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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

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  • ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

  • SUMRIO

    SEO 1 ARTE E ENSINO

    1. ARTES, ATUALIDADE E ENSINO

    Irene Tourinho (UFG)

    2. A EDUCAO DO SENSVEL

    Ana Laura Rolim da Frota (UFRGS)

    3. A REIMPLANTAO DA EDUCAO MUSICAL NO ENSINO FUNDAMENTAL e

    MDIO: A OFICINA DE LINGUAGEM MUSICAL - UMA PEDAGOGIA PARA O

    SCULO 21

    Luiz Carlos Cseko

    4. A TOTALIDADE E A APRENDIZAGEM MUSICAL, CONFORME A PEDAGOGIA

    MUSICAL ATIVA DE JOS WUYTACK.

    Lus Bourscheidt (IFPR)

    5. EDUCAO MUSICAL NA DISCIPLINA DE ARTE: PERSPECTIVAS

    CURRICULARES PARANAENSES.

    Daiane Solange Stoeberl da Cunha (UNICENTRO)

    6. A MULTIPLICIDADE DE CAMINHOS, ATRAVESSAMENTOS E SENTIDOS DAS

    AES DE DANA: A ARTE DE EDUCAR, A EDUCAO ATRAVS DA ARTE E A

    FORMAO DO ARTISTA NA CONTEMPORANEIDADE.

    Lgia Losada Tourinho (UFRJ)

    7. A ARTE, A AFETIVIDADE E O SISTEMA EDUCACIONAL: ENSAIO A CERCA DE

    CONVERGNCIAS E DIVERGNCIAS NAS CONCEPES DE

    DESENVOLVIMENTO HUMANO.

    Ren Simonato Sant'Ana

    Mrcia Cristina Cebulski

    Helga Loss

    SEO 2 PROCESSOS CRIATIVOS

    8. LIVE-ELECTRONICS: OBRA ENQUANTO PROCESSO DINMICO E

    INTERATIVO

    Rael B. Gimenes Toffolo (UEM)

    9. INSTALAES E INTERATIVIDADE, PORTA ABERTA AO PBLICO

    Adriana Vaz (UFPR)

    10. ENTRELAA, DISTENDE, DIALOGA, REGISTRA: ALGUMAS REFLEXES

    SOBRE DANA E TECNOLOGIA

    Elisa Abro(UFG)

  • Mizael Luis Vitor(Unicentro)

    11. ROSALIND KRAUSS E O EQUIVALENTE VISUAL DA ARTE ABSTRATA DE JACKSON POLLOCK E HELENA WONG.

    Clediane Loureno(UDESC)

  • APRESENTAO

    Este livro resultado do evento anual promovido pelo Departamento de Arte-

    Educao da Unicentro- Universidade Estadual do Centro-Oeste, o Simpsio de Arte-

    Educao. Nos dias 04 a 08 de outubro de 2010, realizou-se a oitava edio do evento, no

    campus Santa Cruz, em Guarapuava-Pr.

    O evento teve como tema as discusses sobre Arte, Atualidade e Ensino, sendo

    este o foco das palestras, mesas-redondas e comunicaes realizadas durante todas a

    programao.

    Com o objetivo de possibilitar aos acadmicos do curso de Arte-

    educao/UNICENTRO, aos professores de Arte da regio de Guarapuava, aos

    pesquisadores, artistas e a comunidade em geral a vivncia em processos criativos e em

    arte e ensino o Simpsio de Arte-educao um dos principais eventos da rea na regio,

    busca possibilitar complementao extracurricular de estudos na rea de Arte em contato

    com pesquisadores do Brasil e do exterior; realizar disseminao de conhecimento

    cientfico em Arte e Ensino, e Processos Criativos em Arte; garantir a interao entre

    pesquisadores, estudantes, professores e artistas locais e nacionais; viabilizar a melhoria

    qualitativa da pesquisa e da prtica pedaggica em Arte, tanto na Educao Bsica quando

    no Ensino Superior.

    Diante do contedo apresentado nesta obra, possvel compreender a importncia

    da disseminao das discusses e embates tericos presentes neste evento. As Sees Arte

    e Ensino e Processo Criativos apresentam duas linhas de pesquisa em Arte e sobre Arte,

    fundamentais para quaisquer prticas em Arte-Educao. Os autores de cada captulo,

    apresentam de forma sistematizada as falas proferidas no evento, assim, o conhecimento

    disseminado entre os participantes e ouvintes, agora torna-se acessvel queles que no

    foram privilegiados com a presena real de cada autor no evento, entretanto, suas falas

    esto vivas nesta obra!

    Convido a voc leitor, realizar um mergulho nestes textos, ampliando seu

    conhecimento e anlise sobre questes da arte e do ensino atuais.

    Ms. Daiane Solange Stoeberl da Cunha

    Organizadora

  • PREFCIO

    O conjunto de produes intelectuais aqui reunidas saberes da arte - trazem

    intrnsecos as discusses entre cincia, pesquisa, experincia sensvel e cognitiva e

    metodologias, atendendo concretamente s necessidades da formao do profissional que

    atua com o ensino da arte, estando todas as explanaes atreladas s nossas linhas de

    pesquisas do curso pois articulam processos de ensino e processos criativos.

    Os artigos iniciam com as questes de arte e ensino,voltados para a formao de

    professores e do currculo articulado com a prxis pedaggica. Especialmente evidencia-se

    a rea de msica, legitimada recentemente na realidade educacional, cujos estudos aqui

    apresentados contemplam a construo do conhecimento nesta rea de forma significativa

    nas suas relaes entre educao e arte, possibilitando a ampliao de fazeres pedaggicos.

    Na abordagem de pesquisas em processos criativos, percebe-se que os elementos do fazer,

    da tcnica, da elaborao e da reflexo, estruturam-se a partir de um esprito investigativo

    sistemtico que oportuniza a ampliao da sensibilidade e da criatividade.

    De uma maneira geral os artigos constituem-se em reflexes acerca da relao

    entre arte e educao, arte e processos de ensino, resultando num eficiente aparato que

    subsidiar a docncia de educadores no ensino da arte. Ressaltam-se em todas as

    produes a relevncia dos processos expressivos, vivenciados pelos pesquisadores, como

    situaes autorais em que se pode identificar-se enquanto ser no mundo, bem como seres

    resultantes de sua cultura.

    Os diferentes estudos apresentam-se como elementos imprenscindveis no contexto

    educacional, por sua contribuio na investigao artstica, esttica, cognitiva, emocional e

    sobretudo, educacional. Pedagogicamente, atravs da criatividade, a arte oferece

    possibilidades diversificadas, enriquecendo o processo educacional. O e book estrutura-se

    em dois momentos, sendo que o primeiro posiciona os conhecimentos educacionais da

    atualidade, ao mesmo tempo em que destaca a importncia do ensino para a disseminao

    dos saberes do homem. Na sequncia, evidenciam os processos criativos.

    As discusses balizam-se entre os aspectos epistemolgicos, sociolgicos,

    educacionais e artsticos da arte e argumentam-se no pensamento de uma prtica critica e

  • transformadora pautada nas relaes multifacetadas do indivduo, escola, arte e sociedade

    contempornea.

    Entre as diferentes abordagens metodolgicas utilizadas, o que destaca-se a

    metodologia dialgica como pressuposto na compreenso da Arte e de suas variantes,

    evidenciando a expresso e o pensar criativo dando significatividade aos processos de

    ensino-aprendizagem, enriquecendo estudos na rea dando uma abrangncia a sua

    apreciao de forma sensvel e crtica, desencadeando um pensamento multidimensional,

    nos seus aspectos crticos e criativos resultando-se num enriquecedor dilogo entre saberes

    que subsidiam encaminhamentos a futuras pesquisas e processos criativos e/ou educativos.

    Percebe-se que a arte realizada no ambiente educativo transforma-se em fundamental

    desenvolvimento humano, resgatando-lhe sua inteireza enquanto SER NO MUNDO, pois

    dialoga RAZO E EMOO, FANTASIA E REALIDADE, os autores desta coletnea

    foram muito felizes na forma com que dissiminaram suas experincias em arte atravs de

    suas proposies, produes, apropriaes artsticas, pois estimulam a autonomia

    intelectual, a indepednncia e compreenso de nossa contemporaneidade numa consistente

    construo de exerccio esttico voltados para uma educao realmente emancipadora.

    Profa. Ms. Eglecy do Rocio Lippmann

  • SEO 1

    ARTE E ENSINO

  • Artes, Atualidade e Ensino

    Irene Tourinho1

    Foi com muito prazer que recebi o convite para participar do VIII Simpsio de Arte

    Educao promovido pelo Departamento de Arte-Educao da Universidade Estadual do

    Centro-Oeste, em Guarapuava, Paran. Prazer e susto, posso dizer. O susto veio com o

    tema, bastante abrangente para ser tratado apenas numa nica fala para abrir o evento. Mas

    a organizao do Simpsio foi convincente acerca da escolha do tema. Daiane Cunha,

    coordenadora geral e pessoa de muita garra, competncia e amabilidade, me persuadiu a

    cometer o risco de abord-lo. Agora, passado aquele primeiro susto, encaro este segundo

    que traduzir a fala em texto. Muitos de ns sabemos das dificuldades dessa operao.

    Ao falar, temos a liberdade de buscar, em voz alta, palavras mais adequadas ou

    atraentes; podemos rechear os pensamentos com parntesis imaginrios que esclarecem ou

    exemplificam nossas ideias, alm de podermos re-dizer coisas e contar com a contribuio

    gestual, sonora, corporal e visual. Mais que isso, os olhares que nos olham e as expresses

    que percebemos, ajudam a reforar alguns pontos estimulando determinadas nfases e

    dando vida quilo que falamos.

    Porm, o convite para publicar aquelas ideias que compartilhamos no evento

    tambm foi irrecusvel, o que no significa reduo do susto. Pelo contrrio. um susto,

    outra provocao que enfrento. Assim, minha inteno tocar em algumas teclas, insinuar

    algumas temticas e explicitar preocupaes que vieram tona na caminhada que me levou

    at a apresentao e participao no evento. Certamente ficaro de fora muitos

    pensamentos que me ocorreram e foram manifestados durante a fala, mas, principalmente,

    no incluo vrias reflexes que ampliaram, aprofundaram e geraram questionamentos

    fundamentais para o tema, trazidas pelo pblico que, sem demonstrar cansao, permaneceu

    contribuindo com a discusso muito tempo depois de esgotadas minhas anotaes.

    O caminho que escolhi para abordar o tema comea com uma rpida reviso sobre

    1 Irene Tourinho Professora Titular da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Gois, docente e coordenadora (2009/2013) do Programa de Ps-Graduao em Arte e

    Cultura Visual Mestrado/Doutorado, mestre pela Universidade de Iowa, doutora pela Universidade de Wisconsin Madison (EUA) e ps-doutora pela Universidade de Barcelona, Espanha. Foi professora visitante na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona e na

    Universidade Ambedkar, em Nova Delhi, ndia.

  • algumas questes insistentes da atualidade. Questes insistentes da atualidade nos

    perturbam, inquietam e instigam. Dizer no ao presente loucura e futilidade porque o

    agora no um inimigo ou uma limitao. , antes de tudo, um desafio. Atravessado esse

    primeiro trecho da caminhada, concentro-me em algumas temticas que representam

    demandas para pensar a educao e, ao mesmo tempo, apontam para universos de

    experimentaes a partir dos quais diversas propostas artsticas tem derivado. Ao final,

    levanto algumas ideias que percebo como pistas de reflexo para orientar o fazer docente

    em artes. Optei por no fazer referncias a autores, a no ser quando os cito diretamente.

    Guardo, assim, um gosto de fala que no se interrompe para dizer quem inspirou a ideia.

    Porm, est claro, tudo que sei e que escrevo aprendi com algum, seja diretamente ou

    atravs de suas produes.

    Questes insistentes

    Escolhi um recorte de um trabalho de Brower Hatcher (imagem abaixo), um

    estadunidense formado em design industrial, como imagem alusiva de questes insistentes

    que caracterizam a atualidade. Trs motivos me incitaram para a escolha desta imagem,

    sem contar os gracejos que caberiam aqui em relao ao ttulo do trabalho Profecia dos

    Antigos e o uso que fao dela para pensar questes insistentes da atualidade.

    Profecia dos Antigos, 1988, Brower Hatcher Walker Art Center Minneapolis Sculputre Garden

    Primeiramente, a imagem evoca um imaginrio preenchido com inmeras

    possibilidades de conexo, de entrecruzamentos, de interterritorialidades que constroem e

    afagam os campos de saber e das prticas. um visual rizomtico e, nesse sentido, nos fala

    da atualidade. Atravs dessas evocaes, somos chamados a pensar o presente a partir de

  • nfases que recaem sobre a multisensorialidade dos processos que experimentamos, sobre

    a transdisciplinaridade ou anti-disciplinaridade que tem impulsionado projetos e

    demandas artsticas e culturais e, alm disso, aberto mltiplos espaos e formas de ver o

    mundo, compreende-lo e transforma-lo.

    Em segundo lugar, a imagem serve para aludir ideia de agilidade, de pontos de

    encontro fugazes, efmeros, transitrios, multidirecionais. A atualidade sentida, com

    ferocidade, a partir de seus ritmos acelerados que nos impem envolvimentos em projetos

    somente a curto prazo. Estamos quase que impedidos de projetar a longo prazo. Antes de

    terminar um projeto j estamos envolvidos em outro e cada um parece viver apenas um

    tempo mnimo, nascendo com data de validade quase vencida.

    intensa a sensao de vivermos a ditadura da velocidade, como muitos

    apontaram. Arrastados de um projeto a outro, de uma demanda a outra, varejizamos nossa

    vida intelectual, emocional e profissional. No temos tempo para acompanhar o ritmo das

    informaes e inovaes e, ainda menos, para avalia-las. Este ritmo incessante de vida tem

    sido um lamento constante em diversas profisses, resultando em stress, falta de

    motivao, depresso... A quantidade de informao disponvel gera o que j foi

    denominado de ansiedade da informao, uma doena que nos acomete sem deixar

    chances de virar o jogo. A oferta suplanta, em muito, nossa capacidade de apreenso. Este

    carter efmero das experincias nos faz viver o instante, mesmo quando tentamos reter as

    horas.

    O terceiro motivo de ter escolhido essa imagem para vislumbrar questes

    insistentes da atualidade diz respeito ao fato de que ela nos permite pensar juntando a

    ampliao de possibilidades de agenciamentos e interpretaes que a atualidade oferece e

    estimula, e o carter transitrio que qualifica nossas experincias contemporneas na

    idia de incertezas, de paradoxos, de contradies que nos assolam cotidianamente. Tais

    incertezas e contradies se apresentam junto com o surgimento de novas formas de

    controle e de dominao: atualmente estamos sendo vistos e acompanhados, vigiados,

    regulados e controlados a todo momento.

    Essa idia de incerteza guarda afinidades com o texto do filsofo espanhol Jos

    Maria Marina (2004), em Crnicas da Ultramodernidade, que sintetiza de maneira

    extraordinria os paradoxos que caracterizam a atualidade. No h necessidade de explic-

    los, pois nossa experincia fornece exemplos suficientes para compreend-los e senti-los

    na pele: (1) O mundo se globaliza e se nacionaliza simultneamente; (2) Aumenta a

  • produo de bens, mas diminui o trabalho; (3) Vivemos em uma sociedade tecnolgica,

    mas desconfiamos da tecnologia; (4) Confiamos parte de nossa liberdade aos polticos,

    mas desconfiamos deles; (5) No sabemos se estamos progredindo ou retrocedendo, e

    (6) Cremos que o conhecimento importante, mas so os sentimentos que nos fazem

    felizes ou desgraados. (p. 24-27).

    Este panorama das muitas questes que nos marcam no esgotam, certamente, os

    impasses, embates e disputas que enfrentamos cotidianamente. Porm, quero destacar mais

    uma, j analisada como uma nova forma de escravido que hoje nos atinge e confronta. A

    imagem de Hatcher tem menos impacto aqui, apesar de que as tramas que ela constri

    podem tambm aludir a limites e, principalmente, a espaos que nos demarcam. Refiro-me

    sensao, esta forte impresso de que ter vale mais do que ser e, mais grave do que isso,

    a sensao de que aparecer, vale ainda mais do que ter. Assim, no apenas nossas

    intimidades so invadidas, mas muitos se esforam para que haja esta invaso: paga-se

    para aparecer, para revelar as intimidades e para estar exposto, de preferncia, em todas as

    circunstncias.

    Um exemplo que li recentemente, ilustra bem a situao atual: Quando nos damos

    conta de que conhecemos melhor a imagem de algum que nunca vimos, como a de Gisele

    Bndchen, por exemplo, do que a do nosso prprio vizinho, algo mudou profundamente na

    nossa relao com o mundo, na nossa vida diria. Algo profundamente complexo alterou

    nossa existncia.

    Sem querer reforar a onda quantificadora reinante nas diversas esferas da vida

    institucional, social e cultural onde os nmeros muitas vezes falam mais alto resultando

    no apagamento de questes qualitativas - aponto algumas estatsticas atuais que se

    entrelaam com paradoxos e complexidades com os quais convivemos.

    Uma pesquisa feita pelo Centro de Polticas Sociais da Fundao Getlio Vargas,

    denominada Motivos da Evaso Escolar (http://www.folha.uol.com.br/), destacou que

    40% dos jovens no esto interessados na escola que temos. No esto interessados porque

    se sentem fora dela, se percebem desconsiderados ali. Ambiente? Contedos? Mtodos?

    Recursos? Propostas? No h resposta fcil e estas esferas no podem ser separadas.

    Tendemos a pensar que as novas tecnologias solucionaro os problemas. Porm, apesar de

    sabermos que a internet facilita, e muito, o intercmbio de conhecimentos e a circulao de

    ideias, ela no possui traos menos ambivalentes que qualquer outra inovao tecnolgica.

    No nos cabe, nesse sentido, subestim-la nem supervaloriz-la.

  • Outros dados tambm contribuem para refletirmos sobre questes insistentes que

    nos atordoam ao mesmo tempo que incitam nossas possibilidades de agir para romper, para

    transformar o mundo em que vivemos. Carlos Fuentes (2010) nos apresenta macro-

    estatsticas mostrando que se, por um lado, onze bilhes de dlares financiam as

    necessidades fundamentais do terceiro mundo na rea da educao, este montante o que

    os EUA gastam por ano em produtos de beleza. Mais ainda: se treze bilhes de dlares

    satisfazem as necessidades fundamentais do terceiro mundo na rea da sade, isso o que

    a Europa gasta por ano com seus sorvetes. Agravando este contexto, abala-nos a

    informao de que atualmente, 850 milhes de seres humanos passam fome.

    So dados que mostram diversas formas de precariedade cultural, de aberrao

    social, sintomas de uma globalizao discriminatria e de uma emergncia disparatada do

    capitalismo cultural eletrnico. Entretanto, sem dvidas, h tambm esperanas neste

    cenrio: reconhecemos que ganhos e beneficcios tem sido gerados para nossa vida, para

    prolonga-la com mais qualidade. A facilidade na circulao do pensamento, como disse

    anteriormente, favorece possibilidades de comunicao e interao no para todos,

    sabemos - sem empecilhos de espao e tempo e, fundamentalmente, a chance de fraturar a

    solidez das nossas convices. Em razo destas condies, vivemos uma era que no

    admite excluses e, sim, reconfiguraes e redirecionamentos de prticas, de ideias e de

    perspectivas.

    Para enfrentar estas questes insistentes no como ameaas, mas como possveis

    recursos para a nossa atuao docente, uma postura que me agrada muito a do cientista

    Stephen Jay Gould. Ele disse, em algum lugar que no registrei: no sou um pessimista,

    sou mais um otimista trgico. Assim, talvez possamos nos concentrar em pensar sobre

    temas - no sobre contedos, criando alternativas para deslocar o conhecimento e investir

    na centralidade da cultura como eixo organizador das nossas experincias. Pensar sobre as

    temticas que caracterizam a atualidade respeitar a fragmentao que configura nossa

    existncia e que no disciplinar, mas justamente temtica, como nos ensinou Boaventura

    de Souza Santos.

    Algumas temticas contemporneas

    Colocar-nos diante de temticas que desenham nosso viver contemporneo nos

    ajuda a criar propostas para lidar com questes fundamentais, enfrentando-as e

  • problematizando-as. A produo, circulao e socializao de saberes e prticas culturais

    depende dessa possibilidade de tematizao e problematizao, tarefas que so

    responsabilidades do ensino, da formao, das formas interativas de experimentarmos a

    ns mesmos, aos outros e ao mundo.

    Aponto, de maneira breve, quatro dessas temticas, sem a ambio de me

    aprofundar em cada uma, mas com o intuito de enriquecer este panorama sobre a

    atualidade em que nos inserimos. Especialmente, vejo estas temticas como acionadoras

    potentes de novos modos de produo artstica na educao, eixos que podem privilegiar a

    imaginao e a criao de uma multiplicidade de projetos e reflexes. Utilizo a barra (/) na

    indicao de cada temtica com o propsito de evidenciar complementaridades, dilogos e

    afinidades sobre as quais nos cabe refletir, e no com a inteno de apontar binarismos ou

    antagonismos.

    (1) globalizao/localizao: Entendemos que essa relao , acima de tudo, um fenmeno

    de comunicao, que significa no apenas o domnio da economia de mercado ou seja,

    no pode significar apenas globalizao do mercado -, mas nos leva a pensar sobre como

    reagimos a uma sociedade em formao, genuinamente nova e cosmopolita (GIDDENS,

    2008, p. 16). A localizao nos remete ideia de pertencimento, no para celebrar um

    local, uma cultura, mas para evidenciar a ausncia de fronteiras entre questes globais e

    existenciais. nesse sentido que entendo uma reflexo que li, no sei onde, que diz que

    o fato de um indivduo pertencer a muitos grupos que o faz livre. Nossa poca

    interconecta, ento, de maneira intensa e veloz, questes globais e disposies pessoais,

    como tambm assinalou Giddens (2008).

    Achei significativo um email que andou circulando com uma definio de

    globalizao bastante concreta, atual, e engraada at. Diz o seguinte:

    Pergunta: Qual a mais correta definio de Globalizao?

    Resposta: A Morte da Princesa Diana..

    Pergunta: Por qu?

    Resposta: Uma princesa inglesa com um namorado egpcio, tem um

    acidente de carro dentro de um tnel francs, num carro alemo com

    motor holands, conduzido por um belga, bbado de whisky escocs, que

    era seguido por paparazzis italianos, em motos japonesas. A princesa foi

    tratada por um mdico canadense, que usou medicamentos americanos. E

    isto enviado a voc por um brasileiro, usando

    tecnologia americana (Bill Gates) e provavelmente, voc est lendo isso

    em um computador genrico que usa chips feitos em Taiwan e um

    monitor coreano montado por trabalhadores de Bangladesh, numa fbrica

    de Singapura, transportado em caminhes conduzidos por indianos,

  • roubados por indonsios, descarregados por pescadores sicilianos,

    reempacotados por mexicanos e, finalmente, vendido a voc por chineses,

    atravs de uma conexo paraguaia. Isto *GLOBALIZAO!!!*

    O relato demonstra bem o que Lipovetsky e Serroy (2011) denominam como

    cultura-mundo, uma reconfigurao que evidencia

    No mais as oposies alta cultura/baixa cultura, cultura

    antropolgica/cultura esttica, cultura material/cultura ideolgica, mas

    uma constelao planetria em que se cruzam cultura tecnocientfica,

    cultura de mercado, cultura do indivduo, cultura miditica, cultura das

    redes, cultura ecologista: uns tantos polos que constituem as estruturas elementares da cultura-mundo (p.15)

    (2) vida cotidiana/vida extra-ordinria: Aqui encontramos questes relacionadas vida do

    dia-a-dia, s mudanas que esto ocorrendo na vida ntima das pessoas, no ritmo acelerado

    de trabalho, na pulverizao e justaposio de conhecimentos. Lembramos, ainda, da

    varejizao de nossos fazeres, saberes e amores, das mltiplas identidades e papeis que vo

    nos constituindo, das obsesses que configuram uma cultura tendencialmente narcstica

    (LIPOVESTSKY e SERROY, 2001, p. 48). Ao lado disso, vivemos o sonho e a seduo

    das grandes estrelas e riquezas, das festas, das celebraes, dos divertimentos, dos

    espetculos. Continuamos valorizando os rituais que nos congregam, as quebras de rotinas,

    as redes sociais abarrotadas de amigos e, tambm, dos fundamentalismos religiosos, do

    crescimento e segmentao de crenas... O entretenimento ocupa, assim, um espao

    considervel nesta temtica. O prazer, aliado alegria, ao estabelecimento de redes sociais

    est, cada vez mais, sendo analisado como objeto que produz e discrimina identidades,

    grupos, sociedades.

    (3) meio ambiente/tempo e espao: A questo do aquecimento global, j denominada de

    enlouquecimento global, cria a necessidade de iniciativas ligadas urbanizao, arte

    pblica, a projetos coletivos. As transformaes nas noes de espao e tempo que, de

    maneira drstica, expandiram e reduziram as vivncias cotidianas, tambm instalalaram a

    itinerncia como necessidade e valor. Viajar, deslocar-se, fazer turismo passa a representar

    capital cultural ambicionado por muitos.

    Ainda assim, o trnsito de pessoas nas suas prprias cidades se v restrito a

    diferentes ritmos que caracterizam o dia-a-dia de cada segmento socioeconmico da

    populao, limitando, para muitos, o acesso e a possibilidade de viver a cidade. As relaes

    tempo-espao no so as mesmas para qualquer indivduo e um impacto disso a

  • necessidade de compreender como a construo social das noes e vivncias dessas

    relaes institui mundos e reinventam, constantemente, novas formas de comunicao e

    novos ambientes sociais. So muitas as questes que nos rodeiam em relao a essa

    temtica e que no cabem nessa fala/texto, desde a dissoluo/renovao do meio ambiente

    privado, familiar, at as transformaes geopolticas e geoeconmicas que criam cicatrizes

    e, tambm, ferramentas para nossas vivncias.

    (4) Consumo/desperdcio: Este ltimo tema que trago para compor este quadro da

    atualidade e, ao mesmo tempo, de possibilidades produtivas para o ensino de arte , assim

    como os outros, bastante complexo. Porm, traz-lo aqui significa considerar uma esfera

    poderosa de ao e de instituio de identidades que tem no apenas marcado, mas

    regulado e desorientado os sujeitos. O tema me faz lembrar a sntese proposta pelo trabalho

    da artista Barbara Kruger que, ironicamente disparava: Compro, logo existo.

    Lipovetsky e Serroy (2011) analisam com profundidade as consequncias do que

    vem sendo chamado de hiperconsumo e declaram que

    O enfraquecimento dos controles coletivos, as estimulaes hedonistas, a

    superescolha de consumo, tudo isso contribui para criar um indivduo

    frequentemente pouco armado para resistir tanto s solicitaes de fora

    quanto aos impulsos internos. A cultura de livre disposio dos

    indivduos no supermercado contemporneo dos hbitos de vida

    tambm a que v crescer a tendncia ao autodesregulamento. Na

    sociedade do hiperconsumo, afirmam-se ao mesmo tempo, o princpio do

    pleno poder sobre a conduo de si prprio e as manifestaes de

    dependncia e de impotncia subjetivas. (p. 59)

    A relao entre consumo e privao, e entre consumo e desperdcio, tambm coloca

    importantes questes para nossa reflexo. Seus efeitos podem ser sentidos atravs da

    desigualdade decorrente da m distribuio de renda que faz o Brasil figurar na terceira

    pior posio entre os pases do mundo, ao lado do Equador e abaixo de Uganda, conforme

    noticiaram amplamente os jornais, com base em estudo da ONU de julho de 2010.

    Tambm importante pensar no apenas no consumo voluntrio, fruto de escolhas,

    mas, ainda, no consumo imposto: a cada dia, consumimos quase 18.000 imagens somente

    percorrendo nossos trajetos cotidianos, rotineiros, que perfazem nossas obrigaes e

    compromissos dirios. Mas, como nos diz Bourriaud (2009), ao contrrio do que se

    costuma pensar, no estamos saturados de imagens; estamos submetidos escassez de

    certas imagens, que tm de ser produzidas contra a censura. (p. 59) Precisamos pensar,

    ento, nas prticas de consumo acelerado, estimuladas em todas as faixas etrias, e nos

  • impactos desse consumo que coisifica a felicidade e a alegria, fincados em esteretipos que

    materializam o prazer, o poder, a satisfao.

    Destaquei estas poucas, mas abrangentes temticas, no para sugerir que elas sejam

    as nicas ou as mais significativas para exprimir as tenses e transformaes da atualidade.

    Porm, estes so, certamente, temas que podem gerar e produzir experincias artsticas que

    aguam nossa sensibilidade e nos estimulam para propor formas de estar no mundo, de

    negociar alternativas de envolvimento pessoal em nossas comunidades de pertencimento e

    de criar prticas que questionem e perturbem verses injustas e hegemnicas da realidade

    atravs da educao, do ensino, e da arte.

    Que ideias podem orientar nosso fazer docente em artes?

    Tenho usado a imagem abaixo para enfatizar o quanto conhecemos sobre este

    espao. De to conhecido, ele s vezes nos satura. Descreveramos de maneiras

    semelhantes estes espaos e teramos lembranas similares sobre o que ocorre nesses

    lugares.

    Em muitos lugares do mundo podemos encontrar escolas com esta mesma

    aparncia. Talvez isso possa nos dizer que nossas necessidades, desejos e sonhos so

    diferentes, mas tambm guardam proximidades com aqueles de professores que vivem em

    outros pases. O descaso em relao a prdios escolares tambm visvel em vrios

    lugares. Pensando sobre o que nos une e agrega nesta profisso e mantendo esta imagem na

    cabea, aponto uma primeira ideia que oferece pistas para orientar nosso fazer docente em

  • artes.

    Refiro-me desconstruo da noo de escola como espao privilegiado de

    aprendizagem. Os espaos de aprendizagem se expandiram, perderam limites, derrubaram

    fronteiras. As escolas, hoje, precisam fazer parcerias, encontrar interlocutores e ampliar

    suas formas de atuao.

    a partir da dcada de 60 que a escola comea a ser posta em causa como

    instituio intocvel, sublinhando-se a importncia do aprender para alm da escola e de

    pensar a educao numa perspectiva social e cultural. Entretanto, apesar de parecer

    consenso que as paredes das salas de aula e os muros das escolas precisam cair, na prtica,

    muitas escolas esto re-estruturando seus horrios diminuindo o tempo de recreio, por

    exemplo para manter o aluno mais tempo (seguro?!?) na sala. Discutir questes relativas

    s condies sociais e culturais que envolvem professores e alunos neste esforo para

    fortalecer pontes entre experincias internas e externas s escolas pode contribuir para

    maior efetividade de polticas de compromisso social e parcerias, caso as instituies

    queiram se ajudar para enfrentar os desafios e paradoxos contemporneos.

    A ideia de cultura, ou melhor, de culturas, no plural, passa, ento, a ser central e

    deflagradora de nossas aes de ensinar e, certamente, de aprender, pois nesse binmio

    inseparvel, aprender-ensinar, a aprendizagem que encabea a ao, ela que institui,

    reconstri e transforma o ensino. Juntamente com a primeira pista de reflexo a

    desconstruo da noo de escola como espao privilegiado de aprender a cultura afirma-

    se como alavanca para nos incitar a refletir sobre o ensino de arte.

    J sabemos que a escola , hoje, lugar de aprender, mais que ensinar. Porm,

    importante, em relao cultura, como um princpio determinante, compreender que No

    se pode estabelecer uma hierarquia entre as culturas humanas, pois todas as culturas so

    epistemolgica e antropologicamente equivalentes (SILVA, 2002, p. 86).

    Dessa idia resulta nosso entendimento de que No possvel estabelecer nenhum

    critrio transcendente pelo qual uma determinada cultura possa ser julgada superior a

    outra (SILVA, 2002, p. 86). A des-hierarquizao de fazeres e saberes, a des-

    fronteirizao e a des-territorializao de prticas e reflexes so caractersticas da

    contemporaneidade que a centralidade da cultura enfatiza, chamando-nos para

    deslocamentos perceptivos e conceituais sobre a natureza do ensino, as funes da

    escolarizao e as possibilidades de abordagem do mundo e da cultura esttica que nos

    rodeia.

  • Sob a perspectiva da cultura aprendemos que saberes e fazeres so circulantes e

    circulam, sem se fixar em lugar algum. As ideias de que no aprendemos apenas na escola,

    de que as prticas culturais e sociais ensinam e nos formam e de que no h critrios

    possveis para hierarquizar culturas, saberes ou prticas, colocam em pauta outra dimenso

    que fundamenta e pode orientar nosso fazer docente em artes na atualidade. Refiro-me s

    questes das identidades.

    Assim como o conceito de cultura, o conceito de identidade mltiplo, complexo,

    mutante. Ambos se referem a construes sociais. Falar de construo de identidades

    reconhecer, primeiro, que as identidades no so nicas, so instveis, vulnerveis e lbeis,

    sujeitas a escorreges. Identidades vivem mancomunadas com subjetividades, num

    contexto cultural, rabiscando experincias culturais e sociais que podem, ou no, tornarem-

    se afetivamente significativas.

    Subjetividades, identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados:

    essa mistura de interagentes resulta numa poro de vida que conhecemos, porm, cada elo

    entre esses conceitos deve ser continuamente reconstrudo, pesquisado, experimentado.

    atravs dos elos e continuidades que conseguimos dar a estas noes - subjetividades,

    identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados fora para impulsionar

    propostas de instituir e reconstruir saberes e fazeres estticos e artsticos na escola.

    Vale ressaltar, mesmo repetindo, que a identidade relacional, marcada pela

    diferena e construda tanto simblica quanto social e culturalmente. Sintetizando essa

    ideia podemos falar, com Woodward (2000), que a identidade no oposto da diferena: a

    identidade depende da diferena (p. 40). ainda essa autora que enfatiza: toda

    identidade [...] depende, para existir, de algo fora dela (p. 9).

    Os espaos descuidados, sujos e quebrados que encontramos em muitas escolas nos

    oferecem, atravs de vazamentos e rachaduras to comuns, metforas de circunstncias que

    nos instituem cultural e socialmente. uma maneira de pensar sobre esse algo que vaza,

    que racha, para alm de ns, para alm do que pensamos que somos esse algo que nos

    marca pela ausncia e pelas formas hbridas de se fazer presente.

    Com essa imagem de rachaduras e vazamentos tambm trago a ideia de diferena,

    conceito to importante para pensar as culturas, as identidades, as formas de interpretar o

    mundo e de ensinar. Ao marcarmos nossas identidades como professores de arte, que

    outras diferenas podemos obscurecer? Como me diferencio enquanto professora de arte?

  • Penso que, para relacionar arte, ensino e atualidade, talvez precisemos reavivar em

    ns as histrias que nos formaram e os desejos que nos animam para entender por que

    assumimos certas identidades e, especificamente, o que nos faz professores de arte e qu

    significados isso tem para ns hoje. Esse exerccio de reconstruir, revisitar nossa formao

    identitria como profissionais professores de arte visa mudanas, negociaes de

    identidades e transformao. Stuart Hall (2000, p. 109) nos diz que as identidades tm a

    ver no tanto com as questes quem ns somos ou de onde viemos, mas muito mais

    com as questes quem ns podemos nos tornar, como ns temos sido representados e

    como essa representao afeta a forma como ns podemos representar a ns prprios .

    Assim, o qu ensinamos e a forma como abordamos objetos e manifestaes

    culturais, em contextos especficos, tem impacto na maneira como produzimos e reagimos

    a significados e interpretaes, na maneira como nos envolvemos com os processos de

    criao e de transformao das realidades pedaggicas e artsticas. Definir a abordagem de

    determinados trabalhos, conceitos e temas na prtica pedaggica solicita no apenas estar

    antenado para os entrecruzamentos culturais e processos de construo de identidade que

    eles podem desencadear. Solicita, tambm, enxergar estes objetos e manifestaes, assim

    como os diferentes contextos onde eles se encontram, para alm de sua materialidade,

    encontrando, atravs da experincia, conexes com realidades temticas que nos formam e

    inquietam. Isso exige uma capacidade de agregar ao trabalho educativo experincias de

    vida que possibilitem um sentido de pertencimento, de reconhecimento individual e

    cultural, social e coletivo, simblico e afetivo.

    Referncias

    BOURRIAUD, N. Ps-Produo: Como a arte reprograma o mundo contemporneo. So

    Paulo: Martins Fontes, 2009.

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    In: Constantin von Barloewen (Organizador/Entrevistador). Livro dos Saberes: Dilogos

    com grandes intelectuais de nosso tempo. Osasco, SP: Novo Sculo Editora, 2010.

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    grandes pensadores sobre o mundo atual e suas perspectivas. So Paulo: Globo, 2008.

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  • perspectiva dos Estudos Culturais. Petrpolis, RJ: Vozes, 2000.

    MARINA, J. A. Cronicas de la Ultramodernidad. Barcelona: Anagrama, 2004.

    LIPOVESTSKY, G. e SERROY, J. A cultura-Mundo: Resposta a uma sociedade

    desorientada. (Trad.: Maria Lucia Machado). So Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    SILVA, T. T. Documentos de Identidade: Uma introduo s teorias do currculo. Belo

    Horizonte: Autntica, 2002.

    WOODWARD, K. Identidade e diferena: uma introduo terica e conceitual. In: SILVA,

    T. T. (org) Identidade e Diferena: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrpolis, RJ:

    Vozes, 2000.

  • A Educao do Sensvel

    Ana Laura Rolim da Frota2

    Para iniciar uma reflexo sobre a Educao do Sensvel deve-se antes buscar a

    significao da palavra sensvel. No dicionrio Aurlio Sculo XXI encontra-se, para esse

    vocbulo, inmeros significados que se relacionam com as capacidades sensitivas do

    indivduo como:

    [Do lat. sensibile.]

    Adj. 2 g.

    1. Que sente; dotado de sensibilidade:

    2. Que recebe facilmente as sensaes externas:

    3. Que pode ser percebido pelos sentidos:

    4. Que, ao menor contato, se torna dolorido ou faz sofrer: 2

    5. Capaz de sentimento em grau incomum: dotado de uma vida afetiva

    intensa; apto a sentir em profundidade as impresses, fazendo que delas

    participe toda a sua pessoa; emotivo.

    6. Que se deixa impressionar, tocar, comover.

    Que se ofende ou melindra com facilidade; suscetvel, sensitivo, sentido.

    7. Claro, evidente, manifesto. [Sin., p. us., nessa acepo: sensivo.]

    8. Fisiol. Que conhecido pela sensibilidade. [Nesta acepo., ope-se a

    inteligvel.]

    2 Ana Laura Rolim da Frota Mestre em Educao pela UFRGS, especialista em Artes Visuais Arte Educao: Ensino da Artes/Feevale e licenciada em Educao Artstica e Artes

    Plsticas pela UFRGS, vinculada ao GEARTE/UFRGS. Contato: [email protected]

  • Partindo dos significados expostos acima, vamos enfocar nossas reflexes nas

    impresses humanas, nas percepes corporais, nas emoes e, principalmente, nos

    sentidos que so a base da educao da sensibilidade.

    Maurice Merleau-Ponty, filsofo moderno que atuou entre 1942 e 1961, fala da

    relao do homem com a natureza e com os seus pares, afirmando: ...a conscincia

    percepo, e percepo conscincia (1999), para ele nosso corpo o meio atravs do

    qual conhecemos o mundo. Assim afirma, ainda, em (1984, p. 202):

    A percepo abre-me o mundo como o cirurgio abre um corpo,

    percebendo, pela janela que fez rgos em pleno funcionamento, vistos na

    sua atividade, vistos de lado. assim que o sensvel me inicia no mundo,

    como a linguagem me inicia no outro: por lenta justaposio.

    Assim, podemos afirmar que ao perceber as coisas, o corpo nelas se envolve,

    deixando-se tambm envolver por elas. Ao experimentarmos o mundo em todas as suas

    nuances, ele nos deixa marcas que passam a constituir-se em partes significativas de ns.

    Atuamos e conhecemos no decorrer de nossa vida a partir dos sentidos da: viso, audio,

    tato, gustao e olfato.

    A nossa primeira experincia do mundo se d atravs do olhar de nossa me.

    Comea na ligao do corpo e olhar entre me e filho a grande aventura do saber e do

    conhecer. Como diz Duarte Jr. (2001, p. 120):

    ... h um saber sensvel, inelutvel, primitivo, fundador de todos os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber direto,

    corporal, anterior s representaes simblicas que permitem os nossos

    processos de raciocnio e reflexo.

    O viver nos ensina na medida em que nossa sensibilidade e percepo captam as

    qualidades do real que se apresentam em torno de ns: sons, cores, sabores, texturas e

    odores. Nosso corpo vai ordenando essas muitas impresses, dispondo-as de forma a

    construir um sentido primeiro, bsico, que nos dota da capacidade significativa de

    interao com os outros sujeitos e ambiente.

    O sensvel o que pode ser percebido pelos sentidos, enquanto que o inteligvel o

    objeto prprio do conhecimento intelectivo. Ambos se completam e permitem, a partir de

    sua conjuno, a compreenso e atribuio de sentido a tudo que nos cerca. Fazemos aqui

    uso da expresso saber sensvel, em detrimento de conhecimento sensvel, por ser o

  • verbo saber, no nosso entender, mais abrangente do que conhecer. A sabedoria implica uma

    infinidade de habilidades que se apresentam unidas entre si e ao viver dos sujeitos, estando

    incorporadas a ele. O sujeito sabe a partir das experincias vividas.

    Duarte Jr. (2001, p. 14) traz-nos o significado primeiro da palavra saber:

    Sendo ainda importante relembrar as acepes mais antigas do

    saber enquanto verbo, que indicam ter o sabor de ou agradar ao paladar; (...) isto : o saber carrega um sabor, fala aos sentidos, agrada ao corpo, integrando-se, feito um alimento, nossa

    existncia.

    Como educadores temos por ideal formar um sbio detentor de um entendimento

    abrangente e integrado e no um especialista que detm conhecimentos fracionados e

    parciais que, na quase totalidade das vezes, no se liga s aes do cotidiano. Como ento

    fazer para formar um sbio? Cabe aqui perguntar que oportunidades a escola prope para

    o corpo perceptivo do beb (aluno)? A escola no pode permitir apenas o desenvolvimento

    da viso intelectiva, pois correr o risco de oferecer apenas desafios que trabalhem o

    sujeito cognitivo. preciso criar situaes em que o olhar e o ouvir, junto com o olfato, o

    tato e o paladar, possam ser anteparos sensveis no contato com o mundo. Trata-se aqui,

    portanto, de provocar a sensibilidade atravs da cor, promover a explorao da percusso

    de sons, proporcionar a explorao do corpo no espao e manipul-lo prazerosamente,

    vivenciando-o de forma expressiva. Se partirmos da premissa que a arte uma experincia

    sensvel em que o nosso corpo perceptivo participa, possibilitar situaes de aprendizagem

    em arte implica pulsar nesse corpo a fascinao pelo mundo e estimular a magia da

    descoberta. Imaginar tambm uma forma de saber. De acordo com Mirian Celeste

    Martins, quando a criana projeta seu pensamento ao manejar a matria lpis, tinta,

    papis, massinha, roupas, brinquedos, sons e at mesmo o seu prprio corpo e no contato

    com ela cria, a imaginao se revela e capaz de antecipar, antever, pois o ato de imaginar

    tambm ter hipteses para agir. Ao exercitar o pensamento imaginativo, encontramos

    solues inovadoras e ousadas, seja no campo da cincia, seja no campo da arte. Grandes

    cientistas e artistas como Einstein e Picasso anteviram intrincadas descobertas e criaes a

    partir da imaginao, e s aps as registraram sob a forma de enunciado ou produo

    plstica. Portanto, valorizar o repertrio pessoal criativo e imaginativo das crianas como

    falas, gestos, sons e imagens, respeitando os ritmos individuais nos seus despertares

  • ntimos, so atitudes que no podem ser desconsideradas pelo mestre que trabalha com a

    arte. O conjunto dessas aes abre uma janela para o imaginrio transformando-o em um

    importante passaporte sensvel, tanto no mundo da arte como no mundo humano.

    No processo de ensinar/aprender, a magia certamente pode ser facilitada pelo

    ambiente convidativo da sala de aula, ou no caso dos bebs, pelos espaos onde convivem.

    O educador, como um prestidigitador, seguidamente subordinado s dificuldades do dia-a-

    dia, precisa abrir caminhos na busca constante de aes verdadeiramente significativas. O

    mistrio de seu trabalho consiste na trama entre os contedos que necessita ensinar e os

    conhecimentos das crianas o que elas trazem como bagagem de saber construdo em

    seus lares e nas interaes com o meio. importante que o ensinante de arte projete

    situaes onde possam ser vivenciadas experincias gratificantes e enriquecedoras. Faz-se

    necessrio destacar que de extrema relevncia que as crianas sejam impulsionadas a

    explorar e comunicar suas idias, pensamentos e sentimentos. No podemos desejar que

    apenas repitam as experincias de outros, ignorando sua prpria expresso e sentimentos.

    H que se abrir espao para a escuta, para o dilogo com a criana no seu processo de

    sentir e criar. preciso possibilitar momentos para a experimentao, ampliando a

    percepo que futuramente ser o suporte de uma compreenso significativa de si, dos

    outros e do mundo. Nesse contexto, a arte um veculo extremamente importante porque

    ensina a ver, ouvir, tocar, sentir, fruir.

    Como diz Merleau-Ponty (1975, p. 360-1) sobre o que h de importante na arte:

    Que contenha, melhor do que idias, matrizes de idias, que nos

    forneam emblemas cujo sentido no cessar jamais de se desenvolver,

    que precisamente por nos instalar em um mundo do qual no temos a

    chave, nos ensine a ver e nos propicie enfim o pensamento como

    nenhuma obra analtica o pode fazer, pois que a anlise s revela no

    objeto o que nele j est (...) Nada veramos se no tivssemos, em

    nossos olhos, um meio de surpreender, interrogar e formar configuraes

    de espao e cor em nmero indefinido.

    A arte tem linguagens que se articulam com os nossos sentidos:

    Linguagem musical;

    Linguagem visual;

    Linguagem corporal (a dana e o teatro).

  • A audio o primeiro sentido que o feto aos dois meses tem. O corao e

    vibraes internas do corpo da me, alm das guas que o envolvem, formam, quem sabe,

    uma sinfonia, em primeiro lugar para a sua pele, depois para seus ouvidos ainda no

    inteiramente formados. Nunca mais ele deixar de escutar. A gnese do pensamento

    musical acontece quando a criana ainda nem aprendeu a falar. de vital importncia para

    as crianas, mais especificamente para os bebs, o contato com a msica. Na audio dos

    sons, a criana imagina, relaciona e os junta aos silncios, na seqncia espao-tempo,

    organizando a prtica do pensamento musical. Musicalizar o cotidiano essencial. O verbo

    musicalizar na verdade no existe, porm utilizado por musicistas e professores, que

    ensinam msica para bebs, com o significado de introduzir msica na vida das crianas.

    Muitas vezes as mes musicalizam o cotidiano de seus bebs sem senti-lo. Ao

    cantar uma cantiga de ninar ou fazer brincadeiras com a voz, as mulheres esto

    desenvolvendo musicalmente seus filhos.

    A voz da me, com suas melodias e seus toques, pura msica, ou aquilo

    que depois continuaremos para sempre a ouvir na msica: uma linguagem

    onde se percebe o horizonte de um sentido que, no entanto no se

    discrimina em signos isolados, mas que s intui como uma globalidade em

    perptuo recuo, no verbal, intraduzvel, mas sua maneira, transparente.

    (Wisnik, 1989, p.27).

    Mais tarde, quando a msica entra em cena, as crianas aprendem rpido,

    desenvolvem habilidades motoras e expressam estruturas musicais mesmo antes de falar

    seu nome. Crianas que recebem estmulos musicais adequados sem excesso ou escassez

    aprendem a escrever facilmente, tm maior equilbrio emocional e mais importante que

    tudo, so sensveis e felizes. Sem sombra de dvida, a criana que brinca com objetos

    sonoros experimentando-os, no s satisfaz sua curiosidade como alimenta sua

    sensibilidade.

    Mirian Celeste Martins afirma (1998, p.101):

    Os modos de percepo e expresso por meio de instrumentos musicais

    ou objetos sonoros se atm s questes referentes ao som como material

    bruto, com suas caractersticas diferenciais, seus parmetros. O modo de a

    criana perceber e se expressar caracterizado pela impreciso. Toca um xilofone, ou mesmo um piano, no se importando com as notas

    musicais e sua localizao, por exemplo. Para a criana importa explorar

    sons graves e agudos, geralmente em blocos, muito fortes ou bem suaves,

  • curtos ou longos, mas sem preocupao de identificar sons ou ritmos

    medidos, e sim com o gesto sonoro, com a prpria ao de tocar, assim se expressando.

    Linguagem Visual

    No que se refere linguagem visual, as cores mais do que as formas, atraem o olhar

    das crianas e as estimulam enquanto muito pequenas. Um ambiente bem iluminado e rico

    em cores incentiva o prazer de brincar, influenciando no humor e na capacidade de

    perceber. A arte-educadora Susana Rangel Vieira da Cunha diz (2004, p. 43):

    A ausncia da cor nos priva da mais eficiente dimenso de discriminao

    qualitativa por ser um modo sensorial de interpretar a luz. {...} a cor

    torna-se o elo de ligao entre ns e o mundo atravs do sentir, sendo as

    formas de expressar este estmulo sensorial o prprio modo de constituir

    a interpretao do que est fora de ns.

    Possibilitar s crianas o encontro com a cor abrir-lhes uma plenitude de

    possibilidades criativas, dar-lhes a chave para expressar suas sensaes e sentimentos.

    Algumas crianas pequenas relacionam a cor com elementos da natureza. O sol amarelo,

    a rvore verde, o cu azul e assim por diante. Esta busca de correspondncia entre a

    natureza e sua representao so modos de conhecer e diferenciar os elementos que

    constituem o mundo. No entanto, nem todas as crianas estabelecem esse tipo de relao.

    Algumas se expressam com tamanha liberdade que usam as cores de forma indiscriminada,

    pelo simples prazer da experincia. O fato de uma criana preferir usar cores escuras ou o

    preto, no significa que ela esteja assombrada por sentimentos pouco felizes. O preto

    para ela como qualquer outra cor, ela o experimenta e o usa por pura curiosidade ou

    preferncia no momento.

    No tocante s imagens da arte, colocar as crianas em contato com elas, significa

    dar espao para operaes que envolvam o agir e o pensar. O pensamento ocorre na ao,

    na sensao experimentada frente s imagens e na percepo das mesmas, sempre junto

    com os sentimentos. A criana convive, identifica e reproduz smbolos de seu entorno,

    porm, ainda no os cria intencionalmente. As sucessivas experincias expressivas vo

    construindo um repertrio pessoal que ser de grande significao mais tarde, no processo

    criativo intencional, nas leituras de arte e mundo.

  • Linguagem corporal

    O teatro, pelo seu modo de ser, faz aflorar a imaginao, o faz-de-conta. O

    encantamento do fazer de conta conduz as crianas a experincias pessoais e coletivas de

    grande significao, nas quais projetam suas fantasias, desejos e temores. Quando as

    situaes apresentam-se de forma coletiva, propiciam a interao e a socializao. No faz-

    de-conta estabelece-se um jogo fictcio que envolve a abstrao, a qual ser

    importantssima para a formao de um ser criativo. No jogo, as crianas podem ser o que

    quiserem, podem exercitar potencialidades, hipteses e desempenhar papis que mais tarde

    sero vitais para o seu interagir no mundo.

    Includa tambm na linguagem corporal temos a dana. Danar desenvolve o

    pensamento sinestsico, ou seja, como diz Mirian Celeste (1998, p. 138): um pensar em

    termos de movimento, que se executa como emoo fsica, impulsionado pelas sensaes

    musculares e articulaes do corpo. A criana que dana se expressa poeticamente por

    meio dos movimentos corporais, conhecendo melhor suas potencialidades fsicas,

    entendendo como funcionam as suas articulaes, estabelecendo relao com o espao ao

    experimentar-se nele e comunicando-se pelo movimento. Ao evoluir a partir da dana, as

    crianas desenvolvem a noo do ritmo e vivenciam a alegria de usarem o corpo como

    forma de expresso. Mover-se corporalmente muito importante principalmente para os

    bebs, que esto iniciando suas primeiras experincias fsicas no mundo.

    Enfim, a educao do sensvel no contempla um ensino dirigido, rgido e

    estruturado sobre modelos prontos, mas sim um trabalho centrado no despertar das

    potencialidades e na preparao de seres para uma efetiva, alegre e significativa interao

    consigo mesmos e com o seu mundo.

    Atualmente vivemos uma rotina em que somos cada vez mais e entorpecidos pela

    pressa, falta de tempo, superficialidade das relaes e pela racionalizao da tecnologia.

    Assim, idealizar e colocar em execuo uma educao voltada para o sensvel, torna-se

    uma necessidade a fim de instigar, impulsionar e ampliar os referenciais e potencialidades

    de nossas crianas no enfrentamento dos desafios da contemporaneidade. Essa tarefa, com

    certeza, pertence aos educadores e no pode ser iniciada em anos tardios sob pena de no

    alcanar xito pleno. Quanto mais cedo cultivarmos a sensibilidade maiores sero os

    ganhos para os sujeitos. Educar nesse mundo ps-moderno pressupe despertar e alimentar

  • a sensibilidade das crianas, tornando-as capazes de reconhecer e valorizar as mensagens

    de seu prprio corpo, utilizando esse saber em sua interao com o mundo, pois como nos

    diz Fernando Pessoa O que em mim sente est pensando.

    Referncias

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    Pensadores).

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    WISNIK, J. Miguel. O som e o sentido. So Paulo: Cia. Das Letras/Crculo do Livro,

    1989.

  • A Reimplantao da Educao Musical no Ensino Fundamental e Mdio:

    A Oficina e Linguagem Musical - Uma Pedagogia Para O Sculo 21

    L.C.Csek3

    A OFICINA DE LINGUAGEM MUSICAL (OLM), de autoria do

    educador/compositor Luiz Carlos Csek, um projeto de investigao continuada em

    Pedagogia, Processo de Criao, Msica Experimental Atual. Uma breve explanao do

    contexto de insero da OLM: em 1970 a OLM criada em contraponto ao alijamento do

    Processo de Criao, ausncia da linguagem, vocabulrio e procedimentos

    contemporneos experimentais, ao preconceito deformador e desinformador contra a

    produo artstica experimental e abordagem mecanicista encontradas no campo da

    Educao.

    Uma nova concepo de msica e som musical foi delineada, durante o perodo de

    1930 a 1950, pelos compositores que pesquisavam o som: a linguagem musical poderia ser

    composta com qualquer som e tambm com as tradicionais notas musicais; o som que

    fosse utilizado para criar uma linguagem musical seria, portanto, um som musical com o

    mesmo peso que o jogo meldico-harmnico tradicional. Estes parmetros estticos

    oferecem amplas perspectivas, desvelando inmeras alternativas para a atualizao da

    Educao Musical.

    A OLM se alicera na concepo de som musical atual, na esttica da escassez, no

    desenvolvimento do Processo de Criao, em Escutas Diferenciadas e na elaborao de

    uma linguagem musical. A estrutura modular da OLM agrega sistemtica e

    consistentemente o experimental ao tradicional, o fluxo HOJE, ONTEM, impregnado do

    AMANH.

    3 Educador, Compositor , representante do Brasil em: Sonidos de las Amricas: Brasil at Carnegie Hall/N.York; Pro Musica Festival/Bremen; Aspekte Festival /Salzburg; Saison Musicale, Radio France/Paris;

    Encontros Gulbenkian de Msica Contempornea /Lisboa. Membro fundador - diretor executivo do

    NCLEO DE MSICA EXPERIMENTAL & INTERMDIA DO RIO DE JANEIRO. Conduz a OFICINA

    DE LINGUAGEM MUSICAL em todo o Brasil, no circuito universitrio e de instituites culturais, rede

    pblica de ensino para formao profissional, pblico leigo & infantil.

    Mestrado em Composio e Educao Musical pela Columbia University/NY e University of

    Colorado at Boulder / EUA. Professor: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Conservatrio Brasileiro de

    Msica, Funarte/Instituto Nacional de Msica, Seminrios de Msica Pro-Arte. Acesse:

    http://www.myspace.com/lcseko

  • Embasada nesta concepo a OLM investe na criao/elaborao de uma

    linguagem musical experimental atrelada tradicional, como ferramenta cognitiva ao

    abordar os tpicos programados para cada mdulo empregando objetos sonoros e

    instrumentos musicais tradicionais, aleatoriedade/improvisao, multimeios, interveno

    visual.

    Com a melodia e a harmonia sendo apenas mais uma opo para a criao musical,

    a OLM, calada na esttica da escassez - menos mais, do mnimo o mximo - trabalha o

    explorar, tocar, criar/improvisar com os sons produzidos por objetos sonoros/instrumentos:

    paredes, portas, janelas, moblia, cadernos e livros, bolsas/mochilas, papis e plsticos,

    voz/aparato voclico, sapatos, piso, chaves, canetas, etc.. A sala de aula, antes uma rgida

    ausncia de instrumentos musicais, passa agora a apresentar uma insuspeitada, abundante

    gama de sons, um surpreendente espectro tmbrico, dinmico, de durao e altura.

    Agrega-se a esta criativa instrumentlia a construo e coleta de objetos sonoros,

    parametrando-se rigorosamente esta proposta pelo princpio de que estes produzam as

    propriedades do som com versatilidade e um mnimo necessrio de tcnica de produo de

    som.

    No estgio inicial de mdulos da OLM a Acoplagem da Psicomotricidade ao Som

    sistemtica e ludicamente abordada. A linguagem corporal acoplada s propriedades do

    som: diferentes gestos so deflagrados pelo timbre, dinmica, altura, durao, segmentos,

    motivos e clulas. O corpo enquanto extenso aural.

    A OLM investiga os processos de Escutas Diferenciadas no segundo estgio, um

    extenso trabalho com a Acuidade Auditiva, Memria Sonora, Imaginao Sonora,

    desenvolvendo o Ouvido Interno, estimulando concomitante o Processo de Criao.

    Os participantes de uma OLM so convidados a exercer a sua Acuidade Auditiva:

    interagir/perscrutar auditivamente a Ambincia Sonora local diversidade tmbrica, de

    dinmica, durao e altura; volume, espacialidade; focar a escuta em sons enquanto ouve

    o todo/focal, desfocar absorvendo o entorno/perifrico, mapear horizontes sonoros de

    escuta; percepo musical.

    A imerso na Memria Sonora o prximo segmento: sugerido lembrar-se de

    sons significativos, revisitando a memria afetiva sonora e sua temporalidade: vozes de

    amigos/parentes, eventos/momentos passados; sons de ambincias: residencial, trabalho,

    lazer, dia/noite; fragmentos de msicas, etc. e ento reescut-los to vividamente que eles

    se integram ao envelope sonoro presente.

  • A Imaginao Sonora abarca o imaginar sons do cotidiano buzinas, passos,

    assovios, abrir e fechar de janelas e portas, etc. e complexas formaes/seqencias de

    sons e partituras o som imaginrio sempre to nitidamente escutado que se mescla ao

    contexto sonoro local.

    A Familiarizao com a Produo Musical Atual complementa este estgio

    envolvendo a audio/escuta diferenciada de obras, debate, leitura de partituras. No nvel

    bsico da OLM so apresentadas obras com pesquisa de linguagem de compositores

    brasileiros; nos prximos nveis amplia-se o escopo, mesclando-se a produo estrangeira

    com a brasileira, outros perodos e vertentes.

    O estgio intermedirio aborda os tpicos programados para o nvel do pblico:

    fontes sonoras da sala de aula, produo do som, rudo/som/silncio/nota musical,

    propriedades do som, registros em notao oral/grfica hbrida, etc. so explorados

    experienciando o som, produzindo-o, improvisando e ento refletindo, debatendo e

    conceituando sobre a prtica.

    O Processo de Criao ltimo estgio - elaborado por atividades desenvolvidas

    com os tpicos programados para cada OLM, resultando em seqencias de sons que so

    engendradas/executados coletiva e/ou individualmente, registradas com Notao Grfica

    Hbrida (grfica/textual/tradicional). Objetos sonoros e instrumentos tradicionais so as

    fontes sonoras utilizadas neste estgio.

    O prazer de criar, explorar, fazer Arte, o emprego da interao espelhada na msica

    de cmara, a construo da cidadania e civilidade compem a intensa dinmica de grupo

    que aglutina e propele o processo pedaggico da OFICINA DE LINGUAGEM MUSICAL.

    A OLM regularmente oferecida no Conservatrio Brasileiro de Msica/Rio de

    Janeiro, nas reas de Educao Musical, Musicoterapia, Composio, nos Seminrios de

    Msica ProArte - formao de pblico (adulto e infantil) e professores e instrumentistas,

    bem como nos circuitos universitrios e de instituies culturais em projetos de mbito

    nacional.

    A OLM se alicera e extrai o seu contnuo espiralar do processo de Educao do

    princpio bsico do experienciar o processo de criao, da firme e inabalvel premissa da

    natureza humana ser criadora, da espcie humana ter como natureza o ato de criao.

    Revisitando o sempre presente e sempre futuro poeta/visionrio Marshall McLuhan

    que mergulha na mais radical mudana deste sculo - a era eltrica, eletrnica, a

    velocidade da luz - com uma viso to profunda e pertinente que hoje em dia chega a

  • tangenciar a clarividncia: ... eu comecei a me dar conta que os grandes artistas deste

    sculo descobriram uma abordagem completamente diferente, embasada na identidade dos

    processos de cognio e criao. Eu me dei conta que a criao artstica o contnuo

    retorno e releitura da experincia comum, ordinria - da sucata para a obra de arte. Ento

    deixei de ser um moralista e me tornei um estudante...

    Entendemos que ao propor o Processo de Criao da linguagem musical

    experimental e tradicional como mola mestra da sua abordagem a OLM realiza uma

    pedagogia que se embasa na produo artstica do sculo 21, desenvolvendo e elaborando a

    inveno to necessria nestes tempos de mecanicismo informtico.

  • A totalidade e a Aprendizagem Musical,

    conforme a pedagogia musical ativa de Jos Wuytack

    Lus Bourscheidt 4

    Introduo

    A utilizao de mtodos estrangeiros de ensino musical por educadores brasileiros

    tem sido divulgada no Brasil especialmente, de acordo com Fonterrada (2005), a partir da

    segunda metade do sculo XX. O uso de diferentes metodologias para o ensino musical

    uma forma de favorecer aos docentes a utilizao de novas possibilidades pedaggicas.

    Assim, focalizado a anlise de um mtodo relativamente novo no pas, busca-se, na

    presente pesquisa, examinar e avaliar a aplicabilidade do sistema Orff/Wuytack, enquanto

    metodologia de ensino musical alicerada no conceito de totalidade, com crianas entre 06

    e 08 anos de idade e sob o ponto de vista do seu desenvolvimento musical. Por meio deste

    estudo, procura-se, portanto, refletir acerca das qualidades deste sistema enquanto proposta

    de ensino da msica, no mbito da prtica docente em educao musical.

    O sistema Orff/Wuytack um mtodo de educao musical desenvolvido pelo

    compositor e educador musical belga Jos Wuytack. Partindo das idias e da obra escolar de

    Carl Orff, a Orff-Schulwerk, este sistema de ensino coletivo de msica pode ser

    considerado a continuao da pedagogia musical da Schulwerk na atualidade, tendo em

    vista a sua ampla utilizao em diversos pases do mundo, a citar Portugal, Espanha,

    Frana, Canad e Estados Unidos (BOAL PALHEIROS, 1998). No Brasil, no entanto,

    poucos tm conhecimento desta pedagogia, j que a sua adaptao realidade brasileira

    4 formado em Educao Musical - licenciatura em Msica (2006) e em Produo Sonora bacharelado

    (2008) pela Universidade Federal do Paran e Mestre em Msica - Cognio e Filosofia da Msica

    (2008), tambm pela UFPR. Participa do programa de Musicalizao Infantil da mesma instituio desde

    2004, atuando em turmas com crianas entre 0 e 10 anos de idade. Lanou em 2007 o livro Msica

    elementar para crianas: arranjos de canes infantis brasileiras para instrumentos Orff , pela editora do

    Departamento de Artes da UFPR. Alm de professor, percussionista de diversos grupos musicais de

    Curitiba, alm de ter realizado a sonoplastia e composto a trilha sonora de diversas peas do teatro

    paranaense. Tem experincia na rea de Educao Musical, com nfase em Musicalizao Infantil,

    atuando principalmente com os seguintes temas: educao musical (mtodo Orff e sistema

    Orff/Wuytack), arranjo e prtica instrumental (percusso) e psicologia da msica. professor efetivo do

    Instituto Federal do Parana - IFPR - no Campus Curitiba.

  • requer, a priori, um entendimento das suas principais caractersticas.

    Como objeto de anlise para esta investigao, foram aplicadas as atividades

    presentes no sistema Orff/Wuytack, em diversos nveis e com diferentes contedos

    musicais, tendo como enfoque principal um dos quatro conceitos fundamentais para o

    mtodo, o conceito de totalidade. Juntamente com a criatividade, a comunidade e a

    atividade pois as crianas so naturalmente ativas e, no trabalho em grupo, podem e

    devem ser estimuladas a desenvolver a sua criatividade (WUYTACK, 1993; WUYTACK

    & SILLS, 1994; BOAL PALHEIROS, 1998) , a totalidade um componente essencial

    para o trabalho musical com as crianas. Amparado pelo conceito de uma msica

    elementar pregada por Carl Orff, o sistema Orff/Wuytack estabelece, como aspecto

    fundamental, o princpio da totalidade. Esta se refere maneira como se estabelece a

    relao entre as partes e o todo dentro do processo de ensino e aprendizagem musicais.

    possvel, no entanto, entender este conceito sob dois pontos de vista. O primeiro, mais

    abrangente, estabelece que a experincia musical deve ser composta invariavelmente da

    totalidade de trs formas de expresso: a expresso verbal, a expresso musical e a

    expresso corporal. Esta idia est baseada no conceito da expresso Musikae, da

    antiguidade grega, em que a expresso musical representava a totalidade entre a palavra, o

    som e o movimento. Para o sistema, portanto, a expresso artstica da criana deve estar

    baseada na inter-relao entre a expresso verbal atravs do canto, da fala, da poesia e do

    folclore infantil , a expresso musical no que se refere a todos os elementos que

    compreendem a experincia musical, e, finalmente, a expresso corporal caracterizada

    principalmente pelo movimento, pelo gesto e pela dana.

    Uma segunda anlise, mais pontual, diz respeito adequao da totalidade aula de

    msica, seja na sua elaborao, seja na sua aplicao. Nesse sentido, o contedo oferecido

    em uma determinada aula deve ser apresentado de maneira integral com incio, meio e

    fim devendo envolver tambm as trs formas de expresso descritas acima. Para

    exemplificar este aspecto, tomaremos como referncia o aprendizado de uma determinada

    cano. Conforme a metodologia abordada, no possvel que as partes da cano, isto ,

    melodia, letra e acompanhamento, por exemplo, sejam aprendidas em aulas diferentes. Os

    elementos devem ser apresentados separadamente, mas numa mesma aula, e sempre

    estabelecendo relaes com o todo ou com a totalidade da cano. Assim, mais

    conveniente que seja aprendida uma cano mais curta ou mais simples do que a no

    compreenso da sua totalidade. Conforme sugere o prprio Wuytack (2005; 2007), esse

  • tipo de metodologia implica em uma satisfao por parte da criana, j que a sua tomada

    de conscincia musical representa, dentro do conceito de totalidade, a realizao de um

    bom trabalho musical.

    Por fim, a hiptese deste estudo foi que, a partir das atividades musicais presentes

    neste sistema, e tomando como referncia o princpio da totalidade na aplicao destas

    atividades em uma aula de musicalizao infantil, h uma significativa melhora na

    aprendizagem musical, principalmente com relao aquisio meldica. O presente

    estudo foi dirigido com o foco, portanto, no relato da aquisio de habilidades meldicas

    das crianas observadas. Dessa forma, presumiu-se que o princpio da totalidade pode ser

    adotado como proposta de ensino de msica, dentro de uma aula de musicalizao infantil.

    Este trabalho investigou a aplicao do sistema Orff/Wuytack enquanto

    metodologia de ensino musical, com crianas entre 06 e 08 anos de idade e sob o ponto de

    vista do seu desenvolvimento musical.

    Alm disso, pretendeu-se refletir acerca das qualidades deste sistema enquanto

    proposta de ensino da msica, tendo como foco o princpio da totalidade. Ademais,

    buscou-se descrever os processos de aprendizagem pelos quais as crianas que fizeram

    parte do estudo estiveram envolvidas, relatando de que maneira a metodologia do sistema

    foi utilizada na aplicao das atividades propostas e de que maneira este aspecto

    influenciou no seu desenvolvimento musical.

    Para esta investigao, cujo foco foi a aplicao de atividades do sistema de

    educao musical Orff/Wuytack, foram planejadas 06 (seis) aulas de musicalizao

    infantil, com crianas brasileiras entre 06 e 08 anos de idade. A pesquisa teve como

    delineamento metodolgico a pesquisa quasi-experimental. Assim, o recorte deste trabalho

    buscou verificar a aplicao deste sistema, de acordo com dois pontos de vista: 1) com o

    foco no prprio sistema e 2) com o foco nas crianas.

    O primeiro aspecto abordado teve como enfoque, atividades que compreendem o

    sistema e na sua metodologia, nas quais buscou-se responder s questes quais

    atividades utilizar com as crianas observadas e como utiliz-las no contexto de uma

    aula de musicalizao infantil. Nesse caso, os dados coletados foram apresentados no

    trabalho de maneira qualitativa e descritiva, pois envolveram a observao direta no

    participante dos vdeos das aulas.

    O segundo ponto de vista abordado foi a aprendizagem musical das crianas seu

    desenvolvimento cognitivo/musical. Nessa etapa, durante a observao das 06 aulas onde

  • os contedos foram aplicados por um professor especialista, procurou-se avaliar a

    performance e o desempenho das crianas enquanto participantes ativas das aulas

    observadas, de acordo com as variveis dependentes desta investigao. Como forma de

    validao destas observaes, foram convidados trs juizes externos especialistas, que,

    tambm por meio da observao direta dos vdeos das aulas 01 e 06 o teste A e o teste B

    do estudo responderam a um questionrio onde deveriam valorar os mesmos aspectos

    observados nas variveis dependentes do estudo.

    A investigao pretendeu responder algumas perguntas, a citar: a) Quais as

    vantagens e desvantagens de se utilizar a metodologia do sistema Orff/Wuytack para o

    ensino dos contedos musicais tais como a aquisio meldica e rtmica? b) Como se d a

    relao entre o ensino e a aprendizagem musical atravs do princpio de totalidade presente

    no sistema Orff/Wuytack? c) possvel estabelecer critrios que possibilitem compreender

    a relao entre o aprendizado musical e o desenvolvimento musical das crianas

    observadas? d) De que maneira o sistema Orff/Wuytack entende a questo do

    desenvolvimento e da aprendizagem musicais?

    Ao final desta investigao, foi possvel a descrio de algumas concluses

    referentes s analises dos vdeos, e que certamente podem contribuir de forma direta

    prtica docente em educao musical.

    Com relao ao conceito de totalidade, ficou claro na anlise dos vdeos que a

    conscincia do todo um aspecto muito importante para o processo de aprendizagem

    musical, j que foi atravs dela que o aluno desenvolveu-se musical e cognitivamente. Da

    mesma forma, a inter-relao entre as formas de expresso pareceu favorecer o

    aprendizado tanto rtmico quanto meldico. A utilizao da expresso corporal, por meio

    das diferentes possibilidades de expresso facial, do jogo de substituio das palavras por

    gestos corporais ou at mesmo da simples movimentao corporal, contribuiu tanto para a

    aquisio das atividades propostas quanto para o desenvolvimento de uma memria

    musical. Igualmente, a utilizao da expresso verbal - falando ou cantando um

    determinado ritmo, por exemplo pareceu contribuir no apenas na memorizao de uma

    determinada letra, mas tambm na aquisio de outros elementos da msica, como o ritmo

    e a dinmica.

    Por sua vez, ficou evidente que a totalidade pode ser uma boa estratgia para atrair

    a ateno das crianas, j que ficou visvel nas anlises dos vdeos, que as crianas

    demonstraram um especial interesse quanto explorao do prprio corpo no ato de virar

  • e girar da aula 03, por exemplo e da prpria voz.

    Por outro lado, possvel concluir que as atividades mais bem sucedidas

    correspondem aquelas que apresentaram um resultado musical concreto ao seu final,

    sugerindo aos alunos uma sensao de dever musical cumprido. Entretanto o que interessa

    ao sistema aqui estudado o processo e no os resultados, apesar do fato de que os alunos

    perceberam o processo ao final da atividade, juntamente com o resultado da mesma.

    Outra reflexo acerca das anlises dos vdeos demonstrou que a natureza ldica e

    bem humorada das aulas um aspecto pertinente educao musical e que, de acordo com

    o sistema aqui estudado, deve ser considerado na aplicao de determinada atividade

    musical.

    Com relao aos processos de aprendizagem e desenvolvimento musical, ficou

    evidente que h uma fora colaborativa do grupo para a aprendizagem coletiva de msica e

    que esta influenciou diretamente no processo de aquisio de um determinado aspecto

    musical. Da a importncia de um envolvimento ativo dos alunos frente ao seu aprendizado

    musical, j que tudo deve ser ensinado a todos, e todos colaboram entre si para a

    aprendizagem do grupo.

    Apesar de no ser o foco da presente investigao, h algumas concluses tambm

    com relao postura do professor em sala de aula. Destaca-se, nesse sentido, a

    importncia de uma correta instruo, principalmente com relao ao espelhamento

    (lateralidade), e, portanto, de uma coerncia entre a instruo verbal e instruo visual.

    Notou-se que atividades mais simtricas tambm so mais eficientes para a assimilao de

    um determinado contedo. Por outro lado, uma aula de msica no pode ter um carter

    diretivo o tempo todo. O professor deve deixar claras as instrues principalmente

    quando na imitao mas deve saber permitir que o aluno se expresse atravs do seu

    corpo, da sua voz e da msica.

    Do ponto de vista do comprometimento dos alunos com a aula de musicalizao, o

    desafio pode ser uma boa estratgia de motivar as crianas, tornando-se muito importante,

    na medida em que aumenta a ateno e o interesse dos alunos para a realizao de uma

    determinada atividade.

    Com relao aquisio de habilidades musicais, ficou claro na anlise dos vdeos

    que os aspectos rtmicos foram mais acessveis s crianas, se comparados aos aspectos

    meldicos. Com relao aquisio meldica, observou-se uma grande dificuldade com

    relao afinao precisa das notas de uma determinada cano. Entretanto, ficou evidente

  • que na maioria das atividades trabalhadas, os alunos conseguiram perceber o contorno

    meldico das canes, j que se trata de um dos elementos mais bvios de uma melodia a

    se manter invarivel em todas as instncias (DOWLING apud HARGREAVES &

    ZIMMERMAN, 2004, p.256). Portanto, na aplicao do sistema aqui estudado, deve haver

    uma valorizao do contorno meldico muito antes de uma preciso quanto afinao da

    melodia.

    Com relao performance instrumental imitao, foi possvel destacar, aps a

    anlise dos vdeos, trs concluses. 1) Os instrumentos Orff so fascinantes para as

    crianas. Nesse sentido, deve ser permitida a livre experimentao dos mesmos para que os

    alunos possam habituar-se com a prtica instrumental, com o correto manuseio das

    baquetas e com uma boa postura frente ao instrumento. Esse processo deve ocorrer

    anteriormente imitao, que visivelmente exige das crianas um grau de concentrao

    muito maior. 2) O espao fsico utilizado pelos instrumentos no pode comprometer o

    espao destinado ao movimento, aspecto bastante observado nas anlises dos vdeos. 3)

    Tanto na performance instrumental quanto nos processos de imitao, h a necessidade de

    um pulso bem definido, podendo este ser executado pelo professor por meio de um

    instrumento harmnico (violo ou piano, por exemplo).

    Ao final dessa anlise, ficou claro que na prtica instrumental/vocal, a maior

    dificuldade encontrada pelos alunos foi com relao performance simultnea de duas ou

    mais tarefas complexas. Nesse sentido, o professor poder encontrar duas possibilidades

    para resolver este impasse: a) adaptar a atividade s possibilidades da turma que est

    trabalhando, subtraindo elementos, ou b) aps todos aprenderem tudo, dividir a turma em

    grupos para que cada grupo execute uma parte da atividade melodia, acompanhamento

    instrumental, gesto, movimento, etc.

    Estabelecendo uma relao entre a anlise dos dados e a fundamentao terica

    deste estudo, pode-se afirmar que o desempenho musical das crianas tambm pode ser

    aprimorado de acordo com as qualidades dos estmulos externos mediados pelo professor,

    e pelo ambiente de aprendizagem (fsico/social) no qual a criana est inserida. Dessa

    forma, o principio da totalidade pode vir a contribuir para a aquisio de habilidades

    musicais, j que este compreende aspectos extra-musicais para a aprendizagem, como a

    voz falada e o movimento corporal. Ao final desta investigao, concluiu-se que a relao

    ensino/aprendizagem musical pode ser mais eficiente quando relacionada tambm outras

    formas de expresso no puramente musicais.

  • Do ponto de vista da aprendizagem, ficou claro que as crianas aprendem quando

    esto ativas no processo de aprendizagem. As interaes e as foras colaborativas entre os

    alunos demonstram que, conforme a reviso e a anlise desta investigao, a funo do

    professor, muito mais do que ensinar motivar e desafiar os alunos a alcanar os seus

    prprios objetivos musicais, tornando-os auto-suficientes para a msica e para o fazer

    musical. A pesquisa aqui apresentada possibilitou o entendimento das caractersticas de

    um sistema de educao musical o sistema Orff/Wuytack cuja proposta pretende que se

    aprenda msica fazendo msica. E fazer msica, como pudemos observar, expressar-se

    tambm atravs dos nossos principais e primeiros instrumentos: o nosso corpo e a nossa

    voz. Aprender msica, portanto, no pode ser analisado apenas da perspectiva musical.

    Deve propor, em primeira instncia, o desenvolvimento geral do ser humano e das suas

    capacidades artsticas. Ao final desse estudo, sugerimos ao docente em educao musical e

    ao leitor uma reflexo acerca destes aspectos, aqui amplamente discutidos.

    Paralelamente, foi possvel evidenciar algumas co-relaes entre os tipos de

    expresses presentes na totalidade e o desenvolvimento de outros tipos de habilidades.

    Gardner (1997) cita o desenvolvimento motor, o desenvolvimento verbal e, finalmente,

    desenvolvimento musical.

    Enfim, conclui-se que o resultado desta investigao poder apoiar estudos

    posteriores, frente necessidade da criao de uma bibliografia em lngua portuguesa, que

    discorra sobre a psicologia do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem musical.

    Ademais, este estudo tambm buscou divulgar o sistema aqui apresentado, na tentativa de

    apresent-lo comunidade acadmica brasileira e principalmente aos professor de musica

    interessado em refletir acerca das questes aqui apresentadas. Dessa forma, o texto acima

    possivelmente beneficiar a prtica docente em educao musical, bem como aos demais

    interessados em pesquisar e estudar fenmenos relativos psicologia do desenvolvimento

    e da aprendizagem musical infantil. Acredita-se, por fim, que este trabalho no encera o

    assunto aqui abordado, mas traz discusso inmeros aspectos que podem e devem

    continuar sendo discutidos e aprofundados em investigaes posteriores.

    6. Referncias

    BOAL PALHEIROS, Graa. Jos Wuytack. 30 anos ao servio da pedagogia musical.

  • Boletim da Associao Portuguesa de Educao Musical, Lisboa, n.59, p. 5-7. 1998a.

    _________. Jos Wuytack, Msico e Pedagogo. Boletim da Associao Portuguesa de

    Educao Musical, Lisboa, n.98, p. 16-24.1998b.

    _________. Metodologias e investigao sobre o ensino do ritmo. Revista de Educao

    Musical, Lisboa, n.103, p. 4-9.1999.

    BOURSCHEIDT, Lus. Msica elementar para crianas: arranjos de canes infantis

    brasileiras para instrumentos Orff. Curitiba: DeArtes, 2007.

    FONTERRADA, Marisa T.O. De tramas e fios: um ensaio sobre msica e educao.

    So Paulo: Editora UNESP, 2005.

    GARDNER, Howard. As artes e o desenvolvimento humano. Traduo de Maria Adriana

    Verssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.

    HARGREAVES, David J. & ZIMMERMAN, Marilyn P. Teorias do Desenvolvimento da

    Aprendizagem Musical. In: ILARI, Beatriz (Org.). Em Busca da Mente Musical:

    Ensaios sobre os processos cognitivos em msica da percepo produo. Curitiba: Ed. da UFPR, 2006. p. 231269.

    KEMP, Anthony E. (org.). Introduo Investigao em Educao Musical. Lisboa:

    Fundao Calouste Gulbenkian, 1995.

    LOPES, Cntia Thais Morato. A Pedagogia Musical de Carl Orff. Em Pauta. Porto Alegre,

    Editora da UFRGS, n.3. p. 46-63. 1991.

    PENNA, Maura. Revendo Orff: por uma reapropriao de suas contribuies. In:

    PIMENTEL, Lucia Gouveia (Org.). Som, gesto, forma e cor: dimenses da arte e seu

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  • Educao Musical na Disciplina de Arte:

    perspectivas curriculares paranaenses

    Daiane Solange Stoeberl da Cunha5

    Pesquiso para constatar, constatando,

    intervenho, intervindo educo e me

    educo. Pesquiso para conhecer o que

    ainda no conheo e comunicar ou

    anunciar a novidade (Freire, 2002,

    p.32).

    sempre pertinente a persistncia em pesquisar, analisar e discutir caminhos para o

    ensino de arte. A busca de uma compreenso sobre este campo de atuao docente e

    artstica exige a constante autocrtica e a reflexo sobre as prticas docentes em Arte,

    paralelamente s suas implicaes e perspectivas, permitindo um olhar crtico e

    transformador, de tal forma que, o que se realiza nem sempre deve ser considerado o

    melhor, ou ainda a nica possibilidade de ao. A flexibilidade da ao educativa

    resultado de uma prtica docente democrtica.

    Assim, os desafios para compreenso da relao sonoro-visual-corporal em sala de

    aula, pretendida neste trabalho, suscitam reflexes a partir da prpria trajetria da

    pesquisadora, a qual tem se proposto a discutir a educao musical escolar, focando

    principalmente nas prticas docentes. Esta discusso emergente tanto no conhecimento

    artstico quanto no pedaggico, assim esta pesquisa busca caminhos para o fazer

    pedaggico em Arte na escola, focando as questes relativas ao currculo.

    De acordo com QUEIROZ (2008):

    [...] diferentes pesquisas da rea de educao musical,

    principalmente as que se inter-relacionam com abordagens da

    etnomusicologia, da antropologia e afins, tm demonstrado que

    cada cultura modela os seus processos de ensino e aprendizagem de

    5 Mestre em Educao pela Universidade Federal do Paran (2006), graduao em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (2003) Docente de msica no Departamento de Arte-Educao da

    Univ