as marias da penha 14 passos da via sacra marcam a história de todas as marias texto e direção...
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AS MARIAS DA PENHA14 passos da Via Sacra marcam
a história de todas as Marias
Texto e direção teatral:Carlos Jerônimo Vieira
Limeira, SP, BrasilJaneiro de 2008
Primeira EstaçãoCondenado à morte
Estou condenada à morteMesmo antes de ter começado.
Quando nasci, minha mãeFez promessas de santo,
Fez promessa de vida boa,Fez de tudo para que euFosse a mulher perfeitaPara o homem perfeito.
Estou marcada pra morrerSem completar o ciclo
Das promessas. Estou juradaPelo amor perfeito. Há dias
Estou na fila, à esperaDe proteção. Ele anda armado...
Segunda EstaçãoTomo a cruz nos ombros
Eu carrego uma cruz.Nela estão estampadas
Todas as angústias desse mundo.Sigo este caminho.
E o peso da desordemCorrói os meus ombros.Estou cheia. Os pecados
Que me imputamEstão enraizados na origem
De um relacionamento podre,Sem amor, sem vida, sem nada...
Terceira EstaçãoPrimeira queda
Ontem caí pela primeira vez.A terra moveu-se e a poeira
Saiu da minha boca num turbilhãoComo se fosse um grito, um berro,Exigindo meus direitos de mulher.
Logo um frio passivo alojou-seEm meu pequeno estômago.
Tive vontade de vomitar, mas não deu.Tive vontade de mijar, mas não veio.
Restou-me apenas uma chicotadaNa cara. Um escarro caudalosoCobriu meu peito. Depois disso,
Levantei-me sem a mesma Dignidade. Essa já não existe mais.
Quarta EstaçãoEncontro com a mãe
Não disse nada. Nunca disse nada.Aprendi desde cedo a me calar.
Com minha mãe foi assim.Comigo tem sido assim.
Meu pai bebia até a alma,Meu marido bebe a alma.
E eu tenho bebido seu cheiroTodos os dias, todas as noites.
Eu tenho sentido o pesoDe seu corpo sobre o meu,
Sem tesão, sem gosto, sem vida.Sou um poço onde ele joga
Seu suor e sua cachaça.
Quinta EstaçãoCirineu
Não sei o que é ser mulher.Não sei o que é sorrir, passear,
Curtir a vida, conversar com vizinhos.Não cometi nenhum crime
E estou condenada à prisãoDe minha própria casa sem janelas,
sem portas. Estou definitivamente domesticada.
Ontem alguém bateu à porta.Não tive coragem de atender.
A cruz que carrego não me deixa.Gritar por socorro, aceitar que
alguémA carregue é minha sentença de
morte.
Sexta EstaçãoVerônica
Ele anda armado. A mulherPerfeita continua em pé, mas está
morta.Não levei um tiro, mas estou morta.O homem perfeito conseguiu essa
proeza:Nunca me bateu, mas era como se
tivesse batido.Sua voz, sua prepotência, sua
indiferençaSua arrogância, seus ciúmes doentio
E suas intimidações mataram meu orgulho,
Mataram minha sede de viver. Estou só.
Teria sido melhor esquecer os conselhos
Da mulher perfeita, do homem perfeito
Que minha mãe apregoava em bom som.
Melhor teria sido continuar meus estudos;
Fazer uma faculdade; sair com os amigos;
Desfilar minha liberdade pelas avenidas.
Mas, não tive coragem. Tive muito medo.
Sétima estaçãoSegunda queda
Ontem caí de novo. É a segunda vez.Eu estava dormindo em minha casa
Quando, de repente, um estampido ecoouE uma bala cruzou o espaço, indo ao meu corpo,
Rompendo meus pequenos e frágeis ossos,Transformando minha coluna
em pequenos pedaços.Senti minhas costas ardendo como fogo
E tive sede. Meus lábios tremiam.Todo meu corpo jazia sobre a cama, inerte.Pensei nos anjos do céu e na minha família.
Do céu veio apenas um raio de luz,Mas não tive coragem para segui-la.
Estou aqui... viva e paraplégica.
Oitava EstaçãoMulheres piedosas
Continuo carregando essa cruz.Por Deus do Céu, é preciso mudança!Tudo parece parado à minha volta.
O tempo, as pessoas, a vida agoniza.Eu agonizo. O que será de mim?Essa é a segunda vez que peço:“Preciso que você me liberte.Dê-me logo esse divórcio”.
Mas, não! Ainda sou sua propriedade. Não posso sair de casa, que ele me segue.
Não posso conversar com amigos - ele briga.Não posso ser feliz - ele não deixa.Eu choro. Essas mulheres choram.
Quando haverá providência? Quando?...
Nona estaçãoTerceira queda
Caí uma primeira, segunda. Essa é a terceira vez.Não bastava me ver numa cadeira de rodas.
Era preciso me eliminar de vez.Estou pronta para meu banho diário
E sinto que o perigo ronda minha alma.Estou totalmente apreensiva. Algo me diz
Que alguma coisa está para acontecer.Minha vida está por um fio. Um fio de cobre
Em contato com a água que escorre Do meu pobre e maculado corpo e o ralo.
Mais uma vez ele falhou. O choque foi pouco.Desta vez o mundo abriu a boca e gritou.
Todos ouviram. A lei, que me julga,
Não julga o criminoso. Ainda tenho medo.
Décima estaçãoDespido das vestes
Era um domingo. Dia de festa em família.Todos vinham para minha casa. No NatalEra sempre assim. Era gostoso ver todos Reunidos em volta da mesa comungando
A vida de nosso Senhor Jesus Cristo.
Comprei um vestido a crediário, lindo,Com quatro dedos acima do joelho.
Eu estava radiante com a nova compra.Imbecilidade e inocência minha. Ele viu.Fez-me tirá-lo a pontapés. Levei tantos
Murros e chutes que perdi a conta.Tirou-me a roupa a unhas, deixando-me nua.
No hospital, depois de dois dias, acordei.Não sabia o que havia acontecido.
A primeira pessoa que me viu foi ele. SorriuE exclamou: “Ainda viva? Aprendeu a lição?”.
Décima Primeira EstaçãoEstou pregada à cruz
Os pregos atravessam meu débil corpo.Não realizo nenhum movimento.
Já não carrego a cruz. Estou presa a ela.Minha dor não consigo compreender.
De onde vem tanto sofrimento? Não sei.O que sei é o que os pregos dizem:
Não fuja. Não reaja. Não agrida.Tenho sede, e o que sinto nos lábios
É o gosto da tua cachaça e do teu suor.O que sinto neste momento é raiva,
É ódio. E por mais que eu queira,Não sinto nenhuma paixão.
Meu coração está fraco. Já não aguento mais.Eli, Eli, por que me abandonaste?!
Décima Segunda EstaçãoMorro na cruz
Estas horas de agonia são longas,Intermináveis, parecem sem fim.Neste quarto de hospital encaro
Teu sorriso sarcástico, impropério.Tua alegria infame e maledicente,
Tuas ofensas já não me ferem mais.A vida para, o coração não bate mais.O mundo dos pecados carrego comigo.Três horas de agonia. Trinta e três anos
De vida perdidos no tempo que se esvai...Parto, consciente do dever cumprido.Meus filhos estão salvos. Deixo-lhesComo herança meu coração fatigado.
Está tudo consumado.
Décima Terceira EstaçãoEstou nos braços da Mãe
Os pregos já não são mais necessários.Desço desta cruz deixando nela
Todos os sofrimentos deste mundo.Em prantos alguém me recebe nos braços.
Sou acolhida depois te tanta angústia,De tanta dor que atravessou a alma.
Adormeço em seus braços, Maria,Mãe de todas as mães padecidas:Maria da Penha, Maria das dores,
Maria que é refúgio para tantas mulheresCansadas e martirizadas por seus homens.
Décima Quarta EstaçãoO Santo Sepulcro
No santo sepulcro ficaram todas as dores.Ganho o prazer e a consciência de uma nova vida:
A Ressurreição.Eis que surge nos céu uma luz radiante e bela.
Nela, a alegria de uma nova lei: Maria da Penha.A ressurreição.
A ressurreição.
Em 7 de agosto de 2006 é sancionada a lei nº 11.340 que “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei
de Execução Penal; e dá outras providências”
Neste momento cessam os gritos.Nosso pequeno barulho de alerta se cala, Mesmo que momentaneamente, até queOutras mulheres, como eu, como você,Comecem a gritar e exigir seus direitos.
Ressurreição.Vida, dignidade, orgulho, amor próprio.
Glória à nova vida: Ressurreição!
FormataçãoLeila Marinho
Lage
MúsicaSkin 2 skin
Enya
http://www.clubedadonameno.com
Nos slides a seguir seguem informações sobre o tema
(Fevereiro de 2008)Clique para prosseguir
FormataçãoLeila Marinho
Lagehttp://www.clubedadonameno.comA Lei Maria da Penha altera o Código
Penal brasileiro e possibilita que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão
preventiva decretada. Estes agressores também não poderão mais ser punidos com pena alternativa. A legislação também aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um
para três anos. A nova lei ainda prevê medidas que vão desde a saída do
agressor do domicílio, até a proibição de sua aproximação da mulher
agredida e filhos.
FormataçãoLeila Marinho
Lagehttp://www.clubedadonameno.com
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu
agressor condenado. Ela virou símbolo contra a violência doméstica, principalmente às mulheres.
Em 1983, seu marido, o professor universitário colombiano, erradicado no Brasil, Marco Antonio Herredia Viveros, tentou a matar em duas ocasiões. Da primeira vez, ele atirou na sua coluna vertebral, o que a deixou paraplégica.Heredia alegou ter sido uma tentativa
de roubo em sua casa.
O caso Maria da Penha
FormataçãoLeila Marinho
Lagehttp://www.clubedadonameno.com
Na segunda intenção de assassinato, duas semanas após, tentou a
eletrocutar e afogar. Além disso, Maria da Penha foi
submetida a várias agressões físicas e psicológicas por anos.
FormataçãoLeila Marinho
Lagehttp://www.clubedadonameno.comSomente depois de oito anos, Herredia
foi condenado a oito anos de prisão, mas ele usou recursos da lei vigente
para protelar o cumprimento da pena. O caso chegou à Comissão
Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime
de violência doméstica. Herredia foi preso em 28 de outubro de
2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje ele está em liberdade...
FormataçãoLeila Marinho
Lagehttp://www.clubedadonameno.com
Após as tentativas de homicídio, Maria da Penha Maia começou a atuar em
movimentos sociais contra violência e impunidade.
Hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação
de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Estado do Ceará,
Brasil, onde ocorreu esta tragédia.
Leiam a reportagem e assistam ao vídeo de Maria da Penha
A LEI
http:Globoreporter.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGO-2703-15591-5,00.html
http://www.planalto.gov.br/CCIVIIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340html