deveriam ter sido tomados com a
intermediação de Pórcia (juiz), já que nem ela nem o próprio doge estavam imparciais
em relação ao judeu e o mercador. Ficou claro que, tanto um quanto o outro, estavam a
todo instante insistindo para que Shylock mudasse de ideia, ganhando tempo para
encontrassem uma saída. Além do mais, não foi Shylock que procurou Antônio para o
empréstimo do dinheiro, pelo contrário, Antônio o procurou e o assinou conhecendo
seus termos. O que faz com que o resultado da sentença tenha sido injusto, com o
detalhe de ter possuído anuência do próprio Estado.
Terminando Bassânio e Pórcia juntos, com Antônio salvo, em Belmont.
O Mercador de Veneza, obra Shakespeariana, dá vida à representação da Europa no
século XVI.
Estudo histórico do filme – O Mercador de Veneza
Durante um longo período, Gênova e Veneza estabeleceram um verdadeiro monopólio
sobre as especiarias vindas do oriente. Esse comércio trouxe o retorno das transações
financeiras e o reaparecimento da moeda. Veneza torna-se o lugar mais cosmopolita,
mais ostentador, o mostruário da variedade e da estranheza do mundo. Os tribunais
foram virando trevas. A jurisdição eclesiástica defendia os interesses da Igreja e dos
clérigos. É a partir deste contexto que William Shakespeare escreve O Mercador de
Veneza, uma obra que consegue envolver-nos pelo embate entre a lei moral e a justiça.
Palavras-chave: comércio, mercadores.
Este artigo científico, baseado no filme O Mercador de Veneza, será iniciado com o
contexto histórico da cidade de Veneza, na Itália, no século XVI, destacando sua
economia, a sua atividade comercial, as condições geográficas, seu modo de produção,
o aparecimento de um novo grupo social, os mercadores. Nesse século, foi observada a
presença do mercantilismo e seus princípios básicos e o aparecimento do renascimento.
Veremos também um pouco sobre a formação da cidade e suas riquezas, de sua
história e influências. Será colocada a jurisdição e o direito na época, destacando alguns
aspectos importantes. O direito como luta baseado em conflito de interesses, como
felicidade, como poder, como justo, como norma em busca de proteger a paz social.
Nessa análise, uma breve sinopse da história do filme, confrontando a moral e o amor, a
lei moral e a justiça para tutelar à integridade física da pessoa humana, o conceito de
contrato, a liberdade de contratar, os direitos e manifestações humanas, as decisões
judiciais e a sentença.
Contextualização (1596, século XVI) Com a queda do império romano, povos
germânicos impeliram fugitivos para as ilhotas da laguna veneziana. Comunidades de
pescadores unificaram-se, sobre autoridade de um doge e mantiveram-se
independentes dos outros estados da península italiana, graças a sua grande frota
marítima, que serviu também para intensa atividade comercial. No final do século XV, a
descoberta do cabo da Boa Esperança prejudicou os interesses comerciais venezianos.
A riqueza de Veneza, proporcionada fundamentalmente pela taxação de mercadorias
procedentes do Oriente, como especiarias, perfumes, algodão, seda, coral, âmbar etc..
Começou a decair a partir do século XVI, com a perda das colônias orientais. Mesmo
assim, as antigas constituições políticas, como o Grande Conselho, o Pequeno
Conselho e o Conselho de Sábios prevaleceram até o século XVIII, quando Veneza era
ponto de atração para toda a Europa, por sua legendária vida de frivolidade e luxo.
Durante um longo período, Gênova e Veneza estabeleceram um verdadeiro monopólio
sobre as especiarias vindas do oriente. Compravam as especiarias vindas da Índia e da
China e revendiam-nas a preço de ouro nas cidades européias. As cidades italianas
foram as principais beneficiárias da retomada dos contatos comerciais entre Ocidente e
Oriente, através do mar Mediterrâneo. Devido às condições geográficas favoráveis e ao
fortalecimento de suas ligações comerciais com o Oriente, através da Quarta Cruzada,
obtiveram a primazia na distribuição de mercadorias orientais por todo o continente
europeu. Nos mercados, os comerciantes podiam oferecer seus produtos (tecidos,
peles, madeira, mel e peixes) aos italianos, adquirindo deles as mercadorias orientais.
Esse comércio possibilitou o retorno das transações financeiras, com o reaparecimento
da moeda, o novo impulso à atividade creditícia e a entrada em circulação das letras de
câmbio, realçando as atividades bancárias. Com isso, a terra deixava de constituir a
única expressão de riqueza, aparecendo com destaque um novo grupo social, os
mercadores. No século XVI, podemos evidenciar a presença do mercantilismo, a íntima
relação entre Estado e economia. O mercantilismo caracterizou-se por ser uma política
de controle e incentivo por meio da qual o Estado buscava garantir o seu
desenvolvimento comercial e financeiro, fortalecendo ao mesmo tempo o próprio poder.
Entre várias medidas, adotavam a exploração colonial, na obtenção de metais preciosos,
atividades marítima e comercial e ainda pela produção manufatureira. Existiam alguns
princípios comuns que orientavam essa política mercantilista. Um deles foi o metaliso,
que é uma concepção que identifica a riqueza e o poder de um Estado com a
quantidade de metais preciosos por ele acumulados. Buscava-se manter o nível das
exportações superior ao das importações, ou seja, uma balança comercial favorável.
Adotavam-se medidas para proteger a produção nacional da concorrência estrangeira,
as chamadas medidas protecionistas, isto é, o protecionismo. O século XVI foi um
período de imensa instabilidade de preços, de altas e baixas gigantescas. A ampliação
do mercado consumidor e o crescente aumento do meio monetário (ouro e prata)
impulsionaram os preços. Os altos demasiados rápidos e acentuados restringem o
consumo, acarretam crises nas vendas, causam embaraços e sofrimentos. Os mais
sólidos empresários nem sempre conseguem aproveitá-las, compensando a diminuição
dos negócios com o aumento dos lucros, efetuando acumulações de capitais para
prosseguir em seus investimentos. As transformações econômicas, associadas ao
processo de urbanização e ascensão da burguesia, tornaram as concepções artístico-
literárias feudais inadequadas. Novas exigências afloraram, refletidas no
desenvolvimento comercial e na nova sociedade urbana emergente. As primeiras
manifestações renascentistas apareceram e triunfaram na Itália, onde surgiram os
mecenas, ricos patrocinadores das artes e das ciências que objetivavam não só a
promoção pessoal, mas também proveitos culturais e econômicos. Veneza, construída
sobre lagunas do mar Adriático, é a cidade pivô da economia do Ocidente no momento
em que Cabral se lança ao mar. Os mercadores venezianos monopolizam as transações
entre Europa e Oriente, dominam os instrumentos financeiros e guardam ciosamente o
privilégio de fazer negócios com os árabes, que vão buscar na Índia, na China e no
Ceilão especiarias e tecidos finos consumidos pelos europeus. Tudo tem de passar pelo
mercado veneziano. Erguida sobre a água, sem terras para cultivar, Veneza é a pura
cidade mercantil. Diz-se do veneziano: “non arat, non seminat, non vendimiat” (não
lavra, não semeia, não colhe).
Veneza é, para um europeu do quatro centro, o que talvez Nova York represente para o
nosso tempo: o lugar mais cosmopolita, mais ostentador, o mostruário da variedade e da
estranheza do mundo. Um cronista da época incita o viajante: “Se tiveres a curiosidade
de ver homem de todas as partes do mundo, vestido cada qual a seu modo
diversamente, vai à Praça de São Marcos ou à do Rialto, onde se encontram todos os
tipos de pessoas”. Veneza é uma das poucas cidades européias a ter chegado aos cem
mil habitantes no começo do século XVI (as outras são Paris, Milão, Nápoles e
Florença). Não impressionam numa escala global. As grandes cidades orientais –
Pequim, Constantinopla, Délhi – são maiores.
Tenochtitlán, a capital asteca, no Novo Mundo que Colombo acabou de encontrar, tem
duzentos mil habitantes. Mas os ocidentais ainda não a conhecem. Em comparação,
Londres não chega aos sessenta mil habitantes de Lisboa; a flamenga Bruges deve ter
uns setenta mil, e as cidades da Alemanha não passam de 35 mil.
E como eram essas cidades? Ainda guardavam muito do burgo medieval: muralhas
espessas para a defesa, ruas estreitas e tortuosas, casas baixas, de um ou dois
andares. As torres da igreja dominam a paisagem urbana. Tinham a escala
aconchegante e a beleza arquitetônica que ainda hoje nos fazem visitá-las (as que
sobreviveram). Mas fediam. Era comum não haver esgotos. Os dejetos humanos e o lixo
eram despejados nas ruas. Vivia-se pouco, adoecia-se muito. A mortalidade de crianças
e adultos é apavorante, pelos padrões atuais. Casa e lugar de trabalho ainda não se
tinham separado. O artesão urbano morava em cima da loja ou oficina onde praticava
seu ofício. E que ofícios eram esses? Uma procissão religiosa testemunhada pelo pintor
Albrecht Dürer nos Países Baixos dá uma idéia da variedade de corporações
profissionais. Ele descreve, numa carta, a passagem de ourives, pintores, pedreiros,
bordadores, escultores, marceneiros, marinheiros, pescadores, alfaiates, sapateiros,
além de comerciantes, soldados e magistrados, pelas ruas de Antuérpia, hoje parte da
Bélgica. Todos são cidadãos de uma cidade próspera que logo sucederá a Veneza
como o centro do comércio europeu. A chegada dos portugueses à Índia – a mesma rota
que Cabral segue em 1500 – é o agente dessa ascensão. Um navio português
carregado de pimenta e noz-moscada do Oriente atraca em 1501 no porto fluvial de
Antuérpia. É o primeiro de muitos. É o fim do monopólio veneziano das especiarias.
Tribunais em Veneza na Época Em meados do século XVI, o direito penal será
endurecido, o uso da tortura se torna generalizado e a defesa do suspeito será quase
ficção, pois passará a ser feita por escrito, o que praticamente condenará a grande
massa de analfabetos que sentam nos bancos dos réus. A contradição da época:
enquanto a Renascença faz o espírito humano brilhar nas artes e na ciência,
especialmente na Itália, os tribunais vão virando trevas. Tortura, prisão perpétua, morte
na fogueira, degredo, açoites no pelourinho. Eram essas brutalidades que compunham a
justiça do mundo renascentista. A jurisdição eclesiástica defendia os interesses da Igreja
e dos clérigos. Era baseado propriamente na autoridade real. Os delitos eclesiásticos
eram a heresia (doutrina contrária ao que era definido pela Igreja), a simoníaca (tráfico
de coisas sagradas ou espirituais), o sacrilégio (uso profano de pessoa, lugar ou objeto
sagrado) e a usura (juros de capital exorbitante). Especificamente no filme O Mercador
de Veneza não ocorre nenhum desses delitos, nem adultério, nem sacrilégio e nem
usura, assim não podemos enquadrá-lo como de jurisdição eclesiástica, pois, como
coloca o filme, no caso da usura, ele não cobra juros pela quantia emprestada, apenas
concede um prazo para o pagamento da dívida. A sociedade possuía direitos e deveres
a serem cumpridos, protegendo a integridade física e psíquica de todos os cidadãos.
Direito como luta é a idéia central que permeia todo o filme. O autor mostra que somente
tem algum direito àquele que, por seus direitos, luta. O direito surge do conflito de
interesses, é uma relação dialética na qual tese e antítese servem para formular a
síntese adequada. É uma extensão do conceito do direito como luta.
Ihering também analisa o direito sob o prisma de sua necessidade, ou sua
essencialidade para o homem.
O direito é tão necessário quanto o pão; assim como sem alimento o ser humano não
pode viver, inexistindo o direito a pessoa humana não vive em sua plenitude. Direito
como felicidade é o direito visto como uma condição indispensável para se alcançar a
felicidade. Sem o direito, a pessoa humana não deflagra sua plenitude interior, não pode
ter dignidade, não dá vazão a todas as suas perspectivas, enfim, uma pessoa sem
direito perde sua maior qualidade, a liberdade. Traz a visão do direito como poder, em
que o direito é uma força em si e também uma energia que propulsiona o indivíduo à luta
e à realização dos seus ideais de justiça. Por fim, também analisa o direito como sendo
“estado de sanidade do sentimento de justiça”, na página 53, ou seja, o direito como
sinônimo de justiça.
Quando o autor se refere ao direito de Veneza, está a dizer, em verdade, as leis de
Veneza, isto é, uso da palavra direito em sinonímia com a palavra norma, conjunto de
leis. Conceituamos direito como sendo o conjunto de regras e princípios que visam a
conceber a justiça, concedendo a cada qual o que é seu, na medida em que busca e
protege a paz social. Os judeus, desde tempos imemoriais, é um povo que vem lutando
pelo direito. Quer pelo direito ao território – e a história nos mostra quantas vezes foram
expulsos deste, ou invadidos –, quer pelo direito de liberdade, constantemente violado
pelos povos dominadores, que levavam cativa, muitas vezes, grande parte da
população. A prisão nasceu no direito canônico (devia resultar realmente apropriada
para o logro da penitência e emenda do culpável), que também autorizou à
admoestação, a reparação da honra, a proibição de reincidir, a multa e a reparação dos
danos. E então, como “o verdadeiro objetivo da batalha era a consciência do indivíduo”,
assim como o delito era o seu pecado e a sanção da sua penitência, “sua confissão
representava para a inquisição o preço da vitória”.
Estudo Dirigido e Análise do Filme
O Mercador de Veneza (The Merchant off Venice), de William Shakespeare, foi uma
comédia escrita em 1596, que se desenvolve de modo à dramaticidade sobrepor-se ao
gracejo e desvelar o sentido tragicômico.
Analisar um filme com uma perspectiva histórica diversa da que se vive é uma tarefa
complicada, porque o que seria justo ou injusto em uma determinada época poderá ser
injusto ou justo, respectivamente, em outra.
Contudo, o resultado final da trama não leva em consideração o porquê de Shylock agir
de forma intransigente, em relação ao fato da possibilidade ou não de matar Antônio, e o
seu não acolhimento do pagamento devido. Isso não significa que há como justificar o
desejo de Shylock em matá-lo, de forma alguma, mas existem atenuantes com relação
ao fato.
Dão vida à representação da Europa no século XVI, de uma história de amor os
seguintes personagens: Bassânio (Joseph Fiennes), um nobre veneziano que perdeu
toda sua herança e planeja casar-se com Pórcia (Lynn Collins), uma bela e rica herdeira;
o seu amigo Antônio (Jeremy Irons), que concorda em lhe emprestar o capital
necessário para que ele viaje até Belmonte, no continente, onde vive Pórcia. Como
Antônio é um mercador, toda a sua fortuna está investida numa frota de navios
mercantes que navegam em águas estrangeiras. Ele então faz um empréstimo junto a
Shylock (Al Pacino), um agiota que concorda em emprestar o dinheiro, desde que
Antônio empenhe uma libra de sua própria carne como garantia, vendo na dívida a
chance de se vingar de quem o despreza. Quando Bassânio chega a Belmonte,
descobre que para ganhar a mão de Pórcia terá que se submeter a um teste envolvendo
três cofres, deixados pelo pai da moça antes de morrer e ainda recebe a notícia de que
os barcos de Antônio naufragaram e ele perdeu toda sua fortuna, estando sua vida,
agora, nas mãos de Shylock. No dia estipulado, ele não tem a quantia em dinheiro para
devolver a Shylock, que resolve recorrer à justiça para ter seu contrato executado. Com
o caso sendo levado ao tribunal de Veneza para que defina se a condição será mesmo
executada, Pórcia, já casada com Bassânio, resolve ajudá-los secretamente e,
disfarçando-se de advogado, defende o amigo de seu amado. Ela entrava no tribunal
vestida de homem apresentando-se como Baltasar um jovem advogado e oferece o
pagamento em dinheiro para o judeu O fato por trás do filme, que trás a relação entre
cristãos e judeus, não era novo na época em outras cidades estado ou países cristãos,
não ocorriam apenas com judeus e por religião. Em pleno Brasil colônia houve
discriminação e expulsão de judeus que haviam se instalado em Pernambuco no século
XVII. Outros destes fatos ocorreram na Europa até chegar ao Holocausto (segunda
guerra). Portanto, já se havia a “tradição” de perseguir os que eram diferentes
(estrangeiros).
Entretanto, no filme, a história se mostra monótona e controversa.
Monótona, por haver cenas com uma linguagem rebuscada, onde se fala muito para se
disser pouco, o que o torna longo e cansativo. Já sua controvérsia vem com relação às
mudanças de comportamentos e atitudes de Antônio e Shylock com o decorrer do filme,
não que os personagens tenham que ser sempre bons ou sempre ruins, mas não há
uma explicação clara do por que da mudança. No começo, Antônio se mostra indiferente
e de certa forma cruel com Shylock, e este acuado e temeroso (como na cena que
Antônio dá uma tapa em Shylock.). Com o passar da trama Shylock vai se mostrando
mais firme e rude e Antônio mais frágil e humilde
Porém, munido de má-fé e com uma grande vontade de vingar-se de Antônio, Shylock
recusa a oferta, afirmando que quer que o contrato seja executado, ou seja, quer a libra
de carne de Antônio.
Dessa forma, o enredo constitui-se de dois temas, a moral e o amor. No primeiro, o
penhor de uma libra de carne no contrato, cujo viés jurídico é garantido mediante
homologação com todos os desdobramentos legais subseqüentes; no segundo, o fio
condutor romântico, a moça está comprometida, a pedido do pai, a tomar como marido
apenas aquele de seus pretendentes que escolha o cofre certo entre os três cofres de
diferentes materiais, ouro, prata e chumbo, e significados: o certo é o que contém o
retrato dela. A trama consegue envolver pelo embate entre a lei moral e a justiça, no
contexto histórico-literário shakespeariano, desvelando a precariedade jurídica, com a
habilidade no manejo das palavras de falsas verdades e manipulação ideológica. De um
lado, Antônio teve de assinar um contrato extremamente perigoso para sua integridade
física e, de outro, a justiça teria que tutelar a dignidade da pessoa humana. Como o
judeu não aceita o pedido de perdão da dívida em face ao dinheiro oferecido, Pórcia
começa a dar o seu veredicto: o documento já está vencido.
Legalmente, pode reclamar o judeu, por estes termos, uma libra de carne, que ele corte
junto ao coração do mercador. Se compassivo, aceita triplicada a importância da dívida
e a permite rasgar o documento. Mais uma vez, o judeu nega o pedido e pede que o juiz
dê logo a sentença para que ele possa retirar a libra de carne. Pórcia pede que o judeu
pague um médico para que Antônio não venha a morrer de hemorragia. O judeu diz que
isto não consta no contrato e que ele não tem a obrigação de pagar um médico para
Antônio. Então, Pórcia autoriza que o judeu retire a libra de carne do peito de Antônio,
mas com uma ressalva: “Um momentinho apenas. Há mais alguma coisa. Pela letra, a
sangue jus não tem; nem uma gota. São palavras expressas: “uma libra de carne”. Tira,
pois, com o combinado: tua libra de carne. Mas se derramares, no instante de a
cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas
leis de Veneza, para o Estado passarão por direito”.
Neste momento, o judeu decide pelo dinheiro, mas já era tarde, ele já o tinha negado e
por lei não poderia voltar atrás. E mais, Pórcia mostra uma lei que diz que nenhum
estrangeiro pode atentar contra a vida de membro nascido na cidade de Veneza e, se o
fizer, a pessoa que ele atentou poderá se apropriar de metade dos bens desse
estrangeiro e o Estado ficará com a outra metade, sob a guarda do Doge. Até chegar ao
ápice no tribunal, onde Antônio, ao tomar a decisão de pedir para que o Estado não
tome a parte que lhe cabe e obrigar Shylock a se converter (ao invés de tomar seus
bens), se mostra piedoso e benevolente com o judeu, que queria matá-lo.
O juiz condena o judeu com base nesta lei e determina que se o judeu quiser a metade
pertencente ao Estado ele teria que pedir de joelhos o perdão, o que foi concedido pelo
Doge antes que o judeu fizesse. Antônio, perguntando como ele poderia ajudar o judeu,
responde: Se o senhor, o Doge, e toda a corte quiserem perdoar a multa da metade de
seus bens, satisfeito me declaro se a outra metade ele deixar comigo, que a sua morte,
ao cavalheiro restituirei que lhe raptou a filha. Mais duas condições imponho, ainda: que
esse favor, agora mesmo cristão ele se torne e que em presença desta corte ele firme
um documento em que declare que, por morte, deixa todos os seus haveres para a filha
e seu filho Lourenço. Depois disso tudo, foi formulado um contrato que o judeu assinou
abrindo mão dos seus direitos sobre os seus próprios bens em detrimento de Antonio e
sua filha fugida. É voz comum na doutrina que, quando duas ou mais vontades ajustam-
se, em determinado momento e mediante modo estabelecido, surge o conceito de
contrato. É bem verdade ser tal definição ainda ingênua, todavia, de maneira geral,
podemos dizer que o contrato é a manifestação ajustada da vontade humana, conforme
as prescrições da lei e com escopo de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
modificar ou extinguir direitos, ou, como bem sintetizou Caio Mário: é “o acordo de
vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”.
Entretanto, a liberdade de contratar, nos moldes tradicionais do direito privado, encontra
limitação, modernamente, na idéia de ordem pública, vez que o interesse individual não
pode prevalecer sobre o interesse social, o da coletividade. Pórcia não se socorreu
apenas da interpretação gramatical. O juiz shakespeariano valeu-se em conjunto da
interpretação teleológica, atendendo às exigências do bem comum, objetivando a
justiça, que no caso respeitou, mesmo naquele tempo, o valor supremo da dignidade da
pessoa humana. O direito pertencia ao ser humano, à sua incolumidade física e
psíquica, não à avareza, que é característica daqueles que entendem negócio, liberdade
de contratar e forma acima dos valores consignados ao homem enquanto homem.
Ocorre que, literalmente, o empréstimo de três mil ducados pelo prazo de três meses
feito por Shylock a Antônio, que o repassará a seu amigo Bassânio, é anunciado como
literalmente sem juros: o ódio antigo que o credor alimenta pelo devedor é o motor do
empréstimo, que se caracteriza, desde a origem, como uma ocasião propícia para uma
vingança. Convenhamos que caracterizar tal retribuição compulsória de carne e sangue
como juros é afastar-se significativamente do terreno da aceitação branda e inexorável
de tal noção, em razão de sua associação com os processos vitais, com os modos
naturais de ação humana.
Análise Crítica do Filme
É certo que o grande público torce pelos mocinhos da trama e desconsideram
totalmente as condições do “vilão” da trama. No entanto, nesse romance percebemos
muitas situações de injustiça, tanto de uma parte, quanto da outra, se considerarmos o
mundo atual e o Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Primeiramente falemos de Shylock:
Shylock é estrangeiro, judeu e, por ser homem rico, empresta dinheiro remunerando-o
com juros. Shylock foi vítima de preconceito por ser estrangeiro, judeu, e sofreu sanções
porque não teve respeitada a sua atividade financeira, a qual era necessária para
manter a ordem econômica equilibrada. Na atual sociedade, ele tem direitos garantidos
pela Constituição Federal, e fere a Constituição porque inicialmente temos no artigo
primeiro os seguintes fundamentos:
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Diante disso, temos que Shylock foi vítima porque foi condenado a perder seus bens,
fruto de seu trabalho honesto, foi obrigado a renunciar sua condição de judeu, sendo
expulso da comunidade onde vivia, e, portanto, sendo considerada uma espécie de
apátrida, já que quando renunciou ao judaísmo não foi mais aceito na sua comunidade e
nem reintegrado na comunidade cristã. Assim, ele não era cidadão, teve sua dignidade
roubada e os valores sociais do seu trabalho e a livre iniciativa foram renegados e que
este contrato celebrado entre Shylock e Antônio é nulo de pleno direito por não estar
estruturado pela função social do contrato, nem pela boa-fé objetiva, e principalmente
por ferir um direito indisponível que é o direito de personalidade.
Indo além, temos no artigo 3º Constituição diz que são objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Este artigo da Constituição serve apenas de reforço ao que já foi dito com relação à
situação degradante a que foi submetido Shylock.
No entanto a Constituição vai ainda mais longe, porque ela dá relaciona ainda seus
princípios no que tange suas relações internacionais, e preza por:
II - prevalência dos direitos humanos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
Diante disso, reafirmamos que mais uma vez Shylock foi vítima de injustiça, porque foi
vítima de racismo.
Mais à frente, no capítulo que diz respeito aos direitos fundamentais encontramos várias
afrontas sofridas por Shylock.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Shylock foi ameaçado de morte pelo tribunal que o julgou, a vida é inviolável, assim, ele
não poderia ter sua vida ameaçada.
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Shylock foi obrigado a renunciar sua crença, esse comportamento do tribunal é
considerado abusivo. Já que ele tinha o direito de exercer suas crenças livremente.
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Shylock exercia um trabalho que não tinha qualquer empecilho legal, pois apenas a
igreja condenava o exercício da cobrança de juros, não a lei. Assim, seus bens eram
fruto de seu trabalho, sua propriedade cumpria a função social, já que era usada como
moradia, e não apresentava qualquer motivo para expropriação (não era usada para
plantio de entorpecentes, por exemplo). Daí que a expropriação de sua propriedade foi
totalmente arbitraria, pois o juiz agiu com abuso de poder.
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Shylock foi submetido a julgamento de um tribunal “exclusivo” que tinha como objetivo
único livrar “Antônio” da morte e faria qualquer coisa para que isso acontecesse. Em
primeiro lugar, contamos com a incompetência do juiz para julgar, já que na verdade não
se tratava de um juiz. Por isso o julgamento é nulo de pleno direito. Em segundo lugar,
temos a suspeição do juiz, já que ele é íntimo de um dos principais interessados no
resultado do julgamento.
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Já comentadas à exaustão as arbitrariedades a que se submeteu Shylock, reforçamos
que além de Shylock ter sido sentenciado a morte, ter seus bens privados e sua
liberdade de crença retirada, ele foi julgado por autoridade incompetente e totalmente
suspeita.
Passemos a analise dos aspectos que envolvem o contrato em si:
Segundo Maria Helena Diniz “Contrato é acordo de duas ou mais vontades na
conformidade da ordem jurídica destinada a estabelecer uma regulamentação de
interesses entre as partes como escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações
jurídicas de natureza patrimonial”. O Principio da Autonomia diz que “a vontade é
manifestada por acordo entre as partes contratantes”.
Entretanto, apesar de o contrato fazer lei entre as partes, de haver capacidade dos
contrates, o objeto do contrato ser lícito e a forma ser prescrita ou não defesa em lei,
devemos questionar a garantia do contrato, a libra de carne que Antônio deveria pagar a
Bassânio. O viés jurídico é garantido pela homologação do contrato, com todos os
desdobramentos legais legislação de Veneza então a garantia é então ilícita, já que
contraria o artigo 13 do Código Civil e Antes e este contrato fere um direito indisponível,
que seja o direito da personalidade, e de acordo com o art. 13 do Código Civil em vigor,
é defeso, salvo por exigência médica, o ato de dispor do próprio corpo, quando importar
diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo,
quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons
costumes.
Além disso, temos que a retirada da carne do local de onde Shylock queria poderia
provocar a morte de Antônio, e a vida ou a dignidade é algo de que Antônio não pode
dispor livremente, já que o seu direito à vida, a dignidade e à integridade física é algo
indisponível. Diante disso, o contrato é ilícito e juridicamente impossível. Temos ainda de
considerar a recusa de Shylock receber o dobro da quantia em dinheiro que foi
emprestado, o que nos mostra que a função social do contrato também foi
desconsiderada, já que na verdade Shylock queria vingança e não o seu dinheiro de
volta.
Conclusão
Após assistir o filme e o término desse trabalho, conclui-se que O Mercador de Veneza é
uma peça peculiar, enquadrada entre as comédias do bardo inglês e que ela se
desenrola de tal forma que a dramaticidade impõe-se sobre o gracejo e desvela seu
sentido tragicômico.
O Mercador de Veneza confronta o que há de melhor e de pior na alma humana, qual
seja tolerância, intolerância, usura, benemerência, amizade, vingança, interesse, paixão,
e romance.
Shakespeare consegue envolver com as questões jurídicas que permeiam a
tragicomédia, os conflitos que moram no coração dos homens, criando assim uma das
maiores obras do dramaturgo inglês e de toda a história da literatura. Shakespeare e O
Mercador de Veneza nos fazem ver que nesse romance não é feita a justiça em seu
momento preciso ocorre injustiça e por vez torna-se vingança, a quem nada mais, nada
menos, o Direito condena e a Filosofia denuncia. As decisões judiciais podem conter,
por um lado, argumentos de princípio político, especialmente relacionados aos direitos
fundamentais da pessoa humana, e, por outro, argumentos de procedimento político,
ligados, por assim dizer, aos interesses da coletividade, funcionando com base em
alguma concepção de bem estar, de interesse público.
No filme, as razões e contra razões se chocam num clima passional (regido por paixão),
e a sentença se constitui permeando o dito e o interdito.
Percebemos claramente que se considerarmos a sociedade em que vivemos as
liberdades e deveres contidos na nossa Constituição, Shylock e Antônio são vítimas, um
da sociedade, da estrutura de poder da época, do preconceito, do racismo e até mesmo
de sua condição social, enquanto outro se despiu de suas garantis por que quis
(Antônio), abrindo mão do que mais tinha de precioso, sua vida e sua dignidade,
preciosidades indisponíveis, bens conferidos pelo direito natural. Quanto à Shylock, foi
ofendido em todas as esferas de sua vida, seja na sua condição de cidadão, que não
era, seja em sua crença, seja em atividade profissional, até mesmo em seu direito à
vida, já que foi ameaçado de morte. Percebemos também que o julgamento foi
tendencioso, feito por um juiz incompetente e suspeito, assim, Shylock foi, ainda, privado
do devido processo legal, e a sentença deveria ter sido nula de pleno direito.
Referências
Enciclopédia Britânica do Brasil Publicações Ltda. LIMA, R. L. O Mercador de Veneza
(The Merchant off venice). Acesso em: 18/11/2012
MENDRONI, M. B. Linhas gerais do processo canônico.
Acesso em: 18/11/2012
O MUNDO NA ÉPOCA: belas e sujas. Correio Web. Disponível em: BLOOM, H.
Shakespeare: a invenção do humano. Tradução de José Roberto O’Shea. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2000. FERSEN, A. O teatro, em suma. Tradução de Álvaro Lorencini e
Letízia Zini Antunes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987. FRYE, N. Sobre
Shakespeare. Tradução de Simone Lopes de Mello.
São Paulo: Edusp, 1999.
Acesso em: 18/11/2012
Referências bibliográficas
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 5/6, p. 475-484, maio/jun. 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º volume. São Paulo: Saraiva
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva 2005.
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