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7/25/2019 art Gorz década de 1970 - n machado.pdf http://slidepdf.com/reader/full/art-gorz-decada-de-1970-n-machadopdf 1/35 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO De Marx a Illich: economia, ecologia e tecnologia na obra de André Gorz da década de  Análise Social , , (.º), - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, - Lisboa Portugal — [email protected]

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NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

De Marx a Illich

economia ecologia e tecnologia

na obra de Andreacute Gorz

da deacutecada de 983089983097983095983088

Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) 983090983088983089983094

983145983155983155983150 983151983150983148983145983150983141 983090983089983096983090-983090983097983097983097

983141983140983145983271983267983151 983141 983152983154983151983152983154983145983141983140983137983140983141

Instituto de Ciecircncias Sociais da Universidade de Lisboa Av Professor Aniacutebal de Bettencourt 983097

983089983094983088983088-983089983096983097 Lisboa Portugal mdash analisesocialicsulpt

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Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) 983090983088983089983094 983090983092983088-983090983095983091

De Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra

de Andreacute Gorz da deacutecada de 983089983097983095983088 O intuito deste artigo eacute

analisar a obra gorziana da deacutecada 983089983097983095983088 que representa uma

fase de transiccedilatildeo no pensamento do autor Ateacute entatildeo Gorzpostulava um marxismo ortodoxo defendendo a necessidade

de um socialismo estatista e entendendo positivamente o tra-

balho e a tecnologia industrial odavia a descoberta de Illich

contribuiraacute para uma mudanccedila profunda do seu pensamento

A ldquoviragem ecoloacutegicardquo de Gorz consubstancia-se i) na criacutetica

da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e da tecnologia predominante no

capitalismo ii) na criacutetica dos efeitos perniciosos do cresci-

mento econoacutemico sobre a natureza Os escritos deste periacuteodo

satildeo a chave para entender o poacutes-marxismo tardio de Gorz

983152983137983148983137983158983154983137983155-983139983144983137983158983141 Andreacute Gorz marxismo ecologia tecnolo-gia Ivan Illich

From Marx to Illich economy ecology and technology in

Andreacute Gorzrsquos oeuvre of the 983089983097983095983088s Tis article analyzes the

gorzian oeuvre of the 983089983097983095983088s which represents a transition stage

in Gorzrsquos thought Up to this period Gorz advocated an ortho-

dox Marxism defending the necessity of state socialism and

understanding both labor and industrial technology positively

However the discovery of Illich contributed to a profound

change in his thought Te ldquogreeningrdquo of Gorz manifests itself

in i) criticism of ldquoindustrial civilizationrdquo and of the prevailing

technology in capitalism ii) criticism of the harmful effects

of economic growth on the environment Te wittings of this

period are the key to understand Gorzrsquos late post-Marxism

983147983141983161983159983151983154983140983155 Andreacute Gorz Marxism ecology technology Ivan

Illich

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NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

De Marx a Illicheconomia ecologia e tecnologia

na obra de Andreacute Gorz

da deacutecada de 983089983097983095983088

A ecologia oi para mim uma revoluccedilatildeo sob uma

orma dierente e a partir de uma perspetiva die-

rente Uma vez que natildeo eacute possiacutevel revolucionar

a sociedade atraveacutes da reapropriaccedilatildeo do tra-

balho industrial a ecologia poliacutetica era a pers-

petiva mediante a qual era possiacutevel demonstrar

que o sistema capitalista era incapaz de sobre-

viver a natildeo ser que se subvertesse totalmente

[Gorz 983089983097983097983095 [983089983097983097983091] p 983089983090983093]

INTRODUCcedilAtildeO

Andreacute Gorz (983089983097983090983091-983090983088983088983095) ndash pseudoacutenimo de Gerhart Horst ndash nasceu em Vienamas viveu praticamente toda a sua vida adulta em Franccedila Com efeito ldquofoi omundo intelectual francecircs do periacuteodo poacutes-983090ordf Guerra Mundial que forneceu o

vocabulaacuterio e o cenaacuterio (setting ) para a teoria poliacutetica de Gorzrdquo (Brooks 983090983088983089983088p 983090983095)

A importacircncia de Andreacute Gorz no contexto do debate socioloacutegico contem-poracircneo acerca da crise da sociedade do trabalho eacute incontestaacutevel (Castel 983090983088983089983091Gollain 983090983088983088983088) odavia Gorz eacute um autor relativamente pouco conhecido nomundo acadeacutemico lusoacutefono983089 Jornalista e ensaiacutesta autoacutenomo Gorz publicou983089983094 livros e dezenas de artigos ao longo de seis deacutecadas de compromisso com

983089 No Brasil Josueacute Pereira da Silva eacute sem duacutevida o autor que tem dedicado uma maior atenccedilatildeoao estudo do pensamento gorziano (Silva 983089983097983097983097 983090983088983088983090 983090983088983088983097) Em 983090983088983088983097 (vol 983090983089 nordm 983089) a revista

empo Social publicou um nuacutemero especial sobre Gorz Em Portugal natildeo conheccedilo nenhumaanaacutelise aprofundada do autor para aleacutem do ensaio escrito por Joseacute Nuno Matos (983090983088983089983092)

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983090983092983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

a eoria Criacutetica Gorz foi sucessivamente um dos principais autores exis-tencialistas (na deacutecada de 983089983097983093983088) um dos grandes impulsionadores da ldquoNovaEsquerdardquo francesa (na deacutecada de 983089983097983094983088) o fundador da ldquoEcologia Poliacuteticardquo(na deacutecada de 983089983097983095983088) e a partir da deacutecada de 983089983097983096983088 conforme jaacute referi um dos

principais intervenientes no debate acerca da crise do trabalhoEacute possiacutevel identificar dois periacuteodos distintos no pensamento de Gorz

Desde A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) ndash obra publicada em 983089983097983093983097 ndash ateacuteao final da deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz postula um marxismo francamente ortodoxoAssim o trabalho eacute entendido como uma categoria transhistoacuterica e de ummodo positivo o objetivo do socialismo eacute libertar o trabalho do jugo exterior que lhe eacute imposto pelo capital Ademais o proletariado assume-se como umsujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico responsaacutevel pela instauraccedilatildeo do socialismo

O socialismo proposto por Gorz consubstancia-se num modelo estatista dedireccedilatildeo central que pressupotildee a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeoA tecnologia moderna eacute pois entendida igualmente de um modo positivo

Com a publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) em 983089983097983096983088ocorre uma grande rutura no pensamento de Gorz O trabalho passa a serentendido como uma categoria historicamente especiacutefica da modernidadecapitalista e de um modo negativo o desafio que a humanidade enfrenta natildeo eacutelibertar o trabalho mas libertar-se do trabalho Esta possibilidade estaacute contida

na denominada Revoluccedilatildeo Microeletroacutenica mas sob o capitalismo manifesta--se de um modo invertido como aumento do desemprego A visatildeo de socia-lismo preconizada por Gorz coloca agora em primeiro plano uma produccedilatildeo poacutes-industrial organizada em rede e portanto descentralizada e gerida de ummodo autoacutenomo pelos seres humanos Em oposiccedilatildeo ao gigantismo industrialburocraacutetico e alienante Gorz propotildee a adoccedilatildeo de uma tecnologia so ecologi-camente sustentaacutevel

O grande objetivo deste artigo eacute perceber como ocorreu esta mudanccedila

de 983089983096983088ordm no pensamento de Andreacute Gorz Deve notar-se que foi uma mudanccedilagradual isto eacute o resultado da sua maturaccedilatildeo intelectual ao longo de vaacuteriosanos Deste modo ocupar-me-ei especificamente da obra gorziana da deacutecadade 983089983097983095983088 que representa um periacuteodo de transiccedilatildeo no pensamento de GorzSe no iniacutecio deste periacuteodo Gorz ainda defendia um marxismo mais ou menosortodoxo ndash em linha com as suas teses da deacutecada de 983089983097983094983088 ndash estes 983089983088 anos dereflexatildeo intensa culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado e no aban-dono definitivo dos predicados do marxismo tradicional2 como se analisa

2 Utilizamos aqui o termo ldquomarxismo tradicionalrdquo na aceccedilatildeo em que foi cunhado por Moishe

Postone (cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Na oacutetica de Postone o marxismo tradicional inclui todasas teorias de inspiraccedilatildeo marxista que entendem o capitalismo meramente na base da rarr

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983091

mais adiante A descoberta da obra de Ivan Illich e o contacto pessoal com oautor teratildeo um efeito decisivo na inflexatildeo teoacuterica de Gorz e especialmente naldquoviragem ecoloacutegicardquo do seu pensamento

Destacam-se dois temas principais nos escritos gorzianos da deacutecada de

983089983097983095983088

a) Criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e em particular da tecnologia predo-minante na sociedade capitalista Na ausecircncia de uma mudanccedila pro-funda das teacutecnicas produtivas e da adoccedilatildeo de ldquoferramentas conviviaisrdquo(Illich) ndash que facilitam a autogestatildeo a autonomia e a descentralizaccedilatildeodo processo produtivo ndash a coletivizaccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo natildeoalteraraacute em nada a dominaccedilatildeo da ldquomegamaacutequinardquo industrial

b) Criacutetica do crescimento econoacutemico nas suas duas variantes capitalistae socialista Gorz funda a denominada ldquoecologia poliacuteticardquo alertandopara os limites fiacutesicos e naturais que se impotildeem agrave expansatildeo da racio-nalidade econoacutemica poluiccedilatildeo delapidaccedilatildeo dos recursos naturais des-truiccedilatildeo do ecossistema da erra etc

O livro Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) antecipa ndash se bem queainda em estado embrionaacuterio ndash algumas das ideias-chave que nortearatildeo o

pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983096983088 tais como i) a crise do trabalho ea necessidade de reduzir drasticamente os horaacuterios de trabalho ii) a noccedilatildeode uma ldquosociedade dualrdquo embora o autor ainda natildeo adote esta terminologiaiii) a necessidade imperiosa de romper com o modelo de desenvolvimentoprodutivista

Esta evoluccedilatildeo teoacuterica de Gorz deve em primeiro lugar ser situada no con-texto social e intelectual francecircs deste periacuteodo histoacuterico Como refere Brooks

propriedade (juriacutedica) privada dos meios de produccedilatildeo por parte dos capitalistas e da respe-tiva exploraccedilatildeo ldquosubjetivardquo dos trabalhadores mediante a apropriaccedilatildeo da mais-valia que estes

produzem A dominaccedilatildeo impessoal ldquoquasi-objetivardquo (cf idem) que carateriza o capitalismocorporizada em abstraccedilotildees reais ndash mercadoria valor trabalho dinheiro etc ndash eacute escamoteadaem benefiacutecio de uma noccedilatildeo transhistoacuterica de dominaccedilatildeo direta Assim o ldquomotor da histoacuteriardquo eacute

constituiacutedo pela ldquoluta de classesrdquo pela elevaccedilatildeo do proletariado a ldquosujeito da histoacuteriardquo responsaacutevelpela construccedilatildeo de uma sociedade assente numa ontologia do trabalho O marxismo tradicionalpostula uma criacutetica do capitalismo ldquodo ponto de vista do trabalhordquo ao inveacutes de uma ldquocriacutetica do

trabalhordquo (idem) O trabalho e a produccedilatildeo ndash mercantil e industrial ndash moderna satildeo assumidosimplicitamente de um modo natildeo problemaacutetico a grande criacutetica lanccedilada ao capitalismo eacute que

este entrava o desenvolvimento das forccedilas produtivas Estamos pois perante uma conceccedilatildeo ten-dencialmente produtivista de socialismo Em suma o marxismo tradicional consubstancia-se na

criacutetica da distribuiccedilatildeo injusta da mais-valia produzida e na oposiccedilatildeo da ldquoanarquia do mercadordquoa uma planificaccedilatildeo central do (tempo de) trabalho da sociedade

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983093

seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) 983090983088983089983094 983090983092983088-983090983095983091

De Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra

de Andreacute Gorz da deacutecada de 983089983097983095983088 O intuito deste artigo eacute

analisar a obra gorziana da deacutecada 983089983097983095983088 que representa uma

fase de transiccedilatildeo no pensamento do autor Ateacute entatildeo Gorzpostulava um marxismo ortodoxo defendendo a necessidade

de um socialismo estatista e entendendo positivamente o tra-

balho e a tecnologia industrial odavia a descoberta de Illich

contribuiraacute para uma mudanccedila profunda do seu pensamento

A ldquoviragem ecoloacutegicardquo de Gorz consubstancia-se i) na criacutetica

da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e da tecnologia predominante no

capitalismo ii) na criacutetica dos efeitos perniciosos do cresci-

mento econoacutemico sobre a natureza Os escritos deste periacuteodo

satildeo a chave para entender o poacutes-marxismo tardio de Gorz

983152983137983148983137983158983154983137983155-983139983144983137983158983141 Andreacute Gorz marxismo ecologia tecnolo-gia Ivan Illich

From Marx to Illich economy ecology and technology in

Andreacute Gorzrsquos oeuvre of the 983089983097983095983088s Tis article analyzes the

gorzian oeuvre of the 983089983097983095983088s which represents a transition stage

in Gorzrsquos thought Up to this period Gorz advocated an ortho-

dox Marxism defending the necessity of state socialism and

understanding both labor and industrial technology positively

However the discovery of Illich contributed to a profound

change in his thought Te ldquogreeningrdquo of Gorz manifests itself

in i) criticism of ldquoindustrial civilizationrdquo and of the prevailing

technology in capitalism ii) criticism of the harmful effects

of economic growth on the environment Te wittings of this

period are the key to understand Gorzrsquos late post-Marxism

983147983141983161983159983151983154983140983155 Andreacute Gorz Marxism ecology technology Ivan

Illich

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NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

De Marx a Illicheconomia ecologia e tecnologia

na obra de Andreacute Gorz

da deacutecada de 983089983097983095983088

A ecologia oi para mim uma revoluccedilatildeo sob uma

orma dierente e a partir de uma perspetiva die-

rente Uma vez que natildeo eacute possiacutevel revolucionar

a sociedade atraveacutes da reapropriaccedilatildeo do tra-

balho industrial a ecologia poliacutetica era a pers-

petiva mediante a qual era possiacutevel demonstrar

que o sistema capitalista era incapaz de sobre-

viver a natildeo ser que se subvertesse totalmente

[Gorz 983089983097983097983095 [983089983097983097983091] p 983089983090983093]

INTRODUCcedilAtildeO

Andreacute Gorz (983089983097983090983091-983090983088983088983095) ndash pseudoacutenimo de Gerhart Horst ndash nasceu em Vienamas viveu praticamente toda a sua vida adulta em Franccedila Com efeito ldquofoi omundo intelectual francecircs do periacuteodo poacutes-983090ordf Guerra Mundial que forneceu o

vocabulaacuterio e o cenaacuterio (setting ) para a teoria poliacutetica de Gorzrdquo (Brooks 983090983088983089983088p 983090983095)

A importacircncia de Andreacute Gorz no contexto do debate socioloacutegico contem-poracircneo acerca da crise da sociedade do trabalho eacute incontestaacutevel (Castel 983090983088983089983091Gollain 983090983088983088983088) odavia Gorz eacute um autor relativamente pouco conhecido nomundo acadeacutemico lusoacutefono983089 Jornalista e ensaiacutesta autoacutenomo Gorz publicou983089983094 livros e dezenas de artigos ao longo de seis deacutecadas de compromisso com

983089 No Brasil Josueacute Pereira da Silva eacute sem duacutevida o autor que tem dedicado uma maior atenccedilatildeoao estudo do pensamento gorziano (Silva 983089983097983097983097 983090983088983088983090 983090983088983088983097) Em 983090983088983088983097 (vol 983090983089 nordm 983089) a revista

empo Social publicou um nuacutemero especial sobre Gorz Em Portugal natildeo conheccedilo nenhumaanaacutelise aprofundada do autor para aleacutem do ensaio escrito por Joseacute Nuno Matos (983090983088983089983092)

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983090983092983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

a eoria Criacutetica Gorz foi sucessivamente um dos principais autores exis-tencialistas (na deacutecada de 983089983097983093983088) um dos grandes impulsionadores da ldquoNovaEsquerdardquo francesa (na deacutecada de 983089983097983094983088) o fundador da ldquoEcologia Poliacuteticardquo(na deacutecada de 983089983097983095983088) e a partir da deacutecada de 983089983097983096983088 conforme jaacute referi um dos

principais intervenientes no debate acerca da crise do trabalhoEacute possiacutevel identificar dois periacuteodos distintos no pensamento de Gorz

Desde A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) ndash obra publicada em 983089983097983093983097 ndash ateacuteao final da deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz postula um marxismo francamente ortodoxoAssim o trabalho eacute entendido como uma categoria transhistoacuterica e de ummodo positivo o objetivo do socialismo eacute libertar o trabalho do jugo exterior que lhe eacute imposto pelo capital Ademais o proletariado assume-se como umsujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico responsaacutevel pela instauraccedilatildeo do socialismo

O socialismo proposto por Gorz consubstancia-se num modelo estatista dedireccedilatildeo central que pressupotildee a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeoA tecnologia moderna eacute pois entendida igualmente de um modo positivo

Com a publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) em 983089983097983096983088ocorre uma grande rutura no pensamento de Gorz O trabalho passa a serentendido como uma categoria historicamente especiacutefica da modernidadecapitalista e de um modo negativo o desafio que a humanidade enfrenta natildeo eacutelibertar o trabalho mas libertar-se do trabalho Esta possibilidade estaacute contida

na denominada Revoluccedilatildeo Microeletroacutenica mas sob o capitalismo manifesta--se de um modo invertido como aumento do desemprego A visatildeo de socia-lismo preconizada por Gorz coloca agora em primeiro plano uma produccedilatildeo poacutes-industrial organizada em rede e portanto descentralizada e gerida de ummodo autoacutenomo pelos seres humanos Em oposiccedilatildeo ao gigantismo industrialburocraacutetico e alienante Gorz propotildee a adoccedilatildeo de uma tecnologia so ecologi-camente sustentaacutevel

O grande objetivo deste artigo eacute perceber como ocorreu esta mudanccedila

de 983089983096983088ordm no pensamento de Andreacute Gorz Deve notar-se que foi uma mudanccedilagradual isto eacute o resultado da sua maturaccedilatildeo intelectual ao longo de vaacuteriosanos Deste modo ocupar-me-ei especificamente da obra gorziana da deacutecadade 983089983097983095983088 que representa um periacuteodo de transiccedilatildeo no pensamento de GorzSe no iniacutecio deste periacuteodo Gorz ainda defendia um marxismo mais ou menosortodoxo ndash em linha com as suas teses da deacutecada de 983089983097983094983088 ndash estes 983089983088 anos dereflexatildeo intensa culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado e no aban-dono definitivo dos predicados do marxismo tradicional2 como se analisa

2 Utilizamos aqui o termo ldquomarxismo tradicionalrdquo na aceccedilatildeo em que foi cunhado por Moishe

Postone (cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Na oacutetica de Postone o marxismo tradicional inclui todasas teorias de inspiraccedilatildeo marxista que entendem o capitalismo meramente na base da rarr

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983091

mais adiante A descoberta da obra de Ivan Illich e o contacto pessoal com oautor teratildeo um efeito decisivo na inflexatildeo teoacuterica de Gorz e especialmente naldquoviragem ecoloacutegicardquo do seu pensamento

Destacam-se dois temas principais nos escritos gorzianos da deacutecada de

983089983097983095983088

a) Criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e em particular da tecnologia predo-minante na sociedade capitalista Na ausecircncia de uma mudanccedila pro-funda das teacutecnicas produtivas e da adoccedilatildeo de ldquoferramentas conviviaisrdquo(Illich) ndash que facilitam a autogestatildeo a autonomia e a descentralizaccedilatildeodo processo produtivo ndash a coletivizaccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo natildeoalteraraacute em nada a dominaccedilatildeo da ldquomegamaacutequinardquo industrial

b) Criacutetica do crescimento econoacutemico nas suas duas variantes capitalistae socialista Gorz funda a denominada ldquoecologia poliacuteticardquo alertandopara os limites fiacutesicos e naturais que se impotildeem agrave expansatildeo da racio-nalidade econoacutemica poluiccedilatildeo delapidaccedilatildeo dos recursos naturais des-truiccedilatildeo do ecossistema da erra etc

O livro Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) antecipa ndash se bem queainda em estado embrionaacuterio ndash algumas das ideias-chave que nortearatildeo o

pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983096983088 tais como i) a crise do trabalho ea necessidade de reduzir drasticamente os horaacuterios de trabalho ii) a noccedilatildeode uma ldquosociedade dualrdquo embora o autor ainda natildeo adote esta terminologiaiii) a necessidade imperiosa de romper com o modelo de desenvolvimentoprodutivista

Esta evoluccedilatildeo teoacuterica de Gorz deve em primeiro lugar ser situada no con-texto social e intelectual francecircs deste periacuteodo histoacuterico Como refere Brooks

propriedade (juriacutedica) privada dos meios de produccedilatildeo por parte dos capitalistas e da respe-tiva exploraccedilatildeo ldquosubjetivardquo dos trabalhadores mediante a apropriaccedilatildeo da mais-valia que estes

produzem A dominaccedilatildeo impessoal ldquoquasi-objetivardquo (cf idem) que carateriza o capitalismocorporizada em abstraccedilotildees reais ndash mercadoria valor trabalho dinheiro etc ndash eacute escamoteadaem benefiacutecio de uma noccedilatildeo transhistoacuterica de dominaccedilatildeo direta Assim o ldquomotor da histoacuteriardquo eacute

constituiacutedo pela ldquoluta de classesrdquo pela elevaccedilatildeo do proletariado a ldquosujeito da histoacuteriardquo responsaacutevelpela construccedilatildeo de uma sociedade assente numa ontologia do trabalho O marxismo tradicionalpostula uma criacutetica do capitalismo ldquodo ponto de vista do trabalhordquo ao inveacutes de uma ldquocriacutetica do

trabalhordquo (idem) O trabalho e a produccedilatildeo ndash mercantil e industrial ndash moderna satildeo assumidosimplicitamente de um modo natildeo problemaacutetico a grande criacutetica lanccedilada ao capitalismo eacute que

este entrava o desenvolvimento das forccedilas produtivas Estamos pois perante uma conceccedilatildeo ten-dencialmente produtivista de socialismo Em suma o marxismo tradicional consubstancia-se na

criacutetica da distribuiccedilatildeo injusta da mais-valia produzida e na oposiccedilatildeo da ldquoanarquia do mercadordquoa uma planificaccedilatildeo central do (tempo de) trabalho da sociedade

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983093

seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

De Marx a Illicheconomia ecologia e tecnologia

na obra de Andreacute Gorz

da deacutecada de 983089983097983095983088

A ecologia oi para mim uma revoluccedilatildeo sob uma

orma dierente e a partir de uma perspetiva die-

rente Uma vez que natildeo eacute possiacutevel revolucionar

a sociedade atraveacutes da reapropriaccedilatildeo do tra-

balho industrial a ecologia poliacutetica era a pers-

petiva mediante a qual era possiacutevel demonstrar

que o sistema capitalista era incapaz de sobre-

viver a natildeo ser que se subvertesse totalmente

[Gorz 983089983097983097983095 [983089983097983097983091] p 983089983090983093]

INTRODUCcedilAtildeO

Andreacute Gorz (983089983097983090983091-983090983088983088983095) ndash pseudoacutenimo de Gerhart Horst ndash nasceu em Vienamas viveu praticamente toda a sua vida adulta em Franccedila Com efeito ldquofoi omundo intelectual francecircs do periacuteodo poacutes-983090ordf Guerra Mundial que forneceu o

vocabulaacuterio e o cenaacuterio (setting ) para a teoria poliacutetica de Gorzrdquo (Brooks 983090983088983089983088p 983090983095)

A importacircncia de Andreacute Gorz no contexto do debate socioloacutegico contem-poracircneo acerca da crise da sociedade do trabalho eacute incontestaacutevel (Castel 983090983088983089983091Gollain 983090983088983088983088) odavia Gorz eacute um autor relativamente pouco conhecido nomundo acadeacutemico lusoacutefono983089 Jornalista e ensaiacutesta autoacutenomo Gorz publicou983089983094 livros e dezenas de artigos ao longo de seis deacutecadas de compromisso com

983089 No Brasil Josueacute Pereira da Silva eacute sem duacutevida o autor que tem dedicado uma maior atenccedilatildeoao estudo do pensamento gorziano (Silva 983089983097983097983097 983090983088983088983090 983090983088983088983097) Em 983090983088983088983097 (vol 983090983089 nordm 983089) a revista

empo Social publicou um nuacutemero especial sobre Gorz Em Portugal natildeo conheccedilo nenhumaanaacutelise aprofundada do autor para aleacutem do ensaio escrito por Joseacute Nuno Matos (983090983088983089983092)

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983090983092983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

a eoria Criacutetica Gorz foi sucessivamente um dos principais autores exis-tencialistas (na deacutecada de 983089983097983093983088) um dos grandes impulsionadores da ldquoNovaEsquerdardquo francesa (na deacutecada de 983089983097983094983088) o fundador da ldquoEcologia Poliacuteticardquo(na deacutecada de 983089983097983095983088) e a partir da deacutecada de 983089983097983096983088 conforme jaacute referi um dos

principais intervenientes no debate acerca da crise do trabalhoEacute possiacutevel identificar dois periacuteodos distintos no pensamento de Gorz

Desde A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) ndash obra publicada em 983089983097983093983097 ndash ateacuteao final da deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz postula um marxismo francamente ortodoxoAssim o trabalho eacute entendido como uma categoria transhistoacuterica e de ummodo positivo o objetivo do socialismo eacute libertar o trabalho do jugo exterior que lhe eacute imposto pelo capital Ademais o proletariado assume-se como umsujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico responsaacutevel pela instauraccedilatildeo do socialismo

O socialismo proposto por Gorz consubstancia-se num modelo estatista dedireccedilatildeo central que pressupotildee a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeoA tecnologia moderna eacute pois entendida igualmente de um modo positivo

Com a publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) em 983089983097983096983088ocorre uma grande rutura no pensamento de Gorz O trabalho passa a serentendido como uma categoria historicamente especiacutefica da modernidadecapitalista e de um modo negativo o desafio que a humanidade enfrenta natildeo eacutelibertar o trabalho mas libertar-se do trabalho Esta possibilidade estaacute contida

na denominada Revoluccedilatildeo Microeletroacutenica mas sob o capitalismo manifesta--se de um modo invertido como aumento do desemprego A visatildeo de socia-lismo preconizada por Gorz coloca agora em primeiro plano uma produccedilatildeo poacutes-industrial organizada em rede e portanto descentralizada e gerida de ummodo autoacutenomo pelos seres humanos Em oposiccedilatildeo ao gigantismo industrialburocraacutetico e alienante Gorz propotildee a adoccedilatildeo de uma tecnologia so ecologi-camente sustentaacutevel

O grande objetivo deste artigo eacute perceber como ocorreu esta mudanccedila

de 983089983096983088ordm no pensamento de Andreacute Gorz Deve notar-se que foi uma mudanccedilagradual isto eacute o resultado da sua maturaccedilatildeo intelectual ao longo de vaacuteriosanos Deste modo ocupar-me-ei especificamente da obra gorziana da deacutecadade 983089983097983095983088 que representa um periacuteodo de transiccedilatildeo no pensamento de GorzSe no iniacutecio deste periacuteodo Gorz ainda defendia um marxismo mais ou menosortodoxo ndash em linha com as suas teses da deacutecada de 983089983097983094983088 ndash estes 983089983088 anos dereflexatildeo intensa culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado e no aban-dono definitivo dos predicados do marxismo tradicional2 como se analisa

2 Utilizamos aqui o termo ldquomarxismo tradicionalrdquo na aceccedilatildeo em que foi cunhado por Moishe

Postone (cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Na oacutetica de Postone o marxismo tradicional inclui todasas teorias de inspiraccedilatildeo marxista que entendem o capitalismo meramente na base da rarr

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983091

mais adiante A descoberta da obra de Ivan Illich e o contacto pessoal com oautor teratildeo um efeito decisivo na inflexatildeo teoacuterica de Gorz e especialmente naldquoviragem ecoloacutegicardquo do seu pensamento

Destacam-se dois temas principais nos escritos gorzianos da deacutecada de

983089983097983095983088

a) Criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e em particular da tecnologia predo-minante na sociedade capitalista Na ausecircncia de uma mudanccedila pro-funda das teacutecnicas produtivas e da adoccedilatildeo de ldquoferramentas conviviaisrdquo(Illich) ndash que facilitam a autogestatildeo a autonomia e a descentralizaccedilatildeodo processo produtivo ndash a coletivizaccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo natildeoalteraraacute em nada a dominaccedilatildeo da ldquomegamaacutequinardquo industrial

b) Criacutetica do crescimento econoacutemico nas suas duas variantes capitalistae socialista Gorz funda a denominada ldquoecologia poliacuteticardquo alertandopara os limites fiacutesicos e naturais que se impotildeem agrave expansatildeo da racio-nalidade econoacutemica poluiccedilatildeo delapidaccedilatildeo dos recursos naturais des-truiccedilatildeo do ecossistema da erra etc

O livro Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) antecipa ndash se bem queainda em estado embrionaacuterio ndash algumas das ideias-chave que nortearatildeo o

pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983096983088 tais como i) a crise do trabalho ea necessidade de reduzir drasticamente os horaacuterios de trabalho ii) a noccedilatildeode uma ldquosociedade dualrdquo embora o autor ainda natildeo adote esta terminologiaiii) a necessidade imperiosa de romper com o modelo de desenvolvimentoprodutivista

Esta evoluccedilatildeo teoacuterica de Gorz deve em primeiro lugar ser situada no con-texto social e intelectual francecircs deste periacuteodo histoacuterico Como refere Brooks

propriedade (juriacutedica) privada dos meios de produccedilatildeo por parte dos capitalistas e da respe-tiva exploraccedilatildeo ldquosubjetivardquo dos trabalhadores mediante a apropriaccedilatildeo da mais-valia que estes

produzem A dominaccedilatildeo impessoal ldquoquasi-objetivardquo (cf idem) que carateriza o capitalismocorporizada em abstraccedilotildees reais ndash mercadoria valor trabalho dinheiro etc ndash eacute escamoteadaem benefiacutecio de uma noccedilatildeo transhistoacuterica de dominaccedilatildeo direta Assim o ldquomotor da histoacuteriardquo eacute

constituiacutedo pela ldquoluta de classesrdquo pela elevaccedilatildeo do proletariado a ldquosujeito da histoacuteriardquo responsaacutevelpela construccedilatildeo de uma sociedade assente numa ontologia do trabalho O marxismo tradicionalpostula uma criacutetica do capitalismo ldquodo ponto de vista do trabalhordquo ao inveacutes de uma ldquocriacutetica do

trabalhordquo (idem) O trabalho e a produccedilatildeo ndash mercantil e industrial ndash moderna satildeo assumidosimplicitamente de um modo natildeo problemaacutetico a grande criacutetica lanccedilada ao capitalismo eacute que

este entrava o desenvolvimento das forccedilas produtivas Estamos pois perante uma conceccedilatildeo ten-dencialmente produtivista de socialismo Em suma o marxismo tradicional consubstancia-se na

criacutetica da distribuiccedilatildeo injusta da mais-valia produzida e na oposiccedilatildeo da ldquoanarquia do mercadordquoa uma planificaccedilatildeo central do (tempo de) trabalho da sociedade

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

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983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

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983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983092983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

a eoria Criacutetica Gorz foi sucessivamente um dos principais autores exis-tencialistas (na deacutecada de 983089983097983093983088) um dos grandes impulsionadores da ldquoNovaEsquerdardquo francesa (na deacutecada de 983089983097983094983088) o fundador da ldquoEcologia Poliacuteticardquo(na deacutecada de 983089983097983095983088) e a partir da deacutecada de 983089983097983096983088 conforme jaacute referi um dos

principais intervenientes no debate acerca da crise do trabalhoEacute possiacutevel identificar dois periacuteodos distintos no pensamento de Gorz

Desde A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) ndash obra publicada em 983089983097983093983097 ndash ateacuteao final da deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz postula um marxismo francamente ortodoxoAssim o trabalho eacute entendido como uma categoria transhistoacuterica e de ummodo positivo o objetivo do socialismo eacute libertar o trabalho do jugo exterior que lhe eacute imposto pelo capital Ademais o proletariado assume-se como umsujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico responsaacutevel pela instauraccedilatildeo do socialismo

O socialismo proposto por Gorz consubstancia-se num modelo estatista dedireccedilatildeo central que pressupotildee a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeoA tecnologia moderna eacute pois entendida igualmente de um modo positivo

Com a publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) em 983089983097983096983088ocorre uma grande rutura no pensamento de Gorz O trabalho passa a serentendido como uma categoria historicamente especiacutefica da modernidadecapitalista e de um modo negativo o desafio que a humanidade enfrenta natildeo eacutelibertar o trabalho mas libertar-se do trabalho Esta possibilidade estaacute contida

na denominada Revoluccedilatildeo Microeletroacutenica mas sob o capitalismo manifesta--se de um modo invertido como aumento do desemprego A visatildeo de socia-lismo preconizada por Gorz coloca agora em primeiro plano uma produccedilatildeo poacutes-industrial organizada em rede e portanto descentralizada e gerida de ummodo autoacutenomo pelos seres humanos Em oposiccedilatildeo ao gigantismo industrialburocraacutetico e alienante Gorz propotildee a adoccedilatildeo de uma tecnologia so ecologi-camente sustentaacutevel

O grande objetivo deste artigo eacute perceber como ocorreu esta mudanccedila

de 983089983096983088ordm no pensamento de Andreacute Gorz Deve notar-se que foi uma mudanccedilagradual isto eacute o resultado da sua maturaccedilatildeo intelectual ao longo de vaacuteriosanos Deste modo ocupar-me-ei especificamente da obra gorziana da deacutecadade 983089983097983095983088 que representa um periacuteodo de transiccedilatildeo no pensamento de GorzSe no iniacutecio deste periacuteodo Gorz ainda defendia um marxismo mais ou menosortodoxo ndash em linha com as suas teses da deacutecada de 983089983097983094983088 ndash estes 983089983088 anos dereflexatildeo intensa culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Adeus ao Proletariado e no aban-dono definitivo dos predicados do marxismo tradicional2 como se analisa

2 Utilizamos aqui o termo ldquomarxismo tradicionalrdquo na aceccedilatildeo em que foi cunhado por Moishe

Postone (cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Na oacutetica de Postone o marxismo tradicional inclui todasas teorias de inspiraccedilatildeo marxista que entendem o capitalismo meramente na base da rarr

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mais adiante A descoberta da obra de Ivan Illich e o contacto pessoal com oautor teratildeo um efeito decisivo na inflexatildeo teoacuterica de Gorz e especialmente naldquoviragem ecoloacutegicardquo do seu pensamento

Destacam-se dois temas principais nos escritos gorzianos da deacutecada de

983089983097983095983088

a) Criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e em particular da tecnologia predo-minante na sociedade capitalista Na ausecircncia de uma mudanccedila pro-funda das teacutecnicas produtivas e da adoccedilatildeo de ldquoferramentas conviviaisrdquo(Illich) ndash que facilitam a autogestatildeo a autonomia e a descentralizaccedilatildeodo processo produtivo ndash a coletivizaccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo natildeoalteraraacute em nada a dominaccedilatildeo da ldquomegamaacutequinardquo industrial

b) Criacutetica do crescimento econoacutemico nas suas duas variantes capitalistae socialista Gorz funda a denominada ldquoecologia poliacuteticardquo alertandopara os limites fiacutesicos e naturais que se impotildeem agrave expansatildeo da racio-nalidade econoacutemica poluiccedilatildeo delapidaccedilatildeo dos recursos naturais des-truiccedilatildeo do ecossistema da erra etc

O livro Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) antecipa ndash se bem queainda em estado embrionaacuterio ndash algumas das ideias-chave que nortearatildeo o

pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983096983088 tais como i) a crise do trabalho ea necessidade de reduzir drasticamente os horaacuterios de trabalho ii) a noccedilatildeode uma ldquosociedade dualrdquo embora o autor ainda natildeo adote esta terminologiaiii) a necessidade imperiosa de romper com o modelo de desenvolvimentoprodutivista

Esta evoluccedilatildeo teoacuterica de Gorz deve em primeiro lugar ser situada no con-texto social e intelectual francecircs deste periacuteodo histoacuterico Como refere Brooks

propriedade (juriacutedica) privada dos meios de produccedilatildeo por parte dos capitalistas e da respe-tiva exploraccedilatildeo ldquosubjetivardquo dos trabalhadores mediante a apropriaccedilatildeo da mais-valia que estes

produzem A dominaccedilatildeo impessoal ldquoquasi-objetivardquo (cf idem) que carateriza o capitalismocorporizada em abstraccedilotildees reais ndash mercadoria valor trabalho dinheiro etc ndash eacute escamoteadaem benefiacutecio de uma noccedilatildeo transhistoacuterica de dominaccedilatildeo direta Assim o ldquomotor da histoacuteriardquo eacute

constituiacutedo pela ldquoluta de classesrdquo pela elevaccedilatildeo do proletariado a ldquosujeito da histoacuteriardquo responsaacutevelpela construccedilatildeo de uma sociedade assente numa ontologia do trabalho O marxismo tradicionalpostula uma criacutetica do capitalismo ldquodo ponto de vista do trabalhordquo ao inveacutes de uma ldquocriacutetica do

trabalhordquo (idem) O trabalho e a produccedilatildeo ndash mercantil e industrial ndash moderna satildeo assumidosimplicitamente de um modo natildeo problemaacutetico a grande criacutetica lanccedilada ao capitalismo eacute que

este entrava o desenvolvimento das forccedilas produtivas Estamos pois perante uma conceccedilatildeo ten-dencialmente produtivista de socialismo Em suma o marxismo tradicional consubstancia-se na

criacutetica da distribuiccedilatildeo injusta da mais-valia produzida e na oposiccedilatildeo da ldquoanarquia do mercadordquoa uma planificaccedilatildeo central do (tempo de) trabalho da sociedade

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983091

mais adiante A descoberta da obra de Ivan Illich e o contacto pessoal com oautor teratildeo um efeito decisivo na inflexatildeo teoacuterica de Gorz e especialmente naldquoviragem ecoloacutegicardquo do seu pensamento

Destacam-se dois temas principais nos escritos gorzianos da deacutecada de

983089983097983095983088

a) Criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e em particular da tecnologia predo-minante na sociedade capitalista Na ausecircncia de uma mudanccedila pro-funda das teacutecnicas produtivas e da adoccedilatildeo de ldquoferramentas conviviaisrdquo(Illich) ndash que facilitam a autogestatildeo a autonomia e a descentralizaccedilatildeodo processo produtivo ndash a coletivizaccedilatildeo dos meios de produccedilatildeo natildeoalteraraacute em nada a dominaccedilatildeo da ldquomegamaacutequinardquo industrial

b) Criacutetica do crescimento econoacutemico nas suas duas variantes capitalistae socialista Gorz funda a denominada ldquoecologia poliacuteticardquo alertandopara os limites fiacutesicos e naturais que se impotildeem agrave expansatildeo da racio-nalidade econoacutemica poluiccedilatildeo delapidaccedilatildeo dos recursos naturais des-truiccedilatildeo do ecossistema da erra etc

O livro Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) antecipa ndash se bem queainda em estado embrionaacuterio ndash algumas das ideias-chave que nortearatildeo o

pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983096983088 tais como i) a crise do trabalho ea necessidade de reduzir drasticamente os horaacuterios de trabalho ii) a noccedilatildeode uma ldquosociedade dualrdquo embora o autor ainda natildeo adote esta terminologiaiii) a necessidade imperiosa de romper com o modelo de desenvolvimentoprodutivista

Esta evoluccedilatildeo teoacuterica de Gorz deve em primeiro lugar ser situada no con-texto social e intelectual francecircs deste periacuteodo histoacuterico Como refere Brooks

propriedade (juriacutedica) privada dos meios de produccedilatildeo por parte dos capitalistas e da respe-tiva exploraccedilatildeo ldquosubjetivardquo dos trabalhadores mediante a apropriaccedilatildeo da mais-valia que estes

produzem A dominaccedilatildeo impessoal ldquoquasi-objetivardquo (cf idem) que carateriza o capitalismocorporizada em abstraccedilotildees reais ndash mercadoria valor trabalho dinheiro etc ndash eacute escamoteadaem benefiacutecio de uma noccedilatildeo transhistoacuterica de dominaccedilatildeo direta Assim o ldquomotor da histoacuteriardquo eacute

constituiacutedo pela ldquoluta de classesrdquo pela elevaccedilatildeo do proletariado a ldquosujeito da histoacuteriardquo responsaacutevelpela construccedilatildeo de uma sociedade assente numa ontologia do trabalho O marxismo tradicionalpostula uma criacutetica do capitalismo ldquodo ponto de vista do trabalhordquo ao inveacutes de uma ldquocriacutetica do

trabalhordquo (idem) O trabalho e a produccedilatildeo ndash mercantil e industrial ndash moderna satildeo assumidosimplicitamente de um modo natildeo problemaacutetico a grande criacutetica lanccedilada ao capitalismo eacute que

este entrava o desenvolvimento das forccedilas produtivas Estamos pois perante uma conceccedilatildeo ten-dencialmente produtivista de socialismo Em suma o marxismo tradicional consubstancia-se na

criacutetica da distribuiccedilatildeo injusta da mais-valia produzida e na oposiccedilatildeo da ldquoanarquia do mercadordquoa uma planificaccedilatildeo central do (tempo de) trabalho da sociedade

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983093

seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983092983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

[hellip] na sequecircncia dos acontecimentos de maio o radicalismo tornou-se mais difuso

abrangendo (hellip) a miriacuteade de formas atraveacutes das quais a loacutegica capitalista penetrava na

cultura quotidiana (hellip) [A]ssistiu-se ao crescimento dos novos movimentos sociais

incluindo o movimento feminista o movimento de libertaccedilatildeo gay e os movimentos ecoloacute-

gico e antinuclear [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983088983097]

Os movimentos sociais que surgiram na deacutecada de 983089983097983095983088 representam oldquolegadordquo da Nova Esquerda da deacutecada de 983089983097983094983088 partilhando a mesma ldquovisatildeoanti-tecnocraacutetica de uma sociedade autoacutenoma descentralizada e autogeridardquo(Hirsh 983089983097983096983089 p 983090983088983096) Em Franccedila uma das principais consequecircncias do Maio de983089983097983094983096 foi o surgimento de um ldquomovimento ecoloacutegico de massasrdquo (idem p 983090983090983089)

O movimento ecoloacutegico francecircs cresceu rapidamente no final da deacutecada de 983089983097983094983088 (hellip)Era similar aos movimentos ecoloacutegicos do resto da Europa ocidental e dos Estados Unidos

sendo a confluecircncia da preocupaccedilatildeo cientiacutefica com o esgotamento dos recursos naturais e

de impulsos contra-culturais mais difusos que ldquoredescobriramrdquo o mundo natural enquanto

refuacutegio espiritual da vida moderna [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983094983091]

Na deacutecada de 983089983097983095983088 o pensamento ecoloacutegico adquiriu pois uma grandeproeminecircncia ldquoagrave medida que as consequecircncias destrutivas do crescimento

econoacutemico (hellip) comeccedilaram a acumular-serdquo (Bowring 983090983088983088983088 p 983089983089983095)Em linha com as preocupaccedilotildees ecoloacutegicas dos novos movimentos sociaisque surgiram em Franccedila Gorz comeccedilou a desenvolver uma ldquocriacutetica ecoloacutegicada sociedade industrialrdquo (idem) Segundo Little ldquoGorz utilizou a ecologia nasequecircncia do desapontamento com o fracasso da revoluccedilatildeo de 983089983097983094983096 em Parispara injetar um novo dinamismo no seu programa socialista Ele aceitou osdesafios que a ecologia colocava aos meacutetodos e crenccedilas do marxismordquo (Little983090983088983089983091 [983089983097983097983094] p 983095983093) Na sequecircncia da sua ldquoviragem ecoloacutegicardquo ( greening ) [idem]

Gorz tornou-se rapidamente uma das vozes mais respeitadas em Franccedila nestamateacuteria (Brooks 983090983088983089983088 p 983089983094)Um aspeto fulcral para esta mudanccedila no seu pensamento foi a descoberta

da obra de Ivan Illich Em 983089983097983095983089 Gorz toma conhecimento da versatildeo preli-minar de ools or Conviviality que traduz e da qual publica uma suacutemula noLe Nouvel Observateur (Bowring 983090983088983088983088 p 983095) Gorz ficou plenamente conven-cido com os argumentos avanccedilados por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983090983093) e impres-sionado com ldquoos seus ataques agrave lsquomegamaacutequinarsquo do capitalismo industrialrdquo

(idem p 983090983094983090) Nas suas proacuteprias palavras

[hellip] estavam ali presentes ecos do pensamento de Jacques Ellul e de Gunther Anders a

expansatildeo da induacutestria transforma a sociedade numa maacutequina gigante em vez de libertar os

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983093

seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983093

seres humanos restringe a sua autonomia determinando os fins que eles devem alcanccedilar e

como os devem alcanccedilar ornamo-nos servos desta megamaacutequina A produccedilatildeo jaacute natildeo estaacute

ao nosso serviccedilo noacutes eacute que estamos ao serviccedilo da produccedilatildeo E em resultado da profissio-

nalizaccedilatildeo simultacircnea de todo o tipo de serviccedilos tornamo-nos incapazes de cuidar de noacutes

proacuteprios de determinar as nossas necessidades e de as satisfazer noacutes mesmos dependemosem todos os aspetos das ldquoprofissotildees incapacitantesrdquo [Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983090983096]

Em 983089983097983095983091 Gorz a encontra-se pessoalmente com Ivan Illich de quem setorna amigo iacutentimo No mesmo ano Gorz e a sua mulher visitam Illich emCuernavaca no Meacutexico onde estava sediado o Centro Intercultural de Docu-mentacioacuten (983139983145983140983151983139) fundado em 983089983097983094983093 por Illich (Brooks 983090983088983089983088 p 983090983096983088)

Outro fator decisivo para a viragem ecoloacutegica de Gorz e em especial para

a sua criacutetica agrave ldquosociedade industrialrdquo foi o problema de sauacutede enfrentado porDorine a sua mulher

Em 983089983097983095983091 Dorine foi diagnosticada com aracnoidite uma doenccedila degenerativa da coluna

vertebral Os meacutedicos de Dorine associaram a doenccedila ao uso de lipiodol numa pequena

cirurgia a que tinha sido submetida (hellip) oito anos antes O lipiodol que eacute uma substacircncia

utilizada [como contraste] nos exames de raio-983160 tinha-se alojado na sua coluna vertebral e

iria causar-lhe dores croacutenicas durante o resto da sua vida Desta forma numa altura em que

Gorz estava entusiasmado ( passionate) com a ecologia (hellip) e de um modo mais geneacutericocom as questotildees ligadas agrave autonomia existencial a questatildeo da medicina [moderna] tornou-

-se especialmente sensiacutevel para ele [Brooks 983090983088983089983088 p 983090983095983097]

A aracnoidite de Dorine era uma doenccedila degenerativa e sem cura (Gorz983090983088983088983097 [983090983088983088983094] p 983091983088) causada diretamente pela medicina moderna Ora nestaaltura Illich preparava o seu proacuteximo livro A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Neacuteme-

sis da Medicina uma criacutetica impiedosa dos efeitos perniciosos da medicina

moderna Deste modo a criacutetica illichiana da ldquotecno-medicinardquo acabou porcoincidir inteiramente com as preocupaccedilotildees familiares de Gorz (idem p 983090983097)Em Carta a D ndash Histoacuteria de um Amor Gorz eacute perentoacuterio sobre a relaccedilatildeocausal entre a doenccedila da sua mulher e a sua aproximaccedilatildeo agrave ecologia ldquoA tuadoenccedila reconduziu-nos ao campo da ecologia e do tecnocriticismordquo (idemp 983091983089)

ACERCA DO PE NSAMENTO DE I VAN ILLICH

Dado que o pensamento de Andreacute Gorz durante a deacutecada de 983089983097983095983088 e especial-mente em Ecologia e Poliacutetica eacute influenciado pela obra de Ivan Illich (Azam983090983088983089983091 p 983089983088983093 Dupuy 983090983088983089983091 pp 983097983097 e segs Gollain 983090983088983088983088 p 983094983090) analisarei

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983092983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

brevemente as ideias fundamentais deste autor3 Comeccedilarei por duas das suasobras mais marcantes ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) e A Expro-

priaccedilatildeo da Sauacutede (Illich 983089983097983095983093a)Illich defende que as instituiccedilotildees da sociedade industrial impedem a

expressatildeo da autonomia dos indiviacuteduos pois agrave medida que o poder da maqui-naria aumenta estes satildeo relegados para o papel de ldquomeros consumidoresrdquo(Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091] p 983090983091) Segundo defende a tentativa de substituir o tra-balho humano pela produccedilatildeo maquinizada natildeo eacute emancipadora ldquoas maacutequinasescravizam os seres humanosrdquo (idem) porque ultrapassado um certo limiara dimensatildeo das ferramentas ldquoaumenta a arregimentaccedilatildeo a dependecircncia aexploraccedilatildeo e a impotecircnciardquo dos indiviacuteduos (idem pp 983091983091-983091983092) Segundo Illichldquoas pessoas precisam de novas ferramentas com as quais possam trabalhar (to

work with) e natildeo de ferramentas que lsquotrabalhemrsquo por elasrdquo (idem p 983090983091)Illich preconiza uma forma de socialismo que teraacute pois de transcender

a civilizaccedilatildeo industrial ldquoa transiccedilatildeo para o socialismo apenas seraacute possiacutevel(hellip) mediante a substituiccedilatildeo das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983090983093) Illich designa esta substituiccedilatildeo por ldquoreequipamento(retooling )rdquo da sociedade (idem) Uma dada ferramenta ou teacutecnica apenas seraacuteconvivial se promover a autonomia e a criatividade do indiviacuteduo que a utilizaisto implica que ldquopossa ser utilizada facilmente por qualquer pessoa tatildeo fre-

quentemente (hellip) quanto desejado e para a concretizaccedilatildeo de um objetivo esco-lhido pelo utilizadorrdquo (idem p 983091983093) A transformaccedilatildeo radical da tecnologia eacutepor conseguinte uma preacute-condiccedilatildeo necessaacuteria para alcanccedilar a ldquojusticcedila socialrdquo(idem p 983090983093)

A visatildeo de socialismo de Illich corresponde deste modo agravequilo que designapor ldquosociedade convivialrdquo A sociedade convivial pode ser definida como umasociedade ldquopoacutes-industrialrdquo que introduz ldquolimites politicamente definidos atodos os tipos de crescimento industrialrdquo (idem p 983091983088) Neste sentido a con-

vivialidade refere-se agraves ldquorelaccedilotildees autoacutenomas e criativas estabelecidas entre aspessoas e agraves relaccedilotildees entre as pessoas e o seu ambienterdquo (idem) A conviviali-dade eacute ldquoa liberdade individual realizada atraveacutes da interdependecircncia pessoalrdquopelo que ldquopossui um valor eacutetico intriacutensecordquo (idem) Ela assenta no princiacutepiobasilar de que o controlo sobre as ferramentas da sociedade deve ser exercido

3 Satildeo escassas as referecircncias em liacutengua portuguesa agrave obra de Ivan Illich Quase todas elas versam sobre a criacutetica illichiana agrave educaccedilatildeo formal ou agrave medicina moderna A exceccedilatildeo eacute o artigo

de Valdir Fernandes (Fernandes 983090983088983088983096) que analisa criticamente a racionalidade econoacutemicae tecnoloacutegica agrave luz das teorias de Illich Gorz Polanyi Weber entre outros autores odavia

Fernandes apenas aborda um livro de Illich ndash ools or Conviviality (Illich 983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ndash e umlivro de Gorz ndash Metamoroses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

Page 9: art Gorz década de 1970 - n machado.pdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983095

democraticamente atraveacutes de processos poliacuteticos e natildeo por especialistas outecnocratas (idem p 983090983093)

De acordo com Illich a sociedade deve portanto ser reconfigurada demodo a privilegiar ldquoa contribuiccedilatildeo dos indiviacuteduos autoacutenomos e das peque-

nas comunidades ( primary groups) para a eficiecircncia total de um novo sistemade produccedilatildeo concebido para satisfazer as necessidades humanas e igualmentepara a determinaccedilatildeo dessas necessidadesrdquo (idem p 983090983091) odavia Illich alertaque ldquoseria um erro acreditar que todas as ferramentas em grande escala e todaa produccedilatildeo centralizada pudessem ser excluiacutedas de uma sociedade convivialrdquo(idem p 983091983095) O autor explica que

Em todas as sociedades poacutes-neoliacuteticas duas formas de produccedilatildeo que chamarei forma

de produccedilatildeo autoacutenoma e forma de produccedilatildeo heteronoacutemica sempre concorreram para arealizaccedilatildeo dos objetivos sociais maiores Soacute em nossa eacutepoca eacute que essas duas formas de

produccedilatildeo entraram em conflito de modo cada vez mais acentuado [Illich 983089983097983095983093a p 983094983095]

Quando a produccedilatildeo industrial se torna predominante os valores de usoproduzidos pela forma de produccedilatildeo autoacutenoma satildeo relegados para uma posiccedilatildeomarginal (idem p 983094983097) Isto eacute problemaacutetico pois na oacutetica de Illich

a eficaacutecia alcanccedilada por uma sociedade na busca de seus objetivos sociais depende dograu de sinergia entre as duas formas de produccedilatildeo a autoacutenoma e a heteronoacutemica Depende

do modo como o produto do engenheiro e do burocrata se engrene nos valores de uso

produzidos de forma autocircnoma [idem pp 983094983097-983095983088]

Por conseguinte o sistema industrial tem de ter reconfigurado e limitadode tal forma a poder ldquofuncionar em sinergia positiva com a produccedilatildeo autoacute-noma de valores de uso concorrentesrdquo (idem p 983095983092) O princiacutepio que norteia a

produccedilatildeo natildeo poderaacute ser ldquofazer mais coisas para as pessoasrdquo mas antes ldquolhesgarantir maior liberdade para que elas proacuteprias as faccedilamrdquo (idem) A produccedilatildeoheteroacutenoma deve ser reduzida em benefiacutecio da produccedilatildeo autoacutenoma (idemp 983095983093) Como se veraacute esta visatildeo illichiana inspirou enormemente a noccedilatildeo gor-ziana de uma sociedade dual

Passarei agora a sintetizar as ideias de Illich presentes em outros dois textoso livro Te Right to Useul Unemployment (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) e o ensaio ldquoVer-nacular valuesrdquo (Illich 983089983097983096983088) Neste uacuteltimo seraacute patente uma mudanccedila do pen-

samento de Illich no sentido de uma posiccedilatildeo romacircntica ou ateacute ldquoprimitivistardquoSe em ools or Conviviality como se viu a ecircnfase estava na complementari-

dade entre produccedilatildeo industrial heteroacutenoma e produccedilatildeo convivial autoacutenomaagora Illich coloca o acento toacutenico na produccedilatildeo ldquovernacularrdquo microssocial

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983092983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Te Right to Useul Unemployment eacute assumidamente um ldquoepiacutelogordquo de ools

or Conviviality A tese principal defendida neste livro eacute que a ldquocrescente depen-decircncia de bens e serviccedilos produzidos em massardquo despoja os seres humanos dasua liberdade e da sua autonomia enclausurando-os no domiacutenio das relaccedilotildees

mercantis (Illich 983089983097983097983094 [983089983097983095983096] pp 983095-983096) Eacute preciso contrariar esta loacutegica e assu-mir a ldquoautodeterminaccedilatildeo local enquanto objetivordquo primordial (idem p 983091983090)ou seja as pessoas devem poder ldquodefinir e satisfazer uma proporccedilatildeo cada vezmaior das suas necessidades direta e pessoalmenterdquo (idem p 983091983092) A ldquoausteri-dade convivialrdquo deve ldquoinspirar a sociedade a proteger os valores de uso pes-soais contra (hellip) a afluecircncia incapacitante (disabling )rdquo [idem p 983091983094]

Illich dedica uma atenccedilatildeo especial ao conceito de trabalho De acordo como autor sob o capitalismo o ldquotrabalhordquo (work) foi erradamente equiparado ao

ldquoempregordquo (employment ) [Illich 983089983097983096983088 p 983093983088] Ora na perspetiva de Illich urgecontrariar ldquoo monopoacutelio do trabalho assalariado sobre todos os outros tipos detrabalhordquo (idem p 983093983091) Acima de tudo o desemprego deve ser transformadonum desemprego ldquouacutetilrdquo i e na possibilidade de trabalhar sem ser em troca deum salaacuterio (idem p 983093983089)

O desemprego pode pois ser aproveitado como uma oportunidade paraexpandir a ldquoatividade autoacutenomardquo (idem) e o ldquotrabalho uacutetilrdquo (useul work) [Illich983089983097983097983094 [983089983097983095983096] p 983096983092] natildeo mercantis O autor explica que

a Poliacutetica convivial eacute baseada no entendimento de que numa sociedade moderna a

riqueza e os empregos podem ser partilhados equitativamente e desfrutados em liberdade

apenas quando ambos satildeo limitados por um processo poliacutetico As formas de riqueza exces-

sivas e o emprego formal prolongado independentemente de serem bem distribuiacutedos des-

troem as condiccedilotildees sociais culturais e ambientais para a liberdade produtiva igualitaacuteria

(equal productive reedom) [idem p 983089983094]

odavia Illich natildeo defende a aboliccedilatildeo total do trabalho industrial o autorpreconiza apenas que a ldquoprioridade relativardquo atribuiacuteda ao trabalho assalariado e aotrabalho autoacutenomo seja alterada em benefiacutecio deste uacuteltimo (Illich 983089983097983096983088 p 983094983089)

ldquoVernacular valuesrdquo por sua vez ilustra de um modo mais expliacutecito a vira-gem primitivista de Illich De acordo com o autor as necessidades humanaspodem ser satisfeitas de duas formas diferentes A primeira ecologicamenteinsustentaacutevel e predominante na modernidade eacute constituiacuteda pela produccedilatildeode mercadorias ie as necessidades satildeo satisfeitas atraveacutes de bens e serviccedilos

estandardizados (Illich 983089983097983096983088 p 983092983097)A segunda ecologicamente sustentaacutevel e predominante nas sociedadespreacute-capitalistas consiste em ldquoorganizar a existecircncia em torno das atividades desubsistecircnciardquo (idem)

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

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pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983092983097

Assim o ideal social corresponde ao homo habilis uma imagem que inclui uma miriacuteade

de indiviacuteduos que satildeo distintamente competentes a lidar com a realidade o oposto do homo

economicus que depende de ldquonecessidadesrdquo estandardizadas Nestas condiccedilotildees as pessoas

que escolhem [deliberadamente] a sua independecircncia e as suas proacuteprias perspetivas obtecircm

mais satisfaccedilatildeo fazendo e fabricando coisas para uso imediato do que dos produtos dosescravos ou das maacutequinas Por conseguinte qualquer projeto cultural eacute necessariamente

modesto Nestas condiccedilotildees as pessoas aproximam-se o mais possiacutevel da autossubsistecircncia

produzindo elas proacuteprias aquilo que satildeo capazes trocando o seu excedente com os vizinhos

[idem p 983093983088 itaacutelico no original]

Illich afirma que ldquonatildeo resta outra alternativardquo a ldquoum modo de vida carac-terizado pela austeridade modeacutestia construiacutedo atraveacutes do trabalho aacuterduo e

assente numa escala reduzidardquo (idem itaacutelico nosso) Numa comunidade queescolha um ldquomodo de vida orientado para a subsistecircnciardquo o objetivo centraleacute ldquoa inversatildeo do desenvolvimento [industrial] a substituiccedilatildeo dos bens deconsumo pela atividade pessoal das ferramentas industriais por ferramentasconviviaisrdquo (idem p 983093983090) Somente nesta situaccedilatildeo em que ldquoo controlo de cadatrabalhador sobre os seus meios de produccedilatildeo determina o horizonte limitadode cada empreendimentordquo [idem] poderaacute ser cumprido o ideal do ldquoartesatildeo quetrabalha como um virtuosordquo (idem)

Eacute evidente a vertente romacircnticaprimitivista e em certo sentido ateacute rea-cionaacuteria da teoria de Illich a produccedilatildeo artesanal a frugalidade e a limitaccedilatildeoextrema das necessidades satildeo o reverso da medalha a negaccedilatildeo abstrata daldquoproduccedilatildeo pela produccedilatildeordquo do desperdiacutecio colossal e das necessidades aliena-das (potencialmente) infinitas do capitalismo

Como se veraacute nos subpontos seguintes a ldquoecologia poliacuteticardquo de Gorz incor-porou vaacuterias noccedilotildees illichianas mormente a) a criacutetica da ldquocivilizaccedilatildeo indus-trialrdquo e do crescimento econoacutemico b) a noccedilatildeo da tecnologia enquanto matriz

aprioriacutestica que determina as relaccedilotildees sociais c) a impossibilidade de apro-priaccedilatildeo coletiva da tecnologia capitalista e em particular dos grandes sistemasindustriais d) a divisatildeo da sociedade em termos do binoacutemio esfera da autono-miaesfera da heteronomia e) a necessidade de reduzir o tempo de trabalhoheteroacutenomo e de aumentar o tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia neste momento creio ser importante assinalar a dierenccedila crucialentre as teorias de Gorz e Illich Gorz pretende aproveitar os avanccedilos cientiacutefi-cos e tecnoloacutegicos para reduzir as horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo odavia a

maior parte dos bens essenciais agrave subsistecircncia humana (alimentaccedilatildeo vestuaacuteriohabitaccedilatildeo etc) continuaratildeo a ser produzidos na esfera macrossocial ldquoheteroacute-nomardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Em termos marxistas a esfera da liberdade eacute eri-gida sobre e para aleacutem da esfera da necessidade que deveraacute ocupar o miacutenimo

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983093983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

de tempo possiacutevel na vida dos indiviacuteduos A esfera da autonomia eacute concebidaprimariamente como um espaccedilo para a produccedilatildeo de bens natildeo utilitaacuterios paraa expressatildeo da criatividade dos indiviacuteduos Portanto a reduccedilatildeo da heterono-mia em Gorz corresponde agrave reduccedilatildeo do tempo de trabalho individual dedi-

cado a essa esferaOra em Illich a reduccedilatildeo da heteronomia eacute entendida primariamente como

uma reduccedilatildeo de acto do volume e da panoacuteplia dos bens produzidos nessaesfera O objetivo principal eacute uma espeacutecie de frugalidade autoimposta no con-texto de uma quasi-autarcia os indiviacuteduos devem produzir autonomamentendash na esfera domeacutestica ou quando muito no contexto de uma pequena comu-nidade ndash a maior parte dos bens que utilizaconsome

Por conseguinte a aboliccedilatildeo do trabalho eacute algo que natildeo se coloca no hori-

zonte de Illich O autor natildeo vislumbra na tecnologia um nuacutecleo emancipatoacuteriondash o potencial de libertar os seres humanos do trabalho ndash pois na sua oacutetica todaa vida dos indiviacuteduos se deve sujeitar ao trabalho ou melhor deve de acto ser trabalho Na sua negaccedilatildeo abstrata da tecnologia e da ciecircncia ndash como raiacutezes detodo o mal ndash e da especializaccedilatildeo ndash entendida como dominaccedilatildeo direta de umaclasse de teacutecnicos e de tecnocratas ndash Illich acaba por propor sem se aperceberdisso um modelo de sociedade que constitui uma continuaccedilatildeo do capitalismopor outros meios

Na sociedade capitalista os indiviacuteduos satildeo obrigados a passar 983096 983089983088 983089983090horas por dia na faacutebrica ou no escritoacuterio a produzir granadas de matildeo ou rela-toacuterios de consultoria para assegurar a sua subsistecircncia (i e para receber umsalaacuterio) Por sua vez na ldquoutopiardquo proposta por Illich os indiviacuteduos devemigualmente passar todo o dia envolvidos nas atividades conducentes agrave sua sub-sistecircncia eles devem produzir os alimentos que consomem fabricar as roupasque usam construir a casa que habitam ser os seus proacuteprios meacutedicos ndash recor-rendo a plantas chaacutes ou aos conhecimentos ancestrais dos curandeiros ou

xamatildes ndash ser completamente autodidatas (pois toda a educaccedilatildeo eacute por naturezaopressiva) etc etc

Estamos portanto perante o ideal burguecircs do sujeito que apenas dependede si mesmo e em que o caraacuteter social dos indiviacuteduos eacute pura e simplesmenteescamoteado (fora das relaccedilotildees familiares ou de vizinhanccedila) odavia se o bur-guecircs proclama alto e bom som que ldquoo mundo eacute a minha aldeiardquo Illich defendeque ldquoa aldeia eacute o meu mundordquo Note-se que a antinomia esfera puacuteblicaesferaprivada natildeo eacute transcendida pelo contraacuterio a esfera domeacutestica privada eacute afir-

mada unilateralmente como o locus da liberdade individual Fora desta esferaapenas existe a opressatildeo e a heteronomia de um mundo estranho corporizadonos predicados da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo e que impotildee os seus desiacutegnios aoindiviacuteduo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983089

A vida humana eacute degradada agrave condiccedilatildeo de sobrevivecircncia fiacutesica como fimem si mesmo O indiviacuteduo deve perder a sua vida a garantir os meios da suasobrevivecircncia al como sob o capitalismo Soacute que neste caso faacute-lo-aacute ldquodireta-menterdquo sem a mediaccedilatildeo de terceiros e sobretudo de tecnologia ldquoindustrialrdquo

Isto porque em Illich qualquer elemento que medeie o metabolismo do serhumano com a natureza eacute em si mesmo pernicioso mas curiosamente redu-zir o ser humano a esse metabolismo com a natureza natildeo o eacute A necessidade eacute

apresentada como o expoente maacuteximo da liberdade4

DIVISAtildeO DO T RABALHO E MODO DE PRODUCcedilAtildeO CAPITALISTA 983080 1 9 7 3 983081

Em 983089983097983095983091 eacute publicada a obra coletiva intitulada Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista na qual Gorz assina o prefaacutecio (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) edois capiacutetulos (Gorz 983089983097983095983094d [983089983097983095983091] 983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) A tese defendida pelo autoreacute que ldquoa divisatildeo capitalista do trabalho eacute a fonte de todas as alienaccedilotildees (hellip)E o comunismo natildeo eacute senatildeo o movimento que suprime essa divisatildeo do traba-lhordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983095)

983137 983140983145983158983145983155983267983151 983140983151 983156983154983137983138983137983148983144983151 983141 983137 983155983157983137 983137983138983151983148983145983271983267983151

Em clara sintonia com as teses avanccediladas em O Socialismo Diiacutecil (Gorz 983089983097983094983096)

Gorz afirma que a divisatildeo e a parcelarizaccedilatildeo do trabalho satildeo a ldquoconsequecircnciade uma tecnologia concebida [pela classe dominante] para servir de arma naluta de classesrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983093983096) A principal funccedilatildeo da divisatildeo dotrabalho natildeo eacute aumentar a produtividade mas assegurar a manutenccedilatildeo dasrelaccedilotildees hieraacuterquicas e de exploraccedilatildeo consubstanciadas no ldquodespotismo defaacutebricardquo militarizado (idem pp 983090983093983092-983090983093983093)

Por conseguinte a transiccedilatildeo para o comunismo exige que a divisatildeo dotrabalho seja abolida e que o trabalho seja ldquoprogressivamente enriquecidordquo

permitindo aos operaacuterios desenvolver capacidades criativas cada vez maisalargadas (idem p 983090983094983088) Em outros termos os ldquoprodutores diretosrdquo tecircm detransformar as teacutecnicas de produccedilatildeo a organizaccedilatildeo do trabalho a formacomo as maacutequinas satildeo utilizadas e a relaccedilatildeo com o saber e com as institui-ccedilotildees que o transmitem (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] pp 983089983088-983089983089) A ciecircncia e a teacutecnicadevem ser ldquorevolucionadasrdquo e reapropriadas enquanto ldquopotecircncia comumrdquomediante a reunificaccedilatildeo do trabalho intelectual e do trabalho manual (idemp 983089983089)

4 Em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) faraacute uma criacutetica semelhante agraves

correntes romacircntico-primitivistas influenciadas por Hannah Arendt o que reforccedila a minha tesequanto agraves diferenccedilas fundamentais entre as teorias de Gorz e de Illich

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983093983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

A ldquoemancipaccedilatildeo da classe operaacuteriardquo passa pois pela reconquista da sualdquointegridade fiacutesica nervosa intelectual cultural no seio do trabalho isto eacutepela luta para impor um poder de autodeterminaccedilatildeo do processo de trabalhordquo(idem p 983089983089 itaacutelico nosso) Em 983089983097983095983091 portanto Gorz ainda preconiza uma

autonomia no trabalhoEacute de realccedilar que todas estas posiccedilotildees seratildeo abandonadas por Gorz a partir

de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) a especializaccedilatildeo a divisatildeo dotrabalho e o ldquodespotismo de faacutebricardquo deixam de poder ser abolidos ao niacutevel daproduccedilatildeo ldquomacrossocialrdquo e apenas ao niacutevel ldquomicrossocialrdquo i e das pequenascomunidades autoacutenomas eacute possiacutevel instaurar relaccedilotildees de produccedilatildeo humani-zadas baseadas na reciprocidade e na cooperaccedilatildeo espontacircnea

983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983139983151983149983151 983149983137983156983154983145983162 983137 983152983154983145983151983154983145

Na deacutecada de 983089983097983094983088 Gorz discordava da atribuiccedilatildeo da ldquodominaccedilatildeo totalitaacuteriaagrave racionalidade tecnoloacutegica per serdquo pois esta dominaccedilatildeo era ao inveacutes o resul-tado do uso da tecnologia sob as condiccedilotildees de um ldquocapitalismo monopolistaou estatistardquo (Gorz 983089983097983094983092 p 983093983091983094) Numa resenha a O Homem Unidimensio-

nal Gorz diz mesmo que Marcuse ldquoexagera os efeitos da tecnologia sobre aideologia a civilizaccedilatildeo e a poliacuteticardquo uma vez que natildeo eacute correto ldquoconsiderar atecnologia uma variaacutevel independenterdquo (idem) Eacute possiacutevel desenvolver uma

ldquosociedade industrialrdquo diferente da que existe nos paiacuteses capitalistas avanccedila-dos (idem)

Ora em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista opera-seuma mudanccedila decisiva no pensamento gorziano em que eacute possiacutevel discer-nir a influecircncia de Ivan Illich (cf Gorz 983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Na presente obra oautor salienta que a organizaccedilatildeo as teacutecnicas de produccedilatildeo e a divisatildeo do tra-balho vigentes constituem a ldquomatriz materialrdquo que reproduz invariavelmenteas ldquorelaccedilotildees (hellip) de produccedilatildeo capitalistasrdquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983097) A ldquotec-

nologia da faacutebricardquo impotildee uma determinada divisatildeo teacutecnica do trabalho quepor seu turno ldquoexige um certo tipo de subordinaccedilatildeordquo dos trabalhadores (idempp 983097-983089983088) Neste sentido

A tecnologia eacute (hellip) a matriz e a causa uacuteltima de tudo e natildeo se vecirc como a ldquoapropriaccedilatildeo

coletivardquo dos meios de produccedilatildeo que integra em si a marca dessa tecnologia poderia mudar

no que quer que fosse o regime da faacutebrica (hellip) e a opressatildeo dos operaacuterios (hellip) Enquanto a

matriz material se mantiver sem alteraccedilatildeo a ldquoapropriaccedilatildeo coletivardquo do conjunto das faacutebricas

natildeo pode deixar de ser uma transferecircncia pereitamente abstrata da propriedade juriacutedica(hellip) que seraacute completamente incapaz de pocircr fim agrave opressatildeo (hellip) [O] poder manter-se-aacute no

capital apenas mudaratildeo aqueles que o representam o patronato privado seraacute substituiacutedo

pelo Estado-patratildeo [idem p 983089983088 itaacutelico no original]

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983091

Na mesma obra contudo Gorz acaba por voltar atraacutes e dizer que as ciecircn-cias e as teacutecnicas de produccedilatildeo ldquotrazem a marca das relaccedilotildees de produccedilatildeo (hellip)capitalistas na sua orientaccedilatildeo (hellip) na sua especializaccedilatildeo na sua praacutetica e ateacutena sua linguagemrdquo (Gorz 983089983097983095983094e [983089983097983095983091] p 983090983092983091) O desenvolvimento do capi-

talismo processa-se de tal forma que ldquoas forccedilas produtivas e as capacidades detrabalho (hellip) permanecem submetidas agrave loacutegica do sistema e funcionais rela-tivamente a ele por causa da deformaccedilatildeo que lhes imprimerdquo ( idem p 983090983092983090)Por conseguinte a criacutetica jaacute natildeo pode ser feita ldquodo interior do sistema nem doponto de vista das capacidades e das forccedilas produtivas existentes mas apenasdo ponto de vista do aleacutem do sistema da [sua] superaccedilatildeo possiacutevel rdquo (idem itaacute-lico no original)

Subsiste portanto uma grande ambiguidade na conceccedilatildeo gorziana de

tecnologia se por um lado seguindo de perto a tese illichiana a tecnologiaparece ser transhistoricizada e elevada ao estatuto de ldquomatriz e causa uacuteltima detudordquo (Gorz 983089983097983095983094c [983089983097983095983091] p 983089983088) por outro lado contradizendo claramenteesta asserccedilatildeo Gorz diz que o caraacuteter nefasto da tecnologia capitalista derivaprecisamente do fato de ser marcada pelas relaccedilotildees sociais capitalistas Estasegunda posiccedilatildeo ndash em consonacircncia com a teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983094983088 ndashparece-me ser a mais correta uma vez que a tecnologia natildeo existe num vaacutecuomas sempre no seio de relaccedilotildees sociais especiacuteficas a tecnologia eacute determinada

socialmente e natildeo o inverso odavia a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088[983089983097983095983093]) Gorz acabaraacute muitas vezes por privilegiar a primeira explicaccedilatildeo e verna teacutecnica na ciecircncia e na tecnologia a raiz de todo o mal

Daquilo que foi exposto fica claro que a Divisatildeo do rabalho e Modo de

Produccedilatildeo Capitalista se assume claramente como uma obra de transiccedilatildeo nopensamento gorziano Por um lado Gorz ainda permanece agarrado a uma

conceccedilatildeo positiva de trabalho e ao papel revolucionaacuterio do proletariado Poroutro lado comeccedila a notar-se a mudanccedila de ldquoparadigmardquo causada pela incor-poraccedilatildeo da teoria de Ivan Illich que seraacute mais vincada em Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Neste contexto eacute elucidativa a criacutetica da tecnologia e dainduacutestria per se

CRIacuteTICA DO CA PITALISMO QUOTIDIANO 9830801973983081

Em 983089983097983095983091 Gorz publica igualmente uma coletacircnea de artigos ndash escritos entre983089983097983094983093 e 983089983097983095983091 e publicados originalmente no jornal Le Nouvel Observateur ndashintitulada Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b[983089983097983095983091]) Satildeo artigos de cunho jornaliacutestico que analisam inuacutemeros aspetos da

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

Page 16: art Gorz década de 1970 - n machado.pdf

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983090983093983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

realidade capitalista ndash nomeadamente da francesa ndash a partir do arcabouccedilo teoacute-rico desenvolvido nas suas obras da deacutecada de 983089983097983094983088 Nas palavras de Gorzldquopartindo do quotidiano revelam por detraacutes dos factos e dos acontecimentosum sistema do qual analisam a loacutegica as contradiccedilotildees e os impassesrdquo (Gorz

983089983097983095983094a [983089983097983095983091] p 983095) odavia na maior parte dos casos os textos estatildeo clara-mente datados e contribuem em minha opiniatildeo muito pouco para o enten-dimento da teoria gorziana Eacute de destacar sobretudo a intuiccedilatildeo da crise dotrabalho e a introduccedilatildeo das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas do autor que seratildeo devi-damente aprofundadas em Ecologia e Poliacutetica

ldquo983151 983152983148983141983150983151 983141983149983152983154983141983143983151 983152983137983154983137 983153983157983274983103rdquo

No iniacutecio dos anos 983095983088 a teoria gorziana ainda eacute marcada pela ontologia do

trabalho do marxismo tradicional (Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983090983089 983096983088-983096983089) Destemodo em julho de 983089983097983095983090 o autor ainda condena o capitalismo com base nainjusticcedila da exploraccedilatildeo de uma classe pela outra ldquoos operaacuterios natildeo tecircm neces-sidade nem do patratildeo nem dos chefes para produzirrdquo (idem p 983095983091 itaacutelico nooriginal) O pleno desenvolvimento das capacidades humanas seraacute feito atra-

veacutes do trabalho proletaacuterioNatildeo obstante apesar das aporias do seu pensamento num artigo de

983089983097983095983089 intitulado ldquoO pleno emprego para quecircrdquo (idem pp 983089983091983093-983089983092983090) Gorz

esboccedila ainda que de um modo incipiente algumas das ideias-chave quenortearatildeo a sua teoria ao longo da deacutecada de 983089983097983096983088 Diz-nos o autor que ldquoamola do crescimento capitalista estaacute quebradardquo (idem p 983089983091983093) em virtudede os dois principais fatores do crescimento econoacutemico se terem esgotadoas ldquograndes mutaccedilotildees tecnoloacutegicasrdquo e a ldquodifusatildeo maciccedila dos lsquobens duraacuteveisrsquo rdquo(idem)

Uma vez que a maioria das famiacutelias jaacute estaacute equipada com uma panoacutepliade aparelhos e eletrodomeacutesticos a produccedilatildeo de bens duraacuteveis tende a esta-

bilizar ou ateacute a declinar (idem p 983089983091983095) Isto significa que a maior parte dasempresas ldquojaacute (hellip) natildeo encontram utilizaccedilotildees rendosas para a massa dos seuslucrosrdquo (idem p 983089983092983093) Neste contexto segundo Gorz caminha-se entatildeo paraum ldquoperiacuteodo de feroz concorrecircncia oligopoliacutesticardquo (idem p 983089983091983096) e ldquoo plenoemprego nestas condiccedilotildees torna-se um objetivo fora de alcancerdquo (idem)

A concentraccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo da induacutestria realizam-se jaacute natildeo atraveacutesde um aumento da produccedilatildeo mas da sua racionalizaccedilatildeo ldquoo que quer dizer que

jaacute natildeo cria empregos suplementares mas pelo contraacuterio substitui o trabalho

humano por maacutequinas mais eficazes servidas por um mais pequeno nuacutemerode trabalhadoresrdquo (idem)A tese do fim do trabalho comeccedila entatildeo a transparecer nos escritos de

Gorz

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983093

[O] que fazer dos cerca de 983090983088983088 983088983088983088 trabalhadores suplementares que todos os anos

vecircm aumentar os efetivos da populaccedilatildeo ativa urbana Deve-se a qualquer preccedilo encontrar-

-lhes uma ocupaccedilatildeo durante quarenta e cinco horas por semana Deve-se criar produtos

cada vez mais sofisticados ou gastando-se cada vez mais depressa para que a satisfaccedilatildeo das

necessidades (normais e artificiais) consuma cada vez mais trabalho (uacutetil ou inuacutetil) [idemp 983089983091983097]

O cerne da questatildeo eacute que natildeo haacute nada de intrinsecamente desejaacutevel naplena utilizaccedilatildeo dos recursos disponiacuteveis a menos que a sua utilizaccedilatildeo sirvapara produzir bens e serviccedilos efetivamente necessaacuterios Pelo contraacuterio

se se exige um crescimento [econoacutemico] mais forte para realizar o pleno emprego a pro-

duccedilatildeo e a utilizaccedilatildeo dos recursos tornam-se o fim e o consumo o meio Eacute preciso produzirmais bens para empregar mais pessoas e soacute se pode empregar mais gente se se consumir

um maior nuacutemero de bens (hellip) [A]s pessoas devem consumir para trabalhar Isto natildeo tem

sentido [idem p 983089983092983089]

A uacutenica coisa que teria sentido seria a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalholdquocuja possibilidade objetiva eacute revelada pelo aumento do desempregordquo (idem)Os indiviacuteduos poderiam trabalhar muito menos desde que toda a gente ldquotra-

balhasse de modo produtivordquo e o trabalho poderia mesmo converter-se numaatividade satisfatoacuteria (idem p 983089983092983090) Obviamente que isto pressuporia umaldquoformaccedilatildeo polivalenterdquo dos trabalhadores a rotaccedilatildeo das tarefas a autogestatildeodas ldquocomunidades de baserdquo (idem)

Note-se que ainda estamos num quadro teoacuterico marcado pela transfor-maccedilatildeo do trabalho numa atividade atrativa e natildeo pela necessidade da suaaboliccedilatildeo Mas a reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho ndash que era secundarizadana deacutecada de 983089983097983094983088 em virtude de traduzir uma revindicaccedilatildeo ldquoquantitativardquo

em detrimento de uma transformaccedilatildeo qualitativa do trabalho (Gorz 983089983097983095983093[983089983097983094983092] 983089983097983094983096) ndash comeccedila a adquirir preponderacircncia no seio do pensamentogorziano

983151 983145983150983277983139983145983151 983140983137983155 983152983154983141983151983139983157983152983137983271983285983141983155 983141983139983151983148983283983143983145983139983137983155

O artigo ldquoEcologia e Revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091-983089983096983094) escritoigualmente em 983089983097983095983090 marca o iniacutecio das preocupaccedilotildees ecoloacutegicas de AndreacuteGorz que culminaratildeo na publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica (cf Gorz 983089983097983096983088

[983089983097983095983093]) em 983089983097983095983093 Posteriormente Gorz faraacute uma autocriacutetica relativamente aalgumas das posiccedilotildees assumidas neste artigo mas para jaacute analisarei em deta-lhe o argumento exposto no mesmo

Na perspetiva de Gorz

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

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du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983093983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

O capitalismo quer seja privado ou de Estado eacute incompatiacutevel com a sobrevivecircncia da

humanidade Estaacute fundado na corrida ao lucro e ao rendimento na concorrecircncia entre

firmas que apenas conhecem o seu interesse particular na necessidade de produzir sempre

mais de vender sempre mais portanto de fazer de modo que os produtos se gastem sem-

pre mais depressa a fim de que as pessoas comprem deles quantidades cada vez maioresResulta disso um desperdiacutecio assustador de recursos minerais insubstituiacuteveis um saque do

meio ambiente um envenenamento e uma destruiccedilatildeo de processos naturais (hellip) indispen-

saacuteveis agrave preservaccedilatildeo da vida [Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] p 983089983093983096]

Gorz salienta ldquoo beco sem saiacuteda da lsquocivilizaccedilatildeo industrialrsquordquo (idem p 983089983094983090)que ldquonatildeo ultrapassaraacute o fim deste seacuteculordquo (idem) uma vez que as reservas detodos os metais e as reservas petroliacuteferas esgotar-se-atildeo no periacuteodo de algumas

deacutecadas (idem pp 983089983094983091-983089983094983092) Para aleacutem dos limites naturais oacutebvios o cresci-mento da produccedilatildeo e do consumo nos paiacuteses industrializados constitui um

desperdiacutecio absurdo porquecirc querer sempre mais se se pode viver melhor consumindo

e produzindo menos mas de modo dierente Questatildeo de puro bom senso mas eminente-

mente subversiva Porque mais eacute a palavra-chave do capitalismo (hellip) A pergunta produzir

o quecirc Produzir mais de quecirc Eacute estranha ao espiacuterito deste sistema A mercadoria eacute apenas

a forma transitoacuteria que toma o capital na perseguiccedilatildeo do seu objetivo aumentar E por

este fato o crescimento capitalista eacute o crescimento de seja o que for pode ser a soma deduas grandezas de sinal contraditoacuterio que em boa loacutegica (natildeo capitalista) eacute igual a zero

Eacute por exemplo o dinheiro ganho por aquele que aumenta os seus lucros poluindo mais o

dinheiro que ganha aquele que limpa apanha e filtra as porcarias dos outros [idem p 983089983095983093

itaacutelico no original]

A revindicaccedilatildeo da paragem do crescimento industrial inscreve-se numaldquoloacutegica ecoloacutegicardquo que constitui a negaccedilatildeo da ldquoloacutegica capitalistardquo (idem p 983089983095983094)

A ecologia constitui uma ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquo para todos os seres humanos queldquosentem a ordem presente como uma baacuterbara desordem e a rejeitam ndash recu-sando as formas atuais de produccedilatildeo do consumo do trabalho da teacutecnicardquo poisacreditam que se pode viver melhor produzindo e consumindo menos (idempp 983089983095983095-983089983095983096)5

odavia a sustentabilidade ecoloacutegica apenas seraacute uma realidade se aeconomia capitalista for substituiacuteda por uma ldquoeconomia descentralizada e

5 Como veremos na secccedilatildeo seguinte Gorz rejeitaraacute posteriormente esta ldquocauccedilatildeo cientiacuteficardquopor outras palavras natildeo eacute possiacutevel fundamentar ldquocientificamenterdquo uma eacutetica ecoloacutegica necessa-

riamente emancipatoacuteria uma vez que a ecologia enquanto disciplina pode tambeacutem servir paracaucionar um ldquofascismo ecoloacutegicordquo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

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pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983095

distributivardquo (idem p 983089983095983095) e se ldquoa atividade livre a autodeterminaccedilatildeo sobe-rana dos produtores associados agrave escala das comunas e das regiotildeesrdquo for capazde superar ldquoo trabalho assalariado e as relaccedilotildees mercantisrdquo (idem)

A chamada ldquocivilizaccedilatildeo poacutes-industrialrdquo conteacutem potencialmente algumas

das ldquocarateriacutesticas principais do socialismordquo tal como era entendido original-mente

a igualdade econoacutemica e cultural a libertaccedilatildeo do trabalho uma reparticcedilatildeo das riquezas

sociais subtraiacuteda agraves leis do mercado uma produccedilatildeo social que jaacute natildeo tem como objetivo o

lucro e a acumulaccedilatildeo do capital uma base tecnoloacutegica radicalmente transformada que jaacute

natildeo submete o trabalho vivo ao domiacutenio do capital (hellip) Resumindo uma economia que

jaacute natildeo eacute regida pela lei do valor mas pela divisa a cada um segundo as suas necessidades

[idem p 983089983095983096]

Esta visatildeo de uma sociedade poacutes-industrial e poacutes-capitalista eacute a uacutenica com-patiacutevel com uma utilizaccedilatildeo e gestatildeo racionais dos recursos naturais ou sejacom uma ldquorevoluccedilatildeo econoacutemicardquo que pressupotildee a alteraccedilatildeo radical da relaccedilatildeoentre o homem e a natureza preconizada pela ecologia (idem pp 983089983095983096-983089983095983097)Neste sentido ldquoa ecologia (hellip) eacute virtualmente uma disciplina fundamental-mente anticapitalista e subversivardquo pois introduz ldquoparacircmetros extriacutensecosrdquo que

limitam a racionalidade econoacutemica (idem p 983089983095983097)Para concluir atente-se apenas num detalhe a modificaccedilatildeo do modelo de

produccedilatildeo e de consumo precisa de um ldquosujeito revolucionaacuterioldquo para ser levadaa cabo e Gorz continua a identificaacute-lo (implicitamente) com o proletariado(idem pp 983089983096983092-983089983096983093)

ECOLOGIA E POLIacuteTICA 9830801975983081

Ecologia e Poliacutetica (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) eacute o uacutenico trabalho de fundo de AndreacuteGorz dedicado agraves questotildees ecoloacutegicas Eacute tambeacutem o primeiro livro do autor emque a influecircncia de Ivan Illich se faz sentir de um modo mais notoacuterio Se nadeacutecada de 983089983097983094983088 tinha sido um dos principais teoacutericos da Nova Esquerda coma publicaccedilatildeo de Ecologia e Poliacutetica Gorz adquire uma grande proeminecircnciano seio do movimento e do pensamento ecoloacutegicos (Gollain 983090983088983088983088 Petitjean983090983088983089983091) Aliaacutes hoje em dia eacute quase consensual que esta obra marca o iniacutecio de

acto da chamada ldquoecologia poliacuteticardquo A relaccedilatildeo entre sociedade e natureza

entre desenvolvimento econoacutemico e meio ambiente passa pois a ocupar umlugar central no edifiacutecio teoacuterico de GorzGorz parte da premissa de que a ecologia jaacute foi cooptada pelas instituiccedilotildees

do capitalismo moderno Neste sentido a ecologia natildeo eacute por si soacute ldquosuficiente

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

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983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

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pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

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983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983093983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

o movimento ecoloacutegico natildeo eacute um fim em si mesmo mas uma etapa numa luta

mais abrangenterdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983091 itaacutelico no original) A humanidadeestaacute confrontada com duas alternativas ldquoum capitalismo adaptado aos cons-trangimentos ecoloacutegicos ou uma revoluccedilatildeo social econoacutemica e cultural que

abula os constrangimentos do capitalismo e ao fazecirc-lo estabeleccedila uma novarelaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e a sociedade e entre as pessoas e a naturezardquo (idemp 983092)

983151983155 983148983145983149983145983156983141983155 983140983151 983139983154983141983155983139983145983149983141983150983156983151 983139983154983145983155983141 983141983139983151983150983283983149983145983139983137 983141 983139983154983145983155983141 983141983139983151983148983283983143983145983139983137

Gorz realccedila que o capitalismo enfrenta uma crise de ldquosobreacumulaccedilatildeordquo agra- vada por uma crise ecoloacutegica (idem p 983090983089) ldquoo crescimento capitalista estaacute em

crise natildeo apenas porque eacute capitalista mas tambeacutem porque esbarrou com limi-tes fiacutesicosrdquo (idem p 983089983089)

A crise de sobreacumulaccedilatildeo deriva do fato de o capitalismo avanccediladobasear-se na substituiccedilatildeo do trabalho humano por maacutequinas de trabalho

vivo por trabalho morto (idem p 983090983089) Maacutequinas cada vez mais sofisticadassatildeo operadas por um nuacutemero cada vez mais reduzido de trabalhadores Poroutras palavras usando a terminologia marxista a ldquocomposiccedilatildeo orgacircnica docapitalrdquo aumenta i e a induacutestria torna-se ldquocapital-intensivardquo (idem p 983090983090)

O capitalismo empreendeu uma autecircntica ldquofuga para a frenterdquo procurandocontrariar a diminuiccedilatildeo da taxa de lucro e a saturaccedilatildeo dos mercados com arotaccedilatildeo acelerada do capital e obsolescecircncia planificada dos bens de consumo(idem p 983090983092)

Ademais a delapidaccedilatildeo dos recursos naturais e os niacuteveis de poluiccedilatildeo atin-giram um niacutevel tal que a induacutestria para poder continuar a funcionar vecirc-seperante a necessidade ndash apesar de isso contrariar a racionalidade econoacutemicapura ndash de investir recursos financeiros na adoccedilatildeo de tecnologias (mais) ldquolim-

pasrdquo (idem p 983093) Assim haacute um aumento inevitaacutevel dos custos de reproduccedilatildeodo capital fixo sem um aumento correspondente nas vendas que permita con-trabalanccedilaacute-lo (idem p 983094)

No que se refere agrave crise ecoloacutegica a ldquosociedade industrialrdquo desenvolveu-semediante a ldquopilhagem aceleradardquo das reservas de recursos naturais que leva-ram milhotildees de anos a formar-se (idem p 983089983090) De acordo com Gorz eacute precisoreconhecer que a atividade produtiva depende da utilizaccedilatildeo dos ldquorecursos fini-tosrdquo do planeta erra e da ldquoorganizaccedilatildeo de um conjunto de intercacircmbiosrdquo com

ldquoum sistema fraacutegil de muacuteltiplos equiliacutebriosrdquo ecoloacutegicos (idem p 983089983091) odavia

Natildeo se trata de deificar a natureza ou de ldquoregressarrdquo a ela mas de tomar em consideraccedilatildeo

um simples fato a atividade humana encontra no mundo natural os seus limites externos

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983093983097

(hellip) Natildeo se trata de abster-se de consumir cada vez mais mas de consumir cada vez menos

ndash natildeo haacute outra maneira de conservar as reservas disponiacuteveis para as geraccedilotildees futuras

Eacute nisto que consiste o realismo ecoloacutegico [idem]

Gorz adverte que

A soluccedilatildeo para esta [dupla] crise natildeo se encontra na recuperaccedilatildeo do crescimento eco-

noacutemico mas somente numa inversatildeo da proacutepria loacutegica do capitalismo Esta loacutegica tende

intrinsecamente para a maximizaccedilatildeo criaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel de necessidades e

procura da sua satisfaccedilatildeo com o maior nuacutemero possiacutevel de bens e serviccedilos comercializaacuteveis

de modo a obter o maior lucro possiacutevel do maior fluxo possiacutevel de energia e de recur-

sos Poreacutem a ligaccedilatildeo entre ldquomaisrdquo e ldquomelhorrdquo foi quebrada ldquoMelhorrdquo pode agora significar

ldquomenosrdquo criar o menor nuacutemero possiacutevel de necessidades satisfazendo-as com o menordispecircndio possiacutevel de materiais energia e trabalho e afetando o menos possiacutevel ( imposing

the least possible burden) o [meio] ambiente [idem p 983090983095]

A raison drsquoecirctre da ecologia eacute portanto a limitaccedilatildeo dos efeitos nefastos daracionalidade econoacutemica

983137 983137983148983156983141983154983150983137983156983145983158983137

983155983151983139983145983137983148983145983155983149983151 983141983139983151983148983283983143983145983139983151 983151983157 983138983137983154983138983265983154983145983141 983156983141983139983150983151-983142983137983155983139983145983155983156983137

Na oacutetica de Gorz a economia poliacutetica aplica-se apenas agrave ldquo produccedilatildeo [macros]social (hellip) baseada na divisatildeo social do trabalho e regulada por mecanismosexteriores agrave vontade e agrave consciecircncia dos indiviacuteduos ndash por processos mercantisou pela planificaccedilatildeo centralrdquo (idem p 983089983092)

Diz-nos o autor que eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da racionalidade eco-noacutemicardquo (idem p 983089983093) Marx compreendeu esse fato e enunciou as alternativasque se colocam aos seres humanos ou os indiviacuteduos conseguem unir-se para

subordinar o processo econoacutemico agrave sua ldquovontade coletivardquo substituindo a divi-satildeo social do trabalho pela ldquocooperaccedilatildeo voluntaacuteria dos produtores associadosrdquoou caso contraacuterio o processo econoacutemico prevaleceraacute sobre os objetivos daspessoas (idem) ldquoA escolha eacute simples lsquosocialismo ou barbaacuteriersquo rdquo (idem)

Por sua vez a ecologia enquanto disciplina especiacutefica natildeo se aplica agravequelascomunidades ou povos cujos modos de vida natildeo produzem quaisquer efeitosduradouros sobre o meio ambiente (idem) A ecologia apenas surge como dis-ciplina autoacutenoma quando a atividade econoacutemica perturba permanentemente

natureza a sua preocupaccedilatildeo nuclear eacute com os limites externos que a economiadeve respeitar (idem)A racionalidade ecoloacutegica eacute fundamentalmente dierente da racionalidade

econoacutemica (idem p 983089983094)

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983094983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

Ela permite-nos descobrir que o esforccedilo da economia para superar escassezes relativas

engendra ultrapassado um certo limiar escassezes absolutas e inultrapassaacuteveis Os resulta-

dos [da atividade econoacutemica] tornam-se negativos a produccedilatildeo destroacutei mais do que aquilo

que produz A inversatildeo ocorre quando a atividade econoacutemica infringe o equiliacutebrio dos

ciclos ecoloacutegicos primaacuterios eou destroacutei recursos que eacute incapaz de regenerar ou reconstituir[idem itaacutelico no original]

A ecologia demonstra que a resposta aos efeitos perniciosos da ldquocivi-lizaccedilatildeo industrialrdquo natildeo jaz no crescimento mas na limitaccedilatildeo da ldquoprodu-ccedilatildeo materialrdquo (idem) odavia Gorz defende que tal como acontece coma racionalidade econoacutemica eacute ldquoimpossiacutevel derivar uma eacutetica da ecologiardquo(idem) No seu entendimento Ivan Illich foi um dos primeiros autores a

aperceber-se disso tendo esboccedilado a seguinte alternativa ou os seres huma-nos chegam a acordo quanto agrave urgecircncia de ldquoimpor limites agrave tecnologia e agraveproduccedilatildeo industrial de modo a conservar os recursos naturais manter osequiliacutebrios ecoloacutegicos necessaacuterios agrave vida e favorecer o desenvolvimento ea autonomia das comunidades e dos indiviacuteduos (esta eacute a opccedilatildeo convivial)rdquo[idem pp 983089983094-983089983095] ou caso contraacuterio os limites ecoloacutegicos seratildeo ldquodetermi-nados centralmente e planificados por engenheiros ecoloacutegicosrdquo pelo que ldquoaproduccedilatildeo programada de um ambiente lsquooacutetimorsquo seraacute confiada a instituiccedilotildees

centralizadas e agraves tecnologias pesadas [hard technologies] (esta eacute a opccedilatildeotecno-fascista [hellip]) A escolha eacute simples convivialidade ou tecno-fascismordquo(idem p 983089983095)

O facto a salientar eacute que a ecologia ldquoenquanto disciplina puramente cientiacute-ficardquo natildeo implica forccedilosamente a rejeiccedilatildeo de soluccedilotildees ldquoautoritaacuteriasrdquo essa rejei-ccedilatildeo teraacute de resultar de uma ldquoescolha poliacutetica e culturalrdquo (idem) Ao contraacuteriodo que defendia em ldquoEcologia e revoluccedilatildeordquo (cf Gorz 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] pp 983089983093983091--983089983096983094) Gorz rejeita atualmente a ideia de que seja possiacutevel fundamentar cienti-

ficamente uma alternativa ecologicamente sustentaacutevel ao capitalismoNo entendimento de Gorz o socialismo e a ecologia tomados isolada-mente satildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria mas natildeo suficiente para a emancipaccedilatildeosocial A superaccedilatildeo emancipatoacuteria do capitalismo industrial passa forccedilosa-mente por uma sinergia entre socialismo e ecologia que devem ser coextensi-

vos ndash i e exige a criaccedilatildeo praacutetica de uma ecologia poliacutetica

983137 983150983141983139983141983155983155983145983140983137983140983141 983140983141 983157983149983137 983156983141983139983150983151983148983151983143983145983137 983140983145983142983141983154983141983150983156983141

Segundo Gorz a ecologia versa sobre os ldquo preacute-requisitos materiais do sistemaeconoacutemicordquo (idem itaacutelico nosso) Deste modo analisa primariamente o ldquocaraacute-ter das tecnologias atuais visto que as teacutecnicas nas quais se baseia o sistemaeconoacutemico natildeo satildeo neutras (hellip) A tecnologia eacute a matriz na qual a distribuiccedilatildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

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983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983089

de poder as relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo e a divisatildeo hieraacuterquica do trabalho

estatildeo incrustadasrdquo (idem pp 983089983096-983089983097 itaacutelico nosso)Neste sentido ldquoa luta por tecnologias dierentes eacute essencial para a luta por

uma sociedade dierente (hellip) A inversatildeo das erramentas eacute uma condiccedilatildeo un-

damental para a transormaccedilatildeo da sociedaderdquo (idem p 983089983097 itaacutelico no original)O desenvolvimento da cooperaccedilatildeo voluntaacuteria da autodeterminaccedilatildeo e da liber-dade das comunidades e dos indiviacuteduos exige a criaccedilatildeo de tecnologias quepossam ser utilizadas e controladas ao niacutevel microssocial (bairro ou pequenacomunidade) sejam capazes de gerar uma ldquoautonomia econoacutemica das cole-tividades locais e regionaisrdquo natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente sejamcompatiacuteveis com ldquoo exerciacutecio do controlo conjunto pelos produtores e consu-midores dos produtos e dos processos de produccedilatildeordquo (idem)

A autogestatildeo pressupotildee pois unidades sociais e econoacutemicas suficiente-mente pequenas (idem p 983091983097) e a existecircncia de ferramentas conviviais para quepossa ser posta em praacutetica (idem p 983092983088) As tecnologias industriais devem sersubordinadas agrave extensatildeo contiacutenua da autonomia pessoal e coletiva

Embora natildeo o designe ainda dessa forma Gorz inspira-se na visatildeo deIllich para esboccedilar ainda que de modo incipiente o conceito de uma ldquosocie-dade dualrdquo ndash a trave-mestra do seu edifiacutecio teoacuterico na deacutecada de 983089983097983096983088 Assimpor um lado temos as grandes induacutestrias ldquoplanificadas centralmenterdquo que

produziratildeo apenas aquilo que eacute requerido para satisfazer as necessidades maiselementares da populaccedilatildeo ldquotrecircs ou quatro tipos de calccedilado e vestuaacuterio dura-douros trecircs ou quatro modelos de veiacuteculos robustos e adaptaacuteveis e tudo oresto que eacute necessaacuterio para abastecer os serviccedilos e os equipamentos coletivosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da heteronomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Por outro lado cada localidade e cada bairro possuiratildeo oficinas puacuteblicasequipadas com uma vasta gama de ferramentas maacutequinas e mateacuterias-pri-

mas onde as pessoas poderatildeo ldquoproduzir para uso proacuteprio fora da economiade mercado os bens natildeo essenciais de acordo com os seus gostos e desejosrdquo(Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097) Em Adeus ao Proletariado esta seraacute designada porldquoesfera da autonomiardquo (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088])

Na perspetiva de Gorz este esboccedilo de ldquoutopiardquo corresponde agrave forma maisavanccedilada de socialismo uma sociedade sem burocracia em que o mercadodesaparece gradualmente em que as necessidades baacutesicas satildeo satisfeitas e emque ldquoas pessoas satildeo coletiva e individualmente livres de moldar as suas vidasrdquo

e de produzir natildeo apenas de acordo com as suas necessidades mas de acordocom as suas ldquofantasiasrdquo (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983097)erminarei este subponto com algumas observaccedilotildees criacuteticas Gorz salienta

a necessidade de implementar tecnologias diferentes pois a tecnologia natildeo

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983094983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

pode ser considerada uma variaacutevel ldquoneutrardquo Isto eacute obviamente verdade masseraacute que as teacutecnicas e as tecnologias produtivas natildeo satildeo determinadas pelasrelaccedilotildees sociais onde estatildeo inseridas nomeadamente pela racionalidade ins-trumental subjacente ao ldquosistema econoacutemicordquo capitalista

Agrave semelhanccedila do que sucedia em Divisatildeo do rabalho e Modo de ProduccedilatildeoCapitalist a a que jaacute fiz referecircncia Gorz defende ndash do meu ponto de vista erra-damente ndash a posiccedilatildeo contraacuteria a saber natildeo eacute a tecnologia que estaacute incrustadanas relaccedilotildees sociais mas satildeo as relaccedilotildees sociais que estatildeo incrustadas na tecno-logia emos aqui portanto a raiz da criacutetica gorziana agrave ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquotout court claramente decalcada da teoria illichiana

Ora eacute preciso realccedilar que natildeo eacute a tecnologia per se que causa a delapidaccedilatildeo dosrecursos naturais mas sim o fetichismo da mercadoria reinante no capitalismo

cuja (ir)racionalidade determina i) a prossecuccedilatildeo de um ldquocrescimento econoacute-micordquo infinito ii) a natureza das tecnologias a serem utilizadas para alcanccedilar essefim mediante um aumento a todo o custo da produtividade e da produccedilatildeo

A diminuiccedilatildeo do valor contido em cada mercadoria individual conduzao aumento exponencial da produccedilatildeo material e ao desgaste acelerado dosprodutos como tentativa de resolver as contradiccedilotildees da economia capitalista(cf Postone 983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Gorz aflora esta questatildeo (como se constatou nassecccedilotildees ldquoO pleno emprego para quecircrdquo e ldquoOs limites do crescimentordquo) pelo que

natildeo deixa de ser estranho que em simultacircneo conceba a tecnologia como aldquomatrizrdquo aprioriacutestica responsaacutevel pela siacutentese social capitalista

A ECOLO GIA NA OBRA TARDIA DE ANDREacute G ORZ

Numa entrevista de 983090983088983088983094 Gorz confidenciaraacute o seguinte ldquoA partir de 983089983097983096983088preferi tratar outros temas Jaacute natildeo tinha nada de novo a dizer sobre a ecologiapoliacuteticardquo (Gorz 983090983088983088983094 p 983092) Podemos afirmar que a primeira asserccedilatildeo eacute falsa

apesar de natildeo estar no centro das suas preocupaccedilotildees a ecologia eacute abordadapor vaacuterias vezes ao longo das deacutecadas seguintes nomeadamente em Capita-

lismo Socialismo Ecologia (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) e no artigo ldquoPolitical ecologyndash between expertocracy and self-limitationrdquo (Gorz 983090983088983089983088b [983089983097983097983090])6

No que se refere agrave segunda asserccedilatildeo sou obrigado a concordar com Gorzde facto os princiacutepios teoacutericos fundamentais da denominada ldquoecologia poliacute-ticardquo foram estabelecidos pelo autor na deacutecada de 983089983097983095983088 O tratamento das

6 Apesar do tiacutetulo a coletacircnea Ecologica (Gorz 983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) publicada postumamente natildeoacrescenta nada de verdadeiramente novo neste acircmbito A maioria dos ensaios que abordam

as questotildees ecoloacutegicas jaacute tinha sido publicada nas deacutecadas anteriores (idem pp 983095983095-983097983095 983097983096-983089983089983096983090983088983089983088b [983089983097983097983090])

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983091

questotildees de iacutendole ecoloacutegica eacute feito mediante o recurso aos instrumentos con-ceptuais e teoacutericos desenvolvidos em Ecologia e Poliacutetica embora essa argu-mentaccedilatildeo incorpore agora ndash quanto a mim desnecessariamente ndash a oposiccedilatildeohabermasiana entre heterorregulaccedilatildeo sisteacutemica e autorregulaccedilatildeo do mundo

da vidaDeve contudo ser assinalada uma dierenccedila decisiva entre a posiccedilatildeo assu-

mida por Gorz em Ecologia e Poliacutetica e aquela assumida em Capitalismo Socia-

lismo Ecologia Na secccedilatildeo intitulada ldquoAcerca do pensamento de Ivan Illichrdquo tiveoportunidade de salientar algumas diferenccedilas fundamentais entre as teorias deIllich e de Gorz Natildeo obstante durante a deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz natildeo criticavaabertamente a tendecircncia romacircntico-primitivista de Illich parecendo ateacute ado-tar essa perspetiva em algumas passagens

Ora em Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz critica explicitamenteHannah Arendt e um certo tipo de pensamento romacircntico que se inspira nosseus escritos ilustrando desse modo as diferenccedilas entre o seu pensamento eaquele de Illich Diz-nos Gorz que o caraacuteter ldquopreacute-modernordquo da maioria dasteorias ldquoeco-radicaisrdquo eacute visiacutevel numa ldquofeacute quasi-religiosa na bondade da natu-reza e de uma ordem natural que deve ser restabelecidardquo Para esses autorestodo o desenvolvimento moderno foi uma espeacutecie de ldquopecadordquo contra a ordemnatural do mundo (Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] p 983095)

Gorz censura uma criacutetica da sociedade industrial ldquopuramente abstratardquo eque toma como ponto de referecircncia modelos de sociedade ldquomedievais ou exoacute-ticosrdquo Mais importante ainda este tipo de criacutetica natildeo eacute capaz de identificarldquoexperiecircncias ou possibilidades praacuteticasrdquo emancipatoacuterias presentes nas socie-dades capitalistas e apenas estas experiecircncias poderatildeo corporizar potenciaisatos de ldquotransformaccedilatildeo socialrdquo (idem p 983094983092) Escamoteando as mesmas Arendtacaba por se limitar a ldquoopor modelos culturais fundamentalmente diferentesaos sistemas industriais que existem atualmenterdquo (idem) Ora em uacuteltima ins-

tacircncia este ldquoradicalismo abstratordquo parece advogar o regresso agraves ldquocomunida-des agraacuteriasrdquo e agraves ldquoeconomias de subsistecircnciardquo (idem) A desindustrializaccedilatildeoeacute apresentada como uma necessidade inevitaacutevel com base em argumentos(supostamente) ecoloacutegicos (idem) Se substituiacutessemos ldquoArendtrdquo por ldquoIllichrdquo aspalavras de Gorz natildeo perderiam em nada a sua adequabilidade e pertinecircncia

Pode-se concluir que se na deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia

e Poliacutetica Gorz natildeo se demarca suficientemente do entendimento primitivistada ecologia que identifiquei em Illich ndash fosse porque concordava com ele pelo

menos em parte ou porque subestimava o seu papel no pensamento de Illich ndashem Capitalismo Socialismo Ecologia Gorz sente a necessidade de distinguirclaramente a sua noccedilatildeo de ldquoecologia poliacuteticardquo das abordagens ldquoeco-radicaisrdquoprimitivistas Isto parece comprovar que apesar do seu flirt com a teoria

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983094983092 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

illichiana na deacutecada de 983089983097983095983088 Gorz nunca postulou uma criacutetica romacircntica docapitalismo

ANAacuteLISE COMPARATIVA DO PENSAMENTO DE ANDREacute GORZ

Estamos agora em condiccedilotildees de aferir a posiccedilatildeo ocupada pela obra gorziana dadeacutecada de 983089983097983095983088 no seio do pensamento do autor atraveacutes de uma anaacutelise com-parativa As principais dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz estatildeo descritas noQuadro 983089 (pp 983090983094983094-983090983094983095) que passarei agora a descrever sinteticamente

Na deacutecada de 983089983097983093983088 a principal influecircncia de Gorz foi a obra O Ser e o

Nada de Jean-Paul Sartre Assim nos seus dois primeiros livros ndash Fundamen-

tos para uma Moral (Gorz 983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) e O raidor (Gorz 983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) ndash

a temaacutetica da alienaccedilatildeo eacute analisada sobretudo do ponto de vista individualndash daquilo que Sartre designou por ldquomaacute-feacuterdquo A superaccedilatildeo da maacute-feacute exige umaprofunda autoanaacutelise por parte de cada indiviacuteduo com recurso agrave ldquopsicanaacuteliseexistencialrdquo O intuito seraacute conseguir uma ldquoconversatildeo radicalrdquo que coloque oindiviacuteduo no caminho da ldquoautenticidaderdquo e de uma conduta eticamente irre-preensiacutevel enquanto expressatildeo maacutexima da sua liberdade O conceito de tra-balho natildeo desempenha um papel fulcral nestes dois primeiros livros de Gorzembora esteja impliacutecito um entendimento positivo do mesmo assim como da

classe operaacuteria A Moral da Histoacuteria (Gorz 983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) pode ser considerada a primeira

obra marxista de Gorz acompanhando de perto as teses desenvolvidas porSartre em Criacutetica da Razatildeo Dialeacutetica (escrita na mesma eacutepoca) O trabalho eacuteagora entendido explicitamente de modo ontoloacutegico e definido como a essecircn-cia do ser humano Gorz desloca a sua atenccedilatildeo para a alienaccedilatildeo no plano social isto eacute para o trabalho alienado A dominaccedilatildeo vigente na sociedade modernaeacute conceptualizada em uacuteltima instacircncia como uma dominaccedilatildeo direta exercida

pela classe capitalista sobre a classe operaacuteria Por conseguinte a aboliccedilatildeo daalienaccedilatildeo implica libertar o trabalho do jugo que lhe eacute imposto exteriormente pelo capital Isso exige uma accedilatildeo coletiva da classe explorada o proletariadoque eacute entendido como um sujeito revolucionaacuterio aprioriacutestico A accedilatildeo do prole-tariado consistiraacute na apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo o que traduzuma conceccedilatildeo positiva da tecnologia tal como existe sob a sua forma capita-lista a ecircnfase eacute colocada somente na modificaccedilatildeo da forma da sua propriedade

juriacutedica A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista que emerge deste quadro

teoacuterico eacute a de um socialismo de Estado entendido como a preacute-condiccedilatildeo neces-saacuteria para a ldquomoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo dos indiviacuteduosO pensamento gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088 traduz o compromisso cada

vez mais vincado do autor com o marxismo tradicional Desta maneira satildeo

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

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983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

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sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983093

evidentes vaacuterios elementos jaacute introduzidos em A Moral da Histoacuteria o trabalhocontinua a ser entendido como uma constante antropoloacutegica e a dominaccedilatildeocapitalista continua ser percecionada redutoramente como uma dominaccedilatildeo declasse A classe operaacuteria ainda eacute o sujeito coletivo responsaacutevel pela emancipa-

ccedilatildeo da humanidade contudo Gorz passa a atribuir um papel determinante agravedenominada ldquonova classe operaacuteriardquo i e aos trabalhadores qualificados e comniacuteveis de competecircncias mais elevados Na sua oacutetica este grupo representa a

vanguarda do proletariado uma vez que a autonomia que estes operaacuterios exer-cem no seu trabalho ndash ainda que limitada sob o capitalismo ndash conduzi-los-aacute areivindicar um controlo cada vez maior do processo produtivo que em uacuteltimainstacircncia seraacute incompatiacutevel com os ditames da sociedade capitalista

Isto conduz-nos ao segundo conceito-chave gorziano da deacutecada de 983089983097983094983088

a autogestatildeo Influenciado por Cornelius Castoriadis e pelos grupos operaiacutes-tas italianos Gorz vecirc na autogestatildeo i e no controlo operaacuterio da produccedilatildeoindustrial o meio privilegiado de combater a alienaccedilatildeo no trabalho e de sub-

verter a hegemonia do capital O socialismo ainda eacute definido agrave semelhanccedila de A Moral da Histoacuteria como a apropriaccedilatildeo coletiva dos meios de produccedilatildeo maso modelo estatista deve agora ser combinado com o estabelecimento de conse-lhos operaacuterios Por outras palavras a planificaccedilatildeo central deve ser conjugadacom a autogestatildeo Neste sentido a sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista

assenta numa hibridizaccedilatildeo algo contraditoacuteria da teoria leninista com a teoriaconselhista (na tradiccedilatildeo de Pannekoek Mattick etc)

O iniacutecio da deacutecada de 983089983097983095983088 natildeo trouxe qualquer mudanccedila ao entendimentoontoloacutegico do trabalho nem agrave afirmaccedilatildeo do proletariado como demiurgo dosocialismo odavia a conceptualizaccedilatildeo da dominaccedilatildeo capitalista comeccedila amodificar-se em resultado da alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo gorziana de tecnologiaA tecnologia eacute agora a ldquomatriz a priorirdquo que determina a forma das relaccedilotildeessociais capitalistas Se em Divisatildeo do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista

(Gorz 983089983097983095983094a [983089983097983095983091] 983089983097983095983094b [983089983097983095983091] 983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) a dominaccedilatildeo ainda pareceser percecionada de modo subjetivo ndash a teacutecnica a tecnologia e a ciecircncia predo-minantes foram introduzidas conscientemente pela classe capitalista para asse-gurar a manutenccedilatildeo do seu domiacutenio ndash a partir de Ecologia e Poliacutetica (Gorz983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) a dominaccedilatildeo eacute eminentemente impessoal e o resultado inevitaacutevel da ldquocivilizaccedilatildeo industrialrdquo ndash capitalismo e induacutestria satildeo coextensivos pelo quea produccedilatildeo industrial eacute inerentemente opressiva e alienante

Este pessimismo anti-industrial e anticientiacutefico traduz a viragem ecoloacute-

gica no pensamento de Gorz devida sobretudo agrave influecircncia de Ivan IllichA produccedilatildeo industrial em larga escala natildeo eacute passiacutevel de ser apropriada coleti- vamente ou de ser autogerida Assim uma vez que eacute impossiacutevel aboli-la com-pletamente sem regredir para condiccedilotildees preacute-modernas a soluccedilatildeo avanccedilada

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

httpslidepdfcomreaderfullart-gorz-decada-de-1970-n-machadopdf 3535

ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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983090983094983094 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

QUADRO 983089

Dimensotildees da teoria de Andreacute Gorz

Periacuteodo

histoacuterico

Conceito

de trabalhoConceito de alienaccedilatildeo

Conceito

de dominaccedilatildeo

Sujeito

revolucionaacuterio

983089946983089958Positivo

(impliacutecito)

IndividualSuperaacutevel

(psicanaacutelise existencial)ldquoMaacute-feacuterdquo

Proletariado

(impliacutecito)

983089959Positivo

(ontoloacutegico)

SocialSuperaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Dominaccedilatildeo

diretade classeProletariado

Deacutecada

de 983089960

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Dominaccedilatildeo

direta de classe

Proletariado

(ldquoNova Classe

Operaacuteriardquo)Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089970

Positivo

(ontoloacutegico)

Social

(trabalho alienado) Ambivalecircncia Proletariado

Superaacutevel

(libertaccedilatildeo no trabalho)

Deacutecada

de 983089980

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

ldquoNatildeo-classe dos

natildeo-trabalhado-

resrdquo

Insuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Inexistecircncia[Metamorfoseshellip]

Deacutecada

de 983089990

Negativo

(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado)Impessoal

(insuperaacutevel

na esfera

heteroacutenoma)

InexistecircnciaInsuperaacutevel

(reduccedilatildeo do horaacuterio

de trabalho)

Deacutecada

de 2000

Negativo(historicamente

especiacutefico)

Social

(trabalho alienado) Impessoal

(superaacutevel)Inexistecircncia

Superaacutevel

(aboliccedilatildeo do trabalho)

por Gorz passa por um lado por limitaacute-la agrave produccedilatildeo de um conjunto redu-zido de bens essenciais e por colocaacute-la sob a eacutegide do Estado Por outro lado

devem ser adotadas ldquoferramentas conviviaisrdquo (Illich) ou seja tecnologias comum impacto ambiental reduzido e que possam ser operadas autonomamente(ldquoautogeridasrdquo) por pequenos grupos O gigantismo industrial deve sempreque possiacutevel ser substituiacutedo por uma produccedilatildeo microssocial ecologicamente

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983095

Rendimento

baacutesicoConceito de tecnologia

Visatildeo de sociedade

poacutes-capitalista

Natildeo

abordado

Positivo

(impliacutecito)ldquoMoralizaccedilatildeo da existecircnciardquo

Natildeo

abordado

Positivo (apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)Socialismo de Estado

Natildeo

abordado

Positivo

(apropriaccedilatildeo coletiva

dos meios de produccedilatildeo)

Socialismo de Estado (planificaccedilatildeo)

+ Conselhos Operaacuterios (autogestatildeo)

Natildeo

abordado

Negativo

(civilizaccedilatildeo industrial vs

ferramentas conviviais)

Produccedilatildeo microssocial

(ecologicamente sustentaacutevel)

+ Alocaccedilatildeo central

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

- Esfera da heteronomia

(mercantil)

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

- Esfera da autonomia(natildeo mercantil)

Condicional

Ambivalente

Produccedilatildeo Industrial lt=gt centralizaccedilatildeo

+ loacutegica capitalista

Sociedade Dual

Incondicional

[Miseacuterias do Pre-

sentehellip]

Produccedilatildeo Poacutes-industrial

(microeletroacutenica) lt=gt descentralizaccedilatildeo

+ loacutegica natildeo mercantil

ldquoSociedade da Multiactividaderdquo

(Miseacuterias do Presentehellip)

Incondicional

Positivo

ldquoAutoproduccedilatildeo high-techrdquo lt=gt

produtividades elevadas + controlo

autogestatildeo (ldquoapropriaacutevelrdquo)

Sociedade Poacutes-mercantil(aboliccedilatildeo do trabalho do valor

da mercadoria e do dinheiro)

sustentaacutevel A visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista corresponde assim auma rede de pequenas comunidades que produzem localmente a maioria dos

bens de que necessitam complementada pela produccedilatildeo industrial regida pelaplanificaccedilatildeo centralA deacutecada de 983089983097983096983088 traz a primeira grande rutura no pensamento de Gorz

A partir de Adeus ao Proletariado (Gorz 983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) o trabalho passa a ser

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

7252019 art Gorz deacutecada de 1970 - n machadopdf

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

vel em httpsnunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089andre-gorz-letter-to-d

pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983094983096 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

entendido de um modo negativo e como uma forma de atividade historica-

mente especiacutefica A alienaccedilatildeo do trabalho jaacute natildeo eacute superaacutevel pois o trabalhoeacute inerentemente uma atividade heteroacutenoma Consequentemente em vez delibertar o trabalho Gorz propotildee que a humanidade se liberte do trabalho

Neste sentido Gorz faz uma criacutetica feroz do movimento operaacuterio claacutessico eda sua glorificaccedilatildeo do trabalho e abandona a noccedilatildeo do proletariado enquantosujeito revolucionaacuterio Historicamente a classe operaacuteria interiorizou as cate-gorias capitalistas e limitou-se a lutar pelo reconhecimento no seio das mes-mas Gorz coloca as suas esperanccedilas de transformaccedilatildeo social naquilo quedesigna por ldquonatildeo-classe dos natildeo-trabalhadoresrdquo ndash o conjunto heterogeacuteneo dosindiviacuteduos que rejeitam a racionalidade econoacutemica e os valores capitalistasmormente o trabalho Natildeo obstante no final da deacutecada de 983089983097983096983088 em Metamor-

oses do rabalho (Gorz 983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Gorz romperaacute definitivamente com anoccedilatildeo de um sujeito aprioriacutestico ou ldquosujeito objetivordquo

Para aleacutem disso a 983091ordf Revoluccedilatildeo Industrial ndash aquela da microeletroacutenica ndashprovocou uma mudanccedila de paradigma no capitalismo doravante satildeo necessaacute-rias quantidades cada vez menores de trabalho para produzir quantidades cada

vez maiores de bens e serviccedilos Isto significa na oacutetica de Gorz a crise incontor-naacutevel do capitalismo enquanto sociedade do trabalho O trabalho jaacute natildeo podecontinuar como no passado a garantir a integraccedilatildeo social dos indiviacuteduos

Para fazer face a este estado de coisas Gorz preconiza a criaccedilatildeo de umaldquosociedade dualrdquo composta por duas esferas com loacutegicas distintas i) uma esferaheteroacutenoma macrossocial baseada na produccedilatildeo mercantil ii) uma esfera autoacute-noma microssocial baseada na produccedilatildeo natildeo mercantil O elemento-chaveda sociedade dual eacute a implementaccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica do tempordquo assente nareduccedilatildeo generalizada das horas de trabalho ldquoheteroacutenomordquo ndash que acompanheos aumentos da produtividade ndash e na redistribuiccedilatildeo equitativa do trabalho(heteroacutenomo) remanescente por todos os indiviacuteduos Em suma o aumento

exponencial da produtividade deve permitir a contraccedilatildeo contiacutenua do tempode trabalho individual dedicado agrave esfera heteroacutenoma e uma expansatildeo corres-pondente do tempo dedicado agraves atividades autoacutenomas

odavia na oacutetica (equivocada) de Gorz o valor eacute agora produzido pelasmaacutequinas pelo que eacute preciso haver uma redistribuiccedilatildeo dos ldquomeios de paga-mentordquo Deste modo a poliacutetica do tempo tem como corolaacuterio loacutegico a atri-buiccedilatildeo de um rendimento baacutesico como contrapartida do trabalho efetuadona esfera heteroacutenoma O rendimento baacutesico seraacute financiado atraveacutes do lan-

ccedilamento de um imposto sobre a produccedilatildeo (crescentemente) automatizada daesfera mercantilA dominaccedilatildeo vigente sob o capitalismo eacute inequivocamente caraterizada

como impessoal (e insuperaacutevel na esfera da heteronomia) Mas quanto agrave

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

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Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983094983097

origem dessa dominaccedilatildeo subsiste uma aporia central em Gorz Por vezes oautor eacute capaz de discernir a origem da dominaccedilatildeo impessoal capitalista na suaforma de organizaccedilatildeo social nomeadamente na desvinculaccedilatildeo e autonomiza-ccedilatildeo da economia e das categorias a ela associadas (valor mercadoria trabalho

etc) Contudo em outras ocasiotildees ndash agrave semelhanccedila do que sucedia em Ecolo- gia e Poliacutetica ndash Gorz faz da tecnologia literalmente uma espeacutecie de Deus ex

machina agrave qual eacute possiacutevel reconduzir todos os malefiacutecios do capitalismoIsto conduz-nos agrave conceccedilatildeo Gorziana de tecnologia A produccedilatildeo industrial

da esfera heteroacutenoma eacute caracterizada como irremediavelmente alienante natildeosendo passiacutevel de um controlo coletivo pois a produccedilatildeo em larga escala soacutepode ser organizada ldquoracionalmenterdquo de modo capitalista centralizado e buro-craacutetico odavia a microeletroacutenica pode ser aplicada a uma tecnologia so

em pequena escala descentralizada e portanto passiacutevel de ser gerida autono-mamente por pequenos grupos de indiviacuteduos (vislumbra-se aqui uma remi-niscecircncia das ldquoferramentas conviviaisrdquo de Ecologia e Poliacutetica) Abre-se assim a possibilidade de construccedilatildeo de um nicho de produccedilatildeo poacutes-industrial que natildeo eacuteregulado pela loacutegica mercantil

A teoria gorziana da deacutecada de 983089983097983097983088 natildeo sofre alteraccedilotildees substanciaiscomo se denota no quadro Destaca-se neste periacuteodo um maior pessimismoe reformismo do autor na sequecircncia do colapso dos paiacuteses do socialismo real

O capitalismo parece ser inultrapassaacutevel pelo que o socialismo eacute redefinidoenquanto delimitaccedilatildeo da esfera de atuaccedilatildeo ldquolegiacutetimardquo da racionalidade econoacute-mica

Na deacutecada de 983090983088983088983088 ocorre a segunda grande rutura no pensamento deAndreacute Gorz em virtude da descoberta da corrente contemporacircnea conhecidacomo Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158)7 O entendimento negativo do trabalho jaacute

7 Esta corrente de pensamento surge em finais da deacutecada de 983089983097983095983088meados da deacutecada de 983089983097983096983088

e tem raiacutezes na Escola de Frankfurt e na criacutetica da economia poliacutetica de Marx nomeadamentenas suas teorias do fetichismo e da crise Os seus principais representantes satildeo Robert Kurz

(na Alemanha) Moishe Postone (nos 983141983157983137) e Jean-Marie Vincent (em Franccedila) [Jappe 983090983088983088983094]Ao contraacuterio do marxismo tradicional a 983150983139983158 revecirc-se no nuacutecleo ldquoesoteacutericordquo (Kurz 983090983088983088983089) dateoria de Marx o escacircndalo jaacute natildeo eacute o ldquoroubordquo pelos capitalistas da mais-valia produzida pelos

trabalhadores mas a proacutepria produccedilatildeo de valor e o proacuteprio trabalho enquanto substacircncia dessemesmo valor Recuperando a teoria do fetichismo de Marx a 983150983139983158 empreende uma criacutetica radi-cal do ldquosistema produtor de mercadorias da modernidaderdquo evidenciando a necessidade de abolir

as suas categorias de base que tendem a ser ontologizadas inclusive pelos autodenominadosmarxistas valor mercadoria trabalho Estado mercado etc Se as sociedades preacute-capitalistas

eram marcadas por relaccedilotildees de dominaccedilatildeo direta no contexto de um fetichismo de naturezareligiosa o capitalismo eacute caracterizado por uma dominaccedilatildeo impessoal quasi-objetiva (Postone

983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) Estamos na presenccedila de uma ldquosegunda naturezardquo na qual as relaccedilotildees sociais seautonomizam e se erguem como um poder estranho

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983095983088 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

natildeo se consubstancia numa mera reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho mas naaboliccedilatildeo do trabalho tout court i e na sua superaccedilatildeo praacutetica enquanto formade atividade fetichista e historicamente especiacutefica Isto significa que a aboliccedilatildeoda alienaccedilatildeo e da heteronomia passam a ser concebiacuteveis

Gorz adota igualmente a distinccedilatildeo basilar entre riqueza (material e ima-terial) e valor econoacutemico A crise do trabalho significa forccedilosamente a crisedo valor o que coloca em cheque a reproduccedilatildeo da economia capitalista Nestesentido o rendimento baacutesico jaacute natildeo pode ser financiado ad infinitum atra-

veacutes dos impostos coletados pelo Estado mas teraacute de ser encarado como umamedida de emergecircncia de caraacuteter transitoacuterio

Gorz abandona definitivamente o conceito de sociedade dual uma vezque natildeo haacute nenhuma esfera pretensamente ldquoautoacutenomardquo que escape agrave influecircn-

cia do valor A sociedade capitalista tem de ser transcendida na sua totalidadeIsto significa que a dominaccedilatildeo impessoal (anteriormente imputada agrave ldquoesferaheteroacutenomardquo) passa a ser superaacutevel

No que diz respeito agrave tecnologia a disseminaccedilatildeo da microeletroacutenica ndash eem particular da informatizaccedilatildeo e da automaccedilatildeo ndash tornam possiacutevel o esta-belecimento da denominada ldquoautoproduccedilatildeo high-techrdquo Em outros termos eacutepossiacutevel implementar uma produccedilatildeo em pequena escala com produtividadesextremamente elevadas que seja plenamente controlaacutevel e gerida autonoma-

mente Portanto para o uacuteltimo Gorz a produccedilatildeo industrial em larga escalaparece ser tendencialmente substituiacutevel pela produccedilatildeo em rede poacutes-industrial

A sua visatildeo de uma sociedade poacutes-capitalista eacute pois a de uma sociedade poacutes-mercantil em que o trabalho o valor a mercadoria e o dinheiro satildeo com-

pletamente abolidos o que se coaduna perfeitamente com a teoria da NovaCriacutetica do Valor8

8 A convergecircncia da teoria do Gorz tardio com aquela da Nova Criacutetica do Valor (983150983139983158) eacutereconhecida por Anselm Jappe (Jappe 983090983088983089983091) um dos principais autores desta corrente e porFranccediloise Gollain (Fourel amp Gollain 983090983088983089983091) amiga iacutentima e uma das principais estudiosas do

pensamento de Gorz Jappe (983090983088983089983091) destaca os seguintes aspetos comuns entre ambos os corposteoacutericos i) entendimento do trabalho como uma categoria historicamente especiacutefica ii) iden-tificaccedilatildeo da crise do trabalho e por conseguinte da crise do capitalismo iii) o entendimento

da explosatildeo do ldquocapital fictiacuteciordquo como um sintoma e natildeo como a causa da crise econoacutemicaiv) A superaccedilatildeo da crise do trabalho requer a superaccedilatildeo do proacuteprio trabalho ndash no sentido hege-

liano de aufebung ndash assim como a aboliccedilatildeo do valor (econoacutemico) produzido pelo trabalho eda forma-mercadoria v) criacutetica da noccedilatildeo de um sujeito (coletivo) revolucionaacuterio aprioriacutestico

(proletariado ldquomultidatildeordquo etc) i e da noccedilatildeo paradoxal de um ldquosujeito objetivordquo vi) conceccedilatildeoda dominaccedilatildeo vigente no capitalismo como uma dominaccedilatildeo impessoal

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

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983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093b [983089983097983095983091]) ools or Conviviality 983157983147 FontanaCollins

983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983089

CONCLUSAtildeO

Aquilo que de um ponto de vista ecoloacutegico apa-

rece como uma poupanccedila [ saving ] (durabilidade

dos produtos prevenccedilatildeo de doenccedilas e de aciden-tes menores consumos de energia e de recursos)

reduz a produccedilatildeo de riqueza mensuraacutevel eco-

nomicamente sob a orma do 983152983150983138 e aparece ao

niacutevel macroeconoacutemico como um aspeto negativo

( source of loss )[Gorz 983089983097983097983092 [983089983097983097983089] pp 983091983090-983091983091]

Ao longo da deacutecada de 983089983097983095983088 e particularmente em Ecologia e Poliacutetica Gorz

defende um conjunto de teses que seratildeo devidamente aprofundadas nas suasobras das deacutecadas seguintes Em primeiro lugar Gorz aponta como causasprincipais para a crise do capitalismo o sobredesenvolvimento das capacida-des produtivas e a destruiccedilatildeo do meio ambiente causada pelas tecnologias uti-lizadas Esta crise apenas poderaacute ser superada mediante a criaccedilatildeo de um novomodelo de produccedilatildeo que rompa com a racionalidade econoacutemica utilize comcautela os recursos natildeo renovaacuteveis e diminua o consumo de energia e de mateacute-rias-primas (Gorz 983089983097983096983088 [983089983097983095983093] p 983092983088)

Em segundo lugar o autor alerta contudo que a superaccedilatildeo da racionali-dade econoacutemica pode assumir a forma tanto de uma ldquoregulaccedilatildeo centralizadatecno-fascistaldquo como de uma ldquoautogestatildeo convivialrdquo (idem pp 983092983088-983092983089) O tec-no-fascismo apenas poderaacute ser evitado atraveacutes de uma expansatildeo da sociedadecivil que por sua vez depende da criaccedilatildeo de ferramentas e tecnologias quefomentem a soberania individual e comunitaacuteria (idem p 983092983089)

Em terceiro lugar Gorz salienta que a ligaccedilatildeo histoacuterica entre ldquomaisrdquo eldquomelhorrdquo foi quebrada Hoje em dia eacute possiacutevel viver melhor trabalhando e

consumindo menos desde que sejam produzidos bens de maior durabilidadee que natildeo sejam prejudiciais ao meio ambiente (idem)Finalmente o desemprego nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas

reflete na oacutetica do autor a diminuiccedilatildeo do trabalho socialmente necessaacuterioEste fenoacutemeno demonstra que seria possiacutevel reduzir os horaacuterios de trabalhose toda a gente trabalhasse A reduccedilatildeo dos horaacuterios de trabalho poderia seracompanhada pela expansatildeo das atividades livremente escolhidas pelos indi-

viacuteduos (idem)

Estas teses representam uma grande mudanccedila relativamente agrave teoria gor-ziana da deacutecada de 983089983097983094983088 em que o autor defendia um modelo de socialismomais ou menos estatista e em que o trabalho era entendido de modo positivoenquanto essecircncia do ser humano Pode-se concluir que a ldquoviragem ecoloacutegicardquo

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

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983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

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rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

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capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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983090983095983090 NUNO MIGUEL CARDOSO MACHADO

do pensamento de Andreacute Gorz foi uma etapa decisiva para o abandono dospredicados do marxismo tradicional e para o desenvolvimento de uma teoriafrancamente original e heterodoxa nas deacutecadas subsequentes

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

983137983162983137983149 G (983090983088983089983091) ldquoLrsquo aube drsquoun nouvel humanismerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983089983088983093-983089983089983093983138983151983159983154983145983150983143 F (983090983088983088983088) Andreacute Gorz and the Sartrean Legacy ndash Arguments or a Person-Centred

Social Teory Londres Macmillan e Nova Iorque St Martinrsquos Press

983138983154983151983151983147983155 C D (983090983088983089983088) Exile an Intellectual Portrait o Andreacute Gorz ese de doutoramento SantaCruz University of California

983139983137983155983156983141983148 R (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et le travail une interpreacutetation critique In A Cailleacute e C Fourel(eds) Sortir du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de lrsquoeau pp 983092983091-983093983094

983140983157983152983157983161 J-P (983090983088983089983091) ldquoGorz et Illichrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du capitalisme ndash Le

sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquo eau pp 983097983097-983089983088983091

983142983141983154983150983137983150983140983141983155 V (983090983088983088983096) ldquoA racionalizaccedilatildeo da vida como processo histoacuterico criacutetica agrave racionali-dade econoacutemica e ao industrialismordquo Cadernos 983141983138983137983152983141983138983154 983094 (983091) pp 983089-983090983088

983142983151983157983154983141983148 C 983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz penseur de lrsquoeacutemancipationrdquo La Vie des Ideacutees

983088983091-983089983090-983090983088983089983091 Disponiacutevel em httpwwwlaviedesideesfrIMGpdf983090983088983089983091983089983090983088983091_gorz983089-983090pdf[consultado em 983089983090-983089983090- 983090983088983089983092]

983143983151983148983148983137983145983150 F (983090983088983088983088) Une critique du travail entre eacutecologie et socialisme Paris Eacuteditions La Deacutecouverte983143983151983154983162 A (983089983097983094983092) ldquoCall for intellectual subversionrdquo Te Nation 983090983093-983088983093-983089983097983094983092 pp 983093983091983092-983093983091983095983143983151983154983162 A (983089983097983094983096) O Socialismo Diiacutecil Rio de Janeiro Zahar Editores983143983151983154983162 A (983089983097983094983097 [983089983097983093983097]) Historia y Enajenacioacuten Meacutexico Fondo de Cultura Econoacutemica

983143983151983154983162 A (983089983097983095983093 [983089983097983094983092]) ldquoEstrateacutegia operaacuteria e neocapitalismordquo In A Gorz Reorma e RevoluccedilatildeoLisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983095983091-983090983094983089

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094a [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (I) Lisboa Iniciativas Editoriais

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094b [983089983097983095983091]) Criacutetica do Capitalismo Quotidiano (II) Lisboa Iniciativas Editoriais983143983151983154983162 A (983089983097983095983094c [983089983097983095983091]) ldquoPrefaacuteciordquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do rabalho e Modo de Pro-

duccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983095-983089983096

983143983151983154983162 A (983089983097983095983094d [983089983097983095983091]) ldquoO despotismo de faacutebrica e o seu futurordquo In A Gorz et al Divisatildeo

Social do rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983096983095-983097983095983143983151983154983162 A (983089983097983095983094e [983089983097983095983091]) ldquoeacutecnica teacutecnicos e luta de classesrdquo In A Gorz et al Divisatildeo Social do

rabalho e Modo de Produccedilatildeo Capitalista Porto Escorpiatildeo pp 983090983091983097-983090983096983092983143983151983154983162 A (983089983097983095983095 [983089983097983093983093]) Fondements pour une morale Paris Editions Galileacutee983143983151983154983162 A (983089983097983096983088 [983089983097983095983093]) Ecology as Politics Montreacuteal Black Rose Books

983143983151983154983162 A (983089983097983096983090 [983089983097983096983088]) Farewell to the Working Class ndash An Essay on Post-Industrial Socialism Londres e Sydney Pluto Press

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097a [983089983097983096983096]) Critique o Economic Reason Londres e Nova Iorque Verso

983143983151983154983162 A (983089983097983096983097b [983089983097983093983096]) Te raitor Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983092 [983089983097983097983089]) Capitalism Socialism Ecology Londres e Nova Iorque Verso983143983151983154983162 A (983089983097983097983095 [983089983097983097983091]) ldquoA dialogue with Gorzrdquo In C Lodziak e J atman Andreacute Gorz ndash A Cri-

tical Introduction Londres e Chicago Pluto Press pp 983089983089983095-983089983091983089

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

983143983151983154983162 A (983090983088983088983094) ldquoOugrave va lrsquoeacutecologierdquo Le Nouvel Observateur 983089983092-983089983090-983090983088983088983094 Disponiacutevel em https

nunomiguelmachadofileswordpresscom983090983088983089983090983088983089entrevista-oc983091b983097-va-lc983091a983097cologiepdf[consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]

983143983151983154983162 A (983090983088983088983097 [983090983088983088983094]) Letter to D ndash A Love Story Cambridge e Malden Polity Press Disponiacute-

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pdf [consultado em 983089983090-983089983090-983090983088983089983092]983143983151983154983162 A (983090983088983089983088a [983090983088983088983096]) Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books

983143983151983154983162 A (983090983088983089983088b [983089983097983097983090]) ldquoPolitical ecology between expertocracy and self-limitationrdquo In AGorz Ecologica Londres Nova Iorque e Calcutaacute Seagull Books pp 983092983091-983095983094

983144983145983154983155983144 A (983089983097983096983089) Te French New Le An Intellectual History rom Sartre to Gorz Boston South

End Press983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983095983093a) A Expropriaccedilatildeo da Sauacutede ndash Necircmesis da Medicina Rio de Janeiro Editora

Nova Fronteira 983091ordf ed

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983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983096983088) ldquoVernacular valuesrdquo Philosophica 983090983094 pp 983092983095-983089983088983090983145983148983148983145983139983144 I (983089983097983097983094 [983089983097983095983096]) Te Right to Useul Unemployment Londres Marion Boyers 983090ordf ed

983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

taclixptrkurz983097983095htm [consultado em 983089983094-983088983091-983090983088983089983092]

983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

983152983141983156983145983156983146983141983137983150 P (983090983088983089983091) ldquoDu lsquogauchismersquo agrave lrsquoeacutecologie politiquerdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir

du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

pp 983091983093-983093983088

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983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143

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ECONOMIA ECOLOGIA E TECNOLOGIA NA OBRA DE ANDREacute GORZ 983090983095983091

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Nova Fronteira 983091ordf ed

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983146983137983152983152983141 A (983090983088983088983094) As Aventuras da Mercadoria ndash Para uma Nova Criacutetica do Valor Lisboa Antiacute-gona

983146983137983152983152983141 A (983090983088983089983091) ldquoAndreacute Gorz et la critique de la valeurrdquo In A Cailleacute e C Fourel (eds) Sortir du

capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983089983094983089-983089983094983097983147983157983154983162 R (983090983088983088983089) ldquoAs leituras de Marx no seacuteculo 983160983160983145 983090983088983088983089rdquo Disponiacutevel em httpobecoplane-

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983148983145983156983156983148983141 A (983090983088983089983091 [983089983097983097983094]) Te Political Tought o Andreacute Gorz Nova Iorque Routledge 983090ordf ed983149983137983156983151983155 J N (983090983088983089983092) ldquorabalho e autonomia em Andreacute Gorzrdquo In 983157983150983145983152983151983152 (ed) Pensamento Criacute-

tico Contemporacircneo Lisboa Ediccedilotildees 983095983088 pp 983090983090983095-983090983092983088

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du capitalisme ndash Le sceacutenario Gorz Paris Le Bord de Lrsquoeau pp 983090983091-983091983091983152983151983155983156983151983150983141 M (983090983088983088983091 [983089983097983097983091]) ime Labor and Social Domination a Reinterpretation o Marxrsquos

Critical Teory Nova Iorque e Cambridge Cambridge University Press 983090ordf ed983155983145983148983158983137 J P (983089983097983097983097) ldquoO lsquoAdeus ao Proletariadorsquo de Gorz vinte anos depoisrdquo Lua Nova Revista de

Cultura e Poliacutetica 983092983096 pp 983089983094983089-983089983095983092

983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983090) Andreacute Gorz ndash rabalho e Poliacutetica Satildeo Paulo Annablume983155983145983148983158983137 J P (983090983088983088983097) ldquoensatildeo entre tempo social e tempo individualrdquo empo Social 983090983089 (983089)

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Recebido a 983090983088-983088983089-983090983088983089983093 Aceite para publicaccedilatildeo a 983089983093-983088983095-983090983088983089983093

983149983137983139983144983137983140983151 N M C (983090983088983089983094) ldquoDe Marx a Illich economia ecologia e tecnologia na obra de Andreacute Gorz da

deacutecada de 983089983097983095983088rdquo Anaacutelise Social 983090983089983097 983148983145 (983090ordm) pp 983090983092983088-983090983095983091

Nuno Miguel Cardoso Machado raquo nunococasmachadogmailcom raquo Universidade de Lisboa 983145983155983141983143