as estruturas verticais na improv de bill evans

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  • 8/14/2019 As Estruturas Verticais Na Improv de Bill Evans

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    Somos entusiastas do estudo da improvisao, seja ela no jazz ou em qualqueroutro gnero musical, porque entendemos que nela o msico revela, ao mesmo tempo, asua originalidade criativa e a capacidade de organizao dos mais variados recursos

    musicais. Evidentemente, na improvisao o msico acaba por fazer uso dedeterminadas solues, os conhecidos padres (patterns) de organizao meldica,harmnica e rtmica que vem a ser, afinal, solues imediatas que ele utiliza naconstruo da sua performance.

    Assim, podemos vislumbrar o momento da performance como uma cadeia decriao e de formao de padres musicais, estruturas, contornos e frmulas querevelam, em ltima instncia, o modus pensandi ou a esttica do msico. Afinal, amsica estruturada na mesma medida em que tocada.

    2. A pesquisa

    Em nossa pesquisa de Mestrado que desenvolvemos no Departamento de Msica doInstituto de Artes, com o apoio do Ncleo Interdisciplinar de Comunicao Sonora(Nics), ambos pertencentes Universidade Estadual de Campinas - Unicamp,

    procuramos utilizar a organizao vertical das notas executadas por Evans durante aimprovisao como fator de caracterizao do seu estilo pianstico. Chamamos deestruturas verticais (EVs) quaisquer organizaes de notas considerado o planoespacial e desconsiderando o plano temporal.

    Grosso modo, a msica pode ser compreendida como uma organizao derecursos musicais distribudos nos planos espacial e temporal. Quando pensamos emorganizao espacial focalizamos o som independentemente de sua sucesso no tempo.

    Em outras palavras, desconsideramos a indexao temporal dos eventos sonoros paranos concentrar nos eventos em si mesmos.

    Como veremos abaixo, estudamos principalmente as relaes intervalaresexistentes em cada estrutura vertical. primoroso se investigar, entre outras questes,como as estruturas verticais so distribudas no espao, considerados os limites fsicosdo instrumento. De que maneira, por exemplo, o msico opta por determinadas regiesdo piano em detrimento de outras. Dada uma mesma organizao intervalar o resultadotimbrstico ser diferente se tocada em diferentes regies do piano.

    3. A literatura

    A importncia relativa das estruturas verticais em Evans evidenciada por diversos pesquisadores. Encontramos em Gridley (1998), Widenhofer (1988), Berardinelli(1992) e Reilly (1992) estudos especficos sobre a obra de Evans.

    Afirmam estes estudiosos e os msicos em geral que a principal caracterstica daharmonia em Evans est no uso de voicing variados, complexos e originais,demonstrando grande imaginao e versatilidade. O termo voicing, muito utilizado no

    jazz, designa, em sentido genrico, qualquer alinhamento vertical de notas. Em sentidomais estrito, no Brasil, convencionou-se traduzi-lo como "harmonia de apoio"

    Os aspectos mais importantes da harmonia estavam na

    variedade de voicings complexos e altamente originais. ...Seus voicings de trs e quatro notas eram dignos de nota

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    e se tornaram parte integrante do vocabulrio jazzstico.... Alm de usar um novo estilo de voicings na moesquerda, ele tambm alterou seus voicings da mo direita

    tornando-os mais cheios, freqentemente dobrando asnotas da melodia em oitavas enquanto que anteriormentehavia pouca, se qualquer, duplicao de notas."[Berardinelli, 1992]

    Evidentemente, o conceito de voicingest intimamente ligado ao de estruturavertical e esses termos so, muitas vezes, usados como sinnimos. Dizemos que todo equalquer voicing uma estrutura vertical. Talvez o inverso no seja verdadeiro, namedida em que poderamos conceber estruturas verticais que seriam desprovidas desentido musical ou esttico, dentro de um contexto harmnico previamente definido, oque acreditamos que ocorre com as voicings. Mehegan (1965), por exemplo,

    sistematizou o uso freqente de determinados voicings usados no jazz moderno, queento acontecia nos anos 60.

    O prprio Evans, que sempre se mostrou muito bem articulado ao discorrersobre seus conceitos e idias musicais afirmou que:

    "Ao formular meu estilo fui muito analtico. Para cadanota que eu toco tenho um princpio muito preciso e umarazo terica ... tenho sido muito consciente em separartudo de maneira a compreender o mais completamente que

    posso" [Berardinelli, 1992]

    4. A metodologia

    Como vimos acima, de um lado, um dos momentos da "inteligncia musical" encontra-se na execuo. De outro, contudo, a anlise musical tem que passar obrigatoriamente

    por algum sistema de representao para que se possa fazer uso da capacidade de processamento dos computadores. A complexidade da informao levou aodesenvolvimento de mecanismos mais apropriados para sua recuperao e, porextenso, criaram-se algoritmos e outras tantas tcnicas para recuperao da informaomusical. Nessas buscas procuram-se encontrar seqncias de acordes, estruturasrtmicas, etc., em grandes bancos de dados de maneira automtica.

    De fato, dentre os diversos sistemas de representao musical, ainda que falho

    em questes como o timbre e articulaes particulares de cada instrumento, o protocoloMIDI possui qualidades intrnsecas apropriadas no que diz respeito indexao dotempo dos eventos musicais aproximando-se muito, neste aspecto especfico, daorganizao temporal do momento da criao. A despeito das crticas comumente a eleatribudas, reiteramos que o protocolo MIDI apropriado para o registro de certosaspectos musicais, que levam ao detalhamento da abordagem cognitiva, possibilitandouma analise mais completa.

    A maneira que visualizamos de chegarmos mais prximos do momento dacriao musical de Evans foi utilizarmos transcries de suas gravaes. Conhecamos aexistncia de timas transcries disponveis e decidimos escolher dentre estas,

    estabelecidos alguns parmetros de seleo, como a importncia relativa dos temas, a

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    diversidade e a representatividade de gneros, andamentos, formao instrumental, etc.Escolhemos as seguintes gravaes:

    Autumn Leaves (18/12/59) lbum Portrait in Jazz (Riverside) Peri's Scope (28/12/59) lbum Portrait in Jazz (Riverside) Waltz For Debby (25/06/61) lbum Waltz for Debby (Riverside) Here's That Rainy Day (30/09/68) lbum Alone (Verve) You Must Believe In Spring (23/08/77) lbum You must believe in

    Spring (Warner Bros) Up With The Lark (06/06/80) lbum Turn Out The Stars The Final

    Village Vanguard Recordings (Warner Bros)

    Os passos seguintes foram:

    (i) criao dos arquivos MIDI, com a ajuda de um software de ediomusical;

    (ii) converso dos arquivos MIDI em arquivos texto com o uso do softwareMf2txt, separando-se em canais diferentes a clave de sol da clave de f;

    (iii) organizao dos dados de note number em planilhas eletrnicas;

    (iv) montagem das estruturas verticais com a ajuda de um aplicativodesenvolvido no Nics, que transps para a mesma linha de uma tabela asocorrncias de note number pertencentes a um mesmo momento; e

    (v) organizao e inventrio das estruturas verticais, contagem das maisfreqentes, etc.

    As informaes de nota extradas da forma acima descrita possibilitam a anlisede diversas estruturas musicais, das mais simples (notas, intervalos) s mais complexas(estruturas verticais intervalares - EVIs). Avaliados os dados, podemos encontrarinformaes precisas quanto a textura, densidade e qualidade timbrstica das estruturas,

    por exemplo.

    Em nossa pesquisa, apesar de apresentarmos dados genricos sobre outrasestruturas, detivemo-nos mais atentamente nas estruturas verticais intervalares que,como vimos acima, constituem uma das caractersticas inovadoras de Evans.

    As estruturas verticais intervalares foram organizadas inicialmente em trsgrupos: mo direita, mo esquerda e mos juntas. Um segundo nvel de organizao, a

    que chamamos de gnero, definimos como sendo o nmero de notas de cada estrutura.Finalmente, identificamos para cada grupo e gnero, as estruturas (espcies) e suafreqncia.

    5. Os resultados

    Elaboramos a partir dos dados colhidos diversas relaes com o cruzamento deinformaes entre estruturas musicais diferentes. A ttulo de exemplo, citamos apenasalgumas delas.

    De maneira global nas seis transcries, o nmero mximo de gneros de EVIsde mo direita, esquerda e mos juntas 5, 4 e 9, respectivamente. O resumo das mdiasdas EVIs por gnero encontra-se no grfico abaixo:

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    0%

    10%

    20%

    30%40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    1n 2n 3n 4n 5n 6n 7n 8n 9n

    md

    me

    mj

    Figura 1. Grfico da mdia das EVIs por gnero

    V-se que, de fato, excetuando-se as EVs de 1 nota, que so as mais freqentesem quaisquer dos grupos, as EVIs mais freqentes so as de gnero de duas, trs equatro notas.

    Tambm a ttulo de exemplo, mostramos abaixo algumas espcies de EVIs demo esquerda mais freqentemente usadas por Evans.. Os nmeros acima das notasindica o percentual da estrutura, dentro do mesmo gnero.

    Figura 2. EVIs de duas notas de mo esquerda mais freqentes

    Figura 3. EVIs de trs notas de mo esquerda mais freqentes

    6. Concluso

    Iniciamos nossa pesquisa com a indagao sobre a possibilidade de encontrarmos, defato, na obra pianstica de Bill Evans uma coerncia no uso de determinadas estruturas

    verticais mencionadas no trabalho de Berardinelli e de outros pianistas e educadores dejazz, que de fato pudessem estabelecer caractersticas especficas e particulares do seuestilo musical.

    Conforme vimos anteriormente, este fato pde ser comprovado atravs dafreqncia elevada de algumas espcies de estruturas verticais de duas, trs e quatronotas, como as que mostramos acima.

    Pudemos tambm constatar, atravs da referida metodologia, que possvel,com o uso de recursos computacionais bsicos, a extrao de inmeras informaesrelativas ao estilo musical, fato que ficou especialmente evidenciado na sistematizao eorganizao das estruturas verticais. Acreditamos que os resultados apresentados

    provem meios para anlises consistentes que tm um alto grau de preciso.

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    Entendemos que diversas possibilidades de investigaes so abertas a partirdeste trabalho, como por exemplo, a de se demonstrar paralelos entre as nossasdescobertas e caractersticas semelhantes na improvisao de outros pianistas de jazz.

    7. Bibliografia

    ASSAYAG, Grard, BEJERANO Gill, DUBNOV, Shlomo, LARTILLOT, Olivier.Automatic modeling of musical style. Proc. ICMC 2001, La Habana, Cuba.

    BERARDINELLI, Paula. Bill Evans: His contributions as a jazz pianist and an analysisof his musical style. New York: New York University, 1992. Tese de Doutorado.

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    GRIDLEY, Mark C. Jazz Styles: History and Analysis. Englewood Cliffs, N.J.:Prentice-Hall, 1988.

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    REILLY, Jack. The Harmony of Bill Evans. New York: Unichrom Ltd., 1992.

    WIDENHOFER, Stephen Barth. Bill Evans: An analytical study of his improvisationalstyle through selected transcriptions. Greeley, Colorado: University of NorthernColorado, 1988. Dissertao (Doctor of Arts).