aspectos historicos da conjectura de poincare

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1 SILVANA TERESINHA KREFTA ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONJECTURA DE POINCARÉ SINOP 2009

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Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare - Silvana Teresinha Krefta2009

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Page 1: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

1

SILVANA TERESINHA KREFTA

ASPECTOS HISTÓRICOS DA

CONJECTURA DE POINCARÉ

SINOP

2009

Page 2: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

2

SILVANA TERESINHA KREFTA

ASPECTOS HISTÓRICOS DA

CONJECTURA DE POINCARÉ

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à banca avaliadora, Curso

de Licenciatura plena em Matemática,

Campus Universitário de Sinop,

UNEMAT, como requisito parcial para

obtenção do título de Licenciado em

Matemática.

Orientadora:

Profª.Ms. Chiara Maria S. L. Dias

SINOP

2009

Page 3: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

3

SILVANA TERESINHA KREFTA

ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONJECTURA DE POINCARÉ

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à banca avaliadora, Curso

de Licenciatura plena em Matemática,

Campus Universitário de Sinop,

UNEMAT, como requisito parcial para

obtenção do título de Licenciado em

Matemática.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________

Prof. Ms. Chiara Maria Seidel Luciano Dias Professora Orientadora

UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

________________________________________________________

Prof. Dr. André Luis Christoforo Professor Avaliador

UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

________________________________________________________

Prof. Ms. Rogério dos Reis Gonçalves Professor Avaliador

UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

________________________________________________________

Prof. Ms. Milton Luiz Néri Pereira Chefe do Departamento do Curso de Licenciatura Plena em Matemática

UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

SINOP/MT

_____ de _________________de 2009.

Page 4: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

4

Dedico aos meus pais e amigos,

pela confiança, compreensão e

apoio durante estes anos, e por me

ensinar a acreditar e não desistir

dos meus ideais.

Silvana

Page 5: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me mantido em pé diante de diversas

dificuldades encontradas em meu caminho e por ter me dado forças suficiente pra seguir em

frente, além de ter colocado pessoas com quem pude contar em todos estes momentos.

A minha família, principalmente a minha mãe Salete e ao meu pai Claudino (Parente),

aos avós Gentil C. da Silveira e Ana Maria T. da Silveira por terem me educado e me

mostrado o significado real da palavra família, lembrando-me sempre que o melhor caminho

é a educação.

A todos os professores pela compreensão diante de diversos acidentes de percurso, em

especial aos mestres Chiara e Rogério (Galóis) pelas dicas e idéias durante a orientação do

trabalho e momentos de distração que sempre serão lembrados com carinho e a profª Ms.

Vera Lúcia pelo apoio em diversos momentos.

Aos colegas Djeison, Irineu, Polyanna e Silmara que com o passar do tempo se

tornaram amigos com quem espero dividir muitas alegrias futuras.

As amigas de longa jornada Cíntia, Simone e Wilma que dividiram comigo tantos

momentos bons ou não, me apoiaram e sempre me ajudaram a não desabar, que contribuíram

tanto com conversas calmas ou até mesmo festas agitadas para descontrair, continuaremos na

luta sempre, unidas pelo amor fraternal que existe entre nós e confiantes que teremos forças

para superar mais este momento difícil que estamos vivendo.

Aos amigos Laércio, Léia, Luciene (Mana) e Wagner que reconheci, pois como dizia

Vinícius de Moraes: A gente não faz amigos, reconhece-os, durante estes últimos anos que

me confortaram e ajudaram em vários momentos, me fazendo acreditar que conseguiria

alcançar meus objetivos, pelas diversos momentos de distração, noites de conversas e festas.

E por mais estranho que possa parecer, não posso deixar de agradecer a minha gatinha

Tchuka, pois ela foi quem passou maior tempo comigo nestes últimos doze anos, e durante as

madrugadas de insônia que em muitas vezes aproveitei para estudar, era ela quem me fazia

companhia.

Silvana

Page 6: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

6

“A busca da verdade deveria ser o objetivo das

nossas atividades, é o único fim digno delas. [...]

Mas às vezes a verdade nos assusta. [...] Também

sabemos o quanto a verdade geralmente é cruel e

nos perguntamos se a ilusão não seria mais

consoladora, sim, ate mais revigorante, pois a ilusão

é o que dá confiança. [...] Essa a razão do nosso

medo da verdade; nós a consideramos uma causa de

fraqueza. Ainda assim, ela não deve ser tímida, pois

só a verdade é bela."

POINCARÉ

Page 7: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

7

RESUMO

KREFTA, Silvana Teresinha. Aspectos históricos da Conjectura de Poincaré. 2009. 43p.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Matemática) – Faculdade de Ciências

Exatas. Universidade do Estado de Mato Grosso / Campus Universitário de Sinop. Sinop,

2009.

Este trabalho apresenta um estudo introdutório da história de um dos mais intrigantes

problemas da Matemática: a Conjectura de Poincaré. Destacamos alguns personagens

importantes e observações sobre os principais conceitos envolvidos no problema. Em

particular, relatamos desde os primeiros estudos de Poincaré até o desfecho no início do

século XXI bem como, a ligação feita entre a conjectura e sua importância para o estudo

sobre a forma do universo. Ressaltamos que a finalidade não é o aprofundamento da

matemática envolvida no problema, mas sim apresentar alguns aspectos conceituais e um

conteúdo histórico interessante, mostrando assim, que teorias matemáticas passam por um

processo evolutivo que envolve muitos personagens e fatos curiosos.

Palavras-chave: Jules Henri Poincaré, Conjectura de Poincaré, Perelman e Hamilton, Esfera

tridimensional.

Page 8: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

8

ABSTRACT

KREFTA, Silvana Teresinha. Historical aspects of Poincare Conjecture. 2009. 43 sheets.

Course Conclusion Work (Mathematic Graduation) – Faculty of Accurate Science.

University of Mato Grosso State / Campus of Sinop. Sinop. 2009.

This work presents an introduction study of history of most intriguing problems of the

mathematic: The Poincare Conjecture. We make stand out some important figures and

comments about the main concepts involved in problem. Particularly, we tell since the first

Poincare‟s studies until the outcome in beginning of 21st century well as, the connection maid

between the conjecture and its importance for the study about universe shape. We emphasize

that the purpose isn‟t the deepening of match involved in problem, but presents some

conceptual aspects in a interesting historical content, showing that the mathematical theories

must be through a evolutionary process that involves a lot of figures and curious facts.

Keys-words: Jules Henri Poincare, The Poincare Conjecture, Perelman and Hamilton, 3D

Sphere.

Page 9: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10

RELATOS BIOGRÁFICOS DE JULES HENRI POINCARÉ ....................................... 12

TOPOLOGIA E A LIGAÇÃO DA CONJECTURA DE POINCARÉ COM A FORMA

DO UNIVERSO ........................................................................................................... 17

O CONCEITO DE DIMENSIONALIDADE ............................................................. 17

CONEXIDADE E COMPACIDADE .......................................................................... 23

O CONCEITO DE HOMEOMORFISMO ................................................................. 25

CONJECTURA DE POINCARÉ: DA ELABORAÇÃO DO PROBLEMA À

DESCOBERTA DE PERELMAN .............................................................................. 27

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 40

Page 10: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

10

1. INTRODUÇÃO

Basta conhecer um pouca da história da humanidade para perceber que a Matemática

esteve presente no desenvolvimento da sociedade e do conhecimento humano, com seus

métodos próprios de investigação. Desde os tempos primórdios essa ciência aparece como

base de diversas outras e apresentam importantes evoluções nessas áreas, tais como na Física,

Arquitetura, Engenharias, Medicina e nas tecnologias de modo geral.

Mas de forma contrária ao que se pensa, nem tudo sobre a Matemática se encontra

exatamente concluído. Sabendo da existência de diversos teoremas na Matemática, surgem

alguns questionamentos: Como se formam esses teoremas? De onde surgem e quais as

finalidades? Por ser esta uma ciência muito ampla, há diversos problemas em aberto e

conjecturas que perduram décadas ou até mesmo séculos e que necessitam serem provadas

para se tornarem teoremas, assim como novos problemas surgirão, e dessa forma irão auxiliar

ainda mais em diversos outros estudos e no próprio desenvolvimento da Matemática.

Com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre tais problemas, este trabalho

apresenta em particular, um estudo introdutório da história da Conjectura de Poincaré. Além

disso, o trabalho irá apresentar um breve apanhado sobre a vida do francês Jules Henri

Poincaré (1854-1912) e suas contribuições que foram de grande valia a todo desenvolvimento

da matemática e estudos afins, ressaltando seus estudos em torno do problema da esfera em

três dimensões.

Este é um dos problemas mais polêmicos do início do século XXI (embora sua

formulação tenha surgido no século XX). A conjectura se destina a estudar variedades

tridimensionais envolvendo conceitos de Topologia1. A Conjectura de Poincaré afirma que a

esfera tridimensional é a única variedade tridimensional simplesmente conexa finita.

Dito de outro modo, a pergunta na qual a conjectura pretende responder é a seguinte:

Entre todas as variedades tridimensionais, existe alguma que seja diferente da esfera

tridimensional e em que todo o caminho possa se contrair em um único ponto? A conjectura

afirma que sim, mas a demonstração matemática desta confirmação apresentou diversas

dificuldades e empecilhos que levassem a conjectura a ficar retida durante um século sem sua

validação. Seguindo a afirmação da conjectura, temos que o universo é uma esfera

tridimensional, e “a conjectura de Poincaré oferece instrumentos matemáticos e conceituais

1 Os conceitos relacionados serão abordados no capítulo 2.

Page 11: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

11

para pensar a possível forma do universo.” (O‟SHEA, 2009, p 21).

Diante deste fato, foram diversos os personagens que se destacaram durante este

percurso histórico, sendo estes de diversas regiões do mundo. Dentre estes nomes pode-se

destacar Stephen Smale (1930), de Hong Kong, William Thurston (1946 -) e Richard

Hamilton (1943 -), dos Estados Unidos da América, o chinês Gang Tian (1958 -) e o russo

Grigory Perelman (1966). E alguns nomes que tiveram seus estudos sem ligação direta com a

conjectura ou até mesmo antes de sua formulação, mas que tiveram ressalto para o

desenvolvimento da trama. Dois nomes que podem ser destacados são do alemão George

Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866), considerado o mais criativo de seu tempo, e seu

seguidor Félix Klein (1849-1925).

Com a finalidade de proporcionar subsídios para pesquisas futuras, promover a

divulgação da conjectura e gerar no meio acadêmico uma atmosfera de interesse por

problemas atuais enquanto ciência, será feita uma abordagem não aprofundada, apresentando

alguns conceitos básicos para compreensão do problema, pois se entende que para a

exploração detalhada do assunto são necessários conceitos mais elaborados e complexos

pertinentes à Topologia e à Geometria Riemanniana2. E para finalizar nos restringiremos à

descrição histórica, destacando pontos fundamentais, os caminhos que foram seguidos e a

saga de diversos matemáticos que tiveram dedicação com este ou outros estudos relacionados,

dentre eles o desfecho surpreendente cem anos após seu surgimento.

2 A grosso modo, a Geometria Riemanniana é uma generalização da Geometria Diferencial que visa estudar

espaços mais gerais que o próprio Rn.

Page 12: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

12

2. RELATOS BIOGRÁFICOS DE JULES HENRI POINCARÉ

Figura 01: Imagem internet. Jules Henri Poincaré

Este capítulo dedica-se a apresentação dos dados biográficos mais relevantes do

principal personagem dessa trama: Jules Henri Poincaré. Ressalta-se que o texto busca

relacionar superficialmente aspectos históricos contemporâneo a Poincaré. O texto foi

baseado em O‟Shea (2009) e Boyer (2003).

Pode-se dizer que Poincaré nasceu em uma época privilegiada para a ciência e

intelectualidade em geral, pois já por volta de 1800, as idéias do Iluminismo já eram

conhecidas na Europa.

Historicamente, o Iluminismo (ou período iluminista) foi um movimento intelectual

que surgiu na Europa no século XVIII. Os pensadores iluministas tinham a concepção de um

mundo racional. Defendiam a razão e a experiência como instrumentos centrais para a

produção de todos os conhecimentos, principalmente para a explicação de fenômenos da

natureza e da sociedade. “O homem iluminista não tinha fronteiras, pátria, pertencia ao

mundo, visto que era o ser racional e universal” (ORDÕNEZ e QUEVEDO, 19--)

Mas ainda os vários resultados obtidos pelo experimentalismo conduziam à convicção

de que o raciocínio humano tinha potencialidades quase ilimitadas. “As idéias científicas da

época e seus reflexos na filosofia e nas artes deram forma a uma visão de mundo em que o

Page 13: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

13

universo funcionava de acordo com uma série de leis matemáticas que o homem era capaz de

entender.” (O‟SHEA, 2009)

Assim, as idéias iluministas se espalharam pelas sociedades européias e suas

contribuições refletem nas ciências da atualidade. A partir deste cenário de “ebulição” da

ciência, retratamos a biografia de Poincaré.

Jules Henri Poincaré nasceu na cidade histórica francesa de Nancy no ano de 1854.

Diferentemente de matemáticos como Gauss (1777-1855) e Riemann (1826-1866), Poincaré

pertencia a uma família rica e influente na sociedade de sua época. Seu pai, Leon era médico

da Escola de Medicina da Universidade de Nancy e seu tio, Antoni, ocupou uma série de altos

cargos públicos, dos quais podemos citar a presidência das ferrovias da região de Paris e dos

sistemas de água da França rural.

Além disso, um dos filhos de Antoni, Raymond Poincaré (1860-1934) tornou-se mais

tarde presidente da república francesa. Lucien Poincaré, irmão de Raymond, viria a ser mais

tarde vice-reitor da Universidade de Paris (atualmente conhecida como Sorbonne)

Desde menino, Poincaré sempre teve contato com muitos adultos intelectuais. Relatos

de pessoas que conheceram Poincaré os descrevem como um menino educado, distraído e

divertido. Teve alguns problemas sérios de saúde durante sua infância, tais como difteria,

miopia e falta de coordenação entre mãos e olhos, devido à luta contra paralisia. Poincaré,

juntamente com sua irmã Aline, foi alfabetizado pela mãe e quando passou a frequentar uma

escola de ensino básico fazia seus deveres mentalmente no caminho para casa. Tal facilidade

surpreendeu diversos professores, que logo nos primeiros anos já comentavam que ele seria

um “monstro da matemática”.

Durante a guerra Franco-Prussiana (1870-1873), há relatos de amigos da família que

Poincaré ajudou seu pai no socorro aos feridos da guerra, além de abrigarem funcionários

alemães importantes em sua residência. Nessa convivência aprendeu o idioma alemão.

Num contexto histórico, a Revolução Francesa, iniciada no final do século XIX,

fomentou questões sobre os modos de se conceber a educação popular.

“Um dos legados mais duradouros de Napoleão foi o sistema francês de grandes

écoles, as escolas de elite que até hoje formam a alta tecnocracia e administração do

país. As biografias dos matemáticos franceses geralmente começam com relatos

maravilhados de como eles foram aprovados com altas notas nos testes de admissão

e dos seus resultados em vários exames e competições nacionais. Poincaré não foi

exceção. (O‟SHEA, 2009, p 148)

Page 14: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

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Poincaré participou de um concurso nacional, no qual ganhou seu primeiro prêmio.

Em 1873 foi admitido na École Polytechnique e se formou em 1875. Um fato curioso é que

Poincaré formou-se como segundo melhor aluno, devido ao desempenho abaixo da média nas

disciplinas de Educação Física e Artes. Em seguida matriculou-se na École de Mines, que

tinha grande renome na engenharia, formou-se no ano de 1879, mesmo ano que obteve o

doutorado em ciência na universidade de Paris, com a tese sobre equações diferenciais. Da

graduação até sua tese de doutorado, Poincaré teve uma bem sucedida carreira de engenheiro

de minas, “manteve-se ligado ao Departamento de Minas pelo resto de sua vida” (Boyer, p

418). Em 1879 assumiu um cargo de professor na Universidade de Caen, na França. Boyer

(p 419) relata que: “No seu ensino em Sorbonne ele lecionava sobre um tópico diferente em

cada ano escolar – capilaridade, elasticidade, termodinâmica, óptica, eletricidade, telegrafia,

cosmogonia e outros”.

Poincaré foi o matemático mais famoso de seu tempo, suas obras tiveram maior

ressalto na matemática, abrangendo quase todos os temas conhecidos até sua época e também

abordou grande parte da física. Seu reconhecimento foi grandioso. “Entre 1901 e 1912,

Poincaré foi indicado para o prêmio Nobel nada menos que quarenta e nove vezes, mais que

qualquer outro cientista antes ou depois dele.” (O‟SHEA, 2009, p 177)

Como Cherman (2007) cita, Poincaré deu contribuições a diferentes ramos da

Matemática, à Mecânica Celeste, à Mecânica dos Fluidos, à Teoria da Relatividade Espacial e

à Filosofia da Ciência. Poincaré desenvolveu partes importantes na Topologia, principalmente

na Topologia Algébrica (ramo da topologia que se preocupa com a relação das estruturas

algébricas e os espaços topológicos), seu trabalho nesse ramo da matemática ajudaria em

grandes resultados nos anos seguintes:

Já se disse que Poincaré não inventou a topologia, mas lhe deu asas. Isso certamente

é verdade e nem chega a lhe fazer justiça. Seus seis artigos sobre topologia criaram,

praticamente do nada, o campo da topologia algébrica . A nova disciplina levaria a

alguns dos grandes sucessos da matemática do século XX. Poincaré escrevia para

ser entendido, usando muitos exemplos num estilo que parece agradável pelos

padrões de hoje. Mas, para os matemáticos de sua época, o alto volume de idéias

genuinamente novas tornava a leitura dos seus artigos tão difíceis como beber água

em uma mangueira de incêndio. [...] Os campos da topologia geral e combinatória

cresceram em parte como uma tentativa de permitir a outros navegar as regiões que

Poincaré havia descoberto. (O‟SHEA, 2009, p 180)

Page 15: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

15

É reconhecido como o precursor da Teoria do Caos3 pois enquanto se dedicava a um

problema da Mecânica Celeste, visando um prêmio oferecido pelo rei da Noruega e Suécia,

chegou a uma solução que depois viu ser equivocada e ao tentar corrigir seu erro, chegou a

uma fundamentação caracterizada nessa teoria.

O objetivo procurado era demais ambicioso. Poincaré apresentou um artigo que foi

premiado e então descobriu que ele tinha um erro. Ele tinha adotado a premissa de

que certo tipo de comportamento infinitamente intricado era impossível, mas então

descobriu que, na verdade, era possível. Havia descoberto o que hoje chamamos de

comportamento caótico e mais tarde procuraria uma linguagem e instrumentos para

dominar o que tinha encontrado. (O‟SHEA, 2009, p 168)

Chegou, de forma independente, aos mesmos resultados da Teoria da Relatividade

Espacial4 de Einstein, quando criou seu artigo sobre a dinâmica do elétron. “A relação entre

os dois foi complexa: encontraram-se apenas uma vez, num congresso em 1911, em Solay, na

Bélgica. Poincaré tinha Einstein em alto conceito; Einstein via Poincaré como um dos

reacionários que ainda se prendiam a noções inúteis, como o éter.” (O‟SHEA, 2009, p 184).

A questão de quem teria descoberto tal feito ainda hoje são discutidas:

Teria Einstein realmente descoberto a relatividade? Seria possível que Poincaré já a

conhecesse? Essas antigas perguntas se tornaram vazias por serem sem interesse.

[...] Aqui estavam dois grandes modernistas da física, suas tentativas ferozmente

ambiciosas de entender o mundo na sua totalidade. [...] Um (Poincaré) era

construtivo, erigindo uma complexidade que iria capturar as relações estruturais do

mundo. O outro (Einstein), mais crítico, mais disposto a afastar as complexidades

para entender, austeramente, os princípios que refletiam o governo da ordem natural.

(GALISON apud O‟SHEA, 2009, p 184).

Poincaré escreveu três clássicos da divulgação científica Ciência e Hipótese (1901), O

Valor da Ciência (1905) e Ciência e Método (1908). O primeiro foi destinado a um público

mais bem informado, seu sucesso fez vender “16.000 exemplares durante os dez primeiros

anos que se seguiriam à publicação”. Devido a este sucesso é atribuído a origem do trocadilho

entre estudantes franceses, “Qu’est-ce um circle? Ce nést point carré” (O que é um círculo?

Não é um quadrado). Este livro foi traduzido em vinte três idiomas. O livro O valor da

3 “A teoria do caos estabelece que uma pequena mudança ocorrida no início de um evento qualquer pode ter

consequências desconhecidas no futuro. Isto é, se você realizar uma ação nesse exato momento, essa terá um

resultado amanhã, embora desconhecido.” (PERCÍLIA, 2007) 4 “No estudo da Mecânica, a velocidade, por exemplo, é uma grandeza relativa, ou seja, sua medida depende do

referencial do qual está sendo medido. Em consequência disso, outras grandezas que dependem da velocidade

também são relativas como, por exemplo, a energia cinética e a quantidade de movimento.” (SILVA, 2007)

Page 16: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

16

Ciência foi destinado ao público mais leigo. Esses três livros lhe renderam a uma das quarenta

cadeiras da Academia Francesa, uma homenagem prestada aos intelectuais franceses. As suas

obras completas incluem mais de 400 livros e artigos, muitos deles de grande extensão.

Em seus trabalhos geralmente havia algumas falhas, diziam outros matemáticos ser

por desleixo, mas ele não se importava, não revisava seus artigos, a não ser quando era

identificado algum erro por outros, daí sim ele voltava para corrigir. Seus trabalhos ajudaram

muitos a serem reconhecidos, “sempre que ele se interessava pela obra de outro matemático, a

carreira deste progredia rapidamente. Reciprocamente, encontrar ou corrigir uma falha no

raciocínio de Poincaré também resultava no progresso rápido de quem o fizesse.” (O‟SHEA,

2009, p 178)

Ele descreve de forma comovente em O valor da Ciência sobre manter o rumo diante

de seus erros, seus sentimentos são entrelaçados com a importância que oferece as ciências e a

busca pela verdade científica:

A busca da verdade deveria ser o objetivo das nossas atividades, é o único fim digno

delas. [...] Mas às vezes a verdade nos assusta. [...] Também sabemos o quanto a

verdade geralmente é cruel e nos perguntamos se a ilusão não seria mais

consoladora, sim, até mais revigorante, pois a ilusão é o que dá confiança. [...] Essa

a razão do nosso medo da verdade; nós a consideramos uma causa de fraqueza.

Ainda assim, ela não deve ser tímida, pois só a verdade é bela. [...] Quando falo aqui

da verdade, certamente me refiro primeiro a verdade científica, mas também me

refiro à verdade moral da qual o que chamamos justiça é apenas um aspecto.

(POINCARÉ apud O‟SHEA, 2009, p 179)

Quanto à sua vida pessoal, casou-se aos 27 anos de idade com a senhorita Louise e

tiveram quatro filhos: Jeanne, Yvonne, Henriette e Léon, nascidos entre 1887 e 1893.

Entre 1908 e 1912, Poincaré teve alguns problemas sérios de saúde, submeteu-se a

cirurgias, mas infelizmente em 1912 não resistiu a uma embolia e veio a falecer, aos 58 anos

de idade. Sua morte chocou o mundo na época, muitas homenagens foram feitas por grandes

chefes de estado, matemáticos e representantes de diversas universidades ao homem

considerado “o último matemático universal” ou ainda, como lamentava um obituário no Le

Temps, “Henri Poincaré era verdadeiramente o cérebro vivo das ciências racionais”.

Os estudos de Poincaré são de grande importância na evolução da Matemática no

século XXI, a Conjectura por ele proposta no século anterior permite avançar as barreiras do

espaço desconhecidas até então, pois propõe uma base para desvendar a possível forma do

universo através de elementos matemáticos, como será exposto no capítulo seguinte.

Page 17: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

17

3. TOPOLOGIA E A LIGAÇÃO DA CONJECTURA DE POINCARÉ

COM A FORMA DO UNIVERSO

Este capítulo é baseado nos autores O‟Shea (2009), Papires (1993), Domingues

(1982), Tenenblat (1990) e Carmo (2005).

A priori, todo resultado enunciado qua até então não possui uma demonstração é uma

conjectura. No entanto, somente há interesse em geral sobre uma conjectura se o resultado

enunciado for munido de certa importância científica, podendo esta ser em parte

historicamente relevante. Um dos aspectos mais interessantes da Conjectura de Poincaré é a

sua ligação com a discussão da possível forma do universo. Para entender essa ligação e a

proposta da Conjectura necessitam-se de conceitos relacionados à Topologia.

A Topologia é considerada como um ramo da Matemática que se dedica a estudar

propriedades topológicas das figuras. Tais propriedades (ou características) topológicas estão

especificadas da seguinte maneira: dimensionalidade, conexidade, compacidade e

orientabilidade. É importante ressaltar que tais propriedades são invariantes por deformações

contínuas.

Estas deformações recebem o nome de homeomorfismo, sendo este um conceito

central em Topologia, pois por meio dele é realizada a classificação de objetos do ponto de

vista topológico.

3.1. O CONCEITO DE DIMENSIONALIDADE

No contexto das geometrias5 o conceito de dimensão pode ser explicado como o

número de direções independentes necessárias para representar todos os pontos próximos de

um ponto dado num determinado objeto. O mundo que nos circunda é, evidentemente,

tridimensional, pois são necessárias três coordenadas para posicionar e portanto, localizar um

ponto no espaço.

Isto nos remete a um questionamento muito pertinente: mundos com dimensões

5 Euclidiana e não-euclidiana.

Page 18: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

18

maiores que três seriam fisicamente possíveis?

A princípio, estes “mundos” são para a Geometria e Topologia denominados

variedades, bem como, o espaço unidimensional, bidimensional e tridimensional. Sobre este

questionamento, Ray (1993) afirma: “Quando pensamos em mundos multidimensionais,

consideramos a dimensão não como uma „propriedade física‟, mas como um „grau de

liberdade‟ ou como uma „variável‟ necessária para descrever uma estrutura („variedade‟)

topológica.”

Em particular, será tratada das variedades bidimensionais conhecidas como

superfícies. Segundo Carmo (1976), uma superfície regular de é obtida a partir de pedaços

do plano, deformando e colocando-os de forma que o resultado não apresente pontas, arestas

ou intersecções. Formalmente este conceito se define da seguinte maneira:

Dado um sistema de coordenadas cartesianas x, y, z em, podemos considerar uma

função:

,

de duas variáveis que variam em um aberto . Para cada ,

determina um ponto de . Chamamos de S o subconjunto de formados pelos pontos

.

A fim de se utilizar das técnicas de cálculo diferencial ao estudo das superfícies é

necessário que a função X seja diferenciável. Além disso, é necessária a presença de um plano

tangente a cada ponto de S.

Pela definição de superfície regular temos: Um subconjunto S R3 é uma superfície

regular se, para cada p S, existe uma vizinhança V de p em R3 e uma aplicação x: U V

S de um aberto U de R2 sobre V S R

3 (figura 03). Neste sentido temos que uma superfície

regular é uma aplicação , onde U é um aberto de e segue-se as seguintes

condições:

1) X é diferenciável;

2) X é um homeomorfismo (ver subitem 3.3). Como x é contínua pela condição 1, isto

significa que x tem inversa x-1

: V S U que é contínua;

3) Para todo a diferenciável de X em q, é injetiva.

As variáveis são os parâmetros da superfície. O subconjunto S de obtido pela

imagem da aplicação X é denominado traço de X.

Page 19: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

19

Figura 03: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005

Note-se que ao referirmos às superfícies como variedades bidimensionais, afirmamos

que quaisquer pontos próximos (ou na vizinhança) de um ponto da superfície podem ser

expressos em termos de duas dimensões independentes.

A função X (u,v) que se apresenta na definição de superfície vista anteriormente é

chamada de carta (ou mapa) local e uma coleção de cartas locais é denominada atlas. Assim,

uma variedade bidimensional, ou superfícies, é, portanto, um objeto representado por um

atlas.

Vejamos agora alguns exemplos clássicos de superfícies regulares.

Exemplo 1: O elipsóide

(1)

é uma função diferenciável e um exemplo de superfície conexa, pois qualquer dois

de seus pontos podem ser ligados por uma curva continua em S.

Page 20: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

20

Figura 03: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005. Elipsóide.

Exemplo 2: O hiperbolóide de duas folhas

(2)

é uma superfície regular. Esta superfície não é conexa, percebe-se que escolhendo dois pontos

distintos, um em cada folha não é possível ligá-los por uma curva contínua

contida na superfície .

Figura 04: Imagem internet. Hiperbolóide de duas folhas.

Page 21: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

21

Exemplo 3: Para prosseguir com o exemplo a seguir, precisaremos da seguinte

definição:

Dada uma aplicação diferenciável F: definida em um conjunto aberto U de

, dizemos que p U é um ponto crítico de F se a diferenciável dFp: não é uma

aplicação sobrejetiva . A imagem F(p) de um ponto crítico é chamado um valor crítico

de F. Um ponto de que não é um valor crítico é chamado de valor regular de F.

Para entendermos porque o toro é uma superfície regulas, enunciamos o seguinte

resultado, conhecido como Teorema do Valor Regular:

Se é uma função diferenciável e a f(U) é um valor regular de f , então

é uma superfície regular em .

O toro T é a superfície gerada pela rotação de um círculo de raio r em torno de uma

reta pertencente ao plano do círculo e uma distância do centro do círculo.

Seja o círculo no plano yz centrado no ponto (0,a,0). Então é dado por

(3)

e os pontos do conjunto T, obtidos pela rotação deste círculo em torno do eixo Oz satisfazem a

equação

. (4)

Consequentemente, T é a imagem inversa de r2 pela função

(5)

Essa função é diferencial para , e como

(6)

é um valor regular de f. Segue-se então que o toro é uma superfície regular.

Page 22: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

22

Figura 05: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies,2005. Toro.

Exemplo 4: A esfera unitária

(7)

é uma superfície regular.

Primeiro verificamos que a aplicação dada por

), , (8)

onde é uma parametrização

de . Observe que x1 (U) é a parte (aberta) S2 acima do plano xy.

Como x2+y

2<1, a função

(9)

tem derivadas parciais contínuas de todas as ordens. Portanto, x1 é diferenciável e a condição

1 é satisfeita.

A condição 3 é verificada facilmente, uma vez que

(10)

Para verificar a condição 2, observamos que x1 é bijetiva e que x1-1

é a restrição da

projeção (contínua) π (x,y,z)= (x,y) ao conjunto x1(U). Assim, x1-1

é continua em x1(U).

Agora se cobre a esfera inteira utilizando parametrizações similares. Procedemos da

seguinte maneira. Definimos por

, , (11)

verificamos que x2 é uma parametrização, e observamos que x1(U) x2(U) cobre a esfera

Page 23: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

23

menos o equador.

(12)

Utilizando então os planos xy e zy, definimos as seguintes parametrizações

(13)

(14)

(15)

(16)

que juntamente com x1 e x2, cobrem inteiramente S2. Mostramos assim que S

2 é uma superfície

regular.

Figura 06: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005. Esfera e as

parametrizações que cobrem a esfera.

3.2.CONEXIDADE E COMPACIDADE

Observamos por meio dos exemplos como é possível construir superfícies por meio

das cartas locais e assim, podemos afirmar que uma superfície é uma união de cartas locais.

Caso existam duas cartas locais cuja interseção seja vazia, essa variedade é dita desconexa. Se

pelo contrário, isso não ocorre, ela é dita conexa.

Outro ponto fundamental é considerar caminhos fechados, ou laços, sobre a superfície,

isto é, caminhos que iniciam e terminam em um mesmo ponto de modo que possam ser

Page 24: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

24

contraídos a um único ponto. Se todos os laços sobre uma variedade podem ser contraídos a

um ponto, dizemos que a variedade é simplesmente conexa.

Em uma variedade como o toro, percebemos que esta propriedade não é válida, ou

seja, o toro não é simplesmente conexo, pois existe pelo menos um determinado laço que não

pode ser contraído a um único ponto. Já na esfera (ou no elipsóide), ou variedades

homeomorfas a ela, qualquer laço pode ser contraído a um único ponto.

Figura 07: O‟SHEA (2009). O laço (fixo) mais à esquerda sobre o toro não pode ser contraído a um ponto, desde

que não deixe a superfície; os outros dois laços podem. Todos os laços sobre a esfera podem se contrair a um

ponto.

Com relação às superfícies bidimensionais, o Teorema da Classificação de Superfícies

bidimensionais afirma que a esfera é a única variedade bidimensional simplesmente conexa.

Outro conceito importante é o de compacidade. De um modo geral, podemos afirmar

que uma superfície será considerada compacta ou finita se um número finito de cartas locais é

suficiente para cobri-la. Com isso, é importante ressaltar que todos os exemplos apresentados

na subseção anterior são superfícies compactas.

Neste sentido, podemos enunciar o Teorema de Classificação de Superfícies

bidimensionais como: A esfera é a única variedade bidimensional compacta simplesmente

conexa.

Superfícies simplesmente conexas possuem Grupo Fundamental Trivial. Tal conceito

está relacionado às homologias, que são relações estabelecidas entre os laços de uma

variedade. Na verdade, os chamados Grupos Fundamentais representam outra maneira de

classificar topologicamente as variedades.

Page 25: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

25

3.3. O CONCEITO DE HOMEOMORFISMO

Uma noção fundamental em Topologia é a idéia de homeomorfismo:

Dizemos que duas superfícies são idênticas topologicamente se os pontos de uma

podem ser colocados numa correspondência um a um com os pontos de outra, de

forma a pontos próximos correspondam pontos próximos (essas correspondências

são chamadas de contínuas). Duas variedades topologicamente idênticas são também

homeomorfas, e a correspondência que as define como idênticas é chamada de

homeomorfismo. A topologia estuda as propriedades de superfície (e de outros

objetos) que nos permitem afirmar se elas são ou não homeomorfas. Essas

propriedades são chamadas de propriedades topológicas. (O‟SHEA, 2009, p41)

Na topologia esferas de raios diferentes são homeomorfas, assim como, por exemplo,

a superfície de uma pêra, um ovo ou uma maçã podem ser consideradas como esferas.

Essa propriedade desempenha grande importância nesse ramo da Matemática

moderna, pois, uma figura possui as mesmas propriedades de outra quando submetidas a

deformações como entortar ou esticar, sem que haja rompimentos, cortes ou emendas nessa

figura. Na comparação de Oliveira e Silva a noção de homeomorfismo desempenha na

Topologia o mesmo papel que o da congruência na geometria Elementar (duas figuras que

têm as mesmas propriedades métricas).

O próximo passo é aplicar estes conhecimentos em variedades tridimensionais6, uma

em particular, a esfera tridimensional.

A Conjectura de Poincaré afirma que essa é a única variedade tridimensional

simplesmente conexa finita.

Existe uma variedade tridimensional de interesse particular chamada de esfera

tridimensional, que é finita, não tem bordo e tem a propriedade de todo laço se

contrair a um ponto. A conjectura de Poincaré afirma que essa é a única variedade

tridimensional simplesmente conexa finita. (O‟SHEA, 2009, p 49)

A Conjectura de Poincaré se destina a estudar e classificar variedades tridimensionais.

6Variedade tridimensional é uma forma matemática idealizada que modela formas que espaços tridimensionais,

como nosso universo, podem assumir. A região em torno de cada ponto pode ser mapeada sobre o interior de um

aquário sólido. Dito de outra forma, a região próxima de cada ponto se parece com o espaço tridimensional.

(O‟SHEA, 2009 p 302)

Page 26: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

26

Neste contexto, ela oferece instrumentos matemáticos e conceituais para pensar a possível

forma do universo.

Para melhor entendimento, será feita a comparação em relação ao planeta Terra. O

planeta pode ter seus caminhos, regiões, entre outros representados por meio de um atlas, ou

seja, uma coleção de mapas que cobre a Terra, que estão em folhas de papel. O mundo é uma

variedade bidimensional, quanto sua superfície, mas está contido em uma variedade

tridimensional, neste caso, o universo, que por sua vez deve ser apresentado em

aparentemente uma caixa de vidro ou um aquário, contendo as posições de estrelas, planetas,

e seus demais objetos. “Um atlas do universo seria uma coleção dessas caixas transparentes

em que cada região mapeada estaria em pelo menos uma caixa.” (O‟ SHEA, 2009, p 41)

A afirmação de Galileu Galilei (1564-1642) dizendo que a Terra era redonda pode ser

confirmada com as diversas tecnologias existentes, como um foguete, ou satélite, que lançado

no espaço, fora da superfície terrestre, pode trazer imagens que confirmam este formato. Mas

esta comprovação é um tanto quanto difícil se tratando de universo, embora se considere que

o universo seja finito, ainda é impossível algum objeto ser lançado para fora dele.

Sobre a expansão do universo: um balão que enchem de gás expande-se no espaço

livre que o rodeia. Mas o universo compreende tudo o que existe. Para onde é que ele pode

expandir? Isto é um problema da geometria de quatro dimensões.

Page 27: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

27

4. CONJECTURA DE POINCARÉ: DA ELABORAÇÃO DO

PROBLEMA À DESCOBERTA DE PERELMAN

Poincaré sempre esteve empenhado em estudar diversos ramos da matemática.

Todavia seus talentos tiveram maior relevância em Topologia com estudos associados as

geometrias não-euclidianas.

Em 1881 fez algumas publicações sobre Funções Fuchsianas7 que levantaram interesse

de Felix Klein (1849-1925). Klein era um dos professores mais reconhecidos na Alemanha

em sua época e também considerado ainda hoje um dos matemáticos mais importantes da

história. Era um estudioso sobre geometria e topologia e em especial era um apreciador dos

estudos de Riemann (1826-1866).

Poincaré estava desenvolvendo este estudo com o objetivo de saber se existiam

funções análogas a de Funchs em outros contextos e chegou de forma independentemente aos

resultados já encontrados por Riemann. Ao se deparar com esses artigos, Klein observou uma

grande ligação entre os dois e passou a escrever cartas a Poincaré, como cita O‟Shea (2009, p

144):

Klein imediatamente escreveu ao desconhecido. Nada seria mais o mesmo para

Klein: nunca mais ele brilharia tanto no seu próprio mundo. Pois ele havia

descoberto em Poincaré o verdadeiro herdeiro intelectual de Riemann. Ironicamente,

aquele herdeiro nada sabia sobre Riemann e, decididamente, não era alemão.

O alemão George Friedrich Bernhard Riemann fez estudos sobre teoria geral de

funções de uma variável complexa e fundamentos da geometria. Este segundo considerado

como tema de uma das conferências mais importantes da história da matemática. O ensaio de

Riemann de 1854 consistiu em duas partes: a primeira introduz o conceito de variedade n-

dimensional de pontos (x1, x2, ... , xn) que generaliza a idéia de superfície e a segunda, sobre

forma diferencial quadrática (hoje chamada de métrica riemanniana) na variedade. Esta

métrica generaliza o conceito de Primeira Forma Fundamental das superfícies e define as

distâncias sobre a variedade.

Riemann desenvolveu um instrumento matemático que mais tarde seria crucial para a

7 Lazarus Funchs (1833-1902) foi co-autor de seu orientador de tese, fazia estudos sobre classe de funções de uma

variável complexa que surgiam associadas a solução de equação diferenciáveis. (O‟Shea, 2009, p 150)

Page 28: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

28

finalização do estudo iniciado por Poincaré: o tensor de curvatura de Riemann. Sabendo que

curvatura não é simplesmente um número, mas sim um conjunto de par de direções em um

ponto, o tensor de Riemann descreve as diferentes curvaturas em diferentes direções.

As trocas de correspondências entre Klein e Poincaré continuaram e criou-se uma

rivalidade entre os dois. As correspondências duraram um ano, ao final Klein estava doente

devido ao excesso de trabalho dedicado a matemática e Poincaré, como descreve O‟Shea

(2009, p 156) “ já apreciava a obra de Riemann e já havia dominado e superado em muito o

trabalho de Klein”.

Poincaré continuou a escrever seus artigos. Em 1885, Poincaré iniciou um estudo

sobre discos (variedades bidimensionais) e em seguida estendeu seus estudos a variedades

tridimensionais, sendo assim, as formas possíveis de representar o universo, como o próprio

Poincaré descreve: “Suponhamos, por exemplo, um mundo encerrado numa grande esfera e

sujeito às seguintes leis: a temperatura não é uniforme; é maior no centro e cai gradualmente à

medida que n os movemos em direção à circunferência da esfera, onde é zero absoluto”.

(O‟SHEA, 2009)

Inicialmente, a pesquisa objetivava entender um conjunto de soluções para uma

equação algébrica, tal qual o interesse era em encontrar um conjunto de invariantes que

distinguissem variedades diferentes, como exemplo dado por O‟Shea (2009): “como vivíamos

num universo que é uma variedade tridimensional, como poderíamos dizer de que variedade

se tratava?”, Poincaré apresentou diversas variedades fechadas tridimensionais não

homeomorfas, mas com mesmas propriedades, todos com o mesmo da esfera. Questionou o

seguinte:

1. Dado um grupo G definido por geradores e relações, poderia ele ser o grupo

fundamental de uma variedade de n dimensões?

2. Como se pode formar essa variedade?

3. Duas variedades com a mesma dimensão e mesmo grupo fundamental são

sempre homeomorfas? (O‟Shea apud Poincaré, 2009, p 171)

Em seguida escreveu mais cinco artigos que ele os chamava de “complementos” do

primeiro, publicados em revistas de renome. O primeiro foi em 1899 em resposta as críticas

do matemático dinamarquês Poul Heegaard, “Heegaard deu um contra-exemplo, mostrando

que um teorema, hoje conhecido como dualidade de Poincaré, não poderia ser verdadeiro tal

como enunciado. Mas a definição de Poincaré diferia da de Heegaard, e a diferença era crucial

para que a dualidade de Poincaré pudesse funcionar.” (O‟SHEA, 2009). O segundo tratou de

Page 29: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

29

coeficientes de torção e outros exemplos de variedades tridimensionais. No terceiro estudou

uma classe de superfícies algébricas. No quarto, com um estudo mais elaborado, deu

sequência ao terceiro, incluindo superfícies arbitrárias. O quinto, publicado em 1904, voltou a

mencionar as variedades tridimensionais.

Sobre variedades tridimensionais, o objeto mais simples é a esfera tridimensional.

Poincaré passou a fazer o estudo topológico das variedades, buscando em suas características

identificá-las como homeomorfas a esfera ou não. Considerou como certas algumas

fundamentações para esta comparação e estava certo que tinha caracterizado a esfera

tridimensional. Mas sua pesquisa estava equivocada, o “teorema” que escreveu era falso.

Quatro anos depois reconheceu seu erro e retomou seu estudo ao quinto complemento com a

construção de um contra-exemplo. Foram esses os caminhos que levaram ao início da história

da Conjectura de Poincaré, sem imaginar que essa busca se transformaria num dos mais

ilustres problemas da matemática.

Em 1904, descreveu um contra-exemplo, atualmente conhecido como a Esfera

Homológica de Poincaré, para a versão da conjectura anunciada por ele. A pergunta feita por

ele, de uma forma mais técnica, a qual define a conjectura, descrita por O‟Shea, é a seguinte:

Seria possível que o grupo fundamental de uma variedade pudesse ser a identidade, mas que

a variedade não fosse homeomorfa a uma esfera tridimensional?. A identidade é o caminho

que continua num ponto e não vai a lugar algum, se passarmos um laço em torno de uma

variedade, esse laço é equivalente a identidade se puder ser contraído à um único ponto. A

princípio Poincaré observou que isso acontecia com a esfera tridimensional, em seguida

passou a questionar se existia uma variedade diferente da esfera tridimensional em que todos

os caminhos ou contornos pudessem ser reduzidos a um único ponto.

O próximo passo seria encontrar uma variedade tridimensional com grupo

fundamental trivial e o mesmo grupo de homologias que a esfera tridimensional, contudo

topologicamente diferente desta. Com isso, Poincaré se sentiu desencorajado e tal questão se

mostrou muito difícil de ser solucionada e inúmeras foram as tentativas frustradas nesse

período.

Ao longo de toda sua vida, Poincaré iria encontrar e enfrentar complexidades que só

quase um século mais tarde seriam apreciadas por outros. O primeiro desses

encontros envolveu o modelo de espaço tridimensional hiperbólico que ele esboçou

anteriormente. Ele descobriu que as ações de diferentes subgrupos de movimentos

na esfera no infinito eram muito mais complicadas do que qualquer coisa que os

matemáticos já tivessem encontrado. (O‟ SHEA, 2009, p 167)

Page 30: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

30

A pergunta feita popularmente é: Será que a esfera, ou variedades homeomorfas a ela,

é a única variedade tridimensional que pode ser contraída a um único ponto? Dizer que uma

variedade é homeomorfa significa que ela pode modificada, sem que haja rasgos ou cortes, até

que se transforme em uma esfera. Toda a história desta conjectura surge a partir disso, onde

os próximos matemáticos envolvidos nessa trama vão em busca dessa solução. A intuição

levava a responder sim a tal questão, mas a validade por meio de uma prova matemática

tornava-se difícil.

Em linhas simples, seu enunciado diz que qualquer objeto compacto e sem buracos,

como uma maçã ou um coelho, pode ser deformado até se transformar numa esfera.

Em contrapartida, não é possível fazer o mesmo com uma rosquinha, uma porca de

parafuso ou qualquer objeto que tenha um furo. (CORRÊA, 2006).

Figura 08: CORRÊA, Rafael. Onde andará Grisha?, 2006.

Para um melhor entendimento dessa questão, Baptista (2006) fornece um exemplo: na

topologia, se compararmos uma bola de futebol com uma bexiga cheia (que possui forma

oval), elas serão indistintas, pois são ambas de dimensão 2 e uma pode ser obtida por

deformação da outra, processo chamado de homeomorfismo. Da mesma forma, comparamos

uma bola de futebol com a câmera de um pneu, a câmera possui um „buraco‟ no meio, por

mais que se tente, sem rasgar ou colar, não é possível transformá-la em uma bola, pois esse

buraco continuará a permanecer ali.

Matematicamente, se pode demonstrar que uma esfera de dimensão 2 é a única

superfície fechada e conexa em que todos os contornos podem ser reduzidos a um único

ponto. A Conjectura de Poincaré levanta exatamente essa mesma questão para superfícies e

Page 31: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

31

espaços de dimensão 3.

Um aspecto interessante dessa história é o fato de que conjecturas de todas as

dimensões, diferentes de 3, já haviam sido demonstradas. As de dimensão 2 já eram

conhecidas no tempo do próprio Poincaré. Em 1956 houve um avanço que fez motivar os

matemáticos sobre a conjectura, John Milnor (1931), matemático americano, descobriu

estruturas diferenciáveis diferentes para a esfera heptadimensional e a solução desse espaço

foi demonstrada em seis páginas, recebendo como mérito a medalha Fields8

, que é

considerada um prêmio Nobel da matemática e o prêmio mais almejado pela categoria, em

1962. Este foi o ponto em que começaram as mudanças, antes a Conjectura de Poincaré era

dada como impossível ser solucionada, então nessa época surgiram diversos trabalhos cada

um mais surpreendente que o outro.

Por volta dos anos 60 diversos matemáticos de vários lugares do mundo tentaram

provar a conjectura para dimensão 3, houve grandes progressos, muitas descobertas, mas no

final ninguém conseguia provar se ela era verdadeira ou falsa. Em 1958 um matemático

japonês chegou a publicar uma possível solução, mas esta não foi confirmada. Em 1964, John

Stallings escreveu um artigo mostrando que ela não poderia ser demonstrada.

Envolto nessas séries de trabalhos e embasado em diversos outros matemáticos,

apareceu Stephen Smale (1930), atualmente professor em Hong Kong, que fez a

demonstração para esferas de dimensão maior ou igual a 5, os métodos falharam

completamente em dimensão 4, mostrando a dificuldade aumentar quando mais próximo da

dimensão 3, mesmo assim foi premiado com a medalha de renome em 1966. Apenas em

1982, aproximadamente vinte anos após a demonstração em dimensão 5, Michael Freedman

(-) apresentou a solução para superfícies de dimensão 4 e se pode perceber que essa tinha

visivelmente uma solução mais complicada, pois trabalhou oito anos nesses resultados.

Ao longo da história várias soluções foram aparecendo, mas após estudos minuciosos

feito por técnicos e peritos da Conjectura de Poincaré, verificavam-se falhas e erros no qual

não possibilitavam encontrar a solução exata. O escritor O‟ Shea refere-se com sátira a essas

tentativas frustradas, descrevendo que “à medida que os século se aproximava do final, a

conjectura de Poincaré parecia longe de ter uma solução. O placar já era de goleada:

Conjectura de Poincaré 50 x Matemáticos 0”.

8 A premiação foi criada pelo matemático canadense John Charles Fields (1863-1932) que em seu testamento

deixou especificado que o objetivo era incentivar jovens matemáticos, pois é destinada somente a matemáticos

com idade inferior ou igual a 40 anos. Fields lutava pelo avanço da matemática internacional, mesmo sob

boicotes de alemães e franceses, em um congresso de 1924 dedicou parte de seu patrimônio como premiação,

mas que, devido aos conflitos, só foram entregues em 1936 após sua morte. (O‟SHEA, 2009, p 220)

Page 32: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

32

Dentre os grandes avanços da matemática nesse período, em 1970, estava destacado

com mérito o nome de William Thurston (1946 -). Em sua tese de doutorado recebeu a

orientação de Stephen Smale. Thurston fez ressurgir a geometria diferencial dada por Klein e

Poincaré, pois a mesma teria sido quase que abandonada após estes anos. É considerado a

imaginação geométrica mais fértil e original depois de Riemann. Ele imaginava como seria

habitar em uma variedade tridimensional, fazia-se perguntas como “o que veríamos quando

alguém se afastasse de nós?”, “O que veríamos se vivêssemos num toro tridimensional

ocupado por vários objetos?” ou ainda “Qual a importância do seu tamanho em relação ao

nosso?”

Thurston definiu que havia somente oito geometrias diferentes em dimensão 3, além

da esférica estavam a geometria plana, hiperbólica, e ainda haviam alguns tipos de naturezas

diferentes em espaços muito particulares. Procurava exemplos dessas variedades, além de

formas de decompô-las.

Parecia uma perda de tempo até mesmo discutir todas as variedades tridimensionais

que têm uma geometria natural. Era fácil construir contra- exemplos que mostrassem

que o tipo de coisa simples que se acreditasse ser verdadeira era na verdade falsa.

Mas Thurston conjecturou que toda variedade tridimensional poderia ser cortada em

pedaços, cortando-se ao longo de esferas bidimensionais e toros de uma forma

essencialmente única e natural, em que cada pedaço resultante tinha umas das oito

geometrias. Também demonstrou que sua conjectura era válida para uma grande

classe de variedades tridimensionais. A conjectura de geometrização, como ele a

chamou, implica a conjectura de Poincaré. (O‟SHEA, 2009, p 219)

As explicações de Thurston causaram grandes motivações, o fato fez ressurgir

esperanças para a Conjectura de Poincaré, pois antes só acreditavam que ela seria verdadeira

devido ao fato de ninguém ter encontrado um contra-exemplo. Assim como Milnor e Smale,

Thurston foi premiado com a medalha Fields.

A obra de Thurston incentivou vários outros a realizarem trabalhos sobre geometria,

mas outra conjectura agora buscava ser solucionada, a conjectura da geometrização

demonstrou obstáculos que evitavam qualquer avanço. No inicio dos anos 80 vários trabalhos

promissores surgiram, dentre eles o do matemático americano Richard Hamilton (1943 -), que

fez pensar na curvatura da métrica riemanniana como se fosse de metal, comparando-a a

temperatura:

Para quantificar a regra de que o calor flui das áreas mais quentes para as mais frias,

basta especificar que a temperatura se move na direção da média das temperaturas

Page 33: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

33

numa pequena esfera em torno de um ponto. Isso gera o que se chama de equação do

calor. É necessário um análogo da equação do calor para curvaturas. É necessário

combinar os diferentes números que codificam a curvatura para se ter algo que tenha

sentido independentemente da escolha das coordenadas e escrever uma fórmula que

descreva a taxa de variação. (O‟SHEA, 2009, p 224)

Para a curvatura o mecanismo oferecido por Hamilton foi o Fluxo de Ricci, inspirado

no tensor de Ricci9, foi uma forma encontrada por ele para fazer as variedades evoluírem,

mantendo suas propriedades fundamentais intactas, pois ele é o conjunto de equações que

especificam que a curvatura se altera decrescendo na direção em que a curvatura é maior e

aumentando na direção que a curvatura é menor. “As equações de Hamilton para o fluxo de

Ricci são um tipo de equação diferencial conhecido como equações diferenciais parciais [...]

são um tipo de equação diferencial em que se especificam as taxas de variação em diferentes

pontos e em diferentes direções.” (O‟ SHEA, 2009). A figura 09 mostra o processo de

deformação pelo fluxo de Ricci.

Figura 09: OLIVEIRA, Samuel Rocha de. Conjectura de Poincaré vira Teorema de Hamilton-Perelman,

2007

Dando sequência evolutiva de seus estudos, juntamente com o matemático Michael

Cage, Hamilton conseguiu demonstrar que, com auxilio do fluxo de Ricci e estudos

embasados em outros grandes nomes da matemática até então, uma curva fechada no plano

deformando todos os pontos em uma velocidade proporcional a curvatura resultava em um

9 O tensor de Ricci é obtido do tensor de Riemann calculando-se a média de diferentes combinações de

curvaturas em diferentes direções.

Page 34: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

34

círculo.

Hamilton evoluiu e chegou a resultados esplendorosos em variedades bidimensionais,

mas no espaço tridimensional o fluxo de Ricci não ouve maiores repercussões com seu

idealizador e parecia estar longe de ser útil para a conjectura da geometrização e tão pouco a

conjectura de Poincaré.

Devido a essa grande espera pela solução deste e de outros problemas, em 2000, o

Clay Mathematics Institute organizou O Millenium Meeting, que ocorreu em Paris, para além

de comemorar o novo milênio, também entregar prêmios para quem desvendar alguma

resolução de problemas matemáticos que permanecem na história como incógnitas por

décadas.

Foram selecionados sete destes problemas, conforme Silveira (2001), foram oferecidos

prêmios de um milhão de dólares para cada um destes, tendo em vista que estes problemas

devem ser de grande importância para o desenvolvimento da Matemática no século XXI.

Estes sete problemas são: Resolução das equações de Navier-Stokes (1830), Hipótese de

Riemann (1859), Conjectura de Poincaré (1904), Conjectura de Hodge (1950), Resolução das

equações de Yang-Mills (1950), Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer (1965) e Problema P

versus NP (1971).

A Conjectura de Poincaré, que gerou grande discussão na comunidade matemática,

pelo fato de ter permanecido por um século sem resolução e com dezenas de tentativas

frustradas, estava próxima então, a ter um fim.

Surge então mais um personagem dessa história: Grigory Perelman. Grisha, como foi

apelidado, é russo e judeu que nasceu em 1966 não planejava tornar-se matemático. Nasar e

Gruber descrevem alguns acontecimentos na vida de Grisha, seu pai era engenheiro elétrico e

estimulou seu interesse por matemática passando-lhe problemas lógicos e livros relacionados

ao assunto.Aos 14 anos já era reconhecido pelo clube de matemática local como um gênio.

Em 1982 ganhou medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática, em Budapeste,

ao atingir a pontuação máxima. Era solitário entre sua turma, não se relacionava com seus

colegas, mas os tratava gentilmente. Sua mãe, professora de matemática numa escola técnica,

tocava violino e começou a levá-lo à ópera quando ele tinha 6 anos, talvez isso tenha gerado

seu interesse por óperas, gastando suas mesadas em discos. Ingressou na Universidade de

Leningrado em 1982, aos 16 anos, presente em cursos avançados de geometria. Estudou no

instituto Stklov no início dos anos 90, se especializou em geometria dos espaços riemanniano

e de Alexandrov, extensões da geometria euclidiana tradicional, publicando seus artigos nas

Page 35: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

35

principais revistas russas e americanas. Em 1992 foi morar nos Estados Unidos e ficou feliz

por estar na capital da comunidade matemática internacional, conhecendo outro matemático

que mais tarde iria colaborar em suas descobertas, o chinês Gang Tian.

No início de sua carreira, Grisha desempenhava trabalhos considerados brilhantes por

seus colegas, mas era de poucas palavras, nesse período ele voltou à Rússia e desapareceu,

ficando oito anos sem publicar artigos e assim foi esquecido nesse tempo. Doze anos após

trabalhava como matemático no Institute Steklov de Matemática, em São Petesburgo, até

2005, ano em que se demitiu, com 40 anos de idade.

Em novembro de 2002, Perelman publicou na internet um artigo científico sobre seu

trabalho, no qual o conteúdo era uma estratégia de encontrar uma explicação para a conjectura

da geometrização, lançado pelo americano Thurston, e trouxe a esperança para a comunidade

matemática, já podendo ser notado que estava próximo a ser solucionada a Conjectura de

Poincaré. Em abril de 2003 publicou mais dois artigos no assunto de seu estudo. No total,

seus três artigos somam quase que mil páginas.

Para poder demonstrar a conjectura da geometrização, era de suma importância que se

obtivesse a demonstração da Conjectura de Poincaré, e Perelman conseguiu. Com o auxilio da

ferramenta criada por Hamilton, o fluxo de Ricci, ele apresentou a solução da conjectura da

geometrização, demonstrando a conjectura de Poincaré como um obstáculo que precisou ser

resolvido para alcançar seu objetivo primordial.

Em 24 de agosto de 2006, o matemático e escritor do livro "O Fluxo de Ricci e a

Conjectura de Poincaré", que ainda não havia sido publicado, John Morga, juntamente com o

chinês Gang Tian, que agora estava trabalhando no Instituto de Tecnologia de Massachusetts

(EUA) confirmaram a validade da solução dada por Perelman dizendo: “só Perelman, graças a

sua capacidade de resolver problemas, conseguiu encontrar a solução, e espero que a

comunidade científica leia as mil páginas disponíveis sobre sua solução e dêem validade

como teorema".

Ao longo de pelo menos quatro anos, peritos em matemática examinaram

cuidadosamente seu trabalho, principalmente o terceiro artigo, no qual Morgan diz que “dá

argumentos muito sutis para resolver a conjectura”, e só assim a solução dada por Perelman

foi finalmente aceita.

Por toda essa história de busca, não se pode deixar de valorizar também o trabalho de

Morgan e Tian, que trabalharam na verificação do trabalho de Perelman, completando

algumas passagens inconsistentes e deixando o resultado válido.

Page 36: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

36

Sendo assim, após cem anos, finalmente a Conjectura de Poincaré passou a ser

teorema e já é considerada a primeira grande „descoberta‟ da matemática do século XXI, pois

sua comprovação tem grande importância para o estudo da Matemática, Física, Álgebra e

teorias de formação do universo.

Sobre a possibilidade de que a resolução da Conjectura possa revelar detalhes sobre

a forma do universo, Hamilton admitiu que o problema explica a Conjectura de

geometrização de Thurston, que permitiria conhecer todas as possíveis formas.

(UOL, 2006)

O assunto levanta grande discussão entre os matemáticos, para Hamilton, a solução da

Conjectura é um feito de muitos cientistas, que ao longo dos anos estudaram a mesma, e seus

erros foram caminhos abertos para mais tarde Perelman finalizar o trabalho:

Para o matemático americano, Perelman foi quem resolveu „as últimas estimativas

cruciais‟[...] O professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos,

afirmou que os "que fracassaram em sua tentativa" deram chaves para resolver a

Conjectura de Poincaré. (UOL, 2006)

Durante o Congresso Internacional de Matemática (ICM), Hamilton, considerado por

Perelman como seu mestre, revelou que ficaria muito feliz em trabalhar com o russo, por

quem sente grande admiração, mas também criticou o estudo feito por ele:

O matemático, apresentado no ICM 2006 como um dos „heróis‟ do encontro,

criticou a complexidades provas apresentadas por Perelman, as quais consideraram

„muito sintéticas, o que deixa „um convite para que alguém as complete‟. (UOL,

2006)

Mesmo com tantas discussões, a definição dada por Perelman é considerada a

principal para a solução da Conjectura de Poincaré, então a União Matemática Internacional

decidiu entregar a ele a Medalha Fields, juntamente com o prêmio de 1 milhão de dólares

oferecido pelo Clay Mathematics Institute, durante a cerimônia do ICM, realizado no dia 29

de agosto de 2006.

No entanto, encontraram uma grande dificuldade para a entrega desses prêmios,

Perelman sumiu. Após várias palestras sobre suas descobertas, realizadas em universidades

americanas em 2003, ele desapareceu. Voltou a São Petesburgo, onde lecionava, e em 2005 se

demitiu.

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Alguns tentam encontrar respostas para o sumiço do gênio, dizem que voltou a morar

com a mãe em uma casa simples numa floresta próxima de São Petesburgo, onde costumava

andar em busca de cogumelos.

Para Robert Greene (2006), professor da Universidade da Califórnia: Ele sempre

pareceu meio fora deste mundo, uma pessoa muito tímida e totalmente desligada de bens

materiais. Simon Singh, autor do livro O Último Teorema de Fermat, em entrevista a BBC

(2006), comentou o comportamento do matemático russo:

Matemática Pura é um assunto que você faz por amor. Você não faz por dinheiro,

por recompensas, por reconhecimento ou medalhas. [...] Ele resolveu o problema. E

não se deu ao trabalho nem de publicar (em revista cientifica) o seu trabalho. Porque

do ponto de vista dele o problema foi resolvido e isso é o que interessa.

Por fim, após 100 anos como uma conjectura, o problema de Poincaré finalmente foi

solucionado e recebe o nome de seus principais personagens, sendo agora reconhecido como

Teorema de Hamilton-Perelman.

Page 38: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

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CONCLUSÃO

Nosso trabalho objetivou-se em conhecer um problema histórico que nasceu no século

XX e tem perspectiva de ser de grande importância no desenvolvimento na Matemática no

século XXI, além de divulgar a Conjectura de Poincaré e seus personagens.

Jules Henri Poincaré foi um dos matemáticos mais importantes, contribuiu no

desenvolvimento em diversas áreas da matemática, física e filosofia. Mas seu nome não é de

grande repercussão em nosso meio acadêmico.

Os diversos personagens envolvidos, desde antes de Poincaré, foram contribuintes em

todo o desenvolvimento da conjectura, além de terem proporcionado descobertas importantes

para estudos paralelos, forneceram subsídios suficientes para que Perelman concluísse os

detalhes finais, mesmo sendo para ele uma etapa que precisasse ser resolvida para chegar ao

seu objetivo real, a Conjectura da Geometrização.

Percebe-se nesta contextualização que um problema, como o iniciado por Poincaré,

envolve muitas pessoas de diferentes nacionalidades, conhecimentos, etnias e crenças, além

de ter passado por grandes períodos históricos, como guerras e revoluções.

A Conjectura de Poincaré resolvida, agora nasce o Teorema de Hamilton-Perelman. A

comunidade matemática acredita que este teorema dará grandes contribuições no estudo da

Topologia e teorias sobre a forma do universo, assim como a progressão da Matemática em

áreas afins.

A aplicação do Teorema de Hamilton-Perelman nestes estudos em universidades mato-

grossense deverá ser lenta ou nem comentada, pois assuntos relacionados a este tema têm

reconhecimento insignificante neste meio acadêmico.

Nossa pesquisa esteve empenhada em conhecer o contexto histórico e relacionar a

Conjectura de Poincaré com o estudo das variedades bidimensionais e tridimensionais,

buscando identificar a ligação feita com as teorias a respeito da forma do universo.

A maior dificuldade encontrada foi a falta de material de pesquisa. São poucos os

materiais em Português que retratam a história da Conjectura de Poincaré. A pesquisa

iniciou-se no final do ano de 2007, os materiais encontrados neste período foram em grande

parte notícias eletrônicas, que eram repetitivas e registravam apenas a atitude inesperada de

Perelman. Apenas no primeiro semestre de 2009 surgiram materiais mais relevantes que

permitiram a continuação deste trabalho.

Page 39: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

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Sendo assim, o objetivo inicial foi alcançado e é possível que acadêmicos de nossa

região conheçam a Conjectura de Poincaré, para que se interessem em iniciar trabalhos

semelhantes, dando continuidade ou apresentando outros problemas históricos.

O conhecimento adquirido durante esta pesquisa bibliográfica contribui na minha

formação em diversos momentos, pois foi possível um amadurecimento na escrita, retomada

em estudos relacionados à História, observando uma linha do tempo entre a Conjectura de

Poincaré e diversos acontecimentos neste período. Além de conhecer um pouco mais sobre

Topologia e Geometria Diferencial para compreender mais sobre o que realmente trata a

Conjectura de Poincaré. E assim como há muito tempo discutiam a forma da Terra, hoje é

possível pensar em algo muito maior, no caso, conhecer a forma do universo que nos

compreende, sabendo que a matemática poderá desempenhar o papel fundamental nesta

descoberta.

Page 40: Aspectos Historicos Da Conjectura de Poincare

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