as novas alices

7
AS NOVAS ALICES: UM ESTUDO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ATRAVÉS DA MÍDIA Santiago Régis

Upload: santiago-regis

Post on 23-Mar-2016

231 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Um estudo a influencia da mída na construção da identidade.

TRANSCRIPT

Page 1: As Novas Alices

AS

NO

VAS

ALI

CES:

U

M E

STU

DO

SO

BR

E A

CO

NST

RU

ÇÃ

O

DA

IDEN

TID

AD

E AT

RAV

ÉS D

A M

ÍDIA

Santiago Régis

Page 2: As Novas Alices

RESUMO: Até que ponto nossa identidade é realmente nossa? Identidade pode ser considerada sinônimo de individualidade? Este estudo tem como objetivo discutir a construção da identidade, sobretudo infanto-juvenil a partir das mídias contemporâneas, tendo como plano de fundo dois fi lmes de mesmo nome – Alice in Wonderlan – lançados pela produtora Walt Disney Pictures em diferentes épocas

PALAVRAS CHAVES:Alice no País das Maravilhas, Identidade,Mídia, Criança,Adolescente.

* Artigo escrito como trabalho de conclusão da disciplina Teoria da Imagem e Cultura Visual, na Faculdade de Artes Visuais (FAV) – Universidade Federal de Goiás (UFGO)

Santiago Régis - [email protected]:Estudante do curso de Artes Plásticas, modalidade bacharelado.

AS NOVAS ALICES: UM ESTUDO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ATRAVÉS DA MÍDIA*

Não é de hoje que sabemos sobre a dinamicidade da cultura. Ela está em constante transformação decorrente de processos sociais, o que causa também mudanças no comportamento dos indivíduos que a compõe.

Como plano de fundo, para analisar esta dinamicidade cultural, escolhi a história Alice no País das Maravilhas, um clássico da literatura mundial, abordando as diferentes formas que foram retratadas pela produtora americana Walt Disney Pictures. Mais especifi camente, em dois fi lmes como o mesmo nome: “Alice in Wonderlan”, de 1951, sob direção de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske e “Alice in Wonderlan”, 2010, dirigido por Tim Burton.

O termo “infantil” é recente foi construído em meados do século XX. Antes disso, por exemplo, na sociedade medieval a criança era vista como um pequeno adulto, “a criança tornava-se companheira natural dos adultos, a família lhes transmitia conhecimentos práticos, mas não iam muito longe na sensibilidade” (KODOMA, 2008, p. 02), não existindo um conceito defi nido que a diferenciasse do adulto.

Aos poucos a criança foi sendo notada ganhando cada vez mais um tratamento diferenciado. Segundo Kodoma (2008), somente a partir do estabelecimento do capitalismo burguês é que o status criança foi defi nido, garantindo inclusive objetos específi cos que reafi rmavam o período infantil. Claro que esta realidade era para as crianças burguesas, pois os fi lhos dos proletariados eram vistos como mão de obra barata. Logo em seguida, a sociedade de massa tratou de alavancar a criança como boom mercadológico:

(...) com o surgimento da sociedade de “massa” promovido pelos meios massivos de comunicação do pós-guerra, que forjaram a sociedade de consumo que implementou o capitalismo e as políticas do neoliberalismo da atualidade, o universo infantil foi utilizado e exposto como elemento desencadeador e catalisador de consumo (KODOMA, 2008, p. 08).

As crianças começavam a ditar aos pais o que elas queriam. Será que de fato elas queriam/querem alguma coisa? Ou foram/são

Goiânia

2010

Page 3: As Novas Alices

induzidos a querer? Os pais sem muito tempo para pensar e com a cabeça cheia de trabalho: compram. Corrigindo, pensam sim. Pensam se o produto solicitado cabe no bolso. Se não couber optam pelo genérico. Sempre há um genérico.

Voltando as Alices. A história é bastante conhecida. Trata-se de uma nobre menina inglesa muito curiosa que cai num buraco perseguindo um coelho branco atrasadíssimo. O buraco à leva a um país fantástico, talvez surreal para melhor aproximá-lo dos sonhos. Depois de viver várias aventuras e conhecer um tanto de personagens, Alice acorda. Entendemos que toda aquela história tratava-se de um sonho.

Claro que as coisas não são tão simples assim. O autor, Lewis Carrol, utiliza vários signos universais para compor sua narrativa, o que possibilita inúmeras releituras.

Vejamos ao lado, nas fi guras, os perfi s das duas versões cinematógráfi cas que este estudo propõe analisar:

Na Figura 01 temos a célebre grarotinha loira de rosto pueril, imortalizada no vestido rodado azul, com meias brancas que cobrem toda a perna, sapatinhos de boneca e laço de fi ta na cabeça. O retrato de uma boa menina comportada. Embora Alice, personagem de Lewis Carroll, tenha vivido no Período Vitoriano, as duas adaptações a retratam com traços correspondentemente contemporâneos a época que foram produzidas. Mesmo assim, os diretores Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske, da versão de 1951, propuseram-se a recontar a história respeitando muito do texto original. O que não acontece no fi lme de Tim Burton.

Naturalmente, a década de 1950 ainda guardava muitos conceitos próximos da década anterior. Se compararmos a Alice de 1951, na Figura 01, com a os ícones da mídia de sua contemporaneidade podemos dizer que guarda semelhanças com Shirley Temple (Figura 09), prodígio americano infantil que atuou em vários fi lmes entre 1932 a 1949, sinônimo de boa menina.

A comparação ainda continua com algumas propagandas de roupas para meninas das mesmas décadas, como vemos nas Figuras 03, 04, 05 (anos 40) e 06, 07, 08 (anos 50).

Como a década de 1950 ainda era bastante próxima ao período pós 2º guerra, o capitalismo globalizado como o temos hoje estava só começando. Talvez por isso percebemos a preocupação em apresentar certos valores familiares na primeira Alice da Disney. Valores estes que mudaram bastantes nas décadas seguintes.

A partir da década de 1960 e intensifi cadamente nas ultimas

FIGURA 01Alice in Wonderlan, 1951

Dirigida por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske

FIGURA 02Alice in Wonderlan, 2010

Dirigida por Tim Burton

Page 4: As Novas Alices

””décadas, aconteceram vários movimentos sociais de contracultura que reformaram a sociedade:

época de prolongados tumultos sociais em que a todo o momento surgiam novos movimentos sociais a desafi arem as formas estabelecidas de sociedade e cultura e a produzirem novas contraculturas e novas alternativas de vida (KELLNER, 2001, p. 25).

Foi a época dos anos rebeldes. Jovens iam às ruas para protestarem seus direitos e a insatisfação com o modelo social vigente. Surge assim, uma nova diferenciação entre adulto e a criança, o jovem. Depois dos jovens, os movimentos continuam e as classifi cações vão se ramifi cando até chegar aos adolescentes, que segundo Kodoma (2008) surgiu para atender a uma mais nova demanda de consumo:

A partir dos anos 70, os sucessivos movimentos sociais interferem na constituição da família nuclear – pais, mais e fi lhos – desencadeando o surgimento de diferentes segmentos como: feminino, masculino, casais, solteiros, gays, velhos, adultos, crianças e, principalmente, a etapa do desenvolvimento forjada no último século – a adolescência – forçando a diversifi cação do consumo. Surge então uma variedade de produtos, principalmente os lúdicos e os destinados a forjar a cara das diferentes tribos (KODOMA, 2008, p. 08).

A Alice versão 3.0 dirigira por Tim Burton (Figura 02) não é mais a mesma de Lewis Carrol. Apesar de

loira e ainda usar azul, esta nova Alice deixa sua infância para trás, voltando ao País das Maravilhas já na adolescência.

FIGURA 09 Shirley Temple - Ícone infantil entre as décadas de 1930 e 1940.Atualmente o SBT construiu a imagem da menina Maisa a partir de Shirley.

FIGURAS 03, 04 e 05 Moda infantil dos anos 40

Page 5: As Novas Alices

Tudo no fi lme foi construído visando uma grande aceitação do público jovem. A caracterização dos personagens seguiu ao estilo Tim Burton sombrio de contar histórias, sucesso de bilheterias. A trilha sonora além de contar com a participação quase que obrigatória de Daniel Elfman, que acompanhou o diretor em vários outros fi lmes, conta ainda com nomes de bandas do pop norte americano, como por exemplo, All Time Low, Metro Station e Avril Lavigne, a musa contemporânea rebelde sem causa que canta a música principal tema de Alice. O diretor ainda insere uma forte conotação sexual no fi lme aproveitando as cenas de crescimento da personagem Alice, com suas constantes trocas de roupas. Há ainda um romance enrustido com o chapeleiro maluco, interpretado por Johnny Depp, claro que um ator como este não seria desperdiçado apenas como o mero chapeleiro. Estas são apenas algumas das inúmeras investidas feitas para o agrado geral. De tempos em tempos a mídia escolhe um assunto em voga para especular, este fi lme vinha sendo especulado desde 2008, a trilha sonora podia ser encontrada para download e varias cenas correram a internet antes do fi lme ser lançado. Depois do tão esperado lançamento do fi lme, o mercado foi bombardeado por produtos aliceanos.

Nas Figuras 10, 11 e 12 vemos algumas das bandas mencionadas na trilha sonora da Tim Burton.

A mídia é o fator que mais infl uencia nas mudanças culturais contemporâneas, modifi cando direta ou indiretamente a identidade dos indivíduos participantes.

A identidade até pouco tempo era compreendida como estável. Ela resultava de uma sociedade onde os indivíduos cresciam e se conformavam com seus papéis sociais predispostos. A modernidade tardia fez da identidade palco de constantes transições. Para Douglas Kellner (2001), a identidade está interligada com a fragmentação e a

FIGURAS 06, 07 e 08 Moda infantil dos anos 50

Figura 10Avril Lavigne – na pele da “propria” Alice

Page 6: As Novas Alices

multiplicidade da cultura da mídia. Os indivíduos buscam nas imagens da mídia moldes de como se portarem, vestirem, falarem, entre outros. Sendo assim, “a identidade hoje é aquilo que aparenta ser” (p. 322).

Neste sentido, as práticas midiáticas utilizam a imagem como principal veículo, disponibilizando-as ao público em geral. Assim, “a cultura da imagem está vinculada ao mundo contemporâneo” (MARTINS, 2007, p. 33). Desta maneira, percebemos a imagem interligada a identidade, mesmo em se tratando de sua vinculação e veiculação de diferentes ideologias. Cada cultura tem seus códigos imagéticos de comunicação e ideologia.

A mídia auxilia diretamente para o sucesso, ou indiretamente despertando o interesse da população. O resultado é vendas especulativas e mercadológicas. Vendas de peças de quebra cabeças (produtos) que vão compor as nossas identidades. Não cabe a mim julgar a cultura de massa como nova vilã. Épocas atuais ditam a lei da procura e da oferta.

FIGURA 12All Time Low

FIGURA 11 Metro Station

Page 7: As Novas Alices

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de janeiro: DP&A, 2005.

KELLNER, Doulglas. A Cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Trad. Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

KODAMA, Kátia Maria Roberto de Oliveira. A representação imagética da criança nos vários processos históricos sociais e sua identidade ameaçada pela cultura globalizada. Disponível em < http://www.faac.unesp.br/publicacoes/anais-comunicacao/textos/15.pdf> acesso em 29/11/10

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um Conceito Antropológico. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

MARTINS, Raimundo. Arte, Educação e Cultura. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de (Org). Santa Maria: Editora da UFSM, 2007.