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Amália, Carlos do Carmo Arquivo de letras de música 28 de Janeiro de 2002 1

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Amália, Carlos do Carmo

Arquivo de letras de música

28 de Janeiro de 2002

1

Conteúdo

Ai, Mouraria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3Amêndoa Amarga . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4Balada para uma velhinha . . . . . . . . . . . . . . 5Barco negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6Canoas do Tejo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Com que voz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8Dar de beber à dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9Dura Memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Estranha forma de vida . . . . . . . . . . . . . . . 12Fado da pouca sorte . . . . . . . . . . . . . . . . . 13Fado do Campo Grande . . . . . . . . . . . . . . . 14Fado do Ciúme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16Fado dos azulejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Fado português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18Fado varina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Fado Xuxu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Gaivota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22Grito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23Há festa na Mouraria . . . . . . . . . . . . . . . . 25Havemos de ir a Viana . . . . . . . . . . . . . . . 26Libertação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27Madrugada de Alfama . . . . . . . . . . . . . . . . 28Maria Lisboa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Medo (Quem dorme à noite comigo?) . . . . . . . 30Meu amor, meu amor . . . . . . . . . . . . . . . . 31Namorados da cidade . . . . . . . . . . . . . . . . 32Não é desgraça ser pobre . . . . . . . . . . . . . . 33Nova Feira da Ladra . . . . . . . . . . . . . . . . . 34O amarelo da Carris . . . . . . . . . . . . . . . . . 35O Cacilheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37O homem das castanhas . . . . . . . . . . . . . . . 39Povo que lavas no rio . . . . . . . . . . . . . . . . 40Prece . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41Raízes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42Retalhos da Vida de Um Médico . . . . . . . . . . 43Rosa da noite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45Uma casa portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . 47Uma flor de verde pinho . . . . . . . . . . . . . . 49Um homem na cidade . . . . . . . . . . . . . . . . 50

2

Um homem na cidade

Música: José Luís TinocoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Agarro a madrugadacomo se fosse uma criança,uma roseira entrelaçada,uma videira de esperança.Tal qual o corpo da cidadeque manhã cedo ensaia a dançade quem, por força da vontade,de trabalhar nunca se cansa.Vou pela rua desta luaque no meu Tejo acendo cedo,vou por Lisboa, maré nuaque desagua no Rossio.Eu sou o homem da cidadeque manhã cedo acorda e canta,e, por amar a liberdade,com a cidade se levanta.Vou pela estrada deslumbradada lua cheia de Lisboaaté que a lua apaixonadacresce na vela da canoa.Sou a gaivota que derrotatudo o mau tempo no mar alto.Eu sou o homem que transportaa maré povo em sobressalto.E quando agarro a madrugada,colho a manhã como uma florà beira mágoa desfolhada,um malmequer azul na cor,o malmequer da liberdadeque bem me quer como ninguém,o malmequer desta cidadeque me quer bem, que me quer bem.Nas minhas mãos a madrugadaabriu a flor de Abril também,a flor sem medo perfumadacom o aroma que o mar tem,flor de Lisboa bem amadaque mal me quis, que me quer bem.

50

Ai, Mouraria

Letra e música: Amadeu do Vale; Frederico ValérioIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Ai, Mourariada velha Rua da Palma,onde eu um diadeixei presa a minha alma,por ter passadomesmo ao meu ladocerto fadistade cor morena,boca pequenae olhar troçista.

Ai, Mourariado homem do meu encantoque me mentia,mas que eu adorava tanto.Amor que o vento,como um lamento,levou consigo,mais que ainda agoraa toda a horatrago comigo.

Ai, Mourariados rouxinóis nos beirais,dos vestidos cor-de rosa,dos pregões tradicionais.Ai, Mourariadas procissões a passar,da Severa em voz saudosa,da guitarra a soluçar.

3

Amêndoa Amarga

Música: Alain OulmanLetra: José Carlos Ary dos SantosIntérprete: Amália Rodrigues

Port ti faloe ninguém pensamas eu digominha amêndoa, meu amigomeu irmãomeu tropel de ternuraminha casameu jardim de carênciaminha asa.

Por ti vivoe ninguém pensamas eu sigoum caminho de silvase de nardosuma intensa ternuraque persigorodeada de cardospor tantos lados.

Por ti morroe ninguém sabemas eu esperoo teu corpo que sabea madrugadao teu corpo que sabea desespero

ó minha amarga amêndoadesejada.

ó minha amarga amêndoadesejada.

4

Uma flor de verde pinho

Música: José NizaLetra: Manuel AlegreIntérprete: Carlos do CarmoVersos de Segunda, Carlos Nogueira (vencedora do festival da canção de

1976)

Eu podia chamar-te pátria minhadar-te o mais lindo nome portuguêspodia dar-te um nome de rainhaque este amor é de Pedro por Inês.

Mas não há forma não há verso não há leitopara este fogo amor para este rio.Como dizer um coração fora do peito?Meu amor transbordou. E eu sem navio.

Gostar de ti é um poema que não digoque não há taça amor para este vinhonão há guitarra nem cantar de amigonão há flor não há flor de verde pinho.

Não há barco nem trigo não há trevonão há palavras para dizer esta canção.Gostar de ti é um poema que não escrevo.Que há um rio sem leito. E eu sem coração.

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48

Balada para uma velhinha

Música: Martinho de AssunçãoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames (precisa de um jeito na divisão dos versos)

Num banco de jardim uma velhinhaestá tão só com a sombrinhaque é o seu pano de fundo.Num banco de jardim uma velhinhaestá sozinha, não há coisamais triste neste mundo.E apenas faz ternura, não faz pena,não faz dó,pois tem no rosto um resto de frescura.Já coseu alpergatas ebandeiras verdadeiras.Amargou a pobreza até ao fundo.Dos ossos fez as mesas e as cadeiras,as maneirasque a fazem estar sentada sobre o mundo.Neste jardim elaà trepadeira das canseirasdas rugas onde o tempoé mais profundo.Num banco de jardim uma velhinhanunca mais estará sozinha,o futuro está com ela,e abrindo ao sol o negro dasombrinha poidinha,o sol vem namorá-la da janela.Se essa velhinha fossea mãe que eu quero,a mãe que eu tinha,não havia no mundo outra mais bela.Num banco de jardim uma velhinhafaz desenhos nas pedrinhasque, afinal, são como eu.Sabe que as dores que tem também são minhas,são moinhas do filho a desbravar que Deus lhe deu.E, em volta do seu banco, osmalmequeres e as andorinhasprovam que a minha mãe nunca morreu.

5

Barco negro

Música: Caco Velho; PiratiniLetra: David Mourão-FerreiraIntérprete: Amália RodriguesFernando Faria

De manhã, que medo, que me achasses feia!A E7 A

Acordei, tremendo, deitada n’areiaA7 D

Mas logo os teus olhos disseram que não,A A7 D

E o sol penetrou no meu coração.[Bis]A7 A E7 A

Vi depois, numa rocha, uma cruz,A7

E o teu barco negro dançava na luzE7 D

Vi teu braço acenando, entre as velas já soltasA A7

Dizem as velhas da praia, que não voltas:D A

São loucas! São loucas!C A

Eu sei, meu amor,E7

Que nem chegaste a partir,A

Pois tudo, em meu redor,E7

Me diz qu’estás sempre comigo.[Bis]A

No vento que lança areia nos vidros;Na água que canta, no fogo mortiço;No calor do leito, nos bancos vazios;Dentro do meu peito, estás sempre comigo.

6

Uma casa portuguesa

Música: V. M. Sequeira; Artur FonsecaLetra: Reinaldo FerreiraIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Numa casa portuguesa fica bempão e vinho sobre a mesa.Quando à porta humildemente bate alguém,senta-se à mesa co’a gente.Fica bem essa fraqueza, fica bem,que o povo nunca a desmente.A alegria da pobrezaestá nesta grande riquezade dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,um cheirinho á alecrim,um cacho de uvas doiradas,duas rosas num jardim,um São José de azulejosob um sol de primavera,uma promessa de beijosdois braços à minha espera...É uma casa portuguesa, com certeza!É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,há fartura de carinho.A cortina da janela e o luar,mais o sol que gosta dela...Basta pouco, poucochinho p’ra alegraruma existéncia singela...É só amor, pão e vinhoe um caldo verde, verdinhoa fumegar na tijela.

Quatro paredes caiadas,um cheirinho á alecrim,um cacho de uvas doiradas,duas rosas num jardim,um São José de azulejosob um sol de primavera,uma promessa de beijosdois braços à minha espera...É uma casa portuguesa, com certeza!É, com certeza, uma casa portuguesa!

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Canoas do Tejo

Letra e música: Frederico de BritoIntérprete: Carlos do CarmoCarlos Coutinho

Canoa de vela erguida,Que vens do Cais da Ribeira,Gaivota, que andas perdida,Sem encontrar companheira

O vento sopra nas fragas,O Sol parece um morango,E o Tejo baila com as vagasA ensaiar um fandango

[refrão:]Canoa,Conheces bemQuando há norte pela proa,Quantas voltas tem Lisboa,E as muralhas que ela tem

[1:]Canoa,Por onde vais?Se algum barco te abalroa,Nunca mais voltas ao cais,Nunca, nunca, nunca mais

Canoa de vela panda,Que vens da boca da barra,E trazes na aragem brandaGemidos de uma guitarra

Teu arrais prendeu a vela,E se adormeceu, deixa-loAgora muita cautela,Não vá o mar acordá-lo

[refrão]

[Guitarra]

[1]

7

Com que voz

Música: Alain OulmanLetra: Camões(?)Intérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Com que voz chorarei meu triste fado,que em tão dura paixão me sepultou.Que mor não seja a dor que me deixouo tempo, de meu bem desenganado.

Mas chorar não estima neste estadoaonde suspirar nunca aproveitou.Triste quero viver, poi se mudouem tisteza a alegria do passado.

Assim a vida passo descontente,ao som nesta prisão do grilhão duroque lastima ao pé que a sofre e sente.

De tanto mal, a causa é amor puro,devido a quem de mim tenho ausente,por quem a vida e bens dele aventuro.

8

Rosa da noite

Música: Joaquim Luís GomesLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Vou pelas ruas da noitecom basalto de tristeza,sem passeio que me acoite.Rosa negra à portuguesa.

É por dentro do meu peito, triste,que o silêncio se insinua, agreste.Noite, noite que despistena ternura que me deste.

Um cão abandonado,uma mulher sozinha.Num caixote entornadoa mágoa que é só minha.

Levo aos ombros as esquinas,trago varandas no peito,e as pedras pequeninassão a cama onde me deito.

És azul claro de dia,e azul escuro de noite,Lisboa sem alegria,cada estrela é um açoite.

A queixa duma gata,o grito duma porta.No Tejo uma fragataque me parece morta.

Morro aos bocados por ti,cidade do meu tormento.Nasci e cresci aqui,sou amigo do teu vento.

Por isso digo: Lisboa, amiga,cada rua é uma veia tensa,por onde corre a cantigada minha voz que é imensa.

45

[refrão]

44

Dar de beber à dor

Letra e música: Alberto JanesIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Foi no Domingo passado que passeià casa onde vivia a Mariquinhas,mas ’stá tudo tão mudadoque não vi em menhum ladoas tais janelas que tinham tabuinhas.Do rés-do-chão ao telhadonão vi nada, nada, nadaque pudesse recordar-me a Mariquinhas,e há um vidro pregado e azuladoonde havia as tabuinhas.

Entrei e onde era a sala agora estáà secretária um sujeito que é lingrinhas,mas não vi colchas com barranem viola, nem guitarra,nem espreitadelas furtivas das vizinhas.O tempo cravou a garrana alma daquela casaonde as vezes petiscavamos sardinhasquando em noites de guitarra e de farraestava alegre a Mariquinhas.

As janelas tão garridas que ficavamcom cortinados de chita às pintinhasperderam de todo a graçaporque é hoje uma vidraçacom cercadura de lata às voltinhas.E lá p’ra dentro quem passahoje é p’ra ir aos penhoresentregar ao usurário umas coisinhas,pois chega a esta desgraça toda a graçada casa da Mariquinhas.

P’ra terem feito da casa o que fizerammelhor fora que a mandassem p’rás alminhas,pois ser casa de penhoreso que foi viveiro d’amoresé ideia que não cabe cá nas minhasrecordações do calore das saudades. O gostoque eu vou procurar esquecernumas ginginhas,pois dar de beber à dor é o melhor,

9

já dizia a Mariquinhas.

10

Retalhos da Vida de Um Médico

Música: Tozé BritoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoCarlos Coutinho (Tema da série televisiva ’Retalhos da Vida de Um Médico’)

Serras, veredas, atalhos,Estradas e fragas de vento,Onde se encontram retalhosDe vidas em sofrimento

Retalhos fundos nos rostos,Mãos duras e retalhadasPelo suor do desgosto,Retalha as caras fechadas

O caminho que seguiste,Entre gente pobre e rude,Muitas vezes tu abristeUma rosa de saúde

[refrão]Cada história é um retalhoCortado no coraçãoDe um homem que no trabalhoReparte a vida e o pão

As vidas que defendeste,E o pão que repartiste,São lágrimas que tu bebesteDos olhos de um povo triste

E depois de tanto mundo,Retalhado de verdade,Também tu chegaste ao fundoDa doença da cidade

Da que não vem na sebenta,Daquela que não se ensina,Da pobreza que afugentaOs barões da medicina

Tu sabes quanto fizeste,A miséria não segura,Nem mesmo quando lhe desteA receita da ternura

[refrão]

43

Raízes

Música: Henrique LourençoLetra: Sidónio MuralhaIntérprete: Amália Rodrigues’São canta Amália Rodrigues’

Velhas pedras que piseisaiam da vossa mudezvenham dizer o que seivenham falar portuguêssejam duras como a leie puras como a nudez.

Minha lágrima salgadacaíu no lenço da vidafoi lembrança naufragadae para sempre perdidafoi vaga despedaçadacontra o cais da despedida.

Visitei tantos paísesconheci tanto luarnos olhos dos infelizese porque me hei-de gastar?vou ao fundo das raízese hei-de gastar-me a cantar.

42

Dura Memória

Música: Alain OulmanLetra: Luís de CamõesIntérprete: Amália Rodrigues’São canta Amália Rodrigues’

Memória do meu bem cortado em florespor ordem de meus tristes e maús fadosdeixai-me descançar com meus cuidadosnesta inquietação dos meus amores.

Basta-me o mal presente e os temoresdos sucessos que espero infortunadossem que venham de novo bens passadosà afrontar meu repouso com suas dores.

Perdi e mora tudo quanto em termostão vagarosos e largos alcanceideixai-me com as lembranças desta glóriadeixai-me lembranças desta glória.

Cumpre-se e acaba a vida nestes zêlosporque neles com meu baile a acabareiporque neles com meu baile acabareimil vidas não, uma só dura memória.

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Estranha forma de vida

Letra e música: Alfredo Duarte; Amália RodriguesIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Foi por vontade de Deusque eu vivo nesta ansiedade.Que todos os ais são meus,Que é toda a minha saudade.Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vidatem este meu coração:vive de forma perdida;Quem lhe daria o condão?Que estranha forma de vida.

Coração independente,coração que não comando:vive perdido entre a gente,teimosamente sangrando,coração independente.

Eu não te acompanho mais:para, deixa de bater.Se não sabes aonde vais,porque teimas em correr,eu não te acompanho mais.

12

Prece

Música: Alain OulmanLetra: Pedro Homem de MelloIntérprete: Amália Rodrigues’São canta Amália Rodrigues’

Talvez que eu morra na práiacercada e perfido no banhopor toda a espuma da práiacomo um pastor que desmaiano meio do seu rebanho.

Talvez que eu morra na ruae dê por mim derrepenteem noite fria e sem luare mando as pedras da ruapisadas por toda a gente.

Talvez que eu morra entre gradesno meio de uma prisãoporque o mundo além das gradesvenha esquecer as saudadesque roiem meu coração.

Talvez que eu morra de noiteonde a morte é naturalas mãos em cruz sobre o peitodas mãos de Deus tudo aceitomas que eu morra em Portugal

41

Povo que lavas no rio

Música: Fado VictoriaLetra: Pedro Homem de MeloIntérprete: Amália RodriguesVersos de Segunda (jeito de jj)

Povo que lavas no rioE talhas com o teu machadoAs tábuas do meu caixão.Pode haver quem te defendaQuem compre o teu chão sagradoMas a tua vida não.

Fui ter à mesa redondaBebi em malga que me escondeO beijo de mão em mão.Era o vinho que me desteA água pura, puro agresteMas a tua vida não.

Aromas de luz e de lamaDormi com eles na camaTive a mesma condição.Povo, povo, eu te pertençoDeste-me alturas de incenso,Mas a tua vida não.

Povo que lavas no rioE talhas com o teu machadoAs tábuas do meu caixão.Pode haver quem te defendaQuem compre o teu chão sagradoMas a tua vida não.

40

Fado da pouca sorte

Música: Fernando TordoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

De manhã a vender na Avenida,ou à tarde nas ruas da Baixaestá o cauteleiroa gritar que há horas na vidaà carteira de que não tempão porque não tem dinheiro.Tantos contos que são a taluda,tantas notas sonhadas só eleas atira p’ra o ar.Já que a sorte da gente não muda,que tristeza termos de pensaristo vai a jogar.

Quinze mil quatrocentos e tres.Nove mil trezentos e dez.Mas o mal que o dinheiro nos fezdurante a vida toda...Amanhã não anda a roda!

Um bilhete que sabe a desgraça,uma vida passada à espera da terminação.Mas o cauteleiro é que passa,a má sorte jogada no duro da aproximação.A voz lenta apregoa a cautela,esperança louca de quem nunca teveuma nota na mão.Mas a sorte também tem com elaa miséria de quem fez do jogoo seu ganha-pão.

Quinze mil quatrocentos e tres.Nove mil trezentos e dez.Mas o mal que o dinheironos fez durante a vida toda...Amanhã não anda a roda!

13

Fado do Campo Grande

Música: António Vitorino de AlmeidaLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

A minha velha casa,por mais que eu sofra e ande,é sempre um golpe de asa,varrendo um Campo Grande.Aqui no meu pais,por mais que a minha ausência doa,é que eu sei que a raiz de mimestá em Lisboa.A minha velha casaresiste no meu corpo,e arde como brasadum corpo nunca morto.À minha velha casaeu regresso à procuradas origens da ternura,onde o meu ser perdura.

Amiga amante, amor distante.Lisboa é perto, e não bastante.Amor calado, amor avante,que faz do tempo apenas um instante.Amor dorido, amor magoadoe que me doí no fado.Amor magoado, amor sentido,mas jamais cansado.Amor vivido é o amor amado.

Um braço é a tristeza,o outro é a saudade,e as minhas mãos abertassão chão da liberdade.A casa a que eu pertenço,viagem para à minha infância,é o espaço em que eu vençoe o tempo da distância.E volto à minha casa,porque a esperança resistea tudo quanto arrasaum homem que for triste.Lisboa não se cala,e quando falaé minha chama,

14

O homem das castanhas

Música: Paulo de CarvalhoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Na Praça da Figueira,ou no Jardim da Estrela,num fogareiro aceso é que ele arde.Ao canto do Outono,à esquina do Inverno,o homem das castanhas é eterno.Não tem eira nem beira, nem guarida,e apregoa como um desafio.

É um cartucho pardo a sua vida,e, se não mata a fome, mata o frio.Um carro que se empurra,um chapéu esburacado,no peito uma castanha que não arde.Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansadoo homem que apregoa ao fim da tarde.Ao pé dum candeeiro acaba o dia,voz rouca com o travo da pobreza.Apregoa pedaços de alegria,e à noite vai dormir com a tristeza.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?A estalarem cinzentas, na brasa.Quem quer quentes e boas, quentinhas?Quem compra leva mais calor p’ra casa.

A mágoa que transporta a miséria ambulante,passeia na cidade o dia inteiro.É como se empurrasse o Outono diante;é como se empurrasse o nevoeiro.Quem sabe a desventura do seu fado?Quem olha para o homem das castanhas?Nunca ninguém pensou que ali ao ladoardem no fogareiro dores tamanhas.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?A estalarem cinzentas, na brasa.Quem quer quentes e boas, quentinhas?Quem compra leva mais amor p’ra casa.

39

por uma criança.

Se um dia o Cacilheiro for embora,fica mais triste o coração da água,e o povo de Lisboa dirá, como quem chora,pouco Tejo, pouco Tejo e muita mágoa.

38

meu castelo, minha Alfama,minha pátria, minha cama.

Amiga amante, amor distante.Lisboa é perto, e não bastante.Amor calado, amor avante,que faz do tempo apenas um instante.Amor dorido, amor magoadoe que me doí no fado.Amor magoado, amor sentido,mas jamais cansado.Amor vivido é o amor amado.

Ai, Lisboa, como eu quero,é por ti que eu desespero.

15

Fado do Ciúme

Música: Frederico ValérioLetra: Amadeu do ValeIntérprete: Amália Rodrigues

Se não esquecesteo amor que me dedicastee o que escrevestenas cartas que me mandasteesquece o passadoe volta para meu ladoporque já estás perdoadode tudo o que me chamaste.

Volta meu queridomas volta como dissestearrependidode tudo o que me fizeste,haja o que houverjá basta p’ra teu castigoessa mulherque andava agora contigo.

Se é contrafeitonão voltes toma cautelaporque eu aceitoque vivas antes com elapois podes crerque antes prefiro morrerdo que contigo viversabendo que gostas dela.

Só o que eu peçoé uma recordaçãose é que mereçoum pouco de compaixão,deixa ficaro teu retrato comigop’ra eu julgarque ainda vivo contigo.

16

O Cacilheiro

Música: Paulo de CarvalhoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Lá vai no Mar da Palha o Cacilheiro,comboio de Lisboa sobre a água:Cacilhas e Seixal, Montijo mais Barreiro.Pouco Tejo, pouco Tejo e muita mágoa.

Na Ponte passam carros e turistasiguais a todos que há no mundo inteiro,mas, embora mais caras, a Ponte não tem vistascomo as dos peitoris do Cacilheiro.

Leva namorados, marujos,soldados e trabalhadores,e parte dum caisque cheira a jornais,morangos e flores.Regressa contente,levou muita gentee nunca se cansa.Parece um barquinholançado no Tejopor uma criança.

Num carreirinho aberto pela espuma,la vai o Cacilheiro, Tejo à solta,e as ruas de Lisboa, sem ter pressa nenhuma,tiraram um bilhete de ida e volta.

Alfama, Madragoa, Bairro Alto,tu cá-tu lá num barco de brincar.Metade de Lisboa à espera do asfalto,e já meia saudade a navegar.

Leva namorados, marujos,soldados e trabalhadores,e parte dum caisque cheira a jornais,morangos e flores.Regressa contente,levou muita gentee nunca se cansa.Parece um barquinholançado no Tejo

37

E quando a malta fica à espera,é que percebe como é:passa à penduraum pendura que não pagae não quer andar a pé.

Entram magalas, costureiras;descem senhoras petulantes.Entre a verdade,os peliscos e as peneiras,fica tudo como dantes.Quero um de quinze p’ra a Pampuia.Já é mais caro este transporte.E qualquer dia,mudo a agulha porque a vidaestá pela hora da morte.

36

Fado dos azulejos

Música: Martinho de AssunçãoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Azulejos da cidade,numa parede ou num banco,são ladrilhas da saudadevestida de azul e branco.

Bocados da minha vida,todos vidrados de mágoa,azulejos, despedidados meus olhos, rasos de água.

À flor dum azulejo, uma menina;do outro, um cão que ladra e um pastor.Ai, moldura pequenina,que és a banda desenhadanas paredes do amor.

Azulejos desbotadospor quanto viram chorar.Azulejos tão cansadospor quantos vira m passar.

Podem dizer-vos que não,podem querer-vos maltratar:de dentro do coraçãoninguém vos pode arrancar.

À flor dum azulejo, um passarinho,um cravo e um cavalo de brincar;um coração com um espinho,uma flor de azevinhoe uma cor azul luar.

À flor do azulejo, a cor do Tejoe um barco antigo, ainda por largar.Distância que já não vejo,e enche Lisboa de infância,e enche Lisboa de mar.

17

Fado português

Música: Alain OulmanLetra: José RégioIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

O Fado nasceu um dia,quando o vento mal buliae o céu o mar prolongava,na amurada dum veleiro,no peito dum marinheiroque, estando triste, cantava,que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,meu chão , meu monte, meu vale,de folhas, flores, frutas de oiro,vê se vês terras de Espanha,areias de Portugal,olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheirodo frágil barco veleiro,morrendo a canção magoada,diz o pungir dos desejosdo lábio a queimar de beijosque beija o ar, e mais nada,que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.Guarda bem no teu sentidoque aqui te faço uma jura:que ou te levo à sacristia,ou foi Deus que foi servidodar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,quando o vento nem buliae o céu o mar prolongava,à proa de outro velerovelava outro marinheiroque, estando triste, cantava,que, estando triste, cantava.

18

O amarelo da Carris

Música: José Luís TinocoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

O amarelo da Carrisvai da Alfama à Mouraria,quem diria.Vai da Baixa ao Bairro Alto,trepa à Graça em sobressalto,sem saber geografia.

O amarelo da Carrisjá teve um avô outrora,que era o xora???.Teve um pai americano,foi inglês por muito ano,só é português agora.

Entram magalas, costureiras;descem senhoras petulantes.Entre a verdade, os peliscos e as peneiras,fica tudo como dantes.

Quero um de quinze p’ra a Pampuia.Já é mais caro este transporte.E qualquer dia,mudo a agulha porque a vidaestá pela hora da morte.

O amarelo da Carristem misérias à socapaque ele tapa.Tinha bancos de palhinha,hoje tem cabelos brancos,e os bancos são de napa.No amarelo da Carrisjá não há ’pode seguir’para se ouvir.Hoje o pó que o faz andaré o pó (???)com que ele se foi cobrir.

Quando um rapaz empurra um velho,ou se machuca uma criança,então a gente vê ao espelho o atropeloe a ganância que nos cansa.

35

Nova Feira da Ladra

Música: Frederico de BritoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

É na Feira da Ladra que eu relembrouma toalha velha, toda em linho,que já serviu uma noite de Dezembro,e agora cheira a Setembro,como o Outono sabe a vinho.Não valem muito mais que dois pintoresos quadros das paisagensque eu já sei,mas valem, pelos frutos, pelas floresque em São Vicente das Dores,fora de mim, eu pintei.

O que é que eu vou roubar à Feira?Um beijo de mulher trigueira.Aqui um coração, ali uma gravura.É a Feira da Ladra ternura.O que é que eu vou trazer da Feira?Um corpo de mulher braseira.Aqui está um lençol, bordado como dantes.Esta Feira da Ladra é dos amantes.

E na Feira da Ladra nos vingamosdum pouco desse tempo que morreu.Em cada botão velho que compramoshá sempre uma corja de amosque em Abril, Abril venceu.Agora não compramos velharias,tudo passado é lastro do futuro.Nascemos para o sol todos os dias,na nossa Feira da Ladrajá não há ladrões no escuro.

O que é que eu vou roubar à Feira?Um beijo de mulher trigueira.Aqui um coração, ali uma gravura.É a Feira da Ladra ternura.O que é que eu vou trazer da Feira?Um corpo de mulher braseira.Aqui está um lençol, bordado como dantes.Eis a Feira da Ladra dos amantes.

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Fado varina

Música: Mário Moniz PereiraLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

De mão na anca,descompõem à freguesa.Atrás da banca,chamam-lhe cosma(?) e burguesa.

Mas nessa voz,como insulto à portuguesa,há o sal de todos nós,há ternura e há beleza.

Do alto marchega o pregão que se alastra:têm ondas no andarquando embalam a canastra.

Minha varina,chinelas por Lisboa.Em cada esquinaé o mar que se apregoa.

Nas escadinhasdás mais cor aos azulejosquando apregoas sardinhasque me sabem como beijos.

Os teus pregõessão iguais à claridade:caldeirada de cançõesque se entorna na cidade.

Cordões ao peito,numa luta que é honrada.A sogra a jeitona cabeça levantada.

De perna nua,com provocante altivez,descobrindo o mar da ruaque esse, sim, é português.

São as varinasdos poemas do Cesário

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a vender a ferramentade que o mar é o operário.

Minha varina,chinelas por Lisboa.Em cada esquinaé o mar que se apregoa.

Nas escadinhasdás mais cor aos azulejosquando apregoas sardinhasque me sabem como beijos.

Os teus pregõesnunca mais ganham idade:versos frescos de Camõescom salada de saudade.

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Não é desgraça ser pobre

Letra e música: Norberto AraújoIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames (Fado menor do Porto)

Não é desgraça ser pobre,não é desgraça ser louca:desgraça é trazer o fadono coração e na boca.

Nesta vida desvairada,ser feliz é coisa pouca.Se as loucas não sentem nada,não é desgraça ser louca.

Ao nascer trouxe uma estrela;nela o destino traçado.Não foi desgraça trazé-la:desgraça é trazer o fado.

Desgraça é andar a gentede tanto cantar, já rouca,e o fado, teimosamente,no coração e na boca.

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Namorados da cidade

Música: Fernando TordoLetra: Ary dos SantosIntérprete: Carlos do CarmoJavier Tamames

Namorados de Lisboa,à beira Tejo assentados,a dormir na Madragoa.Namorados de Lisboa,num mirante deslumbrados,à beira verde acordados.Namorados de Lisboa,ao Domingo uma cerveja,uma pevide salgada,uma boca que se beijae que nos sabe a cereja,a miséria adocicada,à beira parque plantada.Namorados de Lisboa,sempre, sempre apaixonados,mesmo que a tristeza doa,namorados de Lisboa.Namorados de Lisboa,na cadeira dum cinema,onde as mãos andam à toa,à procura de um poema,namorados de Lisboa,que o mistério não desvendaaté que o escuro se acenda.Namorados de Lisboa,a apretar num vão de escadao prazer que nos magoae depois não sabe a nada.Namorados de Lisboa,a morar num vão de escada.Namorados de Lisboa,sempre, sempre apaixonados,mesmo que a tristeza doa,namorados de Lisboa.

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Fado Xuxu

Música: Frederico ValérioLetra: Amadeu do ValeIntérprete: Amália Rodrigues

O fado, canção bizarrapôs a samarratodo trecheiroe lá foi com a guitarraaté ao Rio de Janeiro.

Fez-se um fadista atrevidotão destemidoe de tal marcaque até já é conhedicop’lo fadistão da Fuzarca.

Com sambinhase modinhasabacatevitamateGuaranámaracujáe caruru

Com cocadabatucadapara tiabacaxie goiabadao fado é bom p’ra xuxu.

Um portuguesinho de raçabebe cachaçacome pipocae no catete até passapor cidadão carioca.

Às vezes vai à favelacalça chinelatodo se bamba...e o fado canção singelaagora é todo do samba.

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Gaivota

Música: Alain OulmanLetra: Alexandre O’NeillIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Se uma gaivota viessetrazer-me o céu de Lisboano desenho que fizesse,nesse céu onde o olharé uma asa que não voa,esmorece e cai no mar.

Que perfeito coraçãono meu peito bateria,meu amor na tua mão,nessa mão onde cabiaperfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,dos sete mares andarilho,fosse quem sabe o primeiroa contar-me o que inventasse,se um olhar de novo brilhono meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coraçãono meu peito bateria,meu amor na tua mão,nessa mão onde cabiaperfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vidaas aves todas do céu,me dessem na despedidao teu olhar derradeiro,esse olhar que era só teu,amor que foste o primeiro.

Que perfeito coraçãono meu peito morreria,meu amor na tua mão,nessa mão onde perfeitobateu o meu coração.

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Meu amor, meu amor

Música: Alain OulmanLetra: Ary dos SantosIntérprete: Amália RodriguesIn: ’Com que Voz’, 1968’UNL - Literatura’

Meu amor meu amormeu corpo em movimentominha voz à procurado seu próprio lamento.

Meu limão de amargura meu punhal a escrevernós parámos o tempo não sabemos morrere nascemos nascemosdo nosso entristecer.

Meu amor meu amormeu nó e sofrimentominha mó de ternuraminha nau de tormento

este mar não tem cura este céu não tem arnós parámos o vento não sabemos nadare morremos morremosdevagar devagar.

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Medo (Quem dorme à noite comigo?)

Música: Alain OulmanLetra: Reinaldo FerreiraIntérprete: Amália RodriguesIn: ’Segredos’,1997

Quem dorme à noite comigo?É meu segredo, é meu segredo!Mas se insistirem, desdigo.O medo mora comigo,Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embalaNum vaivém de solidão,É com silêncio que fala,Com voz de móvel que estalaE nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,Fitando o espaço vazio,Grita no espaço fitadoQue está dormindo a meu lado,Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-meDo que está dentro de mim?Gostava até de matar-me.Mas eu sei que ele há-de esperar-meAo pé da ponte do fim.

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Grito

Música: C. GonçalvesLetra: Amália RodriguesIntérprete: Amália Rodrigues

Silêncio!do silêncio fasso um gritocorpo todo me dóideixai-me chorar um pouco.

Só à sombracomo o sol vou rebolindode sombra assombradajá lhe perdi o sentido.

Ó céu!aqui me falta a luzaqui me falta uma estrelachora-se maisquando se vive atrás dela.

E eu,a quem o sol esqueceusó dou ao mundo perdãosó choro agoraporque quem morre já não chora.

Solidão!que lembras-me a santeiraao céu da companheiraminha profunda amargura.

Ai, solidãoa quem foste confianteAi! solidãoe se morderam a cabeça.

Meu Deusque ao fim do além da vidado que já fui tenho sedesou sombra tristeencostada a uma parrede.

Adeus,vida que ranto durasda morte que tanto gabasai, que me dês

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a solidão quase loucura.

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Maria Lisboa

Música: Alain OulmanLetra: David Mourão-FerreiraIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

É varina, usa chinela,tem movimentos de gata;na canastra, a caravela,no coração, a fragata.

Em vez de corvos no chaile,gaivotas vêm pousar.Quando o vento a leva ao baile,baila no baile com o mar.

É de conchas o vestido,tem algas na cabeleira,e nas velas o latidodo motor duma traineira.

Vende sonho e maresia,tempestades apregoa.Seu nome próprio: Maria;seu apelido: Lisboa.

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Madrugada de Alfama

Música: Alain OulmanLetra: David Mourão-FerreiraIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Mora num beco de Alfamae chamam-lhe a madrugada,mas ela, de tão estouvadanem sabe como se chama.

Mora numa água-furtadaque é a mais alta de Alfamae que o sol primeiro inflamaquando acorda à madrugada.Mora numa água-furtadaque é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoaninguém compete com ela,que do alto da janelatão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarelafaz inveja à Madragoa:Madragoa não perdoaque madruguem mais do que ela.E a sua colcha amarelafaz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfamae chamam-lhe a madrugada;são mastros de luz doiradaos ferros da sua cama.

E a sua colcha amarelaa brilhar sobre Lisboa,é como a estatua de proaque anuncia a caravela,a sua colcha amarelaa brilhar sobre Lisboa.

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Há festa na Mouraria

Letra e música: A. Amargo; A. DuarteIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Há festa na Mouraria,é dia da procissãoda senhora da saúde.Até a Rosa Mariada rua do Capelãoparece que tem virtude.

Naquele bairro fadistacalaram-se as guitarradas:não se canta nesse dia,velha tradição bairrista,vibram no ar badaladas,há festa na Mouraria.

Colchas ricas nas janelas,pétalas soltas no chão.Almas crentes, povo rudeanda a fé pelas vielas:é dia da procissãoda senhora da saúde.

Após um curto rumorprofundo siléncio pesa:por sobre o largo da guiapassa a Virgem no andor.Tudo se ajoelha e reza,até a Rosa Maria.

Como que petrificada,em fervorosa oração,é tal a sua atitude,que a rosa já desfolhadada rua do Capelãoparece que tem virtude.

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Havemos de ir a Viana

Música: Alain OulmanLetra: Pedro Homen de MelloIntérprete: Amália Rodrigues’São canta Amália Rodriguez’

Entre sombras misteriosasem rompendo ao longe estrelastrocaremos nossas rosaspara depois esquecê-las.

Se o meu sangue não me enganacomo engana a fantasiahavemos de ir a Vianaó meu amor de algum diaó meu amor de algum diahavemos de ir a Vianase o meu sangue não me enganahavemos de ir a Viana.

Partamos de flor ao peitoque o amor é como o ventoquem pára perde-lhe o jeitoe morre a todo o momento.

Se o meu sangue não me enganacomo engana a fantasiahavemos de ir a Vianaó meu amor de algum diaó meu amor de algum diahavemos de ir a Vianase o meu sangue não me enganahavemos de ir a Viana.

Ciganos, verdes ciganosdeixai-me com esta crençaos pecados têm vinte anosos remorços têm oitenta.

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Libertação

Música: Santos MoreiraLetra: David Mourão-FerreiraIntérprete: Amália RodriguesJavier Tamames

Fui à praia, e vi nos limosa nossa vida enredada:ó meu amor, se fugimos,ninguém saberá de nada.

Na esquina de cada rua,uma sombra nos espreita,e nos olhares se insinua,de repente uma suspeita.

Fui ao campo, e vi os ramosdecepados e torcidos:ó meu amor, se ficamos,pobres dos nossos sentidos.

Hão-de transformar o mardeste amor numa lagoa:e de lodo hão-de a cercar,porque o mundo não perdoa.

Em tudo vejo fronteiras,fronteiras ao nosso amor.Longe daquí,onde queiras,a vida será maior.

Nem as esp’ranças do céume conseguem demoverEste amor é teu e meu:só na terra o queremos ter.

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