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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
ALDEMIZA CORREIA DA SILVA
AS ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO PARA A
DUBLAGEM DO HUMOR DO SERIADO CHAVES
Fortaleza
2013
ALDEMIZA CORREIA DA SILVA
AS ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO PARA A
DUBLAGEM DO HUMOR DO SERIADO CHAVES
Monografia apresentada como
requisito parcial para obtenção do
título de especialista no Curso de
Especialização em Formação de
Tradutores, da Universidade Estadual
do Ceará.
Orientação: Profa. Dra. Renata de Oliveira Mascarenhas
Fortaleza
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central CENTRO DE HUMANIDADES
Bibliotecário Responsável – Dóris Day Eliano França – CRB-3/726
S586e Silva, Aldemiza Correia da.
As estratégias de tradução para a dublagem do humor do seriado Chaves / Aldemiza Correia da Silva. – 2013.
CD-ROM. 44 f. ; il. (algumas color.) : 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do
trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.
Monografia (Especialização) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Especialização em Formação de Tradutores, Fortaleza, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Renata de Oliveira Mascarenhas. 1. Tradução audiovisual. 2. Humor. 3. Seriado Chaves. 4.
Dublagem. Título.
CDD: 418.02
AGRADECIMENTOS
Sempre e para sempre a Deus, por ouvir meus apelos e mostrar misericórdia e
generosidade para com minha vida.
A minha família que nunca deixou de ser meu porto seguro, onde posso
descansar das enfadonhas ondas da vida.
A Professora Renata Mascarenhas por sua dedicação e profissionalismo para
com esta aluna que precisou de muita orientação.
RESUMO
Este trabalho objetiva descrever e analisar as estratégias de tradução para a
dublagem das situações cômicas de natureza linguística e sociocultural do
seriado mexicano Chaves. Assim, busca-se colaborar com os estudos de
tradução do humor no campo da dublagem em relação às especificidades
culturais e linguísticas atreladas ao idioma espanhol. Para tanto, iniciamos
nosso trabalho com a busca dos episódios do Chaves em suas versões
originais (espanhol) e dubladas (português), exibidas pelo Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT), que apresentassem elementos cômicos de natureza
linguística e sociocultural que dificultassem a tradução. Após uma seleção de
episódios mais representativos, fizemos a transcrição do áudio em espanhol de
determinadas cenas, seguida pela transcrição do áudio dublado em português
das mesmas cenas. Montado esse corpus, iniciamos a descrição e a análise
das estratégias tradutórias de dublagem usadas pelo profissional responsável
por estes textos audiovisuais. Desta forma, foi possível perceber que as
estratégias mais recorrentes na tradução do humor do seriado Chaves são as
que privilegiam a manutenção do humor na língua de chegada adequando o
texto audiovisual a cultura a que se destina.
Palavras-chave: tradução audiovisual, dublagem, humor, seriado Chaves.
RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivos describir y analizar las estrategias traductoras
para el doblaje de las situaciones cómicas referentes a aspectos lingüísticos y
socioculturales del seriado mexicano Chaves; Así, se busca colaborar con los
estudios de traducción del humor en la parte del doblaje en relación a las
especificidades culturales y lingüísticas del idioma español. Para tanto,
iniciamos nuestro trabajo con la busca de los episodios del Chavo Del Ocho en
sus versiones originales (español) y dobladas (portugués), exhibidas por el
Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) que presentasen elementos cómicos de
naturaleza lingüística y socioculturales que dificultasen la traducción; Hecha
una selección de episodios más representativos, hicimos la transcripción del
audio en español de determinadas escenas, seguida por la transcripción del
audio doblado en portugués de las misma escenas; Después de formado ese
corpus, iniciamos la descripción y análisis de las estrategias traductoras de
doblaje usadas por el profesional responsable por estos textos audiovisuales.
Así que, fue posible percibir que las estrategias más recurrentes en la
traducción del humor del seriado Chavo del Ocho son las que privilegian la
manutención del humor en la lengua de llegada adecuando el texto audiovisual
a la cultura a que se destina.
Palabras- llave: traducción audiovisual, doblaje, humor, seriado El Chavo Del
Ocho.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 8
2. A DUBLAGEM E A TRADUÇÃO DO HUMOR ............................................ 10
2.1 Dublagem: um processo multicompartilhado .............................................10
2.2 A tradução do humor ................................................................................. 15
3. O SERIADO HUMORÍSTICO CHAVES: CONSIDERAÇÕES GERAIS ..... 21
3.1 O Seriado .................................................................................................. 21
3.2 O Autor ...................................................................................................... 23
3.3 A constituição das personagens ................................................................ 23
3.4 O Tradutor ................................................................................................. 25
4. AS ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO NA DUBLAGEM DO SERIADO
CHAVES ...................................................................................................... 27
4.1 Procedimentos metodológicos .................................................................. 27
4.1.1 Constituição do corpus ........................................................................... 28
4.2 Análises do corpus ..................................................................................... 29
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 44
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 45
8
1. INTRODUÇÃO
O interesse por estudar as estratégias de tradução do humor no
seriado Chaves surgiu quando assistia, com meus alunos, a um de seus
episódios (em espanhol) e as personagens fizeram um trocadilho que não faria
sentido traduzi-lo literalmente para o português. Fiquei imaginando as
possibilidades para essa tradução e notei o quão difícil deveria ter sido a
solução para tal caso. Busquei, então, o episódio traduzido para saber que
estratégia o tradutor havia usado. Confesso que não me agradou o resultado,
mas confesso também que não consegui pensar em algo melhor naquele
momento. Por esse motivo, quero ressaltar que a intenção do presente trabalho
não é criticar e apontar “erros”, mas levantar discussões sobre situações
conflitantes para o processo tradutório e analisar as estratégias usadas pelos
tradutores do seriado Chaves. No Brasil, não apenas o seriado tem grande
público, como também sua exibição em desenhos e seus livros como O Diário
de Chaves e Foi sem Querer Querendo.
Essa difusão de produtos culturais estrangeiros não é uma situação
específica do seriado Chaves, pois a programação televisiva brasileira conta
com vários programas estrangeiros para compor sua grade e é a dublagem a
ferramenta de acessibilidade mais disponibilizada para espectadores que não
dominam determinado idioma. No entanto, em algumas situações, a dublagem
encontra obstáculos para a transmissão da informação da língua de partida por
diferentes motivos, seja por questões linguísticas de ordem semântica ou
gramatical, por questões culturais dificultadas por traços muito peculiares de
determinado povo, por questões econômicas, geográficas ou políticas ou por
qualquer outra especificidade.
Para diminuir esse transtorno diante dessas situações conflitantes,
utilizam-se técnicas como domesticação ou estrangeirização (Venuti, 1998),
omissão ou acréscimo no nível lexical e/ou sintático, reformulação do texto,
entre outras. Existem casos que vão além da criatividade do tradutor e já foram
considerados textos intraduzíveis, tamanho grau de dificuldade em encontrar
equivalência entre língua de partida e de chegada. No entanto, o termo
intraduzível merece bastante cuidado para seu uso quando se trata de
tradução, pois há que se avaliar qual o objetivo do texto, do dono do produto
(texto), ou seja, o comprador e os interesses em questão, pois uma vez
9
estabelecida a comunicação e atendida a expectativa dos envolvidos no
processo tradutório, a tradução terá sido realizada.
Quando tratamos de textos humorísticos, mais que encontrar
equivalência linguística, é necessário avaliar uma gama de aspectos em
diferentes áreas, desde questões relacionadas ao léxico e à sintaxe até a
repercussão junto ao público a que o produto se destina. No caso do texto
cômico, por exemplo, é pertinente saber se o que é engraçado no texto de
partida também o é no de chegada, ou ainda se o motivo do riso não se
constituirá agressão para a cultura do texto de chegada. E para essa
discussão, a tradução do humor é campo fértil que apesar de muito comentado
por profissionais e estudiosos da área de tradução, é um assunto ainda não
esgotado.
A profissão de tradutor é um caminho árduo, pois qualquer
inadequação não só é notada e examinada, como ressaltada; porém, quando o
trabalho é bem sucedido, sequer é mencionado o bom desempenho ou nem
sequer é despertado o interesse de saber quem traduziu.
Este trabalho objetiva descrever e analisar as estratégias de
tradução na dublagem do seriado mexicano Chaves para traduzir situações
cômicas atreladas a aspectos linguísticos e culturais da língua de partida.
Desta forma, buscamos colaborar com os estudos sobre a tradução do humor
em relação a seus aspectos culturais e linguísticos.
Além desta introdução, este estudo está divido em outras três
seções. A segunda seção discute as principais teorias relacionadas aos
estudos de Dublagem e da Tradução do Humor. A terceira seção é voltada
para maiores esclarecimentos sobre o seriado Chaves, com finalidade de
apresentar especificidades sobre o nosso corpus de pesquisa, apontando
aspectos sobre seu autor e personagens, bem como sobre o tradutor do
seriado no Brasil, figura relevante neste trabalho. A quarta e última seção
explica os procedimentos metodológicos deste estudo e apresenta nossa
análise propriamente dita.
10
2. A DUBLAGEM E A TRADUÇÃO DO HUMOR
Esta seção é dedicada à discussão das principais teorias
relacionadas aos estudos de Dublagem e da Tradução do Humor. Na primeira
subseção, trataremos da dublagem e dos aspectos pertinentes a seu uso.
Falaremos sobre as etapas que envolvem o processo de dublagem, assim
como os profissionais e suas responsabilidades inerentes a esta atividade. A
segunda subseção discute a Tradução do Humor e suas dificuldades, sejam
elas as herdadas pelo pouco estudo direcionado à área, ainda vista com certo
preconceito acadêmico, ou por questões linguísticas e/ou socioculturais que
envolvem as mais variadas estratégias para que o humor possa se manifestar
também na língua de chegada.
2.1 Dublagem: um processo multicompartilhado
O cinema apresentava-se mudo até 1927, quando apareceu o filme
The Jazz Singer (O Cantor de Jazz) com partes dubladas. Pouco depois,
finalmente o filme Luzes de Nova York foi exibido completamente dublado. Em
1930, graças à invenção de Jacob Karol, que consistia em sincronizar áudio e
imagem, pode-se melhorar a sonorização dos filmes. Com este aprimoramento
da sonorização do cinema americano nasce também a necessidade de atender
às dificuldades linguísticas do público estrangeiro que não falava inglês.
Nascia, então, a dublagem - processo pelo qual ocorre a substituição das
vozes originais de uma produção audiovisual por vozes e interpretação em
outra língua ou na mesma língua para melhoramento do som - que com o
tempo se tornaria regra em alguns países mais exigentes para exibição de
filmes estrangeiros.
Segundo Oliveira (2011), nessa perspectiva, a dublagem objetiva
tornar um produto audiovisual estrangeiro acessível a um público que não
domina a língua de origem da obra. No entanto, nem sempre ela foi usada
apenas com esta finalidade, pois o processo já foi usado, diversas vezes, em
alguns países para distorcer, por intenções ideológicas e políticas, a
mensagem original do texto. Temos como exemplo Alemanha, Espanha e
Japão, quando os regimes ditatoriais eliminaram, na dublagem, tudo
considerado ofensivo para o regime.
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Diferentemente da legendagem que permite ao espectador acesso a
todas as informações do texto original, tendo apenas a tradução do que é dito
como apoio para possíveis dificuldades com a língua original do produto (texto
audiovisual), a dublagem permite que conteúdos sejam adicionados ou
omitidos sem que o espectador perceba, pois trabalha com o apagamento total
da trilha sonora do texto de partida, e este recurso pode ser usado
tranquilamente como forma de manipulação dependendo dos objetivos do dono
(comprador) do texto audiovisual.
Segundo Chaume (2004), a escolha de um país entre dublagem e
legendagem se dá por alguns fatores além destes já mencionados, que variam
desde o nível de alfabetização da população, ao simples deleite em aprender
outro idioma, como podemos observar nas especificações que seguem:
1- Nível de alfabetização: quanto menor o grau de instrução e maior a
dificuldade em acompanhar a legendagem, maior será a preferência
pela dublagem por questão de comodidade e de melhor aproveitamento
do objeto audiovisual;
2- Nível econômico: alguns países escolheram a legendagem porque sua
indústria não podia dublar os filmes, pois o custo financeiro seria muito
alto.
3- Nível cultural: Para o público mais seleto, que além de aprender outra
língua a partir do objeto audiovisual, também é de seu interesse
desfrutar do produto em sua versão original, a dublagem representa um
atentado maior a arte do que a legendagem.
4- Reivindicação política da língua: em alguns países a dublagem é usada
para preservação total da língua de chegada, daí a obrigatoriedade da
dublagem, como é o caso da França, pois a dublagem impede a invasão
linguística, política e cultural.
5- Questões políticas: Em alguns casos a dublagem serve para proteger a
política, pois barra qualquer influencia externa, pois depois de apagado
o áudio original, veicula-se aquilo que é condizente com a política local.
E, dessa forma, a dublagem e a legendagem disputam espaço e
preferências; estas serão determinadas, como podemos ver, pelas diversas
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condições de um povo. É notável que no Brasil, a dublagem – apesar de não
ser obrigatória para a exibição - é a modalidade de tradução mais aceita pelo
mercado, principalmente no que se refere à tevê aberta.
E quando pensamos em dublagem, nos vêm à mente os textos
verbais traduzidos e o empréstimo das vozes de atores conhecidos às
personagens. Como disse Chaume (2004), a dublagem:
[...] consiste na tradução e ajuste de um roteiro de um texto audiovisual e na posterior interpretação desta tradução por parte dos atores, sob a direção do diretor de dublagem e os conselhos do assessor linguístico, quando esta figura existe. (CHAUME, 2004, p. 32) 1
A partir desta definição de Chaume temos pontos a serem
comentados: o primeiro é que vemos, então, que o tradutor não trabalha
sozinho, que outros profissionais são necessários nesse processo de ajuste e
que, geralmente, é uma equipe que decide e finaliza a dublagem. Além de
outros profissionais envolvidos, devemos levar em consideração também que
os elementos visuais e sonoros fazem parte do processo de tradução podendo
interferir, inclusive, de modo determinante, para o produto final da dublagem. É
importante levarmos em conta que o texto audiovisual que será traduzido e
dublado depende de vários elementos, não só do código linguístico,
influenciado por questões linguísticas, sociais, culturais e econômicas, mas
também o código visual que implica a justificativa dos elementos visuais na
dublagem. De acordo com Chaume, podemos definir o texto audiovisual:
[...] formalmente como um texto que se transmite através de dois canais de comunicação, o canal acústico e o canal visual, e cujo significado se tece e se constrói a partir da confluência e interação de diversos códigos de significação, não somente o código linguístico. [...] (CHAUME, 2004, p. 15).2
1 El doblaje consiste en la traducción y ajuste de un guión de un texto audiovisual y la posterior
interpretación de esta traducción por parte de los actores, bajo la dirección del director del doblaje y los consejos del asesor lingüístico, cuando esta figura existe. Todas as traduções, neste trabalho, são de nossa autoria. 2 (...) formalmente como un texto que se transmite a través de dos canales de comunicación, el
canal acústico y el canal visual, y cuyo significado se teje y construye a partir de la confluencia e interacción de diversos códigos de significación, no solo el código lingüístico.(…)
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Para que a dublagem desse tipo de texto obtenha sucesso na língua
de chegada, são necessários cuidados e conhecimentos específicos da área
de tradução. Assim, deve se ater às etapas de um processo tradutório peculiar
que são de acordo com Chaume:
1. Compra por parte de uma empresa, pública ou privada, de um texto audiovisual estrangeiro, com a intenção de emiti-lo no país ou países da cultura meta. 2. Contratação de um estúdio de dublagem para tradução, adaptação e dramatização (dublagem propriamente dita) do referido texto. Em alguns casos, as empresas, verdadeiras iniciadoras do processo, dispõem de estúdios de dublagem próprios e não necessitam efetuar a contratação. 3. Contratação de um tradutor, por parte do estúdio de dublagem, para a tradução – e em algumas ocasiões adaptação – do texto audiovisual. 4. Adaptação da tradução inicial. 5. Dublagem propriamente dita (ou dramatização) por parte dos atores no estúdio de gravação, sob a supervisão do diretor de dublagem e do assessor linguístico. 6. Mistura das diferentes trilhas sonoras por parte do técnico de som, assim como criação de trilhas sonoras, de ambientes etc.
O autor está obrigado a conhecer todas estas fases ou,
de outro modo, seu produto final carecerá do rigor que lhe é exigido. Uma simples tradução de roteiro que ignore o processo descrito acima não leva em consideração, por exemplo, os problemas fonéticos que podem afetar a correta dicção dos atores (cacofonias, palavras de difícil pronunciação, termos estrangeiros sem pronuncia fonética simulada para ajudar aos atores, etc.), não costuma considerar o registro oral da língua de chegada e, especialmente, os diferentes tipos de sincronia praticados no ajuste. (CHAUME, 2004, p. 62)3
3 1. Compra por parte de una empresa, pública o privada, de un texto audiovisual extranjero,
con la intención de emitirlo en el país o países de la cultura meta. 2. Encargo a un estudio de doblaje de la traducción, adaptación y dramatización (doblaje propiamente dicho) de dicho texto. En ocasiones, las empresas, verdaderas iniciadoras del proceso, disponen de estudios de doblaje propios y no necesitan efectuar el encargo. 3. Encargo a un traductor, por parte del estudio de doblaje, de la traducción – y en algunas ocasiones adaptación – del texto audiovisual. 4. Adaptación de la traducción inicial. 5. Doblaje propiamente dicho (o dramatización) por parte de los actores en el estudio de grabación, bajo la supervisión del director de doblaje y del asesor lingüístico. 6. Mezclas de las diferentes bandas por parte del técnico de sonido, así como creación de bandas sonoras, creación de ambientes, etc. El traductor está obligado a conocer todas estas fases o, de otro modo, su producto final carecerá del rigor que se le exige. Una simple traducción del guión que ignore el proceso descrito arriba no tiene en cuenta, por ejemplo, los problemas fonéticos que pueden afectar a la correcta dicción de los actores (cacofonías, palabras de pronunciación difícil, términos
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Dentro desse ajuste citado por Chaume está o sincronismo labial, a
substituição de sinônimos, a omissão de termos e tantas outras técnicas que
devem ser conhecidas pelo profissional de tradução.
Sabemos que existem outras questões, entre elas a comercial, que
define o resultado final do trabalho de tradução em uma dublagem, pois o
produto a ser dublado (texto de partida) também sofre influência no processo
tradutório em consequência dos interesses comerciais. E quando falamos de
interesses comerciais temos que ter em mente que a dublagem está a serviço
de uma empresa que comprou um produto (o texto audiovisual) e necessita
disponibilizá-lo para um público específico visando, principalmente, o lucro que
esta compra pode lhe oferecer. Portanto, o tradutor além de empenhar toda
sua criatividade para eleger quais as melhores estratégias para que o produto
chegue a seu receptor de forma satisfatória, tem que atender também às
exigências impostas pelos objetivos do dono deste produto. Sobre isso
Chaume observa que:
[...] O tradutor deve se perguntar por que a empresa comprou tal série ou tal programa, o que pretende com a emissão destes textos, a que hora se pensa emitir (é importante saber se será emitido em horas de máxima audiência, ou em horário infantil, ou de madrugada) e que benefícios se podem obter a curto e longo prazo [...] (CHAUME, 2004, p. 65)4
Vemos, então, que a responsabilidade do tradutor está relacionada a
diversos aspectos, desde as escolhas em relação ao código linguístico até a
repercussão e obtenção ou não do sucesso por parte de seu produto final.
Assim, Chaume faz um resumo sobre a função única e intermediadora do
tradutor, que leva em consideração o trabalho de sua equipe, os interesses do
contratante dono do produto e a expectativa e a receptividade do público:
extranjeros sin pronunciación fonética simulada para ayudar a los actores, etc.), no suele tener en cuenta el registro oral de la lengua de llegada y, especialmente, los diferentes tipos de sincronía practicados en el ajuste. 4 (...) El traductor se debe preguntar por qué la empresa ha comprado tal serie o tal programa,
qué pretende con la emisión de textos, a qué hora se piensan emitir (es importante saber si se emitirán en horas de máxima audiencia, o en horario infantil, o de madrugada) y qué beneficios se pueden obtener a corto y a largo plazo.(…)
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O tradutor é o emissor de uma cadeia complexa de emissores dispostos a fazer chegar um determinado produto a uma determinada audiência. Também forma parte de uma corrente múltipla de receptores, ou intermediários que modificam o produto original para uma correta leitura e compreensão do texto audiovisual por parte do receptor último e definitivo, os espectadores. Ele é, sem dúvida, o único emissor que recebe um texto em uma língua e tem a responsabilidade de transmitir todos seus significados em outra língua.
Sobre o papel do tradutor, em nossa opinião, se trata claramente da figura central do processo, considerando que graças a ele se produz a comunicação em ultimo termo (mais ou menos sincronizada, mais ou menos artística, etc.) (CHAUME, 2004, p. 67-68)5
E, apesar de todo seu equilíbrio para atender as partes e
compreender como funcionam os interesses das diversas áreas que estão
ligadas à dublagem, Chaume (2004, p. 71) chama a atenção do tradutor para
que ele fique ciente de que “como esta é uma tarefa coletiva, o tradutor deve se
acostumar à ideia de que sua tradução não será a definitiva, mas sim que, na
maioria das vezes, será manipulada pelo resto dos atuantes do processo”.
Desta forma, observamos que a dublagem é um processo multicompartilhado,
pois é divido em etapas que contam com diferentes profissionais, e tem que
atender a distintos objetivos, desde o comercial e financeiro do dono até o lazer
e a cultura do público, que por sua vez não é passivo e exige clareza e
qualidade.
2.2 A tradução do humor
Apesar do povo brasileiro ser considerado extrovertido e animado ou
mesmo sendo as séries humorísticas cada vez mais presentes e populares nas
grades televisivas, o estudo sobre o humor e suas possibilidades de tradução
ainda não é encarado com a seriedade devida, de modo que não se tem
investimentos para que haja mais pesquisas e reflexões teorico-práticas na
5 El traductor es el emisor de una cadena compleja de emisores dispuestos a hacer llegar un
producto determinado a una audiencia determinada. También forma parte de una cadena múltiple de receptores, o intermediarios que modifican el producto original para una correcta lectura y comprensión del texto audiovisual por parte del receptor último y definitivo, los espectadores. Él es, sin embargo, el único emisor que recibe un texto en una lengua y tiene la responsabilidad de transmitir todos sus significados en otra lengua. Respecto del traductor, en nuestra opinión se trata claramente de la figura central del proceso, puesto que gracias a él se produce la comunicación en último término (más o menos sincronizada, más o menos artística, etc.).
16
área. Sobre esta desatenção ao estudo do humor e da tradução, Rosas (2002,
p.16) comenta que “Infelizmente, tratam-se ambos os campos de uma espécie
de “patinhos feios” da Academia.” Sendo que a tradução ganhou novas
vertentes por conta do crescimento do cinema, da dublagem, da interpretação
etc.
Com o crescimento das dublagens, nota-se a necessidade de se
discutir sobre este pouco interesse acadêmico em relação à prática na área.
Sampaio (2008, p.17) comenta que:
[..] a tradução, durante muito tempo, apesar de vinculada as instituições acadêmicas, não era vista como um fim em si mesmo, mas sim como um saber subsidiário de apoio a outros saberes, fundamentalmente, como meio para aperfeiçoamento linguístico, resultou que sua didática, também não despertou o devido interesse por parte dos pesquisadores. [...] Somente com a consolidação das profissões de tradutor e intérprete, favorecidas pelo aumento das relações internacionais e pelos avanços tecnológicos, foi que apareceram as condições necessárias para uma autonomia do ensino da tradução profissional.
Se existe tamanha dificuldade para o estudo da tradução, que tem
crescido com suas várias modalidades, para o estudo do humor, no entanto,
ainda não tem um caminho propício quando se trata de investimentos. A
dublagem para os programas humorísticos é de grande importância,
principalmente se este estiver direcionado ao público infantil, no entanto, em
nosso país, as dificuldades na área persistem, como reitera Silva (2006):
A dublagem não tem sido vista com a importância que de fato tem no mundo cinematográfico. Aliás, quando o que está em jogo é a tradução enquanto atividade intelectual, a retórica parece ser sempre aquela que a classifica como de menor importância. Com relação à legendagem, a situação não se mostra diferente. Essa constatação é possível, se observarmos o contexto em que ela se realiza, incluindo nessa observação, é claro, fatores ligados aos recursos humanos. (SILVA, 2006, p. 62)
Dentre as modalidades de tradução, reconhecemos que a dublagem
é um recurso de acessibilidade para os espectadores. No entanto, em algumas
situações, o produto que foi elaborado com cunho humorístico, pensado para
promover o riso, torna-se confuso e ininteligível, uma vez que, não só os
elementos linguísticos, visuais e sonoros que compõem o texto audiovisual
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devem ser levados em conta, como também os contextos sociais, culturais e
ideológicos que envolvem o referido texto e que são referenciais produtores do
humor. É a partir do conhecimento e das escolhas do tradutor que esses
elementos resultarão ou não em um texto compreensível na cultura de
chegada, mantendo o humor pretendido na língua de partida.
Quando nos referimos à tradução do humor, é notável que a
tradução literal, na maioria das vezes, não atende a compreensão do texto,
necessitando, portanto, buscar subsídio em outros elementos intra e
extratextuais que mantenham o humor objetivado no texto de partida. Para
tanto, há que se identificar o tipo de humor pretendido e qual o caráter dos
elementos que foram usados no texto de partida, pois, a partir desta
identificação, o tradutor avalia a melhor estratégia tradutória para manutenção
da ideia e, sobretudo, do humor. Em ocasiões em que a referência cultural não
pode ser mantida ou domesticada, espera-se uma solução para que o humor
seja reiterado ainda que por meio da recriação (reformulação do texto de
partida), pois de acordo com Rosas (2002):
A tradução de um texto humorístico [...] apresenta problemas quando: a) não há compartilhamento de referências culturais entre os membros das duas línguas-culturas envolvidas e b) não há correspondência, em algum nível linguístico (sintático, morfológico, fonético, semântico, pragmático) entre as estruturas dessas línguas-culturas. (ROSAS, 2002, p. 89)
Além da equivalência cultural e da correspondência linguística em
relação à estrutura, há uma questão ainda mais séria para o tradutor que é
avaliar se os aspectos que estão sendo trabalhados e os elementos
manipulados além de destoarem da ideia original não irão agredir a cultura de
chegada. Uma vez verificado o risco de se agredir sem perceber algum grupo,
tem que se levar em consideração se o público, ao qual o texto traduzido será
destinado, compartilha de conhecimentos necessários para que o humor possa
ser mantido. Vale ressaltar que existe variação de aceitação entre os diferentes
grupos e o que é engraçado para um grupo não o é para outro. Sobre a
adequação do texto à situação e ao público, Rosas ressalta que:
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[...] é pelo fato de poder sempre falhar que não há enunciado humorístico em si: o que é engraçado para um grupo ou para um falante pode não ser (e muitas vezes não é) para outro(s). Além disso, o tempo pode alterar a definição daquilo que um mesmo grupo ou falante considera engraçado. Independente de quaisquer outros possíveis fatores, bastaria que não houvesse conhecimento compartilhado ou que houvesse uma saturação – o caso da piada “gasta” – para que o riso não ocorresse. Há, portanto, enunciados potencialmente humorísticos (dos quais as piadas são o primeiro exemplo), mas seu efeito nunca poderá ser garantido de antemão. (ROSAS, 2002, p.42)
Aprimorar os estudos sobre o humor é significativo posto a
dificuldade de se traduzir este tipo de texto, pois por mais que a tradução seja
bem executada em relação aos elementos linguísticos existem várias outras
vertentes que precisam de muita atenção para que este texto seja funcional na
língua de chegada. Outras vertentes, que podem ser reforçadas ou não,
dependendo da estratégia tradutória do tradutor, são a subestimação da
capacidade de percepção do público e a esteriotipação da cultura de origem do
texto. E é sobre isso que Oliveira (2011, pág.7) chama a atenção:
[...] Às vezes, o tradutor usa uma expressão da língua de partida no texto traduzido, deixando para o espectador a tarefa de decifrá-lo. Outras vezes, certas expressões são substituídas por outras relacionadas à cultura brasileira. Há, ainda, ocasiões em que o tradutor parece temer que o público, por desconhecer tais expressões, deixe de captar a mensagem a ser transmitida e acabe ficando frustrado. Nesses casos, a dublagem “apaga” tais aspectos. Essa estratégia acaba criando textos que subestimam a capacidade de compreensão do telespectador, além de diminuírem a representação da cultura-fonte através da língua-alvo. A opção de se traduzir ou não tais traços, tão característicos de uma cultura, quando se tenta transmitir a mensagem para um público de uma cultura diferente pode determinar o modo como o país da cultura-fonte é visto pelo público da cultura-alvo.
Ou seja, o tradutor tem que estar atento para a possibilidade da não
compreensão de alguma expressão estrangeira que comprometa o humor na
cultura de chegada, em contrapartida, retirá-la ou domesticar o texto pode
parecer que o tradutor está subestimando seus espectadores.
Sobre as questões pertinentes a tradução do humor, destacamos a
seguir alguns estudos que dialogam com este em diferentes aspectos.
19
Sampaio (2008) apresenta uma proposta pedagógica para a
tradução do humor. Para isso, organizou um curso de tradução do humor para
alunos de graduação, usando um corpus de 42 tiras cômicas da Mafalda
(Quino, 2003). Seu objetivo foi mostrar como as pessoas devem agir para
ensinar a tradução do humor de tal maneira que o efeito cômico se produza na
língua alvo. Sua análise foi baseada em dados fornecidos pelas traduções dos
alunos, por seus relatórios baseados nessas traduções, e por dois
questionários. Obteve como resultado que atividades de tradução que
promovem discussão, reflexão, análise crítica e reelaboração, são a melhor
opção quando se espera que os aprendizes se tornem profissionais
competentes e críticos. Seu trabalho é um passo importante para a questão da
tradução do humor porque propõe ensinar a traduzir o humor do modo
eficiente, saindo do campo das ideias e discussões e se aventurando na
prática. O referido estudo é pertinente para este trabalho, uma vez que a
análise de seu corpus contempla, assim como propomos aqui, a tradução de
aspectos cômicos de natureza linguística e cultural, além de elementos visuais.
Os dois trabalhos se diferenciam, no entanto, pelo fato de que aqui lidamos
com audiovisual, no lugar de tiras cômicas.
Silva (2006) discute a recepção do humor traduzido no filme Uma
babá quase perfeita. Seu estudo buscou: (1) verificar se determinado
enunciado humorístico produz efeito semelhante nas suas versões dublada e
legendada; (2) comparar a recepção do humor entre aprendizes avançados e
não-aprendizes da língua inglesa como LE e (3) identificar estratégias de
tradução mais adequadas à reconstrução do humor numa língua alvo. Para
tanto, contou com a colaboração de três grupos de participantes, que
assistiram ao filme nas suas versões dublada, legendada e “original” sem
tradução e em seguida, responderam a um questionário contendo perguntas
relacionadas às estratégias de tradução utilizadas no filme. O resultado
apontado foi de que o humor pode produzir efeito semelhante nas suas versões
dublada e legendada e que o humor pode suscitar efeito semelhante quando
apresentado na versão “original” (inglês) sem tradução a aprendizes avançados
da língua inglesa como LE. Silva (2006) conclui, ainda, que as estratégias mais
apropriadas à tradução do humor são aquelas que privilegiam o efeito na língua
20
de chegada sem atribuir maior relevância à forma e ao conteúdo do texto na
língua de partida.
As questões suscitadas por Silva (2006) dialogam com as nossas no
que diz respeito à análise de estratégias mais apropriadas para manutenção do
humor na língua de chegada e quanto ao tipo de meios semióticos com que se
trabalhou, que por serem ambos audiovisuais, os aspectos observados se
assemelham, apesar das metodologias bem diferentes.
Lima (2010) propõe uma legenda para que surdos e ensurdecidos
tenham acesso ao programa Nas Garras da Patrulha. Seu trabalho contribui
para a discussão do grupo LEAD (Legendagem e Audiodescrição) da UECE ao
introduzir a questão da tradução da comicidade para este público especial. As
legendas produzidas para o programa foram testadas por surdos, homens e
mulheres, falantes de LIBRAS e que liam português. Parte do grupo assistiu a
um episódio de 20 minutos do programa com legendas baseadas no sistema
de legendas para surdos da Rede Globo, enquanto os outros assistiram ao
mesmo episódio com legendas propostas pelo projeto MOLES (Modelo de
Legendagem para Surdos) que está sendo desenvolvido na UECE. Sua
pesquisa investigou se a recepção do humor foi mais eficaz com as legendas
do MOLES ou com as legendas da Globo. Os resultados sugeriram que os
modelos de legendagem foram ineficazes no que diz respeito à recepção do
humor. Ainda é preciso saber a causa desta má recepção. Mesmo sem ter rido
do programa, os surdos conseguiram um melhor entendimento com as
legendas do MOLES.
Além dos estudos aqui apresentados, o presente trabalho dialoga
também com o de Oliveira (2011), que discute a tradução de referências
culturais em programa de humor, no caso, a série norte-americana Todo
Mundo Odeia o Cris. Seu objetivo foi analisar a dublagem da referida série,
identificando as ocasiões em que as falas dos personagens contivessem
referências específicas à cultura americana. Nesses casos, Oliveira procurou
verificar a estratégia de tradução utilizada, observando se o tradutor se
aproximava do espectador brasileiro, afastando-se do texto original em inglês
ou o inverso. A metodologia adotada por Oliveira é bem semelhante à usada
neste nosso trabalho, ou seja, selecionar episódios relevantes em relação às
ocorrências pretendidas, transcrever e analisar as versões originais e dubladas
21
e identificar as estratégias usadas pelo tradutor. Em seu trabalho, Oliveira
conclui que a dublagem parece ter a intenção de facilitar a compreensão por
parte do espectador. Porém, na tentativa de retratar a cultura de partida de
maneira mais simples para o público alvo, acaba por esconder essas
referências do público brasileiro, fazendo com que os elementos culturais
estrangeiros não sejam mostrados para o público brasileiro.
Nesse contexto, pensando nas dificuldades tradutórias e no trabalho
dos profissionais de dublagem, principalmente no que se refere a tradução de
textos audiovisuais cômicos, este trabalho propõe uma reflexão sobre a
tradução dos aspectos linguísticos e culturais do seriado Chaves.
3. O SERIADO HUMORÍSTICO CHAVES: CONSIDERAÇÕES GERAIS
Esta seção se dedica à contextualização e à caracterização do
seriado Chaves, com o intuito de elucidar nossa escolha em estudar o
fenômeno da dublagem do humor nesse programa. Para isso apresentaremos
um breve panorama sobre o seriado, seu autor, seus personagens e seu
tradutor, figura importante neste trabalho. Primeiramente trataremos do seriado
desde sua origem até os tempos atuais. Depois faremos alguns apontamentos
sobre Bolaños (o Chespirito), renomado comediante, autor do seriado. Em
seguida, apontaremos um breve resumo sobre as principais personagens do
programa. Finalizaremos a seção com considerações acerca do responsável
direto pelas traduções audiovisuais dos episódios do seriado Chaves exibidos
no Brasil pelo SBT. As informações contidas nesta seção serão importantes
como apoio para a leitura das análises.
3.1 – O seriado
Desde a década de 70, antes mesmo da ascendência da língua
espanhola no mercado mundial, o seriado mexicano El Chavo Del Ocho (em
português Chaves) já conquistava o mundo e chegava ao Brasil. Criado e
estrelado por Roberto Gómez Bolaños, o seriado foi exibido originalmente
entre 20 de junho de 1971 e 12 de janeiro de 1992, no México, como
parte do Programa Chespirito - que tinha vários quadros compostos por
22
diversos personagens, bastante semelhante ao que produziu, aqui no Brasil, o
humorista Chico Anísio. Nesse período, o programa foi produzido
pela Televisión Independiente de México e transmitido no canal 8 do México.
Em 1972, tornou-se uma série semanal com duração de meia hora, formato
mantido até seu encerramento, vinte anos depois.
O enredo do programa gira em torno das aventuras e atrapalhadas
de Chaves (El Chavo Del Ocho, no original), um garoto pobre, órfão e ingênuo
que vive dentro de um barril no pátio de uma vila suburbana fictícia, e sua
relação com outros moradores do lugar. Com este enredo, El Chavo alcançou
grandes índices de popularidade em toda a América Hispânica, bem como
na Espanha, no Brasil, nos Estados Unidos, entre outros países, necessitando,
portanto, dos serviços dos profissionais de dublagem.
No Brasil, não apenas o seriado tem grande público, como também
sua exibição em desenhos e seus livros como O Diário de Chaves (Bolaños,
2006) e Foi sem Querer Querendo (Thuler, 2005). Exibido pelo Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT), desde 24 de agosto de 1984 até o presente
momento, o seriado chegou a sofrer pequenas interrupções, que foram
reclamadas pelos telespectadores, voltando assim à apresentação normal.
A trama, baseada em fatos cotidianos, que explorava a ingenuidade
e espontaneidade, próprias do mundo infantil, parecia uma aposta arriscada
para prender a audiência do público. O que se pode notar é que é exatamente
esta receita simples, da comicidade muito semelhante à circense, que envolve
telespectadores de várias faixas etárias, pois, muito embora seja um produto
destinado ao público infantil, existe um apelo sentimental, de formação humana
e de crítica social, que possibilita a identificação do público com suas
personagens.
A linguagem utilizada é de fácil compreensão, com predominância
de expressões populares, mantendo, portanto a informalidade e o discurso com
bastante fluidez. Além da absorção facilitada pela linguagem popular, o uso das
expressões corporais e faciais é ricamente explorado, sendo, em muitos casos,
dispensado por completo o uso da linguagem verbal.
Atualmente, o seriado Chaves, assim como outros quadros
produzidos por Roberto Gómez Bolaños, não tem mais produção, pois além do
23
fator físico da avançada idade dos atores, a equipe se desfez, ou por motivo de
morte de alguns integrantes, como é o caso de Ramón Valdés( Seu Madruga)
e Angelines Fernandez( Bruxa do 71), ou por ocasião de desentendimentos
profissionais.
3.2 – O Autor
Roberto Gómez Bolaños (conhecido como Chespirito - que significa
pequeno Shakespeare), nascido na Cidade do México, em 21 de
fevereiro de 1929, é escritor, ator, comediante, dramaturgo, compositor e
diretor mexicano. Ficou conhecido mundialmente pela criação das séries
televisivas El Chavo del Ocho (Chaves) e El Chapulín Colorado (O Chapolim
Colorado), ganhou o título de o programa número 1 da televisão humorística.
Estas séries lhe trouxeram grande prestígio e garantiram-lhe o reconhecimento
como um dos escritores comediantes mais respeitados do mundo.
Atualmente, Roberto Bolaños, que continua casado com a colega de
trabalho Florinda Meza (Dona Florinda), apresenta saúde bastante fragilizada.
Com 83 anos e muita dificuldade para respirar ainda pode comparecer a
homenagem propiciada no dia 29 de fevereiro de 2012, no auditório Nacional
da Cidade de México, por ocasião da comemoração de 40 anos de carreira do
Chespirito. Além da celebração, que contou com participações de famosos
atores e cantores, fãs de vários países manifestaram sua admiração pelo
homenageado enviando vídeos com as conhecidas personagens do autor.
3.3 – A constituição das personagens
Como já foi dito anteriormente, a comicidade da série é muito
semelhante à circense, trabalhando em prol do exagero de atos e da fala
popular. Com isso, as personagens se aproximam do público, utilizando-se de
artifícios bastante conhecidos dos telespectadores, como quedas, tropeções,
choro, caretas e gargalhadas. A proposta do autor Roberto Gómez Bolaños
(Chespirito), além de criticar, com leveza, a sociedade mexicana, era criar tipos
populares, com dificuldades reais vivenciadas pela população. Desta forma,
24
temos, dentre as personagens da série, vários estereótipos, como o garoto
órfão, professor de escola pública, o desempregado, a viúva, a solteirona, o
proprietário entre outros que expõem suas aflições e suas alegrias numa vila
humilde que demonstra ser também uma personagem de forte influência na
história, como vários outros lugarejos da América Latina.
Assim, observaremos, a seguir, a descrição de algumas das
personagens principais do seriado, com destaque para suas características
mais acentuadas, que serão relevantes para algumas reflexões apresentadas
posteriormente na análise deste estudo.
Chaves6 Interpretado por Roberto Gómez Bolaños – “Chespirito”. Chaves é um garoto órfão, que passa por muitas privações e vive escondido em seu barril. Chaves sempre se deixa levar por sua pouca inteligência, o que é suficiente para lhe colocar em situações bem complicadas. Apesar de causar transtornos a todos, sua principal característica é a ingenuidade.
Seu Madruga
Interpretado por Ramón Valdés. Seu Madruga é morador e não pagador da casa nº 72, é o pai de Chiquinha, e ficou viúvo quando ela nasceu. Homem simples, maduro e sem educação, embora diga que lhe faltam oportunidades, na verdade se deixou entregar à preguiça. Tenta sobreviver como pode fazendo alguns bicos. É alvo constante das cantadas de Dona Clotilde, mas ele gosta mesmo é de Glória, tia da Paty.
Quico
Interpretado por Carlos Villagrán. Quico mora na casa nº 14, com sua mãe, Dona Florinda. É um garoto de Q.I. bem baixo, exibido e gosta de provocar brigas. Seu sonho é que o professor Girafales traga a tão esperada bola quadrada. Suas grandes bochechas são alvo de piadas. Quico é sempre protegido pela sua mãe, que bate no Seu Madruga quando ele dá no Quico seus famosos beliscões.
Chiquinha
Interpretada por Maria Antonieta de las Nieves. Chiquinha é baixinha, cheia de sardas, esperta, porém, sem muita inteligência para escola. Filha do Seu Madruga, é uma garota muito mimada, bagunceira e sem limites. Apaixonada secretamente pelo Chaves, Chiquinha morre
6 As imagens e os resumos descritivos das personagens foram obtidos a partir do site
http://www.viladochaves.com/historia_chaves.htm. Sendo que os resumos foram sintetizados e reformulados por mim.
25
de ciúmes da Paty. Chiquinha é uma feminista convicta, e adora pregar peças e se dar bem à custa dos tontos do Chaves e do Quico.
Dona Florinda
Interpretada por Florinda Meza. Dona Florinda é moradora da casa nº 14, viúva de um comandante da Marinha e mãe do Quico. Ela crê que ainda vive numa situação de riqueza, quando na verdade a situação não está tão boa assim. Sua grosseria e mal-humor lhe renderam o apelido de velha coroca. Sempre estapeia o Seu Madruga, mas seu mau gênio se transforma em doçura e encanto quando ela se depara com o Professor Girafales.
Professor Girafales
Interpretado por Rubén Aguirre. Girafales é um altíssimo professor de escola pública, bem educado, bastante culto, sonhador, amável, romântico e muito vaidoso de suas capacidades cerebrais. É para Dona Florinda que ele se declara, levando inúmeros buquês de rosas, mas sem nem sequer pensar em casamento.
Seu Barriga
Interpretado por Edgar Vivar. Seu Barriga é o proprietário da vila e, para economizar cobradores, vai pessoalmente cobrar os aluguéis. É um sujeito simples, paciente, amigo, risonho, simpático e muito prestativo que, no fundo, adora o menino Chaves, apesar das pancadas que recebe todas as vezes que chega na vila.
Dona Clotilde
Interpretadada por Angelines Fernandez. D. Clotilde moradora da casa nº 71, mantém um amor pelo Seu Madruga, a quem adora fazer favores e preparar os seus quitutes. É alvo constante das crianças, que espalham para os quatro ventos que ela é uma bruxa. Mas Clotilde é uma senhora de bom coração, e amiga de todos na vila.
3.4 – O Tradutor
É importante que seja pontuada a diferença entre tradutor e dublador.
O tradutor é o profissional responsável por passar o produto audiovisual (texto)
da língua de partida para a língua de chegada, elegendo as estratégias
convenientes, priorizando aspectos e adequando a mensagem de acordo com
os mais diversos interesses envolvidos no processo de tradução. O dublador,
por sua vez, é o profissional que tem como papel emprestar sua voz para que a
personagem possa se comunicar na língua de chegada da forma mais
convincente possível, utilizando-se da dramaturgia e, por vezes, participando
26
do processo tradutório e inclusive criativo, dando às suas personagens traços
que lhes ressaltem diante das novas possibilidades do público alvo.
Não há, pois, nenhum obstáculo para que o dublador também possa
traduzir desde que tenha conhecimento suficiente sobre as línguas e as
culturas em questão e tenha boas ideias de como resolver as questões
tradutórias que se apresentarem pertinentes. No entanto, para ser dublador, no
Brasil, é necessário que o profissional seja também ator, pois a dublagem
requer muito das habilidades da dramaturgia.
É normalmente do tradutor a responsabilidade pelas escolhas que
apareceram no texto de chegada. No caso da dublagem, o processo de
tradução se estende também aos dubladores, de modo que toda a equipe
envolvida compartilha as escolhas e a responsabilidade pelo sucesso ou não
do produto final.
Falemos especificamente de Nelson Machado, tradutor do seriado em
estudo, que numa entrevista publicada no site do Chaves7, comenta sobre
alguns pontos importantes da dublagem do referido programa, como, por
exemplo, a Dublagem MAGA (primeira empresa de dublagem responsável pela
dublagem em português do Chaves, localizada dentro dos estúdios do SBT), a
qual ele também dirigiu. Na mesma entrevista falou sobre sua equipe e as
traduções do seriado em questão. Embora a maioria pense que o dublador do
Chaves (Gastaldi) está para edição brasileira, assim como Chespirito está para
versão mexicana, em que escreve, dirige, atua etc., na verdade Gastaldi era
dublador e diretor de dublagem, e segundo Machado, Gastaldi não traduziu
nenhum episódio do Chaves, sendo este serviço executado por Nelson
Machado (dublador do personagem Quico), que afirma ter traduzido cerca de
150 episódios do seriado.
É importante lembrarmos o que diz Chaume sobre a condição única
em que se encontra o tradutor no processo de tradução:
O tradutor é o emissor de uma cadeia complexa de emissores dispostos a fazer chegar um determinado produto a uma determinada audiência. Também forma parte de uma corrente
7 Mais informações sobre a entrevista e o tradutor podem ser encontradas no site
http://www.sitedochaves.com/dublagem-maga.htm. acesso em:20 de março de 2013.
27
múltipla de receptores, ou intermediários que modificam o produto original para uma correta leitura e compreensão do texto audiovisual por parte do receptor último [...] (CHAUME, 2004, p. 67).
Ou seja, o tradutor é a figura central do processo de tradução de um
texto audiovisual, responsável pela diplomacia de vários e diferentes interesses
e, principalmente, pelo sucesso ou fracasso de uma obra frente ao público a
que esta se destina. No caso do tradutor do seriado Chaves, exibido pelo SBT,
esta figura, em conjunto uma equipe, desempenhou junto ao público uma
parceria.
Em suma, este breve comentário sobre o tradutor apenas fecha tudo
que temos dito desde o inicio sobre o tradutor e suas responsabilidades junto á
prática de tradução e dublagem. E com esta seção, esperamos ter ambientado
o leitor para que possa ter o mínimo de conhecimento sobre a atmosfera em
que foi criado o seriado Chaves, para que assim seja facilitada a continuação
da leitura e das análises que estarão dispostas na próxima seção, onde
trataremos não só das análises, mas também da metodologia e do corpus
empregados neste trabalho.
4. AS ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO NA DUBLAGEM DO SERIADO
CHAVES
Esta seção apresenta a descrição e a análise de algumas
estratégias de tradução na dublagem do seriado Chaves para traduzir
situações cômicas atreladas a aspectos linguísticos e culturais da língua de
partida. Primeiramente apontamos de forma sucinta o procedimento
metodológico adotado neste estudo, bem como apresentamos uma sinopse
dos episódios do seriado que constituem nosso corpus. Posteriormente
partimos para a descrição e análise propriamente dita.
4.1 Procedimentos metodológicos
Esta é uma pesquisa descritiva que busca identificar, de modo
qualitativo, fenômenos de ordem linguística (semântica e/ou gramatical) e
28
sociocultural que dificultam o trabalho de tradução na dublagem de um
programa humorístico. Para tanto, iniciamos nosso trabalho com a busca dos
episódios do Chaves em suas versões originais (espanhol) e dubladas
(português), exibidas no SBT, que apresentassem alguns aspectos linguísticos
e socioculturais que dificultassem a tradução do texto original. Após
identificarmos e selecionarmos algumas cenas mais representativas quanto a
situações cômicas atreladas a aspectos linguísticos e culturais da língua de
partida, fizemos a transcrição do áudio em espanhol das referidas cenas,
seguida pela transcrição do áudio dublado em português. Depois de
analisarmos as cenas, iniciamos a descrição e a análise das estratégias de
tradução utilizadas pelos profissionais da dublagem para traduzir as cenas
selecionadas.
4.1.1 Constituição do corpus
O corpus da presente pesquisa está composto pelas versões
originais e dubladas, exibidas pelo SBT, dos três seguintes episódios do
Chaves (ver DVD em anexo):
1. Día de San Valentín (1979) - (Dia de São Valentim);
Neste episódio, Chiquinha está escrevendo um cartão para o
Chaves, pois é dia de São Valentim e, nesta data, as pessoas costumam trocar
cartões como sinal de afeto. O problema é que Chiquinha não sabe com que
letra se escreve a palavra Valentim, pois em espanhol a letra v(ve) e a letra
b(be) são representadas pelo mesmo fonema, ou seja, tem o mesmo som. O
Chaves tenta ajudá-la, mas também não sabe como se escreve e pede ajuda
ao seu Madruga, que por não compreender as perguntas elaboradas pelo
Chaves, não entende qual é sua dúvida e deixa a situação ainda mais confusa.
2. La Chilindrina con la Variuela (1975) - (A Chiquinha com Catapora);
Neste episódio, Seu Madruga inventa que a filha Chiquinha está
doente para que Seu Barriga tenha piedade e não lhe cobre o aluguel. Depois,
o pai descobre que a filha também havia inventado uma doença para não ir à
escola. Todos acreditam que ela está com catapora e, por ser uma doença
29
contagiosa, ninguém quer se aproximar dela, exceto o Chaves, que quer ficar
doente para comer a refeição do hospital.
3. Sin Piñata no hay Posada (1973) - (Sem Pinhata não tem Festa).
Neste episódio, a vizinhança da vila prepara uma festa, e como é
tradição nas festas mexicanas tem que haver pinhatas (conhecidas no Brasil
também como pinhata e em algumas regiões como pichorra). Todos se
organizam e dividem as tarefas. Quico e Chaves ficam responsáveis para fazer
as pinhatas. Considerando o grau de habilidade e esperteza destes dois, o
espectador pode prever que acontecerá todo tipo de bagunça. Para assegurar
que o trabalho será feito, Seu Madruga se encarrega de fiscalizar e cobrar o
trabalho dos garotos.
4.2 Análise do corpus
Sobre a versão traduzida (dublada) do seriado Chaves, verifica-se
que, apesar da língua espanhola ser língua irmã do português, algumas
especificidades referentes ao humor requerem reformulações na dublagem
(espanhol – português) para que a recepção do texto traduzido apreenda o
sentido da mensagem do texto original. Essas reformulações costumam ocorrer
no âmbito: da gramática, como o uso de pronomes em espanhol, por exemplo;
do léxico, por meio de reformulações ou omissões de jogos de palavras que
não seriam compreendidos numa tradução literal; ou por referências culturais
que são domesticadas para facilitar a compreensão do público.
Tomando como ilustração desses fenômenos, no seriado Chaves,
analisaremos os diversos casos e as estratégias tradutórias para a dublagem
de cada um dos três episódios já mencionados na subseção anterior.
As falas abaixo, transcritas do episódio Dia de São Valentim, trazem
uma questão linguística de aspecto fonético extremamente conflitante na
passagem da oralidade para a escrita para os falantes de língua espanhola,
sobretudo para os que têm pouca habilidade na linguagem escrita. No
espanhol o som da letra B e da letra V são muito semelhantes, representadas
pelo fonema /β/. Então ocorre que Chiquinha quer escrever um cartão para
Chaves, pois é dia de São Valentim (data em que se comemora o amor e a
30
amizade), porém não sabe com que letra se escreve Valentim. Chaves tenta
ajudá-la, mas também não sabe, então pede ajuda a Seu Madruga que não
compreende o que Chaves diz e fica irritado.
Além do aspecto supracitado observaremos outros que serão
destacados em negrito e imediatamente comentados. Como, por exemplo, o
caso seguinte que palavras sofrem modificações para motivar o humor:
Quadro 1 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Deitada no chão, Chiquinha escreve um cartão. Chaves caminha, equilibrando uma vassoura, tropeça na Chiquinha e cai.
Chilindrina:... Di-a-de-San-Va-len-tín… ¡Ai, ai...!
Chiquinha: di-a-de- São-Va-len-tim... Ai, ai...!
Chavo: ¡Te pusiste ahí de propósito para que yo me tropezara!
Chaves: Você ficou ai de proprosito pra que eu tropreçasse!
As palavras propósito e tropeçasse são pronunciadas na dublagem
de forma incorreta, caracterizando o nível sociocultural precário do protagonista
e criando, assim, um contraponto com a situação-problema do episódio.
Podemos observar que no texto original (em espanhol) este recurso não foi
utilizado e que a inclusão da pronúncia incorreta para formulação do humor
casa-se muito bem ao próprio tropeço, típico dos palhaços brasileiros, que
usam o exagero nos movimentos e na linguagem para obtenção do riso.
Considerando que o seriado Chaves também traz essa característica
exagerada e infantil, analisamos a modificação dos vocábulos propósito e
tropeçasse como uma feliz intervenção no processo tradutório.
Quadro 2 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim)
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Chaves e Chiquinha sentados no chão.
Chilindrina: No es cierto. No sabes que estoy escribiendo una tarjeta de día de San Valentín.
Chiquinha: Não é verdade! Não vê que eu tô aqui escrevendo um cartão pra São Valentim?
Chavo: ¿Qué tarjeta?
Chaves: Quê?
Chilindrina: Día de San Valentín es el día del amor y de la amistad
Chiquinha: É, São Valentim é o santo do amor e da amizade e se
31
y si uno quiere a una persona le manda una tarjeta.
a gente gosta muito de uma pessoa manda um cartão.
No Brasil, a data na qual se celebra o amor entre as pessoas, sendo
comum a troca de cartões e presentes, corresponde ao Dia dos Namorados,
comemorado no dia 12 de junho, véspera do dia de S. Antônio, conhecido
como santo casamenteiro. Optou-se por manter a denominação da data festiva,
segundo a cultura de partida, priorizando-se, assim, a questão linguística da
cena sobre a particularidade cultural, pois não tendo Chiquinha e Chaves um
relacionamento amoroso para justificar a troca de cartões, apenas a data de
São Valentim que é também o dia da amizade explica o cartão de Chiquinha
para Chaves, muito embora os fãs de Chaves possam perceber durante o
seriado que Chiquinha é apaixonada por Chaves.
Quadro 3 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Chaves e Chiquinha sentados no chão.
Chilindrina: Porque no nunca terminaría una. Humm... pero no me acuerdo con que b se escribe Valentín.
Chiquinha: Ora porque não se manda pra quem não se gosta! Humm... É ... Eu não me lembro com que be se escreve Valentim!
Chaves: Valentim? Chavo: ¿Valentín?
Chilindrina: Sí. Chiquinha: Sim!
Chavo: ¿Valentín? Chaves: Valentim?
Chilindrina: Sí. Chiquinha: Sim!
Chavo: ¿Valentín? Chaves: Valentim?
Chilindrina: Sí. Chiquinha: Sim!
Chavo: ¿Valentín? Chaves: Valentim?
Chilindrina: Sí. (gritando) Chiquinha: Sim! (gritando)
Chavo: ¡No me grites! ¡Qué estoy explicándote cosas que no sabes!
Chaves: Vê se não grita e me deixa explicar as coisas que você não sabe!
Chilindrina: Entonces, ¿sabes cómo se escribe Valentín?
Chiquinha: Então, você sabe com que be se escreve Valentim?
Chavo: Es claro que sí. Chaves: Claro que sim!
Chilindrina: ¿Con cuál? Chiquinha: Com qual?
Chavo: ¿Valentín? Chaves: Valentim? Chilindrina: Sí. ¿Con que b se escribe Valentín? ¿Con cuál de las dos?
Chiquinha: Sim! Com que be se escreve Valentim? Com qual dos dois?
Chavo: ¡Pues con la de Valentín!
Chaves: Com be de Valentim!
Aqui vemos a repetição exagerada da mesma pergunta como
promoção do humor. Mais uma vez o exagero é usado com sentido de fazer
graça e neste caso em especial também para ressaltar que a personagem não
32
sabe o que responder à pergunta formulada. Temos, então, o início da dúvida
ortográfica causada pela semelhança sonora das letras B (b ou β) e V (b ou β)
na língua espanhola que é o fio condutor da comicidade do episódio.
Verificamos um problema de não equivalência linguística (fonética). Em
espanhol, na oralidade, não se distingue o som do b e o som do v, sendo por
isso, os dois, chamados de be (um alto ou comprido e o outro baixo ou curto).
O tradutor poderia ter optado por reformular o texto e concentrar o
humor em outra discussão que não “com que be se escreve Valentim?”, no
entanto sua opção é pela manutenção da particularidade linguística da língua
de partida, evidenciando a estrangeirização do texto.
Quadro 4 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Trilha original Trilha dublada
Chilindrina: ¿Por qué no me dijo antes, Chavo? (pausa) Pero, ¿Con cuál de las dos, Chavito?
Chiquinha: Ah, você podia ter me dito antes, Chaves!(pausa) Mas com qual dos dois, Chavinho?
Chavo: Pues, no estoy muy, muy, muy seguro... pero creo que es con be de burro o con be de vaca. Uno de los dos.
Chaves: Não tô muito, muito, muito certo... mas acho que é com be de burro ou com ve de vaca. Um dos dois!
A dúvida de ortografia da personagem Chaves é exatamente saber
se Valentim se escreve com b(be alta) ou com v(be baixa). Uma parte
significativa do referido episódio “Dia de São Valentim” é responder a pergunta
formulada pelo Chaves: Valentim se escreve com be(b) de burro ou be(v) de
vaca? Considerando que para nós, falantes de língua portuguesa, não existe
nenhuma semelhança entre essas letras, a pergunta do Chaves é
incompreensível. O humor consiste (no texto de chegada) apenas em
considerar as personagens analfabetas a ponto de não saberem distinguir
letras tão diferentes. Para aquele que tem conhecimento sobre a língua
espanhola a questão é bem clara e a situação é bastante comum para os
33
falantes de língua espanhola, tanto que com esta mesma temática foram
produzidos mais dois episódios semelhantes8.
A manutenção das palavras burro e vaca, remetendo a pronúncia de
suas respectivas iniciais em língua de partida, não ajuda a esclarecer a dúvida
dos telespectadores, pois enquanto que para a língua espanhola esclareceria
que se trata de letras diferentes para o mesmo fonema, em português realça o
fato de que se trata de letras diferentes para fonemas distintos. Esta
disparidade poderia ser resolvida com a substituição da palavra vaca por outro
animal que também comece com a letra be (b) em português. Mas, como já foi
dito, foi opção do tradutor manter a estrangeirização.
Quadro 5 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Seu Madruga vem ao pátio para estender roupas no varal. Chaves vai até ele para tirar dúvidas.
Chavo: Ahí, está tu papá. Chaves: Olha aí está seu pai!
Chilindrina: ¿y? Chiquinha: Sim!
Chavo: Voy a preguntar si él sabe cómo se escribe Valentín.
Chaves: Eu vou perguntar pra ele se ele sabe como se escreve Valentim.
Chilindrina: Hum…! Lo dudo mucho que lo sepa!
Chiquinha: Ah... Duvido muito que ele saiba!
Chavo: Don Ramón, ¿usted sabe cómo se escribe Valentín?
Chaves: Seu Madruga, o senhor sabe como se escreve Valentim?
Don Ramón: Sí. Sr. Madruga: Sei!
Chavo: Gracias. Chaves: Obrigado!
Don Ramón: Por nada. Sr. Madruga: De nada!
Chaves volta para onde estava anteriormente com Chiquinha.
Chavo: Lo sabe. (pausa) Ahora le pregunto se es con be de burro o con be de vaca, ¿verdad?
Chaves: Ele sabe. (pausa) Agora vou perguntar se é com be de burro ou vê de vaca, né?
Chilindrina: Me gustaría. Chiquinha: Mas é claro!
Neste fragmento observamos que a inteligência de Seu Madruga é
questionada. Aliás, o pouco estudo é uma das principais características desta
personagem. O humor consiste no fato de que quem questiona são duas
personagens que sabem ainda menos que Seu Madruga, como por exemplo, o
Chaves que vai até lá para tirar uma dúvida e esquece de fazer a pergunta que
realmente interessa.
8 Episódios semelhantes são filmagens com o mesmo texto, mudando apenas as personagens
que atuam. Teriam, portanto, as mesmas questões linguísticas discutidas aqui.
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Em relação à tradução podemos observar a manutenção do texto
bem semelhante ao original e obtenção do humor por meio dos mesmos
elementos usados no texto de partida.
Quadro 6 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Chaves volta para perto de Seu Madruga e fica olhando-o fixamente.
Don Ramón: ¿Qué me ves? ¿Qué tengo algo en la cara o qué?
Sr. Madruga: O que tá olhando? Eu tenho alguma coisa na cara?
Chavo: ¿es de burro o de vaca? Chaves: É de burro ou é de vaca?
Don Ramón: ¿Qué cosa? Sr. Madruga: O que disse?
Chavo: La be. Chaves: O be?
Don Ramón: ¿Qué pasa? Sr. Madruga: O que tem?
Chavo: Nada. Chaves: Nada!
Don Ramón: ¿Entonces? Sr. Madruga: E então?
As palavras burro e vaca, pelo contexto, se relacionam à palavra
cara referindo-se ao Seu Madruga, insinuando sua semelhança com os
referidos animais. Trocadilho que dá a entender que Chaves insulta Seu
Madruga, chamando-o de burro ou vaca, o que na cultura de partida é
equivalente a ser chamado de tonto e este jogo de palavras criado nesta
situação comunicativa tem sentido semelhante na cultura de chegada, de modo
que o humor pode ser recriado pela recepção.
Quadro 7 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Seu Madruga se irrita e fica confuso com as perguntas.
Chavo: Yo lo que pregunto ¿es que be?
Chaves: Estou perguntando que ve!
Don Ramón: Yo veo es lo que se me pega a regalar las ganas. ¿Qué te importa? ¿De qué diablos estás hablando?
Sr. Madruga: Eu vejo o que me dá vontade! E você o que tem a ver com isso? Além disso, eu... Mas de que diabos está falando?
Em espanhol, há um trocadilho entre a letra b(be) e o verbo ver, pela
semelhança fonética, quando este verbo está conjugado na terceira pessoa do
singular, como no enunciado em questão. Na tradução do fragmento acima,
verificamos a opção pelo som /v/ em detrimento do /b/, mais próximo do som
proferido no texto de partida, recriando, assim, a semelhança fonética entre a
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letra V e o verbo ver, conjugado no presente da terceira pessoa do singular,
familiar ao público-alvo da dublagem.
Quadro 8 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín (Dia de São Valentim).
Trilha original Trilha dublada
Chavo: De la letra. Chaves: Da letra!
Don Ramón: ¿De qué canción? Sr. Madruga: De que canção?
Chavo: No, no es canción. Chaves: Não é canção!
Don Ramón: ¿Entonces? Sr. Madruga: E então?
O contexto estabelece um trocadilho semântico entre a letra do
alfabeto em questão e a letra de uma música. Verificamos, nesse caso, que a
tradução mantém o trocadilho semântico, uma vez que o mesmo é possível na
cultura de chegada sem nenhum prejuízo para a compreensão.
Quadro 9 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín ( Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Chiquinha se junta a Chaves e a Seu Madruga para explicar o problema.
Chilindrina: Mira, es yo quiero mandar una tarjeta de día de San Valentín...
Chiquinha: Ora, é que eu quero mandar um cartão porque hoje é dia de São Valentim.
Don Ramón: Bueno, ¿Y? Sr. Madruga: Bem. E? Chavo: ¿Usted sabe escribir? Chaves: O senhor sabe escrever?
Don Ramón: Claro que sí. Sr. Madruga: Claro que sei! Chavo: Aí, por fin. ¿Con qué be? Chaves: Ainda bem! Com que vê?
Don Ramón: Con los ojos. Sr. Madruga: Com os olhos!
Chavo: ¿Pero, de burro o de vaca? Chaves: Mas de burro ou de vaca?
Identificamos no trecho acima, a retomada e o reforço das situações
anteriores que dão a entender que Chaves duvida que Seu Madruga saiba
realmente escrever. Nesse sentido, Chaves insulta Seu Madruga dizendo que
ele tem aspectos de burro ou de vaca; é reestabelecido o trocadilho fonético
entre o som da letra B e o verbo ver conjugado no presente do indicativo em
terceira pessoa do singular no espanhol; e novamente a tradução faz opção
pelo som /v/ em detrimento do /b/, mais próximo do som proferido no texto de
partida, recriando, assim, a semelhança fonética entre a letra V e o verbo ver,
familiar para o público da dublagem; bem como o aspecto cultural também
retomado.
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Quadro 10 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Día de San Valentín ( Dia de São Valentim).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Chiquinha se coloca entre os dois para acalmar os ânimos.
Chilindrina: Espera, papá. Yo te voy a explicar desde el principio. Yo quiero escribir una tarjeta de día de San Valentín...
Chiquinha: Espera ai, papai, espera... eu vou explicar desde o começo. Eu quero escrever um cartão de dia de São Valentim...
Don Ramón: Bien, ¿Y? Sr. Madruga: Sim. E?
Chilindrina: Es que yo no sé con qué letra se escribe Valentín, se es con be de burro o con be de vaca.
Chiquinha: E eu não sei com que letra se escreve Valentim, se é com be de burro ou ve de vaca...
Don Ramón: Acabáramos. ¿Y la tarjeta te vas a mandar al Chavo?
Sr. Madruga: Ah, agora entendi. E esse cartão você vai mandar pro Chaves?!
Chilindrina: Sí. Chiquinha: Sim!
Don Ramón: Es con be de buey. Sr. Madruga: É com Che de chato!
Na cultura do texto original, dizer que alguém está como boi ou vaca
é chamá-lo de lerdo. Em português esta mesma colocação até é
compreensível, porém não usual ou pelo menos não tem tanta ênfase. Como
no texto de partida o autor usou um terceiro elemento (buey – boi) para destoar
de burro e vaca, no texto de chegada o tradutor manteve a ideia com o terceiro
elemento (chato). Desta forma, enquanto no espanhol a comicidade continua
atrelada à sonoridade da letra B, mas agora associada à palavra buey para
qualificar o Chaves (quebra de expectativa); na tradução, a relação sonora das
letras em questão desaparece, estabelecendo-se uma relação sonora entre as
iniciais das palavras Chaves-chato (recriação da quebra de expectativa).
Observamos, então, neste fragmento, a manutenção das estratégias
supracitadas, estabelecendo uma coerência interna na dublagem com apenas
a substituição de um elemento, mas mantendo a ideia principal de quebra de
expectativa e de relação sonora entre as palavras.
A partir de agora, analisaremos o segundo episódio intitulado
Chilindrina con variuela (A Chiquinha com Catapora). Nele, Seu Madruga
inventa que Chiquinha está doente para que Seu Barriga não lhe cobre o
aluguel. Depois, o pai descobre que a filha também havia inventado uma
doença para não ir à escola. Todos acreditam que ela está com catapora e, por
ser uma doença contagiosa, ninguém quer se aproximar dela, exceto o
Chaves, que quer ficar doente para comer a refeição do hospital e também
porque ele ouviu alguém dizer que ela estava com ciriuela (em espanhol
significa ameixa), então, Chaves vem pedir algumas ameixas à Chiquinha.
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Temos, portanto, uma situação em que o texto original apresenta um trocadilho
entre os vocábulos ciruela(ameixa) e viruela(catapora). Vejamos então qual a
estratégia usada pelo tradutor para solucionar o problema encontrado neste
segundo episódio:
Quadro 11 – Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio
Chilindrina con variuela (A Chiquinha com Catapora)
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
No pátio, várias personagens evitavam contato com Chiquinha ou Seu Madruga para não pegarem catapora. Aos poucos, todos saem de cena e ficam apenas o Chaves e Seu Madruga.
Don Ramón: ¿Y tú qué? Sr. Madruga: E você. O quê?
Chavo: ¿Qué qué? Chaves: O quê o quê?
Don Ramón: ¿Por qué no te vas? Sr. Madruga: Por que não se manda?
Chavo: Yo querría ver se a chilindrina me da una.
Chaves: Porque eu tô querendo ver se a Chiquinha me empresta.
Don Ramón: ¿Una qué? Sr. Madruga: Empresta? Chavo: Pues yo oí que la Chilindrina tiene ciruelas.
Chaves: Pois eu ouvi que a Chiquinha tem um cata-vento...
Don Ramón: No son ciruelas, son viruelas y por cierto viruelas muy especiales.
Sr. Madruga: Não é cata-vento, é catapora. E é uma catapora muito especial.
Verifica-se no fragmento acima, que no texto de partida, há uma
confusão em relação às palavras viruelas e ciruelas que têm grafia e pronúncia
muito semelhantes. O sentido e a comicidade da cena são reforçados pela
composição da figura do protagonista da série, garoto pobre e faminto que
sempre pensa em comida, chegando, neste caso, a confundir o nome de uma
doença com o nome de uma fruta.
No texto de chegada, observamos que houve uma reformulação no
nível lexical, pois, no português brasileiro, a aproximação fonética entre as
palavras viruela e ciruela, se traduzidas literalmente, não é possível. Neste
caso, o tradutor deu ênfase à doença, foco temático do episódio, e buscou
recriar uma aproximação sonora no início do nome da doença catapora com o
brinquedo cata-vento.
O sentido e a comicidade da cena são reformulados, suprimindo uma
característica importante da personagem Chaves que é a privação de
alimentos, mas contemplando outro aspecto de composição do protagonista,
no caso, sua privação a brinquedos e à infância. Logo, temos uma substituição
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de elemento no campo semântico, mas manutenção da ideia principal que é
doença x carência.
Iniciamos aqui a análise do episódio Sin Piñata no hay Posada (Sem
Pinhata não tem Festa), que é o terceiro e último episódio selecionado para
este trabalho. Neste episódio, a vizinhança da vila prepara uma festa, e como é
tradição nas festas mexicanas tem que haver pinhatas (conhecidas no Brasil
também como pinhata e em algumas regiões como pichorra). Todos se
organizam e dividem as tarefas. Quico e Chaves ficam responsáveis para fazer
as pinhatas. Para assegurar que o trabalho será feito, Seu Madruga se
encarrega de fiscalizar e cobrar o trabalho dos garotos. Encontramos aqui
situações distintas uma da outra, como substituições que reformularam o texto
com domesticação, problema de não equivalência linguística de vocábulos
heterossemânticos (em espanhol) o que não ocorre em português em relação
às mesmas palavras, tal como uso de expressões de uso popular que só tem
sentido para cultura de chegada. Observemos, então, a partir das seguintes
análises:
Quadro 12 – Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin Piñata no hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Dona Florinda está entrando no pátio quando esbarra com Seu Madruga que se abaixou para apanhar uma caixa.
Doña Florinda: ¿Pero qué es esto? ¿A quién se le ocurre…?
Dona Florinda: Mas o quê que é isso? Quem será que foi a criatura...?
Don Ramón: Perdón, es que venía por esta caja de refrescos.
Sr. Madruga: Me agachei para pegar essa caixa de refrescos.
Doña Florinda: Ah, sí. ¿Me quiere decir a quien le ocurrió adornar la vecindad como porquería de barrio?
Dona Florinda: Tá bom! Eu quero saber quem teve a ideia de enfeitar o pátio da vila como se fosse um boteco de bairro?
Don Ramón: ¿Porquería de barrio? Pues está muy equivocada señora. La vecindad está adorna como para una posada. Porque hoy por la noche vamos a hacer la posada de la vecindad.
Sr. Madruga: Como boteco de bairro? A senhora está muito enganada! Nós enfeitamos a vila para uma festa. Fique sabendo que hoje é a noite dos grandes festejos aqui na vila.
Doña Florinda: Claro. Un pretexto más para rogorios de la chusma.
Dona Florinda: Claro! Mais uma desculpa para a gentalha fazer farra.
Don Ramón: Pues sí, pero casi todos los vecinos pusieran 20 pesos por cabeza y digo casi porque hay una persona que no postó nada.
Sr. Madruga: É. Mas quase todos os vizinhos deram 20 mangos cada um. Digo quase porque há uma senhora que não deu nada!
Doña Florinda: ¿Qué quiere usted decir?
Dona Florinda: O que o senhor quer dizer?
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No pátio, sobre uma mesa, Quico e Chaves preparam a pinhata com cola e papel colorido, quando chega Dona Florinda.
Don Ramón: Pues que usted también debe poner.
Sr. Madruga: Que também tem que dar dinheiro!
Doña Florinda: ¡Ni que fuera gallina!
Dona Florinda – Nem que eu fosse o Silvio Santos! Gentalha!
Doña Florinda: ¿Qué estás haciendo tesoro?
Dona Florinda: O que está fazendo, tesouro?
Kiko: Estamos componiendo la piñata. Don Ramón dijo que sin piñata no hay Posada.
Quico: Estamos fazendo a pichorra. O seu Madruga disse que sem pichorra não tem festa.
Chavo: Trabajamos mucho porque nos costó mucho trabajo para conseguir el papel y la cola.
Chaves: É... estamos trabalhando muito porque deu muito trabalho para conseguir o papel e o grude.
Doña Florinda: ¿Cuál cola? (con espanto)
Dona Florinda: Que grude? (com espanto)
Chavo: Pues esta. ¿Con que cree que estamos pegando los papeles?
Chaves: Este. Como acha que estamos colando os papeis?
Doña Florinda: No se pegan con cola, se pegan con el grudo.
Dona Florinda: Não é com grude é com cola.
Kiko: ¿Con el grudo? Quico: Com cola?
No inicio do episódio, Dona Florinda e Seu Madruga começam a
discutir porque Dona Florinda não contribuiu financeiramente para a festa da
vizinhança e Seu Madruga diz que “Pues que usted también debe poner.” (Pois
você também deve por dinheiro) e Dona Florinda responde “¡Ni que fuera
gallina!” (Nem se fosse uma galinha), fazendo um trocadilho porque Seu
Madruga usou o verbo poner (que significa por). Neste caso o tradutor optou
por domesticar o texto, colocando no lugar do elemento galinha e do verbo por,
o Silvio Santos que é uma figura bastante conhecida no Brasil, principalmente
quando se trata de dar dinheiro. E desta forma ao invés de dizer "nem que
fosse uma galinha”, Dona Florinda diz “Nem que eu fosse o Silvio Santos”
trazendo o texto para mais próximo da cultura de chegada.
Na segunda situação vemos que, em espanhol, o vocábulo cola
adquire outros significados que variam de acordo com o contexto em que for
empregado. Além do mais, esta palavra (cola) constitui para nossa a tradução
(espanhol-português) um heterossemântico, ou seja, palavra com grafia igual,
mas com significado diferente. Dentre seus significados em espanhol
encontramos “fila” ou “calda” e, por último e menos usual, a própria “cola”,
sendo que para este fim o mais usual seria “pegamento” ou “grudo” e
raramente “cola”. Com estas considerações, é possível compreender que Dona
Florinda se espante que os meninos digam que deu trabalho arranjar papel e
calda para fazer a pichorra. Esta tradução, se feita assim literal, pareceria no
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mínimo deselegante e porque não dizer agressiva ao público de chegada, pois
a compreensão do trocadilho se perderia, já que não existe relação entre os
vocábulos supracitados em língua portuguesa para promover um jogo de
palavras semelhante que justificasse falar da calda (rabo) do vizinho.
Desse modo, observamos que se apresentou apenas uma inversão
no nível lexical (cola por grude), pois na cultura de chegada o uso de grude,
nesse contexto, é menos comum, o que justificaria o espanto de D. Florinda.
Quadro 13 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin Piñata no hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Trilha original Trilha dublada
Doña Florinda: Si, Tesoro. ¿Y qué clase de cola están usando?
Dona Florinda: Sim, tesouro. E que tipo de cola estão usando?
Kiko: La cola del vecino. Del vecino que es carpintero.
Quico: É cola de colar. Daquelas que colam as coisas.
Doña Florinda: Oiga, ¿Y quien trajo el papel de china?
Dona Florinda: Tá, tá. E de onde vem esse papel?
Chavo: No, lo trajimos de más cerquita. Chaves: Bom, ganhamos da porteira da vila.
No fragmento acima, o uso da palavra cola é mais uma vez
substituído de forma sutil por outros elementos, utilizando-se um novo campo
semântico, necessitando, portanto, de reformulação para o texto de chegada.
Partimos então para uma nova questão que é o papel da China, que para nós
(português do Brasil) é o mesmo que papel de seda. No referido fragmento,
Dona Florinda pergunta quem trouxe o papel da China, ou seja, quem deu esse
tipo de papel aos garotos, e Chaves responde que não o trouxeram da China
que foi de mais pertinho. É notável que não se mantém o trocadilho de
vocábulos do texto original porque o mesmo papel, no texto de chegada, não
tem nome de um lugar.
Para resolver este impasse, o tradutor optou pela omissão do
elemento “origem do papel” e reformulação do texto com apresentação de um
novo elemento “a porteira da vila”, o que causa estranheza, já que não se vê
nenhuma porteira durante todo o seriado.
Quadro 14 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin Piñata no hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Doña Florinda: Ah, Chavo, me refiero a la
Dona Florinda: Ai, Chaves, eu falei que tipo de papel.
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Dona Florinda se dar por vencida e vai para casa.
clase de papel.
Kiko: Está bonito, ¿verdad? Es papel de hija.
Quico: Está bonito, não está? É papel de tudo.
Doña Florinda: ¿De hija?
Dona Florinda: Papel de tudo?
Kiko: De hija del carpintero. La hija nos regalo papel y el carpintero nos regalo la cola.
Quico: De tudo quanto é tipo. É que a porteira deu muitos papeis velhos pra gente.
Doña Florinda: Bueno, procura no ensuciarte mucho, tesoro.
Dona Florinda: Tá, tesouro, tá. Procura não se sujar, tesouro.
Kiko: Si, mamacita. (...)
Quico: Sim, mamãe. (...)
Na sequência do fragmento em que Dona Florinda insiste em saber
o tipo de papel, Quico responde que é “papel de filha” (tradução literal do texto
de partida) e depois completa que a filha do carpinteiro deu o papel para eles.
Em português, Quico diz que é “papel de tudo” (de tudo que é tipo). É mantida,
assim, a substituição, agora da filha pela porteira para induzir à coerência do
contexto criado anteriormente.
Quadro 15 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin Piñata no
hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Descrições das imagens
Trilha original Trilha dublada
Quico cola o papel na mão e tenta tirar sem sucesso. Chaves tenta ajudar e fica colado. Então chega Seu Madruga, que toma o papel e fica colado também. Seu Madruga já está de saída quando Chaves grita “cuarenta y uno” e ele volta bem zangado.
Don Ramón: ¿Por qué no están trabajando? Sin piñata no hay posada, ¿no?
Sr. Madruga: Por que não estão trabalhando? Lembrem-se de que sem pichorra não tem festa.
Kiko: Ai que ya va con cuarenta veces que nos dices lo mismo.
Quico: Ai, o senhor já repetiu isso umas quarenta vezes.
Don Ramón: Lo torno a repetir: sin piñata no hay posada.
Sr. Madruga: Sim e eu vou repetir: sem pichorra não tem festa.
Chavo: cuarenta y uno... Chaves: Ora, não me diga!
Don Ramón: ¿Qué? Sr. Madruga: O quê?
Chavo: Cuarenta y una veces que nos dices lo mismo.
Chaves: Ora, não me diga, pois já sei que sem pichorra não tem festa.
Don Ramón: Mira Chavo, solo no te doy una... solo no te doy otra porque... ¿De dónde sacaron este pegamento?
Sr. Madruga: Olha Chaves, só não te dou uma porque... só não te dou outra porque... onde conseguiram esta cola?
Produzir pinhatas, decorar a festa com elas e quebrá-las depois são
traços culturais fortes da cultura mexicana. O uso da pinhata na cultura de
chegada é um evento esporádico, que neste caso, apesar de demarcar a
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estrangeirização do seriado não impossibilita a compreensão e
contextualização do objeto.
Em seguida, vemos a passagem onde Seu Madruga (no texto de
partida) é chamado pelo Chaves de “cuarenta y uno”, o que pela reação da
personagem conota ser um palavrão (xingamento). Quando Seu Madruga volta
para bater no Chaves, este se corrige colocando a expressão no feminino e
dizendo que já faz quarenta e uma vezes que ele diz a mesma coisa. O humor
é formado pelo fato de Seu Madruga ser ofendido e não poder revidar, já que
os argumentos do garoto são convincentes. É importante que se diga que a
expressão “Cuarenta y uno”, na cultura de partida, é uma variação linguística
de menor prestígio social referente à homossexualidade. Considerando que o
seriado Chaves tem como alvo o público infantil, a substituição deste termo por
outro de valor semelhante poderia não se adequar devidamente ao contexto,
causando a sensação de inadequação do seriado à faixa etária. Assim a
expressão em questão é trocada por um irônico “Ora, não me diga!”, bem típico
das crianças que gostam de reclamar, e insinua apenas que Chaves foi
sarcástico.
Quadro 16 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin Piñata no hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Trilha original Trilha dublada
Don Ramón: Mira Chavo, solo no te doy una... solo no te doy otra porque... ¿De dónde sacaron este pegamento?
Sr. Madruga: Olha Chaves, só não te dou uma porque... só não te dou outra porque... onde conseguiram esta cola?
Chavo: De la cola de un vecino. Chaves: Intrometido!
Don Ramón: ¿Qué? Sr. Madruga: O que disse?
Chavo: Sí, de un carpintero que vive en el 39. Chaves: ora, o intrometido que mora no 39. Kiko: Sí, nosotros no teníamos embrujo el carpintero nos regalo su cola.
Quico: É a gente não tinha com que colar e ele deu a cola pra gente.
Como já falamos anteriormente, a presença do vocábulo “cola” com
sentido de calda (rabo) não faria sentido na língua de chegada. Para remediar
esta situação, o tradutor opta por trocar a expressão “da calda de um vizinho”
(texto de partida) por “intrometido” (texto de chegada) retomando o aspecto de
humor no fato do Chaves mais uma vez implicar com Seu Madruga chamando-
o de metido por querer saber da cola e corrigindo como se tivesse chamando o
vizinho do 39 de metido por se oferecer para ajudar com o material para
pinhata.
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Quadro 17 - Mapeamento das estratégias tradutórias de uma cena do episódio Sin
Piñata no hay Posada (Sem Pinhata não tem Festa).
Trilha original Trilha dublada
Kiko: Sí, nosotros no teníamos embrujo y el carpintero nos regalo su cola.
Quico: É a gente não tinha com que colar e ele deu a cola pra gente.
Don Ramón: ¡Ah, qué bien! Ahora vas a tener con que espantarte las moscas... cállate, cállate y sigues trabajando. Tengo que mirar con qué me quito esto.
Sr. Madruga: Ah, que bom. Agora vai ter com que colar o seu cérebro. Cala a boca e continua trabalhando. Tenho que ver como soltar isso.
Chavo: (risos) Chaves: (risos)
Kiko: ¿De qué te ríes? Quico: Você tá rindo do quê? Chavo: Que te vas a espantar las moscas con la cola... Te dijo cara de vaca.
Chaves: Vai colar o seu cérebro com cola porque é muito burrico.
Nas duas primeiras linhas deste quadro encontramos uma situação
conflitante, pois a expressão “no teníamos embrujo y el carpintero nos regalo
su cola” (não tínhamos embrulho e o carpinteiro nos presenteou com sua
calda) embora para a cultura de partida seja apenas um trocadilho engraçado,
para a cultura de chegada seria pejorativa e com grande conotação sexual.
Para sanar esta divergência, o tradutor deixou a palavra cola que aqui, neste
contexto, só tem sentido de grude mesmo. Temos, portanto, a tradução literal
de um elemento que serviu para facilitar a tradução.
Em seguida, no texto de partida, Seu Madruga faz uma piada
chamando o Quico de vaca (tonto) e que ganhou uma calda para espantar as
moscas, movimento típico deste tipo de animal. O Chaves riu e disse que Seu
Madruga “lhe chamou de cara de vaca” (texto de partida). No texto de chegada
como a palavra cola foi usada como líquido que gruda, Chaves diz que “vai
colar o cérebro porque é burrico”. Desse modo, como não havia equivalência
semântica para manter a piada, houve reformulação e os elementos vaca,
calda e moscas foram omitidos. Logo, temos a reformulação do texto, com
substituição de elementos, mas com a manutenção do humor baseada na
mesma ideia que é chamar Quico de tonto, pois como já vimos anteriormente,
na cultura do texto original, dizer que alguém está como boi ou vaca é chamá-
lo de lerdo. Essa ideia é sustentada com a troca do elemento vaca por burro
que insinua que a personagem tem o raciocínio lento.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo descrever e analisar as estratégias
tradutórias na dublagem do seriado mexicano Chaves para traduzir situações
cômicas atreladas a aspectos linguísticos e culturais da língua de partida.
Verificamos, neste estudo, que o tradutor adotou diferentes
estratégias, optando, na maioria das vezes, pela domesticação ao invés da
estrangeirização. No entanto, em alguns casos, em consequência de
elementos visuais ou por falta de correspondente linguístico direto, a
estrangeirização não pode ser evitada. Em casos mais complexos, utilizou-se
da reformulação do texto priorizando a manutenção do humor e, quando
possível, a manutenção dos campos semânticos. Percebemos que as
estratégias mais recorrentes na tradução do humor do referido seriado são as
que privilegiam a manutenção do humor na língua de chegada, adequando o
texto audiovisual às situações linguísticas e socioculturais do público ao qual o
produto se destina.
Esperamos ter contribuído de alguma forma para a discussão a
respeito da Tradução do Humor, da Dublagem e de estratégias de tradução.
Sem termos, no entanto, e nem poderíamos, a pretensão de encerrar tão rica
discussão. Esperamos, ainda, ter incutido o mínimo de sensibilidade para a
questão teórico-prática do humor, considerando que nosso país e,
principalmente, nosso estado, seja referência nesta modalidade textual que
garante, portanto, amplo material a ser explorado e incentivado.
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REFERÊNCIAS
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CHAUME, Frederic. Cine y Traducción. 1ª edição, Madri: Ediciones Cátedra,
2004.
FRANCO, Paulo; JOLY, Luis; THULER, Fernando. Foi sem querer querendo.
Local: Editora Matrix, 2005.
LIMA, Cristiano Rocha de. Legendando nas Garras da Patrulha para
Surdos. 2010. Dissertação de Graduação. Universidade Estadual do Ceará,
2010.
OLIVEIRA, Gregório Magno Viana. A Tradução de Referências Culturais na
Dublagem de “Everybody Hates Chris”. 2011. Dissertação de
Especialização em formação de Tradutores. Universidade Estadual do Ceará,
2011.
QUINO. Mafalda. Buenos Aires, Argentina: Ediciones de la flor, v.1, 2003.
ROSAS, Marta. Tradução de humor: transcriando piadas. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2002.
SAMPAIO, Patrícia Moreira. O Ensino da Tradução do Humor: Um Estudo
com as Tiras da Mafalda. 2008. Dissertação de Mestrado – não publicada.
Universidade Estadual do Ceará, 2008.
SILVA, Nilson Roberto Barros da. Um Estudo sobre a Recepção do Humor
Traduzido. 2006. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual do Ceará,
2006.
VENUTI, Lawrence. The Scandals of Translation: Towards an Ethics of
Difference. London & New York: Routledge, 1998.