artigo complementar poder das financeiras

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O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E OS JUROS REMUNERATÓRIOS NAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS DE CRÉDITO, À LUZ DO SISTEMA DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. Werson Rêgo Juiz de Direito Uma das questões mais discutidas e controvertidas dentre aquelas relacionadas à aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é, justamente, a que envolve a cobrança de juros nos negócios jurídicos celebrados com instituições financeiras. Muito já se disse e escreveu sobre o tema e, nada obstante isso, o fato é que o consumidor brasileiro continua pagando uma das maiores taxas de juros reais do mundo; em contrapartida, as instituições financeiras brasileiras, nos últimos 10 anos, têm experimentado recordes sobre recordes no que tange aos seus lucros líquidos anuais. Por que será? Só competência administrativa e aumento da carteira de clientes? É evidente que não. Inequivocamente, a maior parte de todo esse lucro anormal das instituições financeiras vem do elevadíssimo custo do crédito ao consumidor e das tarifas cobradas por serviços financeiros. O objetivo do presente texto é, de maneira didática e objetiva, apontar os princípios que regem o Sistema Financeiro Nacional e o Sistema de Proteção e Defesa do Consumidor, as suas simetrias e assimetrias, para, ao final, ponderar pela necessidade da tutela do juridicamente mais fraco, do sujeito vulnerável dessa relação jurídica: o consumidor. De antemão, desculpo-me pela generalidade e pela superficialidade com que alguns pontos serão tratados, o que se impõe, todavia, pela limitação natural de um simples artigo 1 . Este trabalho será, desse modo, divido em três etapas: na primeira, brevíssimas considerações sobre o Sistema Financeiro Nacional; na segunda, sobre o Sistema de Proteção e Defesa do Consumidor e, na terceira, os efeitos do julgamento da ADIn 2.591 sobre os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras. Muito longe de esgotar o tema, nossa proposta é apenas iniciar uma discussão, bastante direta e objetiva, sobre o assunto, demonstrando, ademais, que nossas proposições, em instante algum, estão a afrontar a jurisprudência já consolidada nos Tribunais Superiores. PARTE I – O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL Em linhas genéricas, o sistema financeiro é composto de um conjunto de instituições financeiras que, com a utilização dos instrumentos financeiros, operacionaliza as atividades desse sistema, transferindo recursos dos chamados agentes econômicos superavitários (aplicadores ou poupadores; pessoas, empresas, governo) para os denominados agentes econômicos deficitários (aqueles que necessitam de recursos por uma razão qualquer - inclusive investidores). Grosso modo, os ofertadores finais e os tomadores finais necessitam de um intermediador, para que cada qual possa atingir seus objetivos. Daí, surgem instituições que são tomadoras e ofertadoras de recursos, os chamados intermediários financeiros. É importante salientar que os intermediários financeiros nunca trabalham com recursos próprios, ou seja, quando repassam recursos para os tomadores finais, não estão repassando recursos da instituição, mas, sim, dos ofertadores últimos (aplicadores ou poupadores). 1 Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema, recomenda-se o excelente MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR BANCÁRIO - Conforme Doutrina do Equilíbrio Contratual – do Prof. Mauro Sérgio Rodrigues, a ser lançado muito em breve, pela Millennium Editora.

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  • O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E OS JUROS REMUNERATRIOS NAS OPERAES BANCRIAS DE CRDITO, LUZ DO SISTEMA DE PROTEO

    E DEFESA DO CONSUMIDOR.

    Werson Rgo Juiz de Direito

    Uma das questes mais discutidas e controvertidas dentre aquelas relacionadas aplicao do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor , justamente, a que envolve a cobrana de juros nos negcios jurdicos celebrados com instituies financeiras. Muito j se disse e escreveu sobre o tema e, nada obstante isso, o fato que o consumidor brasileiro continua pagando uma das maiores taxas de juros reais do mundo; em contrapartida, as instituies financeiras brasileiras, nos ltimos 10 anos, tm experimentado recordes sobre recordes no que tange aos seus lucros lquidos anuais. Por que ser? S competncia administrativa e aumento da carteira de clientes? evidente que no. Inequivocamente, a maior parte de todo esse lucro anormal das instituies financeiras vem do elevadssimo custo do crdito ao consumidor e das tarifas cobradas por servios financeiros.

    O objetivo do presente texto , de maneira didtica e objetiva, apontar os princpios que regem o Sistema Financeiro Nacional e o Sistema de Proteo e Defesa do Consumidor, as suas simetrias e assimetrias, para, ao final, ponderar pela necessidade da tutela do juridicamente mais fraco, do sujeito vulnervel dessa relao jurdica: o consumidor. De antemo, desculpo-me pela generalidade e pela superficialidade com que alguns pontos sero tratados, o que se impe, todavia, pela limitao natural de um simples artigo1.

    Este trabalho ser, desse modo, divido em trs etapas: na primeira, brevssimas consideraes sobre o Sistema Financeiro Nacional; na segunda, sobre o Sistema de Proteo e Defesa do Consumidor e, na terceira, os efeitos do julgamento da ADIn 2.591 sobre os juros remuneratrios cobrados pelas instituies financeiras. Muito longe de esgotar o tema, nossa proposta apenas iniciar uma discusso, bastante direta e objetiva, sobre o assunto, demonstrando, ademais, que nossas proposies, em instante algum, esto a afrontar a jurisprudncia j consolidada nos Tribunais Superiores.

    PARTE I O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

    Em linhas genricas, o sistema financeiro composto de um conjunto de instituies financeiras que, com a utilizao dos instrumentos financeiros, operacionaliza as atividades desse sistema, transferindo recursos dos chamados agentes econmicos superavitrios (aplicadores ou poupadores; pessoas, empresas, governo) para os denominados agentes econmicos deficitrios (aqueles que necessitam de recursos por uma razo qualquer - inclusive investidores).

    Grosso modo, os ofertadores finais e os tomadores finais necessitam de um intermediador, para que cada qual possa atingir seus objetivos. Da, surgem instituies que so tomadoras e ofertadoras de recursos, os chamados intermedirios financeiros.

    importante salientar que os intermedirios financeiros nunca trabalham com recursos prprios, ou seja, quando repassam recursos para os tomadores finais, no esto repassando recursos da instituio, mas, sim, dos ofertadores ltimos (aplicadores ou poupadores).

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    Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema, recomenda-se o excelente MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR BANCRIO - Conforme Doutrina do Equilbrio Contratual do Prof. Mauro Srgio Rodrigues, a ser lanado muito em breve, pela Millennium Editora.

  • Ademais disso, as instituies financeiras tambm so responsveis por criar condies para que diferentes ttulos financeiros tenham liquidez no mercado.

    O principal objetivo do Sistema Financeiro Nacional valorizar essa intermediao entre poupana e investimento, possibilitando ao setor produtivo maior eficincia. Desse modo, entre as suas funes bsicas, podemos destacar: a) o estmulo formao de poupana financeira; b) a facilitao da transferncia dessa poupana dos agentes que possuem recursos excedentes (agentes superavitrios) para os que necessitam desses recursos financeiros (agentes deficitrios); c) o provimento de liquidez para os clientes das instituies bancrias.

    Eis a essncia de todo o processo: intermediar a transferncia de dinheiro de quem os tem sobrando (agentes superavitrios) para aqueles em que o dinheiro est faltando, ou seja, que dele necessitam (agentes deficitrios). imperioso lembrar sempre disto. A ilustrao simples, mas eficiente.

    O Sistema Financeiro Nacional encontra previso constitucional, no artigo 192, da Carta da Repblica de 1988. No mbito infraconstitucional, podemos mencionar as seguintes leis: a) Mercado financeiro Lei n 4.595/64; b) Mercado de capitais Leis n 4.782/65 e 6.385/76; c) Mercado de seguros privados e capitalizao Decreto-lei n 70/66; d) Mercado de previdncia complementar Lei Complementar n 109/2001.

    Costuma-se identificar o mercado financeiro como sendo o conjunto de instituies, prticas e normas que viabilizam as relaes financeiras entre credores (agentes superavitrios) e devedores (agentes deficitrios). Uma das caractersticas principais desse mercado a intermediao financeira especializada. regido, principalmente, pela Lei n. 4.595/64.

    A seu turno, as instituies financeiras que operam no sistema financeiro so classificadas em dois grupos distintos: a) instituies financeiras bancrias ou monetrias que tm a faculdade de criar moedas ou meios de pagamento; b) instituies financeiras no bancrias ou no-monetrias que no possuem a faculdade de criar moeda, pois no tm autorizao para acolher depsitos vista.

    E, encerrando, por ora, a lista de definies, os chamados instrumentos financeiros podem ser classificados em: a) ativos financeiros monetrios papel moeda em poder do pblico e os depsitos vista nos bancos comerciais (pblicos ou privados) e nas caixas econmicas; b) ativos financeiros no-monetrios todos os demais ativos, como depsitos de poupana, letras de cmbio, certificados de depsitos bancrios etc.

    Tais conceitos so importantes para que se entenda a lgica do Sistema Financeiro Nacional e, ao final, percebamos que a mesma no resta, de forma alguma, ameaada pela aplicao do Sistema de Proteo e Defesa do Consumidor ao cliente de uma instituio financeira. Avancemos, ento.

    Criado em 31 de dezembro de 1964 Lei n 4.595/64 , o Conselho Monetrio Nacional (CMN) o rgo superior do Sistema Financeiro Nacional e tem por finalidade precpua a formulao de toda a poltica da moeda e do crdito, objetivando a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econmico e social do pas.

    Dentre as principais atribuies do Conselho Monetrio Nacional, destacamos: a) a fixao das diretrizes e as normas da poltica cambial; b) a regulamentao das operaes de cmbio; c) o controle da paridade da moeda e o equilbrio do Balano de Pagamentos; d) a regulamentao das taxas bsicas de juros; e) a regulamentao da constituio e do funcionamento das instituies financeiras; f) a fixao de ndices de encaixe, capital mnimo e normas de contabilizao; g) o acionamento de medidas de preveno ou correo de

  • desequilbrios; h) a disciplina do crdito e a orientao na aplicao de recursos; i) a regulao das operaes de redesconto e das operaes no mercado aberto.

    Para os objetivos deste artigo, realamos a atribuio contida no item d, acima: a regulamentao das taxas bsicas de juros.

    PARTE II O SISTEMA DE PROTEO E DEFESA DO CONSUMIDOR

    A hermenutica jurdica, enquanto cincia que se preocupa com a interpretao do Direito, tem como objeto de estudo o sistema jurdico. Claus-Wilhelm Canaris2 nos ensina que as duas caractersticas bsicas do sistema so: ordem e unidade. A ordem seria o atributo necessrio apreenso de uma adequada extenso da realidade, de modo a atribuir-lhe juridicidade. A unidade seria a nota distintiva que permite a reconduo dos elementos do sistema a uns tantos princpios fundamentais.

    A ordem jurdica deriva da prpria idia de justia, ainda segundo Canaris, de modo a consubstanciar organizao axiolgica e teleolgica, ultrapassando-se o paradigma lgico-formal, ao contrrio do quis fazer crer o pensamento jurdico de outrora, especialmente o Positivismo e a Escola da Exegese.

    Neste sentido, pode-se pretender dizer que o Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, integrado por normas de ordem pblica e de interesse social, seria o trao principiolgico-normativo desse sistema.

    Pois bem. Como nos ensina Srgio Cavalieri Filho3, o Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, juridicamente, deve ser entendido como uma sobreestrutura jurdica, multidisciplinar, com vocao constitucional; como uma lei principiolgica, que incide sobre qualquer ramo do Direito, desde que presentes os elementos da relao de consumo.

    A vocao constitucional da legislao consumerista inequvoca, bastando conferir as disposies contidas nos artigos 5, XXXII (direito e garantia fundamental do cidado); 170, V (princpio moderador da ordem econmica) e, 48, dos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias (que estabelece um comando ao legislador infraconstitucional, para que elabore um Cdigo de Defesa do Consumidor, que d efetividade aos princpios constitucionais antes mencionados).

    A finalidade da lei em questo o estabelecimento do equilbrio e da harmonia entre os sujeitos da relao de consumo, encontrando a sua razo de ser, justamente, na vulnerabilidade do consumidor.

    Dentre os princpios estruturantes do prefalado sistema, podemos realar os da vulnerabilidade do consumidor, o da equidade, o da boa-f, o da transparncia, o da segurana e o da confiana, devendo o intrprete, ao aplic-los, zelar pela incolumidade fsica, psquica e econmica do consumidor.

    Oportuna, sobremaneira, a lio de Celso Antonio Bandeira de Mello4, para quem violar um princpio muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um especfico mandamento obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos.

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    CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 25 e 26. 3 CAVALIERI Filho, Srgio. Programa de Direito do Consumidor. Editora Atlas.

    4 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, 3 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.

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  • O que se pretende demonstrar, a partir de agora, j estabelecidas as premissas sistemticas, a profunda iniqidade existente no relacionamento instituio financeira-consumidor, com nus excessivos para este e vantagens exacerbadas para aquelas, contrariando-se as lgicas dos dois sistemas e a prpria Constituio da Repblica.

    A VIOLAO AOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES DIREITO INFORMAO

    A relao jurdica de direito material existente entre as instituies financeiras bancrias ou monetrias (que se amoldam ao conceito jurdico de fornecedor CDC, artigo 3, caput) e os agentes econmicos deficitrios (que se amoldam ao conceito jurdico de consumidor CDC, artigo 2, caput) , de regra, de consumo e, portanto, subsumida ao campo de incidncia principiolgico-normativo do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, vez que presentes os seus elementos, no discrepando do conceito jurdico de servio a atividade remunerada desenvolvida pelas prefaladas instituies sobre o que j no paira qualquer controvrsia. Inafastvel, em casos tais, a incidncia da legislao consumerista, composta por normas de ordem pblica e de interesse social.

    bsico e fundamental o direito do consumidor informao (the right to be informed), conforme se depreende da simples leitura do artigo 6, III, da Lei n 8.078/90.

    Trata-se, bem verdade, de um dos mais importantes direitos bsicos do consumidor - e ao qual se reporta a legislao consumerista, em vrios dispositivos -, justamente por ser tal direito um reflexo ou conseqncia dos princpios da boa-f e da transparncia, encontrando-se, pois, umbilicalmente ligado ao princpio da vulnerabilidade.

    H anos venho ponderando que direitos bsicos dos consumidores so aqueles interesses mnimos, materiais ou instrumentais, relacionados a direitos fundamentais universalmente consagrados que, diante de sua relevncia social e econmica, pretendeu o legislador ver expressamente tutelados. Tm, pois, os intrpretes do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor a obrigao de saber que, quando se refere a lei a direitos bsicos do consumidor, com efeito, est nos propiciando a exata noo de que nos posicionamos diante de valores, de princpios e de preceitos fundamentais que no podem ser, em hiptese alguma, menosprezados, visto integrarem uma lista bsica ou mnima de condies para que o consumidor conviva no mercado com dignidade.

    De imediato, sobreleva referir que, se de um lado a legislao prev direitos bsicos para os consumidores, de outro, por simetria, cria deveres jurdicos para algum e, formando-se a relao jurdica de consumo entre fornecedores e consumidores, tendo a lei assegurado aos ltimos direitos bsicos, a concluso lgica a que se chega que, ao mesmo tempo, criou deveres - igualmente bsicos - para os fornecedores.

    Eis, a, algo de fundamental importncia dentro da sistemtica de proteo e defesa do consumidor: se o fornecedor tem deveres jurdicos bsicos em relao ao consumidor, decorrentes no da vontade das partes, mas de mandamento legal, a no observncia de qualquer um desses deveres caracteriza ilcito absoluto, e no apenas relativo, sujeitando o infrator, portanto, s responsabilidades civil, administrativa e/ou penal, conforme o caso.

    E mais. No precisa o consumidor cobrar do fornecedor o cumprimento de sua obrigao legal. Ao revs, a posio do consumidor, agora, bastante confortvel, j que, ainda que desconhea este os seus direitos, mesmo assim, tem o fornecedor o dever de agir conforme determina a lei.

    No caso concreto da estipulao dos juros remuneratrios, o direito bsico do consumidor informao adequada, clara e precisa resta inequivocamente violado, como

  • veremos mais adiante, no se podendo encarar a conduta da instituio financeira como mero inadimplemento contratual; ao contrrio, deve ser percebida como manifesta violao de norma de ordem pblica e interesse social ilcito absoluto.

    Por outro lado, a soluo preconizada pela legislao consumerista, neste particular, bem simples. Dispe o artigo 46, da Lei n 8.078/90, que

    os contratos que regulam as relaes de consumo no obrigaro os consumidores, se no lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prvio de seu contedo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreenso de seu sentido e alcance.

    Ensina Nelson Nery Jnior5, em interpretao autntica, que

    "Dar oportunidade de tomar conhecimento do contedo do contrato no significa dizer para o consumidor ler as clusulas do contrato de comum acordo ou as clusulas contratuais gerais do futuro contrato de adeso. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do contedo do contrato. No satisfaz a regra do artigo sob anlise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleolgico e finalstico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrero do contrato, especialmente sobre as clusulas restritivas de direitos do consumidor, que, alis, devero vir em destaque nos formulrios de contrato de adeso (art. 54, 4., CDC)."

    B VIOLAO AOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES PROTEO CONTRATUAL E PRTICAS ABUSIVAS

    Fixada a incidncia da legislao consumerista hiptese em discusso, de se concluir, forosamente, que as relaes decorrentes do contrato celebrado entre as instituies financeiras e os consumidores devem respeitar os princpios que norteiam as relaes contratualizadas, a partir da vigncia da Lei n 8.078/90, que, por sua vez, traduz em normas jurdicas as novas tendncias mundiais no que se refere proteo contratual.

    ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, em seus comentrios ao Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, Ed. Forense Universitria, 5a. ed., p. 294, conceitua prticas abusivas, em sentido amplo, como sendo aquelas em desconformidade com os padres mercadolgicos de boa conduta, em relao ao consumidor. Citando GABRIEL STIGLITZ, define-as como as condies irregulares de negociao nas relaes de consumo, condies essas, prossegue Benjamin, que ferem os alicerces da ordem jurdica, seja pelo prisma da boa-f, seja pela tica da ordem pblica e dos bons costumes.

    O Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor veda, de maneira expressa, que o fornecedor exija do consumidor vantagem manifestamente excessiva (artigo 39, V).

    Na situao em berlinda, consistiria tal vantagem excessiva na cobrana dos estratosfricos juros praticados pelas instituies financeiras quando fornecem crdito aos consumidores (agentes econmicos deficitrios) que, a bem da verdade, no correspondem ao repasse do custo da captao do emprstimo supostamente contrado em nome do consumidor para financiamento de seu saldo negativo ou de suas despesas, mas, sim, remunerao pela intermediao informao essa, todavia, no prestada de maneira adequada, clara e precisa ao consumidor, o que importa em vcio de informao.

    5 apud GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Comentrios ao cdigo de defesa do consumidor: comentado pelos autores do

    anteprojeto. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001. p. 485.

  • Deve-se deixar bem claro que nem a lei, nem o Poder Judicirio, poderiam se colocar contra o lucro, pois que este faz parte da atividade empresarial e, ademais, est assegurado na prpria Constituio.

    O que se deve coibir, e de modo efetivo e veemente, o abuso, o lucro excessivo, escorchante, imoral. Nesse sentido, a prpria Constituio, em seu artigo 173,4:

    Art. 173. (omissis). ...

    4 - A lei reprimir o abuso do poder econmico que vise dominao dos mercados, eliminao da concorrncia e ao aumento arbitrrio dos lucros.

    Na mesma esteira de raciocnio, a lei reputa abusivas e, conseqentemente, nulas de pleno direito, as clusulas contratuais que estabeleam obrigaes inquas, que coloquem o consumidor em exacerbada desvantagem em relao ao fornecedor (art. 51, IV, Lei n. 8.078/90). No por outra razo que se nega validade s clusulas que importam na capitalizao de juros.

    A esse respeito, leciona BRUNO MIRAGEM6 que:

    Uma anlise mais atenta da doutrina e da jurisprudncia a partir mesmo da influncia do direito do consumidor permite observar que, mesmo no direito civil, o abuso do direito est evoluindo para uma concepo objetiva, em grande medida auxiliado, com o advento do Cdigo Civil de 2002, por uma clusula geral de ilicitude que contempla sua previso como hiptese de ato ilcito objetivo, nos seguintes termos: tambm comete to ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes. Esta formulao indita do legislador do Cdigo Civil brasileiro permite, a nosso ver, a superao da disputa sobre a natureza jurdica do ato abusivo uma vez que o prprio Cdigo agora o define como ato ilcito.

    b.1 - MODIFICAAO E REVISO DO NEGCIO JURDICO

    Evolumos de um Estado Liberal para um Estado Democrtico de Direito no que se refere posio econmica do Estado. Nesse processo evolutivo, percebe-se que no lugar da vontade dos contraentes surge um novo elemento, originalmente estranho s relaes contratuais: o interesse social.

    Indubitavelmente, este um fator complicador, tornando o suporte ftico dos contratos mais complexo que o simples exame do preenchimento de suas formalidades legais, como acontecia outrora.

    Em razo disso, noes e princpios at ento tradicionais, como, por exemplo, os da autonomia das vontades e do consensualismo; da intangibilidade do contedo dos contratos; da fora obrigatria dos contratos; da relatividade dos contratos; entre outros, vo sendo, paulatinamente, mitigados pelo Estado ou, ento, interpretados buscando-se dar ao contrato uma funo social.

    6 MIRAGEM, Bruno. Aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor aos Bancos ADIN 2.591, RT, p. 314/315.

  • A moderna concepo contratual se preocupa com o contedo do contrato e, ao enfoc-lo, est afastando o princpio da intangibilidade. Preocupa-se com a alterao da situao ftica ocorrida aps a sua formao, abandonando-se, assim, uma anlise esttica dos contratos, voltando-se para uma anlise dinmica dos mesmos. No se v mais os contratos como uma relao antagnica, em que os contraentes esto exclusivamente preocupados com os interesses especficos de cada um deles sobre o objeto do contrato.

    Em sentido oposto, a concepo moderna enfatiza o carter de cooperao entre os contraentes, buscando-se, por intermdio dele, atingir os propsitos do contrato, quer em benefcio dos celebrantes, quer em benefcio de terceiros.

    Destarte, ao tentar solucionar uma controvrsia oriunda de um negcio jurdico, deve o intrprete considerar no apenas o interesse isolado de cada um dos contendores seno, tambm, os interesses da coletividade que pode ser afetada por situao anloga.

    Mas certo que o dirigismo contratual no se d em qualquer situao - apenas nas relaes jurdicas consideradas como merecedores de controle estatal, para que seja mantido o desejado equilbrio entre as partes contratantes.

    O excesso de liberalismo, manifestado pela preeminncia do dogma do pacta sunt servanda, cede s exigncias da ordem pblica, econmica e social, que devem prevalecer sobre o individualismo, funcionando como fatores limitadores da autonomia privada individual, no interesse geral da coletividade.

    Bem se conhece que a frmula do artigo 1134, do Cdigo de Napoleo, segundo a qual les conventions lgalement formes tiennent lieu de loi ceux qui les ont faites (as convenes legalmente constitudas tm o mesmo valor que a lei relativamente s partes que as fizeram), orientou a regulamentao do contrato no mbito da autonomia das vontades. Costumava-se dizer que o justo seria o que estivesse regularmente contratado.

    Bastava ao Estado, portanto, certificar-se da regularidade formal da conveno e se s partes fora assegurada a liberdade para estabelecer o contedo do contrato. Constatada a ausncia de vcios na formao do contrato, de se preservar (intangibilidade do contedo do contrato) o que fora livremente ajustado pelas partes (autonomia das vontades), o que, entre elas, teria fora de lei (pacta sunt servanda).

    No existe qualquer dificuldade em se entender as origens de tal disposio. Emanada de um Estado liberal, ainda em fase de consolidao das conquistas revolucionrias, tinha por objetivo afirmar a posio do indivduo perante a sociedade, em resposta s limitaes antes impostas pelo direito cannico e pelo corporativismo. Ademais, os negcios jurdicos ento celebrados no tinham, nem em pensamento, as dimenses alcanadas nos dias atuais.

    Com estas consideraes, entendo devam ser afastados, in casu, os vetustos princpios da intangibilidade do contedo dos contratos e de sua fora obrigatria absoluta. Passa-se, assim, anlise das condies contratuais que prevem juros remuneratrios ABUSIVOS, principalmente no que se refere utilizao do chamado cheque especial, mas que tambm pode ser aplicada, por analogia, aos demais negcios jurdicos celebrados com instituies financeiras.

    b.2) O CONTRATO DE MTUO BANCRIO

    As operaes bancrias, em essncia, visam o crdito, que constitui o objeto e a razo de ser dos contratos bancrios.

  • Nlson Abro7 ensina que colimando a realizao de seu objeto, os bancos desempenham, em relao aos seus clientes, uma srie de atividades negociais, que tomam o nome tcnico de operaes bancrias.

    As operaes bancrias envolvem sempre dinheiro nunca da instituio financeira, mas dos chamados agentes econmicos superavitrios -, em razo de ser seu objeto o crdito. Ocorrem em grande escala e de maneira padronizada, atravs de contratos de adeso.

    Para que possam, ento, cumprir as suas finalidades, as instituies financeiras bancrias necessitam captar recursos em larga escala, receber nmero elevado de depsitos, conceder mltiplos emprstimos, realizar descontos, conceder aberturas de crdito, financiar a aquisio de bens, entre outras operaes, pelo que fazem jus remunerao e donde advm os seus lucros.

    O poder criador de moeda, que da essncia da atividade das instituies financeiras bancrias e absolutamente desconsiderado pelo intrprete, na anlise dos juros remuneratrios praticados pelas mesmas , de excepcional importncia na formao dos exorbitantes lucros dessas instituies. E o que seria essa poder criador de moeda?

    A moeda a principal mercadoria comercializada pelos bancos. So eles que fazem a sua intermediao e promovem a sua circulao. O desenvolvimento do Sistema Financeiro, em especial dos bancos comerciais, fez surgir um novo tipo de moeda: a moeda escritural, a de banco, isto , a moeda sem existncia fsica, desmaterializada.

    A quantidade de moeda (meios de pagamento) passou a se constituir tanto do papel-moeda emitido pelos governos e carregado pelos indivduos (moeda manual), quanto dos depsitos a vista (moeda escritural) no sistema bancrio, j que atravs das notas (ordens de pagamento exemplo, cheque) podia-se livremente dispor destes depsitos.

    Esse processo de desenvolvimento do sistema bancrio e a crescente aceitao de suas moedas (escriturais) revelou que as instituies financeiras bancrias no precisariam manter em reservas a totalidade dos recursos que lhes eram confiados. A praxis bancria demonstrou, assim, que, sendo possvel a manuteno em reservas de um volume inferior ao depositado, o restante poderia ser emprestado para outros agentes. E assim foi e feito, at os dias atuais, ou seja, a partir dos depsitos vista e dos emprstimos os bancos criam moeda (escritural), disponibilizando tal recurso financeiro novamente no mercado, cobrando novos juros por isso, sem, todavia, suportarem todos os encargos administrativos e tributrios incidentes nas operaes primitivas, o que lhes potencializa, incrivelmente, as margens de lucro.

    Voltando ao mtuo bancrio, o consumidor que procura uma instituio financeira em busca de crdito visa satisfao de uma necessidade real. O crdito, de forma alguma, pode ser considerado, nos dias atuais, algo suprfluo. Assim, sem alternativas, se submete o cliente e se expe a toda forma de abusos praticados pelas instituies financeiras, j que no pode ficar privado daquele bem, indispensvel a sua prpria mantena. O consumidor, de fato, no manifesta a sua vontade de maneira livre, refletida, esclarecida e consciente; simplesmente, por falta de opo, adere, em bloco, s clusulas que lhe so apresentadas dentre elas, a que fixa os juros remuneratrios daquela respectiva operao bancria.

    H mtuo sempre que algum entrega a outrem uma certa quantia de coisas fungveis, para que este a consuma, comprometendo-se este a devolver, na forma e prazo avenados, no as prprias coisas recebidas, mas coisas ou bens equivalentes em gnero, qualidade e quantidade.

    7 ABRO, Nlson. Curso de Direito Bancrio, Editora RT, 1988, p.29.

  • Logo, o emprstimo bancrio constitui uma espcie de mtuo, com a especificidade de ser concedido por uma instituio financeira. A operao, em linhas simplificadas, consiste na captao de recursos no mercado financeiro (dos chamados agentes econmicos superavitrios), mediante certa e determinada remunerao (custo de captao). Capitalizada, a instituio financeira (intermedirio financeiro) transfere a um consumidor (agente econmico deficitrio) uma certa soma pecuniria, a prazo fixo, com encargos e juros (custo para o tomador). uma das operaes centrais da atividade bancria, das mais corriqueiras e das que mais se sobressai, ao lado da operao de abertura de crdito que, a seu turno, tem caractersticas semelhantes.

    b.2.1 OS JUROS NO CRDITO BANCRIO

    A remunerao do capital no mtuo ou no crdito bancrios se d atravs do pagamento de juros. Nesse sentido, podemos definir juros como frutos civis produzidos pelo uso do capital.

    Os elementos obrigacionais dos juros, na qualidade de acessrios e fungveis, so acrescidos da remunerao pelo consumo da coisa e cobertura do risco do credor na concesso do crdito, que pode variar com maior ou menor segurana ao muturio, conforme a situao dos negcios.

    Podemos classific-los em: a) juros moratrios que constituem indenizao ou sano prefixadas impostas ao devedor pelo atraso no cumprimento de uma obrigao; b) juros compensatrios que tm o objetivo de remunerar a utilizao consentida do capital alheio; so tidos como o preo do uso do capital, que remunera o credor por ficar privado deste, compensando-o, de igual modo, pelo risco de no receb-lo de volta.

    Os juros compensatrios, no sistema atual, so convencionais e, em relao s instituies financeiras, no observam a limitao contida nos artigos 406 e 591, do Cdigo Civil de 2002, ou na Lei de Usura. Nesse sentido, o verbete n. 596, da Smula da Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. O verbete n. 121, da mesma Smula, porm, veda a prtica do anatocismo.

    Em princpio, as instituies podem cobrar juros acima do limite de 12% ao ano, desde que no sejam superiores mdia do mercado. Logo, a clusula que permite a incidncia de juros em patamares elevados (superiores mdia do mercado) ABUSIVA E, PORTANTO, NULA, luz do artigo 51, IV, da Lei n. 8.078/90.

    Isto porque a condio em comento encontra-se arrimada em clusulas, igualmente nulas, que permitem ao Autor alterar unilateralmente a taxa de juros praticada, o que vedado, expressamente, pelo inciso X, do citado artigo 51.

    Veja-se na hiptese, a lio de CLAUDIA LIMA MARQUES, Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 3 edio, 1998, pgina 521:

    O primeiro grupo de clusulas atpicas em matria de remunerao a ser identificado pela jurisprudncia foi o das chamadas clusulas de remunerao varivel, onde uma estipulao contratual permite ao fornecedor, de forma direta ou indireta, a variao unilateral do preo. Esta clusula considerada abusiva pelo Cdigo de Defesa do Consumidor que conhece previso expressa na lista do artigo 51, X. Tambm ao Direito tradicional (artigo 115, do Cdigo Civil) repugna esta possibilidade (de sem concordncia do parceiro contratual) o fornecedor reserva-se o privilgio contratual de modificar o preo.

    Na jurisprudncia, confira-se o leading case, citado pela mesma CLUDIA LIMA MARQUES, no livro supra referido, a fls. 523:

  • Clusula que permite variao unilateral de taxa de juros abusiva porque, nos termos do artigo 51, X e XIII, possibilita variao de preo e modificao unilateral dos termos contratados. Possibilidade de controle judicial visando estabelecer o equilbrio contratual, reduzido o vigor do princpio pacta sunt servanda. (TARS, RELATOR Paulo Heerdt. J. 24.10.92. Ap.Civ.192188076)

    No bastasse isso, vivemos um perodo de economia estabilizada, com a inflao anual na casa de um dgito. Logo, o que est sob foco, data venia, o princpio de direito que veda a leso enorme.

    Nesse sentido, o estudo Aspectos do Cdigo de Defesa do Consumidor, do Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, de onde se extrai o entendimento de que a proibio leso enorme, antes presente na Lei de Usura, foi reiterada no artigo 51, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor.

    b.3 JUROS E SPREAD BANCRIOS

    Recordando o que escrevi algumas linhas acima, o principal objetivo do Sistema Financeiro Nacional valorizar a intermediao entre poupana e investimento, possibilitando ao setor produtivo maior eficincia. Desse modo, entre as suas funes bsicas, podemos destacar: o estmulo formao de poupana financeira; a facilitao da transferncia dessa poupana dos agentes que possuem recursos excedentes (agentes superavitrios) para os que necessitam desses recursos financeiros (agentes deficitrios); o provimento de liquidez para os clientes das instituies bancrias.

    No caso especfico deste trabalho, os intermedirios financeiros bancrios, visando formao de poupana financeira, vo buscar no mercado financeiro, dos agentes que possuem recursos excedentes (agentes superavitrios), os recursos de que necessitam para a realizao das operaes bancrias em geral (entre as mais freqentes, o mtuo e o crdito bancrio) e, para tanto, pagam determinado preo, que chamamos de custo de captao. , com efeito, o verdadeiro custo do capital, o verdadeiro valor do dinheiro.

    Porm, ao transferirem tais recursos para os agentes econmicos deficitrios (tomadores/consumidores), cobram destes um preo diferente, que, dentre outras coisas, remunera a operao de intermediao financeira e a cobertura do risco do credor na concesso do crdito. A este preo denominamos custo ao tomador.

    Entende-se por spread bancrio a diferena entre a taxa de juros bsica (custo de captao) e a taxa nominal final (custo ao tomador).

    Didaticamente, podemos decompor o spread bancrio da seguinte forma: a) recolhimento compulsrio ao Banco Central; b) cunha tributria; c) custo de inadimplncia (remunerao do risco); d) custo administrativo; e) lucro da instituio financeira.

    O recolhimento do compulsrio e a cunha tributria representam menos do que 12% do custo ao tomador (taxa final), ou seja, os demais custos, somados ao lucro da instituio financeira representam quase 90% da taxa nominal de juros paga pelo tomador.

    A bem da verdade, o elevado custo da inadimplncia (que equivaleria a quase 40% da taxa nominal de juros paga pelo tomador) no tem, a rigor, exata correspondncia com o risco do crdito (clientes especiais, apesar do baixo risco de inadimplncia, pagam as mesmas taxas de juros que os outros clientes). Por outro lado, os custos administrativos (algo em torno de 13% da taxa nominal de juros paga pelo tomador) j so remunerados pelas tarifas cobradas pelos servios financeiros.

  • A MANIPULAO DESTES PARMETROS, PORTANTO, SERVE PARA MASCARAR A REAL MARGEM DE LUCRO DAS INSTITUIES FINANCEIRAS (ALEGADAMENTE EM TORNO DOS 40% DA TAXA NOMINAL DE JUROS PAGA PELO TOMADOR). E isso, insisto e repito, abstraindo-se o poder de criar moeda das instituies financeiras bancrias.

    imperioso realar que, dentre as atribuies do Conselho Monetrio Nacional est a regulamentao das taxas bsicas de juros (leia-se Taxa SELIC). Somente estas so matria de poltica monetria.

    Tudo quanto excede a taxa bsica remunerao da instituio financeira e, portanto, pura relao obrigacional, submetida aos princpios contratuais do sistema de proteo e defesa do consumidor e ao crivo do Poder Judicirio. Neste sentido, a posio mais recente do e. Supremo Tribunal Federal, como adiante veremos.

    No h dvida, portanto, que o elevado spread em favor da instituio financeira , para si, demasiado vantajoso, considerado o atual estado da economia nacional, e, para o consumidor, na outra ponta, excessivamente oneroso. Tem-se, desse modo, por inobservado e/ou por violado o princpio da equidade.

    Caracterizado o flagrante desequilbrio existente na relao jurdica estabelecida entre as instituies financeiras e os agentes econmicos deficitrios, saltando aos olhos a iniqidade da disposio contratual que submete o consumidor desvantagem exagerada, deve ser a mesma considerada nula, de pleno direito, nos termos do inciso IV, do artigo 51, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor.

    Declarada a nulidade de tal clusula contratual, deve o julgador estabelecer o equilbrio at ento inexistente (artigo 6, V, Lei n 8.078/90), preservando a inteno manifestada pelas partes, luz dos princpios reitores da legislao consumerista e da prpria legislao em vigor, arbitrando os juros e adequando-os aos valores de mercado.

    Neste diapaso, LUIZ ANTONIO RIZZATO NUNES, in Cdigo de Defesa do Consumidor e Sua Interpretao Jurisprudencial, Editora Saraiva, 1997, pgina 124.

    Mais uma vez, destaque-se o exposto por CLUDIA LIMA MARQUES, no livro supracitado, pgina 412:

    O artigo 6 do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor traz uma novidade na proteo contratual do consumidor. Em seu inciso V, referido artigo permite que o Poder Judicirio modifique as clusulas referentes ao preo, ou qualquer outra prestao a cargo do consumidor, se desproporcionais, isto , se acarretem o desequilbrio do contrato, o desequilbrio de direitos e obrigaes entre as partes contratantes, a leso. ..........................................................................................

    Prev ainda, o inciso V do artigo 6, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor a possibilidade de reviso judicial da clusula de preo, que era eqitativa quando do fechamento do contrato, mas que em razo de fatos supervenientes tornou-se excessivamente onerosa para o consumidor. A onerosidade excessiva e superveniente que permite o recurso a esta reviso judicial unilateral, pois o artigo 6, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor institui direitos bsicos apenas para o consumidor.

  • b.3.1 JUROS ABUSIVOS E ANATOCISMO

    A capitalizao mensal de juros outra prtica expressamente vedada pelo ordenamento jurdico ptrio, eis que no se enquadram as hipteses sob anlise, neste texto, em qualquer uma das excees admitidas pelo Direito.

    O anatocismo, desta forma, prtica vedada quer pela Lei de Usura, quer pelo Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, e repudiada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudncia, inclusive do Excelso Supremo Tribunal Federal (Smula 121), como ilustram os seguintes arestos:

    AO DECLARATRIA REVISO DE CLUSULAS CONTRATUAIS CONTRATO DE CARTO DE CRDITO EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTO DE CRDITO NO SE CONFUNDE COM INSTITUIO FINANCEIRA PROVA PERICIAL CONCLUSO PELA PRTICA DE ANATOCISMO VEDAO LEGAL TENDO A SENTENA SE CONDUZIDO POR BEM ELABORADO LAUDO QUE CONCLUIU PELA PRTICA DO ANATOCISMO, SENDO ESTA PRTICA ILEGAL E SUJEITA A INCIDNCIA DE DISPOSITIVOS LEGAIS PROTETORES DAS RELAES DE CONSUMO, CORRETA A DECLARAO DA ABUSIVIDADE DA CLUSULA CONTRATADA, a qual admite captao de juros e cumulao de multa contratual. Inaplicvel espcie a disposio do pargrafo nico do artigo 42 do Cdigo de Defesa do Consumidor que prev a repetio de indbito em dobro, no caso de cobrana indevida, j que tal pretenso no foi objeto do pleito inicial e nem mesmo admitido pela sentena. Preliminar rejeitada. Recurso improvido. (TJRJ AC 16960/2001 (2001.001.16960) 6 C. Cv. Rel. Des. Luiz Zveiter J. 18.12.2001)

    COBRANA DE JUROS CAPITALIZADOS ANATOCISMO CHEQUE ESPECIAL VEDAO LEGAL INCIDNCIA TAMBM SOBRE OS CONTRATOS BANCRIOS I O ANATOCISMO PRTICA ILEGAL, POR FORA DO DECRETO N 22.626 DE 1933, SENDO VEDADA SUA COBRANA MESMO PELAS INSTITUIES FINANCEIRAS, AS QUAIS ESTO AUTORIZADAS A COBRAR JUROS REMUNERATRIOS DE MERCADO (SMULA 596 DO STF), SEM, CONTUDO, CAPITALIZ-LOS. II O contrato de "cheque especial" no pode ensejar a cobrana de juros sobre juros, uma vez que tal procedimento no se inclui entre as hipteses legalmente aceitas na prtica bancria. Precedentes no STJ. III Apelao do banco-ru no provida. (TJRJ AC 23928/2001 (2001.001.23928) 17 C. Cv. Rel. Des. Bernardo Garcez J. 28.11.2001)

    No colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA, diverso no o entendimento, sendo oportuno conferir:

    REVISO DE CONTRATO BANCRIO. EMPRSTIMO PESSOAL PARCELADO. APLICAO DO CDC. CAPITALIZAO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVISO DE OFCIO. JUROS REMUNERATRIOS. COMISSO DE PERMANNCIA. INSCRIO DO NOME DO DEVEDOR NO SERVIO DE PROTEO AO CRDITO. CARACTERIZAO DA MORA. 1 - O Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s instituies financeiras (Smula 297-STJ). 2 - A Segunda Seo desta Corte, no julgamento do REsp n.541.153/RS, firmou entendimento no sentido da impossibilidade de rever, de ofcio, clusulas consideradas abusivas, com arrimo nas disposies do Cdigo de Defesa do Consumidor. 3 - O simples fato de o contrato estipular uma taxa de juros acima de 12% a.a. no significa, por si s, vantagem exagerada ou abusividade. Esta precisa ser evidenciada. No estando demonstrado, de modo cabal, o abuso que teria sido cometido pelo Banco recorrente, de restabelecer-se a taxa convencionada pelos litigantes. 4 - No potestativa a clusula contratual que prev a comisso de permanncia, calculada pela taxa mdia de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada taxa do contrato (Smula 294/STJ). 5 - A capitalizao de juros (juros de juros) vedada

  • pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, no tendo sido revogada a regra do art. 4 do Decreto n 22.626/33 pela Lei n 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete n 121 da Smula do Supremo Tribunal Federal, no guarda relao com o enunciado n 596 da mesma Smula. (REsp n. 1.285-GO, relator Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira). 6 Para o cancelamento do nome do devedor no rol dos inadimplentes, necessria a presena dos seguintes elementos: a) a existncia de ao proposta pelo devedor, contestando a exigncia integral ou parcial do dbito; b) a demonstrao, nesse ponto, da aparncia do bom direito; c) sendo a contestao de apenas parte da dvida, o depsito da parcela tida como incontroversa ou o oferecimento de cauo idnea. 7 - Mora configurada do devedor, uma vez no depositada por ele a parte incontroversa da dvida ou no prestada a correspondente cauo. Recurso especial conhecido, em parte, e provido. (REsp 677.679/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2005, DJ 03/04/2006 p. 356).

    PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRDITO. LIMITAO DOS JUROS. CDC. APLICABILIDADE. LEI N. 4.595/64. LEGISLAO ESPECFICA. COMISSO DE PERMANNCIA. COBRANA CUMULATIVA COM OUTROS ENCARGOS. DESCABIMENTO. TBF. ATUALIZAO MONETRIA. AFASTAMENTO. I - A egrgia Segunda Seo decidiu, no julgamento do Recurso Especial n 407.097/RS, que o fato de as taxas de juros excederem o limite de 12% ao ano, por si s, no implica abusividade, sendo permitida a sua reduo, to somente, quando comprovado que discrepantes os juros pactuados em relao taxa de mercado, enquanto em mora o devedor. Assim, embora assente o entendimento neste Superior Tribunal no sentido da aplicabilidade das disposies do Cdigo de Defesa do Consumidor aos contratos bancrios, no que se refere taxa de juros, preponderam a Lei 4.595/64 e a Smula 596/STF. II Vencido o prazo para pagamento da dvida, admite-se a cobrana de comisso de permanncia. A taxa, porm, ser a mdia do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, desde que limitada ao percentual do contrato, no se permitindo cumulao com juros remuneratrios ou moratrios, correo monetria ou multa contratual. III Nos termos do artigo 5. da Medida Provisria 1.053/95, a Taxa Bsica Financeira (TBF) foi instituda para ser utilizada exclusivamente como base de remunerao de operaes realizadas no mercado financeiro. Da no ser possvel sua utilizao simultnea como fator de atualizao monetria do dbito, sob pena de se constituir verdadeiro anatocismo. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 348.219/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/09/2005, DJ 26/09/2005 p. 352).

    PROCESSO CIVIL RECURSO ESPECIAL - AGRAVO REGIMENTAL - CONTRATO BANCRIO - ABERTURA DE CRDITO EM CONTA CORRENTE - AO REVISIONAL CAPITALIZAO MENSAL - IMPOSSIBILIDADE - COMISSO DE PERMANNCIA - CORREO MONETRIA, JUROS REMUNERATRIOS, JUROS MORATRIOS E MULTA CONTRATUAL - INACUMULATIVIDADE - SMULAS 30, 294 E 296/STJ - CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INSTITUIES FINANCEIRAS - APLICABILIDADE - SMULA 297/STJ - DESPROVIMENTO. 1 - No concernente ao anatocismo, esta e. Corte de Uniformizao entende que o art. 4 do Decreto n 22.626/33 no foi revogado pela Lei n 4.595/64, de sorte que, mesmo para os contratos firmados por instituies integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a capitalizao mensal vedada, ainda que expressamente pactuada, somente sendo admitida nos casos previstos em lei, quais sejam, nas cdulas de crdito rural, comercial e industrial, hipteses inocorrentes in casu. 2 - Igualmente, cedio que a comisso de permanncia lcita quando observada a taxa mdia dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada taxa do contrato (Smula 294/STJ). Todavia, tal encargo no pode ser cumulado com a correo monetria e com os juros remuneratrios (Smulas 30 e 296 do STJ), ou, ainda, com os juros moratrios e com a multa contratual. Precedente (AgRg REsp 712.801/RS).

  • 3 - No que tange ao CDC (Cdigo de Defesa do Consumidor), esta Corte tem entendido que aplicvel s instituies financeiras. Incidncia da Smula 297 do STJ. Precedentes. 4 - Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 528.247/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 413)

    PROCESSO CIVIL E COMERCIAL ART. 535, CPC CONTRATO DE ABERTURA DE CRDITO EM CONTA-CORRENTE INSTITUIO FINANCEIRA TETO DE 12% EM RAZO DA LEI DE USURA INEXISTNCIA LEI 4.595/64 ENUNCIADO N 596 DA SMULA/STF CAPITALIZAO MENSAL EXCEPCIONALIDADE INEXISTNCIA DE AUTORIZAO LEGAL CDULA DE CRDITO INDUSTRIAL JUROS TETO DA LEI DE USURA TAXAS LIVRES NO-DEMONSTRAO POR PARTE DO CREDOR DE AUTORIZAO DO CONSELHO MONETRIO NACIONAL CAPITALIZAO MENSAL PACTUADA ADMISSIBILIDADE DECRETO-LEI 413/69 PRECEDENTES RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO I No apontadas razes que demonstrem violao da legislao federal, impedindo a exata compreenso da controvrsia, incide o enunciado n 284 da smula/STF. II- A dessemelhana entre as situaes fticas descritas no aresto paradigma e no acrdo impugnado impede a divergncia jurisprudencial hbil a instruir a via do recurso especial. III A Lei 4.595/64, que rege o Sistema Financeiro Nacional e o Mercado de Capitais, ao dispor no seu art. 4, IX que cabe ao Conselho Monetrio Nacional limitar taxas de juros, revogou, nas operaes realizadas por instituies financeiras, salvo excees legais, como nos mtuos rurais, quaisquer outras restries a limitar o teto mximo daqueles. IV SOMENTE NAS HIPTESES EM QUE EXPRESSAMENTE AUTORIZADA POR LEI ESPECFICA, A CAPITALIZAO DE JUROS SE MOSTRA ADMISSVEL. NOS DEMAIS CASOS VEDADA, MESMO QUANDO PACTUADA, NO TENDO SIDO REVOGADO PELA LEI 4.595/64 O ART. 4 DO DECRETO 22.626/33. O ANATOCISMO, REPUDIADO PELO VERBETE N 121 DA SMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO GUARDA RELAO COM O ENUNCIADO N 596 DA MESMA SMULA. V s cdulas de crdito industrial aplica-se o entendimento concernente ao mtuo rural, segundo o qual defesa a cobrana de juros alm de 12% ao ano se no demonstrada, pelo credor, a prvia estipulao, pelo Conselho Monetrio Nacional, das taxas de juros vencveis para o crdito industrial, correspondentes data de emisso da cdula. VI No se configura o dissdio, no tocante ao limite dos juros, se os arestos paradigmas, inclusive o enunciado n 596 da smula/STF, no se referem ao caso especfico do crdito industrial, que tem disciplina prpria, mas s operaes financeiras em geral. VII Lcito se mostra pactuar, em nota de crdito industrial, a capitalizao mensal de juros, conforme autoriza o Decreto-Lei 413/69. (STJ RESP 264560 SE 4 T. Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira DJU 20.11.2000 p. 302)

    RECURSO ESPECIAL DIREITO COMERCIAL ARRENDAMENTO MERCANTIL VALOR RESIDUAL PAGAMENTO ANTECIPADO DESCARACTERIZAO DO CONTRATO DIREITO ECONMICO JUROS LIMITE INSTITUIO FINANCEIRA INAPLICABILIDADE DA LIMITAO DO DECRETO N 22.626/33 ANATOCISMO IMPOSSIBILIDADE PRECEDENTES TR PACTUADA POSSIBILIDADE FIXAO DOS ENCARGOS DEVIDOS "A opo de compra, com pagamento do valor residual ao final do contrato, uma das caractersticas essenciais do leasing. A cobrana antecipada dessa parcela, embutida na prestao mensal, desfigura o contrato, que passa a ser uma compra e venda a prazo (art. 5, c, combinado com o art. 11, 1, da Lei n 6.099, de 12.09.74, alterada pela Lei n 7.132, de 26.10.83), com o desaparecimento da causa do contrato e prejuzo do arrendatrio." (REsp 181.095 RS, Relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, in DJ 09.08.99). A limitao dos juros remuneratrios na taxa de 12% ao ano estabelecida pela Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33) no se aplica s operaes realizadas por instituies integrantes do sistema financeiro nacional, salvo excees legais, inexistentes na espcie. Salvo expressa previso em lei especfica, como no caso das cdulas de crditos rurais, industriais e comerciais, VEDADA S INSTITUIES FINANCEIRAS A CAPITALIZAO DE JUROS. A Taxa Referencial pode ser usada para a correo

  • monetria do dbito, desde que pactuada em contrato posterior edio da Lei 8.177/91, como no caso. Descaracterizado o contrato para compra e venda a prazo, cumpre serem fixadas os encargos devidos. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extenso, provido. (STJ RESP 218369 RS 4 T. Rel. Min. Cesar Asfor Rocha DJU 21.08.2000 p. 00142)

    FINANCIAMENTO BANCRIO. JUROS. TETO DE 12% EM RAZO DA LEI DE USURA. LEI 4595/64. ENUNCIADO DA SMULA 596 DO STF. CAPITALIZAO MENSAL. INEXISTNCIA DE AUTORIZAO LEGAL. A Lei 4595/64, que rege a poltica econmico-monetria nacional, ao dispor no seu artigo 4, IX, cabe ao Conselho Monetrio Nacional limitar taxas de juros, revogou, nas operaes realizadas por instituies do sistema financeiro, salvo excees legais, como nos mtuos rurais, quaisquer outras restries a limitar o teto mximo daqueles. SOMENTE NAS HIPTESES EM QUE EXPRESSAMENTE AUTORIZADA POR LEI ESPECFICA, A CAPITALIZAO DE JUROS SE MOSTRA ADMISSVEL. NOS DEMAIS CASOS VEDADA, MESMO QUANDO PACTUADA, NO TENDO SIDO REVOGADO PELA LEI 4595/64 O ARTIGO 4 DO DEC. 22626/33. (RESP 98616-RS (STJ).

    No h que se cogitar, ademais, da incidncia espcie do artigo 5, da Medida Provisria n 2.170/2001, por sua flagrante e manifesta inconstitucionalidade, afrontando, diretamente, a Lei Complementar n 95.

    No Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro a matria j se encontra devidamente apreciada pelo colendo rgo Especial, no Incidente de Inconstitucionalidade n 03/2004, Rel. Des. Murta Ribeiro, em que se declarou a inconstitucionalidade do dispositivo em tela e cujos efeitos, portanto, nos termos do artigo 113, do Regimento Interno daquela Corte, so vinculantes a todos os demais rgos julgadores.

    b.4) A POLMICA DOS JUROS E AS TAXAS MDIAS DE MERCADO

    Consolidou-se no e. Superior Tribunal de Justia, conforme visto acima, o entendimento de que as instituies financeiras podem cobrar juros acima do patamar de 12% ao ano, que somente podero ser considerados abusivos quando forem excessivos em relao taxa mdia de mercado (Precedente: RESP 271214, Segunda Seo, maioria, j. 12/03/2003, desig. Rel. Min. Carlos Alberto M. Direito).

    Destarte, ainda que se reconhea a possibilidade de cobrana de juros acima do limite de 12% ao ano, isso no significa dizer que no h limites para os juros, j que devero observar valores mdios de mercado.

    Quantos so os referenciais possveis? Resposta: apenas dois. E quais so eles? Resposta: o custo de captao e o custo final ao tomador.

    Assim sendo, quando o intrprete for procurar a taxa mdia de mercado, critrio utilizado como parmetro pelo e. Superior Tribunal de Justia, ter disposio a taxa mdia de mercado divulgada pelo Banco Central, correspondente ao efetivo custo da captao de recursos no mercado pelas instituies financeiras (taxas bsicas = custo de captao), bem como a taxa mdia de mercado, estabelecida pelas prprias instituies financeiras, para o consumidor/tomador (taxa final = custo ao tomador).

    Entendo que jamais se poderia considerar como referencial vlido a mdia das taxas finais estabelecidas unilateralmente pelas instituies financeiras fornecedoras, j que pautadas sobre clusulas abusivas, e em afronta ao disposto no artigo 51, X, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor.

  • Basta dizer que, se as instituies financeiras do pas resolvessem, hoje, estabelecer juros finais que variassem entre 20% e 30% ao ms, por mais absurdo que isso seja nos dias atuais, a taxa final mdia de mercado repassada ao tomador/consumidor seria de inacreditveis 25% ao ms. Sobressai cristalino que tal entendimento no se coaduna com os princpios da dignidade da pessoa humana, da eqidade, da boa-f, nem com os princpios que vedam a leso enorme e o locupletamento indevido.

    Logo, a meu juzo, s se poderia assumir como referencial vlido aquele que no pode ser manipulado pelas instituies financeiras e que representa, de verdade, a mdia do custo efetivo do dinheiro nas operaes celebradas entre as prprias instituies financeiras. Neste ltimo caso, duas seriam as taxas referenciais existentes no mercado, dependendo da forma com que os recursos repassados ao consumidor fossem captados pelo intermedirio financeiro.

    Esclareo: ou bem o intermedirio financeiro foi buscar recursos junto a um banco comercial, ou bem foi captar recursos junto a um banco de investimentos. Vejamos:

    Como se sabe, as instituies financeiras disputam no mercado os recursos disponveis para captao. De forma a garantir uma distribuio de recursos que atenda ao fluxo de recursos demandados pelas instituies, foi criado, em meados da dcada de 1980, o Certificado de Depsito Interbancrio. Os CDIs so ttulos de emisso das instituies financeiras, que lastreiam as operaes do mercado interbancrio e cuja negociao a este mercado se restringe. Sua funo , simplificadamente, transferir recursos de uma instituio financeira para outra. Vale dizer, para a manuteno da fluidez do sistema, quem tem dinheiro sobrando empresta para quem est precisando.

    Os CDIs so utilizados para avaliar o custo do dinheiro negociado entre os bancos, no setor privado.

    Os Certificados de Depsitos Interbancrios negociados por um dia tambm so denominados Depsitos Interfinanceiros e detm a caracterstica de funcionarem como um padro de taxa mdia diria, a chamada CDI over.

    As taxas do CDI over vo estabelecer os parmetros das taxas referentes s operaes de emprstimos de curtssimo prazo, conhecidas como Hot Money, que embute, na maioria dos casos, o custo do CDI over, acrescido de um spread mnimo, alm do custo do PIS.

    o que acontece quando um intermedirio financeiro vai captar recursos junto a um banco comercial.

    Para a hiptese de captao de recursos junto a um banco de investimentos, porque entidade especializada em operaes de participao ou financiamento a mdio e longo prazos, adota-se por referencial a Taxa Bsica Financeira - TBF.

    Em um caso ou noutro, os percentuais respectivos giram muito prximos dos percentuais da taxa bsica de juros do mercado, divulgada pelo Comit de Poltica Monetria do Banco Central COPOM , a Taxa SELIC, que, atualmente (maio de 2009), est em 10,25% ao ano (algo em torno de 0,83% ao ms) e em queda.

    Esta taxa bsica de juros do mercado, porque relacionada poltica monetria do Governo Federal, no pode ser manipulada pelas instituies financeiras, como tambm no pode ser objeto de apreciao ou de modificao pelo Poder Judicirio. Da, ser o referencial mais seguro para o estabelecimento de uma taxa mdia de mercado que possa servir de parmetro para a apurao, em concreto, da efetiva abusividade ou no dos juros incidentes sobre uma operao bancria.

  • Isto porque, insisto e repito, como bem observou o e. Supremo Tribunal Federal, TUDO O MAIS QUE EXCEDA A ESSE CUSTO DE CAPTAO , EM VERDADE, REMUNERAO DA INSTITUIO FINANCEIRA.

    PARTE III LUCRO ARBITRRIO E OS EFEITOS DA ADIN 2.591

    Caminhando para o final deste artigo, realce-se, desde logo, que no se est, de forma alguma, a negar o direito de lucro s instituies financeiras. O que se quer coibir, e que fique bem claro, o abuso da posio de vantagem (match position) do fornecedor e a consequente leso enorme para o consumidor. No resta a menor dvida de que as instituies financeiras devem ser ressarcidas, integralmente, do custo da operao de captao de recursos no mercado financeiro se e quando devidamente comprovada esta captao -, bem assim da adequada e justa remunerao pela intermediao financeira o que deve cobrir os seus custos operacionais e lhe proporcionar lucro razovel. Tudo isso advm dos juros cobrados aos tomadores.

    No se pode esquecer que o custo da captao o que reflete o real valor do dinheiro. TUDO O MAIS QUE EXCEDA A ESSE CUSTO DE CAPTAO , EM VERDADE, REMUNERAO DA INSTITUIO FINANCEIRA.

    Assim o afirmou, de modo expresso, o Min. EROS GRAU, ao relatar o v. acrdo que julgou improcedente o pedido formulado na ADIin 2.591, de onde se extraem as seguintes passagens:

    Essa monumental multiplicao de moeda produzida pelos bancos sempre gera efeitos sensveis, mas extremamente exacerbados, extremamente exacerbados quando a taxa de juros elevada, como ocorre entre ns. Altas taxas de juros incidindo sobre uma base de depsitos inmeras vezes multiplicada --- para ficar somente no tema dos juros, sem avanar para o das tarifas --- vale dizer, multiplicao de moeda a taxas elevadssimas, isso que explica o mais do que monumental lucro dos bancos, cujos montantes, por uma notvel coincidncia, foram divulgados pela imprensa no dia seguinte sesso plenria, desta Corte, na qual votou o Ministro Nelson Jobim, 22 de fevereiro passado. Um deles lucrou cinco bilhes e meio em 2.005.

    A circunstncia de a taxa de juros ao consumidor ser muito elevada entre ns explica apenas parcialmente esse lucro que causa espanto. No anexo ao voto do Ministro Nelson Jobim l-se que essa taxa --- taxa de juros ao consumidor [repito: ao consumidor!] -- em 2.005 era de 56,85% ao ano.

    Na verdade, porm, o sistema bancrio, no seu conjunto, recebe muito mais do que esses 56,85% ao ano pelo crdito que concede, visto que, merc do expediente da criao de moeda escritural, empresta mais de uma vez o mesmo dinheiro que recebeu de seus depositantes. No exemplo de que h pouco me vali, 100 recebidos em depsito a vista so transformados em 235, o que elevaria os juros percebidos pelo banco A de 56,85% a 133,59% ao ano. E, notem bem, meu exemplo discreto, eis que em certos casos a quantidade de depsitos chega a ser multiplicada por trs, o que elevaria a taxa de juros ao consumidor a mais de 170% ao ano. ...

    Deveras, a mera e simples comparao entre o montante da chamada taxa SELIC --- que, sem nenhuma dvida, bastante elevada, se a considerarmos em relao praticada em outros pases --- e a soma da efetivamente cobrada no plano de cada negcio individualmente considerado celebrado com os tomadores de crdito evidencia ser indispensvel o efetivo controle da composio dessa soma. E no apenas nas hipteses de relao entre banco, fornecedor de crdito, e cliente, pessoa fsica, seno tambm quando se trate de pequena ou mdia empresa. Pois aqui se instala --- e de

  • modo pronunciado --- uma relao de dominao, em cujo plo ativo comparecem os bancos, no plo passivo, suportando-a, o devedor. Em certos casos, autnticas situaes de dependncia econmica. ...

    Da porque tenho como indispensvel a coibio de abusos praticados quando instituies financeiras acrescentam taxa base de juros, a chamada taxa SELIC, taxas adicionais de servios e outros que tais. Vale dizer: tudo quanto exceda a taxa base de juros, os percentuais que a ela so adicionados e findam por compor o spread bancrio, tudo isso pode e deve ser controlado pelo Banco Central e, se o caso, pelo Poder Judicirio. ...

    O fato que tudo quanto exceda o patamar da taxa SELIC pura relao contratual. Por bvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composio contratual dessa taxa, alm de outras distores, so passveis de reviso nos termos dos preceitos aplicveis do Cdigo Civil --- e, repito ainda, no somente em benefcio do cliente pessoa fsica, mas tambm em especial das pequenas empresas, em relao s quais a dependncia econmica pode estar francamente caracterizada. necessrio no perdermos de vista o poder do oligoplio constitudo pelas instituies financeiras, capazes de, na multiplicao de moeda circulante em moeda escritural, produzir bem pblico (grifos meus).

    Corroborando a tese vencedora no e. Supremo Tribunal Federal, assim se manifestou o Min. CELSO DE MELO:

    Cumpre reiterar, bem por isso, a afirmao de que a funo tutelar resultante da clusula constitucional de proteo aos direitos do consumidor projeta-se, tambm, na esfera relativa ordem econmica e financeira, na medida em que essa diretriz bsica apresenta-se como um insuprimvel princpio conformador da atividade econmica (CF, art. 170, V).

    Impende destacar, por oportuno, que todas as atividades econmicas esto sujeitas ao fiscalizadora do Poder Pblico. O ordenamento constitucional outorgou, ao Estado, o poder de intervir no domnio econmico, assistindo-lhe, nesse especial contexto das funes estatais, competncia para proceder como agente normativo e regulador da atividade negocial (art. 174).

    A liberdade de atuao e de prtica negocial, contudo, no se reveste de carter absoluto, pois o seu exerccio sofre, necessariamente, os condicionamentos normativos impostos pela Lei Fundamental da Repblica.

    Desse modo, cabe enfatizar que a esfera de proteo constitucionalmente garantida aos direitos do consumidor desempenha clara funo inibitria, apta a desqualificar o exerccio eventualmente abusivo, prejudicial e nocivo decorrente de prticas negociais ilcitas ou irregulares.

    Dentro dessa perspectiva, a edio do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078/90) - considerados os valores bsicos concernentes proteo da vida, da sade e da segurana, e relativos liberdade de escolha, igualdade nas contrataes, ao direito informao e proteo contra publicidade enganosa, dentre outros - representou a materializao e a efetivao dos compromissos assumidos, em tema de relaes de consumo, pelo Estado brasileiro. ...

    Nesse contexto, a atuao normativa do Poder Pblico, como aquela consubstanciada na legislao de defesa do consumidor, vocacionada a coibir, com fundamento na prevalncia do interesse social, situaes e prticas abusivas que possam comprometer

  • a eficcia do postulado constitucional de proteo e amparo ao consumidor (que representa importante vetor interpretativo na ponderao e superao das relaes de antagonismo que se registram no mercado de consumo), justifica-se ante a necessidade que se impe ao Estado de impedir que as empresas e os agentes econmicos em geral, qualquer que seja o domnio em que exeram as suas atividades, afetem e agravem a situao de vulnerabilidade a que se acham expostos os consumidores.

    Os agentes econmicos no tm, nos princpios da liberdade de iniciativa e da livre concorrncia, instrumentos de proteo incondicional. Esses postulados constitucionais que no ostentam valor absoluto no criam, em torno dos organismos empresariais, inclusive das instituies financeiras, qualquer crculo de imunidade que os exonere dos gravssimos encargos cuja imposio, fundada na supremacia do bem comum e do interesse social, deriva do texto da prpria Carta da Repblica.

    Concluo o meu voto, Senhora Presidente. E, ao faz-lo, apio as minhas concluses em dois pontos que me parecem essenciais resoluo do presente litgio constitucional: (a) as relaes que se estabelecem entre instituies financeiras, de um lado, e os seus clientes, de outro, qualificam-se como tpicas relaes de consumo; e (b) os juzes e Tribunais, em tema de relaes de consumo, ho de resolver os litgios com apoio em uma dimenso valorativa cujo elemento essencial repousa no necessrio respeito proteo dos consumidores, que titularizam direito fundamental a eles reconhecido pela prpria Constituio da Repblica (CF, art. 5, XXXII; art. 150, 5; art. 170, V; art. 37, 3; art. 175, pargrafo nico, II). (grifos meus)

    Finalmente, por oportunidade do julgamento dos Embargos de Declarao oferecidos pela Procuradoria Geral da Repblica, nos autos da prefalada ADIn 2.591, assim se manifestou o Min. RICARDO LEWANDOWSKY:

    Mas uma coisa muito interessante, Senhora Presidente, chamou-me a ateno: o Presidente do Banco Central faz meno - dentre as medidas que podem, de forma indireta, propiciar a diminuio da taxa de juros dos bancos , exatamente deciso deste Supremo Tribunal Federal sobre a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor aos bancos. Isso est consignado com todas as letras nessa entrevista.

    A relao do Banco Central com as entidades financeiras privadas, desenvolvida no plano macroeconmico, regida fundamentalmente pelos princpios e regras do Direito Pblico, ao passo que a relao dos bancos, das entidades financeiras privadas com os seus clientes e consumidores, que se trava no plano microeconmico, disciplinada basicamente pelos princpios e regras de Direito Privado.

    Nesse sentido, convirjo para aquilo que foi dito pelo eminente Relator, agora, integrando o seu voto original, como assinalei. Estou convencido de que os juzes no podem fixar a taxa [bsica] de juros. Isso seria interferir, considerada a dimenso macroeconmica, no papel do Banco Central. E caso o faam no plano microeconmico, tal significaria intervir nas prprias leis do mercado. Mas, por outro lado o relator assentou isso muito bem, e nessa linha quero manifestar minha integral concordncia -, possvel, desejvel, dever, inclusive, dos magistrados interferir nos contratos, caso a caso, quando haja abusividade, excessiva onerosidade ou outras distores. Para isso, cumpre que os bancos e as entidades financeiras, nos exatos termos do CDC, dem a mais ampla publicidade composio das taxas de juros e de outras tarifas que praticam. (grifos meus).

  • Trocando em midos, o e. Supremo Tribunal Federal, realando a vocao constitucional da proteo ao consumidor, explicitou a funo inibitria do Estado contra os abusos reconhecidamente praticados no mercado financeiro, geradores de profundas distores, em prejuzo dos consumidores.

    Afirmou o Excelso Pretrio que ao Poder Judicirio no compete intervir na taxa bsica de financiamento (matria reservada ao Conselho de Poltica Monetria do Banco Central). Nesse particular, portanto, de se observar o que dispe, em especial, o artigo 4, da Lei n 4.595/64, entendendo-se por taxa de juros aquela dita bsica de mercado, cuja fixao da atribuio exclusiva do Conselho de Poltica Monetria do Banco centra COPOM.

    Por outro lado, reconheceu o STF que tudo o que excede o custo bsico de captao do dinheiro pura relao contratual, questo de microeconomia, e, portanto, subsumida aos campos principiolgicos-normativos do Cdigo de Defesa do Consumidor e do Cdigo Civil, devendo atuar o Poder Judicirio na tutela dos interesses da parte vulnervel das relaes jurdicas estabelecidas com instituies financeiras, coibindo os abusos freqentemente verificados.

    CONCLUSO

    O presente artigo pretendeu trilhar o caminho da jurisprudncia j consolidada nas instncias superiores. Pretendi demonstrar que a tese ora sustentada, ainda que em apertadas linhas, est em harmonia com os sistemas financeiro nacional e de proteo e defesa do consumidor. Mais, at. Est em sintonia com os princpios gerais do Direito e com o ordenamento constitucional ptrio.

    O que se est analisar, nesta oportunidade, a remunerao das instituies financeiras pela intermediao e/ou pelo exerccio dos mandatos que lhes so outorgados pelos consumidores questo de direito contratual, pura e simplesmente. No se est discutindo taxa bsica de juros; est-se discutindo REMUNERAO.

    Assim, nos termos do artigo 46, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor, o consumidor no est obrigado ao cumprimento de clusulas contratuais das quais no teve cincia prvia de seu contedo, sendo certo, ainda, que as mesmas devem ser redigidas em termos claros e as informaes devem ser adequadas, corretas e precisas conforme determina o art. 6, III, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. Qualquer dvida interpretativa deve ser resolvida luz do artigo 47, da legislao consumerista (interpretatio contra stipulatorem).

    No se trata, como poderiam argumentar alguns, de indevida interveno do Poder Judicirio no mercado financeiro, visto que, a bem da verdade, no se est discutindo juros (bsicos do mercado estes, sim, matria de poltica monetria), mas, sim, o spread que, em essncia, corresponde remunerao da instituio financeira. Esta pode e deve ser analisada e discutida luz das legislaes civil e consumerista, mormente em homenagem aos princpios da eqidade, da boa-f, da transparncia e dos princpios que vedam o locupletamento indevido e a leso.

    Se certo que a Constituio, em seu artigo 170, caput, assegura a livre iniciativa, no menos correto afirmar-se que o inciso V, deste mesmo artigo, assegura a defesa dos consumidores, estabelecendo-a como princpio da ordem econmica e social. Logo, impe-se alcanar o termo mdio, o ponto de equilbrio, a harmonia desejada (artigo 4o, III, Lei n 8.078/90). Todos os desvirtuamentos devem ser evitados, mormente o que privilegia o capital em detrimento da produo. H de imperar a razoabilidade, a moderao e a sensatez. o que preconiza o artigo 173, 4, da Constituio.

  • Penso que a proposta de soluo a seguir alvitrada est em absoluta harmonia com os pronunciamentos das Cortes Superiores que, em sntese, entendem que as instituies financeiras podem cobrar juros superiores a 12% ao ano, mas que no se revelem abusivos, nos casos concretos, assim entendidos aqueles que extrapolam as taxas mdias de mercado.

    A ttulo de ilustrao dos abusos hoje praticados, as taxas mdias mensais das operaes de crdito referenciais para taxa de juros, em maro de 2009, eram, em geral, as seguintes: a) para o tomador 39,2% ao ano (28,9% a.a., para pessoa jurdica, e 50,1% a.a, para pessoa fsica); b) custo de captao - 10,7% ao ano (10,9% a.a., para pessoa jurdica, e 10,4% a.a, para pessoa fsica); c) spread - 28,5% ao ano (18,0% a.a., para pessoa jurdica, e 39,7% a.a, para pessoa fsica) - fonte: BCB, in http://www.bcb.gov.br/pec/indeco/Port/ie2-31.xls.

    No mesmo ms de maro, para o cheque especial, o spread praticado pelas instituies financeiras foi de arbitrrios e vergonhosos 158,6% ao ano (isso, sem levar em considerao o efeito criador e multiplicador da moeda escritural, citado no supramencionado voto do Min. Eros Grau (fonte: BCB, in http://www.bcb.gov.br/pec/indeco/Port/ie2-34.xls).

    Pois bem. O intrprete, a meu sentir, deveria se orientar:

    a) pela taxa mdia geral para as operaes de crdito referenciais para taxa de juros, no momento da celebrao do negcio jurdico nesse caso, deveria considerar abusivos todos os percentuais que lhe fossem superiores (por exemplo, e valendo-me dos parmetros acima ilustrados, seria abusivo tudo o que suplantasse o patamar dos 28,5% ao ano, para os contratos bancrios celebrados no ms de maro de 2009), ou;

    b) a partir da taxa de captao (custo de captao), que corresponde ao verdadeiro preoque se paga pela captao de recursos no mercado financeiro, o intrprete estipularia um percentual que, no mximo, correspondesse ao dobro do primeiro (at 100% sobre o custo provado de captao). Isso porque, e apenas para recordar, os Certificados de Depsitos Interbancrios CDIs negociados por um dia denominados Depsitos Interfinanceiros - j embutem, na maioria dos casos, o custo do CDI over, acrescido de um spread mnimo, alm do custo do PIS. Exemplificando, e valendo-me dos parmetros acima ilustrados, o custo mdio de captao, para pessoas fsicas, em maro de 2009, seria de 10,4% ao ano. Logo, seria abusivo tudo o que suplantasse o patamar dos 20,8% ao ano, para os contratos bancrios celebrados, com pessoas fsicas, no ms de maro de 2009).

    Nesse sentido, confira-se:

    DIREITO DO CONSUMIDOR. CARTO DE CRDITO. ITAUCARD ADMINISTRADORA DE CARTES DE CRDITO. PRETENSO REVISIONAL DE NEGCIO JURDICO. SENTENA DE IMPROCEDNCIA DO PEDIDO. RECURSO DA AUTORA. 1) A relao jurdica de direito material existente entre as partes de consumo e, portanto, subsumida ao campo de incidncia principiolgico-normativo do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. 2) direito bsico do consumidor a modificao das clusulas contratuais que estabeleam prestaes desproporcionais ou a reviso daquelas que, em razo de fatos supervenientes, se tornaram excessivamente onerosas. 3) As relaes decorrentes do contrato celebrado entre as partes devem respeitar os princpios que norteiam as relaes contratualizadas, a partir da vigncia da Lei n 8.078/90, notadamente no que dizem respeito aos princpios da eqidade, confiana, boa-f e transparecia. 4) O sistema de proteo e defesa do consumidor repudia, de maneira explcita, as prticas abusivas, assim entendidas as condies irregulares de negociao nas relaes de consumo (Gabriel Stiglitz) e que ferem os alicerces da ordem jurdica, seja pelo prisma da boa-f, seja pela tica da ordem pblica e dos bons costumes (Herman Benjamin). 5) Os altos juros praticados pelas

  • administradoras de cartes de crdito no correspondem ao repasse do custo da captao do emprstimo supostamente contrado em nome do consumidor, para financiamento de suas compras, mas, sim, remunerao pela intermediao informao essa, todavia, no prestada de maneira adequada, clara e precisa ao consumidor, o que importa em vcio de informao e prtica abusiva. 6) A Constituio da Repblica, de modo veemente, repudia e determina seja reprimido o abuso do poder econmico que vise ao aumento arbitrrio dos lucros (173, 4, CR/88). 7) Na mesma esteira de raciocnio, a lei reputa abusivas e, conseqentemente, nulas de pleno direito, as clusulas contratuais que estabeleam obrigaes inquas, que coloquem o consumidor em exacerbada desvantagem em relao ao fornecedor (art. 51, IV, Lei n. 8.078/90). No por outra razo que se nega validade s clusulas que importam na capitalizao de juros. 8) O contrato de carto de crdito de adeso. Para que opere com fora vinculante ao consumidor (art. 46), preciso que a manifestao de vontade deste seja esclarecida, refletida e consciente, o que s seria possvel se todas as informaes necessrias tivessem sido prestadas previamente e de maneira adequada, clara e precisa, nos termos do artigo 6, III, c/c 31, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. No o que se verifica na hiptese destes autos. 9) A capitalizao mensal de juros prtica expressamente vedada pelo ordenamento jurdico ptrio, eis que no se enquadra a hiptese dos autos em qualquer uma das excees admitidas pelo Direito, mormente nos contratos celebrados antes da malfada Medida Provisria n. 2.170/2001, cujo artigo 5 (flagrantemente inconstitucional) j teve a sua inconstitucionalidade declarada pelo e. rgo Especial deste Tribunal de Justia, no Incidente de Inconstitucionalidade n 03/2004, Rel. Des. Murta Ribeiro, e cujos efeitos, nos termos do artigo 113, do Regimento Interno desta Corte, so vinculantes a todos os demais rgos julgadores. 10) Ainda que se reconhea a possibilidade de cobrana de juros acima do limite de 12% ao ano, isso no significa dizer que no h limites para os juros, j que devero observar valores mdios de mercado. 11) Dois seriam os referenciais possveis para a hiptese: I) a taxa mdia de mercado estabelecida pelas instituies financeiras para o consumidor/tomador (taxa final = custo ao tomador) e; II) a taxa mdia de mercado estabelecida pelo COPOM/BACEN, correspondente captao de recursos no mercado pelas instituies financeiras (taxas bsicas = de captao). Evidentemente, no se pode considerar referencial vlido a mdia das taxas finais estabelecidas unilateralmente pelas instituies financeiras fornecedoras, j que pautadas sobre clusulas abusivas, eis que em afronta ao disposto no artigo 51, X, do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. 11.1) Logo, s se pode assumir como referencial vlido aquele que no pode ser manipulado pelas instituies financeiras, mas que estabelecido, de modo razovel, pela entidade responsvel pela fiscalizao e regramento do sistema financeiro nacional o Banco Central e que, por sua vez, consiste, efetivamente, na mdia do custo do dinheiro nas operaes celebradas entre as prprias instituies financeiras. 11.2) Neste ltimo caso, duas so as taxas referenciais existentes no mercado, dependendo da forma com que os recursos repassados ao consumidor foram captados pela instituio financiadora. Ou esta foi buscar recursos junto a um banco comercial, ou foi aquela buscar recursos junto a um banco de investimentos. Para a primeira hiptese, a operao realizada entre as instituies financeiras teve por lastro os Certificados de Depsito Interbancrio CDI, cuja remunerao equivale da taxa SELIC. Para a segunda hiptese, a captao tem por referencial a TBF taxa bsica de financiamento e que, de igual modo, no se distancia da taxa SELIC. 12) O Excelso Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 2.591, realou o status constitucional da proteo do consumidor no Brasil, concluindo que o Cdigo de Defesa do Consumidor, atravs de seus princpios e regras jurdicas, regula, formal e materialmente, a poltica econmica em matria de consumo, cujo objetivo precpuo equilibrar, atravs da ao do Estado, as relaes entre os agentes que atuam nesse segmento da economia. 12.1) O e. Supremo Tribunal Federal, ademais, realando a vocao constitucional da proteo ao consumidor, explicitou a funo inibitria do Estado contra os abusos reconhecidamente praticados no mercado financeiro, geradores de profundas distores, em prejuzo dos consumidores, afirmando que ao Poder Judicirio no compete intervir nas taxas bsicas de financiamento (matria reservada ao Conselho de Poltica Monetria do Banco Central). Por outro lado, reconheceu que tudo o que excede o custo bsico de captao do dinheiro pura relao contratual, questo de microeconomia, e, portanto, subsumida aos campos principiolgicos-normativos do Cdigo de Defesa do Consumidor e do Cdigo Civil, devendo atuar o

  • Poder Judicirio na tutela dos interesses da parte vulnervel das relaes jurdicas estabelecidas com instituies financeiras, coibindo os abusos freqentemente verificados. 13) Destarte, sacramentou a mais alta Corte de Justia do pas que tudo quanto exceda a taxa base de juros, os percentuais que a ela so adicionados e findam por compor o spread bancrio, tudo isso pode e deve ser controlado pelo Banco Central e, se o caso, pelo Poder Judicirio, ou seja, que tudo quanto exceda o patamar da taxa SELIC pura relao contratual. Por bvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composio contratual dessa taxa, alm de outras distores, so passveis de reviso (Min. Eros Grau), luz do sistema de proteo e defesa do consumidor. 14) Recurso da consumidora conhecido e provido. (TJRJ, Apelao Cvel n 2007.001.49192, Dcima Segunda Cmara Cvel, Rel. JDS Werson Rgo, unnime, j. 06.05.2008).

    Na mesma linha de raciocnio, os seguintes precedentes: TJRJ, Apelao Cvel n 2008.001.03428, Sexta Cmara Cvel, Rel. Des. Gilberto Rgo, unnime, j. 28.05.2008; TJRJ, Apelao Cvel n 2007.001.44025, Dcima Segunda Cmara Cvel, Rel. JDS Werson Rgo, unnime, j. 06.11.2007; TJRJ, Apelao Cvel n 2007.001.44791, Dcima Segunda Cmara Cvel, Rel. JDS Werson Rgo, maioria, j. 02.10.2007; TJRJ, Apelao Cvel n 2007.001.35135, Dcima Segunda Cmara Cvel, Rel. JDS Werson Rgo, maioria, j. 28.08.2007; TJRJ, Apelao Cvel n 2005.001.52409, Terceira Cmara Cvel, Rel. JDS Werson Rgo, unnime, j. 03.10.2006.

    Outras variveis poderiam ser cogitadas, partindo-se dos mesmos princpios. Os parmetros acima referidos encontram-se divulgados, diariamente, no stio do Banco Central do Brasil na internet (www.bcb.gov.br).

    O importante saber que, se tais premissas fossem observadas, os spreads praticados pelas instituies financeiras, muito embora ainda fizessem corar qualquer administrador srio, em pases de economias mais desenvolvidas, seriam mais palatveis para o consumidor brasileiro. Como comparao, somente, o spread para a operao com cheque especial (alis, o nico a subir no ms de maro) cairia dos 158,6%, em maro de 2009, para, no mximo, 28,5% ao ano uma diferena de 130,1 pontos percentuais, ou seja, de 556,49% (sem mencionar o efeito multiplicador da moeda escritural, o que elevaria tal diferena para at 1669, 47%)!!

    Do contrrio, continuaremos a conviver, forosamente, com notcias como as seguintes:

    Os vorazes (1) - Os juros praticados por bancos estrangeiros no Brasil chega a ser at dez vezes o juro cobrado por essas mesmas instituies financeiras em seus pases de origem, mostra um estudo feito pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, sobre o setor bancrio. O instituto focaliza alguns dos bancos estrangeiros de maior porte estabelecidos no pas: HSBC, Santander e Citibank.

    Os vorazes (2) - No caso dos emprstimos pessoais, pelo levantamento do Ipea, o britnico HSBC pratica uma taxa de juros de 6,60% ao ano no Reino Unido, enquanto cobra juros de 63,42% ao ano para os brasileiros. J o espanhol Santander cobra aos clientes do seu pas-sede juros de 10,81% ao ano enquanto pratica juros de 55,74% ao ano no Brasil. E o norte-americano Citibank empresta a juros de 7,28% ao ano nos Estados Unidos, enquanto opera taxas de 60,84% ao ano em territrio brasileiro.

    Os vorazes (3) - Para chegar a esses nmeros, a equipe de pesquisadores do Ipea levantou em conta os juros oferecidos na primeira semana de abril deste ano, e levou em conta os juros agregados aos servios administrativos, riscos de inadimplncia, margem de lucro e tributao.

    Fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=14483 E continuo refletindo...

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