as dinÂmicas e modalidades dos aliciadores no … · fronteiras por simbolizarem a real expressão...
TRANSCRIPT
AS DINÂMICAS E MODALIDADES DOS ALICIADORES NO TOCANTE AO
TRÁFICO E MIGRAÇÃO DE PESSOAS NA FRONTEIRA DO ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL: UMA ANÁLISE JURÍDICA SOB A ÉGIDE DOS
DIREITOS HUMANOS
Rafael Furquim Silva1
José Manfroi 2
RESUMO: O tráfico de pessoas é uma realidade inconteste em pleno século XXI. Perpassa as relações nas
fronteiras do Estado de MS, e em outros Estados. As maiores vítimas desse “holocausto moderno”
são os grupos em situação de maior instabilidade econômica e social. Em Mato Grosso do Sul,
especialmente nas regiões de fronteira com Estados vizinhos, por apresentar cenário de abertura as
possibilidades, isto é, as oportunidades dentro da conjuntura social e econômica dessas pessoas, as
vítimas, que planejam e sonham alcançar melhores condições de vida há muitos anos, bem como as
fronteiras por simbolizarem a real expressão de alternativas que se evidenciam nas relações entre
pessoas e o nascedouro de possibilidades ao almejado em um horizonte de experiências, nessa
conjuntura, atuam os chamados aliciadores que com propostas maliciosas, sedutoras e muitas vezes
extremamente irrecusáveis, atraem pessoas em situação de maior vulnerabilidade social e econômica
para as teias da desumanidade, temos o que chamamos de negação do eu, uma negação ontológica,
a dispensa da alteridade. Nesse sentido, transgridem as esferas da moral, da ética e da lei, esmagam
princípios vultosos e insignes como o da dignidade da pessoa humana que constitui um valor
essencial, oriundo das garantias fundamentais assegurada pela Constituição Federal de 1988. São
atos que substituem a própria condição do diferente e ao mesmo tempo igual, pessoa, por um valor
a mais na escala da balança do tráfico, quando o ser humano, nas suas diversas faces é transformado
em mercadoria, pronta para ser comprada, vendida, usada e, fundamentalmente descartada.
Palavras-chave: Tráfico de pessoas; Aliciadores; Dignidade da Pessoa Humana; Fronteiras do
Estado de MS.
1 Graduado em Filosofia, acadêmico de Direito da Universidade Católica Dom Bosco, pós-graduado latto sensu
em Psicanálise e Clínica Lacaniana, pesquisador bolsista do Programa de Iniciação Científica PIBIC/ CNPQ /
UCDB, no projeto intitulado “Análise do Tráfico e Migração de Pessoas na Fronteira de Mato Grosso do Sul:
Dinâmicas e Modalidades”, coordenado pelo professor Doutor José Manfroi. E-mail:
[email protected]. 2 Graduado em Filosofia (FUCMT/MS), Mestre em Educação (UFMS) e Doutor em Educação
(UNESP/Marília/SP). Professor pesquisador e orientador nos programas de pós-graduação stricto sensu e lato
sensu da Universidade Católica Dom Bosco e Professor no Curso de Direito da Universidade Católica Dom
Bosco; Pesquisador e orientador no PIBIC/UCDB/CNPQ. E-mail: [email protected].
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
2
1. INTRODUÇÃO
O presente projeto de pesquisa buscará averiguar, mediante a pesquisa de caráter
bibliográfica e documental, a efetuação analítica para entendimento maior no que concerne
a temática do tráfico de pessoas e da migração na fronteira do Estado de Mato Grosso do
Sul, sobretudo, analisando fundamentalmente as dinâmicas e modalidades dos chamados
aliciadores.
Por sua vez, semelhante estudo concentrar-se-á no tocante ao modo operacional
desses agentes, sobretudo, o papel desempenhado pelos mesmos no que se refere as
modalidades de aliciação para atividades ilícitas e em desacordo com os direitos humanos,
tais como, exploração sexual, trabalho forçado, atividades relacionadas ao âmbito do tráfico
de entorpecentes, bem como a extração de órgãos dessas vítimas para fins de
comercialização.
Nesse sentido, faz-se necessário um estudo com o escopo de Identificar as
dinâmicas e modalidades dos aliciadores no tocante ao tráfico e migração de pessoas na
fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul sob a perspectiva dos direitos humanos, bem
como as suas características peculiares, de modo a analisar e entender a relação latente dessa
problemática no que concerne à sociedade, produzindo conhecimentos para maior
entendimento da questão, compreendendo o comportamento dos aliciadores de modo
procurar estabelecer parâmetros no que diz respeito ao seus modos de atuação, bem como
examinar as metodologias apropriadas e utilizadas pelos aliciadores no que concerne ao
tráfico e migração.
A pesquisa possui alta relevância social, pois tem como foco grupos populacionais
com grande vulnerabilidade, caracterizados por sua procedência geográfica, sejam
brasileiros ou, em especial os bolivianos e paraguaios; por sua etnia e raça, como é o caso
da população indígena e afrodescendente; por identidade de gênero; por serem mulheres,
crianças e adolescentes, que realizam atividades migratórias na extensa fronteira do Estado
do Mato Grosso do Sul, geralmente em busca de trabalho e acabam se tornando potenciais
vítimas de violação de direitos e de tráfico de pessoas.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
3
2. DO TRÁFICO E MIGRAÇÃO DE PESSOAS EM CARÁTER GERAL
O tráfico de pessoas é uma realidade inconteste em pleno século XXI. Perpassa as
relações de trabalho nas fronteiras do Estado de MS, e em outros Estados brasileiros. As
maiores vítimas desse “holocausto moderno” são os grupos em situação de maior
instabilidade no que tange ao aspecto econômico e social.
Algumas vezes são vitimadas por falsas propostas de emprego e melhores
condições de vida salarial, fato este que, em decorrência de sua situação e o anseio de ter
uma vida melhor, acabam por serem servos desse sistema repulsivo.
Frente a isso, a questão da dignidade da pessoa, e tendo a dignidade como o valor,
o bem jurídico mais fundamental sob a tutela do Direito, razão pela qual este só existe em
razão mesma do fato da existência do ser humano para com aquele.
Assim, o tráfico viola frontalmente a dignidade humana atingindo milhões de
vitimas em países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo considerado o crime do
século XXI, “a escravidão moderna”, tendo recebido preocupação da comunidade
internacional em especial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
A República Federativa do Brasil firmou compromisso internacional para coibir a
prática do trafico de pessoas em seu território. Entre os tratados internacionais destacam-se
o Protocolo de Palermo – Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional e a
Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, esta trata “das piores
formas de trabalho infantil”, dentre as quais, temos a exploração sexual infantil. Em âmbito
interno tem-se a alteração da legislação penal brasileira, através da Lei 12.015, de 7 de agosto
de 2009, que tipificou no art. 231 e 231-A, o Trafico Internacional e Interno de Pessoas no
Brasil e a edição do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – II PNETP.
A necessidade de “produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento
sobre o tráfico de pessoas” foi reconhecida como a Linha operativa de n. 4, do II Plano
Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – II PNETP, conforme Portaria n. 634, de
25 de fevereiro de 2013. Dentro da Linha operativa tem-se a Atividade 4.A:
Apoiar, financiar, desenvolver e disseminar diferentes tipos de pesquisas
em parceria com organizações da sociedade civil e Instituições de Ensino
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
4
Superior - IES sobre o tráfico de pessoas e sua relação com situações de
violação de direitos ou vulnerabilidade, com atenção às diferentes
dinâmicas nacionais e internacionais, de forma a subsidiar ações e políticas
públicas.
Sabemos que o tráfico de pessoas se encontra relacionado ao fenômeno da migração
de pessoas que é mais intensa em regiões de fronteira.
A faixa de fronteira brasileira compreende os 150 km de largura paralelos à linha
divisória terrestre do território nacional e abrange 588 (quinhentos e oitenta e oito)
municípios, sendo que 12 (doze) deles se encontram em Mato Grosso do Sul (MS). Há
predomínio de fronteira seca e em boa parte da extensão existem áreas urbanas próximas ou
contíguas com os países vizinhos, situação que facilita o trânsito de pessoas e por
conseqüência atividades migratórias (CABALBO, 2013).
As fronteiras se apresentam como expressão de possibilidades que se configuram
nas relações humanas como fonte de alternativa ao desejável e que tem nesse espaço
peculiaridades nas experiências vivenciadas que justificam um olhar apurado para as
relações que nelas se edificam. Claude Raffestin (1993) pontua a importância de entender
as funções e efeitos desse espaço como zona de contato e limite bem definidos, mas, também,
como espaço que está para além de uma concepção puramente espacial de divisão de
territórios, compreendendo aspectos da dimensão organizacional humana. Nesse sentido
Ferreira (2016, p. 08) pontua que:
As quadrilhas de tráfico humano (redes criminosas que traficam seres
humanos) lucram até US$30 mil por pessoa aliciada. No ano, o montante
chega a US$ 9 bilhões.Hoje, o tráfico de seres humanos só perde em
rentabilidade para o comércio ilegal de drogas e armas, porém, o estudo
afirma que a venda de seres humanos é geralmente administrada por
criminosos associados aos entorpecentes, segundo o UNODC.Para ilustrar
o problema, a ONU fez uma comparação com o combate ao narcotráfico e
constatou que a maioria dos países prioriza essa atividade, enquanto a luta
contra o tráfico humano é negligenciada. Isso torna o problema cada vez
mais grave em todo o mundo. Em 2006, foram resgatadas
apenas 21.400 vítimas de tráfico humano, o que não chega a 1% das 2,5
milhões de pessoas vítimas desse crime.
Dessa maneira, observar e compreender o crime do tráfico de pessoas considerando
componentes de gênero, raça/etnia, sexualidade, aspectos culturais, sociais, econômicos e
históricos é primordial no diagnóstico das realidades construídas nas fronteiras por seus
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
5
viventes, pelos migrantes que nesse espaço transitam, pois esses são aspectos que
determinam a incidência de específica modalidade do tráfico de pessoas por região.
Nessa ótica, faz-se necessário compreender o perfil dos agentes que facultam essa
realidade no tocante ao tráfico de pessoas na fronteira.
3. DAS DINÂMICAS E MODALIDADES DOS ALICIADORES
Compreender o modo de agir dos aliciadores é compreender mais do que seus
métodos próprios e específicos de cada um desses agentes, mas é entender os seus próprios
perfis englobados num perfil comum a todos em caráter geral. Desse modo, segundo
Pedroso (2015, p. 03):
Os aliciadores agem de acordo com a exigência do cliente, que é muito
variável, a tal da lei da oferta e procura. Entre 2006 e 2007, por exemplo,
ocorreu o "ciclo das goianas". Os criminosos procuravam por morenas com
traços indígenas. “No ano passado, a procura foi maior no Amazonas, por
índias, e eles vão trocando rapidamente os ciclos. Se a PF e o governo
fecham o cerco na região onde os aliciadores estão agindo, eles trocam de
lugar[...] Além disso, a preferência varia de acordo com o país. Segundo
Aparecida, os italianos gostam de travestis. Os espanhóis gostam mais das
morenas de Goiás. Alemães gostam mais das nordestinas. A cada
quadrilha, a cada aliciador, um perfil de mulher diferente.
Percebe-se a completa diversificação tanto do modus operandi quanto do perfil das
vítimas as quais são o verdadeiro escopo desses agentes do crime.
Entendemos que existe sempre um interesse primeiro latente, um interesse maior,
de caráter econômico, financeiro, força motriz desses fenômenos.
Segundo Pedroso, (2015, p. 03) É bem verdade que existe uma imensa teia de
aliciamento, porém, cada aliciador possui uma metodologia particular, o que nos leva a
pensar em determinados parâmetros comuns que se inter-relacionam.
Assim sendo, os aliciadores para Pedroso (2015, p. 03):
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
6
Usam pessoas que foram aliciadas como iscas. “Investem para que a pessoa
que viajou mostre que se deu bem na vida. Daí, ela vem para o Brasil e
leva outras pessoas da própria família.”
Na abordagem dos aliciadores, as mulheres, que desconhecem o risco do
tráfico, aceitam o trabalho. Mas, na verdade, elas aceitam ser prostitutas,
até porque em muitos países, a prostituição não é crime. “Elas pensam: ‘Eu
tô indo para fazer programa, para dançar em boate’, mas o que encontra
vai muito além disso.
Propostas maliciosas e ao mesmo tempo extremamente sedutoras que atraem
pessoas em situação de maior vulnerabilidade social e econômica para as teias da
desumanidade. Tais vítimas, ao se darem conta, tomarem consciência que na realidade não
se trata de algo conforme esses (aliciadores) haviam prometido, não possuem outra
alternativa, a não ser seguir as ordens a elas imputadas, o que caracteriza a exploração. No
que tange ao itinerário do tráfico, Ferreira (2016, p. 03) entende que:
As principais rotas do tráfico de brasileiras para os Países Baixos partem
da região amazônica, com escala no Suriname, país que faz fronteira com
os estados do Pará e Amapá. Um relatório da ONG Fórum da Amazônia
Oriental revela que das 241 rotas de tráfico de seres humanos identificadas
no Brasil, 76 passam pela região Norte.
Para Pedroso (2015, p. 04) a maior parte das vítimas são mulheres, cerca de 80%,
as quais em sua maioria são jovens, bonitas e em situação socio-econômica muito instável,
sendo assim, presas muito fáceis e demasiadamente prediletas dos assim chamados
aliciadores.
Desse modo, acreditando que irão mudar de vida, para melhor, e seduzidas por
promessas irrecusáveis a primeira vista, tais como bons empregos e salários autos, acabam
caindo num imensurável estratagema, muito bem planejado, estudado em grande parte por
uma organização criminosa envolvida.
Cabe ressaltar que Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 44% das
potenciais vítimas do temerário desumano tráfico são alvos de exploração sexual, sendo que um
percentual de 32% são aliciadas para exploração no trabalho, além disso 25% sofrem com a
combinação dos tipos de exploração. Ainda segundo a OIT, ao menos a metade dessas vítimas de
tráfico é menor de 18 anos de idade.
Vítimas de sedutoras propostas realizadas na maioria das vezes por homens,
pessoas de boa instrução, bem como boa condição econômica, sendo, portanto, empresários
ou apresentam-se como proprietários de agências de modelos, dentre outros.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
7
Assim, faz-se necessário precisar que o tráfico de pessoas infringe os direitos
fundamentais da pessoa humana e desse modo, é imprescindível uma análise pormenorizada
do modus operandi desses agentes que facultam e mantêm esse fenômeno apresentado.
Sabemos que os aliciadores não agem sozinhos, pelo contrário, agem de forma
muito bem organizada, pois são na maioria das vezes uma organização criminosa, e dessa
forma, estão muito bem estruturados e sabem o que fazem.
Assim, conhecem o perfil de suas vítimas, e dessa forma, analisam cada passo a ser
tomado. São notórios por sua malícia, enganadores e dissimulados, comunicativos e
excepcionalmente cativantes. Seduzem suas vítimas em potencial, de modo a fazer com que
as mesmas sejam presas nessa caçada de pessoas para a ilicitude.
São verdadeiros profissionais, atuam com precisão e experiência, já são
acostumados com a enganar pessoas, sejam mulheres, crianças, adolescentes e homens, para
diversos fins, entre eles, o trabalho análogo ao escravo, exploração sexual, tráfico de órgãos
e de drogas.
Possuem consciência que praticam atos ilegais, mas não se intimidam com qualquer
situação, apesar de temerem ser descobertos, por isso agem com cautela, planejando muito
bem suas ações.
As propostas maliciosas e sedutoras são inúmeras, apenas para citar um exemplo,
podem ser prometidas remunerações altíssimas semanais, apartamentos de luxo, conforto,
fama, mas tudo depende de caso específico. Conforme Dias (2016, p. 02) segundo o
Procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF da cidade de São Paulo: “Os
aliciadores oferecem grandes chances para quem sonha ser modelo. Como temos algumas
brasileiras bem-sucedidas, a pessoa se ilude, e as conseqüências são gravíssimas”. Esse é um
dos pequenos exemplos de estratagemas utilizados por esses grupos.
3.1. DO PERFIL DOS ALICIADORES
Na sua maior parte são do sexo masculino com idade acima dos 30 anos, o que
favorece a confiança das vítimas. Apesar de a grande parte ser constituída por homens, existe
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
8
também um grande percentual de mulheres envolvidas. São pessoas que transmitem
confiança e seriedade, parte majoritária é casada ou com vínculo de união estável.
Grande parte dos aliciadores possui formação superior ou média, são empresários,
geralmente com grande poder aquisitivo, agem principalmente em casas de Shows,
comércios e quiosques, entre outros lugares propícios.
3.2. DO PERFIL DAS VÍTIMAS
No que tange ao perfil das vítimas, para Sammartano (2016, p. 02) é sabido que em
sua grande maioria são mulheres, por apresentarem maior vulnerabilidade e de acordo com
a faixa etária compreendida entre 18 e 21 anos, isso na sua grande maioria, o que de fato não
exclui a possibilidade, em outras situações de mulheres com outras idades também serem
vítimas.
Quanto às vítimas, Sammartano (2016. p. 02) entende que:
Elas são jovens, solteiras, afrodescendentes, com baixa escolaridade e
sonham com uma vida melhor. Esse é o perfil das brasileiras vítimas do
tráfico de seres humanos na Holanda. Atraídas por promessas de emprego
e bons salários, a maioria das mulheres acaba sendo obrigada a servir às
redes de prostituição.
Ainda assim, no que se refere a elas, parte majoritária delas são solteiras, o que
justifica a disponibilidade para saída para outros Estados e, nota-se uma variação no que
tange ao grau de instrução escolar, grande parte são pessoas de baixa escolaridade ou até
mesmo nenhuma.
A maioria das vítimas é levada para outros Estados do território nacional ou para
países latinos. Nesses locais, as vítimas permancem distantes de suas famílias, sem qualquer
tipo de contato, tendo que se submeter às ordens de traficantes e exploradores sexuais, uma
realidade de vida completamente deplorável.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
9
4. RELAÇÃO COM O TRÁFICO DE FRONTEIRA EM MS
Em Mato Grosso do Sul, os aliciadores atuam principalmente nas regiões de
fronteira com o Estado, na região de Estados vizinhos como a Bolívia e o Paraguai, e nas
cidades próximas a região.
A questão no tocante a essa tipologia de crime em Mato Grosso do Sul,
principalmente nas regiões de fronteira é em razão das fronteiras simbolizarem expressão de
alternativas que se evidenciam nas relações entre pessoas com características comuns, elas
são como o nascedouro de possibilidades ao almejado em um horizonte de experiências.
Destarte, as fronteiras apresentam-se em um cenário de abertura as possibilidades,
isto é, as oportunidades dentro da conjuntura social e econômica dessas pessoas, as vítimas,
que planejam e sonham alcançar melhores condições de vida há muitos anos. Querem, os
jovens, ser o orgulho de seus pais ao subir na vida e melhorar sua situação socioeconômica.
No entanto, para que tudo isso ocorra é necessária a existência de oportunidades, é aí que os
aliciadores se aproveitam da situação.
Nas fronteiras que configuram relações entre os diferentes e também como palco
de viabilidade ao desejado, nesse horizonte de planos, desejos, sonhos e esperanças a
melhores condições, atuam os aliciadores como agentes profissionais do crime organizado
para diversos fins, nas suas várias modalidades e agem tendo plena consciência de seus atos
execráveis, nefandos e ominosos.
Nesse sentido, transgridem as esferas da moral, da ética e da lei e esmagam
princípios vultosos e insignes como o da dignidade da pessoa humana que constitui um valor
essencial, oriundo das garantias fundamentais assegurada pela Constituição Federal de 1988.
Portanto, diante do exposto, cabe as autoridades e ao poder público, com o sólido
apoio dos cidadãos, combater visceralmente e de modo contundente e eficaz, a atuação
desses sujeitos do crime, que perpetuam em seus atos a nefanda ideia da descartabilidade do
homem e que por isso, pode ser colocado na balança do lucro ilegal do tráfico.
Para Donskis, (2014, p.17):
A destruição da vida de um estranho, sem haver a menor dúvida de
que se cumpre o dever de que se é uma pessoa moral, essa é a nova
forma do mal, o formato invisível da maldade na modernidade
líquida. Ele caminha, ao lado de um Estado que se presta ou se rende
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
10
totalmente a esses males, um Estado que só tem medo da
incompetência e de ser superado por seus competidores, mas que
nem por um minuto duvida que as pessoas não passem de unidades
estatísticas [...] A verdade mais desagradável e chocante de hoje é
que o mal é fraco e invisível. Assim, é muito mais perigoso que
aqueles demônios e espíritos malignos que conhecíamos pela obra
de filósofos e literatos. O mal é débil e amplamente disperso. A triste
verdade é que ele está a espreita de cada ser humano normal e
saudável.
Na verdade, isso ilustra que não se trata meramente de um problema social, mas
sim, vai muito além disso, trata-se um problema humano, muito mais profundo. Nota-se que
na atual conjuntura, o ser humano em caráter geral deixou de olhar para seu próximo com
uma visão humanística, com pessoalidade, com alter. Pelo contrário, transformamos a vida
em mercadoria, passamos a capturar e traficar pessoas, vendê-las, como meros elementos
objetais.
Insta salientar que após a ratificação do Protocolo de Palermo, o avanço da
lesgilação brasileira no que concerme ao tráfico de pessoas foi considerável, com exceção
da legislação penal. Ainda que tenha havido mudanças, a legislação penal brasileira
atualmente ainda não abrange todas as modalidades de tráfico de pessoas, mas apenas o
tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. (BIROL, 2016).
Desse modo, o tráfico para fins de exploração sexual é um tipo penal formal,
independe de consumação e também é alternativo, pois prevê diversas condutas dentro de
um único tipo penal, o que permite, desse modo, a responsabilização pelo crime ainda que
a exploração sexual não se consuma, mas o recrutamento, a transferência , o transporte, bem
como o acolhimento ou alojamento de pessoas com essa finalide. (BIROL, 2016).
Para Alline Pedra Birol (2016, p. 232) :
O tema do tráfico de pessoas tem ganhado destaque em nível
mundial nos últimos dez anos por razões diversas; entre elas estão a
ratificação do Protocolo de Palermo e o reconhecimento da
comunidade internacional quanto a esta realidade, devido ao maior
volume de casos identificados. Isso porque a exploração, a
comercialização e a escravização de seres humanos datam dos
primórdios da humanidade. Esta é a razão pela qual o tráfico de
pessoas tem sido chamado de “escravidão dos tempos modernos”,
apesar das distinções entres os dois conceitos. Vale lembrar que, no
atual território brasileiro, todos esses fenômenos ocorrem há, pelo
menos, 500 anos.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
11
O tráfico de pessoas nas fronteiras não é fenômeno novo, pelo contrário, é algo que
se perdura na história, mas vem aumentando paulatinamente em vários Estado brasileiros,
sobretudo em Matro Grosso dos Sul, tendo em vista as grandes dimensões e das
caracterísicas de vegetação e do relevo, aspectos que criam um isolamento entre as
localizades que favorece o surgimento de organizações criminosas na região, hábeis para
atuar a qualquer momento.
Segundo Alline Pedra Birol (2016, p. 234) :
O tráfico de pessoas é somente uma das atividades ilícitas e somente
uma das formas de violação de direitos humanos que são cometidas
na área de fronteira. Não obstante, não figura como a atividade ilícita
que atrai mais interesses ou que gera mais preocupação dos atores
estratégicos que ali estão atuando, seja na ponta ou em níveis
estaduais mais estratégicos de tomada de decisão. A segurança
pública, a justiça e a rede de serviços que atuam na área de fronteira
devem ser fortalecidas e estar preparadas para atender demandas
atuais como o tráfico de pessoas pelo que se possa identificar, mais
incidente em alguns estados e menos incidente em outros, mas atual
em toda a área de fronteira.
O tráfico de pessoas é uma realidade que integra o cotidiano das fronteiras, é um
fenômeno diário, regada também contextos socioecoômicos e também familiares, e além
disso, estruturada por organizações criminosas, de modo a levar brasileiros, por meio dos
chamados aliciadores, para a rede de tráfico internacional e nacional.
Para Alline Pedra Birol (2016, p. 235) :
é necessária uma maior compreensão das dinâmicas sociais que se
desenvolvem não necessariamente nos estados de fronteira, mas
principalmente na faixa e zona de fronteira. Os residentes vivem
uma vida atravessada por ordenamentos nacionais distintos, que
muitas vezes se sobrepõem ou discordam; uma vida social
atravessada por laços familiares de um lado e do outro; e uma vida
profissional permeada pela realização de negócios e pela busca de
serviços públicos de qualidade de um lado e do outro. Somente
compreendendo esta dinâmica social diversificada, onde as 236
pessoas não precisem se dividir ou se separar ao cruzar uma linha
imaginária, é que políticas públicas específicas, integradas e
regionalizadas, poderão ser formuladas, principalmente no que diz
respeito ao enfrentamento do tráfico de pessoas.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
12
É notória a grande incidência do tráfico de pessoas para fins de trabalho análogo à
escravo em Mato Grosso do Sul, bem como para fins de exploração sexual. Contudo, cabe a
todos nós reprimir essas práticas, bem como cabe ao poder público traçar estratégias para
combater esse problema, mas primeiro, é necessário realizar diagnósticos mais
aprofundados no que concerne a essa questão, esse é o objetivo deste estudo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tráfico de seres humanos representa um vitupério aos Direitos da pessoa humana,
a sua própria dignidade e a anulação do outro. Substitui a própria condição do diferente e ao
mesmo tempo igual, pessoa, por um valor a mais na escala da balança do tráfico, quando o
ser humano, nas suas diversas faces é transformado em mercadoria, pronta para ser
comprada, vendida, usada e, fundamentalmente descartada.
Diante de todo o exposto neste estudo, abordamos as dinâmicas e modalidades dos
aliciadores, suas características, suas formas de atuação, o perfil de suas vítimas em
potencial, as suas diversas modalidades, os locais de atuação de um modo geral, e
especialmente em Mato Grosso do Sul.
De caráter bibliográfico e documental, a pesquisa possui grande significação social
para o entendimento do fenômeno que atinge um elevado número de pessoas em situação de
maior vulnerabilidade socioeconômica, por localização geográfica e outros fatores
situacionais.
Nosso escopo foi o de alertar os cidadãos e ao poder público com a intenção de
oferecer melhores para o entendimento dessa problemática que ocorre em pleno século XXI,
um problema grave e que é nosso e também de todos.
Nas propostas maliciosas, sedutoras e ao mesmo tempo muitas vezes extremamente
irrecusáveis que atraem pessoas em situação de maior vulnerabilidade social e econômica
para as teias da desumanidade, temos o que chamamos de negação do eu, uma negação
ontológica, a dispensa da alteridade, onde o “outro” como alguns críticos entendem que pode
ser visto como “coisa”, um processo de coisificação do humano, passa a ser entendido como
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
13
um processo de nadificação do outro ou do eu diferente de mim, onde o outro é visto como
um “Nada”, sem qualquer importância, uma realidade vazia, é isso que enfrentamos.
Acreditamos no valor da pessoa humana, seu significado mais profundo, a
dignidade de uma pessoa, essa mesma dignidade que não é apenas um mero princípio formal
posto num papel em branco, mas sim, um valor com sentido e significado ontológico
presente na vida de todos, mas em especial aqui nesta pesquisa, daqueles que sonham sair
de sua conjuntura socioeconômica e melhorar sua condição de vida, esses que muitas vezes
por seu caráter e que por confiar no próximo, acabam sendo vítimas de uma das mais cruéis
formas de crime presente no mundo hodierno e que constitui uma afronta aos direitos
humanos.
6. REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira Moral: A perda da sensibilidade na
modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
BIGNAMI Renato; NOGUEIRA Christiane V; NOVAES Marina. Tráfico de pessoas:
Reflexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. São Paulo: Paulinas,
2014.
BRASIL. Constituição Federal 1988. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL. Decreto 3597, de 12 setembro de 2000. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3597.htm> . Acesso: 08 ago. 2013.
BRASIL. Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm>. Acesso: 08
ago. 2013.
BRASIL. Ministério da Justiça. Tráfico de Pessoas. Disponível
em<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={02FA3701-A87E-4435-
BA6D1990C97194FE}&BrowserType=IE&LangID=ptbr¶ms=itemID%3D%7B972F
BB58-F426-4450-A8D4-1F4264D8A039%7D%3B&UIPartUID=%7B2218FAF9-
5230431C-A9E3-E780D3E67DFE%7D> acesso em 16 ago 2013.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
14
BRASIL. Ministério da Justiça. II Plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
/ Secretaria
Nacional de Justiça. – Brasília: Ministério da Justiça, 2013.
BRASIL. Portaria n. 634, de 25 de fevereiro de 2013. Disponível em
<http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx
?idAto=799069&ID_SITE= >. Acesso: 16 ago. 2013.
BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça.
II Plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. / SecretariaNacional de Justiça. –
Brasília: Ministério da Justiça, 2013
BRASIL. UNODC. Disponível em <http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/unodc/> .
Acesso: 08 ago. 2013.
BIROL, Alline Pedra Jorge et tal. Pesquisa Enafron Diagnóstico sobre tráfico de
pessoas nas áreas de fronteira. Ministério da Justiça. 2016.
CAPALBO, Maria Augusta. O atendimento a estrangeiros pela rede pública de saúde
na faixa de fronteira de Mato Grosso do Sul.
CARRARO, Fernando. De olho no tráfico humano. Ftd: 2013.
CODAM, Coordenadoria Municipal de Políticas para as Mulheres. Assédio é crime.
Campo Grande: Prefeitura Municipal de Campo Grande.
DIAS, Jefferson Aparecido. Aliciadores recrutam homens e mulheres para a
prostituição. Entrevista ao jornal local. Disponível em:< http:///brasil/aliciadores-
recrutam-homens-mulheres-para-prostituicao-5110617#ixzz4If3XhXi0>. Acesso 23 Maio
2016.
DOCUMENTO CIVIL, Política antidiscriminatória. Crimes de Tortura, Declaração
Universal dos Direitos Humano: Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília:
Ministério da Justiça, Secretaria Nacional dos Direitos Humanos.
GUERALDI, Michelle; DIAS, Joelson. Em busca do eden: Tráfico de pessoas e direitos
humanos, experiência brasileira. 2012.
IBISS/CO – Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável. A
A realidade dos homens retirados do trabalho escravo um ano depois - o caso das
fazendas Bodoquena, Pitangueiras e Rosemary no estado de mato grosso do sul. 2012.
International Labour Organization. Disponível em:
<http://www.ilo.org/Search4/search.do?searchWhat=tr%C3%A1fico+de+pessoas&locale=
en_US>. Acesso em 18 de Maio de 2015.
NETO, Vito Palo. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo.
LTr, 2008.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
15
PEDROZO, Evelyn. Mulheres são 80% das vítimas de tráfico de pessoas no Brasil.
Rede Brasil Atual. Disponível em:
<http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2012/trafico-de-pessoas/mulheres-sao-80-
das-vitimas-de-trafico-humano>. Acesso em 18 de Maio de 2015.
Projeto Tráfico Humano. Perfil das vítimas e dos aliciadores. 2011. Disponível em:<
http://projetotraficohumano2011.blogspot.com.br/2011/06/perfil-das-vitimas-e-dos-
aliciadores.html>. Acesso em 1 Junho 2016.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993
RODRIGUES, Thais de Camargo. Tráfico internacional de pessoas para exploração
sexual. São Paulo: Saraiva, 2013.
SIQUEIRA, Priscila; QUINTANEIRO, Mariano. Tráfico de pessoas: Quanto vale o ser
humano na balança do lucro? São Paulo: Ideias e letras, 2013.
VALENTE, Denise Pasello. Tráfico de Pessoas para Exploração do Trabalho. São
Paulo: LTr, 2012.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/