arquivosf trilogia

93
OS ARQUIVOS F TRILOGIA

Upload: marco-aurelio-v

Post on 01-Jul-2015

203 views

Category:

Travel


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Arquivosf Trilogia

OS ARQUIVOS F

TRILOGIA

Marco Aurélio Gomes Veado1998-1999-2000

1 - O CASO DAS BEATAS

Page 2: Arquivosf Trilogia

I

O domingo amanheceu quente e ensolarado. As irmãs Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina eram três solteironas convictas e religiosas com fervor. Preparavam-se para a missa das 8 na Igreja da Matriz. Após se vestirem com garbo e respeito, saíram de casa rumo à missa dominical. Chegando na São Vicente de Férrer, postaram-se no lugar habitual, tiraram seus terços da bolsa e esperaram pelo Padre Sérgio Ventura, um italiano radicado em Formiga há mais de 43 anos. O Padre entrou na Igreja e todos se levantaram. Ele olhou para as beatas como sempre fazia, cumprimentou-as e então deu início a mais uma missa. Virou-se para o altar e quando tornou aos fiéis, tomou um susto, um grande susto!

Onde estavam as beatas? Como pode ser, num átimo de segundo atrás elas estavam sentadas e agora, seus lugares nem sequer estavam vazios! Estavam ocupados por outras pessoas!

O que havia acontecido? Padre Sérgio engoliu seco, sentido-se mal. Pediu desculpas a todos e foi para o interior da Sacristia, se refazer do susto. Mas não conseguiu voltar a rezar a missa. Estava abalado com tudo aquilo... Passaram-se semanas e semanas e ninguém nunca mais ouviu falar do paradeiro das beatas!

O casal Delbaron vive numa ampla casa às margens da lagoa. Os dois sempre foram interessados pela pesquisa, investigação e estudos mormente de caráter inusitado e misterioso. Por isso mesmo, conseguiram ser aprovados num concurso para agentes especiais da CIF (Central de Inteligência Formiguense), agência privada de investigação recentemente fundada. Assim, com muita persistência, ambos conseguiram tal almejado emprego.

Phyllis é uma mulher de meia-idade que ainda conserva seus dotes físicos de quando mais jovem. É alta, morena-clara e com uma forte presença. Todavia, o que mais lhe sobressai, são seus dotes mentais. Ela é uma eficiente sensitiva que se especializou em RV (do inglês “Remote Viewing” ), ou Visão Remota, termo adotado pela inteligência mundial para o agente especial que possui a percepção extra-sensorial de “enxergar” além de sua visão normal. Melhor explicando: o agente especialista em RV, ou agente psíquico, é aquele que consegue detectar o objetivo ao simplesmente tocar numa foto, objeto ou mesmo numa planta de engenharia, conforme o caso, sem precisar sair do lugar. Basta mentalizar o foco e conseguir sua localização, através da mente. O grau de acerto é incrível. Além desta habilidade, Phyllis possui outras características pouco comuns. É também clarividente e telepata. São, pois, dotes raros que por sorte pertencem à pessoa certa, tendo em vista as árduas missões que é incumbida. A seu turno, Pedro já é uma pessoa mais pragmática, pois suas habilidades dizem respeito mais à matéria. É um especialista em eletro-eletrônica e um inventor nato. Muitos dos

2

Page 3: Arquivosf Trilogia

aparelhos que utiliza quando em missão, são por ele mesmo criados. Infelizmente, até hoje nenhum ainda foi patenteado. Ele alega que é por falta de tempo, pois não tem paciência de ir à cata de um patrocinador. Assim, ambos, graças às suas indiscutíveis técnicas mentais e materiais, foram selecionados para atuarem nos “Arquivos F” , banco de dados composto somente de casos enigmáticos de difícil solução, para, no mínimo, obterem um resultado convincente, ou plausível.

No primeiro dia de trabalho, os dois novos agentes se apresentaram ao Diretor Paulo Cunha, uma pessoa afável, apesar de exigente ao máximo, não muito alto e com poucos cabelos, mostrando uma calvície já bastante acentuada. Apertou as mãos de ambos, sentou-se, pegou seu charuto Cohyba e sem acendê-lo, falou com decisão.

“Senhores agentes da CIF. O objetivo dos dois neste trabalho é simples e óbvio: solucionar o problema. Não me interessa o quão difícil ou mesmo misterioso seja o caso que pegarem! Os meios que vão utilizar para se chegar à resolução também não me interessam, desde que sejam lícitos. O que importa será que cumpram as determinações impostas pela CIF. Esta cidade pode parecer pequena, mas o fato é que periodicamente acontecem coisas que ninguém consegue explicar. Como sabem, esta agência dá sustentação logística às polícias local e das redondezas nos assuntos mais intricados. Somos bem pagos para isso. Desta forma, o resultado tem que ser satisfatório, custe o que custar! Portanto, mãos à obra, ou melhor, mãos, pés e mentes à obra!”

Sem titubear, Phyllis, com sua maneira incisiva e dominadora asseverou-lhe com a usual elegância: “Não se preocupe, chefe. Pedro e eu sabemos onde pisamos. Nossas experiências anteriores nos deu a segurança que o senhor deseja. Já estamos ao seu dispor para a primeira missão!” Pedro, como sempre, de poucas palavras, deixou sua companheira falar e nada mais fez do que assentir com a cabeça.

“Muito bem. O primeiro caso que pegarão requer muita astúcia e, sobretudo, espírito de iniciativa. Meses atrás um bizarro desaparecimento abalou as estruturas paroquias desta cidade. Até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu.

“Já ouvimos falar, seriam aquelas beatas que sumiram?”, interrompeu Pedro. “Exatamente. O assunto já é corrente na cidade toda. O Padre Sérgio Ventura, da Paróquia São Vicente de Férrer nos deu parte de que três beatas desapareceram de repente nas suas barbas, quando estavam assistindo a uma de suas missas. Ele está em pânico. Por sinal, está sob efeito de sedativos até hoje. Ainda não conseguiu celebrar uma missa desde então.”

“Como podem ter sumido em plena Matriz?”, perguntou Phyllis, com a antena extra-sensorial já ativada. “Eis a questão, cara agente. E será este o primeiro passo de vocês dois. Marquem uma hora com o Padre Sérgio. Perguntem e esmiucem tudo que estiver ao seu alcance. Phyllis,

3

Page 4: Arquivosf Trilogia

use seus poderes psíquicos e você, Pedro, utilize seus aparelhos! Boa sorte!” Quando Phyllis e Pedro chegaram na Casa Paroquial, o Padre parecia estar em choque. De sua boca trêmula, saía: “O tempo! O tempo!... Que fazem aí?! Cuidado!!! Ahhhhhhhhh!!!!!!”

Sem demora, os agentes da CIF (Central de Inteligência Formiguense) prestam socorro ao pároco que está em crise. Nesse mesmo momento, Pedro, como sempre prevenido, liga seu infalível contador “geiger” que ele próprio adaptara. Era um aparelho que detectava não só radiação, mas também a energia presente, positiva ou negativa. O ponteiro oscilando para a esquerda, sinal de energia negativa, para o lado oposto, positiva. Enquanto Phyllis ajudava o Padre Sérgio, Pedro observa: “Phy, o local está de fato pesado! Você precisa tomar cuidado, pois sendo susceptível às variações energéticas, pode ter a saúde alterada. Você sabe disso.”

“Tem razão, já posso captar o ar pesado em nossa volta.” Nesse momento, o Padre se recobra do mal-estar e, ainda cambaleante, indaga com surpresa: “O que estão fazendo aqui? Quem os chamou?”

“Agentes especiais da CIF, Phyllis e Pedro Delbaron. Fomos escalados para investigar a ocorrência da Igreja Matriz. Por isso, gostaríamos de fazer-lhe algumas perguntas!”, respondeu Phyllis.

“O que tenho a falar não é compreensível dentro das minhas concepções católicas. Mesmo assim, vou contar-lhes exatamente o que aconteceu naquela manhã de domingo. Pois bem, nesse dia cumpri a rotina habitual antes de rezar a missa das oito. Ao entrar na Igreja, através da Sacristia, cumprimentei os fiéis mais assíduos, dentre eles as três Marias: Etelvina, Ana e Regina. Elas me saudaram com o entusiasmo e o fervor de sempre. Pude observar que elas estavam sentadas no mesmo lugar de todas as vezes, ou seja, à direita do confessionário, perto daquela imagem de Nossa Senhora da Piedade. A missa teve início justamente quando o sino do nosso relógio deu as oito badaladas. Mas, após virar-me para fazer o sinal do Pai junto ao altar, levei um grande susto. Estupefato, vi exatamente o momento em que as três simplesmente se dissiparam! E foi perante estes olhos que a terra há de comer! Assustado, tornei a virar a cabeça e ao virá-la, novo susto: naquele mesmo lugar estavam outras três pessoas! Diferentes! Não havia um sinal das irmãs que ali estavam postadas! E o pior foi que ninguém sequer reparou aquela repentina mudança. Senti calafrios e tive vertigens decorrentes do impacto que tive. Por isso, pedi desculpas aos fiéis e saí direto para a Casa Paroquial. Pensava ter sido apenas uma visão sem maiores conseqüências, mas quando soube que as três estavam de fato desaparecidas, não mais consegui celebrar uma missa sequer! Não posso fazê-lo, pois não estou em paz com a minha alma, tampouco com o nosso Deus Pai...”, terminou revelando uma grande decepção.

“Um momento, Padre, e o que estava acontecendo com o senhor há pouco, quando aqui chegamos. Reparamos que repetia a palavra ‘tempo’

4

Page 5: Arquivosf Trilogia

e perguntou algo como ‘o que fazem aí’, depois gritou ‘cuidado’. Isto ainda não nos foi explicado. Lembra de alguma coisa?”, indagou Pedro, ajustando o seu “geiger”, agora com o ponteiro posicionado e fixo no lado esquerdo.

“Não me lembro de nada. Agora com licença, pois tenho mais o que fazer. Minha sacristã, a América, me espera para que possamos resolver outros assuntos paroquiais. Apesar do meu estado, ainda consigo fazer coisas... Passar bem!”, finalizou o assunto, revelando-se preocupado e desconfiado, bem como estar escondendo alguma coisa.

Phyllis e Pedro se entreolharam sem compreender aquela estranha e repentina atitude do Padre que inexplicavelmente mudou de tom. Sem poder questionar mais, os dois partiram direto para a Igreja. No caminho, Phyllis fica tonta e se apóia no companheiro, quando balbucia algo: “Oh, minha cabeça está ficando pesada... Acho que vou desmaiar...”

O ambiente é lúgubre. Gritos por todos os lados. Uma névoa dificulta a visão de Etelvina, Ana e Regina. Apesar disso, conseguem vislumbrar logo à frente várias formas cortando-lhes o caminho. Sem entender o que se passa, começam a correr desesperadamente. O chão é lodoso, as árvores parecem estar mortas, não há folhas nelas, tampouco outras plantações. Têm formato diferente do usual. O céu, muito vermelho, começa a mudar de cor, torna-se esverdeado como num passe de mágica.

O vento uiva com força. O frio é intenso. Elas se abraçam para se agasalharem. Em pânico e chorando muito, Regina grita: “O que está acontecendo conosco? Onde estão as pessoas? Onde está a Igreja? Onde estamos...?!!”. Mais calma e com a sua sobriedade peculiar, não somente por ser a mais velha, mas pelo seu jeito de ser, Etelvina observa: “Não estou entendendo mais nada. Há pouco estávamos sentadas, ouvimos o sino da Igreja e agora aqui estamos! Como pode ser, meu Deus? Vamos sair daqui, pois o terreno está mole e não estou conseguindo me equilibrar. Vamos!”. Ana, a mais religiosa da três, procura por seu terço e nada encontra. Mesmo assim, começa a rezar em voz alta. Tenta suplantar o som agudo do vento com a sua fé, agora um pouco abalada. As três irmãs beatas caminham com extrema dificuldade naquele bizzarro lugar. Não sabem para onde vão, sequer o por quê daquilo tudo. O céu agora está entrecortado por raios. Inicia-se uma tempestade magnética. Isto aumenta o pavor das indefesas irmãs que continuam andando... sem rumo...no desconhecido...

“Phyllis, acorde! O que aconteceu com você?”, Pedro pergunta com aflição. De olhos entreabertos, ela diz: “Pedro, estou assustada! Acho que já sei onde elas podem estar...”

5

Page 6: Arquivosf Trilogia

II

“Então fale logo, porque o ponteiro de meu ‘geiger” está colado no lado esquerdo!”

“Não estou muito certa, mas fui projetada em corpo astral provavelmente até um lugar um tanto estranho. Lá não havia formas definidas, mas estava cercado de espectros ou algo similar. O fato foi que vi – à distância - o Padre Sérgio que, à distância, falava ou tentava falar com uma pessoa de aparência esquisita. De quando em quando, vultos perpassavam ao derredor. Depois de andar algum tempo sem rumo pelo lugar e, pouco antes de voltar, visualizei três silhuetas..., bem à frente do Padre. De repente, voltei com você me chamando...”, terminou sua breve descrição a agente da Central de Inteligência Formiguense, Phyllis.

“E olha que o ‘flash’ que você acaba de ter, não durou mais do que 30 segundos. Vamos agora à casa da três irmãs. Nisso, o celular de Pedro toca. É o Diretor Paulo Cunha: “Pedro, o Padre Sérgio Ventura acaba de ligar e diz que acabou de ter um sonho enigmático, porém, revelador. Para ele, somente a Phyllis poderá lhe dar maiores explicações! Rumem-se para lá agora mesmo! Depois, voltem à agência, pois temos mais novidades!”

Rapidamente o casal de agentes da CIF saem do interior da Igreja Matriz e retornam à Casa Paroquial. Porém, no caminho, são interceptados por um senhor de feição bizarra, corpo arqueado e com a voz gutural, lhes diz o seguinte: “Cuidado com o que não conhecem. Afastem-se do desconhecido! O limbo não pode ser invadido!”

“Quem é você, o que sabe e por que fala assim?”, diz Phyllis um pouco assustada com a repentina intromissão daquela pessoa. Ela desconfiava que já o conhecia de algum lugar.

De repente, ouve-se um estalo seco, bem perto de onde estão, na pracinha. Então, ambos se viram para ver o que acontecera. E reparam que não há vestígios de bomba. Os transeuntes que passam sequer se alteram. Eis que ao voltar novamente à pessoa que os interceptara o trajeto, nada vêem mais... A pessoa volatizou-se simplesmente.

“Como pode ser? Incrível, o contador ‘geiger’ nem se moveu, tampouco o meu hologômetro se manifestou, pois poderia ter sido um holograma, ou mesmo um efeito de tele-transporte!”, também

6

Page 7: Arquivosf Trilogia

surpreende-se Pedro, assustado por aquela inusitada e inesperada presença.

Chegando à Paróquia, a sacristã Francisca América os recebe, logo dizendo que: “Por favor, andem logo! O Padre ficou velho! O Padre ficou velho!” Gestualmente, indica-lhes como chegar até ao Pároco. E eles têm uma nova surpresa: Padre Sérgio Ventura apresentava-se outra aparência, ou seja, estava envelhecido.

“Desculpe-nos Padre Sérgio, mas ainda há pouco o senhor tinha cabelos pretos e agora, eles estão grisalhos, quase brancos!”, indaga surpresa a agente Phyllis.

“Tal transformação ocorreu logo após o meu sonho... Bem, sentem-se por favor que lhes conto. Agente Phyllis eu queria tanto conversar com você porque era a sua pessoa que vi nesse sonho! E pude ver também o desespero das três irmãs, Etelvina, Ana e Regina, que estavam à minha frente, vagando num ambiente de inexplicável paisagem! Além disso, tentei falar com um ser estranho, que nada falava mas fazia o sinal de ‘não’ com o dedo.. e falava algo que não pude compreender. Só ouvia o som de sua voz...”

“Como era essa pessoa?”, espantou-se Phyllis, curiosa pela pronta resposta.

“Meio corcunda, voz grossa e pesada. Naquele momento, você se aproximou de mim, mas subitamente, tudo se dissipou e acordei. Ao olhar no espelho tive a surpresa de ver meus cabelos dessa cor!”

“Seu sonho se encaixa perfeitamente com a minha visão, Padre Sérgio! Sim, agora posso afirmar que era mesmo o senhor e de longe pude observar que conversava com alguém. Conforme desconfiei essa pessoa deve ser a mesma que eu e Pedro encontramos ali na pracinha! Veio nos ameaçar e alertar sobre o perigo que corremos por estarmos contactando aquele lugar! Se é que podemos chamar aquilo de lugar...”

“À propósito, Padre Sérgio. Por acaso, o senhor pode identificar as três pessoas que estavam exatamente no lugar das três beatas, logo após o desaparecimento delas?”, pergunta Pedro, antes de se despedir.

“Como não? Apesar da tensão vivida naquela hora, pude reparar bem quem eram os três indivíduos que repentinamente passaram a ocupar o lugar que era das três irmãs! São três mendigos inseparáveis que vivem nos arredores da São Vicente de Férrer. Não têm sanidade mental normal e vivem contando estranhos casos para a garotada que brinca na mencionada praça. Não sei seus nomes, mas posso identificá-los porque sempre me ajudam a recolher o dízimo. Por que pergunta?”

“Para saber onde estariam os três antes da desintegração das três Marias...”

7

Page 8: Arquivosf Trilogia

Nessa hora exata, Francisca América olha para a maçaneta. Aos poucos ela vai rodando e a porta vai se abrindo...A Sacristã dá um grito desesperado. O Padre e os agentes correm para ver o que era... Assustados, vêem que se trata da estranha pessoa que haviam visto na pracinha e nas paisagens misteriosas...

Surge uma bizarra silhueta com características humanas que sorrateiramente se aproxima dos quatro ali presentes. Phyllis, Pedro e o Padre Sérgio se surpreendem ao reparar que conhecem aquelas estranhas e misteriosas feições. Então, postando-se à frente deles, a pessoa começa a falar: “Seres deste mundo tridimensional: Bem sabem que já intervi em suas vidas outras vezes: uma com o Padre e com a agente da CIF na quarta dimensão e a outra com os dois agentes nesta mesma dimensão em que ora me encontro. Ambas em vão, pois ainda não me ouviram: não queiram desfazer o que já foi feito!...”

“Como? Que culpa temos em querer investigar um desaparecimento?”, indaga Pedro com veemência.

“Aqui estou a fim de esclarecer o por quê dos recentes eventos acontecidos nesta cidade. Explicarei de uma maneira simples, porém objetiva e, espero ser entendido, pois procurarei não fugir de seu padrão de assimilação, apesar do restrito vocabulário de que fazem uso para se expressar. Inicialmente, devo ressaltar-lhes que não se deve afrontar os irremovíveis Registros Akáshicos. Como sabem, alguns de seus cientistas já levantaram uma teoria que é verdadeira em sua essência. Refiro-me à teoria do ‘superstring’, ou ‘supercadeia’, que postula muitas dimensões escondidas abaixo do que vocês chamam espaço-tempo, controlando a intensidade dos fenômenos...”

Ainda surpresos, eles - a Sacristã, de tão assustada, abandonara o recinto - tentavam compreender a metafísica explanação daquele ser que eles já tinham idéia de onde era originário. Falando baixo, pausadamente e com a voz acentuadamente gutural, continuou o seu relato.

“O universo mantém um conjunto completo de relações espaciais que existiram e existirão ao longo da linha temporal. Há duas diferentes categorias de entrada no espaço extra-temporal, ou seja, via estado alterado de consciência e via física, conforme aconteceu com ambos, a Agente Phyllis e o Religioso Sérgio. Mas como aconteceu, puderam ‘viajar’ apenas como observadores, porque a fenda que tentaram afetar, está repleta de linhas mundiais, que é a energia e a matéria: passados e futuros. E a energia à custa do deslocamento dessas linhas seria insuperável. Em poucas palavras: não se esqueçam nunca de que o tempo nada mais é do que é um tipo de ilusão. Nada existe absolutamente. No mundo das três dimensões tudo é feito de substância mental!”

“Então o que leva o senhor a intervir neste nosso espaço-tempo? O que estamos fazendo de errado? Por acaso, investigarmos o desaparecimento das três irmãs formiguenses é tão sério assim?”,

8

Page 9: Arquivosf Trilogia

interrompe preocupada e curiosamente Phyllis. A essa altura, o “geiger” de Pedro está inexplicavelmente parado e ele não pode entender o por quê.

“Sua preocupação procede a partir do momento em que queiram influir naquilo que poderíamos chamar, na sua linguagem, de ‘vácuo atemporal’, pois como já disse, não há tempo, nunca existiu nenhum tempo, e nunca haverá qualquer tempo... O tempo é eterno, nunca poderia ter tido um começo. Pode, sim, existir diferentes variedades de tempo, como há diferentes infinitos. Portanto, querer saber de algo que não existe, ou melhor, nunca existiu, é insistir num erro que pode acarretar em severas conseqüências!”

Todos ouviam, mas ninguém compreendia direito aquelas bizarríssimas palavras.

“Senhor, queremos que dispense tais premissas. Na verdade, pouco importa o que acha. O que nos importa é saber o que aconteceu com Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina! Temos certeza que elas, de fato e de direito existiram e ainda existem! Como e por quê elas desapareceram sob as minhas vistas e por qual razão somente eu presenciei o acontecimento?”, interveio o Padre, decidido a desvendar o mistério que tanto o incomodava.

“Uma vez mais, devo assegurar-lhes que esses seres materiais não existiram no tempo em que afirmam. Por causa de uma ainda inexplicada falha dimensional, houve uma ruptura temporal que sugou aqueles seres e...”

“Poderia nos explicar melhor?”, retruca Phyllis, já tomada por um estranho pressentimento.

“Há neste seu mundo muitos portais dimensionais. São muitas entradas, mas poucas saídas. Conforme disse, por um lapso de tempo, cuja causa ainda não foi detectada, o Padre entrou numa faixa que jamais existiu e presenciou a volatização das três! O problema é que isto não estava nos Registros Akáshicos...”“Quem lhe dá o direito de falar mentiras absurdas? Nossa religião não permite elocubrações sem fundamentos científicos! Alguém me drogou e tudo não passou de alucinação!” , gritou o Padre, empurrando com violência aquele franzino ser que ainda não terminara suas explicações. Antes de cair ao chão, algo acontece.

Um forte clarão toma todo o ambiente. Os três são arremessados num vórtice que parece levá-los ao nada.

O Diretor Paulo Cunha tenta telefonar para Pedro e diz com preocupação: “Não entendo, só ouço um barulho de estática. Algo aconteceu com nossos agentes! Temos que ir à Casa Paroquial urgentemente!”

9

Page 10: Arquivosf Trilogia

Pouco tempo depois, Cunha abre a porta principal daquela casa...e toma um grande susto!

Está tudo vazio. Nenhum sinal de que alguém havia estado naquele lugar, pois tudo estava arrumado, como se nada tivesse acontecido. De repente, adentra a sala, a Sacristã Francisca América. Preocupada, exclamou para o Diretor Paulo Cunha, perscrutando o ambiente: “Onde estão o Padre Ventura e os dois agentes que há pouco conversavam com uma pessoa um tanto estranha? Resolvi voltar porque esqueci minha bolsa aqui, pois saí apavorada ao me deparar com os cabelos brancos do Padre e todo aquele tumulto causado pela presença dessa pessoa!”

“É uma boa pergunta, cara Sacristã, há pouco tentei me comunicar com meus agentes e o telefone estava fora de área. Estranhei, porque aqui em Formiga isto jamais acontece. Já interroguei os três mendigos que foram presos por vadiagem e, como falei com o Agente Pedro, acho que descobri alguma coisa. Será que esse estranho elemento a que você se refere seqüestrou os três? Onde você imagina que poderiam ter ido?”

“Não faço a mínima idéia. Padre Sérgio raramente sai da Casa Paroquial. Só mesmo para celebrar missas ou quando participa de alguma campanha beneficente. O que mais me intriga é que sua mesa está corretamente arrumada...”, observou a Sacristã, quando o Diretor quis saber mais daquele detalhe interessante.

“É que ontem logo antes de ir embora, eu arrumei esta mesa tal qual o faço todas as tardes antes de ir embora. Mas, hoje de manhã, foi desarrumada pelo Padre como de hábito e, como sou eu quem faz este trabalho, quem mais poderia tê-la arrumado?”. O Diretor Paulo Cunha, coçou a calva e arrematou: “De fato tudo é muito misterioso... Vou acionar meus outros agentes para procurar Padre Sérgio, Agente Phyllis e Agente Pedro em outros locais da cidade. Só me faltava essa agora...!”

Assim, uma equipe de agentes da Central de Inteligência Formiguense (CIF) fora incumbida de procurar os agentes e o religioso, agora também desaparecidos subitamente. Após dar as ordens, o Diretor resolveu permanecer ali mesmo na Paróquia, aguardando os eventuais acontecimentos.

Não havia qualquer som. Um silêncio profundo invadia o ambiente. Tal quadro já era familiar à Phyllis quando em seus devaneios mentais. Mas, para Pedro aquele momento era inédito. Com certeza, seus princípios materialistas estavam sendo seriamente subjugados. O Padre Sérgio também conhecia aquela cena.Assim mesmo, os três se tocaram para ver se tudo aquilo não era fruto de mais um sonho. Pelo visto, era real. Recordaram daquele turbilhão que entraram sem mais nem menos logo após o Padre ter tentado agredir a pessoa estranha que invadira a Casa Paroquial. E então, de repente, surgiu novamente o bizarro e enigmático indivíduo.

10

Page 11: Arquivosf Trilogia

“Assim como a sombra sobre uma parede forma uma projeção bidimensional de uma realidade de três dimensões, também os fenômenos do ‘continuum’ espaço-tempo poderão ser projeções quadridimensionais de realidades que, de fato, ocupam mais de quatro dimensões...”

“O que pretende dizer com isso e por quê nos encontramos novamente neste lugar sinistro e amorfo?”, retruca Phyllis - demonstrando ansiedade. Ou melhor, “pensou”, pois para sua surpresa e dos outros, ela não falava, mas pensava...

“Esta realidade quadridimensional que vivenciam neste espaço-tempo está acontecendo num lapso da sua realidade tridimensional. Em verdade, independente do número de dimensões desse espaço-tempo, muitas realidades existem. Todavia as regras têm que ser inalteráveis, pois tais realidades devem situar no seu ‘continuum’ próprio. Aquelas três religiosas ‘caíram’ na realidade errada. Naquele momento, houve um imprevisível alinhamento deste mundo com planetas de outra dimensão o que gerou no inesperado evento. É certo, porém, que tais acontecimentos sempre acontecem, só que não tão perceptíveis! A cidade de Formiga está alarmada ante esse inusitado acontecimento sem precedentes. Este é o problema. Ainda não é o tempo de seres tridimensionais saberem de certas verdades. Por isso, vocês se tornaram responsáveis perante os Registros Akáshicos!”

“Ser misterioso. O que quer dizer com isso? Que influência possamos ter exercido?”, disse o Padre, ainda irritado e surpreso com tantas e “estranhas verdades”.

“Vocês invadiram a faixa que não lhes era permitido, receio que a permuta é irreversível e... necessária...”

“Ei, vá abrindo logo o jogo. Por acaso está querendo nos trocar pelas três beatas?!”, indagou Pedro, procurando deduzir quais seriam as intenções do ser.

“Certamente que as regras não podem ser desacatadas. O espaço para as formas tridimensionais é exclusivo, e não pode ser aviltado, pois quando isto acontece, o eixo da Terra pode sofrer sérias conseqüências. Portanto, a troca terá início agora. O tempo vai voltar para aquele domingo durante a missa...Preparem-se!”

11

Page 12: Arquivosf Trilogia

III

Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina vestiram-se com a usual sobriedade para a missa das 8 da manhã, na Igreja Matriz, perto da casa onde moravam. Depois, pegaram seus terços, o habitual véu, fizeram um carinho em Lili, uma feiosa e desengonçada vira-lata preta e partiram para a Igreja. Como acontecia sempre, ocuparam seus lugares, à direita do confessionário, perto de uma bela e portentosa imagem de Nossa Senhora da Piedade. Ainda faltavam poucos minutos para o início da missa e, enquanto o Padre Sérgio Ventura não aparecia para celebrar a missa, os fiéis murmuravam, excetuando três pessoas. Maria Etelvina, então cochichou algo para Ana: “Esses mendigos definitivamente não respeitam a Casa de Deus. Além de federem a urina, não param de conversar enquanto recolhem o dízimo. Padre Sérgio devia proibi-los de vir aqui!”

“É mesmo. Repare que falam e olham toda hora para o altar, como que se esperassem algo...”, observou, demonstrando uma certa curiosidade, Ana Maria, habitualmente de acordo com a irmã mais velha.

“Além disso, estão gesticulam muito. Não suporto este desrespeito. Vou lá repreendê-los agora mesmo!”, disse a irritadiça Maria Regina, a mais séria e exigente das três irmãs beatas.

Não foi necessário, pois naquele instante o Padre chegou. Cumprimentou os fiéis e o silêncio fez-se presente, inclusive os mendigos que pararam de falar, mas ficaram apreensivos subitamente. Então, fizeram uns gestos desesperados na direção do Padre, como se quisessem dizer-lhe algo. Tocam as oito badaladas do sino.

12

Page 13: Arquivosf Trilogia

Susto geral. O Padre colocou sua mão direita sobre o próprio coração, apoiou-se no altar e caiu estatelado ao chão. Tumulto. Todos correram até ele. As irmãs, que estavam próximas, foram as primeiras a socorrê-lo.

Maria Etelvina deu um grito clamando por socorro. O Padre estava caído e inconsciente. Tentaram reanimá-lo. Em vão. Um dos mendigos, pôs o ouvido no peito do religioso, e exclamou displicentemente: “Uai, parece que seu Padre partiu para o Outro Lado. Não ouço seu coração!!”

Enquanto isso, o casal de agentes da CIF, Phyllis e Pedro, descansava em sua casa, perto da lagoa. Ela, aguava suas plantas. Se mais nem menos, é acometida por um mal-estar repentino. Começou a ver estranhos pontos luminosos à frente. Com dificuldades, tentou gritar pelo marido. Em vão, pois a voz não saiu. Tal qual num pesadelo, quando se quer falar e sai um ronco. O ar lhe faltava e tudo se escureceu. No outro lado da casa, Pedro estava em seu laboratório, fazendo uns ajustes no “hologômetro”, um eficiente medidor de hologramas que havia inventado, instruído a partir das projeções astrais e canalizações de sua mulher, que lhe transmitia mensagens preciosas advindas provavelmente de seres extraterrestres e extradimensionais, conforme o caso. Quando pegou a chave de fenda, teve a nítida impressão que ela derretia em sua mão. Seria uma visão? Soltou a ferramenta com pavor. Ao tentar correr em direção à porta de saída, o caminho até ela se esticou inexplicavelmente, independente de suas passadas! A cabeça ficou mais pesada e o ar se rarefez. A perda dos sentidos foi inevitável...“O que fizeram conosco? O que vimos em nossas telas mentais foi a realidade?”, indagou ainda atônita a agente Phyllis, acompanhada por Pedro e pelo Padre Sérgio, ambos também sem saber o que estava acontecendo.

“Reafirmo-lhes uma vez mais: as leis devem permanecer imutáveis. Os Registros Akáshicos não poderiam e nem podem ser alterados sem o prévio assentimento da Hierarquia Cósmica que rege sua dimensão. O que aconteceu foi uma outra realidade que vivenciaram. Agora, vocês não mais existem naquele momento. O que antes havia acontecido com as três irmãs, não estava previsto, conforme ressaltei. O alinhamento planetário abriu uma brecha no tempo e as engoliu, tal qual age o conhecido ‘buraco negro’. Infelizmente, o Padre, inadvertidamente presenciou a volatização das irmãs e avisou aos agentes da inteligência formiguense... Portanto, devem sanar a falha. O que não está previsto em nenhum futuro, não pode acontecer. Esta é a lei...”

“Não posso ir agora! Minha missão na Terra ainda não terminou! Se já pôde mudar o que aconteceu, faça-o novamente e deixe-nos voltar!”, falou desesperadamente o Padre, acompanhado pelos agentes.

“Todavia, devo asseverar-lhes que o Talmude muito bem esclarece sobre as leis bíblicas quando diz que ‘tudo está previsto, porém a

13

Page 14: Arquivosf Trilogia

liberdade de ação é concedida’. Portanto, face ao efêmero fator tempo que tanto já lhes falei e adverti, há muitos futuros reservados para seu planeta. As profecias que tanto dão ouvidos são justamente esses futuros. O seu livre-arbítrio é que vai determinar a sua realização ou não!”, disse mansamente o ser que já fazia tempo que lhes advertia sobre o perigo de “aviltar as leis dimensionais”, clamando-lhes a abandonar o caso. Poderiam ser aquelas palavras sinônimo de esperança?

“Pois queremos um outro futuro! Temos este direito!”, gritou esperançoso Pedro.

“A fenda temporal foi remendada novamente e os Registros Akáshicos puderam ser refeitos. Acabam de acontecer suas próprias transições. Tudo já foi refeito. Porém, seu livre-arbítrio prevalecerá e nova chance há de lhes ser dada. Outro futuro pode lhes ser reservado, graças à importante missão de cada um: ajudar os desprovidos e coibir delitos através da paranormalidade. Mas, tudo isso dependerá de uma condição...”

Dito isto, os três presentes àquele singular momento, postaram-se atentos ao que lhes seria dito, ou melhor, prepararam-se para ouvir à condição que lhes seriam impostas, a fim de que pudessem retornar ao seu plano dimensional de origem.

“Prevê-se um novo alinhamento planetário para daqui a sete dias. Uma nova dobra temporal será ativada. É a oportunidade para as ‘trocas’, isto é, o momento para que os eventuais erros sejam retificados ou corrigidos. Pessoas e objetos ‘desaparecidos’, dependendo das condições, poderão ‘reaparecer’. No caso das pessoas, estas retornam sem lembrar de nada. Apenas voltarão a ter rápidos vislumbres através do chamado fenômeno ‘dejá-vu’, ou seja, a recordação de um momento que aparentemente não existiu. Portanto, vocês têm aproximadamente uma semana para realizarem o que lhes pedirei agora, caso contrário, será definitivamente decretada sua passagem para esta outra dimensão!”

“Como voltaremos à terceira dimensão se lá já estamos ‘mortos’?”, perguntou Phyllis. Com certeza, a mais sensível dentre os três, visto a sua conhecida e apurada percepção extra-sensorial.

“Boa pergunta, estimada agente especial da CIF. Haverá um lapso de tempo, isto é, como existem no planeta Terra – assim como em outros planetas tridimensionais – vários futuros e, conseqüentemente, vários passados e presentes, todos dependendo do livre-arbítrio para se realizarem, vocês ‘cairão’ num desses momentos que ainda não aconteceram e nem acontecerão. Em seguida, terão uma inspiração momentânea para realizarem a missão. Aviso-os, todavia, que será uma forte intuição. Se se sentirem dispostos a ‘darem ouvidos ao seus sentimentos’, tentarão cumprir o ‘chamado’. Caso contrário, acontecerá o que já aconteceu, ou seja, quem não ouvir a si mesmo, passará pela

14

Page 15: Arquivosf Trilogia

transição naquele futuro já definido, cujos acontecimentos já se passaram no interior da igreja de sua cidade...”

“Estou confuso. Meus princípios religiosos certamente não me permitirão que eu acate tudo isto. Portanto, não irei confiar nessa intuição, por achar que ela não condiz com as minhas convicções! Que faço?, questionou o Padre Sérgio, bastante alarmado com a iminência da sua eventual recusa ao “chamado”.

“Vai depender de suas memórias pregressas. Será quando aflorarão as intuições. São sentimentos presos aos arquivos do passado, sempre presentes nos escaninhos da memória e que todos deveriam levar em conta. É a hora em que têm um sentimento estranho aos seus princípios, mas que soam como verdade. É quando o radicalismo deve ser afastado. Por isso, é salutar que ninguém faça ouvidos moucos a certas verdades que intuem, mas que inicialmente não coadunam com o que pensam, pois um dia poderão verificar a sua autenticidade, e a decepção pode ser grande, ou o momento poderá ser tardio...”

“Outra pergunta: por acaso no tempo em que nos aportarmos, teremos nossas mesmas características? Ou seja, continuará a Phyllis dotada de poderes extra-sensoriais; o Padre será Padre ainda e eu terei comigo os aparelhos que inventei e que tanto me auxiliam em minhas investigações?”, também indagou Pedro, a essa altura preocupado com seu utilíssimo aparato técnico-eletrônico.

“Já o disse. Todos serão como são. Nada mudará. Apenas o tempo será outro. Formiga terá os mesmos costumes, os mesmos habitantes, as mesmas ruas, tudo continuará igual. Só o destino é diferente, pois ele depende da vontade humana, conforme enfatizei tantas vezes. Seu planeta ainda está preso à essa vontade. O ser humano não possui disciplina própria para ser regido pelas leis universais. Os planetas mais desenvolvidos são controlados porque seus habitantes são evoluídos e podem seguir os ditames regidos pela Grande Energia, aquela que vocês chamam de Deus. Enfim, passo-lhes agora a missão para que possam voltar ao espaço-tempo que desejam...”

“Estamos prontos para cumprir o que nos será exigido. Estamos também decididos a viver no tempo a que pertencemos, pois é quando poderemos satisfazer nossos sentimentos altruístas. O Padre Ventura precisa continuar estendendo sua mão aos pobres, sejam eles carentes de bens físicos ou espirituais; Pedro necessita continuar criando meios para ajudar no combate ao mal que ainda insiste em dominar a Terra e eu, com meus dotes e habilidades extra-físicos, também pretendo dar continuidade a tais ações contra o mal, através da mente, com certeza, nosso principal atributo no próximo milênio! Estamos preparados!”, disse com orgulho a agente Phyllis.

“Agora voltarão à cidade de Formiga. Terão que convencer as três irmãs a não ocuparem aquele lugar na igreja, que é um dos portais para

15

Page 16: Arquivosf Trilogia

outras dimensões. Depois, convencerão os mendigos a estarem nesse exato local, para serem teletransportados, pois são eles os eleitos, uma vez que não pertencem àquele tempo. Farão tudo isto, porém, inconscientemente, pois será uma ação intuitiva. Portanto, só dependerá de seu arbítrio para que tudo isto aconteça. No mais, não se esqueçam: a maior aventura de suas vidas está apenas começando!...”

Num piscar de olhos, Padre Sérgio e os agentes da CIF, Pedro e Phillys, são teletransportados...

O Diretor da Central de Inteligência Formiguense, Paulo Cunha, está numa importante reunião com os agentes especiais Phyllis e Pedro Delbaron. Com o habitual Cohyba no canto da boca, disse o seguinte aos seus principais agentes dos Arquivos F, como se sabe, de casos aparentemente inexplicáveis à visão comum, ou mesmo de solução difícil.

“Caros colegas. A nossa cidade vem sendo tomada por estranhos acontecimentos. O que corre de boca em boca, é que três indivíduos mau-vestidos, com aparência de mendigos, estão alarmando a população, pois, segundo dizem, podem manipular a natureza, ou seja, fazem chover, trovejar, ventar e, como se não bastasse, ainda podem conversar com as plantas!”

“Como soube que isto tem acontecido de fato? Por acaso, alguém já presenciou tais prodígios?”, indagou Phyllis, com a sua peculiar curiosidade.

“Sim, temos uma testemunha. É um comerciante de Córrego Fundo, chamado Marden, que jurou ter visto um mendigo ‘conversando’ com uma árvore, além de fazer chover, pois caiu uma tempestade violenta na cidade logo após fazer gestos em direção ao céu. De fato. Ontem realmente choveu forte e parou de súbito!”

“Lembro disso...iremos procurá-lo agora mesmo. Antes, tenho que preparar meu aurômetro, que é um eficaz detector de mentiras, pois ao medir a aura do indivíduo, acusa se este está ou não falando a verdade!”, falou animadamente Pedro, pronto para a missão, já que o assunto soava ser bem interessante.

Enquanto isso, Padre Sérgio tem um breve diálogo com as mais dedicadas devotas da Paróquia, as três inseparáveis irmãs beatas, Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina.

“Minhas estimadas devotas em Cristo, tenho tido uns sonhos estranhos. Mas eles são contra meus princípios religiosos. Por isso, as incumbo de uma missão sublime. O que importa é que certamente, Deus, nosso Pai, ficará muito satisfeito com a sua ajuda em prol dos carentes de nossa cidade. No vindouro domingo, vamos fazer a distribuição dos alimentos e outros sortimentos logo após a missa das oito da manhã. Portanto, espero ver as três me prestigiando nesse magnânimo dia!”

16

Page 17: Arquivosf Trilogia

“Conte conosco, Padre Sérgio, iremos à igreja no domingo cedo com muito orgulho! Não podemos faltar a esse importante evento. Nossas almas estão regozijadas por tamanha honra!”, disse orgulhosamente a mais velha das irmãs, Etelvina, sendo apoiada fervorosamente pelas outras duas. Como sempre.

“Este ficus não está satisfeito de ficar aqui nesta rua. Ele me pede para ser transferido para a praça Getúlio Vargas, perto do Cine Glória. Diz que lá tem muita poluição por causa do excesso de carros que passam naquele lugar e, por isso precisa ajudar a limpar o ar! Vamos, Evandro e Ronaldo, ajudem-me a desenterrá-lo!”

IV

O maltrapilho Silvério, ajudado pelos fiéis amigos, então começou a retirar a terra onde estava plantado o enorme ficus. Aqueles que passavam por aquela rua, se espantavam com a cena incomum: três mendigos tentando desenterrar uma árvore em plena Monsenhor João Ivo!

Um dos transeuntes, porém, não pensou duas vezes e ligou para a polícia que chegou ao local com rapidez e deu voz de prisão aos esquisitos elementos por “atentado ao meio-ambiente”. Não gostando da repreensão, um deles, passou a gesticular para o céu e franzir o rosto, como se mentalizasse algo. De repente, uma chuva forte caiu para o

17

Page 18: Arquivosf Trilogia

espanto geral. Mas, nem isso impediu que fossem algemados. Tendo em vista o caráter inusitado do acontecimento, os três foram logo transferidos para a CIF.

Nesse ínterim, os agentes da Inteligência Formiguense, localizaram a testemunha citada pelo Diretor Cunha. Era o comerciante Marden, que confirmou tudo.

“Foi impressionante. Após presenciar uns mau-cheirosos mendigos tentando desenterrar uma árvore, ainda vi um deles fazer gestos para o céu, quando repentinamente caiu uma forte chuva! A polícia os algemou e a chuva parou, como se o fenômeno fosse manipulado por eles!”

“O aurômetro acusa que este cara diz a verdade. Mas eu não acredito nisto. Com certeza, há alguma coisa errada com este aparelho...”, pensou o desconfiado Pedro.

“A pessoa que pode nos dar mais informações, ou ser o canal delas é a Fiorella!”, lembrou Phyllis, referindo-se à famosa sensitiva italiana. Ambos, então foram para o laboratório, a fim de contactar a médium..

O Diretor da CIF resolveu liberar os três mendigos porque o ato delituoso que iam cometer não fora consumado, não havendo motivos para segurá-los. Porém, antes da liberação, disse-lhes com uma complacência incomum: “Parecem estar com fome. Amanhã vai haver uma distribuição de alimentos na igreja Matriz. Sugiro que compareçam naquele lugar, pois poderão saciar seus instintos e parar de querer desenterrar árvores!”

“Engraçado. O senhor tem razão. Sentimos fome. Isto é estranho...”, reclamou o mendigo Evandro, o maltrapilho líder, e cujos dentes frontais eram bastante proeminentes.

“Não entendi muito bem o que quer dizer, rapaz! Explique-se melhor! Por acaso, não tinham fome antes? Do que está falando?”, questionou o Diretor Cunha, sem entender aquela curiosa observação do perrapado.

“Ele está confuso como nós, senhor, é que a falta de comida nos deixa um pouco fora do ar!”, despistou o mendigo Ronaldo. Este, de cabeça um tanto desproporcional ao corpo que tinha, possivelmente, por causa de sua inteligência.

“Um pouco? Bem, deixa para lá. Você estão liberados. E não tentem fazer o que fizeram, senão voltarão para o xadrez da Polícia, ouviram bem?”, finalizou o Diretor.

“Como tem passado, querida amiga?”

18

Page 19: Arquivosf Trilogia

“Tutto bene! Molto piacere ao ouvir tua voz, estimadíssima Phyllis! Como está o Pedro? E la cittá de Formiga? Continua pacata, como sempre?”, falou Fiorella Antarulli, a sensitiva italiana, misturando italiano com português.

“Esta cidade não é tão pacata assim como você imagina! Fatos estranhos...”

“Si, si. Non precisa concluir. Pelo che parla uno amice espirituale, os tre bambini che manipulam o clima, anche parla com las plantas, non pertencem a questa dimensione! Loro eston em questa cittá por accidente de percurso, ecco...”

“Que quer dizer com acidente?”, questionou a agente especial da

CIF.

“Caíram num portale dimensionale allora una fenda surgiu. Pero estan quase percebendo lo cambio que sofreram. Ma non podem continuar nesta nostra dimensione. Precisam ser cambiados urgentemente! Domenica una outra fenda se abrirá a las otto. É questo momento que têm que ser cambiados!”, revelou a maga, com seu linguajar característico.

“Como devemos proceder para eles retornarem ao seu tempo ou à sua dimensão original?”, perguntou ressabiada a agente Phyllis.

“Ma che! Solo há una única maneira. Atencione: questo momento o mio guia me revela una importante informacione: questa città de Formiga existe uno portale dimensionale no interior da igreja mas importante. Intuirão onde se localiza exactamente...”, falou a sensitiva, como se estivesse em transe.

“Bom, com certeza todos os indigentes e demais pobres da cidade lá estarão. Será uma boa oportunidade para teletransportamos os mendigos”, disse Phylllis, já com a missão planejada na cabeça.

“Todavia, há uno problemíssimo, cara Phy, los tre precisam estare nesse exacto locale e hora para o tele-transporte, senon a missioni va falhare!”, advertiu Fiorella, sentindo grande preocupação também pelo destino dos agentes.

“Eis o problema maior, teremos que arriscar! É nessa hora que a missa se iniciará!”

Contudo, a agente Phyllis sentiu que o problema maior não era só este. Sua conhecida extra percepção sensorial fez com sentisse que “algo mais” também poderia acontecer. Começou então a mentalizar, chegando a uma conclusão lógica.

19

Page 20: Arquivosf Trilogia

“Pressinto que as três beatas estão de certa forma envolvidas nesta trama toda. Mas o que seria?”

“Vamos com calma, Phyllis. Explique-se sem se apavorar!”, falou o agente Pedro.

“Calma nada! O assunto é urgente! Minhas percepções raramente falham. Algo de ruim pode acontecer com aquelas religiosas! Não posso afirmar o que seria mas...”

“Não imagino o que poderia acontecer com três freqüentadoras assíduas da igreja! Elas não têm outro lugar para ir! Não. Duvido que corram qualquer perigo. É muita pasmaceira para meu gosto!”

“Não precisa acreditar, Pedro! Como sempre, você está duvidando de mim. Pois saiba que vou conversar com elas ainda hoje mesmo. Sinto que devo convencê-las a não irem à igreja... Estamos correndo contra o tempo! Literalmente!”

“Faça o que bem entender. Eu não posso ir com você, pois estou tendo problemas com meu aurômetro, que não está nada confiável. Não acreditei naquele tal de Marden...”

Saudada por Ana Maria e pela irritadiça cadela Lili, Phyllis entrou na casa das irmãs e, antes de começar a falar, esperou pelas outras duas, que estavam no quintal aguando as plantas. “Minhas caras amigas. Serei objetiva no que tenho para lhes dizer: por favor, infelizmente vocês não podem e não devem ir à igreja amanhã cedo!” “Como não? Já está tudo preparado! O Padre Sérgio está contando com a nossa imprescindível colaboração. Não podemos faltar-lhe o apoio logo agora! Temos que coordenar a distribuição de alimentos que acontecerá logo após a missa das oito! Seria uma heresia não comparecermos. Nem precisa dizer o por quê você nos pede isto, pois nossas obrigações para com Deus são mais importantes do que qualquer coisa!”, esbravejou Maria Etelvina, exibindo todo o seu radicalismo.

Foi uma ducha de água fria na tentativa de expor seus argumentos contra a ida das irmãs beatas à igreja naquele fatídico domingo. Sem se prolongar mais na casa delas, Phyllis tratou logo de ir embora, tentando se convencer também por qual motivo queria tanto que as três faltassem à sua obrigação moral e religiosa. Alguma coisa continuava martelando-lhe a mente.

O sábado demorou a passar para a agente especial da CIF.

“Que misterioso, este aurômetro está perfeito! Não consigo achar nenhum defeito nele... Não é que aquele cara de índio falava a verdade?!”, resignou-se Pedro, demonstrando seu arrependimento por ter duvidado de sua parceira, que logo chegou.

20

Page 21: Arquivosf Trilogia

“Pôxa, foi rápida a sua visita! Conseguiu convencer as irmãs? Que ar grave de preocupação você está...!”

Sem responder nada, Phyllis tentou se relaxar e foi assistir TV. Estava terminando um documentário sobre os famosos Códigos Secretos da Bíblia. O narrador finalizou o programa.

“...é justamente por isso que uma profecia só é verdadeira quando se cumpre. Enquanto ela não se cumpre, é apenas virtual e constitui tão-somente uma possibilidade de futuro. Portanto, não devemos ser fatalistas, pois o destino de cada um não está preestabelecido; está condicionado à maneira como os homens apliquem individual e coletivamente seu livre-arbítrio. A maioria das profecias negativas do futuro da humanidade constituem, finalmente, nas advertências e não têm caráter irrevogável.”.

Eis a chave! Agora, Phyllis tinha a certeza absoluta de que fazia a coisa certa ao tentar avisar as três irmãs para não irem à igreja no domingo cedo. Estava certa também de que algo grave poderia acontecer com elas, caso não “mudasse tal futuro”. E o que é pior, consigo própria, com Pedro e até com o Padre Sérgio, que parecia tão alheio aos acontecimentos! Mas, o que poderia ser exatamente? Tal detalhe crucial escapava-lhe da consciência, apesar do inconsciente já “saber” de toda a verdade por trás de tudo. De fato, nesse caso específico, “a verdade estava lá dentro...”.

O dia seguinte amanheceu chuvoso. Um domingo típico do inverno formiguense. A igreja Matriz estava abarrotada de carentes de todo tipo. Graças à campanha empreendida pela Casa Paroquial, havia donativos para todos. Desde roupa, brinquedos e, principalmente, alimentos.

“Sinto que alguma coisa vai acontecer hoje com a gente!”, exclamou, esboçando um certo contentamento com a sua intuição, o cabeçudo mendigo Ronaldo.

“Então não vá à igreja, porque quando você prevê algo, vai dar em gafe!”, caçoou o nervoso e preocupado mendigo Evandro. Por outro lado, o pacífico mendigo Silvério, o mais condescendente dos três, resolveu defender o amigo.

“Se o Ronaldo antevê, devemos respeitar! Esta samambaia acaba de me confidenciar que vamos ter uma boa surpresa! Teremos de aceitar um pedido! Bem, vamos logo!”

“Pena que ainda tem a missa. Espero que o Padreco não nos peça de novo para ajudá-lo a recolher o dízimo. Já estou farto disso!”, reclamou o mendigo Evandro, sempre de pavio curto.Assim, os três foram para a igreja. A fila para entrar já estava longa. Cada um que chegava, recebia uma senha das mãos de Francisca América, a taciturna sacristã divinopolitana que ajudava o Padre em seus afazeres paroquiais.

21

Page 22: Arquivosf Trilogia

“Meu coração está muito feliz! Vamos ajudar nosso querido Pároco a ajudar o próximo!”, exultou-se em lágrimas, Maria Regina, sempre muito poética e emotiva.

“Sim, Vamos louvar a Deus, nosso Pai!”, complementou Ana Maria, como sempre, a mais fervorosa em suas ações religiosas, denotando um intenso amor pela missão que achava estar cumprindo. Então, elas foram para a igreja.

EPÍLOGO

22

Page 23: Arquivosf Trilogia

Nesse espaço de tempo, os agentes Phyllis e Pedro já estavam postados à porta do templo, esperando pelas irmãs. Viram então os mendigos na fila.

“Veja, Phyllis, os três mendigos já estão na fila para colher a senha! Segundo as palavras de Fiorella, temos que policiá-los e tentar convencer cada um a assentar naquele local que você intuiu aqui na igreja!”

“Ah, vejo que está mais convencido da veracidade de tudo isto, não? O que o levou a acreditar em mim?”,

“Por dois motivos: o primeiro é minha própria consciência que me induz a acreditar, depois foi o aurômetro, que não estava estragado, como eu imaginava...”, concordou finalmente, Pedro, até então bastante cético com relação aos recentes acontecimentos.

“Muito bem. Conforme pude perceber, as irmãs usualmente se assentam no lugar onde está o portal dimensional. Temos de impedi-las de qualquer forma que tomem aqueles assentos. Depois, devemos fazer os mendigos se assentarem lá para o tele-transporte que será às oito em ponto. Como vamos convencer a todos, não sei ainda. Vamos, todos já estão entrando!”

As irmãs chegaram à igreja discretas e cabisbaixas. Ostentavam véus em suas cabeças e terços nas mãos. Faltavam dez minutos para as oito horas da manhã.

Logo atrás delas, estavam os dois agentes da CIF. A idéia para fazê-las sentar em outro lugar ainda não surgira. As beatas então se dirigiram para o fatídico local, que era, na verdade, uma passagem para a quarta dimensão! O tempo corria...célere...

“Já sei, Phyllis. Primeiro, diga aos mendigos que não precisam mais ajudar o Padre no recolhimento do dízimo. Depois, eu lhes digo que aquelas três beatas têm uma surpresa para eles. Vá rápido, enquanto há vagas ao lado delas!” O relógio marcava cinco para as oito.

“Atenção, Pedro, o lugar tem que ser exatamente aquele em que elas já estão sentadas! Por que tem tanta certeza que elas sairão do lugar?”, cochichou Phyllis.

“Você não entendeu ainda! As irmãs são famosas na cidade pela higiene exagerada. Se os mendigos ficarem ao lado delas, certamente sairão dali, pois não suportarão o odor fétido de urina seca. Enquanto isto, você senta do lado e os empurra para o lugar onde estão! Vá! Não podemos perder mais tempo!” Três minutos para as oito.

23

Page 24: Arquivosf Trilogia

Padre Sérgio entrou na igreja e todos se levantaram. Intuitivamente, Phyllis disse aos ouvidos do mendigo Ronaldo, dizendo-lhe que a beata Maria Etelvina tinha uma surpresa para os três.

Convencido daquilo ser verdade, por causa da intuição do companheiro Ronaldo, o mendigo Evandro puxou os outros dois amigos e sentou-se ao lado das beatas.

Quando isto aconteceu, Maria Etelvina, a mais radical, também com a higiene, deu de ombros e virou o rosto, cochichando às irmãs, demonstrando seu nojo: “Saiamos daqui, este cheiro de xixi me enjoa. Que Deus me perdoe...”

Oito horas da manhã. De repente, a luz da igreja dá uma piscada, mas ninguém se incomoda.

A missa transcorreu sem nenhum incidente.

“Esquisito. De repente, cessou um aroma fétido de mictório que estava aqui. Por um momento, pensei que um pobre coitado estava ao meu lado... Não posso pecar, vou fingir que nada vi ou senti..., deve ser alguma tentação...”, pensou arrependida, a mais velha das beatas.

“Você está muito incomodada, Etel. Não há nada aqui...”, disse Ana Maria à irmã, exigindo que se comportasse naquele sacro ambiente.

Pedro e Phyllis se cumprimentaram. A missão fora cumprida a contento. Agora, podiam se lembrar que salvaram a própria vida com aquela “troca”.

O Padre Sérgio, alheio aos acontecimentos e refratário aos próprios sentimentos com relação a algumas “intuições esquisitas” que tivera, celebrou normalmente aquela missa, talvez a mais importante de sua vida. Sua salvação foi possível, graças à sua missão: dar alento aos necessitados.

O celular de Phyllis tocou. Era Fiorella, dizendo que acabara de receber uma mensagem. Iria mandá-la via fax. Foi o que aconteceu. Pedro lê o seu conteúdo.

“Os registros akáshicos são os registros indeléveis, eternos, de todos os acontecimentos e de todo o conhecimento que são partes integrantes da Consciência Cósmica, a Mente Divina. Encerram todas as coisas, passadas, presentes e futuras. Não são eles relatos materiais, escritos e, sim, a consciência dos acontecimentos passados e futuros da humanidade terrestre. Conforme aconteceu, eles podem ser alterados, dependendo do merecimento individual.

Mas nem sempre, pois nunca se deve esquecer que coletivamente os seres humanos ainda são muito limitados em seu estágio evolutivo; limitados em sua capacidade para lidar com as forças que acarretam as

24

Page 25: Arquivosf Trilogia

catástrofes; limitados em previsão e percepção; limitados em sua capacidade para evitar coisas que trazem dor e sofrimento. Estas são as coisas que têm que aprender. Ainda têm que aprender a lidar com suas emoções; com o ódio, o ciúme, o amor, a inveja, atração e a repulsa. Têm que aprender a respeito de seu próprio corpo e de seu estado consciente e inconsciente. Tudo isto é necessário aprender, antes que possam superar os pesares que a ignorância e a materialidade colocam em seus ombros. Quando isto acontecer, o seu futuro não precisará ser constantemente mudado, pois ele não só pertencerá a Deus, mas a vocês próprios...

do Nicholas, aquele ser que sempre falou com vocês: neste e nos outros tempos.”

FIM DO 1º EPISÓDIO

25

Page 26: Arquivosf Trilogia

2 - A SEDE DA ALMA

I

Formiga estava toda enfeitada para os festejos natalinos. Como sempre, o que mais chamava a atenção de todos na bela decoração de final de ano, era a imponência do iluminado Cristo Redentor. Do alto do morro, ele parecia emanar energias ao povo formiguense, preparando-se para mais um Natal. As igrejas também estavam tradicionalmente enfeitadas para as festas. A novidade eram as barraquinhas, lotadas de curiosos e consumidores, ávidos por conseguir uma lembrança aos seus entes amados. Como não podia deixar de ser, a correria era geral. Enquanto uns faziam compras, outros participavam de campanhas beneficentes patrocinadas pela Casa Paroquial, pelo Rotary, pelo Lions, ou pelas Escolas. Como bem condiz com a época, os bons fluidos pairavam na atmosfera formiguense.

Phyllis, a agente especial da Central de Inteligência Formiguense – CIF -, também fazia suas compras, mas seu pensamento ora estava voltado para mais um mistério que assombrava a pacata cidade e adjacências. Esse era o lado negativo daquele momento: crianças na faixa de 13 e 14 anos de idade, estavam desaparecendo. O estranho é que sumiam por no máximo uma semana e depois eram encontradas nos arredores de suas próprias casas. Mas, o mais estranho era que não estavam em seu estado normal, ou seja, voltavam completamente abobalhadas, ou retardadas!

Médicos e cientistas, a par dos acontecimentos, nada compreendiam, pois elas não apresentavam quaisquer outros problemas de saúde. Francisco Augusto, por exemplo, era um garoto ativo. Tirava as melhores notas no Colégio de Aplicação, onde estudava. De repente, desaparecera por exatos sete dias. Retornou à sua casa em perfeito estado físico, só que tornara-se um menino bobo. Ria por qualquer coisa e não raciocinava direito. Parecia estar num estado de embriaguez permanente. O mais interessante era que pelos começaram a crescer por todo o seu corpo. Seus pais fizeram-lhe todos os exames clínicos e psicológicos e nada. O mesmo acontecera com outros meninos, não só de Formiga, mas de Arcos, Pains, Piumhi, Itapecerica e outras cidades próximas.

O Diretor da CIF, Paulo Cunha, então convocou seus agentes especiais de confiança e explanou toda a situação do momento.

“Não há vestígios de qualquer pista sobre como, quando e por quê as crianças de 13 e 14 anos desaparecem e voltam idiotizadas. Já houve uma busca minuciosa em cada canto de nossa cidade e das cidades da redondeza. Nada foi detectado! Podem começar agora mesmo suas

26

Page 27: Arquivosf Trilogia

investigações. Se este caso chegar na esfera federal ou até internacional, correremos o risco de ficar à margem. É isto que não desejo. Temos que resolver o mistério já!

E assim foi feito. Chegando ao laboratório-escritório, os agentes puseram-se a traçar os primeiros planos para dar início à mais uma intricada investigação.

“Estamos praticamente na estaca zero. Inicialmente temos que interrogar alguns dos garotos que foram raptados...”

“Como? Não disseram que eles estão apalermados? Como conseguiremos tirar algo deles, se não falam coisa com coisa?”, questionou o sempre cético, Pedro.

“Não importa. Temos que tentar analisá-los de uma forma ou de outra. Quem sabe se os hipnotizarmos, possamos detectar alguma coisa? Lembre-se que os escaninhos do subconsciente jamais podem ser devassado, independente do que possa acontecer com o consciente!”, defendeu sua posição a incansável agente psíquica, Phyllis.

Munido de seu detector de mentiras, do aurômetro e do energizador de ambientes, Pedro então acompanhou sua companheira em mais uma missão. Começaram pelo menino Francisco Augusto, pois fora ele o primeiro a ser seqüestrado. Chegando em sua casa, cumprimentaram seus pais, explicaram o motivo de ali estarem e receberam o garoto para o interrogatório. Como não obtinham resultados práticos em conversas normais, resolveram hipnotizá-lo. “Posso ler uma placa...PCM...aiiiiiiiii!!!! Meu ouvido vai sangrar! Não quero ficar surdo!”

“Parem já com esta experiência! Meu filho não pode sofrer mais! Parem!” , gritou desorientada, Carolina, a mãe do garoto Francisco Augusto.

Phyllis não teve outra alternativa, senão fazer o menino voltar ao tempo presente. Mesmo com poucos dados obtidos, ela conseguiu anotar alguma coisa.“Hummm, o que seria PCM? E por que ele falou que o seu ouvido iria sangrar?” “Segundo me consta, o médico já disse que não há qualquer tipo de seqüela com todos aqueles que até agora foram raptados e voltaram abobalhados...”, complementou o lacônico agente especial, Pedro Delbaron.

O tempo passava e nada de resultados nas investigações. Com o Natal se aproximando, houve uma certa pausa nos raptos. Isto permitiu aos agentes da CIF, uma pesquisa maior nos garotos. Testes e testes eram exaustivamente feitos com eles e não se evoluía nas conclusões.

“Bem, os raptos pararam, mas desconfio que isto é sintomático...”

27

Page 28: Arquivosf Trilogia

“O que quer dizer com isso, Phyllis, não seria por causa do Natal ?”

“Não acredito. Parece que os autores deste crime sabem da nossa atuação. Coincidência, ou não, o fato é que as cidades adjacentes também experimentam esta pseudo-calmaria. Vamos aproveitar e dar uma ida à Divinópolis para ver até quanto são semelhantes as conseqüências desses seqüestros!”

“Sim, temos que aproveitar a bonanza. O tempo urge! Pelo menos, até o momento, a notícia ainda não vazou, pois quando a mídia estiver a par dos acontecimentos, a balbúrdia vai ser geral!”, finalizou e advertiu o agente Pedro.

Antes de partir, ambos resolveram consultar uma renomada cientista da cidade de Formiga, Dra. Nicole. O objetivo era ver se a sintomatologia era igual aos casos divinopolitanos. Ao encontrá-la, ela lhes disse: “Além de apresentarem um quadro de retardamento mental e puberdade precoce, os garotos apresentam febre constante, ou seja, um total descontrole no seu ritmo biológico, pois não têm hora de dormir ou de comer. Ainda assim, não há sinais de iminente risco de vida. Confesso que os médicos e, nós cientistas, estamos confusos. É um enigma...”

Os agentes da CIF, então partem para a bela metrópole do Oeste mineiro, Divinópolis. De posse da lista das famílias, cujos meninos foram raptados, foram até a casa de uma delas.

“Com licença, D. Andréa, sou o agente especial Pedro e esta é minha companheira , a agente especial, Phyllis Delbaron, da CIF. Soubemos que seu filho, o pequeno Camilo, ficou desaparecido por uma semana, mas já voltou. A senhora poderia nos fornecer mais informações sobre este acontecimento?”

“Pois não. O fato é que Camilo sempre foi um guri esperto. Ficou desaparecido durante este tempo que o senhor falou. Passou a ter constantes delírios seguidos de febre, que só é controlada com remédios. Notei, porém, que ele sempre está desenhando isto aqui...”. D. Andréa mostrou-lhes o esboço de uma árvore, cujos galhos saíam folhas em forma de olho.

Mesmo sem compreender, os agentes ficaram com uma das cópias do desenho e a anexaram aos arquivos do caso.

Carentes de conclusões concretas, Phyllis e Pedro voltaram para Formiga.

A viagem transcorreu tranqüila até que de repente o carro deu sinais de que ia parar. Pedro estacionou no acostamento e foi ver o que estava acontecendo. Abriu o capô e não viu nada de diferente no motor. Quando baixou-o, só teve tempo de ver Phyllis ser puxada por dois homens

28

Page 29: Arquivosf Trilogia

encapuzados. Colocaram-na dentro de um outro carro e partiram em disparada.

“Socorro! O que está acontecendo aqui?” Já era tarde demais... “Quem são vocês?”, Phyllis recuara para perto de uma cama,

enquanto olhava para duas silhuetas na penumbra de um cubículo sem janelas.

Não houve resposta. As duas sombras se afastaram do local e a estonteada agente especial da CIF, não conseguia concatenar direito suas idéias.

“Onde será que eu estou? Só me lembro do Pedro abrindo o capô do carro...mais nada... Agora, me encontro neste lugar. Provavelmente fui sedada...”, ela pensou, demonstrando uma certa preocupação, apesar de se manter calma, não fugindo de seu habitual estado, o de perfeito domínio sobre seus temores.

II

O silêncio imperava. Ou melhor, este só era cortado pelo barulho de um pequeno ventilador que ajudava a arejar aquele fechado e escuro ambiente. Phyllis sentou-se na cama e concentrou-se. Tentava se projetar ou mesmo fazer uso de uma de suas faculdades paranormais, a visão remota, para se situar. Em vão. Não conseguia raciocinar direito. Certamente, devido à ingestão de alguma droga que desconhecia. Os sintomas lhe eram claros, pois podia ainda ouvir um zumbido em suas entranhas mentais e isto impedia sua focalização. Por isso, não conseguia dar uma seqüência coerente para àquilo que lhe estava acontecendo. Uma coisa, porém, ela estava certa: tudo tinha relação com os raptos dos garotos. Mas, por quê tinha sido também raptada? Sua idade não concatenava com a característica dos raptos! Mais tarde, contudo, iria saber...

Pedro, ainda em desespero, devido ao repentino desaparecimento de sua companheira, chegou em Formiga e tratou de comunicar o acontecimento ao seu chefe, o Diretor da Central de Inteligência Formiguense, Paulo Cunha.

“Tudo foi muito rápido. Em fração de segundos ela desapareceu. Só pude vislumbrar um carro saindo em disparada. Nem tempo tive para anotar a placa. O mais interessante é que Phyllis não soltou um grito ou murmúrio sequer. Provavelmente foi sedada!”

“Hum...realmente misterioso. Já não bastam esses raptos de meninos aqui e nas redondezas... e agora até a Phyllis! E o que você tem para me falar sobre os casos de Divinópolis? Alguma correlação com os de Formiga?”, indagou o Diretor, ajeitando seu cigarro de palha na boca, acompanhado de uma cerveja, pois a noite de sexta-feira estava começando.

29

Page 30: Arquivosf Trilogia

“Quanto aos sintomas, ou seja, às conseqüências nas crianças após seus raptos, tudo parece encaixar com as desta cidade. Mas, ao contactar um dos meninos, sua mãe nos deu este desenho que ele persiste em fazer sistematicamente...Veja.”

A árvore, de cujos galhos brotavam folhas em forma de olhos, chamou a atenção do Diretor. Por sinal, ele tinha um apurado dom artístico, apesar de sua sisudez peculiar.

“De fato, é um esboço enigmático, mas há de ter um certo sentido. A criança não iria insistir nele se não houvesse razão. Temos que estudar este desenho. O que você acha?”

“Bem, pelo que posso imaginar, é óbvio que há alguma relação com os olhos. Todavia, por que há tantos olhos brotando de uma só árvore? Camilo, o garoto divinopolitano desenhou isto. Por outro lado, Francisco Augusto, daqui de Formiga, disse que seu ouvido ia sangrar, o que não foi constatado pelos médicos. Não há conexão... Pelo menos por enquanto!”

O telefone toca. É a cientista, Dra. Nicole, que tem novidades quanto aos resultados dos exames do material colhido na maioria dos garotos raptados.

“Os meninos examinados carecem de melatonina, que é um hormônio que as glândulas endócrinas produzem. Isto ocorre quando elas estão superativas ou estressadas por causa de algum evento. Ainda não sabemos o motivo desta carência. Novos exames estão sendo procedidos. Contudo, já temos uma forte suspeita. Confirmo depois... Boa noite...”

Phyllis divisa uma gigantesca abóbada de onde saiam muitas luzes coloridas. Estava sendo puxada por dois homens encapuzados. Então, ela vê uma placa onde estava escrito: “PCM – Programação de Controle Mental”. Alguém pega em seu ombro.

“Que prazer revê-la, cara Phyllis! Sussurrou com ironia um senhor portando um jaleco branco, óculos quase no nariz e cabelos atrapalhados. Ordenou aos dois homens encapuzados que se retirassem do laboratório imediatamente.

Ainda um pouco atordoada - fruto das sedações constantes a que estava sendo submetida, desde o momento em que fora raptada na estrada de Divinópolis para Formiga – e sem conseguir ordenar direito seus pensamentos, Phyllis, balbuciou com certa dificuldade.

“Não estou me lembrando do senhor... Oh! É o Professor Nestor, titular da famosa Faculdade de Paraciências de Oconomowoc, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos! Então, está envolvido...”

“Sem histeria, e sem pré-julgamentos, cara Phy! Sim, sou eu mesmo. Finalmente, revejo a minha melhor aluna na cadeira de Remote Viewing! Seus dons paranormais sempre me sobressaíram aos demais. Por

30

Page 31: Arquivosf Trilogia

isso, resolvi me basear nesta cidade, pois seus prodígios como agente da inteligência local já correram o mundo!”

Aos poucos, Phyllis foi recobrando o seu controle mental, mas, concentrar-se ainda era difícil. As idéias, contudo, se ordenavam e ela pôde se recordar daquela inusitada pessoa, responsável pela matéria Visão Remota, de quando estagiou na América, atendendo às exigências da CIF. Uma espécie de calafrio percorria-lhe a espinha. Era uma explicável sensação. Mas que diabos, pensou, estava fazendo ali e por que merecia aquele tratamento? Ainda, por que fora raptada? Tentou dominar a emoção e tornou a indagar o seu interlocutor.

“Não me sinto bem, devo ainda estar dopada... Qual é a conexão disso tudo com o caso dos meninos seqüestrados, professor? E esta placa me parece familiar..”

“Repito, vá com calma, garota! Não apresse suas deduções e observações! Ficará sabendo de tudo, por partes e no momento oportuno. Realmente, você não está com suas faculdades no estado normal. É capital que sua mente esteja em estado alterado...”, disse sorrindo sarcástica e reticentemente o professor.

Além da placa, onde se lia, “PCM – Programação de Controle Mental”, Phyllis ainda podia também vislumbrar numa prateleira, logo à sua frente, uma considerável quantidade de potes feitos de um material parecido com cristal. Dentro de cada um deles, havia algo parecido com grãos de arroz. Desses potes, saía um tubo interligado a outro grande pote, parecido com uma bacia. Do teto, tubos catódicos jorravam suas luzes multicoloridas nesse pote maior.

Nessa mesma hora, Pedro, bastante preocupado pelo desaparecimento de sua companheira, ouve atentamente ao seu superior, o Diretor da CIF, Paulo Cunha.

“Tranqüilize-se, meu amigo, pois acabo de convocar a Dra. Nicole para uma reunião. Ela irá nos expor pessoalmente os resultados dos exames feitos com os meninos que foram.”

“Isto é bom. Talvez nos seja dado algum indício do paradeiro da Phyllis. Uma coisa é certa, ela não deve estar aqui em Formiga, pois nossos homens já procuraram cada canto da cidade! Não acharam o cativeiro dos garotos, muito menos o farão agora!”

“Sem pessimismos, Pedro. A cientista vem acompanhada de dois especialistas. Não sei de que, mas ela disse que tem novas surpresas. Assim, quem sabe, outras pistas poderão surgir!”, atenuou o calvo Diretor, enquanto acendia o seu inseparável “Cohyba”.

Coincidentemente, a secretária Mariana, anunciava à Cunha, a chegada da cientista.

31

Page 32: Arquivosf Trilogia

“Diretor, a Dra. Nicole, acompanhada dos professores Michel e Fernando, anuncia a sua chegada. Faço-os entrar?”

“Tenho boas novas, senhor diretor, já suspeitamos qual foi o motivo dos raptos!”, disse a cientista Nicole, com um otimismo incontido.

“Chegou a hora, cara Phyllis! Agora, você doará a sua sede da alma! Atenção, apaguem todas as luzes! É chegado o momento crucial de nossas experiências!”, bradou com todas as suas forças o sinistro Professor Nestor...

Véspera de Natal. A cidade de Formiga estava movimentada. A rodoviária estava lotada, pois os filhos ausentes da terra chegavam para passar as festas de fim de ano juntamente com a família. O movimento era intenso. As pessoas corriam aqui e acolá. Umas, assoberbadas pelas compras de última hora, outras, menos preocupadas, comemoravam nos barzinhos e restaurantes o festivo momento. Até os menos afortunados tinham motivos para alegria – pelo menos naquele dia – pois recebiam presentes, que variavam da comida, aos brinquedos: baratos, mas representativos. O céu estava estrelado, sem sinal de chuva, e por isso, os locais estratégicos estavam apinhados de gente. Na verdade, os ares contagiavam positivamente os ânimos. Para culminar com essa bela cena natalina, ao longe, dava para vislumbrar a imponente estátua do Cristo Redentor. Ninguém, todavia, poderia imaginar o que se passava ali...

Na mesa do salão de reuniões do QG da Central de Inteligência Formiguense estavam o seu Diretor, Paulo Cunha; o agente especial, Pedro Delbaron; a cientista Dra. Nicole Castro; os dois especialistas que a acompanhavam e o restante da cúpula da agência. Contrastando com o lado externo, o ambiente era tenso. Na verdade, naquela hora seriam reveladas as mais recentes descobertas com relação aos exames feitos nos garotos que foram raptados nas últimas semanas. Uns da cidade, outros das adjacências.

Os resultados dos testes já poderiam ser considerados como conclusivos, por isso era hora de revelá-los. O referido salão estava também tomado de repórteres, fato incomum, pois o lugar era mais usado para receber estagiários vindos de todo o Brasil, uma vez que a CIF era uma das poucas agências de inteligência do País, voltada exclusivamente às investigações psíquicas. Devidamente acomodado em sua cadeira, ao centro da mesa, o Diretor iniciou a reunião, dando as boas-vindas aos visitantes, porém ressaltando que aquele encontro não poderia ser de forma alguma noticiado. Era uma reunião estritamente confidencial e tudo que ali fosse dito, não poderia sair do prédio, sob pena de as agências internacionais tomarem para si o caso, visto a sua óbvia importância. E parecia que a infalível intuição já o advertia quanto aos vindouros acontecimentos... Assim, alguns jornalistas, menos gabaritados, tiveram de sair do recinto, mesmo que a contragosto.

32

Page 33: Arquivosf Trilogia

Apesar do céu cheio de estrelas, a escuridão era plena. Phyllis sentiu um líquido viscoso escorrer-lhe de seu ouvido direito. Mesmo sem dor, ficou alarmada e gritou.

“Meu ouvido está sangrando?! O que o faz comigo, professor Nestor?! Não consigo vê-lo! Está muito escuro!”

“Não se preocupe, cara sensível psíquica... só sentirá um sutil molhado advindo do seu ouvido.Nada mais. Atenção, podem começar. Tudo preparado! Os tubos podem ser acionados. É hora da sucção!”

A voz do professor foi sumindo, diminuindo de intensidade...até sumir. Nesse momento, Phyllis sentiu uma fisgada bem dentro do ouvido. Em seguida, um longo silvo e sua resistência minou-se. Desmaiara.

“Senhores da Central de Inteligência Formiguense. Apresento-lhes os especialistas paraendocrinólogos, professores doutores Michel Lomes e Fernando Ourado. São ambos renomados pesquisadores e estudiosos dos efeitos paranormais das glândulas endócrinas e exócrinas no organismo humano. Passo-lhes a palavra para que possam esclarecer com maior propriedade os resultados obtidos nos garotos examinados...”

Silêncio sepulcral. Pedro nem engolia sequer. Preparava o “denômetro”, um aparelho utilizado para captar as atividades eletromagnéticas do ambiente. Queria saber se havia presenças etéreas no local... Uma mera formalidade para se precaver. Por sinal, uma praxe para momentos tensos. Evidenciando sobriedade e firmeza, professor Michel inicia a sua explanação...

“Existe um antigo aforismo que diz mais ou menos o seguinte: ‘Só sentimos falta da água quando o poço seca’. Analogamente, somente através da sua ausência, é que podemos chegar a uma apreciação conclusiva da contribuição que uma glândula pode prover também à saúde psíquica do homem!”, falou com indisfarçável emoção o professor Michel, sendo assentido pelo seu inseparável colega, professor Fernando, que complementou a explanação.

“Descobrimos que a epífise, ou pineal, é a que comanda as demais glândulas endócrinas além de produzir – como todos sabem - um hormônio conhecido como melatonina, responsável, dentre outras funções, pela sedação do cérebro. É, pois, superativa durante a noite, mormente quando não há luz, sendo fotosensível. Por isso, é conhecida também como o ‘oráculo da luz’ entre os místicos.”

“Através da melatonina, a pineal é uma das responsáveis pelo metabolismo do organismo, regulando todo o seu fluxo aquoso, bem como o relógio biológico e a temperatura. A carência desse hormônio gera grave desequilíbrio. Pêlos começam a crescer desordenadamente. Com o centro de navegação descontrolado e alterado, a pessoa não tem hora para

33

Page 34: Arquivosf Trilogia

dormir ou para se alimentar. Assim, advém a sede, a fome e a febre que ficam constantes. Tudo isso resulta em confusão mental, que se assemelha ao retardamento. Em suma, perde-se a noção de tempo e espaço...!”

“Esta é a conexão com os meninos raptados! Eles apresentavam toda esta sintomatologia!”, interrompeu o diretor Paulo Cunha, demonstrando, demonstrando a sua habitual perspicácia investigativa.

“Com certeza. É aí que vamos chegar. Por causa desses sintomas, verificamos que era a glândula pineal que não funcionava, uma vez que ela tem plena atividade principalmente antes da puberdade, entre os 13 ou 14 anos de idade, ficando encapsulada na fase adulta. Mas, para a nossa total surpresa, a tomografia tridimensional revelou que nenhum deles tinha mais essa glândula!”, exclamou estupefata a médica Dra. Nicole.

Murmúrios assustados tomaram o ambiente. As surpresas estavam apenas começando...

“Porém, até agora ainda não temos idéia do motivo pelo qual os garotos tiveram a pineal retirada. Esse diminuto corpúsculo, tem a dimensão aproximada de um grão de arroz. Passa facilmente pelo ouvido...”, finalizou o professor Fernando.

“Pronto. A primeira fase da experiência está completa. Levem-na Phyllis daqui! Ela está fraca. Amanhã, complementaremos a transmigração!”, ordenou o sinistro professor Nestor.

Desacordada, a mais efetiva agente psíquica da CIF, foi levada até seu quarto, aquele pequeno cubículo sem luzes. Sentia fortes dores de cabeça. Do ouvido direito, ainda escorria um líquido viscoso, de cor amarelada. No laboratório, o professor vibrava.

“Muito bem. Temos em mãos o agente químico que dará seqüência à minha obra maior! No estágio seguinte, estirparemos o seu reprodutor, que será o elo final! O tempo do poder está próximo!”, bradou com entusiasmo, esboçando uma incontida euforia.

Francisco Augusto estava tendo mais uma de suas crises. Sua mãe, a humilde dona de casa, Carolina, tratou de ligar para Pedro, pois o delírio do garoto agora estava sem controle. Foi a conta. No exato momento em que Pedro chegava à casa do menino, este em meio a uma convulsão, gritava: “Está de braços abertos! É um túnel... muito escuro... a placa PCM; potes, fios, cores... Meu ouvido está machucado! Sai sangue! Não!”, em seguida desmaiou.

Pedro gravara tudo. Já em seu escritório, tornou a ouvir o que o garoto dissera .

34

Page 35: Arquivosf Trilogia

“Hum, o que será que está de braços abertos? De novo surge a sigla PCM...”. Pensativo, folheou um mapa turístico da cidade de Formiga. Na capa, vislumbrou a pista que poderia dar a resposta às suas indagações.

“É isso! O Cristo Redentor! Ele está de braços abertos! Phyllis está lá!!!”

Pedro estava estupefato pelo achado. Havia poucas dúvidas de que o cativeiro de Phyllis poderia ser mesmo no Cristo Redentor. O garoto Francisco Augusto, apesar do retardamento mental, certamente observara com acuidade o detalhe dos “braços abertos”. E, além do mais, não havia na cidade imagem ou estátua com uma característica tão marcante!

Mas, para se certificar de que sua suspeita tinha fundamento, resolveu contactar a sensitiva italiana, Fiorella Antarulli, a mesma que havia ajudado quando do caso das beatas, o último dos Arquivos F. Ligou logo para ela e relatou-lhe com detalhes os acontecimentos.

“Si, si! Ecco. É vero quanto la gravidade de questo caso, ma io non acho que Phyllis, com tutti los poderes mentais que tiene, poderá incorrer em fracasso! Pedirei agora mesmo para auxíliar-te uno belo amigo mio. Questo ragazzo é Cabral, potentíssimo canalizador eletronico, proveniente de Cascais, Portugal. Graças à TCI, é certo que vai conseguir las necessárias informaciones. Dentro do permitido, tutto será revelado. Marduk raramente falha com nosotros!”, tranqüilizou Fiorella usando o seu peculiar idioma ítalo-portunhol.

O pesquisador chegaria no dia seguinte, para o alívio de Pedro. Trazia consigo uma inusitada parafernália eletrônica, como monitores de TV; fones de ouvidos; rádios; gravadores, além de potentes caixas de áudio.

“Como estás, ó Pedro. Espero poder vos ajudar através de meus contactos interdimensionais. Já estou ao par dos acontecimentos, ora pois. Fiorella me disse tudo, e meus amigos de Marduk me confirmaram o que ora se está a passar nesta bizarra terra vossa. Como bem o sabes, Formiga faz parte de um mui restrito círculo de cidades que têm um cinturão de emissões fotonicas bastante acentuadas. Tais emissões provocam os chamados portais dimensionais. À guisa de exemplo, há outras cidades mais conhecidas onde acontecem semelhante fenômeno, tais como São Tomé das Letras, Aiuruoca, Chapada dos Veadeiros, no Planalto Central e Mata do Jambreiro, em Nova Lima, dentre outras. Isto facilita aos experimentos com a morada da mente...”, esclareceu em parte, o lusitano Paulo Cabral, do alto dos seus cento e cinqüenta centímetros de altura, fazendo Pedro ficar mais confuso ainda.

“Seja bem-vindo! Antes de qualquer ação... devemos confirmar o paradeiro de Phyllis Se eu estiver certo, poderemos resgatá-la antes mesmo da virada do ano ...e descobrir do que se trata todo este

35

Page 36: Arquivosf Trilogia

mistério!”, falou entre pausas, Pedro, mas deixando Cabral ciente da situação e também cônscio do perigo iminente.

Em outra parte da cidade, a agente da CIF, ainda um pouco grogue por causa da dolorosa experiência por que passara, tentava re-arranjar seus pensamentos, enquanto era obrigada a ouvir mais um discurso do sinistro professor Nestor.

“Inicia-se definitivamente o nosso Programa de Controle Mental! Devo advertir-lhe, cara Phyllis, que suas habilidades psíquicas, tais como, visão remota, projeção astral, bilocação, telecinese, clarividência, clariaudiência, telepatia e toda o seu poder mental que as gera, passarão a ser de meu próprio domínio! A fase final do processo vai iniciar agora!”

“Qual é a conexão disso tudo com minhas percepções extra-sensoriais O que foi dragado de meu ouvido E o que significam estes potes com pequenos grãos”

“Poderosa, mas ingênua! Após intensa pesquisa, verifiquei que você possui a glândula pineal mais evoluída do que o normal. Mais evoluída do que grande parte dos paranormais de nosso planeta. Esta é a sede da sua alma! Ela produz a maravilhosa pinolina, substância idêntica ao princípio ativo da ayahuasca, droga alucinógena utilizada pelos shamãs, índios feiticeiros, que lhes abre os canais psíquicos para os estados alterados da consciência e para obter o poder. A sua pineal, aliada à produção das outras glândulas dos garotos que estão nestes potes, obterei o poder mental máximo!”

“O senhor blefa, professor! Se a pineal é de fato a sede da alma, o assento da mente, como poderá funcionar sem o seu portador”, provocou Phyllis.

“Engana-se, minha querida. Você será a árvore que dará os frutos de que necessito!”

“Então é isso! Devo ser a árvore, ou melhor, é a minha pineal a força-motriz da energia que o senhor pretende usurpar. As folhas então seriam as demais glândulas extraídas dos garotos raptados!” Concluiu Phyllis, enquanto o Professor Nestor tomava as últimas medidas antes da “transfusão glandular” que pretendia fazer com sua cobaia-mor.

“Muito bem, cara sensitiva! O simbolismo de que fala, está representado nesta parede. Os meninos conseguiram de fato gravar em suas ora alteradas mentes, esta significativa figura!”, asseverou o professor, apontando para um grande painel à sua frente, onde se vislumbrava uma árvore, de cujo tronco, saíam folhas, tais como pequenos e faiscantes olhos.

“A sede de sua alma, minha prezada reprodutora psíquica, vai se tornar a sede de minha força mental! Aliada às outras pineais, o estoque

36

Page 37: Arquivosf Trilogia

de pinolina jamais me faltará! Terei o maior poder de todos os poderes: uma super-mente! O mundo se curvará diante de meus prodígios e nada será mais impossível de ser realizado! Esta máquina é o maior invento da humanidade! O Programa de Controle Mental vai começar! É o advento da Nova Era!”

“Mas, ainda não me respondeu, como minha glândula pineal, assim como aquelas retiradas dos meninos, poderão produzir pinolina sem um agente hospedeiro; sem a alma, propriamente dita!”

“Acabei de dizer! Esta máquina substitui as características do organismo humano, ela não é alma, mas corpo! A partir de reações similares, ela fará o papel metabólico que vai enganar a pineal induzindo-a à sintetização da maravilhosa pinolina que ao fortalecer a minha pineal, me dará o poder maior!”, vociferou o Professor Nestor, com a ênfase de um lunático em estado de torpor. Subitamente, silenciou-se. Parecia estar sendo avisado de algo que estava acontecendo. Sem perder tempo, acomodou-se, ligou um aparelho e adormeceu...

Phyllis já começava a temer pelo seu futuro. Naquele exato momento, as luzes se apagaram. O silêncio foi cortado por um silvo longo, vindo da bizarra parafernália que parecia controlar o ambiente. De repente, luzes multicoloridas cruzaram a escuridão. Apesar de ainda estar consciente e de seu notório auto-controle, Phyllis começou a temer de fato pelo seu futuro iminente.

“Não podemos mais perder tempo, ó Pedro! Vamos tentar agora, obter dos gajos etéreos de Marduk algumas informações que poderão nos nortear. Já sabemos pelo seu denômetro, o medidor das atividades eletromagnéticas, que o campo de força em torno da estátua do Cristo Redentor, é poderoso e fulmina o desavisado que tentar se aproximar do local, desintegrando-o sem deixar rastros. Nem espírito chega ali perto!”, avisou o calmo, mas sempre atento, lusitano Paulo Cabral.

Dito isto, preparou seus equipamentos: ligou o gravador e a TV; depois sintonizou o rádio numa estação apropriada aos contatos extradimensionais e deu início às tentativas de conexão com o Outro Lado. Rapidamente, apareceu na tela da televisão, uma imagem trêmula, que foi se tornando nítida. Atrás da silhueta, outras imagens, menos claras, se misturavam, dando a impressão de que o comunicante se encontrava num campo, cheio de árvores e muita flor. Em seguida, surgiu uma voz metálica, bastante pausada, mas muito bem audível, apesar de entrecortada por sons de estática.

“Local muito carregado...Difícil entrar...Só há uma maneira...”

O som se foi, mas a imagem ainda permanecia no monitor. Pedro e Cabral ficaram desesperados, porque era visível que o espectro projetado ainda dizia algo.

37

Page 38: Arquivosf Trilogia

“Faça alguma coisa, Paulo! Não podemos perder a parte principal da mensagem!

Demonstrando rara capacidade técnica e vasto conhecimento no assunto, o português rodou os botões, tentando sintonizar melhor a captação. Em vão. A silhueta desapareceu.

Uma interferência impediu a conclusão do contato. Eis que surge uma outra silhueta na televisão! Era o Professor

Nestor! “Suas tentativas não surtirão efeito!”, ameaçou o próprio Professor

Nestor, refletido no monitor e assustando ambos, o pesquisador português, Paulo Cabral, e ao boquiaberto agente da CIF, Pedro Delbaron.

“Como isto pôde acontecer, Cabral? Quem é este cara e como invadiu nossa transcomunicação? Será um espírito mau?”

“Pelas características da recepção, ou seja, clareza de áudio e vídeo, trata-se de uma pessoa viva, mas em corpo astral. Já fiz semelhante experiência e posso notar a diferença de um espírito encarnado para o desencarnado. Tudo indica que é alguém ligado ao rapto de Phyllis e dos meninos. Pelo semblante, é um Ser carregado de negatividade e de força mental significativa... Veja os espectros ao seu lado! São seus pensamentos-forma!”

“Não permito que invadam meu campo energético! Breve, todos ficarão conhecendo o Professor Nestor! Nossa doadora-mor está prestes a...”, caiu a transmissão e a tensão dos dois espectadores aumentou. Definitivamente, era a hora para agir.

“Comunique-se com o Diretor Paulo Cunha e peça um pessoal de apoio para irmos até ao local. Espero que seu denômetro nos direcione corretamente!”, gritou Cabral, preparando-se para desligar todo o seu instrumental de transcomunicação.

Através das luzes coloridas, geradas pelo fantástico maquinário, e que ainda refletiam no teto, Phyllis notou que o Professor adormecera repentinamente. Era a chance para tentar escapar. Ao tentar se desvencilhar de alguns fios que estavam no caminho, esbarrou num dos potes - que continha uma glândula pineal - que espatifou-se ao cair no chão. Foi o sinal para acordar o professor. Apavorada, saiu correndo do laboratório. Perseguida por alguns homens, rumou-se para o lado de fora. Viu o portão para o lado externo. Não sabia, contudo, que o campo de força estava acionado!...

III

“Ei, veja, Pedro, a imagem daquele outro Ser voltou! Bem na hora, pois já ia desligar o monitor!”, exclamou com alegria o pesquisador Cabral.

38

Page 39: Arquivosf Trilogia

“Denômetro inútil agora...Phyllis em perigo...Pedro, tente telepatia...agora!!!”

Pedro compreendeu perfeitamente o teor da mensagem da entidade comunicante. Deitou-se em seu divã e pôs-se a concentrar, tentando transmitir à mente de Phyllis um aviso de suma importância.

“Phy, sou eu. Não continue! Pare! Campo magnético externo!”

A agente especial da Central de Inteligência Formiguense estacou-se. A mensagem telepática de Pedro chegava-lhe com clareza plena. Mas, agora estava sem alternativa.

O Professor Nestor uivava desesperadamente aos seus lacaios para que não perdessem a fugitiva.

“Não a deixem escapar! Se conseguir sair, ela vai morrer e perderemos a nossa mais importante cobaia! Não há tempo para desativar o campo!”

Os carros da CIF partiram em disparada rumo ao Cristo Redentor. Os pedestres paravam para ver. Batedores abriam os caminhos. Apesar da estreiteza das ruas formiguenses, das subidas e descidas, em pouco tempo todos chegaram ao seu destino.

Phyllis não sabia para que lado ir. O perigo estava dentro e fora do cativeiro.

“O lugar está cercado por emissões fotonicas altamente destrutivas! Não há como invadí-lo, senão seremos dizimados!”, Pedro deu o alerta ao Diretor Cunha, que coordenava as ações da tropa de choque da CIF.

Não havia tempo para raciocinar, os homens do professor se aproximavam. Phyllis resolveu arriscar a sair.

Do lado de fora, Pedro lamentava-se com seus companheiros.

“Infelizmente, não conseguiremos entrar no interior deste lugar, o denômetro acusa alta intensidade magnética. Não temos escolha, senão esperar pelo desfecho. Ei... é ela quem está saindo! Não, Phy, não saia, você será desintegrada pelo campo de força!!!”

Para a surpresa geral, Phyllis, a agente especial da Central de Inteligência Formiguense, CIF, conseguiu sair ilesa do cativeiro-laboratório onde estava aprisionada. Pedro correu ao seu encontro, preocupado, mas ao mesmo tempo eufórico pelo resultado. Antes de saber como sua companheira estava passando, foi logo perguntando como conseguira escapar, já que em volta do covil havia um denso campo de força que,

39

Page 40: Arquivosf Trilogia

segundo as palavras de Cabral, “poderia até mesmo desintegrar um espírito”, tamanha a sua potência energética.

“Mesmo sabendo do perigo que estava correndo, pois recebi por telepatia, o aviso de Pedro, intuitivamente prossegui e depois, captei uma outra mensagem psíquica dizendo-me como deveria me proceder. Então, ‘formei’ um desintegrador etérico para eliminar o campo magnético que circundava este local. Na verdade, um pensamento-forma salvou-me a vida. Como bem sabem, tal espécie de pensamento pode tanto salvar, como destruir!”, respondeu a agente ao questionamento de seu colega.

“Foi o Ser de Marduk que comunicamos há pouco que lhe passou tal mensagem, minha cara amiga!”, regozijou-se orgulhosamente, Cabral, vendo o quão fora importante para a salvação da agente.

“A quarta dimensão nos reserva muitas surpresas... mas, não há tempo para mais explicações, o Professor Nestor está lá dentro ainda e já sabe que escapei. Como ele não tem outra alternativa, deve estar se munindo das armas que ainda tem!”

Era o que acontecia no interior do laboratório, onde ainda se encontrava o temível cientista, cujo objetivo era dominar as pessoas através da força mental, ou seja, a partir da aquisição de pinolina, uma substância produzida pela glândula pineal e responsável pelos dotes extra-sensoriais do ser humano, variando sua intensidade de acordo com a evolução psíquica de cada um.

“Apesar de ter perdido duas glândulas-reprodutoras, a de Phyllis e a que estava no pote que se espatifou no chão, ainda tenho o produto de onze pineais! Não há outra alternativa, senão sintetizar estas que ainda possuo!”, gritou, ainda esperançoso, o professor, cujos comparsas ouviam cabisbaixos, esperando pelo pior.

Então, ele acionou a grande máquina conectada aos potes onde estavam as outras glândulas retiradas dos garotos raptados na cidade de Formiga e adjacências. Fios e tubos interligavam tais potes e as respectivas glândulas à um capacete, de onde saía um outro tubo que penetrava diretamente no centro da cabeça do Professor Nestor. As luzes se apagaram. Era o sinal para ativar a produção da almejada substância.

Do lado de fora, o Diretor Paulo Cunha, ordenava a invasão imediata do laboratório. O pequeno exército de choque deu início à ação.

A feição do professor contraía-se, à medida que descargas do líquido advindo das glândulas lhe “abasteciam” a própria pineal. As visões também inundavam-lhe a mente. Imagens desconexas, cores diversas, fagulhas, enfim parecia que sua caixa craniana iria literalmente explodir, tamanha a quantidade de informações que perspassavam em suas entranhas cerebrais. Sem mais, nem menos, surge em sua cabeça uma forma humana. O aviso foi lacônico e contundente.

40

Page 41: Arquivosf Trilogia

“A ingenuidade do homem continua estagnando sua evolução. Repositórios mentais sem mente, não passam de meros receptáculos inócuos..., buracos negros da alma!”

Foi nesse momento que o Professor Nestor observou o erro elementar que cometera: a sede da alma é um lugar vazio se não há alma... Ou simplesmente, a glândula pineal jamais poderia funcionar se o seu hospedeiro, a mente, não estivesse presente! Era o fim da pesquisa? O fim dos sonhos megalomaníacos de que o ser humano pode receber além do que produz? Além de sua capacidade?!...

O professor Nestor atinou para a realidade cruel. Sua decepção foi grande. Verificou, enfim, que os órgãos do corpo humano estão invariavelmente interligados com o seu próprio lado psíquico. Ou seja, a dualidade do ser é indivisível: a parte depende da contraparte e vice-versa. Então, desligou as máquinas que pretensamente deveriam dar-lhe a almejada super-força psíquica emanada das glândulas pineais que foram extraídas dos garotos raptados e da potente glândula pineal de Phyllis. Tudo isso seria conseguido a partir da síntese da substância pinolina, o líquido responsável por todo o processo metabólico da pineal, “a sede da alma”, o “assento da mente humana”. Em suma, ele sabia que a pineal era o portal que permitia ao Eu psíquico se manifestar sobre o Eu físico.

Tal qual um autômato e muito desiludido, levantou-se e caminhou rumo ao lado de fora do laboratório, no subterrâneo da estátua do Cristo Redentor. Mas antes, a tropa de choque da CIF invadiu o local, capturando-o. Era o fim de um sonho impossível. A sua pretensão pelo poder mental máximo fora um erro de estratégia. Utilizara seus conhecimentos paracientíficos em vão...

Após ser algemado, o sinistro professor foi encaminhado para as dependências da Central de Inteligência Formiguense. Antes de ser transferido da cidade, o Diretor Paulo Cunha teve interesse em saber o por quê de toda aquela inusitada “aventura psíquica”. Convocou a médica Dra. Nicole; os pesquisadores e especialistas em paraendocrinologia, Michel e Fernando; o pesquisador português, Paulo Cabral e, como não podia deixar de ser, os agentes especiais Phyllis e Pedro Delbaron para uma reunião extraordinária juntamente com o pivô de todos os acontecimentos.

41

Page 42: Arquivosf Trilogia

EPÍLOGO

“Ao nos tornarmos adultos, inevitavelmente é necessário sacrificar uma parte de nossas faculdades psíquicas e intuitivas a fim de podermos adquirir um certo grau de razão. Por causa dessa inevitável tendência, a pineal se calcifica e as habilidades psíquicas nos abandonam. Foi o que me aconteceu. Já não podia demonstrar, na prática, minhas potencialidades mentais. Quando vislumbrei a iminente decadência, tomei uma decisão definitiva: escolhi minha melhor aluna da Faculdade de Paraciências de Oconomowoc, e determinei que ela me doaria a sua pineal, a fim de suprir tal deficiência. Através de uma série de testes, concluí que Phyllis Delbaron era a indicada. Ao saber que ela trabalhava nesta energética cidade de Formiga (não por acaso, pois o forte magnetismo deste lugar certamente a auxilia quando de suas experiências psíquicas) aqui me instalei e planejei com rara eficiência o plano para conseguir meu objetivo final!”

“Como poderia ter certeza de que obtendo a substância pinolina, adquiriria os mesmos poderes psíquicos dos hospedeiros?”, indagou o especialista Dr. Michel, esboçando grande curiosidade, pois estava adentrando num campo pouco investigado.

“Minhas descobertas corroboraram que a pineal realmente funciona como uma passagem através da qual as influências psíquicas se manifestam no corpo. E como poderia eu produzir componente químico em abundância? Na infância-puberdade, a pineal ainda está ativa, sendo esta a causa da sensibilidade das crianças. Capturei, então, várias cobaias para desenvolver meu projeto. A cobaia-mor, seria Phyllis, cuja pineal superdesenvolvida me forneceria a quantidade pinolítica necessária para meus objetivos centrais. As outras pequenas glândulas, funcionariam como repositório imediato da glândula maior...e veio o aviso fatídico... Eu estava errado!”

“Diga-nos: o que acontecerá agora com os garotos, que já não têm mais a pineal? Continuarão abobalhados?”, indagou a Dra. Nicole, ainda um pouco perdida.

“Não se preocupe, prezada médica formiguense. O maravilhoso processo metabólico do corpo humano deve suprir-lhes a falta, uma vez que o encapsulamento não começou ainda. Em pouco tempo terão seu compartimento mental de volta, voltando à lucidez.”

“Por que as luzes do ambiente sempre estavam apagadas quando o senhor tentou me extrair a pineal, ou o líquido que produz?”, perguntou a agente Phyllis, ainda assustada com as revelações bombásticas do professor Nestor.

42

Page 43: Arquivosf Trilogia

“As atividades da pineal, direta ou indiretamente, reagem à luz do ambiente. É, pois, uma glândula que liga o ambiente com todo o sistema endócrino através dos olhos e outros órgãos de percepção. Assim, suas atividades estão ligadas à luz, ocorrendo com maior intensidade quando se está dormindo, de olhos fechados e quando o cérebro está em estado letárgico. Dois terços das experiências psíquicas ocorrem nesse período...”, Pedro interrompe:

“Afinal como pretendia transferir as potencialidades mentais de Phyllis e dos outros garotos? Somente a pinolina seria suficiente?

“Este foi o meu maior erro. Como já disse, fui advertido por uma entidade e pela própria Phyllis dessa impossibilidade, pois o processo de transferência mental ainda não foi descoberto exatamente. Há teorias, contudo, que prevêem tal eventualidade, mas nada foi comprovado, ou ainda não foi conseguido pelos outros cientistas. No futuro, poderemos, sim, transportarmos nossas mentes para outros cérebros, tal como ocorre num computador, que transfere seus arquivos para outro computador. Poderíamos ‘assentar’ temporariamente nossas mentes em outras pineais e vivenciarmos a vida em outro corpo! Meu invento foi o inverso: queria obter somente a substância da pineal, que na verdade não reage sem a mente! Estou arrependido!!!”

“Muito bem, senhores. Para finalizar esta reunião de esclarecimentos, desejamos que a agente Phyllis, nos dê mais detalhes de como conseguiu evadir-se do laboratório sem ter sido afetada pelo campo magnético que circundava aquele local...isto foge da realidade científica!”

“Conforme falei anteriormente, logo após receber o chamamento telepático de Pedro, advertindo-me do perigo que me esperava do lado de fora, não tive outra alternativa, senão concentrar-me com todas as minhas forças e criar um pensamento-forma. Imaginei um desintegrador etérico para destruir as emanações enérgicas ali presentes. Como conheço esta técnica, pude lograr êxito no meu intento. À título de ilustração, o pensamento-forma nada mais é do que uma forma etérea gerada pela energia dos pensamentos, emoções e sentimentos das pessoas. Uma vez criada, tal modelagem passa a existir como verdadeira entidade energética ‘inteligente’, viva e que age de acordo com o seu ‘dono’, sendo de características positivas ou negativas, dependendo do estado de espírito do emissor. Enfim, o pensamento-forma age e interage no campo de energia das pessoas e do ambiente. Foi assim que concebi tal desintegrador etérico. Tenho a vantagem de saber como controlar meus pensamentos e, portanto, formá-los de acordo com a minha vontade. Isto nem sempre acontece com a maioria dos indivíduos. Eis o perigo, pois cada ser humano é responsável por tudo aquilo que pensa...”

O silêncio impregnou-se na sala de reuniões da CIF. Cada um dos presentes fez a si próprio um valor de juízo sobre tudo que lhes fora revelado. Não houve murmúrios, tampouco comentários.

43

Page 44: Arquivosf Trilogia

Deste “causo” formiguense, lições foram assimiladas: Phyllis compreendeu novamente o quão importante é a evolução mental e suas habilidades decorrentes; Pedro também pôde, uma vez mais, contar com seu aparato tecno-eletrônico para o auxílio físico e não-físico; Cabral e Fiorella tiveram o importante auxílio de seus amigos do Outro Lado que lhes mostraram o caminho para as soluções dentro do permitido pelas Leis Cósmicas e, finalmente, o Professor Nestor verificou que havia extrapolado e, portanto, ultrapassado os limites de seu livre-arbítrio, pois infrigiu uma regra elementar, porém sagrada: “Ninguém pode dar o passo além do alcance de sua perna...”.

O conhecimento deve ser utilizado só e somente só para o lado positivo, isto é, jamais poderá alterar ou usurpar as leis que regem o compasso evolutivo do planeta, que segue um curso flexível, porém inalterável. Caso contrário, há de prevalescer a implacável terceira lei de Newton: “Para toda ação, uma reação”.

FIM DO 2º EPISÓDIO

44

Page 45: Arquivosf Trilogia

3 - SALTO QUÂNTICO

I

A agente especial da CIF (Central de Inteligência Formiguense), Phyllis Delbaron juntamente com seu colega de trabalho, o agente Pedro, foram convidados para uma palestra do português Cabral, renomado pesquisador e inventor.

Naquele dia, no final do mês de maio, a inteligência estava reunida nas antigas dependências do velho Cine Glória, onde acontecia uma importante palestra. Presente no local, estava também toda a cúpula da CIF, representada pelo seu chefe, o Diretor Paulo Cunha. A palestra seria para a apresentação dos novos instrumentais para transcomunicação concebidos pelo lusitano. Ele ficara famoso após a captura do temível gênio do mal, Professor Nestor, quando seus aparelhos auxiliaram a CIF nessa ação. Por isso, todos se curvavam à importância de tais equipamentos, fato que há poucos anos era impensado, tamanho o ceticismo geral quanto à sua confiabilidade e eficácia.

Dessa vez, porém, a inteligência formiguense tinha pleno interesse em adquirir tais aparelhos de comunicação interdimensional, já que acontecera o tão almejado reconhecimento oficial, graças, sobretudo, à interveniência das entidades de outras dimensões, cuja ajuda foi decisiva para a prisão do cientista malfeitor.

Formiga, portanto, seria a pioneira na implantação da inusitada parafernália. Até o FBI, a CIA, o Mossad e outras agências, também se mostravam interessados, tendo em vista os resultados. Essas agências já empregavam agentes paranormais, através da visão remota para desvendar delitos misteriosos, mas o uso da tecnologia era ainda novidade, apesar de toda a divulgação mundial sobre o assunto. Ninguém, contudo, ousara tanto como a CIF. E os frutos dessa coragem eram bem conhecidos no âmbito da investigação paranormal.

“Prezados formiguenses patrícios, senhoras e senhores de todos os cantos do mundo que aqui comparecem: orgulho-me de apresentar-lhes telefones fixos e móveis, computadores, faxes, gravadores, monitores de

45

Page 46: Arquivosf Trilogia

TV e secretárias eletrônicas, totalmente remodelados, prontos para a transcomunicação, fato que mudará definitivamente o rumo da investigação criminal, seja ela de ordem física ou extrafísica...”, disse com ênfase e orgulho, o português Cabral, mostrando a todos os presentes os aparelhos que, de fato, iriam nortear a inteligência de maneira jamais concebida antes. Era dado o passo inicial para o fim do crime psíquico!

Enquanto assistia atentamente à exposição, Phyllis sentiu vontade de ir ao banheiro para retocar a sua maquiagem. Chegando ao “toillete”, abriu a bolsa e retirou desta os apetrechos necessários ao objetivo.

Fixou seu olhar no espelho e, ao fitar o próprio rosto, observou espantada que este, além de mudar repentinamente de coloração, começou a ficar distorcido. As peculiares vertigens voltavam, dessa vez, com intensidade incomum. Aos poucos, o ambiente refletido no espelho, começou a mudar. A imagem se curvava tal como os espelhos de um parque de diversões. Um ruído parecido com som de estática, só que com alto volume tomou conta do recinto. O espelho parecia estar sugando o seu corpo. Sem entender, segurou na torneira, forçando o corpo para trás. Tudo à sua volta estava como se estivesse dentro de um líquido gelatinoso. De súbito, sua vista escureceu. Um silêncio incomodante tomou-lhe o cérebro. Sem barulho interno ou externo.

Em segundos, a visão voltara ao normal e Phyllis pôde largar a torneira que agarrara com todas as suas forças, tentando se desvencilhar do bizarro torvelinho que lhe surgira repentina e inexplicavelmente.

Com a peculiar calma de volta, mas sem entender muito bem o que acabara de acontecer, ela concluiu seu pequeno trabalho facial, recolocou a maquiagem na bolsa e retornou para o auditório.

Quando pôs seu rosto para fora da porta, tomou um susto incomum. O que estava acontecendo? Estava em outro lugar?! O que se via eram plantas e mais plantas de variadas espécies! Podia ver o céu pelo teto transparente! Que lugar era este?

Phyllis, então tateou a parede para se certificar que aquilo não era

um sonho, tampouco uma viagem extracorpórea, como estava acostumada a fazer de quando em quando. Verificou, finalmente, que a cena era de fato a mais concreta realidade. Contudo, experiência semelhante jamais tivera antes. Já, sim, tivera sensações de transporte como esta, mas sempre fora de seu corpo físico, nunca com ele!

“Tudo indica que saltei fora do meu espaço-tempo. Mas, desta vez vejo que não estou projetada só mentalmente! Meu corpo está comigo e posso sentí-lo. Conheço muito bem este sentimento, pois o peso corporal é óbvio! Puxa, agora estou ultrapassando os limites da ponderabilidade! De repente, estou num lugar igual em formas, mas diferente em conteúdo! Sei que estou no antigo Cine Glória, vejo pela construção... mas tudo aqui dentro é diferente do que era há pouco!”, balbuciava consigo mesma,

46

Page 47: Arquivosf Trilogia

enquanto apalpava em tudo que via e sentia. O local era uma grande estufa. Plantas de variadas espécies davam o tom. O aroma de clorofila estava forte. O teto era de vidro e o sol reluzia num céu muito azul. Phyllis, então, caminhou até a porta que dava para a rua e teve outro susto: lá estava a velha rua Barão de Piumhi! Todavia, com uma diferença! Carros ultra-modernos cruzavam a agora larga avenida.

No céu, pequenas naves também faziam o mesmo. Os pedestres trajavam-se normalmente, mas seus semblantes eram por certo diferentes daqueles do século 20. Dava a impressão de que eram mais bem nutridos. Uma energia incomparável irradiava de seus rostos, diferentes dos rostos tensos da cidade de sua época de origem!

“Não entendo mais nada! Sei que estou em Formiga, mas nada é igual. Os carros são de modelos que não conheço, alguns prédios são de estilo futurista. Será que me transportei para o futuro?”

Eis que Phyllis sentiu um leve toque em seu ombro direito. Virou-se e viu que era um senhor de idade, que emitia uma serenidade contagiante . Antes que pudesse dizer qualquer coisa ou expor suas dúvidas, o senhor lhe disse calma e mansamente.

“O transporte foi um sucesso. Nossos esforços surtiram efeito. Esperamos muito pelo momento de você comparecer ao antigo cinema para o aporte temporal. As energias das plantas ali presentes, nos permitiu completar o processo. Bem, antes de você começar com os questionamentos, acompanhe-me...”

Enquanto isso, na outra faixa de tempo, ainda na palestra do transcomunicador Cabral, Pedro já estava ficando impaciente com a demora da companheira que saíra apenas para retocar sua maquiagem. “Engraçado, já era tempo da Phyllis estar de volta. Vou até ao banheiro para ver o que está acontecendo. Estou ficando preocupado...”.

Em vão. Após vasculhar em todo o antigo teatro, sentou-se perto do Diretor Paulo Cunha e sussurrou-lhe: “Diretor, parece que temos um caso pela frente...Phyllis acaba de desaparecer...”

“O que diz? Ainda há pouco, ela estava ao seu lado! Com certeza, deve ter saído do cinema. Você deve ter se enganado!”, vociferou Paulo, quase perdendo a sua peculiar calma.

“Negativo. Ela simplesmente volatizou-se. Já procurei por todos os cantos deste lugar. Perguntei aos seguranças se viram alguém saindo e nada. Receio que a agente Phyllis virou pó! Temos que manter segredo disso, senão a pressão vai ser forte!”

Antes mesmo do final da exposição do pesquisador-inventor Cabral, com sua parafernália de transcomunicação, Paulo Cunha acionou outros agentes e foi para a sede da CIF, acompanhado pelo agente Pedro. O

47

Page 48: Arquivosf Trilogia

segredo que queriam da situação foi em vão, pois o repórter Marciel, do semanário Nova Imprensa ouvira tudo...

No dia seguinte, o jornal estampava em letras garrafais, o furo do ano:

“Agente especial da CIF desaparece misteriosamente! Não há pistas! Cabeças devem rolar se o caso não for solucionado logo!!!”

Na Central de Inteligência Formiguense, uma reunião urgente aconteceu no interior do gabinete do Diretor Paulo Cunha.

“Mas, o que querem dizer com isso? Quem descobriu tudo? Agora, teremos que dar explicações à sociedade formiguense, pois a agente é muito bem conceituada na cidade! E se não progredirmos neste caso, as agências de inteligência do País e do mundo vão nos cobrar! Se este caso continuar na estaca zero como está, nossas cabeças podem rolar mesmo, como vaticinou o jornal Nova Imprensa!” , gritou Paulo para todos os agentes presentes em seu gabinete, desta vez, sem a habitual complacência.

“Chefe, a busca está intensa, porém não há nenhum indício de que Phyllis tenha sido seqüestrada ou até mesmo assassinada. Não há pistas. Jamais vimos algo semelhante. Só nos resta uma última alternativa: vamos pedir ao transcomunicador Paulo Cabral que nos ajude novamente. Temos que apelar para o inusitado...”, sugeriu o agente Pedro, cuja feição denotava grande preocupação com o destino de sua companheira.

“Você tem meu aval! Faça tudo para descobrirmos o paradeiro da nossa agente!”, concordou o Diretor, também bastante preocupado com a iminente e irreparável perda.

Ainda assustada pela mudança repentina de ambiente, apesar de estar no mesmo lugar, mas em época diferente, Phyllis acompanhava aquele sereno senhor, que caminhava com certa dificuldade pelas ruas amplas e movimentadas da cidade de Formiga, agora pertencente a um outro tempo que ela ainda não descobrira qual era.

Chegaram à uma rua íngreme e avistaram um prédio que destoava dos demais à sua volta, do estilo habitual que ela estava acostumada a ver.

“Mas, o que vejo aqui: é o Fórum da cidade! Ainda intacto, tal como o conheço!. A rua Silviano Brandão, sim, está toda modificada, cercada por habitações ultra-modernas!”, disse em voz alta, para que o homem que a acompanhava ouvisse. Porém, ele só deu um sorriso e nada disse. Então, eles entraram no velho prédio.

As dependências internas do Fórum estavam modificadas. Um novo arranjo físico as compunham com a leveza que deixava entender ser um local de debates.

48

Page 49: Arquivosf Trilogia

“Aqui funciona diariamente a Sessão da Plena Justiça, minha amiga de outras eras. Felizmente, fui bafejado pelo sopro divino e posso espargir um pouco de meu aprendizado com debates altamente profícuos. Chamam-me Justiceiro Advíncula e devo revelar-lhe que você, conforme já pôde notar, se encontra no século 22! Na verdade, está aqui por um motivo bastante válido!”, disse-lhe o velho senhor, apontando para uma cadeira, onde Phyllis se acomodou, preparando-se para ouvir mais novidades.

“Não sei o que dizer disso tudo. Sinto meu corpo de fato e estou certo de que não sonho, tampouco viajo em corpo astral. Vejo realmente que me encontro na cidade de Formiga, mas em outro tempo, em outra época, diferente da minha. Pergunto-lhe o por quê desta minha transferência. Por que eu especificamente? Não haveria outros neste tempo aptos a desempenhar a missão que querem de incumbir?”

“Calma, estimada agente... vamos por partes. Para não perturbar-lhe ainda mais, devo-lhe explicações mais objetivas. Primeiramente, falarei como e por quê foi feito o seu transporte no tempo. Como você já deve saber, o tempo é mutante, isto é, os universos paralelos dos quais fazemos parte, são perfeitamente transitórios. Você já aprendeu que os Registros Akáshicos, aqueles que registram nossas ações presentes e futuras aqui neste mundo, são passíveis de mudanças por causa do livre arbítrio. É claro que nem tudo pode ser modificado, pois devem seguir certas leis cósmicas, que são permanentes. Todavia, aquilo que pode ser mudado, pode também gerar importante desequilíbrio, resultando numa catástrofe de grandes proporções. Já que nos é facultado mudar, resolvemos que você, que veio do passado, é a mais apropriada para esta missão!”

O Diretor da CIF, Paulo Cunha não resistiu e resolveu acompanhar o agente Pedro até o laboratório de Cabral, agora radicado na cidade de Formiga, desde os eventos acontecidos quando da captura do Professor Nestor, aquele que queria os poderes de glândulas pineais retiradas de garotos (ver “Os Arquivos F:A Sede da Alma”).

49

Page 50: Arquivosf Trilogia

II

“Que bela surpresa receber os amigos da inteligência formiguense! Acaso gostastes da exposição de meus aparelhos remodelados e reconfigurados? Pena que aconteceu o triste incidente do desaparecimento misterioso da agente Phyllis! De facto, é um estranho ocorrido...mas... que bons ventos cá os trazem! Em que posso ser-vos, úteis, ó gajos?”

“Receio que precisamos novamente de sua ajuda, ou melhor, de seus amigos que habitam outras dimensões...”, falou Pedro, um pouco sem jeito pelo teor do pedido.

“Não vos preocupes, não há constrangimento com tal solicitação. Lembras que já estamos no limiar do milênio e os tempos são outros! Portanto, a polícia tem, e deve, contar com o auxílio de outras orbes! Caso não seja assim, todos iremos perder o controle, pois a criminalidade já atingiu uma evolução tal, que nem Júlio Verne poderia imaginar em seus contos mais fantásticos! Estou, pois, ao vosso inteiro dispor.”

Ambos se acomodaram no bagunçado laboratório de Cabral. Rádios, monitores, amplificadores, gravadores, câmeras, enfim, equipamentos audiovisuais de toda espécie misturavam-se com as mesas e poucas cadeiras do ambiente que cheirava a mofo, não só porque a janela sempre ficava fechada, mas por causa da tradicional umidade formiguense.

“Muito bem, caro Cabral. Precisamos que você entre logo em contato com seus amigos de Marduk, ou outras estações interdimensionais, para sabermos do paradeiro de Phyllis. Já procuramos em todos os lugares possíveis e não houve resultado. E veja que após o caso Nestor (ver “Os Arquivos F: A Sede da Alma”), nenhuma agulha some nesta cidade, sem que possamos achá-la logo, porque, além de cada lugar ser por nós minuciosamente monitorado, já vasculhamos cada metro

50

Page 51: Arquivosf Trilogia

quadrado daqui! Fora de nossa jurisdição, também não há vestígios de Phyllis. Só podemos concluir, finalmente, que ela simplesmente sumiu. Conquanto, não imaginamos como, tampouco para onde ela poderia ter ido! Além do mais, a população da cidade e da redondeza está sabendo de tudo, porque a notícia vazou. A pressão da mídia e das autoridades é grande.

A própria agência ficou em situação delicada. Corremos o risco de ter o nosso orçamento reduzido por causa desse incidente, pois sem a nossa mais poderosa e insubstituível agente, nada vai para a frente! No mais, esta é a sua incumbência: tentar achá-la!”, falou desesperado, o Diretor Cunha, que jamais vivenciara situação semelhante, exceto quando a agente também ficou desaparecida nos dois últimos casos, mas jamais desta forma.

“Acomode-se, prezada Phyllis, agente mais importante que esta cidade já teve. Lembre-se que seu nome está nos livros da história da cidade!”

“Oh, sim! Uma vez que me encontro no futuro, por certo já faço parte da história, não?”, gracejou Phyllis, agora um pouco menos tensa, pois estava se habituando com a nova situação. Ela queria era mais explicações, a fim de poder se direcionar melhor nessa nova e inusitada situação. “No linguajar dos cientistas que lidam com o assunto, ‘salto quântico’ é a mudança de um padrão vibratório. No seu caso, você foi teletransportada com a sua integridade molecular preservada. Em corpo e alma, vulgarmente falando. Já temos máquinas que fazem isto neste presente século 22, mas jamais o fizemos de um tempo para outro. Em viagens astrais, por exemplo, somente o seu corpo astral é projetado...”

“Por que isto aconteceu logo no antigo Cine Glória e, não, em outro local?”

“Porque existe ali o chamado ‘wormhole’, que é uma fenda temporal. Há em Formiga portais dimensionais, que conectam com outras dimensões, mas tais aberturas de tempo são mais raras. Hoje, o ex-Cine Glória é uma estufa. Ali as plantas ajudam a equilibrar as energias subatômicas. No mais, você está aqui porque deve salvar nossa cidade!”

Phyllis apoiou seu braço no queixo e procurou fixar seus olhos nos olhos do Justiceiro Advíncula que, como de hábito, serenamente lhe explicava o motivo de estar ali e como se processou a “viagem no tempo”.

Tudo reluzia naquele que atualmente era o local de debates. Havia espelhos em cada canto. Flores de variadas espécies imantavam o ambiente rodeado de vibrações revigorantes. Tudo isso, aliado a um agradável incenso de rosa musgosa, que queimava logo à sua frente. Phyllis sentia que a voz de Advíncula tinha uma entonação magnética, quase hipnotizante.

51

Page 52: Arquivosf Trilogia

Era como uma vibrante música das esferas! Mesmo enlevada pela atmosfera reinante, ela perquiriu-o: “Fui literalmente catapultada de meu tempo e à minha revelia. Só gostaria de saber se esta missão não poderia ser cumprida por outra pessoa, com percepções iguais ou mais adiantadas do que as que tenho: o senhor, por exemplo... Enfim, por quê eu? Pode me explicar melhor o que se passa e a razão deste pulo temporal?”

“Querida amiga do século 20...”, asseverou o Justiceiro, apoiando-se em sua confortável e anatômica cadeira, “é justo que esteja inquieta. O passado e o presente subsistem simultaneamente separados, tão-somente por estados vibratórios distintos. Assim, é possível ocorrer o deslocamento físico de um tempo para o outro mediante pulsos de energia. Após termos consciência do risco que nossa cidade está correndo e, por conseguinte, seu povo, conseguimos reprogramar nossa máquina de teletransporte e realizar a sua passagem sem danos físicos e mentais para a sua pessoa. Em verdade, há indivíduos tão ou mais evoluídos do que você. Isto é certo, mas você é a única a possuir um mapeamento genético tal que faz com seu corpo esteja imune à mudanças de situação sem alterações moleculares importantes.”

“Contudo, o senhor ainda não me passou a missão que deverei cumprir para salvar nossa cidade, conforme disse há pouco. Afinal, que grande perigo é este que o seu tempo ficou tão preocupado? Qual é a conexão com a minha época?”

“Bem, antes de passar-lhe as coordenadas, sinto que todos estes acontecimentos deixaram-na faminta, visto o desgaste intenso por que passou. Venha, vamos ao restaurante...”

“Pronto... agora só nos resta selecionar as cobaias que irão nos doar a matéria-prima necessária ao desenvolvimento do projeto. O ataque será acompanhado do tempo presente, refletindo-se no futuro. Precisamos usar as emanações, armazenando-as e controlando-as desta rede! Temos memória de sobra para o intento?”

“Tudo está programado, Magnus! Os gases emanados do lixo tóxico que grassa nesta cidade, irão fortalecer nossos agentes! Há espaço virtual suficiente! O buraco será aberto!!!”, concordou Maurício, um “hacker” preparado para o ataque.

Uma chuva forte caia sobre a cidade de Formiga. Os pingos batiam com força na telha de amianto do laboratório do transcomunicador lusitano, Cabral, que após ouvir aos clamores do Diretor Cunha, e do agente Pedro, tranqüilizou-os com sua habitual humildade.

“Ora pois. Haveremos de lograr êxito nos nossos objetivos. Logo iniciarei os transcontactos com o ‘Outro Lado’. Como dizem os iluminados espíritos que acaso o telefone de lá tocar para nós, o seremos atendidos. Temos que adotar de novo esta preciosa estratégia que cá temos. Acalmai-vos, pois nossos amigos vão a nós outros ajudar a localizar

52

Page 53: Arquivosf Trilogia

Phyllis. Estou certo de que ela não passou pela transição corporal definitiva. Sinto suas vibrações fortes. Vós bem sabes, que tenho muita afinidade com ela, por isso tal intuição é verdadeira! Podem se acomodar, porque vamos começar agora a nossa caça!”

Nesse mesmo instante, mas em outro espaço-tempo, o Justiceiro Advíncula conduziu Phyllis para uma espécie de restaurante. Apontando para uma pequena máquina, explicou-lhe que se tratava do hipnosensabor!

“O hipnosensabor é uma máquina que trouxe a solução satisfatória ao problema da alimentação artificial. Veja só. Ingerindo estas duas cápsulas, verde e amarela, sob a ação deste aparelho, a pessoa experimenta a desejada sensação de variados sabores, à sua escolha. Na verdade, o processo empregado é o do hipnotismo mecânico. Certas regiões do cérebro, responsáveis pelo sabor, são induzidas de acordo com a vontade da pessoa e, através da máquina, plasma o pensamento relacionado ao alimento desejado. Assim, além de ficar satisfeita, as proteínas do alimento desejado, suprirão também suas necessidades orgânicas. É o pensamento agindo sobre a matéria! E, falando em pensamento: esta será a missão! Corpúsculos mentais criados virtualmente na sua época, agirão na cadeia do tempo e, conseqüentemente, neste século 22...que não será mais tão maravilhoso como o é agora!”

Após ingerir as cápsulas, Phyllis nem pôde degustar direito o alimento imaginado, pois teve sombrios pressentimentos quanto ao que acabara de ouvir. Na verdade, ela conhecia muito bem o fator “pensamento-forma”. Sabia o que representava uma moldura mental criada pelo homem, seja voluntária ou involuntariamente, de teor positivo ou negativo.

“Já tive sérias experiências lidando com pensamentos-forma criados por pessoas mal intencionadas. Que o diga o Professor Nestor (ver “Os Arquivos F:A Sede da Alma”), mestre em criar tais artifícios etéricos. Felizmente, consegui vencê-los com as formas por mim criadas durante aquele caso. Mas, por quê o senhor disse que o século 22 também está ameaçado? Não entendi o teor de sua observação...”, indagou a agente, ainda desconsertada pelos sinistros acontecimentos que se avizinhavam.

“Como você bem sabe, a matéria é pura energia condensada. Na verdade, a matéria, em sua constituição básica, é simplesmente uma ilusão, ou ‘maya’, como dizem os milenares budistas. A sua aparente substancialidade, decorre do movimento relativo que cria as formas. Diversos estados da matéria, desde o sólido até a matéria espiritual, são formas diferenciadas de energia em níveis vibratórios cada vez mais elevados.”

“De fato. Esta mesma mente, através do pensamento impulsionado pela vontade, é a grande modeladora das formas e das ações! Todos

53

Page 54: Arquivosf Trilogia

devemos controlá-la, pois, como disse, os plasmas energéticos são capazes de efeitos inimagináveis...”

“Sim. Em assim sendo, o pensamento irradia-se em todas as direções, a partir da mente, por meio desses módulos energéticos. Este é o grande problema. Formiga está prestes a virar um caldeirão tóxico em ebulição. O problema é que o lixo tóxico que ora está ameaçando a cidade nesse final do século 20, poderá ser manipulado e os resultados serão previsivelmente funestos para o povo de sua e de nossa era e, por tabela, para o planeta. Você, somente você, poderá nos ajudar contra esta praga iminente que agora está não somente na forma material, mas na mental, que é muito pior!”, advertiu emocionado Justiceiro Advíncula, fato raro do alto de seus tantos anos de vida física, sempre voltada aos sábios conselhos e a disseminar o bem, mas que agora corria risco de ser parte de um tempo que nunca existiu! Uma outra era de sombras poderia ter início a qualquer momento...

O português Cabral deu atribuiu tarefas específicas para os dois que estavam em seu laboratório tentando saber do paradeiro da agente especial Phyllis. Ao Diretor da CIF, Paulo Cunha, coube ficar monitorando a captação de imagens e para o agente Pedro, ficou o controle de energias ambientais presentes, ou seja, do resguardo do local contra formas invisíveis. Os trabalhos tiveram início visando o contato com os seres da Estação do planeta Marduk, situado numa dimensão paralela à Terra. Graças aos novos inventos de Cabral, a estação estava previamente sintonizada, facilitando o contato, filtrados e sem interferências. Frases inteiras e conexas já podiam ser detectadas com a nova aparelhagem.

“Estamos felizes por mais este contato, irmãos do plano terrestre! Podemos assegurar-lhes que o problema que ora se nos impõe é de conotação sobremaneira preocupante... Imagens criadas no hoje, afetarão o amanhã...”

Apesar da chuva intermitente do lado de fora, fez-se um silêncio mórbido no laboratório do transcomunicador Cabral. Os três se entreolharam, pois não estavam entendendo a mensagem intrínseca daquela sinistra metáfora emitida pelo ser comunicante da estação de Marduk.

“Querido irmão Márcio. Como pode sentir pelas vibrações do ambiente, o momento não permite muito entusiasmo. A agente da CIF, Phyllis, muito conhecida por vós, está desaparecida. Já comentei que sinto que ela não cessou suas funções orgânicas e, por isso, imploro por vossa ajuda. Sabemos, também, que temos condições de ajudá-la, mas ainda estamos perdidos num túnel sem luzes. Podeis nos indicar algum caminho para iniciarmos a busca neste plano físico?! Explicai-nos, enfim, o significado de vossa advertência!”

“Desafortunadamente, não captamos nenhum sinal da agente, pois interferências magnéticas poderosas não permitem fazê-lo. Isto não

54

Page 55: Arquivosf Trilogia

impede, porém, de vasculharmos até onde podemos alcançar. Estaremos sintonizados para quando...”

Sem motivo aparente, a conexão caiu. Cabral tentou refazer o contato, mas em vão. De repente, ectoplasmas invadiram o laboratório. Os três desabaram ao chão. Inertes. A respiração cessara. Estariam mortos?

III

“Conseguimos! Nossas formas ideoplásticas virtuais cumpriram a programação e invadiram o laboratório daquele português! Agora, com ele sob controle, poderemos agir. Interrompemos, em momento certo, o contato com Marduk e, por certo, iríamos ter problemas com as forças daquela estação. A memória do computador já está bem carregada com as formas que colhemos de nossas cobaias. Deveremos liberá-las, tão logo as fortalecermos com as impregnações tóxicas advindas daquele lixão tóxico daqui de Formiga!”, deu um grito de vitória o “hacker” Maurício, falando ao seu comparsa Magnus, que ajudava nas formatações mentais.

“Puxa, o esforço é demasiadamente intenso. Mas, ele nos compensará com o controle da cidade e posteriormente da região e...”

“...e assim sucessivamente, hahaha!”, completou, com uma sonora gargalhada, o estranho pirata cibernético, Maurício.

55

Page 56: Arquivosf Trilogia

“Com esta arma infalível, poderemos, sim, dominar a tudo e a todos. Os pensamentos-forma que criamos e que seguem aos nossos comandos se encarregarão de ‘deletar’ para sempre a mente de cada um desta cidade! Além disso, a camada de ozônio se romperá e o buraco será a passagem para outras formas de outras dimensões. Dominaremos tudo!!! A varredura vai começar aqui, por ser um ambiente bastante poluído, e cuja atmosfera favorece às nossas ações!”

“Sim, será uma autêntica lavagem cerebral coletiva! O mais importante é que tais formas por nós controladas, não serão captadas com facilidade, pois agirão na dimensão do pensamento, imunes às artimanhas bélicas!”

“E depois de obtermos o controle, não haverá mais barreiras para nós. Bem, meu amigo, aí o universo nos aguardará! Vamos começar logo com o processo de ‘higienização’ desta cidade!”, finalizou Magnus, dando seu habitual sorriso sarcástico.

Phyllis aguardava as instruções para começar a agir logo. Seria novamente teletransportada de volta ao tempo de origem, contudo, num hiperespaço diferente...

Antes, disse ao sábio mentor: “Ao me aportar de volta ao século 20, terei que adotar um método que me permite não ser captada por nenhum médium, nenhum espírito, nenhum elemental ou outra forma que habita a quarta dimensão. Do contrário, não poderei sobrepujar as larvas mentais que ora estão à solta! Utilizarei a infalível ‘técnica da inivisibilidade’!”

Dito isto, a agente especial entrou na máquina de teletransporte para ser “repatriada” à sua época, quando, dessa vez, agiria – conforme por ela mesmo enfatizado, num plano “entre-dimensões”, ou seja, no autêntico limbo...

Muito apreensivo, o Justiceiro Advíncula preveniu Phyllis, antes de

efetivar seu teletransporte sobre a situação corrente no outro espaço-tempo, ou seja, no século 20.

“Receio, minha prezada missionária dimensional, mas acabo de saber que seus companheiros da CIF, mais o transcomunicador Cabral, não estão bem! Nossas máquinas de detecção áurica não estão captando seus sinais vitais. Parece que as formas-pensamento já estão agindo. Inicialmente, pelo que pudemos verificar, elas se movimentarão, sintonizando com outras formas já liberadas e de igual teor vibratório. Se não há convergência, as desintegrarão com o poder aniquilador de sua carga negativa. Serão, depois, fortalecidas pelos gases emanados do lixo industrial que, por sua vez, contribuirá para que a camada de ozônio seja rompida definitivamente! Será o começo do fim... Agirão em cadeia, atingindo, conseqüentemente, este nosso século 22! A cidade mais desenvolvida da Região do Centro-Oeste pertencerá a um tempo que não existiu! Phyllis: você foi escalada para nos salvar! Como disse, além de

56

Page 57: Arquivosf Trilogia

sua genética propícia, você é a única que domina a técnica da invisibilidade. Poderá agir diretamente do limbo, sem ser notada! Vá e salve-nos a todos!”

A agente então, num átimo, desintegrou-se, sendo teletransportada de volta ao final do século 20, numa faixa entre-dimensões. Estava munida do hipnosensabor, que lhe supriria as necessidades orgânicas, uma vez que iria agir somente no campo não-físico.

No laboratório, Pedro entreabriu um os olhos. Antes de levantar, certificou-se de que o ambiente estava normalizado, sem a presença daqueles espectros energéticos. Observou que uma vez mais, um de seus inventos funcionara!

“Felizmente, o “energo-constructor” me salvou desta. Ele construiu uma carapaça quântica em torno do meu corpo, e me protegeu contra aquelas estranhas emissões plasmadas. Agora tenho que reconstituir as ondas mentais do Diretor e Cabral, enquanto estão latentes e ainda pulsam!”, pensou o agente Pedro, saindo de um pretenso estado catatônico, que só não se consumou, por ter acionado seu invento ao entrar no laboratório de Cabral.

Sem pestanejar, e com o auxílio de providenciais eletrochoques, o Diretor Paulo Cunha e Cabral, recobraram os sentidos, livrando-se de uma situação que poderia ter sido irreversível, não fosse a ajuda providencial do agente Pedro Delbaron.

“Lidamos com forças mentais pré-moldadas... Temos que descobrir sua fonte. Vamos agora tentar outro transcontacto, pois certamente, as emoldurações pressupõem que já estejamos fora da contenda. Antes, dá-nos cá, ó Pedro, um banho deste vosso aparelho protetor energético, no fito de nos precavermos contra novas investidas!”

“Acionarei agora mesmo os estagiários, futuros agentes psíquicos da CIF. Através da Visão Remota, deverão tentar achar o nascedouro dessas ondas que nos atacaram!”, acrescentou o Diretor Cunha, ainda cambaleante.

Enquanto isso, à beira do lixão, devidamente paramentados, os “hackers” Magnus e Maurício preparavam-se para “turbinar” suas “criaturas espectrais”...

“Ótimo. Agora vamos sugar essas emanações tóxicas que são liberadas pelo lixo. Fortalecerão nossos pensamentos-formas armazenados. Isto aqui, meu amigo é uma autêntica ‘bomba quântica’, de alto poder destrutivo, físico e mental!”.

De volta ao laboratório, Cabral consegue estabelecer uma conexão. Dessa vez, porém, ele verificara que a sintonia estava em faixa diferente das que se habituara a captar.

57

Page 58: Arquivosf Trilogia

“Não entendo, ó pá! Recebo sinais estranhos. Ei, vejam a imagem que está se formando no videocom! É um NVC! E parece familiar!”

Surge na tela do monitor uma compleição conhecida. É Phyllis. Nítida e clara, ela se comunicava através de sinais.

“O que é NVC, caro Cabral? E pelo que vejo, o rosto projetado na tela do computador, é mesmo da Phyllis! E ela gesticula muito!”, exclamou Pedro.

“NVC vem do inglês ‘Non-Verbal Communication’, e é uma forma universal de comunicação através de sinais. Ela tem sido muito utilizada pelas entidades que se comunicam através do videocom que, como percebem, é a transcomunicação instrumental via imagens. Temos que gravar todas as imagens captadas para depois decodificarmos a mensagem de Phyllis. Ó Pedro, reforça a nossa segurança, pois temos de nos precaver!”

Do outro lado temporal, o Justiceiro Advíncula monitorava o que acontecia no século 20. Para ser mais exato, ele seguia os passos de Phyllis, naquele momento situada no hiperespaço intradimensional. Observava que ela não era notada por outras entidades que ali vagavam. Sua técnica da invisibilidade a protegia contra emissões plasmadas, de carga negativa principalmente. Reparava, também, que a agente da CIF mexia muito com as mãos.

“Por certo, nossa agente está tentando enviar alguma mensagem cifrada através de sinais. Vejo que é através da ‘NVC’. Seus amigos já foram avisados e estão cientes do perigo iminente. De nossa parte, devemos também dar-lhe a necessária guarida...”

Então, virando-se para uma de suas assistentes, que não tirava o olho da tela virtual, o Justiceiro, franzindo o rosto, falou com a sua habitual veemência: “Susana, tente não perder o contato visual. Phyllis deve contar com o nosso constante amparo energético, apesar de não podermos interferir no passado. Pelo menos, não pode ser percebida por nenhuma entidade errante que vaga naquele umbral e, assim poderá preservar seu invólucro carnal!”

Dito isso, o Justiceiro foi direto à Reguladoria, onde pretendia ter uma audiência, em caráter urgente, com a Reguladora Andrea, a Prefeita.

“Estimada Reguladora. Venho solicitar à Vossa Excelência, que nos auxilie a construir e reforçar a carapaça mental em torno de Phyllis, uma agente do século 20, cuja missão será dissipar formatos etéreos modelados por temíveis pessoas que querem vampirizar a cidade, além de abrir a camada etérea de ozônio, aumentado o efeito estufa e permitindo a entrada de outros vermes energéticos. Receio dizer-lhe que

58

Page 59: Arquivosf Trilogia

nosso tempo sofrerá as conseqüências, como se fosse uma reação em cadeia...”

“Será um forma de agradecimento ajudá-lo, estimado Mestre. Em verdade, nos ajudaremos a todos. Iniciarei minhas mentalizações o mais rápido possível para que nossa emissária do passado esteja forte e possa normalizar tudo. Mas, por que este século corre os mesmos riscos?”, questionou a Reguladora, demonstrando interesse em ajudar eu povo.

“O objetivo dos bandidos virtuais, que naquele tempo passado criaram, programaram e aprisionaram pensamentos-forma é sinistro. Eles pretendem dominar a tudo e a todos, via mental, ou seja, vão sugar as energias dos habitantes da cidade, sujeitando-os ao seu jugo implacável. Se não forem impedidos, todo este desenvolvimento formiguense de ordem física e espiritual, será parte de um mundo paralelo, um tempo que jamais existiu.

O livre-arbítrio dá-lhes tal perigosa liberdade. Tudo repentinamente, alterará e entraremos numa era de trevas, ou melhor, prosseguiremos com o que foi iniciado no final do século 20, com o retrocesso que os piratas vão nos impor. Tal atraso, por sinal, será semelhante ao que aconteceu com a civilização egípcia. Seu povo detinha conhecimentos que a maioria da humanidade desconhecia naquela época, que foram trazidos pelos exilados de Capela, um grupo de pessoas evoluídas que cometeu delitos em seu planeta e foi obrigado a reencarnar neste nosso atrasado mundo. Mas, a ganância, a maldade, enfim, as imperfeições do ser humano, se mantiveram, a despeito do progresso material e toda a sua sapiência foi perdida. Se não lograrmos êxito, vamos retroceder novamente!, explicou o Justiceiro, não escondendo sua emoção pelo que poderia acontecer.

“Não reviveremos tudo isto novamente. Phyllis é a enviada para nos salvar. Ela tem uma mapa genético diferente, porque sua missão já foi traçada!”

Voltando ao século 20, no seu laboratório, Cabral, anotara tudo que Phyllis disse, via NVC. Suas feições eram graves. Vira que a situação era pior do que imaginava. Na verdade, o que mais o assustara, era que não havia “armas” suficientes para combater os pensamentos-forma que estavam por atacar. Após ter revisado tudo o que escrevera, deu uma breve pausa para respirar fundo, visto a sua emoção contida, explicou ao agente Pedro e ao Diretor da CIF, Paulo Cunha, que estavam ávidos por notícias.

“Não conseguimos detectar a voz dela, porque provavelmente deve se encontrar numa espécie de umbral, de onde as emissões sonoras não se propagam e, por isso, são difíceis de serem sintonizadas. Sabendo disso, ela se comunicou através da NVC, que eu já vos expliquei o significado. Primeiramente, é bom ressaltar que a estação MGV, de Marduk, cujo transcontactante principal, se chama Márcio, cedeu sua faixa

59

Page 60: Arquivosf Trilogia

para que Phyllis se comunicasse. Temos ajuda de todos os lados. Contudo, vimos, também que já pegamos certas interferências, provavelmente advindas dos emissores dessas ondas mentais formatadas...”

“E o que a nossa agente disse! Desde que desapareceu lá no Cine Glória, que não temos notícias dela! Queremos saber o que está de fato acontecendo, afinal!”, interrompeu impacientemente, o Diretor Cunha, com o imediato assentimento do agente Pedro.

“Bem, ela disse que foi escolhida por ter um genoma especial, que não se altera com mudanças drásticas, foi teletransportada a uma dimensão paralela, que seria o futuro, onde ficou sabendo do plano de dois ‘hackers’ que, com complexos plasmados pelo pensamento humano e reprogramados por computador, querem controlar a população de Formiga, sugando-lhes todas as energias e, depois, abrindo a camada etérea de ozônio, facilitando a entrada de entidades nocivas. Segundo Phyllis, vai ser o começo do fim se tiverem êxito. E os formiguenses ilustres do futuro, conseguiram resgatá-la para tentar reverter tal processo e por ser uma pessoa do passado, pois este só pode ser revertido por alguém deste tempo!”

Nesse momento, o celular do Diretor Paulo Cunha tocou, quebrando o clima de tensão e medo que reinava no laboratório. Era o estagiário psíquico, Flávio.

“Diretor, boas notícias! Com o auxílio da Visão Remota, conseguimos rastrear um lugar altamente carregado! Detectamos que tais sinais quânticos, são remanescentes de um computador localizado nos fundos de uma viela adjascente ao Beco Protestante. Já estamos indo para o local! Nossa equipe poderá combater as formas de pensamento, construindo outras de igual teor, mas de polaridade diferente! Aguardamos novas instruções.”

IV

60

Page 61: Arquivosf Trilogia

Cabral ouviu a mensagem e adiantou a Cunha da inviabilidade da proposta do estagiário Flávio.

“Diga ao gajo, que não adianta formar pensamentos positivos para combater os negativos que infestam o local! Acabei de saber que são cargas poderosíssimas, quase invencíveis, porque, apesar de tudo, ainda estão fortalecidas pelos gases tóxicos, e até voláteis, emanados pelo lixão industrial. Poluição mental, mais poluição material, uma combinação explosiva e daninha para nós outros!”

Ciente de que fora descoberto, através de potentes antenas que captaram o telefonema que Cunha acabara de receber, o bandido cibernético, Maurício, tratou logo de apressar seu plano maligno, autorizando seu comparsa Magnus a liberar os pensamentos-forma imediatamente.

“Não perca mais tempo! Como viu, eles nos descobriram! As formas já podem agir conforme o programado! Vamos, acione logo esta máquina! Dê-me as coordenadas!”

“O processo de ataque será simples: ao dar um clique no comando central deste computador, os plasmas aqui configurados, vão literalmente vampirizar todos os habitantes desta cidade. Primeiramente, temos que controlar os homens que têm cargos-chave na cidade. Depois será a vez do grosso da população. Vamos fundar a era do pensamento! Do pensamento negativo, para ser mais exato!!! Os tempos já estão chegados!”

Portando um pequeno compartimento, pouco maior do que uma caixa de fósforos, Magnus conectou-o ao computador. Na tela, muitas imagens surgiam, como por encanto. Sem demonstrar qualquer indecisão, apertou uma tecla do computador e, rapidamente, o ambiente foi tomado por espectros de variadas formas. O cubículo ficou tal, como se estivesse enevoado. O som que se ouvia era ainda mais estranho. Sibilações de variadas entonações zoavam e reverberavam em todas as direções. Parecia que tramavam algo. Na verdade, eram pensamentos-forma de teor vibratório diferente uns dos outros. Esperavam pela senha de seus criadores para dar início à “intoxicação mental” do povo de Formiga.

“A rapidez da ação destas formas nos dará o pleno controle de cada ser vivo pensante! Larvas etéricas se fixarão no campo áurico de cada entidade encarnada que estiver no perímetro que demarcamos!”

“Sim! E ao invadir também o corpo perispiritual, a harmonia estará definitivamente perturbada! Assim, obteremos o controle psicossomático de cada um!”

Enquanto isso, novas mensagens de Phyllis, ainda através do processo NVC, chegavam ao tubo catódico do monitor de Cabral, que escrevia tudo que decodificava. A cada mensagem cifrada, franzia seu

61

Page 62: Arquivosf Trilogia

rosto, revelando uma incomodante preocupação. Subitamente, a tela se escureceu, fazendo sumir a imagem nela refletida.

“Aconteceu alguma coisa. Tudo indica que Phyllis foi perturbada por alguma coisa...O que será?”

Intuitivamente, o Diretor Cunha e Pedro olharam pela janela e, assustados, depararam com cenas um tanto incomuns. Sem motivo aparente, os pedestres paravam repentinamente e entravam numa espécie de transe. Andavam sem direção, tal como robôs desnorteados vagando sem rumo. Vapores de gás ou fumaça, saía de seus ouvidos, olhos e bocas.

“Vejam...os ‘fantasmas mentais’ já começaram a agir...Até quando conseguiremos resistir? Nossa proteção tem limite, as baterias tem um tempo de vida!”, observou Pedro.

Por sorte, os três ainda estavam protegidos porque, prevenidos, puderam “construir” , através do “energo-protector”, um muro de energia em torno do laboratório. Porém, conforme ele mesmo dissera, o equipamento funcionava através de baterias, que tinham um tempo limitado de duração. Boquiabertos, foram interrompidos pelos equipamentos de transcomunicação. Dessa vez, a mensagem, via áudio, advinha da Estação MGV, capitaneada pela entidade de nome Márcio, que disse em alto e nítido som.

“Houve uma perda de contacto com Phyllis. A faixa que cedemos foi invadida pelas ideações plasmadas pelos seres encarnados, que atacam sua cidade agindo em proveito de seus criadores e visando o domínio total, conforme bem sabem! Nosso tempo também é curto, pois dentro em pouco, todos os canais serão tomados. Você devem agir logo!”

“Como o faremos, ó estimado Márcio! Cá estamos de mãos atadas. O ‘energo-protector’ já dá sinais de fadiga e nós seremos também tomados! Alguma solução para salvarmos a cidade formiguense?!”

“Phyllis está no limbo e tenta apagar as formas que a rondam, tentando atacá-la. Tais formatos ainda não a detectaram, por causa do poder da invisibilidade que ela tem. Contudo, se tais plasmas se multiplicarem ainda mais, a invasão se tornará irreversível, decretando o retrocesso da cidade e, depois do resto do planeta! O futuro será sombrio! (pausa) ... Mas ainda há esperança! Atenção, Cabral! Acabamos de receber a mensagem que Phyllis manda repassar para você! Consulte seus arquivos de cinco anos atrás...!” bzzzzzzzzzzzzzz

O aparelho de transcomunicação começou a emitir somente um chiado sem sentido. Cada um se entreolhou novamente. O enigma estava lançado. Ninguém entendera exatamente a mensagem de Márcio, da Estação MGV.

62

Page 63: Arquivosf Trilogia

“O que será que tem meu arquivo de 1995? Eu estava na minha cidade, Cascais. Ela estava no Brasil. É. Acho que o fim destes tempos está mesmo próximo...”

Enquanto se energizava através do “hipnosensabor”, cedido pelo Justiceiro Advíncula, do século 22, Phyllis, sentia que os plasmas criados no plano material a rondavam. Sentiam sua presença, mas não podiam enxergá-la. Contudo, o tempo de invisibilidade variava de acordo com a resistência que tinha. Por sua vez, aquela invenção do século 21, também contava com um tempo determinado de carga.

“Esse energizador já está no seu limite e eu também. Espero que a entidade Márcio tenha conseguido repassar ao Cabral a mensagem acabei de ditar-lhe. Nosso sucesso vai depender do recebimento desse aviso. Se demorar muito, os cérebros daqueles que estão sendo ‘vampirizados’, vão se deteriorar e não terão condições de se recuperar do lapso mental que ora se encontram. Como já disse o Justiceiro Advícula, se todos falharmos, será igual ao que aconteceu com alguns retrógrados atlantes, reencarnação dos capelinos, que foram dizimados pela própria vaidade... Felizmente, a água acabou com suas intenções...”

O local de onde eram liberados os pensamentos-forma, finalmente

fora estourado pelos agentes da CIF. Mas nada puderam fazer, pois ficaram imediatamente paralisados por causa do imediato controle mental a que foram submetidos.

“Bando de inocentes estes pseudos agentes psíquicos! Por acaso, não sentiram que não podem contra nossas criaturas mentais, que estão fortalecidas, graças às emanações do lixão industrial? Nada poderá detê-los! Nenhum pensamento positivo tem pontência suficiente para destruí-los! Em pouco tempo, poderemos abrir o buraco de ozônio e os portais de energia para o avanço de forças deletérias que nos auxiliarão na nossa empreitada. Não cometeremos mais os mesmos erros do passado! Se não deu certo na Atlântida, agora vai dar!!!”

“É claro! Agora estamos prevenidos, esta poluição que afeta a cidade conspira a nosso favor, fortalecendo nossos pensamentos-forma!”, apoiou com ênfase, o “hacker” Magnus.

Um tanto abatidos e desanimados, o Diretor da Central de Inteligência Formiguense, Paulo Cunha, além do agente especial, Pedro Delbaron mais o pesquisador português, Cabral tentavam decifrar o enigma lançado pela entidade Márcio, da Estação MGV.

“Tente lembrar, ó Cabral. Que experiência relevante poderia ter feito em 1995? Qual seria a conexão? Vamos lá. Pesquise no seu banco de dados!”, falou em tom de exigência, o Diretor da CIF, um tanto impaciente, mas cheio de esperança.

63

Page 64: Arquivosf Trilogia

Sem nada responder, Cabral revirava um monte de papéis, cadernos e livros que estavam num escaninho de uma velha escrivaninha, onde as aranhas e cupins se misturavam.

“Bem, aqui pairam todos os registos que fiz há cinco anos passados. Mas, ainda estou perdido no que tange à ligação com Phyllis. Tenho aqui uma fita que ela me deu...tem músicas de Beethoven, um de meus compositores clássicos favoritos. Foi um presente amável que muito me emocionou...”

“Realmente, está difícil. De qualquer forma, toque-a pelo menos, vamos ter momentos de enlevo dentro desta balbúrdia sem fim!”, lamentou Pedro, desesperançado.

“A Pastoral”, de Beethoven, que retratava uma tempestade, invadiu o laboratório. De repente, um som de estática sobrepôs a canção. Para o espanto geral, surgiu a voz de Phyllis que dizia:

“Neste momento, posso lhes afirmar que a manipulação das energias negativas vai mudar os conceitos e a visão mecanicista, que ainda estão arraigados na ciência clássica. Os novos parâmetros de matéria, espaço, tempo e casualidade sempre rondaram os moucos ouvidos dos cientistas, mas nunca tiveram eco. Mas, agora, não tem mais jeito... Amigos, a solução está mais próxima do que podíamos ter imaginado! A água cobriu definitivamente o mal que imperava em Atlântida. Deve fazer o mesmo na cidade de Formiga...A tempestade dilui corpos energéticos! É necessária para a nossa sobrevivência! Pedro, você precisa forçar que o clima mude! Você tem a solução!...”

“Eis a chave! Pedro, o que Phyllis quis dizer com mudar o clima da cidade? gritou Cabral, com o semblante mais otimista e querendo descobrir definitivamente a solução para todos aqueles problemas que assolavam Formiga.

“É claro! Como não pensamos nisto antes! Phyllis se referiu a um aparelho que inventei para acabar com larvas etéreas. É o ‘storm-maker’, que nada mais é, do que um fazedor de tempestades plasmáticas! Sua função é condensar nuvens do tipo cúmulus e nimbus, energizando-as com plasmas que são partículas carregadas com movimentos livres. O plasma é o quarto estado da matéria e suas características e propriedades físicas são diferentes dos sólidos, líquidos ou gases. Em seguida, a máquina reativa as nuvens e provoca uma tempestade elétrica que limpa tudo, inclusive essas pragas invisíveis que atacam plantas medicinais, utilizadas pelos índios e até pelos homeopatas, por sinal, nossos clientes.”

“Realmente! Dizem os sábios que as tempestades existem, também para eliminar do éter os pensamentos-forma que os homens criam diariamente com seus pensamentos negativos! Não fosse isto, o ar seria irrespirável, não somente para o corpo, mas para a alma...”, acrescentou Cabral, que ouvia Pedro atentamente.

64

Page 65: Arquivosf Trilogia

“Vamos agir logo! Mas... tem um questionamento que está me intrigando: Se esta fita tem 5 anos, como a mensagem que acabou de ser gravada, saiu nela!?”, indagou o Diretor Cunha, esboçando um certo ceticismo em torno do que acabara de ouvir.

“Não vos espantais! Este fenômeno já aconteceu em outras oportunidades. Sabemos que o tempo – se é que ele de fato existe - é mensurado diferentemente nas várias dimensões paralelas à nossa. Pois bem: Phyllis acabou de emitir a mensagem e a Estação MGV conseguiu detectá-la antes que sofresse interferências. Imediatamente, a entidade Márcio a repassou para nós. Por causa da pressa, tal aviso, deve ter sido enviado aleatoriamente e, por isso mesmo, caiu num tempo indeterminado. Foi justamente ‘cair’ numa fita gravada em 1995 e onde estava uma música que fazia alusão à tempestade: a “Pastoral”, de Beethoven. Enfim, recebemos o que foi dito hoje, numa gravação do passado!”, explicou o pesquisador Cabral, com a segurança de um cientista de respeito, enquanto Cunha e Pedro o ouviam estupefatos..

“Não cantemos vitória, ainda...: há um pequeno obstáculo!”, interrompeu Pedro, “Para pegar o ‘storm-maker’, vou ter que gastar toda a carga que resta do ‘energo-protector’, pois ele está no meu escritório, na Agência. Caso contrário, correrei o risco de ser literalmente ‘sugado’ pelas formas de pensamento que estão pululando por todos os cantos da cidade...”

“Não temos escolha. De facto, precisas da proteção do ‘muro energético’ a fim de que possas atravessar a cidade! Desguarnecidos, vamos tentar nos proteger através do poder de mantras, potentes sons vocálicos que ajudam a mudar as condições ambientais, criando em torno de nós, uma nova capa protetora, que resiste menos tempo do que aquela formada pelo seu aparelho. Mas, enfim, resistiremos! Vamos começar a emití-los agora mesmo!”, disse Cabral, sendo prontamente assentido pelo Diretor Cunha.

Bem adiante, no futuro, exatamente em 2155, o Justiceiro Advíncula, juntamente com seus mentalizadores mais próximos, assistia a todos os acontecimentos através de um equipamento chamado “teletempo”, que captava as imagens geradas do passado. As cenas eram transcodificadas através da mente e transformadas visualmente para o vídeo.

“Finalmente, nossos amigos descobriram a solução para o problema que poderia ‘lançar’ estes tempos para a inexistência e condenando-nos a ficar sob a tutela do mal, provocando o retrocesso de Formiga!”, disse o Justiceiro.

“Mestre, por quê não podemos, com nossas mentes, alterar aquele tempo?”, um mentalizador perguntou.

65

Page 66: Arquivosf Trilogia

“Esta lei Cósmica é imutável! Não nos intrometamos no passado: averiguemo-lo; não observemos o futuro: alteremo-lo!”

O mentalizador compreendeu que a eles só caberia acompanhar o desfecho...

“Nossas mentalizações surtirão melhor efeito quando canalizarmos os mantras que vão emitir. O poder do cântico que emanam, ajudam a fortalecer. De certa forma, eis a força de uma oração, seja ela de que emissão for. O importante é a sua entonação!”, completou o mentalizador Cláudio Fernando, tataraneto de um antigo engenheiro da cidade.

O tempo de Phyllis, que agia diretamente dos umbrais, na estratosfera formiguense, estava se esgotando. O corpo físico, independente do seu grau de resistência, não agüenta muito tempo desmaterializado. Por isso, chegava o momento de readquirir sua densidade molecular. Mas, a situação ainda não estava sob controle.

Pedro, por sua vez, saíra em disparada até a agência da CIF, onde estava seu “storm-maker”, o equipamento que “fazia tempestades”. Como estava protegido, os pensamentos- forma não conseguiam atacar-lhe, pelo menos enquanto durava o restante da bateria do “energo-protector”. Enquanto caminhava pelas ruas de Formiga, ele assistia, horrorizado a agonia dos pedestres e animais, que vagavam sem rumo por toda a cidade. Não havia um lugar sequer, onde não tinha gente andando em zigue-zague, tal qual robôs descontrolados. O cenário lembrava um filme de suspense. Pássaros não voavam, também andavam pelo chão, às vezes sendo pisoteados, cachorros e gatos, da mesma maneira, pareciam desnorteados.

“Jamais presenciei cenas como esta. O que são capazes os pensamentos-forma é de arrepiar o mais cético. São fantasmas plasmados pela própria mente do ser humano, com o respaldo da cibernética e alimentados pelas emissões tóxicas desse lixão industrial que ajuda a destruir a cidade! Devo agir logo, pois a carga do aparelho já está no fim. Não sei se conseguirei!”, pensava Pedro, enquanto apressava seu passo em direção à agência de inteligência. Não havia carros, porque as suas baterias estavam todas descarregadas, cuja energia fora “sugada” pelos pensamentos-forma, que varriam tudo à frente.

“Maurício, já devíamos ter o controle total da cidade! Todos nós sabemos que a velocidade de um pensamento-forma é superior à velocidade da luz. Logo, por quê ainda não temos o domínio absoluto à esta altura?”, indagou preocupado o pirata virtual, Magnus.

“Fica calado e ouça. Ainda existem aqueles duros na queda. A igreja é um local de difícil acesso, pois tem energias fortes em função das orações que ali permeiam. Há também pessoas de índole forte, pensamento tão retilíneo que torna difícil o seu domínio completo pelas forças negativas. Vamos precisar de aumentar a dosagem de energia

66

Page 67: Arquivosf Trilogia

eletro-magnética, para que os pensamento invadam esses recintos nocivos! O programa de computador prevê tais inconvenientes. Quando o portal de energia estiver definitivamente rompido, as outras forças terão mais ‘alimento’, hehehe...!, respondeu com sarcasmo o engimático Magnus.

EPÍLOGO

Cheios de fé, o Diretor Paulo Cunha e seu xará Paulo Cabral, em posição de meditação profunda, emitiam mantras e outros sons vocálicos em diversificadas entonações. Tal ação afastava, mesmo que temporiamente, as emanações que tentavam furar aquele bloqueio.

O céu da cidade começara a escurecer. O vento empurrava as nuvens que aos poucos, cobriam tudo. Nenhum transeunte notava a mudança repentina do clima. Não sem motivo, pois estavam subjugados pelas emissões mentais deletérias que, sem parar, sugavam um a um.

“Pronto. Agora é só esperar pelos resultados. O storm-maker’ está acionado. Vamos aguardar os acontecimentos. É tudo ou nada!”, Pedro já se sentia tonto, pois o ‘energo-protector’ já dava sinais de completa fadiga, em função da descarga de suas baterias.

“Magnus, algo está acontecendo! Veja na tela: o número de emissões está sendo reduzido por alguma força contrária! Não entendo. O que se passa com nossas cobaias e com você próprio? São pressupostamente fornecedores de substâncias plasmáticas inesgotáveis!”

Demonstrando grande esforço, Magnus respondeu: “Não sei! As formas estão enfraquecidas! Veja a sua carga energética neste gráfico! Ei, está chovendo lá fora! Trovões e raios caem sem parar? Haverá alguma ligação?”

Desesperados, Maurício e Magnus olharam pela fresta da janela do lugar onde estavam, e viram que caía na cidade uma forte chuva, acompanhada de trovões e raios, que cortavam o céu sem parar. Para o espanto de ambos, as pessoas, até então automatizadas pelos pensamentos-forma, que lhes sugavam todas as energias existentes, recobravam-se aos poucos do torpor em que se encontravam. O ar, misteriosamente, parecia estar sendo purificado.

“Estamos enrascados! De acordo com o computador, tudo está sendo dissipado, na verdade, ‘deletado’! Parece mesmo que os raios

67

Page 68: Arquivosf Trilogia

contribuem para isso! Como pode ser!? Nosso plano está indo literalmente por água baixo! Temos que fugir, antes que nos peguem!”, gritou desesperadamente o “hacker” Maurício, antevendo um mal presságio.

“Não sem antes agirmos novamente! Ainda dá tempo para criarmos um vírus do tipo ‘Trojan’, que como um cavalo de Tróia, armazenará pensamentos-forma programáveis. Depois é só mandá-los atacar todos os sistemas de segurança máxima do planeta, como Nasa, FBI, Pentágono, Polícia federal, etc. Sua função é simples: ele abre uma porta do computador e o invade! Será nossa vingança! Está batizado o ‘TF-2000’! Ainda temos uma carta na manga, meu caro!”, gritou em tom de vitória o programador Magnus, e sendo aplaudido pelo comparsa.

No laboratório, Cabral e Paulo Cunha já podiam sentir os efeitos dos novos ares. Interromperam suas entoações e se cumprimentaram efusivamente. Em pouco tempo, chegou Pedro. Estava encharcado por causa da chuva, mas feliz pelo sucesso da operação.

“Conseguimos! A cidade recobra aos poucos do estado cataléptico de seu povo. Parece que voltaram a fazer o que antes faziam e ninguém notou o que aconteceu. Somente aqueles que não foram atingidos é que poderão contar-lhes o que aconteceu...”

“Minhas escusas por interromper-vos, ó estimado Pedro. Mas, sinto que nossa amiga vai reaparecer a qualquer momento e...”

“...E devemos nos rumar logo para as dependências do ex-Cine Glória onde, com certeza, ela dará o salto quântico de volta ao nosso tempo!”, complementou a observação o Diretor da CIF, Paulo Cunha, coçando a calva e esboçando um estado de euforia típico de quem estava satisfeito, “Este caso ainda não acabou, pois tempos que pegar aqueles dois que fizeram tudo isto! Nossos agentes já devem estar no encalço dos elementos!”

Ao saírem do laboratório, puderam respirar fundo. O ambiente de fato estava limpo. A tempestade, realmente higienizara aquele espaço-tempo, livrando Formiga de retroceder de seu iminente progresso, definitivo no século 21, conforme presenciara a própria Phyllis, quando para lá saltara.

O céu estava límpído naquele momento. Uma mancha esverdeada, belíssima, iluminou-o. A cena era emocionante. Cabral, com os olhos marejados, explicou.

“Miras, bem, ó queridos gajos! Este fenômeno é a chamada aurora, que no norte, chamam de boreal e no sul, de austral. Isto nada mais é do que a atração de partículas carregadas pelos pólos magnéticos da Terra. O céu está limpo e fechado! As pragas etéricas, realmente foram diluídas da atmosfera...”

68

Page 69: Arquivosf Trilogia

Enquanto caminhavam, em direção ao velho Cine Glória, e aspirando o cheiro de umidade presente, Cabral prosseguia com sua explicação científica: “...Tais partículas se interagem com os gases atmosféricos e o resultado desta interação é a emissão das luzes multicoloridas que podemos vislumbrar no céu neste sublime momento!”

Nesse ínterim, Maurício e Magnus, os “criadores” de toda aquela celeuma, não tiveram tempo de agir como queriam. Antes de “soltarem” os vírus “TF2000”, foram pegos pelos mesmos agentes que antes haviam sido dominados. Restabelecidos e sem notar o que havia acontecido, eles “acordaram” e prosseguiram com a missão de prender os larápios virtuais. O agente Flávio, então ligou para o Diretor da CIF:“Chefe, cumprimos nossa missão. Não houve resistência. Só não estamos entendendo é o motivo de nossos relógios marcarem cinco horas, já que arrombamos a porta deste esconderijo às três da tarde!”

Cunha ouviu tudo e segurou para não rir. Deu os parabéns ao agente e desligou seu celular. Depois contou aos dois que o acompanhavam e todos também deram uma sonora gargalhada, que os desopilou, após tanta tensão e pressão juntas.

Do outro lado no tempo, o Justiceiro Advíncula e seus discípulos mentalizadores, também respiravam aliviados, depois de presenciarem tudo, através do “teletempo”.

“Fortunadamente, os registros akáshicos não foram alterados, graças aos nossos amigos do século 20. Phyllis cumpriu bem a sua missão e já está reintegrada à sua época. Sua forte intuição guiou-a à solução do problema que poderia ter afetado o futuro desta privilegiada metrópole formiguense. E, no final das contas, aconteceu o mais elementar: a diluição dos pensamentos-forma através do eletro-magnetismo da água. Em suma, as respostas aos nossos problemas sempre está mais perto de nós do que imaginamos!”

Os mentalizadores se entreolharam com alegria. Estavam satisfeitos por terem contribuído pelo desfecho positivo. Afinal, suas emissões mentais ajudaram a inspirar Phyllis. Por fim, um deles, Nicholas, indagou: “Estimado Mestre. Só mais um questionamento que ora me intriga. Se acaso todos falhássemos, o que teria acontecido à Terra?”

O Justiceiro acomodou-se em sua macia cadeira, franziu um pouco a testa e respondeu com a calma de sempre: “A décima lei espiritual, a chamada ‘Lei da Dissociação do Espaço-Tempo’, diz que, se por aceleração do fator tempo, colocarmos no futuro, ou no passado, um espírito incorporado, sob comando de pulsos energéticos, ele sofre um salto quântico, caindo em região astral compatível com o seu campo vibratório e peso cármico específico, ficando sob a ação de todas as energias presentes, de caráter positivo ou negativo. Foi exatamente o que aconteceu com a agente especial Phyllis.

69

Page 70: Arquivosf Trilogia

Sendo portadora de poderes extra-sensoriais acima da média, atenuou o carma de todos, ao conseguir agir de zonas umbralinas em pról da salvação de seu povo. Ela combateu forças mentais plasmadas que foram potencializadas em computadores programados por dois retógrados indivíduos - aparentemente incorrigíveis. Eles são a reencarnação de velhos habitantes da Atlântida. Já tentaram outras vezes mudar o mundo e, de novo, falharam. Não sei quando aprenderão.

Chegando ao ponto de sua pergunta, amado buscador, se tivéssemos falhado, a Terra teria tido o mesmo destino do planeta Plutão, que hoje passa por momentos difíceis, em decorrência de ações negativas que o retroagiram em sua evolução. Os habitantes desse planeta não sabem mais o valor da serenidade, da consciência tranqüila, pois agora eles só conhecem o mal-estar. Um dia, com certeza, sentirão os efeitos benéficos da polaridade positiva. Felizmente, a Terra teve mais uma chance. Até quando, não sabemos... Dependerá de nossos atos físicos e extra-físicos. Paz profunda!”

Cabral, Cunha e Pedro chegaram ao antigo cinema quase no momento em que Phyllis reconstituía seu estado físico. Todos a abraçaram e, para não fugir às suas características, Cabral indagou: “Querida Phy. Tudo deu certo. Todavia, algo ainda está a martelar minha massa cinzenta. Responda-me lá, ó esbelta gaja, afinal de contas, qual foi a influência do espelho neste seu salto temporal?”

“A astronomia já sabe muito bem que, qualquer um que caísse num buraco negro, seria esmagado até a morte. Contudo, os cientistas descobriram que os buracos estão girando muito rapidamente e podem ter o formato de um anel giratório. De acordo com Einstein, qualquer um que passe por esse anel pode cair num universo paralelo. Como ‘Alice no País das Maravilhas’, o espelho em que ela caiu, representa o buraco negro. O espelho facilita, pois, o giro de nêutrons. E quando ela, Alice, perpassou sua mão pelo espelho, emergiu em um outro universo, o ‘País das Maravilhas’. Esse seria o chamado ‘buraco de minhoca’, que conecta nosso mundo com outros mundos de dimensões quânticas diferentes. Em suma, o espelho serviu como um portal para o contacto com outro tempo, a Formiga no ano de 2155! Em suma, creio que a ‘Nova Era Formiguense” de fato chegará, sem maiores alterações...”

Dito isto, cada um tomou seu caminho. E foram refazer suas energias.

FIM DO 3º EPISÓDIO

70

Page 71: Arquivosf Trilogia

71