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THAIS PAULINA GRALIK
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE ARTES VISU AIS
NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA CULTURA VISUAL
FLORIANÓPOLIS - SC
2007
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
THAIS PAULINA GRALIK
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE ARTES VISUA IS
NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA CULTURA VISUAL
FLORIANÓPOLIS – SC
2007
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Teresinha S. Franz
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THAIS PAULINA GRALIK
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DAS ARTES VISU AIS
NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS DA CULTURA VISUAL
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais, na
linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais.
Banca examinadora:
Orientador: ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Teresinha Sueli Franz (CEART/UDESC)
Membro: ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Neli Klix Freitas (CEART/UDESC)
Membro: _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Maria P. Liblik (UFPR)
Florianópolis, 16 de agosto de 2007.
3
Dedico este trabalho a Deus e a minha mãe, por sua generosidade, diplomacia e inteligência peculiares, que me fazem crer que tudo é possível de ser realizado.
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AGRADECIMENTOS A Deus, em primeiro lugar e a Roselis, mãe e companheira, pelo seu apoio,
incentivo e muitas colaborações que recebi nesta caminhada, tendo a graça de
poder contar com sua presença e paciência em todos os momentos, difíceis ou
alegres, que jamais poderei agradecer suficientemente.
Aos professores do mestrado, em especial, à Dr.ª Sandra R. Ramalho, pelo
respeito e admiração que sinto por sua capacidade, profissionalismo e devoção ao
ensino, que me proporcionaram um sério aprendizado, conquistando meu coração,
transformando este mestrado em algo muito especial para mim. À Dr.ª Yara R.
Guasque, por seu brilho intelectual e por ter-me proporcionado um reencontro com a
arte e as novas tecnologias, plantando sementinhas.
Aos professores que ministraram os Seminários Temáticos intensivos, Dr.
Sérgio Basbaum, por sua dedicação e Dr.ª Analice D. Pillar, pela oportunidade de ter
compartilhado sua luz e seu amor contagiante pelo ensino da Arte.
Aos membros da Banca, Dr.ª Neli K. Freitas, que contribuiu na área de
Metodologia de Pesquisa, com seu bom senso e sobretudo por seu apoio e carinho.
À Dr.ª Ana M.ª Petraitis Liblik por suas prestimosas colaborações, leituras e pelo
prazer que proporcionou em me dedicar seu tempo. Meu muito obrigado por
aceitarem o convite.
À UDESC e ao CEART, que promoveram um excelente trabalho de direção e
coordenação, através dos professores Dr. Antonio Vargas e Dr.ª Regina Melim. À
Dr.ª M.ª Lucia B. Duarte e aos demais professores do mestrado e funcionários do
CEART sempre solícitos e prestativos. Meu agradecimento especial à Sandra Lima
Siggelkow, por ter encontrado em sua pessoa uma rara devoção ao trabalho,
atenção e amizade, graças a quem nada me faltou neste mestrado, apesar de meu ir
e vir de um Estado à outro.
5
A todos os colegas do mestrado de Florianópolis, que embora o tempo e a
distância não favorecessem mais encontros, contribuíram de diversas formas para
realizar este trajeto, especialmente àqueles com quem convivi de forma mais
próxima e se transformaram em amizades: Silvia G., Sandra F., Alessandra K., M.ª
da Glória e Tambi, a qual se tornou uma amiga e companheira de muitas horas.
Aos professores de Curitiba que participaram com seus depoimentos, sem os
quais este trabalho não teria sido possível, meu reconhecimento por sua boa
vontade. Também meu agradecimento às escolas que participaram deste trabalho, à
Gibiteca da Fundação Cultural e ao Solar do Rosário de Curitiba.
A minhas queridas irmãs, sobrinhos, amigos e colegas professoras dos
grupos Arte na Escola, UFPR e FAP que, de uma forma ou de outra, também
contribuíram para que eu pudesse concretizar esta etapa de minha vida.
Aos professores e pesquisadores da Universidade de Barcelona, Dr.
Fernando Hernández e Dr.ª Joana M.ª Sancho, que ministraram o Seminário de
Supervisão no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Artes Visuais.
À professora Dr.ª Teresinha Sueli Franz, por suas ricas orientações e que
participou deste trabalho com correções, “dicas”, contribuições teóricas e rigor
acadêmico necessário para um sério trabalho de dissertação.
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[...] como aponta Mitchell (2000, p. 210), [...] o gênio e a obra-prima não desaparecerão do contexto da cultura visual, mas o status, o poder e as formas de prazer que nos proporcionam tornar-se-ão mais objetos de investigação do que um ‘mantra a ser entoado ritualisticamente em frente a monumentos inquestionáveis’. Fernando Hernández (2007, p. 52)
Figura 1 - Maurício de Souza. Mônica Lisa,1989.
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RESUMO
Na presente pesquisa investigamos como os professores compreendem a Arte Seqüencial/histórias em quadrinhos no ensino de Artes Visuais. A análise de dados segue a perspectiva da educação para a compreensão da Cultura Visual e da Pedagogia Crítica da Arte. Durante muitas décadas, as HQs causaram polêmicas e não eram admitidas nas escolas. Foi somente a partir de 1970 que começaram a ser incluídas no currículo escolar. Na pós-modernidade o campo da arte se amplia, e o ensino de Arte passa a enfatizar o estudo das artes eruditas e artes populares sem fazer distinções, assim como a reclamar por um vínculo entre o cotidiano das imagens de crianças e adolescentes e a educação escolar. Observando a relação escola e quadrinhos, notamos que as HQs raramente são incluídas como conteúdo de estudos no ensino de Artes Visuais, ou são estudadas de maneira superficial. Paradoxalmente, são amiúde utilizadas no ensino de Língua Portuguesa, pelo caráter narrativo visual de sua linguagem. Dentro da temática abordada, as HQs são consideradas um importante objeto de estudos, seja como Arte Seqüencial, seja como elemento presente no cotidiano dos estudantes. Essas questões nos levaram a este estudo investigativo buscando analisar a relação existente entre as HQs e o ensino de Artes Visuais. Para esta pesquisa, realizamos 20 entrevistas com professores do ensino fundamental na cidade de Curitiba/PR, encontrando evidências de que se atribui pouca importância para as HQs como objeto de estudo crítico e que estas não são seriamente consideradas em relação a outros conteúdos. Ao final, apresentamos uma proposta educativa para interpretação de imagens de HQs, com o objetivo de incentivar a análise e a reflexão crítica em contextos de ensino de Artes Visuais. Esperamos que os resultados deste trabalho possam contribuir para uma reflexão do professor de Arte sobre o uso de HQs como objeto de ensino. Se abordados na perspectiva da Cultura Visual, os quadrinhos podem ser elos entre o universo visual cotidiano e a educação escolar, favorecendo a compreensão mais consciente dos estudantes sobre o mundo e sobre si mesmos, levando à revisão da função crítica da educação, no ensino de Arte, que vem sendo relegada em favor da informação e instrução.
Palavras-chave : Histórias em Quadrinhos; Pedagogia Crítica; Cultura Visual
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ABSTRACT
In the present research we investigate how teachers understand the Sequential Art/comic books in the education of Visual Arts. The data analysis follows the perspective of the education to the understanding of the Visual Culture and the Critical Pedagogy of Art. During many decades, comics caused controversies and were not accepted in schools. It was only from 1970 that comics started to be included in the school curriculum. In post-modernity the field of the art has increased, and the teaching started to emphasize the study of the classical arts as well as the popular arts without distinctions, and at the same time demanding a relationship between the children’s and adolescents’ everyday images and the school education. Observing the relationship school and comics, it is noticed that comics are rarely included in the contents of the Visual Arts studies, or only superficially touched. Paradoxically they are often used in the teaching of Portuguese, because of the narrative-visual character of its language. Within the approached subject, comics are considered an important aspect to be studied as Sequential Arts as well as an element present in students’ everyday life. These issues have leaded us to this investigating study trying to analyze the relationship between comics and Visual Arts. For this research, we interviewed 20 school teachers in the city of Curitiba/PR, and we found out evidences that little importance is given to comics as an object of critical study and that they are not taken seriously comparing to other contents. Finally we present an educational proposition for the interpretation of the comics images, having as objective to motivate the analysis and critical reflection in the context of the teaching of Visual Arts. We hope that the results of this study will contribute to the reflection of the teacher of art on the use of comics as a teaching device. If taken from the perspective of Visual Culture, comics can become a link between the everyday visual universe and the school education, favoring students’ conscious comprehension of the world and of themselves, leading to the revision of the critical function of education in the teaching of Arts, which has been relegated in favor of information and instruction. Key words: Comic Books; Critical Pedagogy; Visual Culture
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1– Maurício de Souza. Mônica Lisa,1989 ......................................................06 Figura 2 – Thais Gralik. O personagem Clara e o Gato Felizardo, 2002...................23 Figura 3 – Thais Gralik. O personagem Francisco, 2002 ..........................................24 Figura 4 – Ziraldo. Página dupla da história O Menino Quadradinho. p. 4-5.............30 Figura 5 – Ziraldo. Página dupla da história O Menino Quadradinho. p. 6-7.............30 Figura 6 – Trechos da história Loja Proibida, publicada na Revista Disney Explora, jun. 1999. p. 24-27 ....................................................................................................39 Figura 7 – Trechos da história Loja Proibida, publicada na Revista Disney Explora, jun. 1999. p. 29-30 ....................................................................................................40 Figura 8 – Julian Beever. Batman and Robin to the Rescue, s.d ..............................58 Figura 9 – Falas do personagem Loki sobre o Capitão América. Imagem da Revista Heróis Renascem Vingadores, n. 1, dez.,1998. Não paginada.................................81 Figura 10 – O pioneiro Yellow Kid. “O Menino Amarelo, que não falava por balões, mas em textos escritos na roupa.” Imagem da Revista Nova Escola, abr.,1998 ......83 Figura 11– Mônica no Nascimento de Vênus, 1992. Releitura de Maurício de Souza, baseada na obra Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli. Acrílica s/tela 106 x 145,5 cm..................................................................................................................124 Figura 12 – Imagem da Revista Heróis Renascem Vingadores, n. 5 abr., 1999. Não paginada .................................................................................................................180
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LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 – Roteiro de entrevista semi-estruturada para o estudo exploratório ........96 Quadro 2 – Escolas em que os professores entrevistados lecionam......................102 Quadro 3 – Formação e perfil dos professores de Arte entrevistados ....................103 Quadro 4 – Formação e perfil dos professores de outras disciplinas entrevistados...... ................................................................................................................................103 Quadro 5 – Roteiro base para entrevista e categorias de análise – Arte (e outras disciplinas)...............................................................................................................107 Quadro 6 – Roteiro base para a entrevista e categorias de análise selecionadas de início para Português, Ciências e Matemática ........................................................107 Quadro 7 – Síntese das respostas – entrevistas nºs 1, 2, 3 e 4 ..............................108 Quadro 8 – Síntese das respostas – entrevistas nºs 5, 6, 7 e 8 ..............................108 Quadro 9 – Síntese das respostas – entrevistas nºs 9, 10, 11 e 12 ........................109 Quadro 10 – Síntese das respostas – entrevistas nºs 13, 14, 15 e 16 ....................109 Quadro 11 – Síntese das respostas – entrevistas nºs 17A, 17B, 18A, 18B, 19 e 20 ..... ................................................................................................................................110 Quadro 12 – Categoria 1 - Trabalho com Imagens - referente à pergunta 1 – Arte ...... ................................................................................................................................111 Quadro 13 – Categoria 1 - Trabalho com Imagens - referente à pergunta 1 – Português, Ciências e Matemática..........................................................................111 Quadro 14 – Categoria 2 - Tipos de Imagens que o Professor Trabalha - referente à pergunta 2 – Arte.....................................................................................................112 Quadro 15 – Categoria 2 - Tipos de Imagens que o Professor Trabalha - referente à pergunta 2 – Português, Ciências, Matemática.......................................................112 Quadro 16 – Categoria - Leituras de Imagem – Arte........................................113-114
11
Quadro 17 – Categoria - Leituras de Imagem – Português..............................114-115 Quadro 18 – Categoria 3 - Trabalho com Histórias em Quadrinhos - referente à pergunta 3 – Arte.....................................................................................................129 Quadro 19 – Categoria 3 - Trabalho com Histórias em Quadrinhos - referente à pergunta 3 – Português, Ciências e Matemática..............................................129-130 Quadro 20 – Categoria 4 - Desenvolvimento das Atividades sobre Quadrinhos - referente à pergunta 4 – Arte ...........................................................................130-131 Quadro 21 – Categoria 4 - Desenvolvimento das Atividades sobre Quadrinhos - referente à pergunta 4 – Português, Ciências e Matemática............................131-132 Quadro 22 – Categoria 5 - Critérios Utilizados para a Escolha de Histórias em Quadrinhos - referente à pergunta 5 – Arte......................................................132-133 Quadro 23 – Categoria 5 - Critérios Utilizados para a Escolha de Histórias em Quadrinhos - referente à pergunta 5 – Português, Ciências e Matemática.............133 Quadro 24 – Categoria - Professores que não Trabalham com HQs ou Utilizam como Recurso Didático – Arte ..........................................................................................134 Quadro 25 – Categoria - Professores que não Trabalham com HQs ou Utilizam como Recurso Didático - Português, Ciências e Matemática ...........................................134 Quadro 26 – Etapas de trabalho e avaliação no instrumento de mediação e análise crítica.......................................................................................................................178 Quadro 27 – Níveis de compreensão, segundo Franz (2003a)...............................186 Tabela 1 – Freqüência de alunos e alunas na Gibiteca ..........................................206 Tabela 2 – Freqüência de alunos e alunas no Solar do Rosário.............................206
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CEART – Centro de Artes - UDESC
CEFET/PR – Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná
DBAE – Discipline Based Art Education
ECA/USP – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FAP – Faculdade de Artes do Paraná
HQs – Histórias em Quadrinhos
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
SEED/PR – Secretaria de Estado de Educação do Paraná
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UFPR – Universidade Federal do Paraná
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SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................07
ABSTRACT ...............................................................................................................08
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15
CAPÍTULO I .............................................................................................................20
1.1 O LUGAR DE QUEM FALA.................................................................................21 1.2 PROBLEMA DE PESQUISA ..............................................................................27 1.2.1 Tema e objetivos da pesquisa..........................................................................36 1.3 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................37
CAPÍTULO II ............................................................................................................44
2.1 CONCEITUALIZAÇÕES E TENDÊNCIAS DO ENSINO DE ARTES VISUAIS ...45 2.1.1 A década de 1980 e posteriores.......................................................................50 2.1.2 Arte-educação na pós-modernidade ................................................................54
2.2 AS ABORDAGENS SOCIOCULTURAIS EM ARTES VISUAIS ..........................59 2.2.1 A Cultura Visual como um campo de estudos.................................................60 2.2.1.1 A educação para a compreensão crítica da Cultura Visual ...........................64 2.2.2 A Pedagogia Crítica da Arte ............................................................................69 2.2.2.1 As teorias feministas e as abordagens socioculturais ..................................74 2.2.2.2 A Antropologia como fundamento das abordagens socioculturais ..............78 2.2.3 Introdução à história das histórias em quadrinhos ..........................................82
CAPÍTULO III ...........................................................................................................87
3.1 METODOLOGIA.................................................................................................88 3.2 ESTUTO EXPLORATÓRIO.................................................................................95 3.2.1 Roteiro base e esboço de categorias de análise............................................. 96
14
3.2.2 Síntese dos resultados obtidos no estudo exploratório ................................... 96 3.3 ESTUDO EMPÍRICO...........................................................................................99 3.3.1 Perfil das escolas e dos professores entrevistados...................................... 102 3.3.2 Roteiro base e categorias de análise ........................................................... 106 3.3.3 Análise de dados......................................................................................... 107 3.3.3.1 Quadros síntese de respostas................................................................... 108 3.3.4 Categorias 1 e 2 .......................................................................................... 110 3.3.4.1 Outras categorias identificadas nas respostas dos entrevistados ............. 113 3.3.4.2 Descrição e interpretação de dados: categorias 1 e 2 .............................. 115 3.3.4.3 Interpretação e avaliação crítica: categorias 1e 2 ..................................... 117 3.3.5 Categorias 3, 4 e 5 .........................................................................................129 3.3.5.1 Outras categorias identificadas nas respostas dos entrevistados ...............133 3.3.5.2 Descrição e interpretação de dados: categorias 3, 4 e 5.............................135 3.3.5.3 Interpretação e avaliação crítica: categorias 3, 4 e 5 ..................................137 3.3.6 Conseqüências do estudo para o ensino de Artes Visuais.............................170 3.4 PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE CRÍTICA DE IMAGENS DE HQS PARA O ENSINO DE ARTES VISUAIS ....................................................... 175 3.4.1 O significado do Instrumento de Mediação e Análise Crítica de imagens.... 176 3.4.2 Procedimentos na proposta de trabalho com o Instrumento de Mediação... 177 3.4.2.1 A imagem: Heróis Renascem Vingadores................................................. 178 3.4.3 Âmbitos de compreensão............................................................................. 181 3.4.4 A avaliação e as compreensões................................................................... 186 3.4.4.1 Avaliação inicial, avaliação de processo e avaliação final......................... 187
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 189
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 196 APÊNDICE ............................................................................................................ 205 APÊNDICE A – Relação entre freqüência e gênero nos cursos de HQs da Gibiteca e Solar do Rosário......................................................................................................206 APENDICE B – Modelos de autorização utilizados para entrevistas no estudo exploratório e estudo empírico ................................................................................207 APÊNDICE C – Amostras de entrevistas realizadas no estudo exploratório e estudo empírico...................................................................................................................208 APÊNDICE D – Sinopse da mini-série Heróis Renascem Vingadores....................212
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem origem em uma trajetória que passa por experiências
pessoais, que vão desde o envolvimento com a Arte Seqüencial/histórias em
quadrinhos por meio de ilustrações e a criação de tiras humorísticas até a prática de
ensino de Artes Visuais em escolas públicas.
No início do primeiro capítulo, citamos os motivos que levaram a este estudo
investigativo através de um relato pessoal – O Lugar de Quem Fala – narrando
brevemente nossa aproximação com essa arte. Em seguida, delimitamos o problema
de pesquisa, citando ainda outros motivos que se fundamentam em abordagens e
teóricos que também justificam o presente trabalho.
Um dos motivos que levou a questionamentos, originando esta pesquisa, é o
fato de que nas escolas, “os ventos sopram” principalmente em direção às obras e
aos artistas já consagrados, que quase sempre são colocados como único conteúdo
no ensino de Arte1, desmerecendo outras linguagens visuais que também poderiam
ser significativas. Nas escolas onde trabalhamos, encontramos práticas superficiais
para ensinar sobre histórias em quadrinhos, que se restringiam a poucos elementos
dessa linguagem. Outro motivo relacionava-se à quantidade e diversidade de
conteúdos implícitos nessas histórias. O universo das HQs oferece uma imensa
variedade de histórias e é necessário saber selecionar temas que contenham valor
intrínseco e que sejam significativos para ampliar o conhecimento dos alunos. Tais
escolhas podem ser particularmente difíceis, principalmente para aqueles que têm
pouco contato com as HQs.
Como decorrência do trabalho prático de criação, e de observações feitas
sobre a diversidade de conteúdos nas produções da área dos quadrinhos2, surgiram
questionamentos a respeito de como as pessoas lêem e interpretam as imagens.
1 Conforme os PCNs/97 (v. 6, p.19), utilizamos neste trabalho a grafia Arte, “quando se trata de área curricular [...] e nos demais casos, arte.” 2 Histórias em quadrinhos.
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Este assunto mais tarde viemos a saber era também objeto de estudos da Prof.ª Dr.ª
Teresinha S. Franz. As teorias de Franz3 são esclarecedoras neste sentido – as
pessoas não compreendem as imagens da mesma maneira e podem revelar
diferentes níveis de complexidade de compreensão, que vão desde os mais
ingênuos até os mais complexos, críticos e elaborados. Essas teorias, são
abordadas dentro da temática sobre a Cultura Visual4 no segundo e terceiro
capítulos e formam parte das bases para a fundamentação teórica deste estudo.
Talvez em decorrência de sua própria história, a Arte Seqüencial/HQs vem
sendo pouco valorizada em relação a outros conteúdos no ensino de Artes Visuais.
Décadas atrás, as histórias em quadrinhos causaram muitas polêmicas e não eram
admitidas nas discussões do ensino acadêmico (EISNER, 1989). Somente a partir
de 1970, segundo Quella-Guyot (1994) e Rama e Vergueiro (2004) é que deixariam
de ser rejeitadas pelas escolas e outros países passariam a incluí-las em seu
currículo escolar. No Brasil, as HQs passaram a contar com recomendação do MEC,
nos Parâmetros Curriculares Nacionais,5 em 1997/98.
Segundo Quella-Guyot (1994), as HQs entraram nas escolas, como
decoração para exercícios gramaticais e mediante o desejo de ensinar a língua.
Hoje, muitas disciplinas se utilizam largamente delas para ensinar suas matérias,
enquanto o ensino de Artes Visuais deixa de explorar esse modo de expressão
artística. Nem todos os cursos de licenciatura em Artes Visuais, oferecem suporte
para que professores trabalhem com essa linguagem. Atualmente, os cursos
enfatizam o preparo de sujeitos para a produção artística já consagrada. Embora
haja também uma preocupação com as demais imagens do cotidiano, no ensino de
histórias em quadrinhos, a tendência denota superficialidade.
Por outro lado, quando se trata de abordar histórias em quadrinhos, aparecem
sempre duplicidades ou contradições: são consideradas um perigo para alguns, mas
muito válida para outros. Pesquisando acerca da existência de teses e dissertações
na área de Artes Visuais, encontramos maior produção acadêmica sobre quadrinhos
em Educação, Letras e Comunicação. Um dos trabalhos encontrados nessa
pesquisa, sobre as tiras humorísticas de Maurício de Souza, pertencente a Giovana
Scareli (2003) aluna do curso de Pedagogia, cita que as HQs, ou as tiras
3 Franz (2000, 2001, 2003a, 2003b, 2003c, 2003d, 2005a, 2005b). 4 Hernández (1998, 2000, 2001, 2003a, 2005, 2006, 2007). 5 Ver PCN/1997, vol. 2, Português, 1ª a 4ª series, p. 37, 42 e 82 e PCN, vol. 6, Arte, 1997/98.
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humorísticas, muitas vezes são utilizadas por professores apenas como um recurso
didático e em seguida são descartadas.
Os teóricos atuais da Educação enfatizam que o ensino de Arte deve estar
conectado com a arte pós-moderna sem fronteiras e a necessidade crítica e plural
da educação contemporânea. Nota-se hoje uma tendência crescente para estudos
de imagens e outros artefatos da cultura visual, devido a sua importância como
mediadores de significados. As HQs incluem-se nesse contexto, pois são uma arte
popular amplamente conhecida e exercem fascínio natural sobre o público infantil e
juvenil.
No modernismo havia uma concepção de arte baseada em padrões estéticos
universais. Segundo Mason (2001), hoje critica-se o projeto estético moderno, que
se baseia em distinções estilísticas entre as Belas Artes e a arte popular. Nesse
sentido, as diretrizes curriculares para o ensino fundamental de Educação Artística
da SEED/PR (2004/2005), destacam que há necessidade de valorização de
diferentes culturas e de combater visões excludentes que perpetuam hierarquias
entre Belas Artes ou artes eruditas e artes do povo ou menores, considerando
ambas como importantes fontes geradoras de significado para a compreensão do
mundo.
Em teoria, o professor de Artes Visuais deveria ser mais bem habilitado para
trabalhar com as possibilidades da Arte Seqüencial. Mas considerando a história
conturbada entre HQs e Educação, percebemos a necessidade de questioná-las
segundo as perspectivas dos professores. Surge então, a necessidade de investigar
as relações dessa linguagem com o ensino de Artes Visuais, tentando responder a
principal pergunta que guia esta pesquisa:
Como os professores de ensino fundamental se relacionam com a Arte
Seqüencial/histórias em quadrinhos no ensino de Artes Visuais?
O segundo capítulo trata da revisão bibliográfica sobre o marco teórico.
Compreende as teorias do ensino de Arte, as abordagens socioculturais e estudos
sobre quadrinhos, que fundamentam o estudo empírico e a análise dos dados. Esse
capítulo inclui as conceitualizações e tendências do ensino de Artes Visuais,
iniciando por um breve histórico até as tendências atuais. O texto aborda
principalmente as teorias da Cultura Visual, educação para a compreensão crítica da
arte, Pedagogia Crítica e histórias em quadrinhos.
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As abordagens socioculturais dão ênfase às transformações na arte e na
sociedade contemporâneas que levam à necessidade de propostas educativas mais
críticas e atentas à vida social, apontando para o desafio de contribuir para a
construção crítica da realidade sociocultural (RICHTER, 2004; FRANZ, 2004).
Para os teóricos6 que seguem essas abordagens, a arte é uma representação
complexa que traz consigo contradições inerentes à sociedade e à cultura na qual foi
produzida. Nessas teorias, considera-se a arte como uma representação
sociocultural e a identificação e compreensão de seu contexto de origem como
fundamentais para sua interpretação. As HQs por vezes trazem conteúdos
contraditórios e dentro dessa linha de pensamento não podem ser vistas apenas
como desenhos, pois envolvem idéias, conceitos, valores, ideologias e crenças.
No terceiro capítulo, abordamos a metodologia empregada para o estudo
investigativo, incluindo uma síntese dos resultados obtidos no estudo exploratório.
Nas tendências atuais em educação destaca-se sobretudo, a necessidade e o
papel fundamental do professor para atuar como um mediador entre a compreensão
dos alunos, suas experiências e as imagens (FRANZ7; HERNÁNDEZ, 1998, 2000,
2007; CORRÊA, 2004, 2005). O professor não somente assume-se como
profissional, mas como aprendiz e pesquisador. Devido a sua importância nesse
processo, deu-se prioridade para investigar através de entrevistas, como estes
compreendem e utilizam as HQs no ensino fundamental. Segundo Franz (2000),
Demo (2000) e Duarte (2005), a entrevista é uma fonte de acesso ao mundo de
conceitos e significados e práticas individuais. Detectar pontos positivos ou
negativos, concepções, práticas ultrapassadas ou diferenciadas colaboram para
realizar uma reflexão crítica sobre o ensino de histórias em quadrinhos. Conforme
Demo (2000), somente conhecendo uma realidade em profundidade é que se pode
falar e atuar com segurança sobre ela.
Na primeira fase de investigação, realizamos um estudo com alunos da
Gibiteca, em Curitiba/PR, que trouxe evidências sobre o problema de pesquisa, bem
como demonstrou aspectos sociais da arte dos quadrinhos indicando diferenças e
6 Freedman (2000, 2001); Mason (2001); Pollock (2003); Chalmers (2003); Mirzoeff (2003); Efland, Freedman, Sthur (2003); Efland (2005); Steinberg e Kincheloe (2004); Richter (2004); Corrêa (2004, 2005); Franz (2000, 2001, 2003a, 2003b, 2003c, 2003d, 2004, 2005a, 2005b); Hernández (1998, 2000, 2001, 2003a, 2005, 2006, 2007). 7 Franz, idem.
19
preferências decorrentes de gênero, levantando novas questões que podem ser
investigadas futuramente.
O estudo empírico propriamente dito, consiste em 20 entrevistas semi-
estruturadas individuais com professores de Arte e outras disciplinas, analisadas do
ponto de vista da teoria da educação para a compreensão da Cultura Visual,
Pedagogia Crítica e estudos sobre HQs. Trata-se de uma pesquisa qualitativa
interpretativa crítica. A análise de dados, orienta-se pelas dimensões da crítica
educativa explicitadas por Elliot Eisner (1998) e estrutura-se deste modo, em
descrição, interpretação e avaliação crítica.
Com base nesta análise, apresentam-se as conseqüências deste estudo para
o ensino de Artes Visuais, desejando que os resultados também possam contribuir
para a reflexão de outros professores desta área. A análise revela práticas
pedagógicas que em sua maioria concebem as histórias em quadrinhos apenas
como trabalhos manuais, em geral padronizadas e destituídas de senso crítico.
Denotam valorizar a cultura local, mas mantêm uma posição passiva e à parte dos
processos globalizantes e hegemônicos das indústrias culturais, demonstrando a
necessidade de estabelecimento de pontos de contato que articulem entre
especificidades locais e códigos dominantes da arte dos quadrinhos, dentro de uma
postura crítica e reflexiva.
Nesse mesmo capítulo, ao final, incluímos uma proposta de trabalho para
mediação e análise crítica de imagens de histórias em quadrinhos, que associa
estudos da Pedagogia Crítica, com estudos da Cultura Visual e Educação, segundo
Hernández (1998, 2000, 2001, 2003a, 2007), Franz (2003a) e outros teóricos. Não
se pretende alcançar originalidade nesta proposta, uma vez que tem por base um
instrumento de análise de imagens, criado por Franz em 2003, para a compreensão
crítica de obras de arte. Mas tem importância para este estudo, ligado a um ensino
que pretende auxiliar alunos e professores a irem além da simples reprodução
mecânica e leituras acríticas de histórias em quadrinhos.
Por fim, este é um trabalho que convida para uma reflexão dos professores de
Artes Visuais, sobre suas próprias práticas pedagógicas no que se refere ao ensino
de histórias em quadrinhos, considerando sua importância como agentes que
contribuem para a configuração deste ensino.
.
20
CAPÍTULO I
21
1.1 O LUGAR DE QUEM FALA
Como professora, comecei lecionando Artes Plásticas e Música em uma
escola de educação complementar. Dos diversos estágios que realizei em escolas
particulares e públicas, aquele que fiz em 1984, em uma escola do Estado, no bairro
do Ahú, em Curitiba, para mim foi dos mais significativos. Consistiu em ensinar
desenho animado e montar pequenos filmes de animação com os alunos, com o
apoio da Cinemateca do Museu Guido Viaro. Por outro lado, a gravura envolveu-me
bastante e, durante algum tempo, pude me dedicar a ela, sendo que logo depois
entrei para o mercado de trabalho, em agência de propaganda, e mais tarde,
trabalhando em jornal com arte final e diagramações.
Depois de alguns anos de permanência no jornal, saí com a intenção de voltar
para a gravura. Mas alguma coisa havia mudado: pintar quadros ou fazer gravuras
não fazia mais sentido. Uma fala do Prof. Dr. Emílio Burucua, em um colóquio
realizado na UDESC em 2006, sobre o processo que possibilitou a passagem da
pintura à arte contemporânea, pode ilustrar meu pensamento e essa passagem da
minha vida: “a pintura não pode mais voltar a suas fontes” (informação verbal)8.
Pintar também foi algo que me pareceu uma forma de arte que havia esgotado seu
tempo, já o desenho, nunca deixou de fazer parte de minha vida.
Como eu tinha mais contato com as mídias, o caminho mais natural foi o de
me ligar à área de comunicação visual. Passei a realizar muitos trabalhos de criação,
a ilustrar e criar personagens. A Escola de Dança onde uma de minhas irmãs
leciona, produz em média três espetáculos por ano. Minha ligação com a escola
permitiu-me a criação desde material gráfico para eventos, até a produção de
adereços e cenários para os espetáculos de Ballet Clássico e Ritmos Modernos.
Esta ligação indireta com a educação acontecia também com minha outra irmã que
8 BURUCUA, José Emílio. A iconografia de Ulisses, releituras moderna e contemporâneas do personagem. In: I Colóquio Estadual de História, Teoria e Crítica da Arte. A Obra de Arte e Leitura de Imagens . Florianópolis, UDESC, jun. de 2006.
22
trabalhava no ensino fundamental em escola particular, produzindo interações sobre
assuntos e problemas de ensino. Uma das observações que fazíamos era sobre o
excesso de conteúdos que se cobra para ensinar e aprender, em função da
concorrência das escolas particulares, para estar no topo dos escores do vestibular.
Isso aliado ao excesso de informação promovida pelas mídias, gera um stress muito
grande entre os professores e os alunos.
Os comentários sobre os problemas das escolas e ilustrações recentes que
eu havia realizado para profissionais da comunicação e da educação, convergiram
para a produção de tiras humorísticas destinadas ao público infanto-juvenil. Essa
produção não poderia ser apenas espontânea, no sentido de uma expressão livre
para dizer tudo o que se pensa, como defendem artistas que trabalham
fundamentados pela idéia de que não pode haver censura de espécie alguma para a
expressão artística, seja qual for o meio. É muito comum, encontrar produções
justificadas com base nesse pensamento, que trazem críticas e protestos sem
reflexão. Como por exemplo, os que surgiram dentro do lema criado na década de
1970, pelos quadrinhos underground. Naquela época, os quadrinhos, a fim de se
oporem aos valores dominantes, procuravam celebrar o sexo e as drogas (SILVA,
2002). A fim de legitimar seu perfil transgressivo, “o lema era a total espontaneidade,
não se deixando afetar por qualquer espécie de código de ética oficial.” (SILVA,
2002, p. 21). Até nossos dias essas propostas alcançam repercussão.
Ligada ao processo de criação, havia uma preocupação com relação à
qualidade das imagens recebidas diariamente, nem sempre agradáveis e muitas
vezes banalizadas. Em geral, o artista de HQs ou tiras humorísticas, faz seu trabalho
e já lhe ocorre uma comunicação com o leitor. Mas não é comum a preocupação do
artista com os efeitos nos âmbitos social ou individual que suas imagens possam
causar. Para representar suas idéias, alguns fazem uso da linguagem de modo
radical, a fim de chamar a atenção do leitor. Nisso está a preocupação pelo sucesso
da produção e não com os efeitos que possa produzir. Para isso, o artista não poupa
o leitor, que, por sua vez, pode possuir ou não capacidade crítica.
Comecei a questionar as preferências em torno do lado degradante do humor.
Observava que algumas pessoas apreciavam tiras humorísticas ou HQs, sem critério
algum. Compartilhava do pensamento de Saliba (in MATTAR, 2003, p. 171),
segundo o qual, em nossa época, há uma “dificuldade, cada vez maior, de definir e
diferenciar o ‘riso bom’ do ‘riso mau’.” Segundo ele, nos desenhos de humor, os
23
níveis de crueldade duplicaram desde os tempos do “Amigo da Onça”. Tornou-se
uma preocupação sobre o modo como as pessoas lêem e interpretam as imagens e
como isso estaria relacionado com sua forma de pensar e atuar em função de suas
concepções. Se, de fato, as imagens que recebemos diariamente, em seu conjunto,
ou isoladas, ficam gravadas, mesmo que parcialmente em nossas mentes,
influenciando nosso inconsciente, devemos preocupar-nos com a qualidade, com os
modos de compreender essas imagens e com seus possíveis efeitos no leitor.
Assim, minha própria produção de tiras humorísticas deveria estar de acordo
com estes pressupostos: produzir algo que não fizesse uso de recursos agressivos
ou humilhantes e, ao mesmo tempo, tivesse um toque de humor. Cada tirinha9
produzida transformou-se em um exercício dentro desta perspectiva. A escolha dos
personagens foi decidida em função desta concepção (Figuras 2 e 3).
Pouco tempo depois de começar a produzir tiras humorísticas, vi-me
novamente às voltas com o ensino de Arte. Para proporcionar um ensino atualizado
e adequado para meus alunos, pesquisava sobre os conteúdos e sobre o modo de
aplicá-los. Isso estava muito relacionado com o grau de envolvimento que poderia
haver entre eles e as tarefas propostas. Nas escolas públicas, muitos alunos
freqüentam a escola apenas como obrigação e até para se alimentar. Este e outros
motivos causam desinteresse dos alunos pelo aprendizado e também acabam
afetando os professores. Por isso, a cada aula, havia necessidade de modificações
nos conteúdos ou nos recursos didáticos, a fim de adequar ao contexto.
Minha experiência com a arte dos quadrinhos poderia ser bastante útil nas
escolas, ensinando muitas técnicas de desenho para os alunos. Porém, à medida
9 Tira humorística.
Figura 2 – Thais Gralik. Tira humorística. O personagem Clara e o Gato Felizardo, 2002.
24
Figura 3 – Thais Gralik. O personagem Francisco, 2002.
que nos aproximamos do universo das HQs, descobrimos que é um universo
extremamente abrangente e existe uma imensa variedade de publicações. Suas
histórias, tanto podem ser boas, ruins, “inocentes” ou não. As HQs não constituem
apenas desenhos, nelas estão envolvidos idéias, conceitos, crenças e valores. Por
essa razão, a mim não satisfazia a idéia de apenas transmitir habilidades técnicas.
Creio que todo o conhecimento, matéria ou conteúdo que se ensina, deve implicar
uma reflexão do professor e, se possível, dos alunos. É como diz Paulo Freire (1997,
p. 37), “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é
amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo.”
A quantidade e a diversidade de conteúdos fazia com que me preocupasse
em saber como os alunos poderiam aprender a interpretar e não somente reproduzir
mecanicamente ou consumir HQs. Sempre acreditei na responsabilidade social
daquele que ensina, mas o que eu observava nas escolas fez com que tais
preocupações acabassem se estendendo a outros professores.
Um exemplo de Quella-Guyot (1994) mostra algumas preocupações que
podem ocorrer quando se pensa em ensinar sobre HQs nas escolas. O desenhista
Giraud e o especialista Moliterni criaram, na década de 1970, em Vincennes, na
França, um ensino prático de HQs. A. Roux, então, escreveu uma obra chamada La
bande dessinée peut être éducative (L’École, 1970), em que esse autor “se colocava
o problema de apresentar a HQ à escola, mas não a escola à HQ. Em outras
palavras, que atitude se deveria ter diante dessa literatura: ensinar com ela, ensinar
por meio dela ou simplesmente ensiná-la?” (QUELLA-GUYOT, 1994, p. 43).
O caso mostrado por esse autor ilustra como as HQs geraram polêmicas,
quando se pensou em trabalhar com elas nas escolas. Ainda hoje existem críticos de
arte mantêm preconceito com relação a esta arte.
A questão da diversidade, também esbarrava com o problema da escolha de
25
imagens decorrente da abrangência do extenso campo em Artes Visuais. Para
alguns professores é motivo de preocupação. Porém, muitas vezes, essas escolhas
são arbitrárias. Conforme Almeida (1999, p. 73) assinala, hoje é importante que o
professor fique “atento às imagens consumidas por seus alunos, resgatando na
cultura da imagem o que é relevante para a formação do indivíduo.”
Como tinha a idéia de ensinar Arte Seqüencial em algumas turmas,
interessava-me sobre o modo pelo qual os professores ensinavam sobre quadrinhos
em suas aulas. Em certa ocasião, em um dos colégios10 em que eu lecionava, pude
verificar que a Arte Seqüencial era ministrada somente nas 6ª séries. O conteúdo
teórico, era restrito a apenas duas ou três frases e depois disso, a atividade
relacionada resumia-se a solicitar ao aluno para fazer uma história em quadrinhos.
Por outro lado, havia um trabalho sempre em torno das mesmas obras de arte.
Em outra escola11 em que eu também trabalhava, a preocupação dos
professores de Arte era a de ensinar a fazer “releituras de obras de arte”. Entretanto,
uma das professoras regentes do ensino de 1ª a 4ª que pude observar,
freqüentemente fazia uso de HQs para ensinar Português. Os alunos de vez em
quando desenhavam histórias, a fim de aplicar os conteúdos ensinados pela
professora regente. A decoração da sala ficava sob sua responsabilidade, assim
como a decoração das outras salas, ficava a cargo das outras professoras regentes.
Nas salas, a decoração era sempre substituída em função dos conteúdos de
Português, de datas e de outros assuntos – com muitos Mickeys, Minies, Mônicas,
Bidus e Snoopys mimeografados, pintados em série pelos alunos, que se
substituíam a fim de “dar um ar sempre renovado”, demonstrando o que eles
estavam estudando. Tudo isso refletia uma boa intenção dos professores regentes,
mas também revelava uma atitude acrítica diante dessas imagens.
Com relação a estes assuntos, havia indiferença por parte dos professores de
Arte. No planejamento da disciplina, eram incluídos apenas os principais
movimentos artísticos, obras e artistas já consagrados. Outras manifestações
artísticas, como cinema, propaganda e histórias em quadrinhos, não eram incluídos.
Haveria preconceito com relação às histórias em quadrinhos também entre os
professores? Assuntos relacionados à Cultura Visual, pareciam não ser
considerados importantes. Isso fez com que a preocupação anterior existente com
10 Escola Pública de 1º e 2º grau, no Bairro de Santa Felicidade em Curitiba, 2003. 11 Escola Pública de 1º e 2º grau, na Cidade Industrial de Curitiba, 2003.
26
as pessoas a respeito das imagens fora da escola, viesse cada vez mais à tona,
estendendo-se aos professores. Passei a questionar essas leituras e a preocupar-
me também com aqueles que trabalhavam com histórias em quadrinhos em sala de
aula. Quais seriam os critérios, que encontravam para a escolha de suas imagens?
Considerando também os hábitos dos alunos, o que poderia ser adquirido e
transmitido em virtude de suas escolhas?
Essas questões geraram este estudo, com a finalidade de analisar mais
profundamente práticas de ensino ligadas à Arte Seqüencial, de modo que aqueles
que trabalham com HQs nas escolas também possam fazer uma reflexão a respeito.
27
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA
O ensino contemporâneo de Arte volta-se principalmente para o fazer e o
pensar artísticos, bem como a contextualização histórica, mas continua centrando-se
em obras de arte consideradas como "universais, estáveis e únicas." (HERNANDEZ,
2000, p. 46). Entretanto, há muito mais do que isso. Não podemos mover-nos
apenas em direção ao passado ao selecionar os conteúdos nas aulas de Artes
Visuais. É preciso pensar no futuro e, principalmente, no presente. O campo das
Artes Visuais é extenso e atualmente amplia-se para além de suas fronteiras.
Nosso cotidiano está cada vez mais repleto de imagens das mídias e novas
tecnologias, que atuam em nossa mente, mediante o cinema, a televisão, a Internet
e os meios impressos. A imensa quantidade e a velocidade com que estas imagens
são veiculadas faz com que aprendamos por meio delas inconscientemente
(BARBOSA, 2003). Para Stuart Hall (apud GIROUX, 2003), as mídias e as novas
tecnologias moldam o significado e o comportamento humanos e regulam nossas
práticas sociais a todo instante. As imagens massificadas preenchem nossa vida a
tal ponto, que condicionam nossos mais íntimos desejos e percepções.
Ilustrações e Arte Seqüencial são muito comuns e largamente consumidas
em nossa sociedade. Crianças e adolescentes têm acesso diário à cultura das
mídias, nas quais estas artes estão presentes e, segundo Hernández (2000), muitas
vezes sem o reconhecer, fazem uso de valores, crenças e significações que as
mídias veiculam, para dar sentido ao mundo em que vivem. Diante das
transformações na sociedade contemporânea e das relações que se produzem,
surgem novas perguntas entre os educadores. Como mediar as experiências que as
crianças e os adolescentes têm com as mídias, quando se quer que aprendam
também a interpretar e não apenas consumir ou “apreciar”?
Conforme Ramalho (2006), se considerarmos o universo das imagens, desde
o início de sua história até nossos dias, é um campo imenso. Nós, professores,
ficamos aturdidos quando temos que selecionar imagens. As HQs de maneira
28
semelhante, oferecem uma diversidade muito grande de histórias e constituem um
universo extremamente abrangente. O uso do off-set, a partir de 1965, ampliou
sobremaneira as possibilidades de publicação de HQs (SILVA, 2002). À grande
quantidade de publicações corresponde outra de variedades de conceitos, idéias,
valores e crenças dos quais HQs são portadoras. Dentro deste universo, é
necessário saber selecionar temas que contenham valor intrínseco e que sejam
significativos para ampliar o conhecimento dos alunos. Para aqueles que estão
pouco familiarizados ou têm a intenção de trabalhar com esta arte de maneira mais
ampla, essas escolhas podem ser particularmente difíceis. É da competência do
professor selecionar dentro desse universo e auxiliar para que os próprios alunos
aprendam a selecionar e a interpretar criticamente essas imagens.
Entretanto, quando os professores ensinam Artes Visuais nas escolas, as
HQs, parecem ser colocadas como menos importantes. As histórias em quadrinhos,
particularmente, durante muito tempo, foram consideradas como indignas de estudo
acadêmico. O exemplo de Quella-Guyot (1994), que citamos anteriormente,
demonstra como as HQs geravam preocupações entre teóricos e educadores, que
se perguntavam que atitude deveriam tomar diante das HQs.
Hoje, os quadrinhos são uma arte oficialmente reconhecida, porém os
debates em torno delas geralmente são polêmicos. Em décadas anteriores, códigos
de ética foram elaborados em muitos países temerosos da expansão dos comics
americanos. A fim de regular a produção de HQs, a Itália, em 1938, criou uma lei de
censura e normas a que os editores deveriam obedecer, a qual repercutiu em muitos
países. No Brasil, em 1948 a Associação Brasileira de Educadores criou um código
de ética e, em 1956, segundo Scareli (2003) a Secretaria da Educação e Cultura da
Prefeitura de São Paulo elaborou um parecer que proibiu a entrada de histórias em
quadrinhos nos parques infantis e nas bibliotecas do município.
Ainda existem artistas e críticos de arte que demonstram preocupação ou até
preconceito com relação à arte dos quadrinhos. Em uma reportagem12 sobre uma
mostra de Roy Lichtenstein, que permaneceria no Museu Oscar Niemeyer, de
dezembro de 2005 a março de 2006, o crítico de arte Agnaldo Farias, declarou:
A partir de imagens vulgares e banais, extraídas de cartuns, histórias em quadrinhos e anúncios publicitários, Lichtenstein demonstrou que as
12 Artigo publicitário sem assinatura. Pop arte no Mon. Revista View , Curitiba, n. 62, p.18-20, dez. 2005.
29
imagens veiculadas pelos canais de comunicação de massa são meticulosamente produzidas com a finalidade de esvaziar o pensamento, rebaixar a leitura e a escrita, transformar a fala numa forma de expressão repleta de gírias e balbucios sem sentido.
Ziraldo é um artista que demonstra preocupações, embora sob outras formas.
Hoje com mais de 70 anos, é autor de desenhos de humor, tiras humorísticas e
histórias em quadrinhos. Na história O Menino Quadradinho, que foi editada em
1989 pela Editora Melhoramentos, quase dez anos depois de ter criado O Menino
Maluquinho, em 1980, Ziraldo o demonstra. Esta história revela a preocupação com
a importância que se dá ao visual em relação às palavras, mediante os problemas
do personagem – um menino – preso por atrativos formais das HQs e indiferente à
leitura das palavras.
Em um trabalho de leitura de imagem13, realizado sobre algumas imagens
dessa obra, pudemos analisar mais profundamente como o autor fez para dizê-lo. A
história é dividida em duas partes: uma construída por imagens e outra por palavras.
Na primeira parte, usando metalinguagem, Ziraldo constrói sua narrativa e
coloca o leitor diante de um duplo cenário representando uma história em
quadrinhos (Figuras 4 e 5). O duplo cenário – um alegre colorido e ensolarado – com
o menino por trás das “grades” de uma janela, que também representam os espaços
em branco dos quadrinhos; e outro, que representa o verso deste cenário, ou o que
“há por trás” das histórias em quadrinhos. No cenário do verso, o autor representa os
múltiplos caminhos que o menino pode percorrer com sua imaginação. Aludindo aos
mistérios da mente humana, tal como os níveis de pensamento que podem estar em
planos elevados, mas também descer a níveis que não se revelam.
A imagem sugere que o leitor observe os diferentes caminhos que o menino
com sua imaginação e liberdade pode percorrer. Uma liberdade que pode estar
limitada pelo próprio espaço físico dos quadrinhos ou pelo excesso de atração que o
menino possa sentir pelas imagens das histórias em quadrinhos tornando-o preso.
Sugere, ainda, que entrando neste universo, o menino pode “sair de cena”, como
forma de escapismo e experiência de prazer, fugir, esconder-se, deixar a mente
vagar por muitos caminhos, mergulhado em fantasias. Na segunda parte da história,
as palavras tornam-se as protagonistas para demonstrar sua importância nas
histórias em quadrinhos.
13 Artigo realizado durante o Curso de Mestrado em Artes Visuais. UDESC, 2º sem. de 2005.
30
Porém, como explica Ramalho (2006, p. 6), não só a configuração, “mas o
conceito de arte também muda ao longo do tempo e do espaço [...] além dos modos
de ver.” Conforme Franz (2001, p. 15), “o conceito sobre o que é arte mudou muitas
vezes no decorrer da história.” Segundo essas autoras, muitas imagens antigas que
classificamos como arte hoje, não eram consideradas como tal no contexto de sua
criação. Para Ramalho (2006, p. 6),
Figura 4 – Ziraldo. Página dupla da história O Menino Quadradinho. p. 4-5.
Figura 5 – Ziraldo. Página dupla da história O Menino Quadradinho. p. 6-7.
31
o tempo, somado a questões culturais complexas, acaba transformando imagens religiosas, ou imagens míticas, histórias em quadrinhos, ou imagens puramente informativas, como os cartazes de Toulouse-Lautrec em obras de arte.
Outro trecho da reportagem14 citada ilustra essa mudança de conceito,
quando menciona que Lichtenstein e outros artistas, após a Segunda Guerra,
“defendiam uma arte que deveria comunicar-se com o público com símbolos
retirados do imaginário popular e recusavam a separação entre arte/vida.”
Lichtenstein questionava o próprio conceito de arte na era da reprodução de massa,
segundo a curadora da mostra “Vida Animada”, de Roy Lichtenstein, Lisa Phillips15.
Conforme teóricos da educação, a arte-educação também é modelada pelo
mundo da arte (HERNÁNDEZ, 2001; BRENT WILSON, 2005b; EFLAND, 2003,
2005). Assim, pressupõe-se que este ensino deveria estar conectado com o
pensamento da arte pós-moderna. O modernismo havia estabelecido padrões
morais, políticos, intelectuais e estéticos que os pós-modernistas questionam,
contrapondo-se às produções instituídas pela História da Arte oficial, reconhecendo
a arte elaborada por diferentes grupos e minorias culturais. Segundo Mason (2001)
criticou-se o projeto estético moderno, porque se baseava em distinções estilísticas
entre a arte erudita e a arte popular. Na opinião de Chalmers (2003, p. 143),
os educadores artísticos hão de reconhecer que todas as culturas possuem definições de qualidade e que os membros de todos os grupos podem encontrar, dentro do mundo artístico de cada um deles, exemplos de obras excelentes, medíocres ou pobres (tradução nossa).
O projeto pós-moderno busca alcançar uma forma mais democrática em arte
educação (FREEDMAN, 2000) incluindo a arte das minorias e reconhecendo o valor
de outras culturas, assim como há um novo gosto pela variedade e pluralidade
(CHALMERS, 2003). Mas nem sempre o que acontece nas mudanças educativas e
no mundo da arte, se reflete imediatamente nas escolas ou nas práticas que os
professores utilizam para ensinar. Assim como artistas e críticos de arte, nossas
práticas ligadas às histórias em quadrinhos, ainda podem (ou não) estar
impregnadas ou manter resquícios de antigos preconceitos. Ou, como diz Efland
(2003), podem estar ainda apegadas à modernidade. 14 Artigo publicitário sem assinatura. Pop arte no Mon. Revista View , Curitiba, n. 62, p.18-20, dez. 2005. 15 Ibid. Ver também o site: <http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/roy.htm>. Acesso em: 5 jul. 2006.
32
As tendências educativas atuais enfatizam a necessidade de valorizar as
diferentes culturas e a arte popular. Em 1998, nos PCNs a pluralização das culturas
já constava nos temas transversais, como forma de inclusão, propondo a valorização
de outras culturas e manifestações artísticas. Mas a própria SEED/PR, em 2004-
2005, por intermédio de sua equipe técnico-pedagógica, ao traçar as diretrizes
curriculares16 para o ensino fundamental de Educação Artística, entre outros
aspectos, destaca ainda a “necessidade de desmistificação da arte erudita em
relação à arte popular considerando ambas como referenciais culturais importantes
para a compreensão do mundo.” (SEED/PR, 2004-2005, p. 1). As histórias em
quadrinhos são uma arte popular. Também fazem parte desse processo.
Nem todos os cursos de licenciatura17 em Artes Visuais dão suporte para que
os professores trabalhem com estas linguagens. Costumam voltar-se mais para as
artes tradicionais, para as obras dos museus e para artistas já consagrados, embora
as tendências pedagógicas atuais afirmem uma preocupação para que haja preparo
dos indivíduos para a análise crítica também das imagens presentes no cotidiano.
Aqui se encontra um paradoxo. Ao mesmo tempo que se consome mais as
produções realizadas pelas mídias no dia-a-dia e que existe também uma
preocupação de pais e professores quanto aos conteúdos que veiculam, podemos
dizer que Arte Seqüencial/HQs são estudadas com seriedade ou dentro de uma
disciplina que permita estudos mais aprofundados desta linguagem? Como são
realizadas as atividades com histórias em quadrinhos nas escolas? São atividades
livres ou contextualizadas? Promovem conhecimentos significativos em Arte? Há
preocupação real com relação a conceitos, valores, crenças e ideologias que podem
estar envolvidos nas produções encontradas em histórias em quadrinhos? Os
professores se preparam, ou pesquisam para a realização dessas atividades?
Segundo Hernández (2000), com freqüência, se fazem atividades na escola
que não refletem sobre os valores que as histórias da indústria cultural veicula.
Hoje a atenção das investigações parece estar mais voltada para a televisão
e para as novas tecnologias, dando a impressão de que as HQs deixaram de existir
16 As diretrizes curriculares da SEED/PR, para o ensino fundamental de Educação Artística da rede estadual, estão disponíveis em: <http://www.seed.pr.gov.br/portals/portal/diretrizes/dir_ef_educart.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2006. 17 A UFPR, por exemplo, oferecia a disciplina Técnicas de Estruturação da Imagem Seqüenciada que englobava assuntos da Arte Seqüencial (cinema, quadrinhos, fotonovela, incluindo sua história), mas que existiu apenas de 1982 a 1994, segundo as Resoluções nº 85/94 e nº 60/02 do CEPE (Conselho de Ensino e Pesquisa) e informações do secretário deste curso, colhidas em março de 2006.
33
entre as outras mídias. Mas na realidade exercem um papel significativo dentro do
universo visual. De um lado, muitas crianças e adolescentes lêem menos em função
da TV. Por outro lado, há influência de desenhos animados e histórias em
quadrinhos americanas e japonesas nas produções dos alunos. Além de manter
relações muito próximas com o cinema e os desenhos animados, as HQs vêm
formando novos leitores e novos mercados, como os Mangás por exemplo, que se
desenvolveram e se espalharam pelo mundo e também no Brasil (LUYTEN, 2000).
Há poucos trabalhos acadêmicos18 em torno da Arte Seqüencial/HQs e
existem poucas análises em torno dessas imagens no ensino de Artes Visuais,
embora estas sejam mais conhecidas das crianças e adolescentes do que a arte
tradicional. Embora sem ter formação artística, ou estudos da linguagem visual,
professores de outras disciplinas utilizam tirinhas, cartuns, HQs, para ministrar suas
matérias, tanto para ensinar seus conteúdos, quanto para que o aluno "crie", usando
a linguagem dos quadrinhos.
Antes rejeitadas pela escola, a partir da década de 1970, em muitos países,
os órgãos de educação passaram a incluir histórias em quadrinhos no currículo
escolar, “supondo seu estudo uma revalorização oficial.” (QUELLA-GUYOT, 1994, p.
43). Com o pretexto de facilitar uma série de aquisições, os quadrinhos passaram a
entrar nas escolas como um método milagroso. Uma das razões para isso era o fato
de que as HQs facilitavam intercâmbios entre professores e alunos e atraíam alunos
para exercícios gramaticais (QUELLA-GUYOT, 1994).
Desde que as HQs comprovaram sua eficácia para o auxílio no aprendizado
da leitura, os professores de Língua Portuguesa utilizam amplamente essa
linguagem, enquanto os professores de Arte trabalham muito menos com essa arte.
Para o ensino de Artes Visuais, as HQs têm importância principalmente pelas
18 Até o momento de realizar esta pesquisa, encontramos uma série de monografias sobre histórias em quadrinhos, mas poucas teses ou dissertações vinculadas ao ensino de Artes Visuais. De três bibliotecas pesquisadas em Curitiba/PR, a biblioteca da FAP, foi onde encontramos o maior número de monografias nesta área. “A psicomotricidade em quadrinhos” (1980), “Explorando os recursos expressivos de Will Eisner (2001), “Uma linguagem híbrida dos quadrinhos (2002)”, foram algumas, dentre outras monografias, encontradas na FAP no primeiro semestre de 2006, mas não foram encontradas teses ou dissertações nesta biblioteca neste período. Algumas bibliotecas digitais, também foram pesquisadas: Biblioteca Digital da UNICAMP: http://libdigi.unicamp.br; Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP: http://www.teses.usp.br; Biblioteca Digital da UFRGS: http://www.biblioteca.ufrgs.br/bibliotecadigital. Nessa busca, até onde pudemos avançar, constatamos um maior número de teses e dissertações relacionadas a outras disciplinas, principalmente Língua Portuguesa e Pedagogia, que em geral abordam o uso das HQs como ferramenta para o aprendizado da leitura.
34
imagens que veiculam e, o que essas imagens representam, tem interesse relevante
para esta disciplina, bem como, para o campo da Cultura Visual e da Educação.
Em sua pesquisa, Scareli (2003, p. 1) observou que “a presença de
quadrinhos em livros didáticos é uma constante”, e muitos professores fazem uso
deles como recurso didático para atrair as crianças ou para introduzir o tema da
aula, mas em ambos os casos, os quadrinhos são abandonados logo em seguida.
Podemos desta forma considerar as histórias em quadrinhos apenas como
acessório pedagógico? Será que os professores de Arte concordam com isso?
No Brasil, o emprego das histórias em quadrinhos passou a ser reconhecido
pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e pelos PCNs. No volume 6 (1997, p. 62 e 63),
dedicado ao ensino de Arte de 1ª a 4ª série, sugere que as Artes Visuais no fazer
dos alunos e como objeto de apreciação (observação, experimentação e leitura)
além das artes tradicionais pintura, gravura, ou escultura, deve incluir também
outras, como o vídeo, a fotografia e histórias em quadrinhos19. Segundo M.ª C. R.
Pereira, coordenadora geral dos PCNs (apud SERPA e ALENCAR, 1998), por
associarem imagem e texto, as histórias em quadrinhos, passaram a ser
consideradas como meio para auxiliar crianças a aprender a ler e escrever. Assim, o
MEC/1997 passou a recomendar o uso das HQs nas escolas. Esta recomendação
consta no volume 2 dos PCNs pertencentes ao ensino de Língua Portuguesa20.
O risco que se corre em usar histórias em quadrinhos apenas como recurso
para ensinar assuntos variados como a “descoberta da música [...] ou da
jardinagem” é o de vulgarizar mais ainda seus objetos (QUELLA-GUYOT, 1994,
p.45). Isso pode acentuar a idéia de que é uma subliteratura, ao invés de se
incentivar a criação artística de qualidade e a interpretação crítica de conteúdo das
HQs.
Quando crianças ou adolescentes trabalham histórias em quadrinhos junto a
professores de outras disciplinas, estão aplicando conhecimentos da área do ensino
de Artes Visuais. Os professores de outras disciplinas irão trabalhar dentro de suas 19 Nos PCNs (1998, vol. 6, 5ª a 8ª séries, p. 66-67), recomenda-se que o aluno deve realizar a produção, o conhecimento e a leitura das formas visuais, aprendendo a analisá-las criticamente “em diversos meios de comunicação da imagem: fotografia, cartaz, televisão, vídeo, histórias em quadrinhos [...] etc.” 20 Os PCNs (1997, vol. 2, 1ª a 4ª séries, p. 42), consideram que para “aprender a ler, é preciso interagir com a diversidade de textos escritos [...]” e que algumas situações favorecem o aprendizado da leitura e da escrita quando o aluno ainda não sabe ler e escrever. Entre as diversas opções adequadas para o trabalho com a linguagem escrita, tais como textos de jornais, revistas e suplementos infantis, notícias, resenhas, classificados, anúncios, slogans, cartazes, folhetos, etc., citam também os quadrinhos (ver também PCN/97, p. 82).
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áreas. O estudante poderia estar aplicando o que aprendeu em Arte. Mas crianças
não fazem estas conexões sozinhas.
A Arte Seqüencial/HQs necessita ser estudada dentro de uma disciplina
apropriada a sua linguagem. Os estudantes podem apresentar dificuldades para
realizar trabalhos práticos de histórias em quadrinhos por não terem desenvolvido a
prática do desenho, da composição ou por não terem desenvolvido habilidade
técnica, por falta de idéias ou pela incapacidade para representar suas idéias. O
professor de Arte poderia estar mais bem preparado para intervir e auxiliar. Nesse
contexto, o ensino de Arte é o que está em melhor posição para isso. Tanto pode
desenvolver seu aprendizado para a linguagem gráfica dos quadrinhos, quanto o
aprendizado para a interpretação e a compreensão crítica.
Supomos que o professor de Artes Visuais deveria estar mais habilitado para
trabalhos interdisciplinares e em melhor posição para trabalhar com essas
linguagens junto aos alunos, respeitando seu desenvolvimento e auxiliando para
uma compreensão mais consciente das imagens.
Tratando de assuntos relacionados à revisão do sentido do saber escolar,
Hernández (1998, p. 73) destaca a importância da “compreensão da realidade
pessoal e cultural de professores e alunos”, citando René Zaggo, que afirma:
Quando estamos diante de um fato complexo e contraditório, tendemos a decompô-lo em elementos a fim de eliminar o contraditório. Esse modo de proceder, clássico, supõe que explicar seja reduzir. O método de Wallon (esse é seu legado [...]) consiste em instalar-se no centro da contradição: em saber de onde esta procede, para onde vai e qual é sua finalidade.
Para nossas preocupações, essas considerações também são importantes.
Levando em conta as contradições polêmicas na história das HQs e as
necessidades da sociedade contemporânea dentro da problemática do tema de
pesquisa, há que se questionar a realidade das HQs segundo a perspectiva dos
professores. Nós os educadores, podemos estar sujeitos a crenças, concepções e
valores ultrapassados que não atendem às necessidades da educação atual, o que
nos leva à pergunta principal que guia esta pesquisa:
Como os professores de ensino fundamental se relaci onam com a Arte
Seqüencial/histórias em quadrinhos no ensino de Art es Visuais?
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Esta pergunta problema, vai ao encontro dos interesses daqueles que atuam
no cotidiano do ensino de Artes Visuais. Cabe refletir então, sobre qual atitude os
professores tomam diante das HQs. Ensinam com ela? Por meio dela? Como a
ensinam? Implica tentar compreender o que os professores pensam sobre as HQs
no ensino escolar.
1.2.1 Tema e objetivos da pesquisa
O problema parte da suposição de que há despreparo e preconceito com
relação à Arte Seqüencial/histórias em quadrinhos no ensino de Artes Visuais.
Conforme Riviere (apud SANCHO, 1997-1998), os processos de mudança são
lentos. Assim como podemos encontrar críticos e artistas que seguem pensando
segundo crenças ultrapassadas, as práticas de ensino de HQs nas escolas podem
refletir o mesmo. Por isso, vemos a necessidade de realizar estudos sobre essa
questão, a fim de obter dados para uma reflexão mais aprofundada, desejando que
esses dados contribuam para a elaboração de proposta educativa atualizada para a
compreensão crítica da linguagem dos quadrinhos.
Fica deste modo caracterizado o tema de pesquisa, ou seja, a relação entre
as HQs e o ensino das Artes Visuais. Para a delimitação do universo de pesquisa,
restringimos o estudo aos professores de ensino fundamental em escolas de
Curitiba/PR, com o objetivo principal de investigar como estes docentes
compreendem e utilizam as histórias em quadrinhos, analisando essas práticas e as
conseqüências dessas compreensões para o ensino de Artes Visuais.
Seguem naturalmente, objetivos específicos relacionados, como levantar
dados concretos sobre a situação da Arte Seqüencial/histórias em quadrinhos no
ensino fundamental, examinando o que é enfatizado ou realizado neste ensino.
Analisar esses dados dentro da fundamentação teórica deste estudo, isto é, na
perspectiva das teorias da Cultura Visual e desenvolver proposta de trabalho para
realizar estudos de imagens dos quadrinhos para os professores de Artes Visuais do
ensino fundamental.
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1.3 JUSTIFICATIVA
O que está em questão para pais, educadores e outras pessoas, é a maneira como a cultura, particularmente a cultura da mídia, tornou-se uma força educacional substancial, senão a principal, na regulação de significados, de valores e gostos, que estabelecem as normas e convenções que oferecem e legitimam determinadas posições do sujeito. GIROUX, 2003
Como exposto na situação problema, segundo Scareli (2003), os quadrinhos
são uma constante nos livros didáticos e amplamente utilizados por outros
professores, enquanto o ensino de Artes Visuais parece deixar de lado
oportunidades para explorar um modo de expressão que lhe é próprio e particular.
As causas para isso podem ser várias. Eisner (1989, p. 5), que ministrou aulas na
Escola de Artes Visuais, de Nova York, comenta:
Por motivos que têm muito a ver com o uso e a temática, a Arte Seqüencial tem sido geralmente ignorada como forma digna de discussão acadêmica. Embora cada um dos seus elementos mais importantes, tais como design, o desenho, o cartum e a criação escrita, tenham merecido consideração acadêmica isoladamente, esta combinação única tem recebido um espaço bem pequeno (se é que tem recebido algum) no currículo literário e artístico. Creio que tanto o profissional como o crítico são responsáveis por isso.
Segundo Dowing (2002, p. 214), HQs são muitas vezes desconsideradas "por
sua aparente falta de seriedade e tidas às vezes como um emblema de decadência
e perigo cultural.” Apesar disso, tornaram-se populares nas décadas de 1960 e 70 e
se transformaram em força significativa entre adultos jovens em muitos países.
Segundo esse autor, muitas produções de histórias em quadrinhos, não giram em
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torno de temas radicais. A maioria transmite os mesmos valores que as outras
mídias, “embora como os jogos de vídeo e de computador, alguns sejam bem mais
descaradamente violentos, sexistas e etnocêntricos que a maior parte da mídia
convencional.” (DOWING, 2002, p. 214).
Hoje vivemos uma época na qual nos deparamos com crianças, jovens e
adultos cada vez mais interessados nos meios visuais e acostumados às linguagens
permissivas das mídias, que acatam passivamente. Exemplos de fatores que podem
influenciar, inibindo ou desenvolvendo a capacidade criadora do aluno (e do ser
humano em geral), encontramos em Babin (1989, p. 30):
É essa espécie de passividade que precisamos assinalar. Ela não vem do fato de se assistir à televisão ou de se estar exposto a mil mídias, mas talvez do fato e do poder de impacto dessas mídias e da sociedade que as mantém ser forte demais para a subjetividade das crianças.
As mídias se transformaram nos educadores do público, mediando
representações "que jogam com as fantasias, os medos ou os fantasmas."
(HERNANDEZ, 2000, p. xi). Para Steinberg e Kincheloe (apud HERNANDEZ, 2001),
produz-se uma distância cada vez maior entre a pedagogia cultural, que é produzida
pelas mídias e a pedagogia escolar. O que significa que há uma diferença entre
como a "escola educa e como educam os meios da cultura popular." (HERNANDEZ,
2001, p. 2).
Podemos observar como a cultura da mídia regula significados que
determinam normas sociais na relação gênero e HQs, pelo fato de que, durante
muito tempo, as histórias em quadrinhos foram mais consumidas pelo sexo
masculino. Em finais dos anos 50, os quadrinhos eram criados em estilo
sensacionalista e "num formato adequado para leitores adolescentes do sexo
masculino, que eram o pão com manteiga do mercado." (McCLOUD, 2006, p. 27).
Pode-se perceber como as pessoas do sexo feminino se posicionaram com relação
às histórias em quadrinhos, durante aquela época, senão até hoje, mediante alguns
trechos da história Loja Proibida com a personagem Pepper Ann, publicada pela
revista Disney Explora, em junho de 1999 (Figuras 6 e 7).
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Figura 5 – Trechos da História Loja Proibida, publicada na Revista Disney Explora, jun. 1999.
Figura 6 -Trechos da história Loja Proibida, publicada na Revista Disney Explora, jun. 1999. p. 24-27.
40
Este exemplo demonstra como as mídias são capazes de determinar o
pensamento e a atitude das pessoas. É uma referência aparentemente simples, mas
mostra também parte das idéias que influenciaram na formação do pensamento de
adultos e adolescentes de hoje e quanto o estudo destas imagens pode auxiliar a
compreender o meio em que vivemos.
Figura 7 – Trechos da história Loja Proibida, publicada na Revista Disney Explora, jun. 1999. p. 29-30.
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As mídias não somente podem influenciar na construção das identidades
como podem definir a identidade "como sendo do sexo masculino, feminino, pessoa
branca, negra; cidadã ou não cidadã" e ainda, o significado da infância, do passado,
da verdade ou protagonismo social. (GIROUX, 2003, p. 128).
As mídias, as novas tecnologias, os meios de informação e a comunicação
estão engendrando profundas transformações nas subjetividades. Uma maneira de
compreender as mudanças que repercutem na educação é estudar o universo visual
com o qual crianças e adolescentes se relacionam “e as formas de apropriação [...]
que fazem deste universo visual.” (HERNANDEZ, 2001, p. 2, tradução nossa).
Nas últimas décadas, vivemos uma inevitável sensação de crise na
sociedade, na cultura, na escola e nas práticas docentes. Efland (2005) detecta
áreas que estão afetando e irão afetar a arte-educação nos próximos anos. Uma
delas é o surgimento de um mercado cultural internacional. Segundo esse autor, as
nações não podem evitar que a nova cultura popular internacional se espalhe e seja
difundida pelo marketing de massas. Mas o excesso de violência, sexismo e
produções voltadas para a formação de consumidores, bem como a formação de
indústrias culturais homogeneizadoras, levanta questões pertinentes e a
necessidade de novas propostas e práticas para o ensino de Artes Visuais.
As imagens da Arte Seqüencial encontradas nas mídias (meios impressos,
televisão, cinema e Internet), além de distrair e entreter, trazem referências estéticas
derivadas do desenho, da pintura e do design; elas contêm códigos culturais, valores
e significações complexas. O estudo destas imagens pode proporcionar
oportunidades antes ignoradas pelos professores no ensino de Artes Visuais.
Hernández (2000, p. ix) faz considerações importantes relacionadas ao
problema exposto. Para ele, “vincular experiências educativas com as
representações da realidade que constroem de si mesmos e do meio, com a pressão
dos meios e da indústria do consumo [...]”, significa colaborar para que as pessoas
possam interpretar criticamente o mundo do qual fazem parte como sujeitos, e sejam
capazes de dar respostas ao que acontece no mundo em que vivem.
Conforme Hernández (apud FRANZ, 2003a, p. 16), a escola deve ser uma
facilitadora da “construção das subjetividades, para as crianças e adolescentes que
se socorrem nela”, auxiliando para que se sintam seguros para atuar e transformar
sua própria vida. O que nos leva a crer que devemos atuar dentro de propostas
pedagógicas, que incentivem a produção de histórias em quadrinhos, voltadas para
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o ensinamento artístico e estético, mas que ao mesmo tempo incentivem a análise e
a reflexão crítica, como forma de favorecer a construção de conhecimentos e para
que os professores possam auxiliar os estudantes a construir referências para
interpretar o que as mídias apresentam. Além do incentivo à leitura, o estudo das
HQs pode auxiliar na reflexão sobre os processos hegemônicos globalizadores que
aniquilam a diversidade e provocam a perda de nossos referenciais culturais.
Sobre a experiência estética, Ferraz e Fusari (1993, p. 23) citam Thomas
Munro, para quem “a experiência estética não é necessariamente derivada da arte”,
lembrando que há outras experiências estéticas, além daquelas que encontramos
em obras de arte eruditas. HQs também podem promover experiências neste
sentido, pois o desenvolvimento estético se dá mediante um exercício constante “de
discriminação a respeito das qualidades perceptuais das imagens” da percepção e
da composição. (MUNRO, apud FERRAZ e FUSARI, 1993, p. 23).
A realização de atividades com histórias em quadrinhos, além de desenvolver
as habilidades do desenho e da composição, estimulam a capacidade da
representação de idéias e situações. Portanto, nas aulas de Arte, não se justifica
excluir ou incluir precariamente certos modos de expressão, como a Arte
Seqüencial, que está intimamente ligada a outros meios de comunicação e à
experiência estética. Mas incluí-la de maneira que se possa compreender melhor
essa linguagem, também no sentido de promover a educação para a compreensão
crítica deste universo.
Fazer um recorte dentro de um campo extenso como o das Artes Visuais e
tratar exclusivamente da Arte Seqüencial/histórias em quadrinhos, avaliando nossas
práticas, pode contribuir para o desenvolvimento de um aspecto específico, deste
ensino, tornando-o cada vez mais completo e significativo.
As mudanças nos conceitos sobre a arte dos quadrinhos, a ampla divulgação
através das tecnologias digitais atraindo novos leitores e formação de indústrias
culturais globalizantes, outrossim, justificam a realização desta pesquisa, a fim de
fazer análise e reflexão sobre o ensino relacionado às HQs.
Segundo Sancho e Hernández (1997), Elliot Eisner (1998), e Gómez (2001),
fazer reflexão e análise crítica sobre as práticas ligadas a essa arte exige uma
investigação próxima desse ensino em seu dia-a-dia. Investigar o modo como os
professores compreendem a Arte Seqüencial/HQs no ensino de Artes Visuais, pode
revelar concepções, preconceitos, tendências, visões, práticas utilizadas, e
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dificuldades, permitindo realizar uma análise reflexiva mais próxima da realidade do
ensino das HQs no dia de hoje. Pode igualmente contribuir para detectar pontos
positivos ou negativos, desvendando elementos que necessitem ser trabalhados ou
transformados em função das necessidades do ensino atual.
Um estudo sobre as histórias em quadrinhos no ensino de Artes Visuais,
dentro da perspectiva da Cultura Visual associado à Pedagogia Crítica, pode ser útil
para fundamentar a construção de proposta para leituras mais críticas e conscientes
associadas às imagens dessa arte e outras imagens semelhantes. Espera-se desse
modo contribuir nas reflexões sobre as práticas contemporâneas do ensino de Artes
Visuais.