artigo neder.alter13.11.09

18
COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE SABRES FACULDADE DE EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Cátedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009 1 TRÊS GRUPOS DE SIGNIFICANTES DA TECNOLOGIA (SOCIAL): IMPLICAÇÕES PARA O INTERACIONISMO Ricardo T. Neder Prof. Adjunto da Universidade de Brasília. Coordena o Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina. Atua na graduação da FUP - FACULDADE UNB PLANALTINA (Agrária-Ambiental, Ciências Naturais e Educação no Campo) e na pós- graduação do CDS CENTRO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL). ([email protected] ) Resumo - Os avanços teóricos e na prática social, cultural e institucional da política para a tecnologia social (como moralidade) nos levam para o aprofundamento de uma teoria da adequação sociotécnica, AST (base conceitual), para superar a teoria da inovação em ambientes empresariais como transição paradigmática dos estudos sociais de C&T na América Latina. No Apêndice 1 (ao final) há uma matriz sintética dos argumentos aqui utilizados mas dispersos em 12 campos de dados (que podem ser empíricamente testados) e apresentados sumariamente. O artigo discute na verdade, porque é fundamental tomar a tecnologia como semiótica ou pluralidade de significantes que operam no senso comum. Proponho três campos agregados de significantes: (1) Tecnologia como cesta de normas e regras. (2) Tecnologia como cesta de valores de troca e (3) Tecnologia como signo/linguagem. Esta abordagem permite flexibilidade para criar cenários específicos de intercambio entre quatro ambientes externos (oportunidades & barreiras cognitivas, utilitaristas, de trânsito dos pesquisadores e produtores de saberes; e as normas técnicas) na sociedade. Estes quatro ambientes afetam a adequação sociotécnica. Para entender estas influência é necessário formular uma teoria da regulação sociotécnica dos sujeitos sociais. Diante disto proponho correlacionar estes quatro ambientes com o movimento pela tecnologia social e adequação sociotécnica levando em contra seus pilares : (a) interacionismo, (b) autogestão e (c) adequação sociotécnica. Resultam daí as 12 combinatórias. A constatação básica é o fato de que as pessoas interagem com a tecnologia por meio de um senso comum que abre múltiplos significantes para o fenômeno técnico. Devemos ter estratégias para proceder à leitura não-reducionista desta multiplicidade dosenso comum diante da tecnologia (social).

Upload: hocrash

Post on 27-Sep-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

TECNOLOGIAS SOCIAIS. SEMIÓTICA

TRANSCRIPT

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    1

    TRS GRUPOS DE SIGNIFICANTES DA TECNOLOGIA (SOCIAL): IMPLICAES PARA O INTERACIONISMO

    Ricardo T. Neder

    Prof. Adjunto da Universidade de Braslia. Coordena o Observatrio do Movimento pela

    Tecnologia Social na Amrica Latina. Atua na graduao da FUP - FACULDADE UNB

    PLANALTINA (Agrria-Ambiental, Cincias Naturais e Educao no Campo) e na ps-

    graduao do CDS CENTRO DE PS GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO

    SUSTENTVEL). ([email protected])

    Resumo - Os avanos tericos e na prtica social, cultural e institucional da poltica para a

    tecnologia social (como moralidade) nos levam para o aprofundamento de uma teoria da

    adequao sociotcnica, AST (base conceitual), para superar a teoria da inovao em

    ambientes empresariais como transio paradigmtica dos estudos sociais de C&T na

    Amrica Latina. No Apndice 1 (ao final) h uma matriz sinttica dos argumentos aqui

    utilizados mas dispersos em 12 campos de dados (que podem ser empricamente testados) e

    apresentados sumariamente. O artigo discute na verdade, porque fundamental tomar a

    tecnologia como semitica ou pluralidade de significantes que operam no senso comum.

    Proponho trs campos agregados de significantes: (1) Tecnologia como cesta de normas e

    regras. (2) Tecnologia como cesta de valores de troca e (3) Tecnologia como

    signo/linguagem. Esta abordagem permite flexibilidade para criar cenrios especficos de

    intercambio entre quatro ambientes externos (oportunidades & barreiras cognitivas,

    utilitaristas, de trnsito dos pesquisadores e produtores de saberes; e as normas tcnicas) na

    sociedade. Estes quatro ambientes afetam a adequao sociotcnica. Para entender estas

    influncia necessrio formular uma teoria da regulao sociotcnica dos sujeitos sociais.

    Diante disto proponho correlacionar estes quatro ambientes com o movimento pela tecnologia

    social e adequao sociotcnica levando em contra seus pilares : (a) interacionismo, (b)

    autogesto e (c) adequao sociotcnica. Resultam da as 12 combinatrias. A constatao

    bsica o fato de que as pessoas interagem com a tecnologia por meio de um senso comum

    que abre mltiplos significantes para o fenmeno tcnico. Devemos ter estratgias para

    proceder leitura no-reducionista desta multiplicidade dosenso comum diante da tecnologia

    (social).

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    2

    NEDER, Ricardo T. Trs grupos de significantes da tecnologia (social): implicaes para o interacionismo. Braslia: Colquio de tecnologias na educao sobre formao de professores. Etapa III: Tecnologias sociais, formao de professores e compartilhamento de sabres Faculdade de Educao Universidade de Braslia. UNB Programa Ctedra da Unesco - 13 de novembro 2009. http://www.fe.unb.br/acontece/noticias/padroes-de-competencia-em-tic-para-professores

    Palavras-chave: ADEQUAO SOCIOTCNICA. TRANSIO TECNOLOGIA SOCIAL. UNIVERSIDADE E SABERES POPULARES. ABSTRACT: SOCIALLY ORIENTED TECHNOLOGY POLICY. TECHNOLOGICAL PLURALISM. SOCIALTECHNICAL DESIGN AND CRITICAL CONSTRUCTION OF TECHNOLOGIES

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL CDS

    OBSERVATORIO DO MOVIMENTO PELA TECNOLOGIA SOCIAL NA AMERICA LATINA

    pgina: http://professores.cds.unb.br/omts/pub/? FACULDADE DE UnB. PLANALTINA (gesto agrria, ambiental, cincias naturais e educ. no campo) CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL - CDS Universidade de Braslia - UnB Campus Universitrio Darcy Ribeiro Gleba A, Bloco C - Av. L3 Norte, Asa Norte - Braslia-DF, CEP: 70.904-970 Telefones: (61) 3368-5594, 3368-4091, 3368-1971, 3368-5815, Fax: 3368-5146 @: [email protected] | Site: www.unbcds.pro.br

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    3

    INTRODUO

    O termo tecnologia social h nove anos era desconhecido do pblico que freqenta a mdia e

    os movimentos sociais no Brasil. Hoje reconhecido falar e ser ouvido sobre tecnologia social,

    e no ser mais interpelado se isto significa tecnologia para os pobres. Chaves assim ocorrem

    porque a expresso j um signo. Como tal, tornou-se passvel de ser usada em sentido

    pejorativo, superlativo, depreciativo, desfocado, empobrecido ou enriquecido. So mltiplos

    os significantes. Significantes se definem quando tentamos atribuir sentido a um significado

    que distorce sua origem, por razes variadas. Entre outras porque o significado est

    defasado.

    Os lingistas chamam isto de semitica. Creio que a razo semitica importante para defender esta transio paradigmtica da tecnologia social (TS) para a noo mais rigorosa de adequao sociotcnica (AST) a qual ajuda a construir traos de unio entre culturas do trabalho no saber popular (senso comum) e o trabalho nas culturas fundadas em conhecimentos cientfico-tecnolgicos.

    Ao contrrio do que pode parecer, esta questo de fundo existe h dois mil anos como

    disputa enraizada na histria da filosofia e das cincias em geral. Trata-se de saber se a

    dialctica, prpria dos movimentos das sociedades humanas (por exemplo, que rege a

    definio de quem deve suceder o poder) se contrape ou se harmoniza com o conhecimento

    que temos das leis fsicas ou naturais (por que importante fazer a previso dos eclipses?) 1.

    A resposta s poderia ser gerada no senso comum, e seria algo como: a autoridade que faz a previso dos eclipses ganha prestgio no senso comum. E poder, assim, influir na sucesso do poder, embora esta influncia possa no beneficia-lo diretamente e sim ao seu grupo social (dos sacerdotes ou pajs, por exemplo). Esta uma das razes porque h estreitas ligaes entre as duas culturas a do senso comum e da cultura cientfica - mas estas ligaes no so evidentes ou pblicas. So indiretas e se expressam pelo fato do conhecimento cientfico e tecnolgico ser portador de uma cesta de valores.

    O simples fato de que os conhecimentos das leis fsicas e naturais serem obrigados a se

    inscrever num mundo humano do senso comum (= poltica), coloca cientistas e pesquisadores

    em luta para um lugar ao sol como todos os mortais. Se ele ou ela precisa ser reconhecido/a

    1 Eis talvez o ponto essencial: a dialctica no pode exercer-se a no ser no quadro de uma teoria das idias segundo a qual o mundo sensvel deve ser negado em proveito do mundo inteligvel. Toda a gente sabe que o sensvel enganador, que nos mostra as mesmas realidades sob aspectos diferentes (pensemos por exemplo, nas variaes de um pedao de cera) e que por conseguinte, infringe as regras mais sagradas da lgica, a comear pelo famoso princpio de identidade (Ferry, 2003:117).

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    4

    como til e benfeitora na sociedade, ganhar seu salrio ou ficar rico depende de como o

    conhecimento gerado reconhecido til pelo senso comum.

    Os dispositivos semiticos se definem tambm em torno da utilidade e valores de uso e de

    troca, e como tal so parte de uma longa histria no capitalismo, pois toda a base doutrinria

    da economia liberal da revoluo burguesa se assentou sob a expresso utilitarismo, que foi

    potencializada como sociedade industrial de uma cultura de massa voltada para o consumo

    (Marcuse). Este o papel da tecnologia convencional, desde a Revoluo Industrial a partir

    da qual a universidade viu-se diante da concepo articulada de academia tecnolgica

    somada com a de universidade clssica das sete artes (Castilho, 2008, Abrantes, 1998). Ser

    um conhecimento com aplicaes teis, contudo, nunca foi o mesmo que ser aplicado para

    todos os grupos sociais e atingir as classes populares.

    O movimento em torno da tecnologia social (TS) no Brasil apresenta de forma exemplar, um

    caso concreto de contratendncia que poderamos chamar de pensamento cientfico societal

    em oposio a um pensamento tecnocientfico gerencial ou corporativo oriundo de uma

    vertente de reforma gerencialista do Estado brasileiro 2. A tecnologia social da agroecologia

    no interior do primeiro campo uma comparao til para ilustrar no s a dimenso

    cognitiva dos conflitos entre pluralismo e monismo tecnolgico, mas tambm para revelar

    que h aprofundamentos fundamentais para que o movimento pela TS ganhe mais

    legitimidade acadmica e nos movimentos sociais.

    A tecnologia um signo que se constitui numa combinao de significante e significado, como

    se fossem dois lados de uma moeda. O significado o conceito, reside no plano do contedo:

    uma mquina colhedeira na agricultura. O significante uma imagem e uma cadeia de sons;

    os atributos ditos modernos da mquina colhedeira se constituem no plano da forma esttica.

    2 Esta posio tributria do seguinte. A comunidade cientfica e tecnolgica no Brasil tem como princpio de realidade fenmenos mais amplos relacionados com seu papel no interior da transio da reforma do Estado brasileiro de um modelo burocrtico para outro tipo gerencialista; na verdade duas vertentes foram claramente estabelecidas na reforma do Estado, nos anos 1995 em diante: esta gerencialista, e outra societal. Porm apenas devido a um forte vis que se elidem ou apagam as referncias ao fato de que no havia no cenrio poltico uma viso unvoca de reforma, pois tambm estava em curso um novo paradigma reformista: o Estado novssimo movimento social (...) que rearticula o Estado e a sociedade, combinando democracia representativa e participativa. (...) Na realidade a vertente societal (da reforma do Estado, RTN) no monoplio de um partido ou fora poltica e nem apresenta a mesma clareza e consenso da vertente gerencial em relao aos objetivos e caractersticas de seu projeto poltico. (Paes, 2005)

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    5

    Assim, a tecnologia pode ter muitos significantes em seu trnsito pela sociedade entre

    diferentes grupos sociais. O tema da moralidade da tecnologia est relacionado ao fato de

    que as pessoas interagem com a tecnologia por meio de um senso comum que abre mltiplos

    significantes para o fenmeno tcnico. Como proceder leitura no-reducionista desta

    multiplicidade?

    Significante um conceito retirado da semitica e tem sido aplicado a inmeros campos de

    conhecimento nos estudos sociais da ciencia e da tecnologia, filosofia e psicanlise. O termo

    "tecnologia" um bom exemplo de signo baseado em conceito cientfico. Na outra face da

    moeda, o significante um campo da imagem acstica ou esttica da tecnologia (expressa na

    internet pela combinao entre imagem, som e palavra, por exermplo). A semitica rompeu

    com a concepo de que usamos a unidade lingstica como a relao direta do termo (o

    automvel, por exemplo) associado a uma coisa (o objeto tecnolgico automvel). O signo

    lingstico une, no uma coisa a um nome, mas um conceito e uma imagem acstica. Esta ltima

    no o som material, coisa puramente fsica, mas a marca fsica deste som, a representao

    que nos dada por nossos sentidos; ela sensorial, e se nos ocorre cham-la 'material',

    apenas neste sentido e por oposio ao outro termo da associao, o conceito, geralmente

    mais abstrato" (Saussure, 1987). Um automvel pode ter muitos significantes (potncia como

    ascenso, poder e hierarquia social, liberdade). Todos ultrapassam o signo meio de transporte

    como funo e se converte em fetiche (a mquina deixa de ser mquina).

    Tecnologia social pode igualmente, ter muitos significantes, embora seu significado no esteja

    ainda efetivamente gravado no senso comum e nem no meio tecnocientfico. A proliferao

    dos artefatos tecnolgicos desde o sculo XIX e dos automatismos na segunda modernidade

    ao final do Sculo XX tornou impossvel um exame sistemtico de significados e significantes

    dos sistemas, objetos ou complexos tecnolgicos (Braudillard). justamente esta pluralidade

    de usos da tecnologia que justifica os estudos de semiologia da tecnologia (social) nos

    acontecimentos culturais, polticos, militares e econmicos, religiosos, estticos. Este artigo

    considera um eixo de reflexo terica central: a questo como o movimento pela TS poder

    contribuir para polticas pblicas de Cincia, Tecnologia & Sociedade (CTS) capazes de

    fomentar ambientes de adequao sociottica (AMAST) tendo como dimenso estratgica o

    interacionismo pedaggico no ensino das cincias e do pluralismo tecnolgico na pesquisa,

    ensino e extenso. Para uma viso completa da matriz sinttica dos argumentos aqui

    utilizados mas dispersos em 12 campos de dados empricos que no poderiam ser aqui

    reproduzidos (Ver Apndice 1 ao final): os campos permitem criar cenrios especficos de

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    6

    intercambio entre 4 ambientes externos na sociedade de regulao da AST, e as trs

    estruturas cognitivas de AST - interacionismo, autogesto e tecnologia, resultando em 12

    combinatrias. Estas combinatrias esto presentes ao longo do artigo sob a forma do tema

    da moralidade da tecnologia (social, inclusive). A constatao bsica o fato de que as

    pessoas interagem com a tecnologia por meio de um senso comum que abre mltiplos

    significantes para o fenmeno tcnico. Como proceder leitura no-reducionista desta

    multiplicidade?

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    7

    Proponho neste artigo um mtodo para explorar trs grupos muito comuns de significantes da

    tecnologia. Cada um deles ser visto nas sees adiante:

    (1) Tecnologia como cesta de normas e regras.

    (2) Tecnologia como cesta de valores de troca e

    (3) Tecnologia como signo/linguagem; e

    Concluses.

    1. TECNOLOGIA COMO CESTA DE NORMAS & REGRAS

    A dimenso de signo ou moeda de duas faces da tecnologia fica clara em certas situaes

    reais, da sociedade contempornea: no abro mo de ser budista e vegetariano ao utilizar o

    automvel no meu cotidiano. Sou da comunidade Xavante e ela probe os membros de

    assistir televiso sozinhos ou no grupo familiar, apenas em comunidade permitido assistir

    televiso. Ou, sou da comunidade Amish e o meu modo de vida me proibe usar motor

    exploso, gasolina e automvel. H uma cesta de valores envolvida nestas duas situaes.

    Ento a moralidade da tecnologia para um Xavante no Brasil, ou um Amish, nos Estados

    Unidos negativa e contraditria com a opo religiosa, alimentar, familiar, sexual, tnica.

    Neste significante parece que estamos diante do seguinte dilema: a tecnologia do automvel

    (mas tambm o motor exploso, gasolina, eletricidade, etc) uma escolha deliberadamente

    moral. Podemos falar que existe uma moralidade da tecnologia socialmente determinada

    com os significantes Xavante, Amish e Budista. Os significantes levam a escolhas diferentes?

    Vamos partir da hiptese de que estes significantes traduzam algo mais profundo: as pessoas

    desconfiam que se adotarem uma certa tecnologia, a do automvel, motor exploso,

    gasolina, etc...haver conseqncias no futuro. Este um tpico encadeamento temporal de

    significantes que operam no senso comum (=poltica) ou seja, uma coisa levar a outra

    (Feenberg, 2002). O que verdadeiro. A moralidade budista no rechaa as tcnicas ou o

    avano tcnico desde que o automvel permita que se continue vegetariano e politesta.

    Mas se minha crena religiosa e dieta alimentar forem negadas pelo uso do automvel, ou

    qualquer outra tecnologia - serei obrigado a fazer uma opo radical: abandonar meus

    princpios, ou a tecnologia. No caso da moralidade Amish a deciso foi no depender da

    tecnologia do motor exploso, da gasolina ou da eletricidade. Elas so equivalentes; o

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    8

    significante um s. Tanto o caso Xavante, Amish quanto Budista, revela-se um mesmo tipo de

    moralidade que toma a tecnologia como uma cesta de regras e normas. H diariamente na

    nossa sociedade situaes como esta: os pais evanglicos devem fazer uma escolha diante da

    tecnologia mdica que ir salvar ou deixar morrer seu filho da hemorragia, mas a prescrio

    religiosa probe a transfuso. Se decidir me organizar para utilizar automvel numa grande

    cidade, opto por no utilizar a rede pblica de transporte.

    2. TECNOLOGIA COMO CESTA DE VALORES DE TROCA

    Para quem est situado na esfera da indstria, do governo, do comrcio e da produo em

    geral - cujas posies so mais entusiastas e pouco restritivas tecnologia - a posio diante

    da moralidade tecnolgica dominante assume dois significantes. Diante da tecnologia h um

    entendimento de que a moralidade na tecnologia reside em process-la para que ela possa

    aumentar a velocidade da circulao do valor de troca da produo capitalista (tal como

    praticado, por exemplo, na publicidade e mdia em geral com mensagens subliminares que

    associa mulheres, homens e crianas brancas e saudveis, alegres e de bem com a vida, ao

    ato de consumir algum produto). Mas de nada adiante alterar esta moralidade do

    multiculturalismo igualando na propaganda as cores e classes, e mantendo o modo de fazer

    tecnocincia baseada na trade cartesiana racionalismo, empirismo e materialismo cientfico:

    todos devem ser consumidores.

    Assim, o outro significante mais direto. Deriva de uma postura pr-aplicaes

    tecnocientficas. Sabemos que este significante moldado na universidade e nas empresas,

    para resultar em negcios como quaisquer outros. Na sua essncia esta moralidade permite

    que investimentos de longo prazo e de maturao difcil no meio tecnocientfico sejam

    incorporados ao estoque de capital dos grupos empresariais como conhecimento.

    Nesta moralidade da tecnologia como valor de troca h processos de escolhas e decises,

    incertezas e conflitos orientados pelo sujeito (Touraine et al. 2004) tecnocientfico que assume

    um conjunto de pressupostos normativos e polticos-institucionais lado-a-lado com a base dos

    processos cognitivos (disciplinares-especialistas). Os fundamentos que orientam esse sujeito

    coletivo (pesquisadores) so diferenciados e sua conduta se orienta por protocolos de valor

    historicamente mutveis. Contrariamente a esta cesta de valores de troca a tecnologia social

    uma tentativa de internalizar nas comunidades solues prticas para as pessoas no seu dia-

    a-dia.

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    9

    Esta moralidade de uma tecnologia-com-p-no-cho tambm caracterstico das aes de

    interveno da Economia Solidria; como se pode depreender a vasta rede de aes abaixo

    identificadas ao longo dos ltimos 10 anos, abriu uma sinalizao da tecnologia social (das

    redes) como valor de troca:

    Fonte: Forum Brasileiro de Economia Solidria. www.fbes.org.br

    3 A TECNOLOGIA COMO SIGNO & LINGUAGEM

    Tomar a tecnologia como signo o mesmo que reduzir ingenuamente o automvel forma

    cientfica da mquina automvel. No senso comum da sociedade ver a tecnologia como

    neutra, signo aparente. Entre os cientistas equivale moralidade de se aferrar ao modelo

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    10

    cognitivo que insiste em olhar apenas o signo (real) e da se aferrar neutralidade cientfica

    e ao determinismo tecnolgico (Dagnino, 2008, Feenberg, 1991).

    A enorme penetrao dos mecanismos e dispositivos artificiais na sociedade j afeta

    profundamente a viso da tecnologia. So tantos e mltiplos os significantes dos objetos,

    sistemas e mquinas que a luta se d noutro plano. Entre a moralidade das normas e valores

    diante da moralidade dos valores de troca.

    Estes ltimos tendem a levar de roldo as formas esclarecidas (no reprimidas) na esfera

    pblica da academia, das empresas e do governo, da sociedade civil que podero ajudar os

    movimentos sociais na busca de uma outra moralidade pragmtica para a tecnologia no

    mbito da tecnologia social (Dagnino et al, 2009). Superar a ingenuidade da tecnologia

    como

    signo tarefa do movimento social (Neder, 2008, 2006).

    A questo da moralidade da adequao sociotcnica reside a: quais as pontes (mtodos) e

    as conexes dinmicas (teorias) capazes de ligar o sujeito de conhecimento aos grupos

    sociais trabalhadores e excludos da sociedade? Trata-se assim da possibilidade de construir

    uma outra intersubjetividade do vnculo social do sujeito de conhecimento (pesquisadores e

    tecnlogos, produtores experimentadores ou inventores populares) com os agentes de base

    social. O primeiro passo nesta direo os coletivos de pesquisa nas universidades

    transitarem do unitarismo (trade cartesiana) para o pluralismo metodolgico (Neder,

    2006:263)

    CONCLUSO: AMBIENTES DE ADEQUAO SOCIOTCNICA

    H dois sentidos para esta expresso ambientes de adequao sociotcnica (ou AMAST).

    Trata-se do lado oculto da inovao oficial da economia das inovaes cujo padro de CT&I

    est fortemente atrelado aos ambientes empresariais tecnologicamente poupadores de mo-

    de-obra, vinculados a um modelo gerencial ou vertical de organizao, e dotados de altas

    afinidades com o monismo tecnolgico (Dagnino, 2009).

    Por ser contrria, necessrio que a tese do AMAST possua vantagens sobre o ambiente de

    inovao convencional. Assim, necessrio, a meu ver, trabalhar a articulao entre pluralismo

    tecnolgico e uma pedagogia da/para a adequao sociotcnica. Esta articulao se coloca

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    11

    como fundamental porque reside nela a possibilidade de construo de um modelo

    epistemolgico que sustente a articulao entre base cognitiva e prxis dos sujeitos sociais

    construtores de formas genricas ou universais de TS.

    Polticas de fomento aos sujeitos sociais no movimento pela TS tm como pressuposto a

    inseparabilidade entre pluralismo tecnolgico enquanto dialogia entre saberes cientfico e

    popular, e a questo socioconstrutivista do AMAST. Ambientes deste tipo possuem trs

    elementos estruturais de adequao sociotcnica (ver ao final Apndice 1 com o quadro

    completo); mas uma dimenso efetivamente mais estruturante do que as demais, e ela o

    interacionismo.

    Por interacionismo na AST entendo:

    (i) elaborao dos fundamentos da abordagem socioconstrutivista das relaes entre

    sujeitos do conhecimento-prxis - que pode ser provisoriamente, rotulada de produo

    sociocognitiva (inclui a dimenso intelectual e valorativa das tecnologias sociais);

    (ii) fundamentao de uma abordagem interacionista da adequao sociotcnica

    enquanto relao explcita entre ambiente social e a ontologia (condio ou situao

    existencial concreta) do sujeito social; e (iii) aprofundamento de uma abordagem mais

    especfica dentre a vasta famlia do interacionismo (pedaggico) derivada da teoria

    gentica do conhecimento como a micrognese da relao entre sujeito e materialidade

    mediada pelos instrumentos ou tecnologia (Vygotsky, 1991, 2003) .

    No Brasil a defesa da tecnologia social tem sido marcada pela ao, discurso e movimento

    concreto em torno de duas vertentes bsicas. A primeira trabalha a tecnologia como inovao

    sociotcnica gerada pelos sujeitos sociais especficos no seu territrio comunitrio e, portanto,

    como uma experincia que nasce em geral no circuito social e econmico das economias de

    vizinhana, onde moram as pessoas envolvidas.

    Nessa primeira acepo, a tecnologia no pode ser separada do sujeito social que lhe d

    origem caso, por exemplo, da famlia produtora na agricultura familiar, das comunidades

    extrativistas; dos coletivos nos assentamentos da reforma agrria, das cooperativas populares

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    12

    em favelas nas grandes cidades; das associaes dos povos riberinhos e populao do semi-

    rido, ou ainda das associaes que renem as mulheres-quebradeiras dos babauais no

    Nordeste brasileiro e, num limite mximo em todas as TPI terras de povos indgenas - onde

    a economia se dissolve nos laos da comunidade.

    Diante da necessidade de superar radicalmente o modo tradicional difusionista, vertical e

    gerencialista de inovao tecnolgica no qual a aplicao da tecnologia a um projeto prtico

    acaba por disseminar resultados que se prestam a outros projetos polticos (entre outros, o

    menos importante o de reproduzir pacotes tecnolgicos). Em geral este difusionismo faz dos

    sujeitos sociais nufragos deriva de outros projetos que nada tem de comunitrios ou de

    prtica social.

    A segunda vertente atribui tecnologia social a forma abstrata de metodologia, produto ou

    processo concreto que foi retirado da comunidade, ou saiu da concepo do pesquisador e

    da foi sistematizada e convertida em soluo ou modelo para problemas locais. Neste caso,

    embora a tecnologia tenha nascido de uma experincia ou pesquisa entre sujeitos sociais

    especficos parte-se da tentativa de reaplicar o modelo em escala ampliada, valendo-se das

    qualidades intrnsecas da tecnologia social. Tal o caso do programa brasileiro de tecnologia

    social para construo de cisternas fechadas para armazenar gua de chuva com base em

    solues que ampliam sua escala de reaplicao para milhares de pequenos produtores

    familiares no semi-rido (RTS, 2009).

    Outro caso o dos projetos premiados de Tecnologia Social pela Fundao Banco do Brasil

    Podemos chamar essa modalidade de suposio do sujeito na tecnologia social de `ontologia

    fictcia` (Lukcs, 1981, Lessa, 2007:58) porque baseada em metodologias-sem-sujeito-social

    mas ele/ela levemente pressentido como ncleo do signo. Na medida em que ainda que

    seja uma tecnologia com um produto acabado - que integra o circuito da reaplicao - no

    pode ser gerada sem um sujeito-que-inova.

    O que importa destacar que para a primeira vertente seu foco a construo sociotcnica

    pelo ou/e com o sujeito social. O objetivo bsico mobilizar/articular o fortalecimento da

    capacidade de auto-referncia do sujeito (micrognese) para abertura das indeterminaes

    - ou liberdade de tentativas - no seu processo de gerao de inovao sociotcnica para

    resolver seus problemas. No caso da segunda vertente, as inovaes sociotcnicas so

    postuladas como metodologia produto ou processo, passvel de ser reaplicada em qualquer

    comunidade.

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    13

    Podemos notar a partir de um conjunto de evidncias empricas entre centenas de casos das

    redes pblicas governamentais e civis (Economia Solidria, RTS, Incubadoras, Sebrae,

    MDA/MDS, SECIS-MCT) que ambas as vertentes (sujeito-que-inova e a metodologia-sem-

    sujeito) esto simultaneamente presentes nas experincias, polticas, arranjos institucionais,

    propostas, declaraes, editais, concepes educacionais e filosficas, polticas sociais do

    movimento de difuso da Tecnologia Social e da Economia Solidria no Brasil. Ambas

    dependem da ao de redes sociais, e da sua interao ou construo com as redes tcnicas,

    sob a forma de assistncia tcnica, quadros gestores, pessoal de nvel mdio e tcnico,

    agentes multiplicadores, professores, lideranas polticas que conhecem os problemas da

    difuso sociotcnica.

    O importante, me parece, aprofundar o interacionismo ou fomento s redes sociotcnicas

    como base de um futuro binmio entre tecnologia social/AST e uma forma especfica de

    instituio de mercado identificada hoje com a economia solidria.

    Quem dentre os arranjos institucionais, poder ser o melhor herdeiro desta massa crtica do

    movimento pela tecnologia social em futuro prximo? Creio que o principal protagonista sero

    as incubadoras tecnolgicas de cooperativas populares, com forte vocao para expandir a

    essencia da AST entre outras redes tcnicas. A essncia da AST a identificao do grau de

    adeso ou aderncia das redes sociotcnicas ao binmio TS/ES (o que se aplica tanto para as

    aes, programas e polticas na vertente da metodologia-sem-sujeito, quanto nas similares sob

    a abordagem do sujeito-que-inova).

    Contrariamente moralidade da tecnologia enquanto signo, argumento que h necessidade

    de fomentar o conhecimento das questes histricas prprias de coletivos de pesquisa

    especficos, interpelando cientistas e engenheiros envolvidos nas reas especialistas

    colocando-lhes as dimenses da tecnologia como valor de troca e como normas e valores.

    A ttulo de hiptese, podemos partir do princpio de que h coletivos de pesquisa que

    adotam (radicalmente ou no) o monismo tecnolgico entendido como a viso de cincia que

    se basta a partir da clssica trade cartesiana racionalismo, empirismo e materialismo cientfico.

    Essa postura est epistemologicamente fundada em teorias realistas e construtivistas ou anti-

    realistas que tomam a tecnologia sob a correspondncia do signo. Integrantes de outro

    coletivo de pesquisa, contudo, podem ter viso mais abrangente e adotar uma postura tpica

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    14

    do pluralismo metodolgico, no qual as metodologias hermenuticas como o estruturalismo, a

    fenomenologia e a psicanlise so articuladas trade cartesiana 3.

    Cabe sugerir uma auto-crtica do movimento pela tecnologia social: as confluncias entre

    interdiscplinaridade e interacionismo deixa de fora reas inteiras de confluncia de saberes!

    Tal o caso do movimento indgena brasileiro. Aqui ao invs de aumento da

    interdisciplinaridade, temos o oposto: o movimento no foi capaz de estabelecer uma

    interlocuo clara pela superao da expropriao pelo campo cientfico dos saberes

    tradicionais indgenas (Santos, 2005:125-62).

    A barreira imposta pelo regime disciplinar ou cognitivo talvez o que mais tem excludo tais

    experincias das polticas cientficas e tecnolgicas. Por que so to poucas as referncias no

    movimento pela TS identificveis como tentativas de interagir com os atores e sujeitos do

    movimento indigenista no Brasil?

    Se um movimento que se inscreve na luta em torno da descolonizao da Amrica Latina, no

    se pode entender esta ausncia. Isto tem assumido um vis circular: a dimenso cognitiva

    envolvida na lgica e racionalidade tcnica da pesquisa cientfica exclui a possibilidade de

    operar com outros diferentes tnicos e com a autonomia e autogesto de suas economia de

    vizinhana. Com os demais sujeitos potenciais do movimento o desafio no menor ao que se

    coloca ao movimento indgena; tambm o operrio e sindical, ambientalistas e feministas,

    defesa de identidades tnicas e lutas anti-racistas enfrentam o mesmo problema: a auto-

    gesto ameaa a moralidade da tecnologia como signo.

    Por que? Provavelmente porque olhar a tecnologia como signo (objeto cientfico) seja uma

    forma prtica de endossar a moralidade da competncia tcnica na poltica e no mercado.

    O argumento j tornado clssico pelos que se ope ao interacionismo e interdisciplinaridade

    o mesmo que nega a possibilidade da auto-gesto. Pelo fato de que o poder de deciso

    deve ser entregue a quem tem competncia (especialista) cuja autoridade no pode ser

    contestada pelos trabalhadores ou base social.

    Mas gerentes e executivos em geral se deparam com um paradoxo: a construo da

    competncia s pode ser adquirida pela experincia vivida; quando uma nova empresa

    3 Sobre monismo e pluralismo metodolgico cf. Prigogine,1990. Sousa Santos, 1989 Cupani, 1985 Freire-Maia, 1991. Bateson, , 1979. Japiassu, 1978., Var. Aut. (1995); Bollmann. e Barella 2001; Neder, 2006.

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    15

    capitalista formada a sua direo entregue em geral a quem demonstrou grande

    capacidade frente de outras empresas (...)em ramos e lugares completamente diferentes

    (Singer, 2203:21).

    A gesto democrtica plenamente compatvel com o emprego da competncia cientfica; os

    detentores desta competncia no precisam ter autoridade mas capacidade de formular

    alternativas e explicar prs e contras a quem tem autoridade, que na empresa solidria a

    assemblia de scios ou de quem decide por ela. Alias algo semelhante ocorre na empresa

    capitalista. L a autoridade no do especialista, mas do grupo controlador do capital

    acionrio ou de quem fala por ele. (ib.id. pag.21).

    A teoria da adequao sociotcnica, a exemplo de outras abordagens anlogas sobre a

    importncia da dominao e da alienao nos ambientes de trabalho, tem destacado que

    por meio do tipo de controle que se faz dominante a disjuntiva entre o interacionismo e a

    interdisciplinaridade cientfica/saberes populares na medida em que o que est em jogo nem

    a propriedade privada, mas o controle sobre o processo de trabalho e da introduo da

    tecnologia neste processo (Dagnino, 2009:74-75).

    Tal como a questo operria no passava, pelo discurso oficial, de um problema policial de

    desordeiros contra a ordem pblica na primeira metade do sculo XX, talvez estejamos

    assistindo algo semelhante no sculo XXI no tocante ao rechao moralidade da gesto da

    tecnologia. Hoje, empresas privadas e pblicas sob a ordem capitalista fazem da gesto

    tecnolgica caixa preta com o argumento de o assunto ser privado. Porm, a gesto

    tecnolgica j ultrapassou tal limite sob o capitalismo, ou mesmo, nunca esteve subordinado

    esfera privada na verdade, porque a tecnologia modifica a vida pblica tanto quanto a

    produtividade das empresas e destas para as grandes tecnoestruturas pblicas e sociais

    (transportes e comunicaes, energia e fluxos de abastecimento de alimentos, aglomerao e

    controle das massas, mdia e entretenimento etc.). No h substancial diferena entre a

    produtividade na empresa, e a das grandes tecnoestruturas sociais. Assim, argumenta-se que

    a gesto tecnolgica adota solues privadas, certo; porm suas conseqncias so

    pblicas.

    Isto nos lembra o dito atribudo ao popular filsofo brasileiro do senso comum, Baro de

    Itarar: no Brasil, a vida pblica , muitas vezes, a continuao da vida privada!

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    16

    BIBLIOGRAFIA

    ANTEAG Auto-gesto e economia solidria. Uma nova metodologia. Vol 2. Braslia-Secretaria de Polticas Pblicas e Emprego-Tem. 2005 ANTUNES, Celso Resilincia a construo de uma nova pedagogia para a escolha pblica de qualidade. Petrpolis/RJ:Vozes, 2007, ABRANTES, Paulo Imagens de natureza, imagens de cincia. Campinas/SP: Papirus, 1998 BATESON, Gregory Mind and Nature A necessary unity. Nova York: Dutton, 1979. BOSCHETTI, I. et al. Poltica social no capitalismo: tendncias contemporneas. So Paulo:Cortez, 2008 CENTRO JOSUE DE CASTRO. Polticas pblicas em economia solidria reflexo da rede de gestores. Recife:Ed. Universitria UFPE, 2008 GIANELLA, Valeria Base terica e papel das metodologias no convencionais para a formao em gesto social. Canado. A. Cardoso. Et al. Os desafios da formao em gesto social. Palmas/To: Proviso 2008. BLOOR, David. Knowledge and Social Imagery. Chicago: University of Chicago Press, 1991, pp. 175-79 BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. Traduo Zulmira Ribeiro Tavares. So Paulo: Perspectiva, 2002. BANCO PALMAS Bancos comunitrios de desenvolvimento uma rede sob controle da comunidade. Palmas/Fortaleza:Bco. Palmas, 2008 BOLLMANN H. e BARELLA - Indicadores ambientais: conceitos e aplicaes. So Paulo: Educ/Comped/Inep 2001 (pp. 15-46). CANADO, A. Cardoso Incubao de Cooperativas Populares metodologia dos indicadores de desempenho. Palmas/TO: Incobdora Pop. Universidade Federal Tocatins. CASTILHO, Fausto O conceito de universidade no projeto da Unicamp. Reflexes sobre os antecedentes da instituio e O Memorando Humboldt e a universidade moderna. Campinas: Ed. Unicamp, 2008. CUPANI, Alberto. (1985) A crtica do positivismo e o futuro da filosofia. Florianpolis: UFSC. (Cap.1 A teoria positivista da cincia. 13-27). FUNDAO BANCO DO BRASIL. Tecnologia Social. Solues para o Desenvolvimento sustentvel. Brasilia:FBB, 2009. DAGNINO, Renato. Neutralidade Cientfica e Determinismo Tecnolgico. Campinas: Ed. Unicamp, 2008 DAGNINO, R. et al. Tecnologia Social, ferramenta para construir outra sociedade. Campinas: Ed. Unicamp, 2009. DAGNINO, R. THOMAS, H. Planejamento e Polticas pblicas de inovao: em direo a um marco de referncia latino-ameircano. IPEA. Planejamento e Polticas Pblicas. PPP. Numero 23. junho 2001 DAGNINO, Renato Ciencia e tecnologia no Brasil: o processo decisrio e a comunidade de pesquisa. Campinas: ed. Unicamp. 2007 DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil plats: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995 DELEUZE. 1981) G. Sur la difference de lthique avec une morale. Paris: Minuit, 1981 FERRY, Luc - Homo Aestheticus. A inveno do gosto na era democrtica. Coimbra: Almedina, 2003: 173 FEENBERG, Andrew. Transforming Technology- A critical theory revisited. N.York. Oxford University Press. 2002 FEENBERG, Andrew. Critical theory of technology. New York/Oxford: Oxford Univ. Press. 1991 FREIRE-MAIA, Newton A cincia por dentro. Petrpolis: Vozes. 1991. JAPIASSU, Hilton Nascimento e morte das cincias humanas. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1978. LACAN, J. Escritos. So Paulo:Perspectiva, 1978 LACEY, Hugh. Valores e atividade cientfica. So Paulo:Fapesp/Discurso Editorial, 1998:21 LATOUR, Bruno. Science in Action. Cambridge: Harvard University Press, 1987.LATOUR, B. Reflexo sobre o culto moderno dos deuses f(i)tiches. So Paulo:Edusc. 2002:15. LESSA, Sergio Para compreender a ontologia de Lukcs. Iju-RS: Ed. Uniju. 2007. LUKCS Sociologia. Antologia. Coleo Grandes Cientistas Sociais. SP:Atica, 1981. MARCUSE, Herbert. Tecnologia, Guerra e Fascismo. So Paulo:Unesp, 1999 NEDER, R.T. Redes sociotcnicas e inovao social para sustentabilidade das guas urbanas. So Paulo: Ed. Malhuy. 2008. NEDER, R.T. Estado e Sociedade Civil diante da nova economia solidria no Brasil (qual governana e constrolabiolidade?) Revista TCMRJ n. 39 - setembro 2008.

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    17

    NEDER, R.T. Algumas hipteses terico-metodolgicas sobre protocolos de valor para a pesquisa social com coletivos tecnocientficos. In Paulo Roberto Martins (org.) Nanotecnologia sociedade e meio ambiente. So Paulo: Xam, 2006: 263-284 PAES, Ana Paula de A administrao publica brasileira entre o gerencialismo e a gesto social. 36 RAE VOL. 45 N1. 2005 REDE TECNOLOGIA SOCIAL RTS. Banco de Pautas 2. Conferncia Internacional de Tecnologia Social e 2. Forum, Nacional de Rede de Tecnologia Social. Braslia. 13-17 abril 2009. (Servio de press-release). Mimeo. SAUSSURE, Ferdinand de - Curso de lingustica geral. So Paulo: Ed. Cultrix. 1987. TOURAINE, Alain e KHOSROKHAVAR, Farhad. A busca de si: dilogo sobre o sujeito. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. PRIGOGINE, I. O nascimento do tempo. Lisboa:Edies 70. 1990. SINGER, P. SOUZA, Andr R. A economia solidria no Brasil. So Paulo:Contexto, 2003 SOUSA SANTOS, Boaventura Introduo a uma cincia ps-moderna. So Paulo: Graal: 1989 VAR. AUT. (1995) Do caos inteligncia artificial.seo: "Paul Feyerabend um anarquista na cincia". So Paulo: Ed. Unesp, (96-104) VEAK, Tyler (org) Democratizing Technology. Andrew Feenbergs Critical Theory of Technology. VYGOTSKY, L. S. A Formao Social da Mente. So Paulo: Martins Fontes, 1991. VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedaggica: edio comentada. Porto Alegre: ARTMED, 2003.

  • COLOQUIO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAO SOBRE FORMAO DE PROFESSORES. ETAPA III: TECNOLOGIAS SOCIAIS, FORMAO DE PROFESSORES E COMPARTILHAMENTO DE

    SABRES FACULDADE DE EDUCAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA

    Ctedra da Unesco UNB 13 de novembro 2009

    18

    APENDICE 1 - TRIP BSICO AST (D1+D2+D3) E QUATRO AMBIENTES

    D1 D2 D3 TRIPE AST &

    AMBIENTES INTERACIONISMO COMO

    DIMENSO DE APRENDIZADO E AUMENTO DA

    CAPACIDADE GRUPO POPULAR TRANSFORMAR

    REALIDADE

    AUTOGESTO COMO ORGANIZAO

    SOCIAL

    FORMAS TECNOLOGICAS

    MULTIPLICADORAS

    Quadrante

    1 x D1

    Quadrante

    1 x D2

    Quadrante

    1 x D3

    1. REGULAO COGNITIVA Aumento da

    interdisciplinaridade cognitiva entre

    conhecimento cientfico e saberes populares

    1

    2

    3

    Quadrante 2 x D1

    Quadrante 2 x D2

    Quadrante 2 x D3

    2. REGULAO DAS NORMAS TCNICAS

    (padronizao de produtos, produtos/processos,

    sistemas) 4 5 6

    Quadrante 3 x D1

    Quadrante 3 x D2

    Quadrante 3 x D3

    3. REGULAO DAS FORMAS ECONOMICAS AUTOGESTIONRIAS

    7 8 9

    Quadrante

    4 x D1

    Quadrante

    4 x D2

    Quadrante

    4 x D3

    4. REGULAO DA MOBILIDADE DE TRABALHO

    TCNICO-CIENTFICO TRABALHO DOS SABERES

    POPULARES (pesquisadores e produtores) 10 11 12