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O ENSINO DE CIÊNCIAS E A EDUCAÇÃO BÁSICA: PROPOSTAS PARA SUPERAR A CRISE 2007

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  • O ENSINO DE CINCIAS E A EDUCAO BSICA:

    PROPOSTAS PARA SUPERAR A CRISE

    2007

  • Grupo de Estudo Ernst Wolfgang Hamburger

    Fernando Galembeck Joao Lucas Marques Barbosa

    Keti Tenenblat (Coordenadora) Luiz Davidovich (membro da diretoria da ABC)

    Paulo Sergio Lacerda Beiro Simon Schwartzman

  • Academia Brasileira de Cincias Ensino de cincias e educao bsica: propostas para um sistema em crise

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    APRESENTAO

    O desenvolvimento social, cientfico e tecnolgico do Brasil requer uma reformulao profunda da estrutura educacional em nosso pas. A reforma da educao superior foi discutida em documento anterior da Academia Brasileira de Cincias (Subsdios para a Reforma da Educao Superior), que prope uma reestruturao dos cursos de graduao, adiando a especializao, promovendo a interdisciplinaridade dentro de uma estrutura de ciclos, e a expanso das matrculas atravs da diversificao das instituies de ensino superior. A necessidade imperiosa de melhorar o ensino bsico no Brasil e, em particular, o ensino de cincias, o tema do presente documento. O ensino adequado de cincias estimula o raciocnio lgico e a curiosidade, ajuda a formar cidados mais aptos a enfrentar os desafios da sociedade contempornea e fortalece a democracia, dando populao em geral melhores condies para participar dos debates cada vez mais sofisticados sobre temas cientficos que afetam nosso quotidiano. A universalizao desejada do ensino fundamental, alcanada atravs de um esforo de vrios governos, e que se constituiu portanto em uma verdadeira poltica de Estado, foi acompanhada de uma deteriorao crescente desse nvel de ensino, levando a uma situao que prejudica o desenvolvimento do Pais, corri a democracia, e gera um grande nmero de jovens com pssima formao e com alternativas limitadas de insero na sociedade brasileira. A correo do quadro atual requer um esforo continuado que deve ser, por isso mesmo, resultante de uma poltica de Estado, fruto de um consenso sobre o carter altamente prioritrio dessa ao. Entre as medidas a serem adotadas, destacam-se como imprescindveis o aumento dos investimentos em educao para no mnimo 6% do PIB, a melhoria substancial da remunerao dos professores, o aumento da durao do turno escolar e a efetiva alfabetizao infantil. Sem elas, todas as outras propostas do documento tero efeito reduzido na transformao da educao bsica em nosso pas. Na preparao deste documento, a Academia Brasileira de Cincias consultou a literatura especializada, solicitou a colaborao de especialistas, e identificou alguns dos principais diagnsticos e possveis problemas que precisam ser enfrentados.

  • Academia Brasileira de Cincias Ensino de cincias e educao bsica: propostas para um sistema em crise

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    O documento inicia-se com um sumrio do conjunto total de propostas visando o aprimoramento da educao bsica e do ensino de cincias em particular. Essas propostas apiam-se em anlises detalhadas no corpo do documento. Atravs deste trabalho, a ABC espera contribuir para que seja dada educao brasileira um tratamento prioritrio, indispensvel para o desenvolvimento nacional.

    Rio de Janeiro, Novembro de 2007

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    NDICE

    SUMRIO DAS PROPOSTAS......................................................................................1

    1. CONSIDERAES GERAIS....................................................................................6

    2. A EDUCAO CIENTFICA E A EDUCAO GERAL ..................................10

    3. DIAGNSTICO DA EDUCAO BSICA: QUANTIDADE SEM QUALIDADE. ...............................................................................................................13

    4. POLTICAS PARA A MELHORIA DA EDUCAO.........................................18

    4.1. AUMENTAR GRADUALMENTE OS INVESTIMENTOS EM EDUCAO AT ALCANAR 6% DO PIB, GARANTINDO O USO ADEQUADO DOS RECURSOS PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DO SISTEMA EDUCATIVO. .........................................................................19 4.2. REESTRUTURAR A CARREIRA DE PROFESSOR, MELHORANDO OS NVEIS SALARIAIS E ASSOCIANDO CARREIRAS E BENEFCIOS A RESULTADOS. .............................................20 4.3 ESTIMULAR A IMPLANTAO PROGRESSIVA, EM TODO O PAS, DE REGIME ESCOLAR EM TURNO COMPLETO DE PELO MENOS 6 HORAS DIRIAS, OU 30 HORAS SEMANAIS. PARA POPULAES CARENTES, DEVE SER ADOTADO O REGIME DE 8 HORAS DIRIAS. .23 4.4. ESTIMULAR AS ESCOLAS E PROFESSORES A PARTIR DE RESULTADOS DE

    AVALIAES EDUCACIONAIS. ......................................................................................25 4.5. REORGANIZAR OS CURSOS DE FORMAO DE PROFESSORES.................................26 4.6. GARANTIR UMA ALFABETIZAO EFETIVA AT O FINAL DO SEGUNDO ANO DE ESCOLARIDADE. ..........................................................................................................29 4.7. REFORMULAR OS CURRCULOS DO ENSINO BSICO. ..............................................29 4.8. DIFERENCIAR O ENSINO MDIO, AMPLIANDO E FORTALECENDO O ENSINO PROFISSIONAL. ............................................................................................................30

    4.9. MELHORAR A INFRA-ESTRUTURA DAS ESCOLAS ...................................................32 4.10. FORTALECER O PAPEL DOS DIRETORES DE ESCOLA. ............................................32 4.11. INCENTIVAR ATIVIDADES SISTEMTICAS DE DIFUSO CIENTFICA VOLTADAS PARA CRIANAS E ADOLESCENTES ..............................................................................33

    5. RECOMENDAES ESPECFICAS PARA O ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA, DE MATEMTICA, CINCIAS NATURAIS, LNGUAS ESTRANGEIRAS, CINCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES NA EDUCAO BSICA..........................................................................................................................34

    6. REFERNCIAS ........................................................................................................39

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    SUMRIO DAS PROPOSTAS Poltica educacional como poltica de Estado

    1. Estabelecer um compromisso de toda a sociedade com a definio de polticas educacionais, que devem passar a ser polticas de Estado ao invs de polticas de Governo, j que as mesmas devem ter continuidade de pelo menos duas dcadas para apresentarem resultados significativos.

    Aumento dos investimentos em educao 2. Aumentar os investimentos em educao, hoje de

    menos de 4% do Produto Interno Bruto do Pas, at pelo menos 6%, que o padro dos pases bem sucedidos nos seus sistemas educacionais, reforando a prioridade que deve ser dada educao bsica.

    Valorizao da carreira de professor 3. Melhorar substancialmente a remunerao e o

    reconhecimento do trabalho do professor, como parte de uma poltica mais ampla de valorizao da carreira.

    4. Alterar os atuais regimes de trabalho e vincular as carreiras e os benefcios qualificao e ao desempenho dos professores e suas escolas, medidos atravs de avaliaes nacionais e estaduais do desempenho dos alunos.

    5. Dar incentivos financeiros especficos para professores trabalhando em reas de risco e em reas remotas.

    Aumento da durao do turno escolar 6. Estimular a implantao progressiva, em todo o pas,

    de regime escolar em turno completo de pelo menos 6 horas dirias, ou 30 horas semanais, o que certamente implicar em novos investimentos em pessoal qualificado e instalaes adequadas. Para comunidades carentes, deve ser adotado o regime de 8 horas dirias. Essa recomendao deve incluir o ensino mdio, tentando-se reduzir o ensino mdio noturno apenas queles que trabalham.

    Melhorias na infra-estrutura das escolas 7. Garantir a existncia de infra-estrutura bsica nas

    escolas (banheiro, luz, gua encanada, carteiras), com

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    provimento e manuteno de equipamentos e fornecimento de material escolar.

    8. Associar laboratrios e computadores, necessrios para uma boa educao bsica, ao treinamento de professores para o seu uso em programas de ensino.

    9. Evitar um nmero excessivo de alunos nas salas de aula.

    Fortalecimento dos diretores de escola 10. Descentralizar as responsabilidades das Secretarias de

    Educao, dando mais autonomia s escolas, tornando o sistema mais eficiente do ponto-de-vista educacional e administrativo. A escolha dos diretores de escola no pode ser feita unicamente por indicao poltica, nem pela simples eleio direta pela comunidade escolar. Critrios de qualidade associados educao devem prevalecer na escolha do diretor.

    Avaliaes educacionais nacionais e regionais 11. Manter avaliaes nacionais e regionais sistemticas,

    vinculadas aos programas de ensino. Usar os resultados dessas avaliaes para definir aes especficas que possam corrigir os problemas encontrados.

    12. As avaliaes de disciplinas centrais como portugus e matemtica devem ser universais, e medir a capacidade dos estudantes em usar de maneira efetiva os conceitos e as habilidades associadas ao uso da lngua e dos nmeros, e no a memorizao de contedos especficos.

    Reorganizao dos cursos de formao de professores

    13. Garantir a formao adequada do professor de ensino fundamental ciclo I conforme previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da educao. Esses professores so os mais importantes na educao do futuro cidado e sua formao polivalente no deve ser diluda nos atuais cursos de pedagogia.

    14. Reforar o contedo cientfico nos cursos de licenciatura de cincias e matemtica.

    15. Incentivar a formao qualificada de licenciados, com ateno especial para reas com deficincia de profissionais.

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    16. Criar um sistema de certificao de competncia docente, que permita o exerccio do magistrio por outros profissionais de nvel superior.

    17. Cursos de Licenciatura que obtenham resultados negativos na avaliao do MEC devem ser descredenciados.

    18. Rever as polticas de formao continuada de professores, que devem ser acopladas a resultados de avaliaes educacionais e a projetos de longo prazo visando a melhoria do ensino.

    19. Avaliar as experincias atuais de formao de professores atravs de educao distncia, antes de uma expanso em carter nacional. O apoio educao distncia no deve prejudicar as licenciaturas presenciais, que tm potencial para formar mais professores.

    Alfabetizao infantil 20. Ao final do segundo ano do primeiro grau todas as

    crianas que no tenham deficincias graves devem estar plenamente alfabetizadas, sabendo ler com fluncia, entender o que lem, e se expressar de forma oral e escrita.

    Reformulao dos currculos do ensino bsico 21. Incentivar atividades multidisciplinares e participao

    em projetos. 22. Reduzir, a partir da 6a. srie, o nmero de disciplinas

    para algumas essenciais na formao bsica do estudante, e complement-las com atividades multidisciplinares.

    Diversificao do ensino mdio, com ampliao e fortalecimento do ensino profissional

    23. Diversificar o ensino mdio, oferecendo alternativas de formao profissional.

    24. Incentivar, para o ensino profissional, uma aproximao efetiva entre as escolas e a atividade econmica local, envolvendo os profissionais das empresas em atividades educativas, e dando aos alunos experincia prtica e concreta de trabalho supervisionado.

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    Incentivo a atividades sistemticas de difuso cientfica voltadas para crianas e adolescentes

    25. Devem ser incentivadas, pelos governos municipais, estaduais e federal, atividades sistemticas de difuso cientfica, dirigidas a crianas e adolescentes, atravs de oficinas, centros e museus de cincia, que interajam fortemente com as escolas da regio.

    Ensino de lngua portuguesa, matemtica, cincias naturais, lnguas estrangeiras, cincias sociais e humanidades

    26. O ensino da lngua portuguesa deve ser vivo, pela leitura constante e exerccio permanente da escrita e da comunicao oral. O estudo da lngua deve permitir que os estudantes sejam capazes de ler, entender e comunicar verbalmente o contedo de um texto ou obra literria, e escrever um texto de forma correta, organizando as idias de forma lgica e coerente.

    27. Considerar a matemtica como ferramenta fundamental para o desenvolvimento do raciocnio lgico e para o pleno exerccio da cidadania. Sendo a matemtica parte essencial da linguagem de todas as cincias, seu ensino deve oferecer o suporte adequado para as outras disciplinas do currculo, atravs do ensino de tpicos que permitam exprimir de forma adequada, por exemplo, as leis da Fsica, os fenmenos qumicos, biolgicos, econmicos e sociais, e as aplicaes tecnolgicas vida diria.

    28. Estimular, no ensino de Cincias, a curiosidade natural e a criatividade dos alunos, de modo que, desde o incio do ensino fundamental, eles aprendam a observar, tirar concluses, formular hipteses, experimentar e verificar suas concluses, como no programa ABC na Educao Cientfica Mo na Massa.

    29. Objetivar, no ensino de ingls, que todos os estudantes, ao concluir o ensino mdio, sejam capazes pelo menos de ler textos de baixa complexidade, assim como de entender a linguagem oral culta e de se comunicar de forma simples.

    30. Transmitir e elaborar, no ensino de humanidades e cincias sociais, os principais fatos, conceitos, abordagens e controvrsias que permitam aos estudantes o exerccio pleno da cidadania, dando-lhes acesso ao patrimnio cultural, literrio e artstico

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    brasileiro e universal, assim como o conhecimento de aspectos centrais da sociedade e da cultura em que vivem.

    31. Determinar, nas diversas reas de conhecimento citadas acima, um conjunto central de competncias, adequadas aos diversos nveis do ensino, que os estudantes deveriam obter. Incluir nessas competncias os conhecimentos interdisciplinares e especficos, a capacidade de utiliz-los e as atitudes e valores indispensveis para os cidados ao longo da vida.

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    1. CONSIDERAES GERAIS A Academia Brasileira de Cincias, desde sua fundao,

    est comprometida com o desenvolvimento da educao, cincia e tecnologia em nosso Pas. Cincia, tecnologia e inovao so recursos indispensveis para o desenvolvimento da economia, o manejo adequado dos recursos naturais e ambientais e a utilizao de polticas pblicas adequadas nas reas da sade e da gesto dos complexos urbanos em que vive a maior parte da populao do pas. Alm de sua utilidade e importncia prtica, a alfabetizao, ou iniciao cincia1 parte essencial da cidadania nas sociedades modernas. Ela habilita as pessoas, conforme a formulao da OECD, para o uso de conceitos cientficos bsicos para compreender e tomar decises a respeito do mundo natural, assim como os capacita a reconhecer questes cientficas, usar evidncias, chegar a concluses de tipo cientfico e comunicar estas concluses. Alm disto, no se deve perder de vista que a boa educao inclui, entre seus frutos mais importantes, a civilidade, o amor ao prximo, a capacidade de discutir objetivamente, de trabalhar em grupo e de respeitar o prximo e os seus direitos.

    A formao cientfica deve ser um componente central da educao desde os anos iniciais, ao lado da formao no uso da linguagem e das humanidades.

    Entretanto, os nveis de conhecimento dos estudantes brasileiros no ensino fundamental e mdio so extremamente baixos, o que compromete o desenvolvimento do Pas.

    A Academia considera fundamental que se estabelea um compromisso de toda a sociedade com a definio de polticas educacionais, que devem passar a ser polticas de Estado ao invs de polticas de Governo, j que as mesmas devem ter continuidade de pelo menos duas dcadas para apresentarem resultados significativos.

    1 A OECD usa o conceito de scientific literacy, definida como the use of key

    scientific concepts in order to understand and help make decisions about the natural world. It also involves being able to recognize scientific questions, use evidence, draw scientific conclusions and communicate these conclusions. (OECD 2003; OECD 2004)

    Os nveis de conhecimento dos estudantes brasileiros no ensino fundamental e mdio so extremamente baixos, o que compromete o desenvolvimento do Pas

    As polticas educacionais devem ser polticas de Estado ao invs de polticas de Governo, pois devem ter continuidade de pelo menos duas dcadas para apresentarem resultados significativos.

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    Os resultados apresentados no Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA)2, mostram que os jovens brasileiros esto em situao extremamente precria. A comparao dos resultados obtidos por nossos alunos coloca o nosso Pas em situao de desvantagem em relao a quase todos os pases que participam do PISA. No apenas em relao a pases como a Coria e Irlanda, que trinta ou quarenta anos atrs tinham sistemas educacionais de baixa qualidade, e que hoje esto entre os melhores do mundo, mas tambm em relao a alguns pases latino americanos.

    A situao brasileira ainda mais preocupante porque, diferentemente de outros pases, a amostra de estudantes brasileiros avaliados pelo PISA no representativa da populao estudantil como um todo, mas somente dos estudantes que cursam da stima srie em diante. Os resultados do PISA confirmam a experincia quotidiana dos professores universitrios que constatam que a grande maioria dos estudantes, mesmo quando oriundos de escolas consideradas de boa qualidade, terminam sua educao bsica e chegam ao ensino superior com graves deficincias em sua capacidade de fazer uso de informaes e conhecimentos de tipo cientfico para entender o mundo que os circunda e resolver problemas e questes que lhes so colocados. Nos Grficos 1 e 2, so apresentados resultados do PISA 2003 no que diz respeito a proficincia em Matemtica e Leitura de todos os pases que dele participaram. Em seguida no Grfico 3, apresentamos resultados do PISA 2003, de alguns pases selecionados, no que diz respeito ao conhecimento de cincias e capacidade de resolver problemas.

    2 O Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA) realizado pela OCDE (Organizao para

    Cooperao e Desenvolvimento Econmico) a cada 3 anos, sendo aplicado em 57 pases a estudantes com idade mdia de 15 anos. A avaliao estabelece um ranking internacional dos sistemas educacionais. Nas provas, traduzidas e com contedo idntico para todos os paises, so cobrados conhecimentos de Cincias, Matemtica e Leitura. Cada prova tem aproximadamente 80 questes (OECD 2003).

    A comparao dos resultados obtidos por nossos alunos coloca o nosso Pas em situao de desvantagem em relao a quase todos os pases que participam do PISA.

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    Grfico 1. Porcentagem de estudantes por nvel de proficincia em Matemtica, PISA 2003

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    Grfico 2. Porcentagem de estudantes por nvel de proficincia em Leitura, PISA 2003.

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    !

    Grfico 3. Resultados do PISA em Cincias, pases selecionados, 2003.

    2. A EDUCAO CIENTFICA E A EDUCAO GERAL

    A precariedade da formao cientfica dos jovens brasileiros faz parte de um problema muito mais amplo, que a precariedade da educao bsica brasileira. A educao pblica s entrou para a agenda nacional no Brasil nos anos 20, a partir das Conferncias Nacionais promovidas pela Associao Brasileira da Educao, a criao do Ministrio da Educao e Sade em 1931, e a publicao do Manifesto dos Pioneiros da Nova Educao, assinado por Fernando de Azevedo, Ansio Teixeira e tantos outros3. Infelizmente, estas iniciativas no foram suficientes para dar educao a prioridade que ela deveria ter.

    A Academia vem acompanhando, com interesse, a iniciativa do governo federal de implantar um novo Plano de Desenvolvimento da Educao para o pas, assim como os esforos de muitos secretrios de educao de melhorar a

    3 (Azevedo et al. 1932; Teixeira 1935)

    A precariedade da formao cientfica dos jovens brasileiros faz parte de um problema muito mais amplo, que a precariedade da educao bsica brasileira.

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    educao em seus respectivos estados e municpios. Estas iniciativas buscam dar uma resposta ao clamor crescente pela necessidade de dotar a juventude brasileira de uma educao de qualidade, que tem sido objeto da preocupao tanto de instituies internacionais, como a UNESCO, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial4, quanto de organizaes e movimentos da sociedade civil, como o movimento de Todos pela Educao. Diversas Academias de Cincia, assim como o Interacademy Panel on International Issues, tm tambm se dedicado de forma crescente ao tema da educao cientfica nas escolas.5

    O reconhecimento da prioridade que a educao deve ter de extrema importncia, mas, alm disto, necessrio dispor de um diagnstico correto das causas do problema, assim como uma indicao das polticas que podem ser aplicadas. Em comparao com outros pases (ver Tabela 1) a despesa anual por aluno, expressa em dlares e convertida usando o poder de compra equivalente, para todos os servios, nos diversos nveis da educao bsica, extremamente baixo. Por outro lado, a despesa por aluno no nvel superior comparvel dos paises da OCDE.

    A Academia Brasileira de Cincias tem insistido em que o Brasil deva aumentar seus investimentos em educao6 hoje de menos de 4% do Produto Interno Bruto do pas7, at pelo menos os 6% que o padro dos pases bem sucedidos nos seus sistemas educacionais. Ao mesmo tempo, importante ter em mente que o aumento dos gastos deve estar associado a polticas educacionais corretas.

    4 (CEPAL and UNESCO 1992; Inter-American Development Bank 2005; UNESCO

    1990; World Bank 2000; World Bank 2005). 5 (Duschl et al. 2007)(Harlen and Allende 2006)

    6 (Academia Brasileira de Cincias 2006)

    7 INEP http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/PIB_nivel_ensino.htm

    O Brasil deve aumentar seus investimentos em educao, hoje de menos de 4% do Produto Interno Bruto do Pas, at pelo menos os 6%, que o padro dos pases bem sucedidos nos seus sistemas educacionais.

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    Secondary education

    Pre-primary

    education (for

    children 3 years and

    older)

    Primary education

    Lower secondary education

    Upper secondary education

    All secondary education

    OECD countries Australia m 5.494 7.442 8.362 7.788 Austria 6.205 7.139 8.719 9.189 8.943 Belgium 4.663 6.180 x(5) x(5) 7.708 Canada 1, 2 x(5) x(5) x(5) x(5) 6.482 Czech Republic 2.660 2.273 3.939 4.241 4.088 Denmark 4.824 7.814 7.958 8.401 8.183 Finland 4.069 5.321 8.608 6.654 7.402 France 4.744 4.939 7.603 9.992 8.653 Germany 4.865 4.624 5.627 10.232 7.173 Greece x(2) 4.218 x(5) x(5) 4.954 Hungary 1 3.985 3.286 3.269 4.620 3.948 Iceland 6.781 7.752 7.475 6.459 6.898 Ireland m 4.760 6.329 6.428 6.374 Italy 1 6.116 7.366 7.688 8.108 7.938 Japan 3.766 6.350 6.991 7.552 7.283 Korea 2.628 4.098 5.425 7.442 6.410 Luxembourg x(2) 11.481 16.754 17.364 17.078 Mexico 2.069 1.656 1.495 2.790 1.918 Netherlands 5.497 5.836 7.566 6.271 6.996 New Zealand 4.325 4.841 4.803 6.730 5.693 Norway 3.895 7.977 9.208 12.380 10.919 Poland 1 3.269 2.859 2.693 3.184 2.951 Portugal 1 4.489 4.503 6.158 6.022 6.094 Slovak Republic 2.641 2.020 2.106 2.737 2.401 Spain 4.151 4.829 x(5) x(5) 6.418 Sweden 4.091 7.291 7.446 7.848 7.662 Switzerland 1 3.558 8.131 9.538 15.014 12.209 Turkey 1 m 869 a 1.428 1.428 United Kingdom 7.153 5.851 x(5) x(5) 7.290 United States 7.755 8.305 9.156 10.105 9.590 OECD average 4.508 5.450 6.560 7.582 6.962 OECD total 4.959 5.055 ~ ~ 6.936 EU19 average 4.589 5.399 6.831 7.419 6.961 Partner countries Brazil 2 926 870 1.105 1.152 1.121 Chile 3 2.470 2.139 2.124 2.281 2.225 Israel 3.718 5.017 x(5) x(5) 5.959 Russian Federation 1 m x(5) x(5) x(5) 1.436

    1. Instituies pblicas apenas. 2.Ano de referencia 2002. * Poder de compra ** Produto Interno Bruto

    TABELA 1. Gasto anual em instituies educacionais por estudante para todos os servios (2003), em dlares norte-americanos equivalentes corrigidos pelo poder de compra.

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    3. DIAGNSTICO DA EDUCAO BSICA: QUANTIDADE SEM QUALIDADE.

    Os indicadores mais gerais sobre as dimenses do sistema educacional de um pas so as taxas de matrcula. A taxa bruta compara o nmero de alunos matriculados com o nmero de jovens da populao na idade de referncia (7 a 14 anos para a educao fundamental8 , 15 a 17 anos para a educao mdia); e a taxa lquida compara o total de matriculados nas idades corretas com a mesma populao de referncia. Ao longo dos anos 90, a taxa lquida de matrcula na educao fundamental brasileira se aproximou dos 95%, enquanto que a taxa bruta se elevou de 103 para 125%, caindo depois para cerca de 120% (ver Grfico 4).

    A taxa lquida revela que a quase totalidade das crianas entre 7 e 14 anos est na escola, enquanto que a diferena entre as duas taxas reflete uma das grandes distores do sistema educacional brasileiro, que o grande nmero de estudantes retidos nas sries iniciais, por problemas de repetncia e atraso escolar. Se esta deformao no existisse, a educao fundamental brasileira teria 20% a mais de recursos por estudante do que tem atualmente.

    8 Rccentemente, o ensino fundamental foi ampliado legalmente de 8 para 9 anos,

    iniciando-se aos 6 anos de idade. No entanto, as estatsticas ainda refletem, principalmente, a prtica do regime de 8 anos.

    A quase totalidade das crianas entre 7 e 14 anos est na escola, mas grande o nmero de estudantes retidos nas sries iniciais, por problemas de repetncia e atraso escolar.

    Grfico 4. Evoluo da matrcula escolar brasileira, 1992-2005 (Dados do PNAD).

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    A partir de 2001, o atraso escolar comeou a diminuir, graas reduo das prticas de repetncia escolar e aes de acelerao da aprendizagem, mas, nos anos mais recentes, esta melhora no teve continuidade, e o pas parece estar se estabilizando em um nvel extremamente alto e preocupante de atraso escolar.

    No nvel mdio, para jovens entre 15 e 17 anos de idade, a taxa bruta prxima de 90% mostra que o sistema j tem o tamanho necessrio para atender a quase toda a populao de referncia; no entanto, a taxa lquida de 50% e parece estar se estabilizando neste nvel, o que significa que metade dos estudantes de nvel mdio, aproximadamente, j deveria ter completado seus estudos. Por causa das altas taxas de abandono, somente 43% da populao brasileira de 20 anos de idade havia completado o ensino mdio em 2005 (PNAD 2005).

    Anlises mais aprofundadas revelam dois problemas centrais e interligados, de altas taxas de evaso e m qualidade do ensino, que requerem novas abordagens. Entre 8 e 14 anos de idade, a quase totalidade das crianas estuda, sendo que uma pequena porcentagem, de 10 aos 12 anos e aumentando a partir da, tambm tem algum tipo de trabalho produtivo. A partir dos 14 anos, a porcentagem de jovens que estuda comea a cair rapidamente, chegando a menos de 50% aos 18 anos de idade (ver Grfico 5). A explicao convencional para o abandono da escola por parte dos jovens a necessidade que teriam de trabalhar. Mas a evidncia mais recente mostra que as oportunidades de trabalho rentvel para jovens com baixa educao se tornam cada vez mais limitadas com a demanda crescente do mercado de trabalho por pessoas com maior nvel de educao.

    A m qualidade da educao bsica, combinada com as altas taxas de reteno que afetam, sobretudo, os jovens de famlias de baixa renda, parece ser a causa principal do abandono escolar dos adolescentes. A partir dos 17 ou 18 anos de idade, aproximadamente 15% dos jovens nem trabalha, nem estuda, vivendo em uma ociosidade que pode ter graves conseqncias para sua insero na sociedade, aumentando a probabilidade de marginalizao e de criminalizao entre os jovens.

    A m qualidade da educao bsica, combinada com as altas taxas de reteno que afetam, sobretudo, os jovens de famlias de baixa renda, parece ser a causa principal do abandono escolar dos adolescentes.

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    Grfico 5 - Estudo e Trabalho, por idade (PNAD 2005) O principal instrumento de avaliao da educao brasileira

    o Exame Nacional de Avaliao Bsica (SAEB), realizado pelo Ministrio da Educao. Este exame, aplicado desde 1995, testa as competncias em lngua portuguesa e matemtica de uma amostra nacional de estudantes na quarta e oitava sries da educao bsica e terceira srie da educao mdia.

    Os resultados do SAEB so apresentados em uma escala de desempenho capaz de descrever, em cada nvel, as competncias e as habilidades que os alunos so capazes de demonstrar. A escala do Saeb nica para cada disciplina e permite apresentar, em uma mesma mtrica, os resultados de desempenhos dos estudantes de todas as sries (4a e 8a sries do Ensino Fundamental e 3a srie do Ensino Mdio) e anos de aplicao dos testes (1995, 1997, 1999, 2001, 2003 e 2006). Pela escala, pode-se verificar que percentual de alunos j possui as competncias e habilidades desejveis para cada uma das sries avaliadas, quantos ainda esto em processo de construo, quantos esto abaixo do nvel que seria desejvel para a srie e quantos esto acima do nvel que seria esperado.

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    Matemtica Lngua Portuguesa Nvel bsico de proficincia

    escala Saeb/97

    Ciclo e nvel de ensino Ciclo e nvel de ensino

    100 No significativo At a metade do 1 ciclo do Ens.Fund.

    175 At a metade do 1 ciclo do Ens.Fund.

    At o final do 1 ciclo do Ens.Fund.

    250 At o final do 1 ciclo do Ens.Fund.

    At o final do 2 ciclo do Ens.Fund.

    325 At o final do 2 ciclo do Ens.Fund.

    At o final do Ens. Mdio

    400 At o final do Ens. Mdio Alm do final do Ens. Mdio

    Quadro 1. Correspondncia entre nveis de proficincia no SAEB e ciclos dos nveis de ensino (CEAE UFRJ)9

    O Quadro 1 acima foi elaborado estabelecendo-se relaes entre os momentos dos ciclos escolares (e os desempenhos mnimos ou bsicos que a eles correspondem) e os nveis de proficincia da escala do SAEB.

    O Grfico 6 refere-se matemtica, e foi elaborado com base na metodologia do quadro acima. A varivel Quarta, Oitava, Terceira representa os trs grupos avaliados pelo SAEB/2006, ou seja, os alunos da quarta e da oitava srie do ensino fundamental e da terceira srie do ensino mdio. As cores das colunas representam o nvel de conhecimento detectado pelo SAEB. Elas nos dizem se o aluno est com o nvel esperado na 3 srie do ensino mdio, ou da oitava, da quarta, da segunda sries do ensino fundamental ou com nvel at o da segunda srie do ensino fundamental.

    9 O quadro e a metodologia de sua criao esto disponveis no site:

    http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/ceae/andreadc/relatoriosaeb/31.html

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    0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

    100%

    Quarta oitava terceira

    at a a segunda segundaquarta oitavaterceira

    Grfico 6. SAEB/2006 de Matemtica.

    Os dados mostram que, na quarta srie, metade dos alunos ainda est em um nvel inferior segunda srie da educao fundamental, e menos de 10% tm o nvel esperado para esta srie. Na oitava srie, mais de 50% ainda esto no nvel equivalente segunda srie ou inferior, e s uma pequena proporo, inferior a 5%, tem o nvel esperado para a srie. Na terceira srie do ensino mdio, 70% esto em um nvel equivalente quarta srie ou inferior, e outros 25%, aproximadamente, esto no nvel correspondente oitava srie, com menos de 10% no nvel apropriado. Portanto, a maior parte dos estudantes brasileiros tem formao inadequada em Matemtica para as respectivas sries.

    Quadro similar pode ser construdo para lngua portuguesa, permitindo a mesma concluso. Esta situao tem-se mantido estvel ou declinando ao longo de toda a existncia do SAEB, tanto para Lngua Portuguesa como para Matemtica, como indicam os Grficos 7.1 e 7.2

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    Grfico 7. SAEB, Mdias de Proficincia, Brasil, 1995-2005 (INEP)

    4. POLTICAS PARA A MELHORIA DA EDUCAO

    A tarefa de melhorar a qualidade da educao brasileira depender, alm da vontade poltica, do envolvimento da sociedade e de uma verdadeira revoluo cultural na rea da educao, alimentada pelos resultados das pesquisas sobre temas educacionais, pluridisciplinar e de padro internacional, incorporando os conhecimentos acumulados nacional e internacionalmente.

    possvel obter boa educao por caminhos diferentes, e todas as polticas que possam ser recomendadas esto sujeitas a controvrsias. Com esta nota de precauo, e apoiada no trabalho de especialistas, a Academia considera que as seguintes polticas deveriam ser implantadas nos prximos anos, para que a educao brasileira possa passar a um patamar mais alto de qualidade:

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    4.1. Aumentar gradualmente os investimentos em educao at alcanar 6% do PIB, garantindo o uso adequado dos recursos para a melhoria da qualidade do sistema educativo.

    Nenhuma educao possvel se no existem instalaes minimamente adequadas, se no existem recursos de custeio, e se os salrios dos professores so aviltantes. importante aumentar os investimentos pblicos e privados na educao, at atingir o nvel recomendado internacionalmente de 6% do Produto Interno Bruto, e fazer com que sua aplicao esteja associada, cada vez mais, a resultados claros de qualidade, medidos pelos instrumentos de avaliao disponveis.

    O setor pblico, atravs dos governos federal, estaduais e municipais, o principal responsvel pela educao bsica, atendendo a 90% das matrculas do ensino bsico e tem papel importante tambm no desenvolvimento da educao pr-escolar de qualidade, na educao de jovens e adultos e na educao superior.

    O contraste entre as despesas por aluno no ensino bsico, muito menor que nos paises da OCDE, e na educao superior, que comparvel daqueles pases, indica que o aumento do volume total de recursos para a educao deve ser destinado prioritariamente educao bsica.

    O setor privado deve ter tambm um papel crescente no financiamento direto da educao, no envolvimento e apoio das comunidades s escolas, no envolvimento de empresas em atividades de formao e treinamento e em parceria com escolas pblicas, assim como em atividades filantrpicas de apoio e estmulo educao.

    O Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica FUNDEB, recentemente transformado em lei, um instrumento importante para o ordenamento dos gastos pblicos em educao, e precisa ser continuamente aperfeioado. Como os recursos do Fundo so distribudos conforme o nmero de estudantes matriculados nos diversos nveis da educao bsica nos Estados e Municpios, incluindo o nvel pr-escolar e a educao de jovens e adultos, cujo nmero potencial muito grande, fundamental garantir que os recursos no estimulem a proliferao de cursos de m qualidade, e no redundem em uma reduo dos gastos per capita por aluno na educao fundamental e mdia regulares.

    Nenhuma educao possvel se no existem instalaes minimamente adequadas e recursos de custeio, e se os salrios dos professores so aviltantes.

    O aumento do volume total de recursos para a educao deve ser destinado prioritariamente educao bsica.

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    4.2. Reestruturar a carreira de professor, melhorando os nveis salariais e associando carreiras e benefcios a resultados.

    Qualquer mudana significativa da educao depende essencialmente dos professores. O professor o elo entre os sistemas escolares e os estudantes, e nenhuma educao de qualidade possvel sem o envolvimento e a participao dos professores. Os rendimentos dos professores so baixos, quando comparados com os de outras profisses de nvel educacional equivalente. Hoje, a maioria dos professores da educao fundamental tem nvel superior, e j h um contingente significativo de professores com cursos de ps-graduao. Pela PNAD 2005, o rendimento mdio mensal de todos os trabalhos de um professor com nvel superior ensinando na educao fundamental ou mdia varia de 1.000 a 1500 reais mensais (ver Tabela 2), comparado com os rendimentos mdios dos mdicos (5.763,00), engenheiros civis (4.037,00), analista de sistemas (3.724,00) e contadores e auditores (3.104,00). Chama a ateno, tambm, a grande disparidade salarial entre pessoas de formao superior que atuam nas universidades e as que atuam no ensino bsico, de mais de 100%.10

    Os maiores rendimentos iniciais de outras profisses fazem com que a carreira de magistrio dificilmente seja a primeira opo para pessoas que conseguem concluir seus cursos de nvel superior. A comparao com outros pases revela que o salrio dos professores brasileiros muito baixo, como mostrado na Tabela 3.

    Polticas que possam aumentar o nvel de remunerao dos professores so importantes no s para atender s aspiraes naturais de padro e qualidade de vida da categoria, mas, principalmente, para atrair mais e melhores talentos para as atividades de ensino.

    10 Sabe-se que os dados da PNAD subestimam as rendas das pessoas, mas esta

    subestimao vale para todas as categorias, e por isto as diferenas entre a renda das diferentes profisses real.

    Qualquer mudana significativa da educao depende essencialmente dos professores. O professor o elo entre os sistemas escolares e os estudantes, e nenhuma educao de qualidade possvel ser o envolvimento e a participao dos professores.

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    Tabela 2. Nveis salariais dos professores (PNAD 2005).

    Hoje, os salrios no esto associados ao desempenho ou dificuldade da tarefa (por exemplo, a atuao em reas socialmente conflagradas, ou distantes) e nem mesmo ao efetivo exerccio docente, mas idade ou antiguidade dos professores. A melhora da remunerao e o reconhecimento do trabalho do professor devem fazer parte de uma poltica mais ampla que altere os atuais regimes de trabalho e vincule as carreiras e os benefcios qualificao e ao desempenho dos professores e suas escolas, medidos atravs das avaliaes nacionais e/ou estaduais do desempenho dos alunos.

    Segundo publicao da OECD, pases diversos tm meios distintos para identificar e recompensar bons professores (OECD 2005). s vezes isto feito atravs de bnus salariais pela concluso com sucesso de etapas de desenvolvimento profissional ou por assumir tarefas extras no ambiente escolar ou ainda explicitamente por performances extraordinrias de professores que evidenciam o aumento de conhecimento de seus alunos.

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    A melhora da remunerao e o reconhecimento do trabalho do professor devem fazer parte de uma poltica mais ampla que altere os atuais regimes de trabalho e vincule as carreiras e os benefcios qualificao e ao desempenho dos professores e suas escolas, medidos atravs de avaliaes nacionais e estaduais do desempenho dos alunos.

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    Salrio anual de professores, portadores de titulao mnima adequada, de instituies pblicas nas categorias salrio inicial, salrio depois de 15 de experincia, e salrio mximo alcanvel, por nvel no qual o ensino praticado, expressos em dlares convertidos pelo poder de compra.

    Ens. fundamental At a 4 srie

    Ens. Fundamental Da 4 a 8 srie Ens. Mdio

    Pases / Salrios Inicial

    Depois de 15 anos

    Mximo Inicial Depois de 15 anos

    Mximo Inicial Depois de 15 anos

    Mximol

    Austrlia 26887 38297 38300 26946 38312 38314 26946 38312 38314 ustria 21953 26570 44461 22574 27691 47055 24192 30584 53808 Belgium (Fl.) 24122 32318 38328 24336 34079 41547 30194 43580 52383 Belgium (Fr.) 22983 31282 37459 23466 33173 40666 29275 42707 51540 Czech Republic 7043 9339 12524 7043 9339 12524 8570 11381 15221 Denmark 29116 32883 32883 29116 32883 32883 28825 38279 40931 England 22428 35487 35487 22428 35487 35487 22428 35487 35487 Finland 18489 25183 26140 20720 28690 30124 21517 30124 31878 France 20199 27172 40091 22358 29331 42357 22358 29331 42357 Germany 31213 37905 41021 34891 40561 46180 37394 43881 52004 Greece 20065 24336 29358 20387 24658 29680 20387 24658 29680 Hungary 6086 8659 11805 6086 8659 11805 7375 10896 14562 Iceland 20222 22202 25738 20222 22202 25738 21071 26162 31394 Ireland 22063 35760 40365 23163 36145 40750 23163 36145 40750 Italy 20927 25115 30306 22657 27507 33510 22657 28329 35138 Japan 22670 42820 54663 22670 42820 54663 22670 42845 56307 Korea 26300 43952 69818 26148 43800 69666 26148 43800 69666 Mxico 11235 14824 24536 14383 18760 30859 m m m Netherlands 27411 32686 39563 28443 34985 43466 28713 48840 57907 New Zealand 17354 33653 33653 17354 33653 33653 17354 33653 33653 Norway 23752 26831 29051 23752 26831 29051 23752 26831 29051 Portugal 17914 26607 49492 17914 26607 49492 17914 26607 49492 Spain 25029 29261 37238 27046 31616 39804 29081 33985 42521 Sweden 19893 25553 m 19893 25553 m 21663 27241 m Switzerland 34808 45728 54308 41048 54763 63534 49123 65041 73946 Turkey 12410 14094 15760 A a a 11354 13038 14704 United States 27631 40072 48782 27643 40072 47908 27751 40181 48037 Country mean 21469 29407 36145 22727 31221 38674 23808 33582 41366 Argentina 9027 12545 14897 14623 21188 25742 14623 21188 25742 Brazil 7420 10176 11309 14820 16240 18723 15500 16121 19776 Chile 10716 12038 16122 10716 12038 16122 10716 12582 16883 China 2835 2952 3595 2835 2952 3595 2835 2952 3595 India 1 10678 15236 16375 12992 19373 21074 15798 23205 24914 Indonsia 1357 2148 4093 1357 2148 4093 1412 2586 4093 Jamaica 8332 9927 9927 8332 9927 9927 8332 9927 9927 Malaysia 6158 10225 14623 11784 18632 25775 11784 18632 25775 Paraguay 8874 8874 8874 13911 13911 13911 13911 13911 13911 Peru2 5523 5523 5523 5462 5462 5462 5462 5462 5462 Philippines 10409 11491 12374 10409 11491 12374 10409 11491 12374 Russian Fed. 3735 3735 3735 3735 3735 3735 3735 3735 3735 Thailand 5756 14145 26977 5756 14145 26977 5756 14145 26977 Tunisia3 13186 14505 15149 16965 18549 19340 20540 22270 23177 Uruguay4 5749 6891 8317 5749 6891 8317 6257 7398 8824 Zimbabwe 35725 50011 50011 35725 50011 50011 35725 50011 50011

    Tabela 3. Salrios de professores nos diversos pases

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    Na Inglaterra, por exemplo, um professor recebe pontos extras numa determinada escala por um desempenho de excelncia. Professores experientes tambm podem pedir para ser avaliados com relao a critrios nacionais. Se obtiverem sucesso, so promovidos na escala salarial, com perspectiva de mais aumentos salariais futuros, tendo por base seu desempenho. No Mxico, bnus dados a professores com performances excepcionais so baseados na avaliao do conhecimento de alunos em sala ou na disciplina. Na Turquia pago um salrio extra para professores com excelente desempenho, baseado na avaliao de diretrios provinciais de educao e do Ministrio da Educao.

    Diferenas em pagamento de impostos, benefcios sociais, salrios e titulaes podem aumentar o salrio bsico de professores de forma diferenciada em pases da OECD. Incentivos financeiros para professores em reas de risco, assistncia no transporte para professores em reas remotas ou bnus por trabalhar em condies desafiadoras esto cada vez mais em evidncia. O critrio de se trabalhar em situaes de desvantagem, remotas ou locais de alto custo aplicado em 19 dos 30 pases da OECD. Estes ajustes so mais comumente realizados pelos governos locais, regionais ou nacionais do que pelo coordenador de professores ou diretor da escola. Propomos que essa poltica diferenciada seja adotada no Brasil. 4.3 Estimular a implantao progressiva, em todo o pas, de regime escolar em turno completo de pelo menos 6 horas dirias, ou 30 horas semanais. Para populaes carentes, deve ser adotado o regime de 8 horas dirias.

    O regime escolar de turno completo possibilita uma melhoria substancial do aprendizado, permitindo enriquecer a educao do aluno, reduzindo a taxa de reteno, ampliando o envolvimento dos alunos com artes e esportes e projetos experimentais, e contribuindo para sua melhor insero social.

    O ensino bsico em turno completo tem sido uma recomendao de educadores j implantada nos pases desenvolvidos, como apresentado no Grfico 8, onde se verifica que o aluno brasileiro dos que tem o menor nmero de horas semanais na escola. Esse nmero quando multiplicado pelo nmero de semanas de escola por ano (lista direita do grfico), mostra que o tempo de permanncia na escola dos alunos no Brasil quase 2/3 do da Finlndia e 1/2 do tempo na Coria.

    Em paises da OECD, incentivos financeiros para professores em reas de risco, assistncia no transporte para professores em reas remotas ou bnus por trabalhar em condies desafiadoras esto cada vez mais em evidncia.

    O regime escolar de turno completo possibilita uma melhoria substancial do aprendizado, permitindo enriquecer a educao do aluno, reduzindo a taxa de reteno, ampliado o envolvimento dos alunos com artes e esportes e projetos experimentais, e contribuindo para sua melhor insero social.

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    Grfico 8. Tempo de estudo do estudante, para diversos paises.

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    importante observar que, mesmo no sendo o ensino particular brasileiro em turno completo, as crianas que vem de famlias com maior poder aquisitivo complementam seus estudos fora da escola, em aulas de esporte, de lngua estrangeira, de reforo, de artes, e etc. A implantao do regime de estudo em turno completo na escola pblica iria dar oportunidades iguais a todos os estudantes do ensino bsico. Em reas crticas, com populaes carentes onde o ambiente domstico frequentemente precrio, devem ser adotados turnos de oito horas de aula por dia.

    A reduo do crescimento demogrfico da populao brasileira tem arrefecido, nos ltimos anos, a presso sobre os sistemas escolares, e alguns estados e municpios j comeam a apresentar um decrscimo no nmero de matrculas no primeiro ciclo do ensino fundamental. No entanto, a grande maioria das escolas funciona em regime de dois ou at quatro turnos dirios, o que significa, para os alunos, um tempo de permanncia incompatvel com bons resultados escolares. Em alguns estados como So Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, j se iniciou a implantao progressiva do ensino em regime de turno completo. O custo adicional por aluno, em Minas Gerais, segundo informaes da Secretaria da Educao do Estado, de apenas 40% do valor do custo por aluno em turno nico. A deciso de introduzir o ensino em turno completo implica numa reviso dos ambientes escolares, reorganizao de turmas, redistribuio dos professores, construo de novas escolas e outras providncias. As experincias j existentes mostram que essas mudanas podem ser implementadas desde que lhes seja dada a devida prioridade.

    Observa-se que, em grandes centros urbanos, a maioria dos alunos do ensino mdio estuda em horrio noturno, fazendo uso dos prdios ocupados durante o dia pela educao fundamental. A recomendao da adoo do regime de turno completo deve incluir o ensino mdio, tentando-se reduzir o ensino mdio noturno apenas queles que trabalham.

    4.4. Estimular as escolas e professores a partir de resultados de avaliaes educacionais.

    O desenvolvimento de indicadores, quantificados e padronizados, de desempenho escolar, iniciado no Brasil na dcada de 90, hoje consubstanciado em uma srie de instrumentos como o SAEB, ENEM, Prova Brasil, e seus equivalentes em muitos estados, alm dos censos escolares, um avano importante, que permite que a sociedade, os governos, as escolas, os estudantes e suas famlias conheam a qualidade ou a

    A grande maioria das escolas funciona em regime de dois ou at quatro turnos dirios, o que significa, para os alunos, um tempo de permanncia incompatvel com bons resultados escolares.

    As avaliaes devem estar vinculadas aos programas de ensino, e seus resultados devem levar a aes especficas que possam corrigir os problemas encontrados e melhorar continuamente o padro de qualidade das escolas.

    Em reas criticas, com populaes carentes onde o ambiente domstico frequentemente precrio, devem ser adotados turnos de oito horas por dia.

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    falta de qualidade da educao que esto recebendo. preciso aperfeioar a qualidade tcnica desses indicadores. As avaliaes devem ser claramente inteligveis para os diretores de escola, secretrios de educao, professores, e pais, precisam ser discutidos em cada escola e devem estar vinculadas aos programas de ensino. Seus resultados devem levar a aes especficas que possam corrigir os problemas encontrados e melhorar continuamente o padro de qualidade das escolas.

    As avaliaes de disciplinas centrais como portugus e matemtica devem ser universais, e devem medir a capacidade dos estudantes em usar de maneira efetiva os conceitos e as habilidades associadas ao uso da lngua e dos nmeros, e no a memorizao de contedos especficos.

    Uma das principais vantagens desses sistemas de avaliao que eles permitem substituir os antigos controles formais e burocrticos que as secretarias de educao tentavam exercer sobre as escolas, por um acompanhamento de resultados. O trabalho realizado pelo Estado de Minas Gerais no que concerne s avaliaes exemplar na medida que avaliam alunos, professores, diretores e escolas, e j iniciaram o trabalho de apoio aos que tem exibido baixo rendimento, e esto planejando formas de premiao efetivas com base nos resultados da avaliao.

    4.5. Reorganizar os cursos de formao de professores.

    Os professores necessitam obter a formao adequada para o desempenho de suas funes. No Brasil, a formao de professores do ensino bsico est a cargo das universidades ou de instituies de ensino superior.

    A formao do professor das sries iniciais, que era feita anteriormente nos cursos normais de nvel mdio, hoje dada nos cursos de pedagogia, nos quais geralmente no se ensina as disciplinas que vo ministrar na educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nem cincias. necessrio garantir a formao adequada do professor de ensino fundamental ciclo I conforme previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da educao, atravs dos cursos normais superiores. Esses professores so os mais importantes na educao do futuro cidado e sua formao polivalente no deve ser diluda nos atuais cursos de pedagogia.

    A formao dos professores especializados feita nos cursos de Licenciatura. Em reas tais como Matemtica e Lngua Portuguesa a maioria dos licenciados formada por instituies

    As avaliaes de disciplinas centrais como portugus e matemtica devem ser universais, e devem medir a capacidade dos estudantes em usar de maneira efetiva os conceitos e as habilidades associadas ao uso da lngua e dos nmeros, e no a memorizao de contedos especficos.

    Garantir a formao adequada do professor de ensino fundamental ciclo I conforme previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da educao.

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    de ensino particular, enquanto que em reas como Fsica e Qumica a maioria dos licenciados formada por instituies pblicas. Na maioria dos Estados, as Licenciaturas, nas universidades pblicas, so de responsabilidade dos departamentos especializados, recebendo apenas formao pedaggica nos departamentos de educao, enquanto que nas universidades estaduais de So Paulo os cursos de Licenciatura so de responsabilidade das Faculdades de Educao. Em geral a predominncia da pedagogia sobre o contedo especializado tem vindo em detrimento das necessidades da prtica profissional quotidiana. Deve ser reforado o contedo cientfico nos cursos de licenciatura de cincias e matemtica.

    Os dados e projees existentes indicam (ver Tabela 4) que a estimativa de demanda de professores para o ensino mdio e o 2 ciclo do ensino fundamental de 710 mil. Observa-se tambm que o nmero total de licenciados na dcada de 90 foi de 456 mil. Admitindo que cada licenciado trabalhe efetivamente cerca de 30 anos, a cada dcada seria preciso renovar apenas um tero da demanda total de professores, i.e deveramos ter cerca de 240 mil licenciados. Deste ponto-de-vista, a Tabela 4 indica que em todas as reas, exceto fsica e qumica, o nmero de licenciados parece ser satisfatrio. Entretanto, o problema de escassez de professores muito mais complexo e difcil de ser dimensionado, j que um grande nmero de licenciados no exerce a profisso. Alm disso, segundo informaes de Secretrios de Educao, h um alto ndice de docentes em licena, que chega a 30% em diversos estados, o que acarreta a contratao de muitos professores substitutos. preciso elucidar as causas deste grande nmero de licenas e verificar quantas so decorrentes do exerccio da profisso em condies adversas.

    preciso atrair jovens com talento para as atividades de ensino e incentivar a formao qualificada de licenciados, com ateno especial para reas com deficincia de profissionais.

    Os cursos de Licenciatura, como todos os cursos de graduao, so avaliados regularmente pelo MEC. Entretanto os resultados de tais avaliaes no tm maiores conseqncias. Sugere-se, no caso das Licenciaturas, que os resultados negativos levem a ao imediata de melhoria do curso, ou ao seu descredenciamento. preciso melhorar a formao inicial dos professores da educao bsica.

    Prope-se a criao de um sistema de certificao de competncia docente, que permita o exerccio do magistrio por outros profissionais de nvel superior

    Deve ser reforado o contedo cientfico nos cursos de licenciatura de cincias e matemtica.

    Em todas as reas, exceto fsica e qumica, o nmero de licenciados parece ser satisfatrio. Entretanto, um grande nmero de licenciados no exerce a profisso.

    Prope-se a criao de um sistema de certificao de competncia docente, que permita o exerccio do magistrio por outros profissionais de nvel superior.

    Cursos de licenciatura com resultados negativos na avaliao do MEC devem ser descredenciados.

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    Medidas dessa natureza teriam custos financeiros relativamente pequenos se comparados aos que so necessrios para arcar com os nus do fracasso escolar, recuperar a qualidade da aprendizagem, acelerar a escolaridade e regularizar o fluxo de milhes de alunos de professores mal formados.

    As polticas de formao continuada de professores so importantes e devem ser repensadas, j que somente cursos de aperfeioamento de professores, no acompanhados de outros projetos ou providncias, tm tido pouco efeito na melhoria do ensino. Cursos como os que so oferecidos pelo Estado de Minas Gerais, de apoio aos professores com baixo rendimento na avaliao, deveriam ser incentivados.

    Tabela 4. Estimativa de demanda de professores no ensino mdio e no 2 ciclo do ensino fundamental. De Antonio Ibanez Ruiz, Mozart Neves Ramos, Murlio Hingel, Escassez de professores no ensino mdio: Solues emergenciais e estruturais, Cmara de Educao Bsica CNE, 2007. Clculo da demanda estimada de professores por disciplina: porcentagem de horas semanais da disciplina (sobre o total de 20 horas de aula por semana) multiplicada pelo nmero de turmas no ensino mdio (246.085) e no 2 ciclo do ensino fundamental ( 479.906).

    Disciplina Ensino mdio

    Ensino mdio + 2 Ciclo E.F.

    N de licenciados de 1990 a 2001

    Portugus 47.027 142.179 52.829 Matemtica 35.279 106.634 55.334 Biologia 23.514 55.231 53.294 Fsica 23.514 55.231 7.216 Qumica 23.514 55.231 13.559 Lngua Estrangeira

    11.757 59.333 38.410

    Educao Fsica 11.757 59.333 76.666 Educao Artstica

    11.757 35.545 31.464

    Histria 23.514 71.089 74.666 Geografia 23.514 71.089 53.509 TOTAL 235.135 710.893 456.947

    Cursos de aperfeioamento de professores que no so acompanhados de outros projetos ou providncias tem tido pouco efeito na melhoria do ensino.

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    A Academia Brasileira de Cincias est acompanhando a implantao pelo governo federal do ensino distncia para a formao de professores. Experincias atuais de formao de professores atravs de educao distncia devero ser avaliadas antes de uma expanso em carter nacional. O apoio educao distncia no deve prejudicar as licenciaturas presenciais, que tm potencial para formar mais professores.

    4.6. Garantir uma alfabetizao efetiva at o final do segundo ano de escolaridade.

    A educao fundamental brasileira, hoje de 9 anos, para crianas de 6 a 14 anos de idade, continua na verdade dividida entre duas partes bem distintas: um primeiro ciclo, correspondente antiga educao elementar, ou primria, at a 5a srie, e um segundo ciclo para os anos seguintes. No primeiro ciclo, existe um professor ou professora por classe, cuja principal responsabilidade alfabetizar, ensinar os conceitos iniciais de matemtica, e proporcionar as primeiras noes de cincias naturais e sociais. Em muitas partes do pas, este primeiro ciclo administrado pelas prefeituras, ficando o segundo, assim como o mdio, sob a responsabilidade dos governos estaduais.

    No primeiro ciclo do ensino fundamental, a principal prioridade, e o principal problema, so a alfabetizao e o letramento. Ao final do segundo ano de escolaridade, todas as crianas que no tenham deficincias graves devem estar plenamente alfabetizadas, sabendo ler com fluncia, entender o que lem, e se expressar de forma oral e escrita. No entanto, milhes de crianas brasileiras, sobretudo provenientes de famlias mais pobres, nunca adquirem esta fluncia, e terminam por abandonar a escola quando chegam adolescncia. O projeto do governo federal de avaliar as crianas aos 8 anos de idade, para verificar se a alfabetizao est sendo feita da maior importncia, sobretudo se vier acompanhado de um esforo decisivo de capacitar os professores para seu trabalho de alfabetizao, apoiando-os com materiais pedaggicos adequados e orientao prtica em seu trabalho.

    4.7. Reformular os currculos do ensino bsico. A partir da 6a srie, o ensino dividido entre professores

    especialistas, formato que se mantm at o final do ensino mdio. Neste formato, os alunos devem aprender portugus, matemtica, fsica, qumica, biologia, geografia, histria, artes, educao fsica e lnguas estrangeiras, alm da sociologia e filosofia, estabelecidas recentemente por lei, e um conjunto de temas transversais, que inclui tica, pluralidade cultural, meio ambiente,

    Ao final do segundo ano de escolaridade, todas as crianas que no tenham deficincias graves devem estar plenamente alfabetizadas.

    Milhes de crianas brasileiras, sobretudo as provenientes de famlias pobres, nunca adquirem essa fluncia, e terminam por abandonar a escola quando chegam adolescncia.

    Experincias atuais de formao de professores atravs de educao distncia devem ser avaliadas antes de uma expanso nacional.

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    sade, orientao sexual e trabalho e consumo. H, claramente, um excesso de matrias para o nmero de horas atuais de aprendizado na escola. preciso reduzir o nmero de disciplinas para algumas essenciais na formao bsica do estudante, e complement-las com atividades multidisciplinares. Estas devem ser incentivadas ao longo do ensino bsico, juntamente com a realizao de projetos, dentro das disciplinas e tambm como atividades extra-curriculares.

    Nota-se uma burocratizao do ensino mdio com excesso de memorizao causada, em parte, pelas exigncias dos concursos vestibulares mais competitivos das universidades.

    A baixa qualidade do ensino a partir da 6 srie agravada muitas vezes pela m formao do professor, que s tem um conhecimento superficial da matria que est ensinando. Esta situao se torna anda pior para a metade dos alunos do ensino mdio pblico que estuda no turno da noite, quando o aproveitamento menor.

    A situao do ensino mdio afetada, finalmente, pela quase inexistncia de uma alternativa de educao profissional, uma peculiaridade particularmente perversa do sistema educacional brasileiro.

    4.8. Diferenciar o ensino mdio, ampliando e fortalecendo o ensino profissional.

    O Brasil, em 2006, tinha no ensino profissional uma matricula de 707.263 estudantes. Este nmero representa 7,8% do total dos estudantes do ensino mdio (Censo Escolar). Alem disto, dos alunos matriculados no ensino profissional, 85% tinham mais de 18 anos de idade (Censo Escolar). Em contraste, os dados da OCDE indicam que na maioria dos pases, 50% ou mais dos alunos do ensino mdio freqentam variantes no-acadmicas.

    Esta diversificao explica-se, primeiro, por razes ligadas ao mercado de trabalho. A maioria das pessoas que trabalham nos pases desenvolvidos possui nvel bsico ou mdio. Os salrios pagos e as competncias necessrias para o mundo do trabalho so compatveis com a capacidade das economias e com esse nvel de escolaridade. Alm disto, nem todas as pessoas possuem a carga cognitiva, o preparo, a motivao e a dedicao para enfrentar os desafios de um curso mdio propedutico, que prepara para os vestibulares competitivos.

    Existem duas formas de diversificao: dentro das escolas e entre escolas. No modelo americano, a diferenciao se d dentro das escolas, pela oferta de uma gama diferenciada de

    H um excesso de matrias para o nmero atual de horas de aprendizado na escola.

    A baixa qualidade do ensino a partir da 6a. Srie agravada muitas vezes pela m formao do professor, que s tem um conhecimento superficial da matria que est ensinando.

    A situao do ensino mdio afetada pela quase inexistncia de uma alternativa de educao profissional, uma peculiaridade particularmente perversa do sistema educacional brasileiro

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    cursos e diferentes nveis de exigncia para os alunos. No modelo francs, h uma grande variedade de cursos, avaliados atravs de diferentes tipos de baccalaurats, sendo quatro de alto prestigio e exigncias (uma verso mais sofisticada de nossos antigos cursos clssicos e cientficos), e alguma dezenas de bacs de orientao profissional.

    O Brasil tentou sem sucesso a experincia de ensino profissional dentro das escolas do ensino mdio. Atualmente a educao profissional e tcnica so realizadas nas Escolas Tcnicas e CEFET, sendo seu ensino muitas vezes de excelente qualidade, recebendo apoio em alguns casos das empresas privadas. Entretanto o nmero destas escolas ainda pequeno.

    A ampliao do ensino profissional, tanto no nvel mdio quanto no nvel ps-secundrio, no pode ser feita pela simples incluso de disciplinas mais prticas nos currculos, e o esvaziamento das disciplinas mais acadmicas. O ensino profissional bem sucedido requer uma aproximao efetiva entre as escolas e as atividades econmicas locais, envolvendo os profissionais das empresas em atividades educativas, e dando aos alunos experincia prtica e concreta de trabalho supervisionado. Estas parcerias entre instituies educativas e empresas devem ser desenvolvidas em cada localidade. Instituies como o Centro Paula Souza, em So Paulo, o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial, em vrios estados, e os Centros Federais de Educao Tecnolgica, os CEFETS, tm experincias importantes deste tipo de parcerias, que precisam ser melhor conhecidas e emuladas.

    As escolas tcnicas convencionais, como as brasileiras, assim como o bem sucedido sistema germnico de aprendizagem profissional, vm evoluindo em duas direes. De um lado, a noo de ocupao cada vez mais ampla a pessoa aprende vrias competncias que lhe permitem desempenhar uma gama de ocupaes. Ao mesmo tempo, aumenta o tempo dedicado a atividades cognitivas (planejamento e anlise) e diminui muito o tempo dedicado a atividades manuais em funo da automao. Assim, por exemplo, os alunos aprendem a fazer estimativas, clculos, anlises estatsticas ou conhecer a histria da tecnologia. H uma aproximao maior do tcnico com o acadmico, mas num sentido diferente dos cursos propeduticos. A chamada formao geral nesses cursos no uma forma diluda de curso acadmico, e sim, cultura cientfica, cultura geral e cincia aplicada.

    A implicao dessa discusso para a organizao de currculos e, especialmente para o ensino de matemtica e cincias clara. cada vez mais importante a presena de contedos de matemtica e cincias nesses cursos. Um

    O Brasil tentou sem sucesso a experincia de ensino profissional dentro das escolas do ensino mdio.

    O ensino profissional bem sucedido requer uma aproximao efetiva entre as escolas e as atividades econmicas locais, envolvendo os profissionais das empresas em atividades educativas, e dando aos alunos experincia pratica e concreta de trabalho supervisionado.

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    fisioterapeuta precisa saber muito sobre anatomia e fisiologia, um especialista em dieta precisa conhecer qumica. Mas o que ele precisa conhecer e a forma de ensinar e aprender muito diferente do que deve constar de um currculo acadmico.

    4.9. Melhorar a infra-estrutura das escolas Uma educao bsica de qualidade requer uma infra-

    estrutura bsica adequada nas escolas (banheiro, luz, gua encanada, carteiras), com provimento e manuteno de equipamentos e fornecimento de material escolar. Dados do INEP referentes a 2003 revelaram no s a falta de infra-estrutura, mas tambm de equipamentos e material escolar. Apenas 25% das escolas pblicas possuam biblioteca e 11% tinham acesso a Internet. Nas instituies privadas, os nmeros sobem para 70% e 50%, respectivamente. O mais grave o fato de que estes equipamentos, mesmo quando existem, deixam de ser utilizados em muitas escolas, por falta de treinamento dos professores para sua utilizao. Laboratrios e computadores, necessrios para uma boa educao bsica, devem ser associados ao treinamento de professores para o seu uso em programas de ensino. A simples distribuio desses equipamentos, no entanto, pode significar um dispndio pblico a mais, com pouco benefcio para a educao.

    Deve ser evitado o excesso de alunos nas salas de aula, que tem sido apontado como um dos fatores que mais interferem na qualidade do ensino.

    4.10. Fortalecer o papel dos diretores de escola. As escolas mais bem sucedidas so aquelas cujos diretores

    exercem liderana, esto comprometidos e envolvidos com o desempenho dos estudantes, acompanham e tomam decises sobre o trabalho dos professores, cuidam das instalaes e equipamentos, e buscam apoio na comunidade local e entre os pais dos alunos.

    Para que as escolas tenham bons diretores, necessrio que eles sejam selecionados de forma adequada, e tenham autoridade e responsabilidade em relao ao desempenho da escola como instituio educativa. A escolha dos diretores de escola no pode ser feita unicamente por indicao poltica, como ainda ocorre em muitos estados no Brasil, nem pela simples eleio direta pela comunidade escolar. Devem prevalecer os critrios de qualidade associados educao na indicao dos diretores. Alguns estados tm implantado formas mistas de seleo, com sistemas de exame e certificao combinados ou

    O excesso de alunos nas salas de aula tem sido apontada como um dos fatores que mais interferem na qualidade do ensino

    A escolha dos diretores de escola no pode ser feita unicamente por indicao poltica, nem pela simples eleio direta pela comunidade escolar. Devem prevalecer os critrios de qualidade associados educao na indicao dos diretores.

    Laboratrios e computadores podem ter efeitos muito importantes na melhoria da qualidade da educao, desde que associados a programas de ensino bem concebidos.

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    no com eleies locais. Outros estados mantm carreiras diferenciadas para os diretores, eliminando desta forma as interferncias polticas. Outros ainda firmam contratos de gesto com os diretores para obteno de resultados e metas pr-estabelecidas.

    A autonomia do diretor depende muito da autonomia das escolas em relao s redes escolares. H atualmente um excesso de controle centralizado nas Secretarias de Educao ou coordenadorias regionais no que diz respeito designao e transferncia de professores e ao uso de recursos para obras, compras de equipamento e manuteno.

    Em vrios estados as Secretarias de Educao so responsveis por 50% dos servidores pblicos estaduais, com um nmero de funcionrios s vezes maior do que qualquer empresa da regio. Este gigantismo, aliado a estruturas burocrticas pesadas e ineficientes, torna a gesto das Secretarias de Educao uma tarefa extremamente difcil e vulnervel a ingerncias poltico-partidrias, que se sobrepem aos interesses das escolas. A descentralizao das responsabilidades dessas Secretarias, dando mais autonomia s escolas, tornar o sistema mais eficiente do ponto vista educacional e administrativo.

    Existem importantes experincias de contratos de gesto entre diretores de escolas e Secretarias de Educao que podem produzir bons resultados, sobretudo se associadas ao fortalecimento da autoridade formal dos diretores sobre os recursos humanos e materiais de suas instituies.

    4.11. Incentivar atividades sistemticas de difuso cientfica voltadas para crianas e adolescentes

    Embora o presente documento se atenha aos processos formais de educao, outros mecanismos de iniciao s cincias devem ser contemplados. Atividades de difuso cientfica, atravs por exemplo de oficinas, centros e museus de cincia, financiadas pelos governos municipais e estaduais, e pelo Ministrio de Cincia e Tecnologia, dirigidas a crianas e adolescentes, podem constituir um importante reforo ao ensino nas escolas. Evidentemente, essas atividades no substituem a reestruturao necessria do sistema de ensino bsico, pois tm um alcance mais limitado. No entanto, experincias j realizadas no Brasil demonstram a eficcia dessa alternativa, que tem a vantagem de poder ser aplicada em prazo curto. Por exemplo, o programa de Centros de Pesquisa, Inovao e Difuso (CEPID) da FAPESP, inspirado em programas semelhantes da National Science Foundation dos Estados Unidos da Amrica, requer que as instituies participantes usem uma parcela dos recursos do

    O gigantismo das secretarias de educao, aliado a estruturas burocrticas pesadas e ineficientes, torna a gesto das Secretarias de Educao uma tarefa extremamente difcil e vulnervel a ingerncias poltico-partidrias, que se sobrepem aos interesses das escolas.

    A descentralizao das responsabilidades das Secretarias de Educao, dando mais autonomia s escolas, tornar o sistema mais eficiente do ponto vista educacional e administrativo.

    Atividades de difuso cientfica, atravs de oficinas, centros e museus de cincia, dirigidas a crianas e adolescentes, podem constituir um importante reforo ao ensino nas escolas.

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    projeto para atividades de difuso cientfica, junto a escolas da regio. Essas atividades frequentemente so realizadas em torno de um tema que se relaciona com as pesquisas realizadas no projeto (tica, cermica, qumica, biologia, etc.), e atingem centenas de crianas e adolescentes, com grande sucesso, despertando vocaes cientficas e melhorando o nvel de educao cientfica. Incluem cursos especiais em escolas e unidades mveis. Programas semelhantes existem em outros Estados da Federao: por exemplo, a Universidade Federal do Cear, em convnio com o Governo do Estado, promove centros de cincia para estudo de plantas medicinais.

    A diretoria do CNPq aprovou, em 2001, um projeto de Centros de Cincia, envolvendo fsica, matemtica, qumica e biologia, o programa Arquimedes, que no entanto nunca foi implementado, devido ao contingenciamento dos recursos dos fundos setoriais que seriam destinados ao mesmo. A implantao de um programa desse tipo tornaria mais sistemtica a difuso cientfica junto a crianas e adolescentes, apoiaria e complementaria o ensino de cincias nas escolas, e ocuparia com atividades motivadoras e educativas alunos ainda submetidos a turnos com horrio reduzido. assim importante que seja dada continuidade a essa iniciativa.

    5. RECOMENDAES ESPECFICAS PARA O ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA, DE MATEMTICA, CINCIAS NATURAIS, LNGUAS ESTRANGEIRAS, CINCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES NA EDUCAO BSICA. 5.1. Lngua portuguesa.

    A lngua o componente central de uma cultura. Saber ler, escrever e falar o padro culto da lngua condiciona o acesso a todos os demais domnios do saber, e um elemento fundamental na garantia da cidadania plena e igualdade de oportunidades. O aprendizado do padro culto no deve ser visto como um instrumento fundamental para que a pessoa possa exercer com plenitude suas opes.

    O ensino da lngua deve ser vivo, pela leitura constante e exerccio permanente da escrita e da comunicao oral, e requer tambm um trabalho sistemtico de aprendizagem e treinamento para a aquisio de um vocabulrio rico e preciso; a familiarizao

    O ensino da lngua deve ser vivo, pela leitura constante e exerccio permanente da escrita e da comunicao oral, e requer tambm um trabalho sistemtico de aprendizagem e treinamento para a aquisio de um vocabulrio rico e preciso.

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    com as estruturas gramaticais bsicas, incluindo a as estruturas sintticas fundamentais: pontuao, as normas de concordncia, e os tempos de verbo; e os padres corretos de ortografia. Alm disto requer uma introduo obra literria e ensastica dos principais autores brasileiros e portugueses, pela leitura e interpretao dos textos. Espera-se que, com o estudo da lngua, os estudantes tornem-se capazes de ler em voz alta de forma fluente e expressiva; ler, entender e comunicar verbalmente o contedo de um texto ou obra literria; escrever um texto de forma correta, sem erros gramaticais ou de ortografia, e organizando as idias de forma lgica e coerente; e se expressar de forma oral, expondo trabalhos e idias, participando de debates, e desenvolvendo argumentos.

    Em princpio, os professores do segundo ciclo devem ter o domnio completo da norma culta da lngua, e desempenhar o papel de modelo que os alunos devem procurar emular. Infelizmente, esta no a realidade de muitos dos professores no Brasil. Por isto, importante que eles possam trabalhar a partir de livros didticos e textos selecionados que orientem os passos que devem ser seguidos para o desenvolvimento dos conhecimentos bsicos de vocabulrio, gramtica e ortografia, assim como para o exerccio prtico da leitura, interpretao de textos e redao. 5.2. Matemtica

    A Matemtica ferramenta fundamental para o desenvolvimento do raciocnio lgico e o pleno exerccio da cidadania. O ensino da Matemtica oferece elementos enriquecedores quer para a formao intelectual do aluno, seja pela exatido do pensamento lgico-demonstrativo que ela exibe, seja pelo exerccio criativo da intuio, da imaginao e dos raciocnios por induo e analogia que utiliza.

    fato conhecido que o domnio dos contedos e das habilidades matemticas presentes no ensino fundamental essencial para o pleno exerccio da cidadania. Portanto, o ensino da Matemtica, neste nvel, deve visar dotar o aluno do instrumental necessrio ao trato das atividades prticas que envolvem aspectos quantitativos ou qualitativos da realidade. Entre eles incluem-se, por exemplo, as operaes bsicas com nmeros inteiros e racionais, a geometria euclidiana bsica, a linguagem das funes e o entendimento dos seus grficos, os clculos de porcentagens, o entendimento da noo de probabilidade, e as noes de estatstica que se utilizam no dia a dia das cincias experimentais e sociais.

    Sendo a Matemtica parte essencial da linguagem de todas as cincias, seu ensino deve oferecer o suporte adequado para as

    O ensino da Matemtica deve oferecer o suporte adequado para as outras disciplinas do currculo, atravs do ensino de tpicos que permitam exprimir de forma adequada, por exemplo, as leis da Fsica, os fenmenos qumicos, biolgicos, econmicos e sociais, e as aplicaes tecnolgicas vida diria.

    A matemtica ferramenta fundamental para o desenvolvimento do raciocnio lgico e o pleno exerccio da cidadania.

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    outras disciplinas do currculo, atravs do ensino de tpicos que permitam exprimir de forma adequada, por exemplo, as leis da Fsica, os fenmenos qumicos, biolgicos, econmicos e sociais, e as aplicaes tecnolgicas vida diria.

    Alm disto, o ensino da Matemtica no pode perder de vista a preparao dos indivduos para a formao profissional, particularmente em nvel de terceiro grau. Vale ressaltar que o domnio de algum conhecimento matemtico parte essencial na formao de quase todos os profissionais formados pelas universidades. Mais ainda, existe uma deficincia de pessoal qualificado nesse nvel, com bons conhecimentos de matemtica, em reas essenciais para o desenvolvimento do Pas. Por exemplo, estudos recentes sobre a necessidade de recursos humanos para a rea de Tecnologia tm enfatizado a necessidade de se multiplicar o nmero de engenheiros e tcnicos para que o nosso Pas possa progredir e enfrentar um mundo cada vez mais competitivo. E, para atrair mais jovens para a rea tecnolgica, preciso multiplicar o nmero dos que bem dominam o contedo de matemtica da escola bsica. 5.3. Cincias Naturais

    A nfase do ensino de cincias naturais deve ser no sentido da compreenso da natureza e do meio em que vivemos. A compreenso deve se assentar sobre a noo de que todo o conhecimento nas cincias naturais se deriva da observao e da experimentao e que ainda h muito a ser estudado. Assim desde o incio do ensino fundamental os alunos devem aprender a observar, tirar concluses, formular hipteses, experimentar e verificar suas concluses. A curiosidade natural e a criatividade dos alunos devem ser estimuladas. Esse um processo lento incompatvel com programas de contedo extenso mas que deixa uma base slida sobre a qual o futuro poder ser construdo. importante, que o aluno compreenda fenmenos que ocorrem ao seu redor, razo pela qual comear pelo estudo da realidade do aluno um instrumento desejvel e eficaz.

    O ensino das cincias naturais na escola mdia, assim como o de outras disciplinas, depende da educao prvia dos alunos na escola fundamental. Se os alunos tm boa expresso oral e escrita e se j realizaram observaes da natureza e experimentos na escola, a situao mais favorvel, permitindo comear desde a 1 srie do ensino mdio a realizao de experimentos de laboratrio, medies e observaes, e mesmo pequenos projetos experimentais. O entrosamento com as aulas de matemtica muito desejvel.

    Desde o incio do ensino fundamental os alunos devem aprender a observar, tirar concluses, formular hipteses, experimentar e verificar suas concluses. A curiosidade natural e a criatividade dos alunos devem ser estimuladas.

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    Se os alunos esto menos preparados, deve-se comear com exerccios e experimentos mais simples, do tipo proposto por programas como ABC na Educao Cientfica Mo na Massa, j nas primeiras sries do primeiro ciclo. Nesse programa, apoiado pela Academia Brasileira de Cincias e por muitas outras Academias de Cincias em seus paises, cada experimento longamente discutido pelos alunos na classe, orientados pelo professor, antes de ser definido e realizado. O raciocnio independente dos alunos deve ser estimulado, bem como a discusso livre mas objetiva, que estimula a expresso oral e a clarificao dos conceitos. importante que cada aluno registre os resultados do debate por escrito. Depois de os alunos mostrarem firmeza nestes trabalhos mais simples, pode-se avanar para atividades mais complexas em laboratrios. 5.4. Lnguas estrangeiras

    O ingls hoje, a lngua franca de comunicao em todo o mundo, e todos os estudantes deveriam, ao concluir o ensino mdio, ser capazes pelo menos de ler textos de baixa complexidade, assim como de entender a linguagem oral culta, e se comunicar de forma simples. Alm do ingls, as escolas devem ser estimuladas a ensinar uma segunda lngua, que pode variar entre o castelhano, francs e o alemo, entre as principais lnguas ocidentais. Os requisitos para o ensino da lngua estrangeira so os mesmos que os do ensino da lngua materna, mas requer, alm disto, que os alunos se familiarizem com outras sociedades, e desenvolvam sua sensibilidade para perceber a riqueza das diferenas entre as diversas culturas. Existem hoje mtodos extremamente bem desenvolvidos de ensino de segunda lngua, baseados na prtica e no uso intensivo de ferramentas audiovisuais, que devem ser estimulados. 5.5. Cincias sociais e humanidades

    Ainda que muitas vezes se confundam, as cincias sociais e as humanidades so reas de tradio bastante distintas. As humanidades so muito mais antigas, e incluem o estudo da literatura, das artes, da filosofia, do direito e da religio, enquanto que as cincias sociais se dedicam ao conhecimento emprico da sociedade em seus diferentes aspectos, como a economia, a sociologia, a cincia poltica e a antropologia. Tradicionalmente, as disciplinas de histria e geografia sempre foram o espao para o ensino das cincias sociais nas escolas, a primeira dando conta da evoluo das sociedades e suas transformaes, e a segunda das caractersticas do espao fsico que interessam ao ser humano, da ocupao e uso destes espaos. Hoje, o campo das cincias sociais se diversificou em um grande nmero de

    O objetivo da educao nas humanidades e cincias sociais transmitir e desenvolver, junto aos alunos, os principais fatos, conceitos, abordagens e controvrsias que lhes permitam o exerccio pleno da cidadania.

    Todos os estudantes deveriam, ao concluir o ensino mdio, ser capazes pelo menos de ler textos em ingls de baixa complexidade, assim como de entender a linguagem oral culta, e se comunicar de forma simples

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    disciplinas independentes. O objetivo da educao nas humanidades e cincias sociais transmitir e desenvolver, junto aos alunos, os principais fatos, conceitos, abordagens e controvrsias que lhes permitam o exerccio pleno da cidadania, dando-lhes acesso ao patrimnio cultural, literrio e artstico brasileiro e universal, assim como o conhecimento de aspectos centrais da sociedade e da cultura em que vivem: a histria social e poltica, as instituies, a economia, as diferenas regionais e sociais no pas, e sua insero no continente latino-americano e no mundo, fazendo uso de conceitos atualizados da economia, do direito, da filosofia, antropologia e outras disciplinas. A nfase nos conceitos e abordagens no elimina, mas requer, por parte dos estudantes, a aquisio de conhecimentos dos pontos de referncia geogrficos e histricos necessrios para situar as pessoas e as comunidades no espao e no tempo, assim como de textos clssicos da literatura e das cincias sociais que balizam e servem de referncia e modelo para estes estudos.

    Finalmente, recomendvel que nas diversas reas de conhecimento citadas acima seja determinado um conjunto central de competncias que os estudantes deveriam obter, nos diversos nveis do ensino bsico. Estas competncias deveriam incluir os conhecimentos interdisciplinares e especficos, a capacidade de utiliz-los e as atitudes e valores indispensveis para os cidados ao longo da vida.

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    6. REFERNCIAS Academia Brasileira de Cincias. 2006. "Uma poltica de Estado para

    Cincia, Tecnologia e Inovao: contribuies da ABC para os candidatos Presidncia da Repblica,." in http://www.abc.org.br/

    Azevedo, Fernando de, Afranio Peixoto, A. de Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Loureno Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldo Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco Venancio Filho, Paulo Maranho, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendona, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme, and Raul Gomes. 1932. A reconstruo educacional no Brasil, ao povo e ao governo. Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. So Paulo: Companhia Editora Nacional.

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    Duschl, Richard A., Heidi A. Schweingruber, Andrew W. Shouse, National Research Council (U.S.). Committee on Science Learning Kindergarten Through Eighth Grade., National Research Council (U.S.). Board on Science Education., and National Research Council (U.S.