as virtudes ensinadas em objetos de aprendizagem … · é aquela cujas regras são legitimadas com...
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AS VIRTUDES ENSINADAS EM OBJETOS DE APRENDIZAGEM INFANTIS
Luciene de Sousa Teixeira Vales
Membro do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação/UFRJ Maria Judith Sucupira da Costa Lins
Vice-Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação/UFRJ Marta Teixeira do Amaral
Membro do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação/UFRJ Monique Maiques de Souza Alves Rezende
Membro do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação/UFRJ Sabryna Raychtock
Membro do Grupo de Pesquisa sobre Ética na Educação/UFRJ Eixo Temático: Culturas de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Comunicação Oral
Este artigo faz parte da pesquisa “A Informática Educativa na Formação de Valores
Morais para Crianças” [1], que se propõe a responder a questão “como a tecnologia pode
contribuir para a formação de valores morais para crianças?”, surgida nas experiências e
vivências da autora com alunos da Educação Infantil, durante as aulas no laboratório de
informática.
A pesquisa em andamento é de cunho bibliográfico. Os dados oriundos do campo, como
situações do cotidiano escolar envolvendo crianças e professores, serão analisados de
acordo com a pesquisa “Ensino/Aprendizagem de Ética nos currículos de diferentes
escolas”, em fase de conclusão por uma equipe participante do Grupo de Pesquisa sobre
Ética na Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Quando crianças de 4 a 6 anos utilizam os computadores como prática do currículo
escolar observam-se, a todo momento, dilemas éticos, da mesma forma como ocorre em
sala de aula, no refeitório durante a merenda e em todos os espaços escolares. Isto
porque “pequenas tarefas rotineiras a serem executadas nas escolas nos parecem ser o
começo da prática da Educação Moral” (LINS, 2007, p.7). A preocupação por uma
educação moral na escola legitima-se quando percebemos “as constatações diárias da
ausência de comportamentos que demonstrem uma construção da moralidade pelos
alunos” (LINS, 2007, p.22).
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No processo de construção de uma proposta de formação moral com auxílio da
informática e demais tecnologias, os fundamentos analisados vão muito além das
especificidades técnicas. Esta nos parece ser uma discussão que ainda desperta pouco
interesse na atualidade[2] , quando unimos em uma única pesquisa as questões
tecnológicas, de Educação Infantil e educação moral simultaneamente.
Para responder à questão primordial, a pesquisa se propõe a elaborar objetos de
aprendizagem [3] que abordem valores morais e as virtudes e que possam ser integrados
ao currículo escolar.
Quando pensamos em possibilidades de uso do computador com crianças pequenas,
percebemos a tecnologia como uma das diversas linguagens presentes na Educação
Infantil.
Essa compreensão foi abordada por Heloisa MARINHO (1967), pioneira dos estudos
sobre educação da infância no Brasil. Ela mostrava a importância de se oferecer à
criança acesso a diferentes linguagens quando afirmava:
O Jardim de Infância deve proporcionar à criança meios de expressar livremente sua experiência no convívio com a professora e os colegas, na dramatização espontânea, nas artes manuais e na música. Neste brinquedo livre, a capacidade crescente incentiva a escolha de atividades cada vez mais complexas. (...) O trabalho da professora consiste em dar à criança apoio afetivo e em propiciar riqueza de experiências, que aos poucos alargam o âmbito dos conhecimentos infantis. (MARINHO, 1967, p. 29)
Se Heloísa Marinho visse a criança e o mundo de hoje, mais de quarenta anos depois de
seus escritos, decerto complementaria seu pensamento como a Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro o fez:
Ao colocarmos a linguagem oral e as linguagens como marcos presentes no trabalho das creches e pré-escolas, sinalizamos que mesmo com as crianças bem pequenas o educador não pode ignorar essa outra forma de linguagem que é a mídia. As crianças do século XXI já nascem mergulhadas em uma sociedade midiática.(...) Pela vivência nessa sociedade e ao usar essa linguagem, as crianças constituem valores (...) As crianças identificam-se com as linguagens da mídia, pois elas estão presentes no seu dia a dia, e é com desenvoltura que lidam com as tecnologias audiovisuais e de
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informática. (SECRETARIA MUNICIPLA DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 2005, p. 24-25)
As tecnologias estão presentes como uma linguagem a mais na Educação Infantil, mas o
mesmo não parece acontecer com a educação moral.
Na ausência de diretrizes sobre o ensino da educação moral da criança nos Referenciais
Curriculares para a Educação Infantil, a pesquisa analisa as contribuições de PIAGET
(1994) e LINS (2007), para a compreensão de como essa educação pode ser realizada
nas escolas de crianças pequenas.
Aristóteles,ao falar sobre educação moral, afirma que, “como diz Platão, deveríamos ser
educados desde a infância de maneira a nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas
certas; assim deve ser a educação correta” (ARISTÓTELES,2011, p. 39).
Mas como as crianças formam seus valores? Piaget, embora tenha dedicado à maior
parte da sua vida aos estudos do desenvolvimento do pensamento lógico-matemático,
faz algumas considerações a respeito no livro “O juízo moral na criança”. Ele analisou
as crianças realizando jogos com regras, e desta forma definiu que “toda moral consiste
num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito
que o indivíduo adquire por essas regras” (PIAGET, 1994, p.23). A essência da teoria
piagetiana é descrita por La Taille da seguinte maneira:
Piaget fala de duas morais: a heterônoma e a autônoma. A moral heterônoma é aquela cujas regras são legitimadas com referência a uma estância superior, a uma autoridade; na moral autônoma, pelo contrário, as regras ganham legitimidade sem nenhuma referência a algo que transcenda os indivíduos: são legítimas se nasceram de acordos realizados entre pessoas iguais e livres. (LA TAILLE, 2000, p.90)
Dentro desse pensamento piagetiano, em um primeiro momento, a criança apresenta
uma anomia, isso é, vive numa ausência completa de regras. Em seguida, por sua
inserção no meio social, a criança passa a viver a moral heterônoma, ou seja, depende
da referência dos adultos para orientar suas ações, o que vai fundamentar a construção
de sua moral autônoma posteriormente.
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O desenvolvimento da educação moral na Educação Infantil implica, de acordo com
essa teoria, na elaboração de normas de conduta, vigilância e punições para quem
desobedecer as regras, visando o bem comum. Essas normas de conduta, geralmente
denominadas de “Combinados da Turma” ou “Regras de Convivência” na Educação
Infantil, são comumente apresentadas aos alunos ou elaboradas coletivamente, incluindo
as sanções adaptadas à faixa etária.
O processo que envolve a educação moral nesta pesquisa está baseado principalmente
nas teorias do filósofo contemporâneo Alasdair MacIntyre (1984). Será também
observada a análise de uma abordagem pedagógica proposta por LINS (2007). Segundo
a autora, a Educação Moral deve propiciar às crianças a aprendizagem de virtudes para
que se tornem cidadãos éticos.
Por meio do ensino das virtudes, em uma concepção aristotélica: “a virtude é um meio
termo (...) porque a natureza da virtude é visar à mediana nas paixões e nos atos”
(ARISTOTELES, 2011, p.53). O fim da educação moral, portanto, deve ser o de
auxiliar a criança no desenvolvimento dessa consciência, pois “as virtudes (...)
adquirimo-las pelo exercício, tal como acontece com as artes. Efetivamente, as coisas
que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo.”
(ARISTOTELES, 2011, p.36).
De acordo com essa proposta de educação moral para crianças contemporâneas, por
meio do ensino de virtudes, acrescentamos as contribuições da informática e das novas
tecnologias, presentes no processo de elaboração e criação de objetos de aprendizagem.
A pesquisa estuda o ensino de virtudes para crianças, como uma metodologia possível
de educação moral na Educação Infantil. Para isso, utiliza objetos de aprendizagem,
destacando-os no universo de ferramentas e produções da informática educativa.
A escolha por objetos de aprendizagem justifica-se por suas características pedagógicas,
descritas por Mendes et al. (2004): a) reusabilidade: reutilizável diversas vezes em
diversos ambientes de aprendizagem; b) adaptabilidade: adaptável a qualquer ambiente
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de ensino; c) granularidade: conteúdo em pedaços, para facilitar sua reusabilidade; d)
acessibilidade: acessível facilmente via Internet para ser usado em diversos locais; e)
durabilidade: possibilidade de continuar a ser usado, independente da mudança de
tecnologia; f) interoperabilidade: habilidade de operar através de uma variedade de
hardware, sistemas operacionais e navegadores web (browsers), intercâmbio efetivo
entre diferentes sistemas.
A construção de objetos de aprendizagem deve ser precedida por uma criteriosa análise
de suas estruturas, sendo este o momento em que se encontra a pesquisa.
Para essa etapa foi elaborada uma ficha de análise pedagógica, com ênfase no ensino de
virtudes, considerando os aspectos técnicos deste material didático e os aspectos
pedagógicos que consideram os estudos piagetianos e as contribuições aristotélicas,
complementados pela proposta de Alasdair MacIntyre do ensino de virtudes.
Esta pesquisa considera ainda os estudos da primeira década de 2000, sobre softwares
educativos. Softwares eram programas disponíveis em CD-ROM para computadores,
que através de jogos e multimídias ensinavam conteúdos e conceitos escolares.
Já no final da década de 2010, com o advento da internet banda larga e do
desenvolvimento de novos programas para a produção de jogos e interfaces, como o
Flash e Java, e de depositórios para compartilhamento de materiais on line como o
youtube, os softwares educativos foram praticamente extintos, dando lugar aos objetos
de aprendizagem.
Podemos considerar que os objetos de aprendizagem são uma evolução dos softwares
educativos, com características mais democráticas de acesso e produção. Podemos
afirmar que “o que caracteriza um software como educacional é a sua inserção em
contextos de ensino-aprendizagem” (OLIVEIRA et al., 2001, p.73), e da mesma forma
o que caracteriza um arquivo da internet como objeto de aprendizagem é a possibilidade
de seu uso no currículo escolar.
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Existem inúmeros objetos de aprendizagem disponíveis na internet para uso em sala de
aula, porém cabe ao professor estabelecer critérios de seleção, para utilizar aqueles que
melhor atendam aos seus objetivos pedagógicos.
Os objetos de aprendizagem considerados pela pesquisa são categorizados como vídeo,
jogo, imagem, podcast, infográfico, quadrinhos e apresentação de slides.
Observamos, da mesma forma, uma semelhança da análise dos objetos de
aprendizagem, com a análise de livros didáticos. O Projeto de Avaliação do Livro
Didático, que vem sendo desenvolvido desde 1995 pelo Ministério da Educação tem
como objetivo geral “Promover a melhoria da qualidade dos livros didáticos destinados
ao ensino fundamental e utilizados nas escolas das redes públicas.” (BRASIL, 2007)
Com base neste modelo de avaliação do livro didático, contido no Guia do Livro
Didático, os livros são escolhidos de acordo com dois critérios básicos: os critérios
eliminatórios, que vetam a sua utilização de imediato na escola pública; e os critérios de
classificação, que fazem uma análise mais detalhada das possibilidades de utilização do
livro na sala de aula.
O critério eliminatório na pesquisa está relacionado ao conteúdo. Os objetos de
aprendizagem que apresentam conceitos e informações errados, linguagem não
adequada à faixa etária, menções de preconceito de origem, cor, condição econômico-
social, etnia, sexo e que façam qualquer espécie de propaganda de produtos e que
apresentem alguma indoutrinação de origem religiosa não serão considerados para a
análise.
Em relação às especificidades técnicas e informáticas, os objetos de aprendizagem
ideais devem conter multimídias atraentes para crianças de 4 a 6 anos, permitir a
interação do aluno, apresentar linguagem clara e objetiva e utilizar a Língua Portuguesa
preferencialmente. Além disso, devem possibilitar seu uso e visualização nos
navegadores padrões do Windows e Linux, sistemas mais encontrados nas escolas.
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Os objetos que passarem para a etapa seguinte serão categorizados em relação ao ensino
de virtudes. Nas observações a avaliadora irá interagir com o objeto no computador,
analisando os aspectos técnicos e pedagógicos contidos na ficha e fazendo o devido
registro.
A procura por objetos de aprendizagem sobre ética foi realizada inicialmente no Banco
Internacional de Objetos de Aprendizagem do Ministério da Educação do Brasil. O
portal disponibiliza objetos para todos os níveis escolares, categorizados por temas
transversais e áreas de estudo. Em Educação Infantil encontram-se 850 objetos no total,
sendo que nenhum objeto foi categorizado em ética. Nas Séries Iniciais do Ensino
Fundamental encontram-se 1.601 objetos e na categoria ética 7 objetos. Pela
proximidade desses níveis escolares, estes objetos estão sendo analisados.
O objeto de aprendizagem “Viva as Diferenças” (história em quadrinhos) foi acrescido à
lista dos primeiros objetos analisados. O portal do MEC em uma de suas publicações
em Educação Especial divulga e incentiva o uso deste material.
Até o momento foram analisados quatro materiais. O Software Educativo “Educación
para La Solidariedad” foi produzido para o ensino de valores humanos. O software está
em espanhol, o que dificulta o entendimento das atividades propostas por parte dos
alunos da Educação Infantil. Ele foi programado em linguagem Java, no programa
JClic. Este programa exige conhecimentos específicos para instalação e utilização. Por
essas dificuldades técnicas ele foi desconsiderado na pesquisa.
“Respeito ao Espaço Público” e “Corrupção” são vídeos que abordam o valor justiça e
honestidade respectivamente. A linguagem dos vídeos, através de reportagens e
entrevistas com adultos, não é adequada à faixa etária da Educação Infantil. Por esta
forma eles não serão considerados para a pesquisa.
“Viva as diferenças!” é uma história em quadrinhos da Turma da Mônica produzida
pelo Maurício de Souza com fins educacionais. Ela está disponível na internet e seu uso
e reprodução são gratuitos. A narrativa conta a história de crianças portadoras de
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necessidades educacionais especiais que estão integradas em uma turma regular. A
narrativa mostra, de forma lúdica, as dificuldades de acessibilidade e de interação das
crianças e como essas dificuldades podem ser superadas com a ajuda e participação de
todas as demais crianças. Ele apresenta conteúdo que possibilita o ensino das virtudes
amizade e justiça, abordando a inclusão de alunos especiais na escola.
A análise geral feita da maioria dos objetos é que estes não possuem um compromisso
com o ensino de valores e virtudes para as crianças pequenas. De uma forma geral, os
objetos de aprendizagem devem ser utilizados no espaço escolar de forma criteriosa
pelos professores. Muitos objetos são elaborados por empresas ou profissionais da
informática, que buscam o entretenimento simplesmente e não percebem que suas
criações estão à disposição de crianças pequenas em formação.
Como conclusões parciais desta fase inicial da pesquisa, observamos que somente a
história em quadrinhos será considerada na pesquisa como material de referência para a
criação dos novos objetos de aprendizagem.
Os objetos de aprendizagem melhor avaliados qualitativamente, serão disponibilizados
em links no site da pesquisa, posteriormente. As fichas serão analisadas
qualitativamente. Os dados obtidos servirão de base para a elaboração de uma diretriz
para a construção dos objetos de aprendizagem da pesquisa.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. 1996 - Etique a Nicomaque. Paris, Ed. Flammarion. BRASIL. Ministério da educação e do desporto. Secretaria da educação fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Vol. I, II, III e IV. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Brasil. Ministério da Educação. Projeto de Avaliação de Livros Didáticos. Disponível em: http://www.mec.gov.br/sef/fundamental/avalidid.shtm Acesso em 20/02/2011.
LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática, 2000. LINS, Maria Sucupira da Costa. Educação moral na perspectiva de Alasdair Macintyre. Rio de Janeiro: ACCES, 2007. MACINTYRE, Alasdair. 1984 - After Virtue. Notre Dame Press, Indiana.
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MARINHO, Heloísa. Vida e educação no jardim de infância. Rio de Janeiro: Conquista, 1967.
MENDES, Mara Rozi; SOUZA, Vanessa Inácio; CAREGNATO, Sônia Elisa. A propriedade intelectual na elaboração de objetos de aprendizagem. In: CINFORM - Encontro Nacional de Ciência da Informação, 2004, Salvador. Disponível em: <http://dici.ibict.br/archive/00000578/01/propriedade_intelectual.pdf> Acesso em: 12 ago. 2011. OLIVEIRA, C.C.; COSTA, J.W. e MOREIRA, M. Ambientes informatizados de aprendizagem: produção e avaliação de software educativo. São Paulo: Papirus, 2001. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. Tradução de Elzon Lenardon. 2. ed. São Paulo: Summus, 1994. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO. Infantil: Revendo percursos no diálogo com os educadores. Rio de Janeiro: Gráfica Imprinta Express, 2005.
[1] Pesquisa em andamento no Doutorado do Programa de Pós Graduação em da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. [2]. Em pesquisa no Portal de Periódicos da CAPES às produções científicas dos últimos 10 anos, obtivemos: para “Educação Moral” 33 textos, sendo 3 sobre infância; para “Valores Morais” 1 texto que não mencionava a infância; para “Ética” 49 registros e nenhum sobre infância; para “Educação Infantil” 28 registros mas nenhum sobre valores ou ética e na busca por “Infância” recebemos 31 registros e apenas 1 abordava valores e ética. [3] Entende-se por objetos de aprendizagem quaisquer recursos que possam ser reutilizados para dar suporte ao aprendizado, em meios digitais.