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    XXII REUNIO ANUAL DA ANPOCS

    CAXAMBU, MG, 27-31 de outubro de 1998

    GRUPO DE TRABALHO: RELIGIO E SOCIEDADE

    RELIGIO E MERCADO NO CONE-SUL: AS RELIGIES AFRO-

    BRASILEIRAS COMO NEGCIO.

    Ari Pedro OroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

    Resumo: Esta comunicao versa sobre a interpenetrao existente entre religio eeconomia no processo de transnacionalizao das religies afro-brasileiras para os pases doPrata. Com efeito, a difuso dessas religies para a Argentina e o Uruguai a partir do Rio

    Grande do Sul no consiste somente na transnacionalizao de um saber religioso poisjunto dele h toda uma gama de bens econmicos, portadores de significado simblico paraos membros daquelas religies, que so tambm exportados. Dessa forma, a expanso dasreligies afro-brasileiras para alem das fronteiras nacionais reverte em beneficioseconmicos tanto para agentes e empresas nacionais (pais-de-santo, fbricas e floras), queadministram, fabricam e vendem servios, objetos e utenslios econmicos para odesempenho da religio, quanto para empresas estrangeiras (santerias) que os importam erevendem. Assim sendo, a expanso e a reproduo das religies afro-brasileiras no mbitodo Cone-Sul constitui tambm uma importante atividade econmica pois aumenta a rendados seus promotores (pais-de-santo empresrios), gera empregos nas fbricas e no comrcioe arrecada divisas para os Estados e pases implicados.

    A comunicao procurar descortinar o lugar e o sentido que o econmico ocupapara os agentes sociais e as empresas implicadas no processo de transnacionalizaoreligiosa afro-brasileira no Cone-Sul.

    A difuso das religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul para o Uruguai

    ocorreu a partir das dcadas de 50 e 60 e para a Argentina em meados dos anos 60 e 70, h

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    vrios anos, portanto, antes da implementao da poltica de integrao regional com a

    formao do Mercosul (Segato, 1991)1. Na dcada de 80, porm, com o ingresso da regio

    na era da globalizao e contando com condies histricas peculiares, a propagao

    religiosa se acelera, no somente com o deslocamento contnuo de pais e mes-de-santo

    gachos para a Argentina e o Uruguai e de cidados destes pases para o Rio Grande do Sul,

    mas tambm com o incremento do comrcio de exportao e importao de bens e produtos

    religiosos afro-umbandistas2. Isto significa que, em parte, a globalizao dinamizou uma

    prtica religiosa e comercial j existente, mas que, tambm, ela contaminou, at certo

    ponto, com a racionalidade utilitria do pensamento economicista, empreendedores e pais e

    mes-de-santo engajados no processo de transnacionalizao religiosa. Isto, alis, no novo pois Bastide, em seu tempo, j havia notado que ... o advento da economia

    capitalista, com a aspirao do lucro, introduziu-se tambm na macumba, em certos

    candombls ou xangs, com o fito de comercializao(Bastide, 1971:317).

    No entanto, relativamente aos pais e mes-de-santo gachos, como tentaremos

    mostrar neste texto, malgrado a influncia da lgica capitalista- isto , da busca do lucro

    e da acumulao do capital - a lgica dos terreiros que, em ltima instncia, orienta

    a aplicao dos recursos por eles auferidos em suas viagens internacionais.O objetivo deste texto , portanto, analisar a interpenetrao existente entre religio

    1As origens do Mercosul remontam aos esforos de integrao empreendidos pelos governos do Brasil e daArgentina aps o retorno da democracia, em 1985. O encontro de Iguau, em novembro de 1985, pelospresidentes J. Sarney e A. Alfonsin, constitui a primeira iniciativa visando criar o Mercosul. Em novembro de1988 os mesmos presidentes assinaram o Tratado de Integrao, Cooperao e Desenvolvimento. Em 1990, osdois presidentes convidam o Uruguai, o Paraguai e o Chile para se associarem ao projeto. Os dois primeirosaceitam.

    O tratado de constituio do Mercosul foi assinado em maro de 1991 em Assuno, com a presenados presidentes dos quatro pases membros.

    2Em verdade, as relaes platinas ocorrem tambm com terreiros e pais e mes-de-santo de outras regies doBrasil. A propsito de So Paulo, por exemplo, escreve R. Prandi: Muitos dos pais e mes-de-santo de SoPaulo viajam constantemente para os pases do Cone Sul...(Prandi, 1991:204).

    R. Segato tambm refere que h na Argentina uma relao genealgica com uma famlia de santo doRio de Janeiro - fundada pelo Pai Tancredo da Silva Pinto, que criou uma variante do culto denominadoOmolok, que foi maciamente adotada na Argentina e uma famlia de santo que se diz descender daMe Menininha do Candombl do Gantois da Bahia (Segato, 1991:262).

    Hoje, na Argentina, admite-se que teria oficialmente cerca de 1.000 terreiros, enquanto que noUruguai em torno de 300, sendo 250 somente em Montevidu.

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    e economia no processo de transnacionalizao religiosa afro-brasileira do Rio Grande do

    Sul para os pases do Prata. Por transnacionalizao entendo, com Badie e Smouths, toda

    relao que, por vontade deliberada ou por destino, se constri no espao mundial alem do

    quadro estatal nacional e que se realiza escapando ao menos parcialmente do controle ou

    da ao mediadora dos Estados(Badie e Smouths, 1992).

    Trata-se, a economia, de uma dimenso geralmente deixada de lado quando se

    analisa a transnacionalizao religiosa esquecendo-se, como ocorre na difuso das religies

    afro-brasileiras para os pases do prata, que o econmico, direta ou indiretamente,

    acompanha e parte integrante do processo. Alis, a anlise da prpria economia dos

    terreiros, como lamentava Bastide em seu tempo3, parece ainda aguardar novos estudos,malgrado os excelentes trabalhos sobre o tema realizados por autores como Dantas (1979),

    Brando (1986), Vogel e outros (1988) e Prandi (1991).

    O texto est dividido em duas partes. Na primeira, analiso o lugar e o sentido que o

    econmico ocupa para as mes e os pais-de-santo gachos que participam do processo de

    propagao religiosa para os pases do Prata. Na segunda, apresento elementos sobre a

    produo de artigos religiosos afro-umbandistas, sua comercializao e exportao de Porto

    Alegre para os pases do Prata.Os dados resultam de entrevistas realizadas com 13 pais e mes-de-santo de Porto

    Alegre que participam do processo de transnacionalizao4, com uma dzia de pais e mes

    argentinos e uruguaios, e com proprietrios e funcionrios de fbricas e de lojas de

    umbanda de Porto Alegre, Buenos Aires e Montevideu5.

    3 Infelizmente, a economia das seitas africanas pouco conhecida, e no dispomos do oramento

    estabelecido por qualquer delas(Bastide, 1971:319).4 A lista no exaustiva e no est completa. Mas, sem dvidas, os atuais agentes mais importantes doprocesso de difuso das religies afro-brasileiras para os pases do Prata esto contemplados na amostra.

    Neste texto, a maioria dos depoimentos apresentados permanecero impessoais, uma vez que houveum acordo com os informantes no sentido de mant-los no anonimato quanto s suas posies pessoais.

    5Tais lojas so chamadas de floras no Rio Grande do Sul e de santerias nos pases do Prata.

    Agradeo ao estudante de cincias sociais da UFRGS e bolsista PIBIC, Valdir Pedde, pelainestimvel colaborao prestada por ocasio da pesquisa de campo realizada em Porto Alegre.

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    1 . Os promotores da transnacionalizao religiosa afro-brasileira para os

    pases platinos

    Apresento, inicialmente, o perfil dos promotores da circulao transnacional de bens

    e servios religiosos afro-brasileiros de Porto Alegre para a Argentina e o Uruguai6.

    Distingo os pais e mes histricos, j falecidos, dos atuais. Entre os primeiros

    merecem destaque cinco nomes, considerados no meio batuqueiro gacho e platino como

    pais fundadores do processo expansionista religioso afro-brasileiro do Rio Grande do Sul

    para os pases do Prata. So eles: Romrio (Almeida) de Oxal (1915-1989), Wilson

    (Avila) da Oxum (1935-1998), Hiplita Osrio Lima (Me Teta de Oxal) (? 1998) e

    especialmente Joo (Correia de Lima) do Bar (? - 1979) e Luiz (Antnio da Silva) do Bar

    (1913-1980).

    No atual meio religioso afro-brasileiro gacho e platino dupla a importncia

    atribuda aos pais e mes mencionados. Por um lado, so considerados inauguradores de

    prestigiosas linhagens religiosas internacionais; por outro, so tidos como modelo de

    comportamento e exemplo de conduta, como veremos, sobretudo no tocante ao

    distanciamento do econmico e na concepo da propagao internacional da religio afro-

    brasileira como uma atividade missionria.

    Relativamente aos atuais, identifiquei em Porto Alegre 13 pais e mes-de-santo que

    se desempenham enquanto agentes religiosos que mantm relaes e vnculos com a

    Argentina e o Uruguai. Mais precisamente, so 8 babalorixs, a saber: - Ailton Ferreira de

    Albuquerque, (pai Ailton da Oxum), Astronogildo Barcellos (pai Pirica de Xang),

    Herculano Teodoro Nogueira (pai Herculano de Oxal), Joao Cleon Melo Fonseca (paiCleon de Oxal), Jorge Antnio Soares (pai Jorge do Bar), Jorge Verardi (pai Jorge de

    Xang), Jos Vinicius Galhardo Pasos (pai Vinicius de Oxal) e Sebastio Madeira de Lima

    (pai Sebastio de Oxal) - e 5 ialorixs, a saber: Ana da Silva (me Ana de Obaluai),

    Clementina Alves Ignaci (me Santinha de Ogum), Horacina Pinto Cunha (me Horacina

    6Informaes complementares sobre esses pais e mes-de-santo constam em outro texto, apresentado nas VIIIJornadas sobre Alternativas Religiosas na Amrica Latina, So Paulo, USP, 22-25 de setembro de 1998.

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    de Oxal), Ieda Maria Viana da Silva (me Ieda de Ogum) e Nilza Terezinha Marques (me

    Nilzinha de Iemanj).

    A faixa etria dos referidos pais e mes varia entre 33 e 79 anos de idade. Todos so

    donos de terreiros em Porto Alegre e se dedicam exclusivamente religio7.Todos seguem

    o ritual Gege, com trs excees que seguem o rito Cabinda, Candombl Angola e

    Ijexa/Gege. Quatro deles so presidentes de federaes religiosas afro-brasileiras, ou seja,

    Herculano de Oxal preside a Afro-Rito; Sebastio de Oxal a Congregao Espiritualista

    de Umbanda do Rio Grande do Sul; Jorge Verardi a Afro-Bras e Ailton Albuquerque o

    rgo Superior Estadual dos Cultos Afro-Brasileiros e Exubandeiros (OCECAE). Dois

    foram distinguidos pelos governos locais com comendas e ttulos: pai Cleon (Fonseca) doOxal com a medalha Negrinho do Pastoreio, a mais alta comenda do Estado, e pai

    Ailton (Albuquerque) da Oxum, nascido em Pelotas em 3/11/1945, com o ttulo de cidado

    de Porto Alegre. Trs possuem uma carreira internacional, com filhos e consequentemente

    deslocamentos, para a Amrica do Norte e a Europa. So eles: Cleon (Fonseca) do Oxal,

    Jorge (Verardi) de Xang e Ailton (Albuquerque) da Oxum8. A mdia de tempo de contato

    da maioria deles com os platinos se situa entre 10 e 15 anos, encontrando-se, porm, numa

    extremidade , um que j o faz h quase 30 anos e outro que iniciou h 6 anos.Os 13 pais e mes se conhecem. Alguns mantm inclusive relaes estreitas entre si,

    o que no significa suas relaes sejam sempre cordiais e amistosas. As crticas mtuas so

    constantes e o tema da explorao econmica o preferido nestas ocasies.

    As declaraes abaixo refletem um discurso recorrente neste sentido:

    h pessoas srias dentro da religio mas a maioria so charlates. Eles queremvisar a parte financeira. um comrcio. A fazem qualquer coisa. Tem pessoas que cobram4, 5, 6 mil para aprontar um filho. A religio ficou desmoralizada.

    Ns temos pais-de-santo sentado no trono (...) Fazem comrcio da religio.

    7No Rio Grande do Sul, bem como no Uruguai e na Argentina, as religies afro-brasileiras so via de regrareferidas simplesmente pelo termo religio, sendo comum as expresses: eu sou de religio; a religiovai bem etc. Como j escrevi outras vezes, a utilizao rio-grandense do termo religio por parte dosmembros das religies afro-brasileiras provem desde a dcada de 30 e historicamente constituiu umaestratgia posta em prtica para se opor acusao sofrida de serem membros de uma seita, evidentemente, nosentido negativo do termo.

    8Este ltimo, inclusive, foi recentemente manchete em vrios jornais e revistas nacionais e italianas quando,em janeiro de 1997, inaugurou em Romaum terreiro de um filho seu.

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    De uma forma geral, argumentam os pais e mes referidos que os primeiros contatos

    com os pases platinos ocorreu dentro de uma das trs situaes seguintes: a) como respostaa uma demanda platina de legitimao religiosa decorrente de sociedades nacionais

    adversas e intolerantes prtica religiosa afro-brasileira; em outras palavras, vinham ao Rio

    Grande do Sul, sobretudo a Porto Alegre, na busca de iniciao religiosa junto a um

    renomado pai ou me-de-santo, e do reconhecimento oficial da sua condio de sacerdote

    junto a uma federao local; b) como consequncia da ao religiosa afro-brasileira

    realizada nas cidades gachas fronteirias como Santana do Livramento e Rivera, no

    Uruguai, e Uruguaiana e Paso de los Libres, na Argentina; c) como resultado de relaesfamiliares e amistosas entre babalorixs onde uns encaminham outros para atuarem no

    Uruguai ou na Argentina.

    Ao se referirem ao incio de sua atuao nos pases platinos, as mes e pais so

    quase unnimes em afirmar que foram tempos muito difceis devido discriminao

    religiosa sofrida sobretudo na Argentina, que teve como consequncia perseguies

    perpetradas pelas autoridades policiais locais contra as prticas pblicas da religio,

    especialmente o sacrifcio de animais e as oferendas em espaos externos aos terreiros.

    Sem desconsiderar a pouca tolerncia religiosa que de fato ocorreu sobretudo na

    Argentina, para a qual concorreu inclusive a fora policial, sugiro que a nfase posta hoje

    pelos pais gachos sobre a perseguio religiosa tanta que se tornou um dos mitos

    fundadores da expanso religiosa afro-brasileira para os pases do Cone-Sul, cujo sentido

    auto-elevar-se, uns mais do que outros, condio de heris fundadores que tiveram que

    vencer inmeras dificuldades, inclusive o aparato policial e as resistncias legais, para

    implantar a religio nos pases platinos9.

    Esta situao revela, de um lado, a imbricao existente entre mito e histria, como

    geralmente ocorre quando se se reporta aos incios de religies e constituio de locais de

    romaria e de peregrinao, e, de outro lado, a racionalizao (construo de mito) motivada

    por demanda de legitimao.

    A frequncia das viagens para os pases platinos (nos primeiros anos de nibus e

    9Relativamente perseguio e estigmatizao dos cultos afro-brasileiros no Brasil, ver, entre outros, Maggie,1992 e Concone, 1996, Negro, 1996.

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    hoje majoritariamente de avio), varia segundo os pais e mes e os pases. Mas, de uma

    forma geral, infere-se, como veremos, que a frequncia foi menor no incio - isto , anos 50,

    60 e 70 aumentou na dcada de 80 e arrefeceu na dcada de 90.

    importante frisar, porm, que se nos ltimos anos diminuram as viagens

    acentuou-se o contato com os platinos mediante o uso da tecnologia, sobretudo telefone, fax

    e mesmo internet por parte de alguns deles. Diga-se de passagem todos os 13 pais e mes

    referidos possuem telefone, convencional ou celular.

    2. O lugar e o sentido do econmico para os promotores do processo detransnacionalizao religiosa afro-brasileira para os pases platinos.

    As religies afro-brasileiras so bastante dispendiosas financeiramente para os seus

    membros e para quem delas se aproximam. Tudo envolve algum custo; direta ou

    indiretamente podem ser consideradas como religies pagas (Pierucci & Prandi, 1996).

    Especialmente o candombl (e tambm o batuque) , como refere R. Prandi,uma religio

    de deuses ricos para fiis pobres.

    O candombl uma religio de deuses ricos para fiis pobres. Ele joga a comuma contradio, que dupla. Primeiro, uma religio de deuses ricos na medida em queas obrigaes que lhes so devidas envolvem somas considerveis de recursos financeiros,sendo os iniciados em geral pobres ou muito pobres, especialmente os que constituem obaixo clero. Segundo, primando pela personificao - cada orix pessoal nico -, e nocontando com um corpo doutrinrio que privilegie o altrusmo, o candombl lana motambm da ajuda mtua para que o iniciado seja capaz de juntar os tpicos da lista da

    obrigao(Prandi, 1991:150-160).

    Ora, nesta religio de deuses ricos e fiis pobres, a caridade e a cooperao so

    constantes no interior dos terreiros, no configurando isso porm uma obrigao penosa,

    mas, como dizia R. Bastide, um privilgio que no concedido a qualquer um (Bastide,

    1971:318). Igualmente, nesta religio de deuses ricos, os pais e mes-de-santo, alem de

    sacerdotes, precisam se desempenhar enquanto micro-empresrios para constituir um fundo

    econmico capaz de garantir a infra-estrutura e o funcionamento do terreiro, alem do seu

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    prprio sustento e o de sua famlia.

    recorrente nesta religio o fato de que dificilmente os pais e mes-de-santo vo

    obter dentro do prprio terreiro, i. e., com os seus filhos-de-santo, todos os recursos

    necessrios para a reproduo da religio, especialmente os rituais constantes do calendrio

    litrgico. Ao contrrio, a parte financeira mais importante obtida fora do terreiro, na troca

    de servios rituais com pessoas que no pertencem comunidade religiosa, i. e., os clientes.

    Neste caso, quanto mais prestgio pblico detiver um pai ou uma me, mais ir atrair

    clientes e consequentemente aumentar a sua receita.

    Ora, os platinos que chegaram a Porto Alegre nas dcadas de 60 e 70, para se

    iniciarem na religio, foram integrados neste mesmo modelo de reproduo religiosa,mesmo no tocante aos custos da iniciao e ao tempo requerido para tal.

    Mas, com o passar dos anos eles comearam a pressionar os pais para efetuar um

    aprontamento mais rpido, tipo intensivo. Ou seja, solicitaram que a tradio fosse re-

    inventada e adaptada sua realidade de estrangeiros que podiam se fazer presente na

    capital gacha somente de tempos em tempos e no por muito tempo. Igualmente, por

    razes econmicas, os platinos que possuam casas abertas10 solicitaram aos pais e mes

    gachos que se deslocassem para l para atuarem religiosamente.Hoje sabe-se que as mes e os pais histricos, e mesmo alguns atuais, como

    veremos, procuraram se manter fiis tradio no encurtando o tempo de aprontamento

    dos filhos platinos. Porm, os que procederam a uma alterao quanto ao tempo destinado

    iniciao, passaram tambm a estipular um preo fixo para execuo da mesma. Ou seja,

    procederam a uma monetarizao dos rituais que obedecia as leis do mercado.

    Diferentemente foi o comportamento dos pais e mes histricos, a tal ponto de que a

    maioria deles faleceram pobres, apesar de se dedicarem inteiramente religio e de

    participarem do circuito religioso platino. Isto no quer dizer, porm, que no foram alvo de

    uma economia carismtica, isto , de doaes espontneas para si ou suas entidades, como

    alis, tambm ocorre nos dias atuais.

    Mesmo assim, como refere pai Herculano Nogueira, presidente da federao Afro-

    10Casa aberta uma expresso mica e se refere aos indivduos que uma vez iniciados e tendo recebidotodos os axs, constituem seu prprio terreiro, tendo seus prprios filhos, recebendo as pessoas para consultas,tendo um calendrio litrgico anual.

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    Rito:

    Os pais que j foram, que j morreram, que eu assisti aos ltimos minutos da vida

    deles, eles deixaram como herana a casa da residncia, pouco mais que um casebre, ondeatendiam centenas de pessoas diariamente. Eles no fizeram comrcio da religio. Notinham carro, no construram edifcio, no estavam cobertos de jias, sentados no trono.

    Sobre me Teta de Oxal, e a situao em que vivia, refere R. P. Hugarte, que

    visitou-a nos ltimos anos de sua vida:

    Me Teta vive en un nivel econmico restringido. El prprio local de culto tieneuna apariencia pobre y envejecida, habiendo perdido su colorido original la mayora de lafiguras puestas como adorno en las paredes; varias de las imgenes del altar (...) muestran

    desgaste y cascaduras(Hugarte, 1993:75).

    Especificamente sobre o pai Joo (Correia de Lima) do Bar - um dos expoentes

    mximos do processo de propagao da religio para a Argentina e o Uruguai - assim se

    pronuncia Adalberto Pernambuco Nogueira, presidente da Unio de Umbanda do Rio

    Grande do Sul:

    Ele morava no Mont Serrat, numa casa antiga, caindo aos pedaos. Andava de

    chinelo, cala de riscado e camisa de fsica. Esta era a roupa do dia-a-dia dele.

    Diga-se de passagem que alem de auferirem parcos benefcios econmicos no

    desemprenho religioso, alguns pais e mes histricos realizavam servios assistenciais,

    como testemunha me Ana da Silva, filha biolgica de Luiz (Antnio da Silva) do Bar:

    Meu pai era dedicado exclusivamente religio, a fazer caridade para crianascarentes. Ele tinha o gabinete mdico e dentrio para pessoas carentes. Era a cesta bsicaque ele fazia todos os meses. O natal das crianas pobres ele fazia naquele canto ali.

    Ficava alto de presentes para as crianas. E essa era a vida dele, tocando religio; tocavatrs, quatro vezes por ano. Fazia para quem tinha, para quem no tinha ele trabalhavaigual.

    Tambm Pernambuco Nogueira reconhece que Luiz do Bar realizava um belo

    trabalho assistencial: Ele atendia todo pessoal pobre do Camaqu.

    Igualmente, a argentina Maria Ester Gonzalez, Maria Ester de Nan, filha-de-santo

    de Luiz do Bar, fala de sua abnegao:

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    Foi uma personalidade que quando algum no tinha e era preciso fazer, elefazia. Eu mesma no tinha um tosto e ele botou tudo e eu fui dando como podia. Nuncame exigiu nada. No importava se tinha dinheiro ou no. Ele sempre dava caridade.

    Tambm alguns pais e mes que participam atualmente da transnacionalizao

    religiosa expressam sua averso em relao s mudanas das regras da tradio e

    monetarizao dos rituais, sobretudo de aprontamento. Vejamos alguns depoimentos:

    Tem pai-de-santo e me-de-santo que iam para a Argentina, a pessoa nemconhecia a religio e j botavam no cho, botavam sangue na cabea, j aprontava, jdava faca, davam bzio. Eu no fao isso. Eu posso atender milhares de pessoas mas eu

    fao a obrigao para uma pessoa se acaso necessrio e ponto final. Botar para dizerque tem 300, 500 filhos, no. Jamais vou me prevalecer da minha religio. Nunca. Eles(argentinos) acham que a pessoa que no cobra nada, que no cobra muito, no sabenada, quando justamente o contrrio.

    Tem pai, eu no sei como que eles fazem. Vo l (Argentina/Uruguai) numasemana e aprontam. Aprontam como pai-de-santo. No entendo este critrio que eles usam.Aprontamento no fazer o ritual. Vai alem do ritual. O ritual a confirmao que tusabes at aquele degrau.

    Hoje pais-de-santo que esto indo l (Argentina/Uruguai), infelizmente so meus

    irmos, mas eu tenho que falar. Esto aprontando em um ms. Aprontam as pessoas queesto abrindo casas sem saber o que que vo fazer. Alem disso, exploramfinanceiramente. Isso redunda muito mal para o nosso nome na Argentina.

    Eu posso dizer com muito orgulho; eu sou uma ialorix que entrei na Argentinaajudando e at hoje estou ajudando. Tudo o que eu tenho no foi a Argentina que me deu.Eu entrei na Argentina fazendo caridade. A ltima vez, a ltima viagem que eu fiz para aArgentina eu no ganhei 200 dlares. O dinheiro que eu trouxe foi dos meus fregueses, masde filhos no.

    No fui em nenhum dos pases busca de dinheiro, como muitas pessoas sedeslocam para o exterior em busca realmente do setor financeiro.

    No entanto, mesmo os pais e mes que se pronunciam contrrios ao pagamento por

    suas atividades religiosas, de alguma forma se beneficiam economicamente pois no

    desprezam as doaes voluntrias dos fiis e clientes e no realizam nenhuma viagem para

    os pases do Prata com despesas prprias11.

    11 Por isso, pode-se aplicar tambm para o Rio Grande do Sul a afirmao de L. Negro em relao

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    Por outro lado, e como no poderia deixar de ser, poucos so os pais e mes que

    assumem terem adaptado as prticas religiosas segundo os interesses dos platinos e

    sobretudo que dispensaram especial ateno ao econmico. Um pai, assume esta posio.

    Diz ele em relao ao aprontamento rpido:

    Eu era um grande crtico em relao aos pais que aprontavam rpido. Hoje euno critico mais porque se eu no fao, outro faz (...). Vai dar dinheiro para outro, ele vaifazer igual. No vamos evitar que as pessoas se aprontam. Mas, os verdadeiros culpadosso eles que querem muito mais do que eles podem ter.

    Em relao remunerao financeira obtida no exerccio religioso platino diz ele

    que a receita de cada viagem

    varia do tipo de trabalho que tu vais fazer. H dois anos atrs eu ficava cinco diase fazia em mdia 5 a 6 mil dlares. Tudo depende do tempo que tu ficas. No Uruguai outra situao socio-econmica. Os argentinos cobram 50 dlares num jogo de bzios; noUruguai custa 15, no mximo 20 dlares. No Uruguai, para tu ganhares algum dinheirotens que suar.

    Sobre o custo de um aprontamento, continua o mesmo pai:

    o ax varia muito de acordo com o pai-de-santo e o preo varia segundo o poderaquisitivo da pessoa que est fazendo a obrigao.

    Outro pai afirma que tem pessoas que cobram 4, 5 6 mil para aprontar um filho

    argentino.

    O pagamento, esclarece um terceiro pai-de-santo, precisa ser efetuado vista:

    os argentinos so assim: se tem que pagar, pagam agora (quando se aprontam);depois no pagam mais. Por isso o pai-de-santo cobra bem por ocasio do aprontamentoporque sabem que dificilmente vo ter outra oportunidade de cobrar.

    Para os pais e mes-de-santo que estabelecem o econmico como uma das suas

    motivaes religiosas, as casas de seus filhos abertas no Prata constituem verdadeiras

    filiais pois abrem uma nova frente de trabalho, no somente para com seus filhos mas

    principalmente para com clientes, radicando aqui uma importante fonte de divisas.

    Umbanda em So Paulo:So poucos os terreiros que no cobram de alguma forma e sob nenhum pretexto(Negro, 1996:356).

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    Um pai relata como funciona o negcio:

    Eles (argentinos/uruguaios meus filhos) se renem e resolvem chamar o pai.

    Claro, com isto eles tambm renem pessoas que queiram consultar comigo. Ento, paraeles, fica mais fcil se juntarem, se cotizarem e levarem o pai de santo l. Ento eu fico disposio deles l. Eu atendo as pessoas para poder aguentar a viagem. Eu atendo osclientes que eles (os filhos) me conseguem para poder aguentar a viagem, para tirar algumtipo de proveito. assim que a gente trabalha.

    Outro pai comprova ser esse o procedimento mais usual. Diz ele:

    A primeira casa que abri l foi em San Martin, Buenos Aires, de Me Ins deOxal. Ela me apresentou muita gente, muitos clientes. Agora cada vez que eu vou Argentina na casa de um ou de outro, sempre tem para mim atender. No boto anncio no

    jornal, no boto na televiso. Sou chamado.

    Portanto, importante notar o papel de mediao que as filiais platinas executam

    entre os pais e mes gachos e os novos clientes. Observei in loco que na atualidade eles

    escolhem uma casa de um filho seu, em Buenos Aires ou Montevideu, para servir como

    uma espcie de quartel-general. Tendo geralmente boa infra-estrutura, ali se estabelecem

    e atendem os seus filhos e clientes.

    O perodo ureo das relaes religiosas internacionais platinas, isto , de maior

    fluxo religioso e receita financeira nada desprezvel, como vimos, situa-se na dcada de 80.

    Nesses bons tempos, como referem alguns pais e mes, as viagens aconteciam a cada 3

    meses, ou cada 2 meses, ou a cada ms ou mesmo a cada 15 dias, conforme os pais e mes-

    de-santo.

    Esse importante perodo das relaes religiosas internacionais platinas ocorre, pois,

    na ocasio em que na Argentina inicia o processo de redemocratizao do pas. Como diz

    um antroplogo argentino, o retorno vida democrtica em 1983 possibilita um boom da

    religio, em 1984 e 1985 (Frigerio, 1998, no prelo), posto que muitos templos quefuncionavam clandestinamente passam a faz-lo publicamente (Carozzi & Frigerio,

    1992:72).

    J no Uruguai, o crescimento do nmero de terreiros e o incremento das relaes

    religiosas com o Brasil ocorre tambm neste perodo mas as condies polticas deste pas

    so diferentes da Argentina, posto que, segundo R. Pi Hugarte, a maior difuso da religio

    coincide com o perodo ditatorial, que se estende at 1985, embora prossiga aps ele.

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    Segundo aquele autor, a maior procura da religio no perodo ditatorial est relacionado

    com a

    queda contnua do salrio real, ilegalidade das instituies polticas e sindicais,com a proibio de suas atividades, aplicao generalizada dos mtodos de terrorismo deEstado, perseguio e amedrontamento da populao com a compreensvel sequela dedesnimo e desmobilizao para amplos setores(Hugarte, 1993:98).

    , pois, neste clima social platino favorvel da dcada de 80, mas varivel segundo

    os pases, que 3 ou 4 pais-de-santo de Porto Alegre realizam constantes viagens para a

    Argentina e o Uruguai e se beneficiam economicamente.

    No entanto, a partir do incio desta dcada ocorreu um refluxo das relaes

    internacionais acompanhado de uma diminuio de viagens e de reduo do benefcio

    econmico. O esfriamento das relaes religiosas platinas deve-se, segundo eles, em

    primeiro lugar, crise econmica platina, sobretudo argentina, que reduziu os

    investimentos das pessoas na religio, embora no tenha diminudo o interesse pela mesma.

    Vejamos alguns depoimentos:

    A situao econmica dessas pessoas (argentinas) mudou muito. Para eles, vaificando cada vez mais difcil vir fazer as obrigaes aqui;

    Em termos financeiros para eles (argentinos) est bem mais difcil do que parans. No est to fcil como quando eu iniciei;

    A Argentina est passando por uma situao econmica muito difcil; mas onosso pas tambm est passando por isso (...). Antes era muito mais fcil. Era s chegar ldizer: eu sou o pai tal e a eles caam como patinhos. Hoje no;

    Hoje est muito difcil l (Argentina). A situao deles est muito difcil do que anossa. Hoje no se ganha mais dinheiro na Argentina. Fazem 5 anos que eu estou indo ls para ver meus filhos.

    Em segundo lugar, o afrouxamento das relaes religiosas platinas resulta da

    concorrncia que os pais e mes gachos sofrem de parte dos seus colegas locais - que vo

    se impondo religiosamente e assim ocupando espaos antes detido pelos brasileiros - e das

    crticas platinas de que so alvo.

    De fato, a partir de 1985, os brasileiros, gachos principalmente, que atuam na

    Argentina foram alvo de uma campanha de corte do cordo umbilical com o Brasil, i. e,

    de desvinculao institucional com as federaes brasileiras, alem de serem acusados de

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    priorizar o econmico acima de qualquer coisa. Ouamos alguns depoimentos:

    Yo me he cansado de decir que ac en Argentina hay tantos babalorixs mejores,

    ms buenos que tal vez en Brasil. Los nuevos, hoy en dia, es un problema de negcios.Vienen ac y sin fundamento hacen hijos de santo, cobrndole dinero (Pai Luis, numprograma de rdio);

    En Brasil no se practica la religin como se debe; la gente lo toma como um meiopara vivir, una especie de negocio(Pai Adrin);

    La culpa de que la religin est mal aqui en Argentina es de los brasileos, que leensean mal a la gente, solo por la plata(Me Graciela)12..

    Os portoalegrenses mais atuantes no processo de transnacionalizao, por sua vez,reagem contra a concorrncia religiosa platina e elegem, como eles, a questo econmica

    como alvo principal de suas crticas, o que revela ser o tema da explorao econmica

    bom para criticar. Vejamos trs depoimentos neste sentido:

    De uns tempos para c as coisas deram uma desvirtuada muito feia. As pessoasquerem entrar na religio j ganhando seu ax de faca, j querem ganhar o seu ax debzios, j querem trabalhar. Eu acho que a coisa ficou mais para o lado comercial;

    Todos os argentinos e uruguaios querem ser pais-de-santo. Ningum quer serfilho, entendeu? Porque eles esto visando unicamente o dinheiro. Ganhar dinheiro. Elesesto nisso para ganhar dinheiro. Eles se preocupam mesmo com a parte material. Aprimeira coisa que eles querem ganhar dinheiro. Eles querem se aprontar rpido paraser pai-de-santo e ganhar dinheiro. Basicamente ns brasileiros buscamos a religio, a f.Eles no. Apesar disso, eu acho que eles tm bastante f. Mas a viso deles buscar aparte material, dinheiro. Eles (pais-de-santo argentinos) so muito carinhosos,respeitadores, mas sempre colocam o material em primeiro lugar.

    O que est acontecendo agora que alguns argentinos prontos por alguns pais-de-santo que no so do meu conhecimento esto fazendo uma campanha muito grandecontra os brasileiros. Mas so pais-de-santo que no tem o fundamento que os pais-de-santo brasileiros que iniciaram na Argentina. Eles no sabem que fazem mas esto dandouma de galo. Vo para a televiso, esto fazendo associao contra os brasileiros.Chamam os brasileiros de tudo. So uns vivos. S querem dinheiro. Nesse ano que passou(1996) houve muita campanha contra os brasileiros mas que no chegou a nos atingirdiretamente.

    12Estes trs depoimentos foram retirados de Frigerio, 1993:100.

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    Essas acusaes e desqualificaes mtuas revelam que de fato existe uma ntida

    rivalidade e uma relao conflituosa entre alguns, seno a maioria, dos pais e mes-de-santo

    gachos que possuem filhos e mantm relaes sobretudo com a Argentina, e os seus

    colegas deste pas. Este fato revela que est em jogo uma disputa de poder pela ocupao do

    espao religioso afro-brasileiro e pelo exerccio legtimo da prtica religiosa naquele pas.

    Mas, recordo que conflito h tambm entre os prprios pais e mes gachos que

    participam do circuito platino de bens e servios religiosos afro-brasileiros especialmente

    em razo de alguns, mais do que outros, darem maior valor ao econmico no desempenho

    de sua atividade religiosa.

    Cabe agora a pergunta: enriqueceram os pais e mes-de-santo que claramente sebeneficiaram economicamente de suas prticas religiosas platinas? A resposta

    preferencialmente negativa. Seno vejamos.

    Por um lado, no parece ter havido um aproveitamento econmico pessoal. certo

    que aplicaram parte dos benefcios no seu prprio sustento e de seus familiares bem como

    na manuteno e funcionamento da sua casa (de religio). Mas, no se percebe que tenham

    investido no consumo (pessoal) de bens, materiais e simblicos, que na sociedade

    capitalista constituem smbolos de status e de riqueza tais como: carro do ano, imveis,viagens internacionais de turismo, etc.

    Por outro lado, d para se perceber que eles conseguiram constituir um capital

    financeiro que lhes permitiu reformar ou ampliar os seus terreiros (que se colocam entre os

    maiores da capital gacha), dar mais e maiores festas (inclusive algumas com sacrifcios de

    dezenas de animais, mesmo bovinos), arcar com as inmeras despesas que asseguram a

    infra-estrutura dos terreiros, realizar trabalhos de assistncia social (em favor de crianas

    carentes, moribundos, idosos), hospedar e arcar com as despesas de visitantes platinos13.

    Ou seja, em ltima instncia os pais e mes em questo aplicaram na prpria

    religio (terreiros/rituais) os benefcios econmicos alcanados na sua atuao religiosa

    platina. E isto deve-se a uma razo prtica, visando, tal como refere R. Prandi para alguns

    terreiros paulistas, constituir um fundo econmico que facilita, no mnimo materialmente,

    13Explica um pai-de-santo de Porto Alegre que quando eles (os platinos) vem para festas, ficam na tua casa,comem e bebem e a gente que que bancar tudo.

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    a sua realizao como lder religioso de seu grupo de adeptos, numa religio em que o

    dispndio material muito grande e decididamente muito significativo (Prandi, 1991:229).

    Mas deve-se tambm a razes simblicas. Em primeiro lugar, a conquista de maior

    prestgio. Ou seja, vivendo num meio scio-religioso altamente concorrencial e

    competitivo, os pais e mes-de-santo investem seus rendimentos preferencialmente nos

    smbolos de prestgio internos ao prprio meio e no nos indicadores de prestgio externos

    aos terreiros. Em segundo lugar, retribuio e oferta aos prprios orixs dos benefcios

    alcanados por seu intermdio. Neste caso, fiis tradio - segundo a qual o econmico

    orientado pela religio (Vogel e outros, 1987) - pautam seu comportamento segundo a

    lgica do pacto e da troca com os orixs e de acordo com a concepo de que o ax umvalor que pode ser incrementado, acumulado (Prandi, 1991:104), dependendo da

    disponibilidade financeira de cada um (Vogel e outros, 1987).

    Portanto, como geralmente ocorre nesse meio religioso, o destino dado ao lucro

    financeiro platino obtido por alguns pais e mes-de-santo gachos obedece

    preferencialmente a lgica do terreiro e no da sociedade capitalista inclusiva que

    conduziria ao enriquecimento pessoal puro e simples, embora sempre haja excees.

    3. A produo e a comercializao de bens simblicos afro-brasileiros

    A reproduo das religies afro-brasileiras, sobretudo as suas formas mais

    tradicionais, requer a presena de mercadorias diversas, objetos e bens simblicos de vrias

    espcies. Seno vejamos, a titulo de ilustrao:

    - a iniciao de um filho-de-santo comporta vrios rituais e obrigaes que exigem

    uma lista considervel de mercadorias, alem do preo do ax do agente que os ministra;

    - os pegis e congs, conforme a tradio religiosa, requerem velas, imagens,

    smbolos diversos, alem de frentes compostas de bandejas repletas de comidas, doces e

    salgadas;

    - muitos rituais necessitam de animais a serem sacrificados assim como comidas

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    diversas oferecidas s entidades e a todos os participantes, independentemente do grau de

    vnculo que tenham com a casa e com a religio;

    - a participao em rituais requer dos seus membros o uso de uma indumentria

    prpria, cujas cores e tecidos mudam segundo o ritual e as entidades homenageadas;

    - os trabalhos, i.e., aes ritualsticas realizadas em favor das entidades,

    comportam sempre uma lista de bens necessrios sua execuo.

    Ora, esta religio to absorvente de elementos materiais esteve tradicionalmente

    vinculada ao mercado, inclusive na Africa14. Por isso, nas principais capitais brasileiras o

    mercado constitui um importante lugar para os membros das religies afro-brasileiras

    encontrar os bens necessrios para a feitura das obrigaes. o caso de Madureira no Riode Janeiro, do mercado municipal da Lapa, em So Paulo, alem dos mercados da Bahia,

    Recife, Belem. Neles ocorrem vrias trocas, no somente econmicas. Ou seja, alem dos

    seus membros se abastecer dos bens necessrios prtica religiosa - embora nem tudo o que

    requerido na religio possa ali ser encontrado pois nem tudo passa por uma operao

    comercial; o caso de pedras e ervas obtm informaes importantes acerca da religio,

    terreiros e seus rituais, ocorrncias e eventos, relao entre lderes religiosos, etc.

    Em Porto Alegre o mercado religioso afro-brasileiro iniciou no Mercado PblicoMunicipal15. Nele surgiram as primeiras casas especializadas na venda de artigos de religio

    da capital gacha16. A flora mais antiga ali existente data de 1912. Hoje, no referido

    14Na Africa, embora no s l, o mercado est na origem de muitas cidades. Ele cumpre funes econmicas,mas tambm sociais e religiosas. No contexto africano, no mercado faziam ponto os sacerdotes de If, osBabalawos, aguardando consulentes para, se necessrio, encaminh-los aos Templos, a fim de ouvirem If, oOrix do Destino e, portanto, da adivinhao. Efetuavam-se transaes visando aquisio de animais

    destinados ao sacrifcio ou de materiais religiosos no fabricados na regio. Tais operaes eram efetuadasno sistema do escambo ou pela aquisio em moeda corrente, no nos esquecendo de que esta erarepresentada pelos caw ris, aqui mais conhecidos por bzios(Nogueira, 1996:24).

    15Este mercado existe na capital gacha desde 1869; est situado no Largo Glnio Peres, no centro da cidade.

    16Segundo Adalberto Pernambuco Nogueira, Antigamente (...) os proprietrios (dessas casas) eram pessoasligadas intimamente ao culto, mesmo que no iniciadas. Assim sendo, tinham condies de, pelos pedidosformulados pelas Casas, no s saberem a Nao nelas cultuadas, como tambm avaliarem a competnciados seus dirigentes com referncia s mais variadas cerimnias a serem efetuadas. Hoje j no se encontrammais pessoas com tais qualidades, parecendo-nos que o velho Bandeira, antigo proprietrio de uma dasfloras localizadas em nosso Mercado municipal, foi o ltimo remanescente do grupo (Nogueira, 1996:28).

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    mercado h um total de cincofloras em funcionamento17.

    Mas junto com, ou alem, das lojas situadas no mercado, as floras, enquanto

    estabelecimentos comerciais que atendem s demandas por artigos religiosos, vo surgindo

    em outros pontos das cidades. Tais lojas constituem o lado da economia formal de uma

    religio caracterizada por atividades econmicas escondidas, submersas, invisveis, ou seja,

    por uma economia informal (Prandi, 1991), margem do sistema (Aubre, 1987). Na

    cidade de Porto Alegre, segundo dados obtidos junto Secretaria Municipal de Indstria e

    Comrcio, h cerca de 150 estabelecimentos que comercializam artigos religiosos, dos

    quais em torno de um tero so especializados em produtos religiosos afro-brasileiros.

    Ainda segundo o levantamento realizado junto aos proprietrios das floraslocais, amaioria deles no possui nenhum vnculo com a religio constituindo-se as floras numa

    exclusiva atividade comercial. O mesmo, como veremos, ocorre nos pases do Prata.

    Retomando o tema da transnacionalizao religiosa afro-brasileira do Rio Grande do

    Sul para a Argentina e o Uruguai, fcil entender que nos primeiros tempos em que o

    processo fora desencadeado, havia nesses pases uma carncia quase total dos bens

    necessrios ao desempenho da religio. Assim sendo, os platinos deviam se abastecer dos

    mesmos no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, e os pais e mes gachos quando sedeslocavam para l deviam levar consigo quase tudo do que necessitavam.

    Mas, na medida em que a religio vai se difundindo na Argentina e no Uruguai,

    tambmflorasou santerias com produtos afro-brasileiros comeam a se instalar naqueles

    pases.

    Hoje, em Buenos Aires a maior concentrao de santerias se encontra no bairro

    Liniers, na Rua Cuzco, no limite entre a capital e a Provncia de Buenos Aires, em frente e

    nos lados da igreja catlica e santurio de So Caetano. As primeiras santerias ali

    instaladas visavam atender s necessidades e demandas dos devotos catlicos. No entanto,

    logo surgiram tambm santerias mistas, i. e, que colocaram disposio dos clientes

    produtos catlicos e afro-umbandistas e mesmo, em algumas, bens e smbolos esotricos

    em geral.

    Em duas observaes de campo realizadas no referido bairro, em novembro de 1997

    17Elas localizam-se nas bancas N. 49, que funciona h 32 anos, N. 15, h 26 anos, N. 37, h 20 anos e N. 45,

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    e junho de 1998, contei 25 santerias, localizadas num raio de 400 metros do santurio

    catlico18. Seis santeriasvendem exclusivamente artigos catlicos; nas demais podem ser

    encontrados artigos que respondem s necessidades de catlicos, afro-umbandistas e

    mstico-esotricos em geral.

    Obviamente que, muitas vezes, so os mesmos smbolos religiosos que, dada a

    polissemia de sentidos a eles atribudos, so procurados por membros de diferentes

    religies.

    Intil dizer que santerias so tambm encontradas em outros bairros de Buenos

    Aires e mesmo na rea central da cidade, o que revela o interesse argentino pelos bens

    religiosos em geral e pelos afro-brasileiros em particular.Em Montevideu, a incidncia de santerias parece ser menor do que em Buenos

    Aires. Folheando trs edies do jornal Atabaque19, topei com a publicidade de 13 santerias

    e 2 granjas. Segundo observei em novembro de 1997, a maior concentrao das santerias

    da capital uruguaia se encontra na rua Fernandez Crespo, onde contei 5 santerias, cuja

    especificidade radica no fato de que elas se encontram ao lado e em frente a sede central da

    Igreja Universal do Reino de Deus. Neste caso foi esta igreja que se instalou, alugando um

    antigo cinema, em meio s santeriaspr-existentes, diferentemente de Buenos Aires, ondeforam as santerias(afro-umbandistas) que se instalaram em torno de um santurio catlico

    j existente.

    Em Montevideu, ainda, a poucas quadras da R. Fernandez Crespo, a santeria

    Yemanj constitui, segundo seus proprietrios, o primeiro supermercado de artigos

    religiosos do Uruguai.

    No princpio do aparecimento das santerias platinas, os produtos comercializados

    provinham todos do Brasil, especialmente de Porto Alegre, So Paulo, Rio de Janeiro e

    Bahia. Com o passar dos anos, porm, surgiram fbricas locais de vrios produtos

    h 15 anos e banca A, h 86 anos.18Vide, em anexo, um croquis da disposio das santeriasno bairro Liniers, prximo igreja de So Caetano,em Buenos Aires, e da Rua Fernandez Crespo, em torno sede da Igreja Universal do Reino de Deus, emMontevidu.

    19 um jornal afro-umbandista, fundado em 1997, de circulao mensal, editado pelo Templo UmbandistaCaboclo Sete Flechas Reino de Omulu,de Montevideu.

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    religiosos. Hoje a situao mais ou menos semelhante no Uruguai e na Argentina: as

    fbricas locais abastecem o mercado interno com a maior parte do consumo de velas, de

    diversas cores e tamanhos, e de algumas imagens (especialmente de Ogum, Bar, Oxum,

    Iemanj e Oxal). H tambm produo local de defumadores, fludos e alguidares.

    Em Montevideu, como tambm na Provncia de Buenos Aires, h criadores de

    animais destinados para a religio, com entrega a domiclio20. Na capital uruguaia pode-se

    tambm encontrar santerias especializadas em indumentrias religiosas, como La

    Boutique de la Casa de las Velas, localizada no nmero 1783 da F. Crespo. Nela esto

    expostos axs, luvas, chapus e capas para exus e pombagiras. H inclusive manequins

    destas entidades ostentando as vestimentas21. Toda esta indumentria confeccionada porum costureiro local. J em Buenos Aires as vestimentas ritualsticas no so encontradas

    nas santerias mas confeccionadas pelos prprios membros da religio ou por modistas

    comuns22.

    Mas, a importao do Brasil continua. o caso de imagens, como de Exus e Pomba-

    Giras, Pretos Velhos e Caboclos, alem de orixs, objetos em metal, livros, discos e fitas

    cassete, azeite de dend, tambores, e especialmente defumadores e fludos. Para os

    proprietrios de santeriasplatinas, a qualidade dos produtos brasileiros superior aos seus:as imagens so mais belas, especialmente o rosto; os defumadores no desmancham e

    queimam melhor. Evidentemente que os proprietrios de fbricas em Porto Alegre, como

    Rosenir C. Peixoto, da fbrica Tup Indstria e Comrcio, tambm asseguram que

    incomparvel a qualidade dos produtos brasileiros (gachos) em relao aos fabricados em

    outras partes do Brasil e na Argentina. Diz ele:

    Nosso produto do Rio Grande do Sul qualidade. No resto do Brasil a produo

    20 Em uma santeria da F. Crespo, em Montevideu, encontrei um folhetim publicitrio com os seguintesdizeres: Venta de animales BENGUELA, seriedad, puntualidad y fundamento. Somos gente de religiontrabajando para usted. Todos los animales para su obligacin gallos y gallinas de campo, patos, pavos,palomas y 4 pies. Entrega a domicilio sin cargo. Pedidos al te. 09 42 95 67.

    Nas imediaes de Buenos Aires, j na Provncia de Buenos Aires, h trs granjas especializadas emfornecer animais e aves para o consumo na religio.

    21Nesta boutique uma capa para exu, de cor preta e vermelha, em veludo, custa 140 dlares.

    22 Em algumas santerias de Buenos Aires pode-se eventualmente encontrar axs vindos diretamente daRepblica do Nigria.

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    feita para combate; por isso no tem qualidade;

    Na Argentina eles sabem que produto brasileiro sinnimo de qualidade. J osdefumadores deles uma coisa. Literalmente uma coisa, aquilo no defumador.Desmancha; parece que feito com bosta de vaca.

    Mas, alem destas razes prticas, h razes simblicas importantes que asseguram a

    procura platina por produtos brasileiros. Atribuem a eles maior eficcia, justamente por

    serem produzidos no pas em que a religio se estruturou. Constrem, assim, uma

    representao de que os produtos brasileiros so portadores de mais ax do que os

    nacionais. Os produtos brasileiros tem encanto, afirmou a proprietria de uma santeria

    argentina.A partir de novembro de 1997, porm, a legislao do Mercosul introduziu um

    complicador que afetou as exportaes de artigos religiosos. Com efeito, a partir daquela

    data entrou em vigor uma exigncia legal, j existente para as exportaes para outros

    continentes, segundo a qual os produtos exportados/importados precisam passar pela

    fiscalizao fito-sanitria para averiguar a composio e assegurar a qualidade dos mesmos.

    Como isto tem um custo23, encareceu ainda mais a importao platina dos produtos

    religiosos. Mesmo assim, pelas razes acima apontadas, os produtos nacionais soprocurados. Naqueles pases, neste ramo de comrcio, a inscrio made in Brazil o

    maior marketing possvel.

    H hoje em Porto Alegre importantes indstrias que exportam seus produtos

    religiosos para os pases platinos. o caso especialmente da Comercial Hana Noka e da

    Tup Indstria e Comrcio. Ambas so empresas que surgiram com o desmembramento da

    empresa pioneira no ramo no estado do Rio Grande do Sul: a Livraria e FloraOlmpia,

    aberta ainda na dcada de 40. Quando seu proprietrio faleceu, seus filhos desmembraram a

    Olmpia emHana Noka,para uma parte da famlia, e Chama Dinheiropara outra. A Hana

    Noka foi revendida e seu novo proprietrio mudou a razo social para Nag Indstria e

    Comrcio, que o atual proprietrio, Ernani Ernesto Agiova, por sua vez, mudou novamente

    de nome, agora para Ogum Indstria e Comrcio. Foi nas dcadas de 70 e 80 que a empresa

    se firmou no mercado nacional e internacional com o nome Hana Noka que, desta forma,

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    permanece como marca da empresa at os dias atuais. A segunda empresa, a Chama

    Dinheiro, foi adquirida pelo atual proprietrio, Rosenir Carlos Peixoto, em 1987, que

    mudou sua razo social para Tup Indstria e Comrcio. No entanto, Chama Dinheiro,

    permanece como a marca da empresa.

    A Hana Noka possui hoje 10 empregados enquanto que a Tup 8. O proprietrio da

    primeira no se diz membro da religio e considera a sua atividade exclusivamente como

    negcio. J Peixoto participante da Umbanda. Alis, afirma que foi quando ingressou na

    umbanda que deu o estalo desse negcio. Abriu inicialmente uma flora para varejo,

    tornou-se mais tarde atacadista e em 1987 adquiriu a fbrica Tup deixando a florapara seu

    irmo.A Hana Noka iniciou a exportao na Argentina ainda na dcada de 60 e

    incrementou nas dcadas de 70 e 80. Hoje, segundo a secretria executiva da empresa,

    Portugal absorve 50% de toda a produo. O restante destinado para a Argentina, Uruguai

    e em menor volume para o mercado interno. Contrariamente Hana Noka, a produo da

    Tup majoritariamente colocada no mercado interno. As exportaes tambm ocorrem

    para Portugal, Sua e Argentina, sendo esta a ordem de volume de exportao.

    Em ambas as empresas, o carro-chefe da produo, em volume aproximado de 70%do total, so os defumadores24, cujo segredo reside no fato, segundo os proprietrios

    gachos, de queimar at o fim. A ele seguem fludos, banhos, sabonetes, perfumes, incenso,

    baralho, talco, giz, cremes, pembas25. H finalidades recorrentes impressas nos rtulos de

    todos esses produtos, tais como: abre caminho da sorte, chama dinheiro, chama

    fregus, contra olho e inveja, limpa tudo no lar, atrai amor, pega homem,

    pega mulher, alem de produtos destinados a quase todos os orixs cultuados no batuque.

    23No Brasil hoje o custo de cada anlise fito-sanitria de 116 reais, realizada para cada tipo de produtoexportado.24 H uma gama bastante diversificada de defumadores pois se destinam para atender aos mais variadosobjetivos. A composio dos defumadores basicamente p-de-madeira, anelina, breu e outras essncias.Menos o p-de-madeira, o restante importado de Rio e So Paulo.

    25A ttulo de exemplo, na lista dos produtos da Hana Noka constam: 44 tipos diferentes de defumadores emtablete; 24 tipos diferentes de banhos lquidos sem caixa e 8 com caixa; 20 tipos diferentes de fludos comcaixa e 8 sem caixa; 17 tipos diferentes de perfumes de 40 ml e 2 de vidro grande; 10 tipos diferentes de talcosgrandes e 2 pequenos; 13 tipos diferentes de potes de cremes atrativos; 25 tipos diferentes de sabonetesslidos e 10 tipos diferentes depembas.

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    H, ainda, no Rio Grande do Sul duas outras fbricas no mesmo ramo: Provncia

    Indstria e Comrcio de Artigos Religiosos e Safiotti, mas nenhuma delas realiza

    exportaes. Neste estado h ainda fbricas de gamelas, quartinhas (alguidar), velas26,

    vestimentas religiosas e imagens. No entanto, o mercado religioso afro-brasileiro do Rio

    Grande do Sul no auto-suficiente. Importa especialmente do Rio de Janeiro miangas,

    bzios e vidros (taas e copos) e imagens de So Paulo, sobretudo da fbrica Imagens

    Bahia.

    As fbricas gachas Hana Noka e Tup vendem para atacadistas que, por sua vez,

    colocam os produtos nas lojas. Segundo o proprietrio da Tup, a colocao do seu produto

    no Brasil e no exterior ocorre via dois grandes atacadistas: Casa Neilomar ArtigosReligiosos, de So Paulo, e Bazar Flor da Agua Grande, do Rio de Janeiro. Para eles, o

    custo da dzia dos defumadores de 3,20 reais e revendem pelo dobro do preo de fbrica.

    A exportao para Portugal feita atravs do atacadista portugus Antnio Alberto

    da Silva Alves, da cidade do Porto, que distribui os produtos para outros pases da

    Europa27. A maior importadora argentina e uruguaia dos produtos da Hana Noka a

    Herboristeria Pampeana Ltda; da Tup so duas santerias atacadistas: a Casa So Jorge e

    Ana Maria Lobos, ambas do bairro Liniers, em Buenos Aires. Esta ltima fez a primeiraimportao da Tup h quatro anos no valor de 30 mil dlares.

    Ambas as empresas produzem um defumador especfico para o mercado argentino.

    o defumador para So Caetano. Ou seja, adaptaram uma prtica prpria da lgica

    religiosa afro-umbandista devoo de um santo catlico popular argentino. Uma outra

    adaptao e inveno argentina consiste na fabricao neste pas de kits magia,

    produzidos porMerlin Mundo Esotrico. H diferentes kits: contra feitios, abre caminhos,

    7 poderes, lava-casa, harmonia familiar, sade, contra inveja, Santo Antnio, Iemanj e So

    Jorge. Como se v, as finalidades dos kits magia so as mesmas constantes nos artigos

    produzidos nas fbricas brasileiras.

    26A indstria gacha Coinvel, inaugurada em 1987, exporta velas para os pases do Cone-Sul desde 1995.Porm, a parte mais expressiva da produo (cerca de 85%) destinada para a Itlia e Portugal.

    27O nome do portugus figura na prpria embalagem dos produtos da Hana Noka, na condio de importadorexclusivo dos seus produtos. Mesmo nos produtos desta empresa destinados a pases como a Argentina constao nome do importador portugus.

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    Todos os kitsobedecem a um mesmo modelo: so compostos de sete velas coloridas

    (menos para Oxal que so todas brancas), uma chave, ou azeite, ou pequeno vidro com

    sementes, tudo envolto em plstico transparente, com instrues de uso e finalidade no

    verso. Ao preo de 2 dlares a unidade, a procura dos kitsde rituales de magia blanca,

    como consta no rtulo dos mesmos, muito grande, garantem os vendedores das santerias.

    Alem da venda regularizada para o exterior, ambas as fbricas, bem como algumas

    florasde Porto Alegre que vendem no varejo e no atacado28, tambm efetuam a venda para

    sacoleiros, ou pirangueiros, brasileiros e argentinos, que transportam sobretudo para

    Buenos Aires e Montevidu, produtos religiosos que so revendidos sem, obviamente, o

    recolhimento dos encargos fiscais. Levam especialmente imagens, tambor, fitas cassete, ag(chocalho), guias (imperiais) e gamelas.

    Segundo Peixoto, da Tup, foram os sacoleiros os maiores propagandistas dos

    seus produtos pois colocaram-nos nas floras e terreiros platinos e estes, num segundo

    momento, entraram em contato com ele para efetuar pedidos dos seus produtos.

    No entanto - e da mesma forma como vimos acima em relao aos depoimentos dos

    pais e mes-de-santo gachos - tambm os proprietrios das empresas gachas referidas

    reiteram que nos ltimos anos houve uma diminuio da exportao para os pases platinos.Atribuem a queda das vendas, como fazem os pais e mes-de-santo, crise socio-

    econmica por que passam aqueles pases. Como j indicamos nas pginas precedentes, h,

    porm, outras razes implicadas no arrefecimento do circuito religioso e comercial gacho

    para os pases do Prata.

    Igualmente, como j indicamos, o afrouxamento das relaes religiosas e comerciais

    com os brasileiros no significa que a religiotenha diminudo sua importncia nos pases

    platinos. Prova disso o aumento sempre crescente de novos terreiros e a procura por

    artigos religiosos nas santeriasportenhas. A ttulo de ilustrao menciono que na tarde de

    segunda-feira dia 11 de novembro de 1997, em Montevidu, na santeria Casa de Velas,

    localizada ao lado da Igreja Universal, esperei durante quarenta minutos at que uma das 4

    vendedoras se liberasse para poder conversar comigo. Nesta santeria, semelhana dos

    28O maior atacadista de Porto Alegre a FloraSo Sebastio, localizada na Av. Bento Gonalves. Aberta hum ano, tida como o primeiro supermercado da Umbanda no Estado, possuindo, inclusive, um servio detele-entrega. Seu proprietrio, Adriano Peixoto, irmo de Rosenir Peixoto, dono da fbrica Tup.

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    estabelecimentos comerciais bastante concorridos, ao lado da porta de entrada se localiza

    um aparelho contendo fichas numeradas que os clientes retiram para serem atendidos

    quando seu nmero for chamado.

    Mesmo assim, alguns proprietrios de santerias locais, da mesma forma que os

    gachos, asseguram que nos ltimos anos diminuiu o investimento financeiro das pessoas

    na religioem relao aos anos passados. Ana Maria Lobos, proprietria de uma santeria

    em Liniers, estima que a diminuio nos ltimos trs anos gira em torno de 30%.

    Esta proprietria instalou sua santeriaem 1982. No possua nenhum vnculo com a

    religio. Fizera exclusivamente porque percebera que se tratava de um filo econmicoflorescente naquele incio da dcada de 80, perodo que, como vimos, as religies afro-

    brasileiras deslancharam na Argentina.

    Essa uma caracterstica das santeriasportenhas e tambm gachas: cerca de 70%

    dos seus proprietrios e funcionrios, talvez menos ainda, no se declaram membros da

    religioe concebem sua atividade como um mero negcio. No entanto, embora no faam

    parte da religio, aos poucos vo dominando os seus cdigos simblicos e conhecendo-a,

    como resultado dos anos de contato com esse meio religioso. Assim sendo, nesse ramo decomrcio so geralmente os clientes que instruem os proprietrios e vendedores,

    contrariamente ao usual onde so os comerciantes que informam e instruem os fregueses.

    Pode-se aplicar aqui a mesma observao feita por Rubem Cesar Fernandes sobre a

    relao entre comrcio e religio verificada no santurio de Bom Jesus de Pirapora. H uma

    lgica para dentro do balco, onde as mercadorias (religiosas) so redutveis a

    quantificaes financeiras, e outra lgica do balco para fora, onde a mercadoria possui um

    significado para os fregueses regido por outros valores. Neste caso, em Pirapora como no

    Mercosul, a lgica do mercado prevalece na perspectiva dos vendedores mas no dos

    fregueses, cujas mercadorias obedecem a outro sistema ordenador de valores, e onde o

    dinheiro, mesmo que elevado, entra em outra lgica, constitui um smbolo de troca de outra

    ordem (Fernandes, 1982).

    Outra caracterstica portenha, neste caso exclusivamente argentina, concerne o fato

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    de que a maioria das santerias, para aumentar sua receita, alem de vender produtos

    religiosos, oferecem aos clientes a possibilidade de uma consulta de bzios, cartas, mapa

    astral, etc, ao custo mdio de 30 dlares cada uma. Desta forma, as santeriaspor um lado

    contribuem para a divulgao da religio mas por outro firmam-se como concorrentes dos

    terreiros, fato este no observado nem em Montevideu nem em Porto Alegre, onde as

    santerias/floras constituem, primordialmente, uma atividade complementar aos terreiros e

    esto servio deles. Na capital uruguaia, inclusive, pode o cliente se abastecer alem dos

    produtos da religiode um sem nmero de folhetos, folhetins e cartas de visita, em suma de

    material de divulgao e propaganda de terreiros, pais-de-santo e tamboreiros.

    H, porm, em Porto Alegre, situaes raras em que um pai-de-santo dono de umterreiro e ao mesmo tempo proprietrio de uma flora. A mesma constatao de chefes de

    terreiro terem seus prprios negcios lojas de umbanda, avirios, criatorias de caprinos,

    etc fora feita por Prandi, para So Paulo (Prandi, 1991).

    Outra caracterstica das floras/santerias que aponta para a sua importncia

    econmica reside no nmero expressivo de empregos que produzem. Por exemplo: as 25

    santeriasde Liniers possuem em mdia entre 2 e 3 atendentes cada uma. Seriam, portanto,

    entre 50 e 75 empregos diretos garantidos somente nas santerias referidas. J nas 5santerias montevideanas da rua F. Crespo a mdia era de 3 funcionrias em cada uma delas.

    Seriam ao menos 15 empregos somente nesta rua, fora outros das demais santerias

    espalhadas pela cidade e por outras cidades do interior do pas. As duas fbricas

    mencionadas de produtos religiosos de Porto Alegre engajam formalmente 18 empregados.

    A maioria das floras portoalegrences possuem 2 funcionrios em cada uma delas. O

    supermercado da Umbanda So Sebastio, tambm de Porto Alegre, possui 10 empregados

    e mais cerca de 30 pessoas que depositam nele produtos que confeccionam para serem

    comercializados. Alem disso, no Rio Grande do Sul e nos pases do Prata, h tamboreiros e

    criadores de animais destinados aos rituais que dependem diretamente da religio. E, alem

    dos empregos diretos, h que se contabilizar os empregos e ocupaes indiretas, como

    escritrios de contabilidade, grficas, floriculturas, autores de livros e de msicas, avirios,

    fotgrafos, cinegrafistas, artesos, costureiras, etc. que de alguma forma tambm se

    beneficiam economicamente da religio.

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    Concluso

    A ttulo de concluso gostaria de frisar alguns pontos:

    Em primeiro lugar, sugiro que a acelerao da difuso das religies afro-brasileiras

    para os pases do Prata ocorrida na dcada de 80 por um lado contou com um momento

    histrico propcio - vinculado, paradoxalmente, sobretudo ao retorno da democracia, na

    Argentina, e ditadura militar, no Uruguai e, por outro lado, acompanhou a onda maisgeral da globalizao - cujo desencadeamento, para a Amrica Latina, pode ser fixado nas

    dcadas de 70 e 80 (Parker, 1997) ocasio em que os ventos neoliberais parecem ter

    contaminado, pela valorizao atribuda ao econmico, alguns pais e mes-de-santo

    gachos que passaram a conceber as religies afro-brasileiras como um produto nacional de

    exportao e, portanto, como uma fonte de renda.

    Assim sendo - como indica D. Lehmann para explicar a atual difuso mundial do

    pentecostalismo - a compreenso da propagao das religies afro-brasileiras para os pases

    do Prata passa, de alguma forma, pela referncia ao nvel global (Lehmann, 1997), pois,

    mais do que nunca, neste caso o local se articula com o universal.

    Em segundo lugar, os pais e mes-de-santo que conseguem um lucro financeiro em

    suas atividades religiosas platinas tendem a aplic-lo na prpria religio, seja visando

    alcanar maior status e conquistar maior prestgio no meio batuqueiro - permeado de

    concorrncia e competio - seja tentando obter uma melhor relao com as entidades

    espirituais. Neste caso, o dinheiro aplicado segundo critrios internos ao mundo

    batuqueiro. Em outras palavras, embora religio e economia (mercado/dinheiro) se

    influenciem mutuamente, a religio que, em ultima instncia, inocula o econmico

    conferindo-lhe sentido e significado, mesmo que isso se passe num contexto social

    capitalista.

    Tudo se passa, ento, como se as religies afro-brasileiras dispusessem de

    mecanismos que constrangissem os seus lderes religiosos que despontam economicamente

    a investir os benefcios na prpria religio (terreiro, rituais, famlia religiosa), para

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    conseguir ainda mais benefcios dos orixs e/ou para alcanar maior prestgio social, isto ,

    maior poder no interior do campo religioso. Assim sendo, para os pais e mes-de-santo

    gachos cuja motivao financeira integra o conjunto dos sentidos da sua atividade

    religiosa transnacional, a economia est intimamente imbricada religio e

    poltica, qual um fato social total.

    Em terceiro lugar, as exportaes de bens e produtos religiosos afro-brasileiros tem

    gerado divisas para o pas, e o Rio Grande do Sul tem dado a sua contribuio, ao lado de

    So Paulo, Bahia e Rio de Janeiro29. Igualmente, as religies afro-brasileiras, no Brasil e no

    exterior, geram comrcio e indstria, asseguram empregos, diretos e indiretos, carreiam

    divisas para os pases implicados. Ou seja, as religies afro-brasileiras constituem, at certoponto, estratgias de insero social e econmica (Aubree, 1987) e atuam ativamente para

    aliviar a crise do desemprego nos pases platinos, bem como no Brasil, assim como fazem

    tambm outras religies30.

    Em quarto lugar, as floras e santerias tem gerado um espao de circulao

    comercial prpria, no institucional, isto , no dependente de federaes ou diretamente de

    terreiros, salvo raras excees. Trata-se de um comrcio ao mesmo tempo agregado e

    paralelo transnacionalizao religiosa afro-brasileira, revelando, como observou R.Prandi, que a racionalizao da magia, enquanto forma pragmtica de contato e permuta

    com o sagrado, adapta-se como uma luva numa sociedade em que o consumo est

    plenamente racionalizado (Prandi, 1991).

    Vale recordar, porm, que em Buenos Aires as santeriasao mesmo tempo em que

    contribuem para a reproduo da religio e dos terreiros tambm so seus concorrentes,

    diferentemente de Montevidu e de Porto Alegre onde elas esto a servio da religioe dos

    terreiros.

    Em quinto lugar, asflorase santeriasservem muito bem para o tipo de religiosidade

    29 Lsias Nogueira Negro menciona, por exemplo, uma reportagem publicada no Jornal do Brasil, de28.12.80, intitulada Umbanda comea a dar divisas para o Brasil. Nela referia, diz o autor, sobre aexportao de sabonetes, defumadores e fluidos perfumados para os pases do Cone Sul do Continente, o querendera a importncia de 600 000 dlares no ano (Negro, 1996:133).

    30A ttulo de exemplo, a revista VEJA, em recente reportagem intitulada salvos pela palavra, informou queeditoras bblicas, canais de televiso, escolas, templos e bancos evanglicos so responsveis por 600.000empregos em todo o pas(Veja, 15/07/1998, p. 89).

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    bastante individualizada que caracteriza a modernidade, pois elas colocam disposio uma

    grande gama de bens que os indivduos imaginam serem teis para alcanar a sua segurana

    pessoal, para resolver seus problemas ou mesmo fortalecer o seu eu interior. Neste caso, as

    floras/santerias seriam locais de expresso e reforo de valores de uma cultura e de uma

    religio, locais, por isso mesmo, necessrios para a reproduo da prpria religio que

    precisa do consumo para atualizar e expandir sua cultura espiritual, de forma semelhante

    aos adeptos da Nova Era que ... precisam da mercadoria para produzir significados

    espirituais e mesmo morais (Amaral, 1998)31.

    Enfim, lembro que a interpenetrao entre religio e economia uma constante

    histrica na maioria das religies do mundo capitalista, possuindo, porm, arranjos esignificados diferentes segundo as instituies religiosas. No atual mundo em processo de

    globalizao, parece que as fronteiras entre as duas dimenses se tornaram mais fludas,

    ocasionando problemas para algumas instituies religiosas e favorecendo outras. Assim, as

    igrejas catlica e luteranas esto passando por uma importante crise financeira32 enquanto

    que igrejas neo-pentecostais como Universal do Reino de Deus, os televangelistas norte-

    americanos, sem falar na Igreja da Unificao do reverendo Moon e nos videntes e

    personagens esotricos televisivos, tipo Walter Mercado, esto conseguindo construirverdadeiros imprios econmicos33. Ocorre que enquanto essas ltimas j surgem, de certo

    modo, como religies pagas, as primeiras, embora tradicionais, precisam (ainda) se

    adaptar (melhor) sociedade capitalista e economia de mercado.

    31Da a realizao de festivais - estilos feiras mundiais de indstria e comrcio - que vem se multiplicando

    com sucesso no mercado da Nova Era.32Segundo o Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, de 3/5/1998, a maior parte da verba para sustentao bemcomo para empreendimentos sociais dessas igrejas provem do exterior. Como as verbas esto diminuindobastante, posto que a ajuda internacional atualmente destinada para a frica e o leste europeu, aquelasigrejas brasileiras esto vivendo uma crise financeira.

    33Segundo a revista Veja, edio de 19/4/1995, at aquele ano a igreja fundada por Edir Macedo era detentorade um capital de 400 milhes de dlares.

    Para uma anlise atual da saga dos televangelistasnorte-americanos, suas trajetrias, programastelevisivos, sucessos empresariais e controvrsias, ver Gutwirth, 1998.

    De acordo com a Folha de So Paulo de 17/05/1998, o empresrio esotrico porto-riquenho WalterMercado, usando a mdia impressa e eletrnica, fatura anualmente 150 milhes de dlares.

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