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AS ESTÂNCIAS MISSIONEIRAS NA HISTORIOGRAFIA
HELENIZE SOARES SERRES
Doutoranda em História, Unisinos
As missões jesuíticas, iniciadas no século XVII na América espanhola destacaram-se a
partir do trabalho desenvolvido pelos jesuítas junto aos índios, principalmente na antiga
Província Jesuítica do Paraguai1. A presença dos jesuítas tinha o intuito de catequizar e
de civilizar, mas serviu, principalmente, para que a coroa espanhola pudesse ocupar e
povoar os territórios americanos pertencentes à Espanha, impondo uma cultura
europeia, fazendo com que os índios aos poucos fossem transformando seus modos de
vida.
A Província Jesuítica do Paraguai, sob a administração dos padres jesuítas,
mesmo com suas particularidades, fez parte do sistema colonial espanhol e se
desenvolveu a partir de influência do catolicismo e da coroa espanhola formando uma
sociedade de guaranis e outros grupos cristianizados com lealdade a um rei distante.
Assim, a organização territorial dos povos ocorreu a partir da vinculação das práticas
missioneiras com o contexto colonial, e deve-se levar em consideração que mesmo os
povos fazendo parte de um conjunto com aspectos políticos e econômicos similares,
existiram suas especialidades.
1 “La Provincia jesuítica del Paraguay, conocida también por el nombre de “Paracuaria”, fue creada en el
año 1604 y comprendía lo que actualmente es Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay y partes de Bolivia y
Brasil. En 1625 fue desmembrada el área correspondiente a Chile y a la Provincia argentina de Cuyo,
entones formada por San Luis, San Juan y Mendoza para crear la Vice-Provincia jesuítica de Chile. De
acuerdo con Pablo Pastells S. I., en el tomo I de su obra, los límites eran: al Oriente con Brasil, al Norte
con las Sierras de Santa Cruz, al Poniente con la Gobernación de Tucumán y al Mediodía con la Provincia
del Río de la Plata. Según las descripciones y los mapas con escalas de aquella época podría estimarse, con valores aproximados, que la Provincia del Paraguay tenía de Norte a Sur, 3000 kms, y de Este a
Oeste, 2.000 kms. Dependió de Virreinato del Perú y de la Real Audiencia de Buenos Aires y las
Gobernaciones de Charcas hasta la creación de la Real Audiencia de Buenos Aires, Asunción y Tucumán.
En el orden eclesiástico estaba incluída en los Obispados de Charcas (Sucre-Bolivia), Buenos Aires,
Tucumán, Paraguay y Santa Cruz de la Sierra (Bolivia), aunque esta ciudad siempre estuvo fuera de los
límites de la Provincia jesuítica del Paraguay.” PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 57-58.
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A redução dos índios deve ser entendida como algo mais que um fenômeno
religioso, a fundação dos povos e conversão provocou várias transformações de nível
sociocultural. Os padres jesuítas promoveram mudanças no âmbito religioso, na política
e sociedade, com elementos simbólicos que auxiliaram na configuração destes novos
espaços. Com isso, na sua estrutura, cada peça possuía um papel importante para o
desenvolvimento desse projeto. O conjunto das missões intregava espaços que foram
determinantes para fundação e fortalecimento das reduções, como por exemplo, as
estâncias missioneiras. Essas serviram como apoio, oferecendo de um lado ajuda na
subsistência a partir da produção agropecuária e do outro a ocupação do território, pois
a aproximação dos povos dificultavam possíveis invasões e saques.
A História das Missões na América Espanhola vem sendo contemplada, ao
longo dos tempos, com diversas obras de historiadores de diferentes nacionalidades, que
elucidam questões, trazem novas abordagens e provocam novas investigações. Entre
esses citarei alguns que fazem parte da historiografia das Missões Jesuíticas e que me
entusiasmaram sobre o tema proposto nesse trabalho, principalmente pela ausência de
pesquisas sobre estâncias missioneiras e por forneceram ferramentas que possibilitam
melhor entendimento sobre o assunto.
Arno Kern, em Missões uma utopia política (1982), informou como a
implantação de instituições e valores da sociedade global espanhola provocou a
emergência de uma controvertida organização política nas Missões guaranis da
Província Jesuítica do Paraguai. Nessa organização se interpenetram elementos
políticos da cultura tradicional indígena e da hispano-americana. O autor analisou as
instituições políticas que se corporificaram entre 1641 e 1707, abordando não apenas a
descrição dos aspectos formais das instituições, mas também as suas relações com o
corpo social das povoações missionárias no seu contexto histórico específico, bem
como as tendências à transformação que as lideranças pretenderam lhes imprimir.
A América espanhola se desenvolveu com o apoio de um sistema administrativo
bem estruturado sob um conjunto de instituições que controlavam diversas áreas do
território. A expansão do território caminhava de mãos dadas com a multiplicação dos
órgãos administrativos. A dominação territorial e populacional na América espanhola se
deu a partir do controle administrativo que buscava manter a ordem, através de vários
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setores e sistemas de fiscalização. Assim, diz Kern “os regimes políticos das
monarquias espanhola e portuguesa influenciaram, de maneira direta o primeiro e
indireta o segundo, na formação das instituições locais e no processo histórico da
política missioneira.” (1982, p. 15).
Em Jesuit Ranches and the Agrarian Development of Colonial Argentina 1650-
1767 (1983), Nicholas P. Cushner examinou o desenvolvimento agropastoril da
Argentina colonial, primeiramente Tucumán, suas fazendas, ranchos e suas conexões de
troca com o Alto Peru. Apresentou as complexidades dos empreendimentos econômicos
das fazendas e ranchos que faziam parte de uma unidade, porém tinham suas
especificidades, e as rotas comerciais que ligavam a outras grandes regiões
demográficas. Como plano geral do livro o autor trouxe um breve resumo dos maiores
componentes geográficos que serviu como pano de fundo para os capítulos sobre a
aquisição e uso da terra. Estruturas físicas feitas pelo homem e empreendimentos
específicos, especialmente a criação de mulas e gado, são seguidos por capítulos sobre
trabalho e implicações financeiras.
Por sua vez, Bartomeu Melià em sua obra El guarani conquistado y reducido
(1997), aproximou o guarani dos documentos e o guarani da vida atual. Em um sentido
amplo trata-se de uma etno-história que vai além dos ensaios históricos que se referem a
uma etnia, pois o autor fez a História perguntas antropológicas procurando respostas na
memória tradicional do povo guarani, todavia contemporâneo. Trabalhou com impacto
colonial nos povos missioneiros, apresentando conceitos do “modo de ser” guarani e
redução jesuítica, espaço, língua e tendências atuais em relação à historiografia das
reduções. Nesse trabalho encontram-se importantes elementos para que se possa pensar
em temas como a introdução de novas pautas de economia e trabalho junto aos guaranis.
As reduções jesuíticas funcionaram como parte da política que os indígenas
deveriam seguir, a partir de uma estrutura de legislação e realizações práticas que deu
forma a um novo contexto com ideias oriundas da mistura da cultura indígena e
europeia. Segundo Meliá “la reducción se consideraba un instrumento esencial para el
cambio que se pretendia en los índios, que era hacerlos pasar de la “infidelidad” al
cristianismo y de la barbárie a la vida política”.(1997, p. 194)
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Maria Cristina Bohn Martins em sua obra Sobre festas e celebrações: as
reduções do Paraguai (século XVII e XVIII) (2006), apresentou as festas como um
conjunto de rituais coletivos e não rotineiros da sociedade, realizadas entre os inícios do
século XVII e os meados do século XVIII em um território pertencente ao Império
Espanhol. A autora expõe a “cultura festiva” ibérica e indígena em um palco de várias
cerimônias para que o Estado absoluto e a Igreja Contra-Reformista afirmassem seus
valores. Avalia a experiência de festas entre os guaranis a partir de informações do
registro histórico que foram confrontadas e complementadas com os resultados de
estudos antropológicos contemporâneos. Mostra a redução como projeto e como método
de ação dos religiosos na América colonial, para transmudar o “modo de ser” dos índios
e por fim da ênfase em como se encontraram, fecundaram-se e transformaram-se duas
experiências festivas, a festa indígena e a ocidental, no espaço da redução.
Os jesuítas no espaço reducional conduziam os indígenas a viverem
concentrados, ou seja, em povoados sobre o controle do Estado e da Igreja agregando
aspectos sociais, políticos e econômicos a partir de práticas ocidentalizadas. Sem
dúvida, as estâncias e o trabalho nelas é um importante locus para pensar este tema. A
redução, como afirma Martins,
foi um projeto político de integração dos índios dentro do sistema colonial,
num esforço em que os sacerdotes, especialmente os regulares, assumiram
um papel de primeira importância. Foi também um método missional que se
caracterizou por uma ação que se pretendia integral, assumindo a vida em sua
totalidade: da educação a vida familiar, do trabalho ao lazer e às festas.
(2006, p. 139).
O trabalho realizado por Guillermo Wilde em Religión y poder em las misiones
de guaraníes (2009), apresentou o processo histórico de formação de uma comunidade
heterogênea no século XVII até meados do século XIX. Ele o fez, a partir de uma série
de situações locais dos povos missioneiros com seus mecanismos simbólicos por meio
dos quais atualizaram seus limites durante os séculos e também o modo de intervenção
dos indígenas, em particular os líderes guaranis missioneiros que interferiram nesse
processo, interagindo com outros setores da sociedade colonial.
Segundo Wilde “Una das claves para compreender la formación de la
organización reduccional es la importación de símbolos y rituales de tradición hispânica
para investir a las autoridades nativas. La formación de este espacio fue un proceso en el
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cual no solo se definieron limites religiosos sino también políticos y culturales” (2009,
p. 51). Neste sentido, torna-se importante verificar o papel das estâncias no processo de
constituição da experiência das reduções, visto que elas deveriam contribuir para dar
suporte material ao projeto.
Artur Henrique Franco Barcelos em O Mergulho no Seculum: exploração,
conquista e organização espacial jesuítica na América Espanhola (2006), analisou a
organização espacial das reduções de guaranis estabelecidas pelos jesuítas nos séculos
XVII e XVIII, apresentando as diversas práticas jesuítas nas ações de exploração,
conquista e organização espacial, além de dar ênfase as origens da Companhia de Jesus,
Província Jesuítica do Paraguai e as diferentes situações em tempo e espaço na América
com a participação dos jesuítas.
De certa forma, algumas considerações de Barcelos encontram sintonia no
trabalho de Jean Baptista em Dossiê Missões O Temporal (2009), que apresentou os
aspectos temporais, os assuntos terrenos da vida no espaço missional, mostrando a
diversidade e complexidade existente nos povoados. O autor destacou como temas
centrais do trabalho os assuntos estruturais dos povoados, constituição dos espaços,
formação social e diversidade étnica, leis e divisões simbólicas missionais. Demonstrou
ser possível, através de um levantamento e análise documental, acompanhar a geração,
constituição e possíveis atributos destinados aos espaços missionais não só por parte dos
inacianos, mas também pelos indígenas.
Para tratar de espaço e definição dos limites do território missioneiro conta-se
com o trabalho de Norberto Levinton em El espacio jesuítico-guaraní: La formación de
una región cultura (2009) que destacou o conceito de região cultural como essência da
macro-região missioneira. Esclareceu como a região cultural foi organizada em funções
de aproveitamento dos recursos naturais e como a divisão dos povos deu origem a
formação de sub-regiões baseadas na existência histórica das chamadas Províncias do
Paraná e do Uruguai.
Eduardo Neumann em Fronteira e identidade: confrontos luso-guarani na
Banda Oriental 1680-1757 (2000) enfatizou as condições fronteiriças das reduções de
guaranis administradas por Jesuítas no Paraguai colonial. Chamando atenção para as
rivalidades existentes nas tropas missioneiras e a frente lusitana principalmente na
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banda oriental e a convivência inter-étnica, que possibilitou que os guaranis
reelaborassem uma nova maneira de perceber seu opositor e de reafirmar sua própria
identidade.
Seguindo essa linha, Lía Quarleri em Rebelión y Guerra en las Fronteras del
Plata: guaraníes, jesuitas e imperios coloniales (2009), explorou a participação dos
guaranis em alguns fatos, atentando para a diversidade de atitudes e posturas, as práticas
e comportamentos desapegados, os sentidos das atribuições a suas ações e ideias
expressadas como bases argumentativas e de resistências. A partir disso, é possível
entender a integração dos guaranis com os outros atores envolvidos, além das
transformações das ações, concepções, motivações e interesses durante o episódio
abordado. Esclarecendo conflitos e suas compreensões e interpretações dentro de uma
dimensão histórica, política, econômica e simbólica mais ampla, partindo do
pressuposto que os eventos convulsivos da década de 1750 condensaram um conjunto
de determinantes históricos e influências culturais associadas com a dinâmica regional e
com o desempenho dos guaranis na configuração das relações coloniais cruzadas por
múltiplas e flexíveis fronteiras.
Arno Kern em Entre os mitos e a história: as Missões jesuíticas Platinas (2011),
esclarece que através de pesquisas históricas e arqueológicas é possível discernir com
muita clareza os muitos aspectos das complexidades em torno dos mitos na história das
missões jesuítico-guaranis. O autor apresentou a situação social de contemporaneidade
de duas sociedades com tradições culturais distintas, aspectos sociais que persistiram e
que se perderam além da ação dos jesuítas frente aos indígenas e as inovações
tecnológicas europeias. Destacando que as missões jesuíticas foram uma tentativa bem
sucedida de instalação e desenvolvimento de uma vida comunitária cristã, com grupos
de índios guaranis que eram levados pelos jesuítas, gradualmente, para uma situação de
inserção gradual à sociedade espanhola e à religião cristã.
Em Atlas territorial y urbano de las misiones jesuiticas de guaraníes. Argentina,
Paraguay y Brasil.Sevilla de Ernesto Maerder e Ramón Gutierrez, ( 2009), encontra-se
reunido um material cartográfico com a estrutura urbana das missões, localização e
identificação de seus edificios, distribuição dos espaços, bairros de moradias e periferias
destes povos. A partir desse material é possível identificar desenhos de planos
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elaborados pelos jesuitas, administradores que os sucederam ou até mesmo visitantes
ocasionais. Esse trabalho falicitou não só a localização geográfica das missões, como
também as dimensões demográficas com mapas e quadros estatísticos, servindo como
apoio as investigações mais pontuais sobre aspectos urbanísticos e cartográficos das
missões.
No referente a criação de gado as estâncias substituíram as primitivas
fazendas de gado e adquiriram nesta época grande importância. Do ponto de
vista territorial, os povoados localizados na margen do rio Uruguai serão os
que irão establecer as estâncias de maior extensão, ganando vastos campos de
pastagem para suas fazendas, no espaço virtualmente vazio do Rio Grande.
As estâncias de maior extensão foram as de Yapeyú e San Miguel, nas quais
o gado se achava distribuído em numerosos locais. (MAEDER,
GUTIERREZ, 2009, p. 27)
Segue o mapa com a localização das estâncias maiores, que correspondem a
treze povoados do rio Uruguai.
Povos e estâncias das missões
8 Fonte: MAEDER, Ernesto; GUTIERREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las misiones jesuiticas de
guaraníes. Argentina, Paraguay y Brasil.Sevilla: Instituto Andaluz del Património Historico, 2009, p.26
No trabalho Estas terras e seus donos: políticas de espacialidade e
territorialidade em La Cruz e no mundo guarani missioneiro (1629 – 1828), (2012),
Helenize Serres tratou das relações existentes entre as estâncias missioneiras e as
reduções jesuíticas, especialmente entre a estância de La Cruz, no lado oriental do rio
Uruguai – localizada na fronteira oeste do atual Estado do Rio Grande do Sul, Brasil; e
a redução de La Cruz, do lado ocidental do mesmo rio, - localizada na fronteira leste da
atual Província de Corrientes, Argentina, no período de 1629 a 1828. A autora
apresentou que a partir da perspectiva da administração colonial da América espanhola
e do papel da Igreja Católica Romana nesse território foi possível entender e discutir a
organização e a produção interna de toda a Província Jesuítica do Paraguai. Abordou as
relações entre o povo da Cruz com grupos indígenas como as nações dos charruas e dos
minuanos no espaço alegadamente pertencente à coroa Espanhola. E por fim enfatizou o
papel das estâncias missioneiras no território das Missões Orientais do Uruguai, em
especial a estância de La Cruz, em um período de várias discussões diplomáticas entre
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as coroas Ibéricas, sob disputas e conflitos que determinavam aproximação e
distanciamento com a população indígena.
A criação das reduções e suas estâncias, como forma de organização e
desenvolvimento possibilitou um crescimento e valorização do espaço onde
se situavam. Por exemplo, as estâncias, que se encontravam como reservas
econômicas e territoriais das reduções, além de vigiar as fronteiras servindo
de barreira para o avanço de invasores, além, ainda, da evangelização com
objetivo de conversão e integração das parcialidades indígenas e mais a
manutenção e exploração dos recursos naturais do espaço povoado. (Serres,
2012, p. 193).
O desenvolvimento econômico foi um fator importante na Província Jesuítica do
Paraguai, possibilitando sua subsistência e determinando a fundação de mais povos. A
produção concentrava-se na zona rural, mais especificamente nas estâncias
missioneiras. Nesses espaços encontravam-se a criação do gado além de outros produtos
tais como cultivo de trigo, a cevada, a cana-de-açúcar, o algodão e o fumo.
As estâncias foram base da economia das missões jesuíticas da América
espanhola, causando efeitos no desenvolvimento econômico através da produção do
gado vacum, do gado muar e do plantio. A agropecuária foi o pano de fundo da
economia missioneira, apresentou forte crescimento ao longo das décadas e destacou-se
de forma geral. As estâncias foram responsáveis pelo desenvolvimento e pelo sustento
da redução e, portanto, indiretamente nos laços comerciais com outros centros coloniais.
Quando a produção estancieira crescia mais povos eram fundados devido ao aumento de
excedente e também da população indígena, pela melhoria da qualidade de vida.
Segundo Lugon,
As estâncias estendiam-se por centenas de hectares. Eram cercadas de
muralhas, de cercas vivas de cactos, de sebes ou valados. Cada estância
estava dividida em vários distritos ou rodeios, contendo cada um cinco mil
cabeças de gado. As estâncias dos guaranis eram as mais belas de todo o
país... Cada fazenda tinha a sua capela, seu laranjal, e outras árvores fruteiras,
de que ainda se encontram vestígios... Todos os estabelecimentos eram
magníficos. (1977, p. 128).
Eram grandes extensões de terras, demarcadas por limites naturais, como matas,
rios e montes. As reduções criaram dispositivos administrativos para que os povos
pudessem gerenciar, separadamente, a grande quantidade de gado disponível em tais
espaços produtivos. Destas eram feitas as extrações do gado e seus derivados e de
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outros produtos necessários para o abastecimento das reduções. Como expressa Aurélio
Porto “Cada estância subdividia-se em postos ou pequenas invernadas, sobre as ordens
de um posteiro. Quer nas estâncias quer nos postos erigiam-se pequenas capelas, que se
tornaram núcleos de futuras povoações e cidade”. (1954, p. 216).
As estâncias missioneiras mantinham-se atreladas às suas reduções específicas.
Cada redução possuía uma área de exploração agrícola, pastoril, mercantil ou mineira.
Essas extensões de terra abarcavam não apenas campos e matas, mas também,
armazéns, entrepostos e guardas. A todo esse ente, chamava-se estância e, cada uma era
administrada por uma redução. Tal relação, assim como os demais procedimentos e
posturas administrativas, era determinada pela redução, que, por seu turno, era
administrada pelos jesuítas. Essas áreas produtivas, por abrangerem espaços amplos e
abertos, inclusive no sentido de serem separadas apenas por limites naturais,
necessitavam de uma vigilância diferenciada.
The role of Jesuit ranching and farming must be placed within the context of
the expanding Spanish frontier. The Society’s activity was more participatory
than innovative. Their massive landholdings helped to provide a bulwark
against encroaching and marauding Indians, and their continual trading
activity helped to cement and advance economic and commercial ties with
other colonial centers. (CUSHNER, 1983, p. 05).
Através de mais fundações dos povos foi possível controlar as invasões e saques
dos índios infiéis, pois cada um tinha uma organização militar que ajudava tanto na sua
proteção como também na dos povos vizinhos, fortalecendo os laços econômicos e
políticos da Província Jesuítica do Paraguai. A expansão dessas reduções e estâncias
criava uma barreira para inimigos de todos os tipos e nacionalidades.
A Província Jesuítica do Paraguai mesmo incentivando o estreitamento dos laços
entre os povos, não podia evitar alguns distanciamentos e desavenças. Os pleitos entre
as reduções mostram as muitas disputas por terras, gado e água. Essas disputas
geralmente se resolviam em longo prazo. Espanhóis e outros grupos indígenas também
participavam dessas disputas, que ocorreram de forma mais intensa nos séculos XVII e
XVIII.
Pleitos or lawsuits involving individual Jesuit farms and ranches occurred in
the seventeenth and eighteenth centuries, and they spanned the entire
spectrum of possible disputes. Land, land use, water rights, boundaries, and
donations were the chief subjects, usually with other Spaniards but at times
with Indian groups. (CUSHNER, 1983, p. 24).
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A disputa pelo direito à terra na Província Jesuítica do Paraguai era algo
contínuo, principalmente entre os índios cristianizados e os infiéis, ocorrendo muitas
invasões nas reduções e estâncias. Ocasionando vários conflitos, esses litígios
provocavam destruições e prejuízos. Segundo Cushner “Disputes with Indians occurred
more frequently than perhaps has been supposed. Land encroachments, water rights, and
jurisdiction over Indians were the chief causes of litigation”. (1983, p. 25).
Assim, a partir desses trabalhos que trazem temas como a organização política
dos povoados, o desenvolvimento agropastoril, as rotas comerciais, o impacto colonial
nos povos missioneiros, ou discutem conceitos de redução jesuítica, rituais coletivos;
experiências festivas, as situações locais dos povos, a participação dos líderes guaranis;
as práticas jesuíticas, diversidade étnica das missões, sua formação social e muitos
outros estudos, torna-se possível perceber que a cada geração de historiadores que
estudaram as Missões Jesuíticas, “novos olhares” sobre elas são apresentados. Percebe-
se, também, a escassa atenção que recebeu a pesquisa sobre as “estâncias missioneiras”
e a importância de contribuir com a historiografia sobre elas.
Todavia, torna-se importante destacar que documentos inéditos vêm sendo
publicados ao longo dos anos, juntamente com obras bibliográficas trazendo novas
respostas e perguntas que se transformam em pesquisas, dissertações e teses, e mesmo
aqueles documentos que já tinham sido publicados e analisados evidenciam novas
perspectivas.
Esse conjunto de trabalhos, dos quais apenas alguns foram citados nesse estudo,
possibilita as ferramentas para entender temas que ainda não ganharam atenção
merecida. Um desses temas são “as estâncias missioneiras” que tiveram um importante
papel no desenvolvimento das missões jesuíticas e ainda deixam uma lacuna na
Historiografia. Assim, estudar as “estâncias missioneiras” torna-se possível mesmo
através de estudos que tratam indiretamente desse tema através de cruzamentos de
informações. Além, ainda dos materiais e fontes disponíveis em Arquivos, tais como
correspondências, registros, informes, circulares, relatórios das estâncias e reduções das
Missões orientais com instruções sobre os mais distintos aspectos de funcionamento do
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sistema das reduções e estâncias, desde atitudes cotidianas com os indígenas até a
organização do espaço que permitem abordar o tema da maneira proposta.
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