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As cantigas galego-portuguesas medievais 1. CANTIGAS LÍRICAS 1.1 Amor Surgiram no sul da França, na região de Provença. Expressam o sentimento amoroso do trovador que se coloca a serviço da mulher amada (vassalagem amorosa). Aqui, o amor se torna tema central do texto poético, deixando de ser pretexto para a discussão de outros temas. Mas é um amor não realizado, não correspondido, que fica sempre em um plano idealizado; o homem sofre interiormente (coita d’amor). E de outro modo não poderia ser, pois a mulher amada se encontra socialmente afastada do poeta: é a senhora, esposa do senhor feudal. São cantigas que espelham a vida na corte por meio de forte abstração e linguagem refinada. Eu- lírico masculino. Avaliadas em comparação com o cansó provençal e pela repetição do tema da coita amorosa. Uso de recursos retóricos para expressar a antítese, os paradoxos e oximoros: a tensão de contrários (meu bem meu mal, ao mesmo tempo). Textos escritos sob o contexto moral da Igreja Católica.

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Page 1: As cantigas galego-portuguesas medievais · As cantigas de amigo são um fenômeno autóctone da cultura galego-portuguesa. Essas cantigas contavam com o louvor do público e da crítica,

As cantigas galego-portuguesas medievais

1. CANTIGAS LÍRICAS

1.1 Amor

Surgiram no sul da França, na região de Provença. Expressam o sentimento amoroso do

trovador que se coloca a serviço da mulher amada (vassalagem amorosa). Aqui, o amor se

torna tema central do texto poético, deixando de ser pretexto para a discussão de outros temas.

Mas é um amor não realizado, não correspondido, que fica sempre em um plano idealizado; o

homem sofre interiormente (coita d’amor). E de outro modo não poderia ser, pois a mulher

amada se encontra socialmente afastada do poeta: é a senhora, esposa do senhor feudal. São

cantigas que espelham a vida na corte por meio de forte abstração e linguagem refinada. Eu-

lírico masculino.

Avaliadas em comparação com o cansó provençal e pela repetição do tema da coita amorosa.

Uso de recursos retóricos para expressar a antítese, os paradoxos e oximoros: a tensão de

contrários (meu bem meu mal, ao mesmo tempo).

Textos escritos sob o contexto moral da Igreja Católica.

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1.2 Amigo

Nasceram no território português e constituem um vivo retrato da vida campestre e do

cotidiano das aldeias medievais na região. Embora compostas por homens, procuram

expressar o sentimento feminino por meio de pequenos dramas e situações da vida amorosa

das donzelas, geralmente as saudades do namorado que foi combater contra os mouros, a

vigilância materna, as confissões às amigas. Há nessas cantigas uma forte presença da

natureza, sua linguagem é simples e sua estrutura apropriada ao canto e à transmissão oral;

apresenta refrão e versos encadeados e repetidos ou ligeiramente modificados [paralelismo].

As cantigas de amigo são um fenômeno autóctone da cultura galego-portuguesa.

Essas cantigas contavam com o louvor do público e da crítica, pois apresentam maior

flexibilidade formal e uma feição mais popular. Além disso, encontramos uma liberdade no

uso da imaginação.

Estima-se que a origem do fingimento pessoano esteja já nas cantigas de amigo, em que o

sujeito poético é já um outro.

2. SATÍRICAS

2.1 Escárnio e Maldizer

Reúnem a produção satírica e maliciosa da época. Enquanto as de escárnio são críticas e suas

ironias feitas de modo indireto, as de maldizer, utilizando linguagem mais vulgar, às vezes

obscena, referem direta e nominalmente suas personagens. Os temas centrais destas cantigas

são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente e que

nos lembram os desafios de nossa literatura de cordel, as intimidades de alcova, a covardia ou

a falta de jeito de alguns cavaleiros, as mulheres feias, entre outras questões.

Essas cantigas vieram à lume apenas no século XX, pelas mãos de Rodrigues Lapa, e tiveram

imediato prestígio. Apresentam um caráter sócio histórico acentuado. Larga presença do

cômico, da ironia e do riso debochado como modus operandi da ambiguidade.

Cantiga de Amor

• Origem provençal;

• Eu-lírico masculino;

• Objeto desejado: dama, “a

senhor”;

• Ambiente palaciano

(aristocrático);

• Homem submisso à vassalagem

amorosa.

Cantiga de Amigo

• Origem galego-portuguesa;

• Eu-lírico feminino;

• Objeto desejado: o amigo;

• Ambiente campestre;

• Mulher sofre pelo amigo que

está ausente.

Cantiga de Escárnio

• Destinatário da sátira velado.

Cantiga de Maldizer

• Destinatário da sátira nomeado.

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Da Arte de trovar:

“[...] porque sabede que, se eles falam na prim[eir]a cobra e elas na outra, [é

d']amor, porque se move a razom dele, como vos ante dissemos; e se elas falam

na primeira cobra, é outrossi d'amigo; [...]”

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(pró-Mendinho)

Na ermida

de São Simeão

dar-te-ei

a minha mão

meu barqueiro

Adília Lopes, in Sete rios entre campos (1999)

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Nas ondas

do mar de Vigo

tomo banho

com o meu amigo

Adília Lopes, in Sete rios entre campos (1999)

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