artigo equina 14 nov dez-2007

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Roberto A. de Souza Lima Professor Doutor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) [email protected] Rudy Tarasantchi Graduando da ESALQ/USP. Qual alternativa é mais rentável: autônomo ou empresa? 1 A ssim como ocorre em diversas outras pro- fissões, o médico veterinário em muitos momentos de sua vida profissional se de- para com a questão sobre qual alternativa é mais rentável: autônomo ou empresa? A resposta não é simples e tornou-se mais complexa nos últimos anos, após o Novo Código Civil entrar em vigor. Este artigo discute esta questão, apresentando exem- plos que podem facilitar a tomada de decisão do profissional quanto a melhor forma de atuar no mercado. A primeira confusão surge quando buscamos uma definição do que é ser um profissional autôno- mo e o que significa ser um empresário. O Novo Código Civil alterou, para muitos, estas definições, que são fundamentais para verificar se o profissio- nal pode atuar como autônomo ou se esta alternati- va lhe é vedada. De acordo com o Artigo 966 desse novo estatuto, empresário é definido como aquele que “exerce profissionalmente atividade econômi- ca organizada para produção ou circulação de bens ou de serviços”. Complementando esta definição, encontramos que “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza ci- entífica, literária ou artística, ainda com o concur- so de auxiliares ou colaboradores”. Já o autônomo pode ser definido como pessoa física que presta serviços de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego. As definições apresentadas no parágrafo anteri- or permitem classificar o profissional veterinário como empresário ou autônomo. Por exemplo, um veterinário que possui uma clínica, com a colabo- ração de profissionais e auxiliares, qualifica-se como profissional autônomo. Já em um hospital veteriná- rio ou pet shop, deixa de prevalecer o carácter inte- lectual, o profissional torna-se empresário. Observa-se que em alguns casos pode não ficar evidente a atividade organizada ou empresarial – isto é, aquela com volume significativo de capital, tra- balho, insumo e tecnologia – e o veterinário pode não ser reconhecido como empresário, só podendo atuar na condição de autônomo. Em outras pala- vras, ficaria sujeito à tributação aplicada às pessoas físicas. Vejamos como se dá esta tributação. O autônomo (pessoa física) incorre em diver- sos encargos. Entre eles, destacam-se: • Imposto de Renda. Quem percebe rendimento mensal de até R$ 1.315,69 é isento. Aqueles que possuem rendimento mensal entre R$ 1.315,69 e R$ 2.625,12, recolhem a diferença entre 15% da renda e R$ 197,05. Rendimento acima de R$ 2.625,12 são tributados em 27,5% da Renda, me- nos R$ 525,19. • ISS – Imposto sobre Serviços. Este tributo varia de município para município, podendo ser um va- lor fixo ou variável. Na cidade de Piracicaba, por exemplo, um veterinário autônomo paga o valor fixo de R$933,19 ao ano. • INSS – Previdência Social. O autônomo deve re- colher 20% do valor do salário de contribuição, que pode variar entre mínimo de 380,00 e máximo de R$ 2.894,00. • CFMV – Conselho Federal de Medicina Veteriná- ria. Exigi-se do veterinário autônomo o pagamento de anuidade no valor de R$ 237,00. No caso de pessoa jurídica, há diversas modali- dades de apuração e recolhimento dos tributos fe- derais: o Simples Federal, o Lucro Arbitrado, o Lu- cro Real e o Lucro Presumido. Vamos nos prender aos casos mais comuns: o Simples e o Lucro Pre- sumido 2 . 1 Uma versão deste artigo foi apresentada ao Fórum Internacional de Atualização em Eqüinos Fort Dodge e ABRAVEQ, em 10 de novem- bro de 2007. 2 Segundo a Receita Federal, o arbitramento de lucro é uma forma de apuração da base de cálculo do imposto de renda utilizada pela au- toridade tributária ou pelo contribuinte. É aplicável pela autoridade tributária quando a pessoa jurídica deixar de cumprir as obrigações acessórias relativas à determinação do lucro real ou presumido, con- forme o caso. Já o lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação fiscal. A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuração com observância das leis comerciais.

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Page 1: Artigo equina 14 nov dez-2007

Roberto A. deSouza Lima

Professor Doutor daEscola Superior deAgricultura “Luiz de

Queiroz” daUniversidade de São

Paulo (ESALQ/USP)[email protected]

Rudy TarasantchiGraduando da

ESALQ/USP.

Qual alternativaé mais rentável:autônomoou empresa?1

Assim como ocorre em diversas outras pro-fissões, o médico veterinário em muitosmomentos de sua vida profissional se de-

para com a questão sobre qual alternativa é maisrentável: autônomo ou empresa? A resposta não ésimples e tornou-se mais complexa nos últimosanos, após o Novo Código Civil entrar em vigor.Este artigo discute esta questão, apresentando exem-plos que podem facilitar a tomada de decisão doprofissional quanto a melhor forma de atuar nomercado.

A primeira confusão surge quando buscamosuma definição do que é ser um profissional autôno-mo e o que significa ser um empresário. O NovoCódigo Civil alterou, para muitos, estas definições,que são fundamentais para verificar se o profissio-nal pode atuar como autônomo ou se esta alternati-va lhe é vedada. De acordo com o Artigo 966 dessenovo estatuto, empresário é definido como aqueleque “exerce profissionalmente atividade econômi-ca organizada para produção ou circulação de bensou de serviços”. Complementando esta definição,encontramos que “não se considera empresárioquem exerce profissão intelectual, de natureza ci-entífica, literária ou artística, ainda com o concur-so de auxiliares ou colaboradores”. Já o autônomopode ser definido como pessoa física que prestaserviços de natureza urbana ou rural, em carátereventual, a uma ou mais empresas, sem relação deemprego.

As definições apresentadas no parágrafo anteri-or permitem classificar o profissional veterináriocomo empresário ou autônomo. Por exemplo, umveterinário que possui uma clínica, com a colabo-ração de profissionais e auxiliares, qualifica-se comoprofissional autônomo. Já em um hospital veteriná-rio ou pet shop, deixa de prevalecer o carácter inte-lectual, o profissional torna-se empresário.

Observa-se que em alguns casos pode não ficar

evidente a atividade organizada ou empresarial – istoé, aquela com volume significativo de capital, tra-balho, insumo e tecnologia – e o veterinário podenão ser reconhecido como empresário, só podendoatuar na condição de autônomo. Em outras pala-vras, ficaria sujeito à tributação aplicada às pessoasfísicas. Vejamos como se dá esta tributação.

O autônomo (pessoa física) incorre em diver-sos encargos. Entre eles, destacam-se:• Imposto de Renda. Quem percebe rendimentomensal de até R$ 1.315,69 é isento. Aqueles quepossuem rendimento mensal entre R$ 1.315,69 eR$ 2.625,12, recolhem a diferença entre 15% darenda e R$ 197,05. Rendimento acima de R$2.625,12 são tributados em 27,5% da Renda, me-nos R$ 525,19.• ISS – Imposto sobre Serviços. Este tributo variade município para município, podendo ser um va-lor fixo ou variável. Na cidade de Piracicaba, porexemplo, um veterinário autônomo paga o valor fixode R$933,19 ao ano.• INSS – Previdência Social. O autônomo deve re-colher 20% do valor do salário de contribuição, quepode variar entre mínimo de 380,00 e máximo deR$ 2.894,00.• CFMV – Conselho Federal de Medicina Veteriná-ria. Exigi-se do veterinário autônomo o pagamentode anuidade no valor de R$ 237,00.

No caso de pessoa jurídica, há diversas modali-dades de apuração e recolhimento dos tributos fe-derais: o Simples Federal, o Lucro Arbitrado, o Lu-cro Real e o Lucro Presumido. Vamos nos prenderaos casos mais comuns: o Simples e o Lucro Pre-sumido2.

1 Uma versão deste artigo foi apresentada ao Fórum Internacional deAtualização em Eqüinos Fort Dodge e ABRAVEQ, em 10 de novem-bro de 2007.

2 Segundo a Receita Federal, o arbitramento de lucro é uma forma deapuração da base de cálculo do imposto de renda utilizada pela au-toridade tributária ou pelo contribuinte. É aplicável pela autoridadetributária quando a pessoa jurídica deixar de cumprir as obrigaçõesacessórias relativas à determinação do lucro real ou presumido, con-forme o caso. Já o lucro real é o lucro líquido do período de apuraçãoajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ouautorizadas pela legislação fiscal. A determinação do lucro real seráprecedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuraçãocom observância das leis comerciais.

Page 2: Artigo equina 14 nov dez-2007

O Simples é um sistema tributário que permite aunificação dos tributos, mediante o recolhimentode um tributo que têm alíquota variável. No caso deatividade comercial, a alíquota varia conforme areceita anual da empresa (Tabela 1).

As empresas também contribuem para o CFMV- Conselho Federal de Medicina Veterinária, emvalores que variam conforme o seu capital social(Tabela 2).

3 Atenção deve ser tomada quanto ao fato de que quando o autôno-mo informa, na sua declaração de imposto de renda, o endereço co-mercial como sendo o mesmo que seu endereço residencial, passa-rá a recolher IPTU com alíquota referente aos prédios comerciais.

Tabela 2: Valor das anuidades doConselho Federal de Medicina Veterinária

para pessoas jurídicas

Capital Social Anuidade

Até R$ 5.320,50 R$ 365,00

De R$ 5.320,51 até R$ 31.923,00 R$ 533,00

De R$ 31.923,01 até R$ 138.333,00 R$ 688,00

De R$ 138.333,01 até R$ 287.307,00 R$ 798,00

De R$ 287.307,01 até R$ 1.383.330,00 R$ 1.024,00

De R$ 1.383.330,01 até R$ 2.873.070,00 R$ 1.233,00

Acima de R$ 2.873.070,00 R$ 1.539,00

Até 120.000,00 4,00%

De 120.000,01 a 240.000,00 5,47%

••••• •••

De 2.160.000,01 a 2.280.000,00 11,51%

De 2.280.000,01 a 2.400.000,00 11,61%

Tabela 1: Alíquota do Simples paraempresas comerciais

Receita Bruta Total em 12 meses (em R$) Alíquota

Observe que o comentário sobre o Simples li-mitou-se às atividades comercias do veterinário. Istoporque as atividades de prestação de serviços nãose enquadram nesse sistema tributário, pois con-forme o inciso XI do Art. 17 da Lei Complementarnº 123, de 14 de dezembro de 2006, não poderãorecolher os impostos e contribuições na forma doSimples Nacional a microempresa ou a empresa depequeno porte “que tenha por finalidade a presta-ção de serviços decorrentes do exercício de ativi-dade intelectual, de natureza técnica, científica, des-portiva, artística ou cultural, que constitua profis-são regulamentada ou não, bem como a que presteserviços de instrutor, de corretor, de despachanteou de qualquer tipo de intermediação de negócios”.

Ao veterinário prestador de serviços, não autô-nomo, há a possibilidade de enquadramento no sis-tema de lucro presumido. Neste caso, a Receita Fe-deral presume que o lucro corresponde a 32% dareceita bruta. Sobre o lucro, assim estimado, o ve-terinário irá recolher 15% de imposto de renda (oque corresponde a 4,8% da receita bruta) e 9% deContribuição Social sobre o Lucro (o que corres-ponde a 2,88% da receita bruta). Adicionalmente,deverá recolher o correspondente a 0,65% da re-ceita bruta para o PIS – Programa de IntegraçãoSocial, 3,00% da receita bruta de COFINS – Con-tribuição para o financiamento da Securidade Soci-al, ISS e INSS. O valor do ISS varia de municípiopara município, sendo que em Piracicaba, por exem-plo, corresponde a 5% do valor dos serviços (noentanto, mediante solicitação junto à Prefeitura, épossível transformar este tributo variável em im-posto fixo de cerca de R$ 1.000,00 ao ano). Paraas empresas, o INSS corresponde a 20% do valordo salário de contribuição, que pode variar entremínimo de R$ 380,00 e máximo de R$ 2.894,00.As pessoas físicas dessa empresa devem recolher11% do valor do salário de contribuição.

Tanto o autônomo quanto o empresário incor-rem em outros encargos e taxas, tais como IPTU3,TFE - Taxa de Fiscalização de Estabelecimento (variade município para município e de ano para ano deacordo com a atividade), FGTS e Contribuição Sin-dical (patronal e empregados).

Um aspecto importante na apuração dos tributosque deverão ser recolhidos são os lançamentos reali-zados no Livro-Caixa. De acordo com a Receita Fe-deral, “o contribuinte que receber rendimentos do tra-balho não-assalariado pode deduzir da receita decor-rente do exercício da respectiva atividade as seguin-tes despesas escrituradas em livro-Caixa:1. A remuneração paga a terceiros, desde que comvínculo empregatício, e os respectivos encargostrabalhistas e previdenciários;2. Os emolumentos pagos a terceiros, assim con-siderados os valores referentes à retribuição pelaexecução, pelos serventuários públicos, de atos car-torários, judiciais e extrajudiciais; e,3. As despesas de custeio pagas, necessárias à per-cepção da receita e a manutenção da fonte produto-ra.”

Destaque-se que não são dedutíveis as quotasde depreciação de instalações, máquinas e equipa-mentos, bem como as despesas de arrendamento(leasing), e as despesas de locomoção e transpor-te, salvo no caso de representante comercial autô-nomo, quando correrem por conta deste. As des-pesas de custeio escrituradas em livro Caixa po-dem ser deduzidas independentemente de as recei-tas serem oriundas de serviços prestados como au-tônomo a pessoa física ou jurídica.

Page 3: Artigo equina 14 nov dez-2007

Retornando a questão título deste artigo,pode-se simular o impacto dos tributos sobrea receita bruta, identificando quanto restariade renda (renda líquida) aos veterinários apóso pagamento dos encargos discutidos anteri-ormente. Observa-se que para níveis mais bai-xos de renda, o mais vantajoso, para o veteri-nário, é atuar como autônomo (realizando even-tual comercialização de medicamentos e pro-dutos veterinários através de empresa enqua-drada no Simples). Para rendas mais elevadas,é mais vantajoso operar através de pessoa ju-rídica (Lucro Presumido). O divisor entre umaalternativa e outra dependerá de município paramunicípio. Como exemplo, serão discutidosos casos de Piracicaba e de um município hi-potético com as características apresentadasna Tabela 3. Os resultados estão apresenta-dos na Figura 1.

No caso do município de Piracicaba, é maisvantajoso para o veterinário permanecer comoautônomo caso sua renda mensal seja de atéR$ 5.300,00 mensais. Rendimentos superio-res a este justificam a constituição de empresa(pessoa jurídica). Já no caso do Município Hi-potético, a partir de rendimento mensal supe-rior a R$ 7.000,00 é vantajoso para o veteriná-rio trabalhar como pessoa jurídica.

Município de Piracicaba

0%10%

20%30%

40%50%60%

70%80%

90%100%

100

2.45

0

4.80

0

7.15

0

9.50

0

11.8

50

AutônomoEmpresa

Município Hipotético

0%10%

20%30%

40%50%60%

70%80%

90%100%

100

1.80

0

3.50

0

5.20

0

6.90

0

8.60

0

10.3

00

12.0

00

Figura 1: Percentual da receitas líquida em relação ao faturamento total.

Tabela 3: Pressupostos para o Município de Piracicabae um Município hipotético

Municípios

Hipotético

ISS - Pessoa Jurídica R$ 933,19 fixo ao ano 5% do faturamento

ISS - Pessoa Física R$ 933,19 fixo ao ano R$ 1.000,00 fixo ao ano

Capital Social De R$ 5.320,51 a R$ 31.923,00 De R$ 5.320,51 a R$ 31.923,00

Observação Não considerado o Livro-Caixa Não considerado o Livro-Caixa

Piracicaba