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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Atos de fingir ou o caráter ficcional no fotojornalismo brasileiro Françoise Imbroisi Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Atos de fingir ou o caráter ficcional no fotojornal ismo brasileiro

Françoise Imbroisi

Belo Horizonte

2009

Page 2: Atos de fingir ou o carater ficcional no fotojornalismo ... · Meu colega de redação no jornal do Brasil, no início dos anos de 1990, muito me ensinou na atividade profissional

Françoise Imbroisi

Atos de fingir ou o caráter ficcional no fotojornal ismo brasileiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Mestre no programa de Pós graduação Stricto Sensu, Mestrado em Comunicação Social, Interações Midiáticas, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Orientador: Professor PhD. Júlio César

Machado Pinto

Belo Horizonte

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Imbroisi, Françoise I32a Atos de fingir ou o caráter ficcional no fotojornalismo brasileiro / Françoise Imbroisi. - Belo Horizonte, 2009. 153f.: il. Orientador: Júlio César Machado Pinto Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Bibliografia. 1. Fotojornalismo - Imaginário. 2. Transformação midiática. 3. .

Fotojornalismo ficcional. I. Pinto, Júlio César Machado. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 77.044

Bibliotecária Erica Fruk Guelfi – CRB 6/2068

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Françoise Imbroisi

Atos de fingir ou o caráter ficcional no fotojornal ismo brasileiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Mestre no programa de Pós graduação Stricto Sensu, Mestrado em Comunicação Social, Interações Midiáticas, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

_______________________________________________________________

Professor PhD Júlio César Machado Pinto (Orientador) – PUC Minas.

_______________________________________________________________

Professora Dr. José Márcio Pinto de Moura Barros – PUC Minas

_______________________________________________________________

Professor Dr. Paulo Bernardo Ferreira Vaz – UFMG.

Belo Horizonte, 13 de fevereiro de 2009.

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Dedicatória

Para a luz da minha vida, minha filha Júlia Imbroisi

Leite que, ao longo desses dois anos, teve muito

carinho, maturidade e paciência com a minha falta

de tempo para ficar ao seu lado e dar-lhe mais

atenção. Ela percebeu o valor deste investimento

para nossas vidas.

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Agradecimentos

Tenho muitas pessoas para agradecer e vou tentar não esquecer ninguém.

Primeiramente, agradeço ao meu estimado orientador que acreditou na minha

capacidade desde o início do processo de seleção no programa do Mestrado. Foi

meu professor na graduação, na especialização e nem acreditei no dia em que

anunciaram quem seria meu orientador. Fiquei em estado de glória de tanta

felicidade! Foi um prazer enorme desenvolver a pesquisa com seu

acompanhamento. Obrigada, doutor Júlio Pinto!

Agradeço à minha querida mãe que me transmitiu “Paz” nos mais diversos

sentidos. Compreendeu a luta para se construir uma pesquisa e que nem sabia que

se realizam estudos científicos em comunicação e fotojornalismo.

Às minhas amigas Cláudia Siqueira Caetano e Elizabeth Maria dos Santos

que me ajudaram, fundamentalmente, na construção do projeto, mostraram-me

como iniciar uma pesquisa no nível de Pós-Graduação, estimularam e viram meu

crescimento no campo de conhecimento da comunicação. Ao meu amigão, Pablo

Moreno que, ao presentear-me com o livro Semiótica de Peirce, ajudou-me a

desmistificar os conceitos do filósofo e a não ter receio de conhecer os pensamentos

do autor.

A todos os colegas do mestrado que, juntos vencemos essa importante etapa

em nossas vidas. Aos doutores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação –

nível Mestrado – da PUC Minas que abriram várias caixas pretas em minha

trajetória. Aos professores do curso de Comunicação Social da PUC Minas de todas

as unidades, pelo companheirismo e alegria nos trabalhos de sala de aula e fora

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dela. Agradeço, também, à Pontifícia Universidade Católica pelas oportunidades de

trabalho e de estudos.

A minha revisora e amiga, professora Júlia Maria Amorim de Freitas, pela

prestatividade imediata para a correção deste meu estudo. Aos meus alunos de

fotografia, foto publicitária e fotojornalismo com quem sempre aprendo muito sobre

essa área de conhecimento que é meu maior interesse.

Sou muito grata ao fotojornalista Evandro Teixeira que, com seu olhar

particular sobre as coberturas dos fatos, estimulou-me investigar as tendências do

fotojornalismo contemporâneo. Meu colega de redação no jornal do Brasil, no início

dos anos de 1990, muito me ensinou na atividade profissional e, hoje, mais

prestativo ao repassar-me as informações que necessitei para o desenvolvimento

das reflexões contidas nesta dissertação.

E, finalmente, a Deus por iluminar-me todos os dias, dar-me força para viver

sempre feliz e acreditar no futuro melhor.

Obrigada, Senhor, por TUDO!

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No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. Walter Benjamin

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Resumo

Afetada por diversos fatores, a sociedade contemporânea experimenta novas

formas de interação com as mídias informativas. Neste estudo, busca-se

compreender, através das coberturas fotográficas de Evandro Teixeira para as

páginas do Jornal do Brasil, como o fotojornalismo se transforma e migra do campo

de representações de realidades para o ambiente de apresentações de imaginários

sociais. O desafio é perceber como ocorrem as potencializações das formas de

noticiar os fatos que recorrem aos atos de fingir, transgridem e tensionam as

produções de mensagens na imprensa tradicional.

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Abstract

Affected by several factors, the contemporary society experiments new forms

of interaction with informative media. In this study, seek to understand through

Evandro Teixeira’s photo coverage for the Jornal do Brasil’s pages how

photojournalism becomes and migrates from representation fields of realities to an

environment of social imaginaries presentations. The challenge is to perceive how

message productions in traditional press are infringed and tensioned by the power of

forms of noticing the facts that evoke pretending acts.

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SUMÁRIO

1 Introdução.................................................................................................................... 11

2 Aspectos do fotojornalismo e potencializações de transgressões na mídia

contemporânea............................................................................................................... 15

3 Apresentação de imaginários no fotojornalismo de Evandro Teixeira......................... 76

4 Metodologia: a experiência com o objeto empírico ..................................................... 86

4.1 Primeira página –15 de dezembro de 2007 .............................................................. 91

4.1.1 Publicações internas.............................................................................................. 95

4.2 Primeira página – 24/25 de dezembro de 2006 ........................................................ 99

4.2.1 Publicações internas............................................................................................ 102

4.3 Primeira página – 09 de julho de 2007 ................................................................... 106

4.3.1 Publicações internas. Capa do caderno de Esportes .......................................... 109

4.4 Primeira página – 29 de setembro de 2007 ............................................................ 114

4.4.1 Publicações internas..............................................................................................117 4.5 Primeira página –19 de agosto de 2007 ................................................................ 121

4.5.1 Publicação interna ............................................................................................... 124

4.6 Publicação – 29 de agosto de 2007........................................................................ 126

4.6.1 Publicação interna .............................................................................................. 127

4.7 Primeira página – 04 de novembro de 2007 Primeira página ................................. 130

4.7.1 Publicações internas ........................................................................................... 131

5. Conclçusão: manifestações do imaginário no fotojornalismo contemporâneo ......... 135

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 137

Textos........................................................................................................................... 138

Sites consultados ......................................................................................................... 138

Periódicos..................................................................................................................... 139

Bibliografia.................................................................................................................... 139

Anexos............................................................................................................................141

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1. Introdução

Esta pesquisa é um convite ao campo do imaginário e a busca por

compreender as transgressões experimentadas pelas coberturas do fotojornalismo

diário de Evandro Teixeira nas páginas do Jornal do Brasil. O propósito consiste em

demonstrar como as fotografias de notícias da contemporaneidade potencializam

novas formas de apresentar a realidade dos fatos e tensionam os formatos

convencionais de fotojornalismo que, ainda, se estrutura no certificado de presença e

na objetividade jornalística.

As reflexões aqui feitas indicam o que pensadores como Barthes (1984),

Benjamin (1994), Flusser (1998), Kossoy (2002), Peirce (2005), Pinto (2007) e Virilio

(1993) já demonstravam a vocação do registro fotográfico para o campo do

imaginário. Ou seja, desde os princípios históricos da fotografia para imprensa foi

possível perceber que o fotojornalismo apresentou traços da personalidade do

operador afetado pelo objetivo de informar e das referências oriundas das linhas

editoriais dos jornais e revistas. A busca pela objetividade jornalística, que

consolidou o fotojornalismo como representação de realidades, aos poucos foi

demonstrando que o uso do aparelho, apesar de conter limitações, permite produção

de mensagens simbólicas, simulacros do real, superfícies imagéticas que espelham

as formas próprias de se perceber o mundo e o modo particular daqueles que

produzem as informações.

No primeiro capítulo, será demonstrado que o fotojornalismo percorre

trajetórias comuns no processo de produção de mensagens, mas que, hoje,

demonstra máscaras da objetividade jornalística e se aproxima do campo de

apresentações de imaginários sociais. A trilha seguida aproxima-se daquela dos

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pensadores mencionados acima que apontam a fotografia de notícias como mídia

codificada por suas especificidades e pelo diálogo que se estabelece com outros

signos na tentativa de estandardizar a mensagem na imprensa. A intencionalidade

surge na superfície da imagem e no processo de edição pela escolha de elementos

gráficos, lexicais e pelas cores que interagem nas páginas dos jornais.

Há de se recorrer a Wolfgang Iser (2002) que demonstra os atos de fingir e as

transgressões que surgem no texto ficcional no qual se manifestam imaginários. O

que se busca é evidenciar que, assim como na literatura, também, no fotojornalismo

é possível identificar as experimentações que encaminham para apresentações de

ficcionalidades e de imaginários sociais. Será analisada a produção de mensagens

nas fotografias de notícias que se apresenta repleta de intencionalidades do

operador nas etapas de seleção, combinação e relacionamento com a mídia que, de

acordo com Iser (2002), são pré-requisitos para os atos de fingir.

Para demonstrar as transgressões no fotojornalismo contemporâneo, foi eleita

a produção de mensagens do repórter fotográfico e editor de fotografia do Jornal do

Brasil, Evandro Teixeira, conteúdo a ser abordado no segundo capítulo. Com

imagens publicadas nas páginas do JB impresso, Evandro demonstra cobertura dos

fatos diários para além de representações de realidades. Fotógrafo no Jornal do

Brasil desde 1967, Evandro Teixeira tornou-se referência para o campo do

fotojornalismo brasileiro e mundial pela forma singular de apresentar as coberturas

dos acontecimentos que se tentam aproximar do universo do imaginário. O desafio

desta dissertação é, ancorada nos conceitos dos atos de fingir, demonstrar como o

repórter fotográfico produz mensagens que potencializam outras formas de reportar

os fatos sociais e que tensionam os formatos tradicionais de fotografia de notícias.

Acredita-se que as transgressões de seleção, combinação e relacionamento se

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manifestam nas superfícies das mensagens do fotojornalismo diário de Evandro

Teixeira.

Para que essas reflexões alcancem êxito, foram selecionadas 07 publicações

do repórter fotográfico dos anos 2006 e 2007, no intuito de demonstrar como o

fotojornalismo se transforma e supõe experimentações para além das

representações de realidades. No terceiro capítulo, serão analisadas coberturas

como a comemoração dos 100 anos de Oscar Niemeyer, a aposentadoria do Cel.

Bombeiro no Rio de Janeiro ou a cobertura do Grande Prêmio Brasil de Turfe que,

combinadas a outros signos gráficos, lexicais, ilustrações etc. remetem ao universo

do imaginário. Esse desnudamento encaminha para a percepção de que o

fotojornalismo das páginas do JB estabelece, ainda, o diálogo com as mensagens da

área da publicidade (algumas vezes potencializado pela expansão de novas

tecnologias) que percebe o estimulo aos sonhos e desejos da sociedade

contemporânea. Assim, será permitido a esta dissertação perceber e ser afetada

pelo hibridismo das mídias: fotografia na publicidade e a interação com a fotografia

de notícias e vice-versa.

É possível acreditar que o fotojornalismo se transforma e surgem novas

experimentações da mídia no intuito de avançar para além da idéia de representação

de realidades. O que será buscado é alcançar a idéia de que, hoje, a fotografia na

imprensa pode demonstrar imaginários sociais, fantasias, desejos, algo a mais que o

homem pretenda realizar ou se transformar. As superfícies do fotojornalismo diário

criam, recriam, apresentam para a sociedade os heróis os deuses do Olimpo, signos

do campo da literatura, mas que se manifestam nas mídias de informação como a

imprensa.

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O desafio é, pois, compreender como a fotografia de notícias da

contemporaneidade se transforma de acordo com as mudanças dos tempos, do

dinamismo e período histórico da sociedade e das formas do homem se interagir e

se relacionar com a informação.

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2. Aspectos do fotojornalismo e potencializações de transgressões

na mídia contemporânea

Ao longo do processo histórico de formação da sociedade, foi percebido que o

homem busca a sua interação com o mundo e registrar os fatos através das formas

de representação, por mais puras ou simples que sejam. Com intuito de criar formas

de disseminação de informação e memória dos diversos acontecimentos sociais, do

cotidiano e da vida manifestações tais como a pintura, a escultura, o desenho e a

literatura, durante o Renascimento, fins do séc. XIII até meados do séc. XVII, tiveram

no realismo uma das fontes de produção de mensagens através das representações.

Os sujeitos sociais exprimem, através das imagens, a busca por imitar suas ações

por meio de expressões artísticas, próprias da imaginação humana, e,

posteriormente, através de produção de mensagens mediadas por aparelhos.

Surgida no período Positivista do séc. XIX, a fotografia é percebida como

mídia indicial da verdade e pela sua condição de registrar a vida do homem e as

transformações sociais de maneira mais próxima da realidade1 foi adotada pela

imprensa como uma técnica essencial na produção de mensagens de informação

através da imagem.

Como diz Flusser (1998):

As imagens são mediações entre o homem e o mundo. O homem existe, isto é, o mundo não lhe é acessível imediatamente. As imagens têm o propósito de lhe representar o mundo. Mas ao fazê-lo, entrepõem-se entre mundo e homem. (FLUSSER, 1998, p. 29).

1 Será usado o conceito de realidade de Charles Sanders Peirce: A realidade consiste nisso: que o inquérito humano – observações e raciocínio – tende na direção da resolução de disputas e acordos finais em conclusões definitivas independentes dos pontos de vista iniciais dos diferentes investigadores, de forma que o real é aquilo em que qualquer homem acreditaria e sobre o qual esteja pronto a agir. (CP 8.41) .

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A esse respeito, Walter Benjamim (1994) ensina que cabiam às artes gráficas

(pintura, xilogravura e litogravura) formas de ilustrar a vida cotidiana, mas que a

litografia ainda estava iniciando quando foi ultrapassada pela fotografia.

Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral. (BENJAMIM, 1994, p.167).

A função de se registrar o cotidiano da sociedade através da pintura cede

lugar à fotografia que, através do aparelho, a câmara escura, cumpria o papel de

registrar com mais fidelidade aos elementos da sociedade referente que o olho

subjetivo e criativo dos artistas. Assim, a imprensa adota “[...] uma grande e

misteriosa experiência [...]” (BENJAMIN, 1994, p.95), a mídia fotográfica realizada

por “[...] um aparelho que podia rapidamente gerar uma imagem do mundo visível,

com um aspecto tão vivo e tão verídico como a própria natureza.” (BENJAMIN, 1994,

p. 95). Em outras palavras, a função presentativa da fotografia acaba por suplantar a

representativa.

Entretanto, apesar do potencial informativo da fotografia os donos e editores

de jornais, em meados do séc. XIX, resistiram durante algum tempo a usar imagens

fotojornalísticas. Outros aspectos afetavam os procedimentos para o uso da

fotografia na imprensa como, por exemplo, o resultado nem sempre desejável com

as impressões através de máquinas gráficas para as páginas dos jornais da época.

Além disso, o uso de câmeras pesadas dificultava o deslocamento dos profissionais

para o ambiente das coberturas.

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Havia certa descrença sobre a seriedade da informação pela fotografia. Os

editores consideravam que as imagens não se enquadravam nas convenções e na

cultura jornalística dominante daquele período. A partir de 1930, o fotojornalismo

inicia outra trajetória, torna-se mais reconhecido como mídia de informação e deixa

de ser secundarizado como ilustrações do texto e passa a ser definido como uma

categoria de conteúdo tão importante como o componente escrito. (SOUSA, 2002). A

fotografia de imprensa marca mudanças conceituais e estrutura-se como uma

atividade comprometida como forma de registro imagético das realidades sócio-

econômicas e políticas, condição que garante a credibilidade da imprensa, visto que

passa a ser entendida como uma prova testemunhal dos fatos. Sob a luz conceitual

de Jorge Pedro Sousa (2002) a definição adotada é de que:

O fotojornalismo é uma atividade singular que usa a fotografia como um veículo de observação, de informação, de análise e opinião sobre a vida humana e as conseqüências que ela trás ao Planeta. A fotografia jornalística mostra, revela, expõe, denuncia, opina. Dá Informação e ajuda credibilizar a informação textual. Pode ser usada em vários suportes, desde os jornais e revistas, às exposições e aos boletins de empresa. (SOUSA, 2002, p. 5).

O fotojornalismo tem, pois, como principal objetivo disponibilizar informações

que ocorrem através de contextualizações espaciais e temporais para dar

conhecimento sobre a dinâmica dos fatos da sociedade. A fotografia de imprensa

permite formar, esclarecer ou marcar pontos de vista sobre os acontecimentos por

meio das coberturas de assuntos de interesse jornalístico.

A condição de registrar os fatos de maneira mais próxima da verdade

demanda que a produção da mensagem no fotojornalismo esteja ancorada no

certificado de presença definido por Barthes (1984) quando afirma que, na fotografia

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convencional, ser necessário ter estado lá, isto é, constitui a referência especular: o

real esteve lá.

Chamo de referente fotográfico, não a coisa facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual não haveria fotografia. A pintura pode simular a realidade sem tê-la visto. (...) Ao contrário dessas imitações, na Fotografia jamais posso negar que a coisa esteve lá. (BARTHES, 1984, p.114-5).

O conceito do certificado de presença se aplica ao profissional repórter

fotográfico e aos elementos referentes que vão constituir a mensagem no

fotojornalismo, ou seja, fotógrafo e objeto fotografado, obrigatoriamente, têm que

estar no mesmo tempo e espaço para que se concretize o registro da imagem. Para

que a atividade de fotojornalismo permaneça como mídia de apresentação de

verdades, os fatos devem sofrer cobertura sem que haja quaisquer interferências ou

alterações nos acontecimentos e nos atos dos sujeitos envolvidos nos processos de

comunicação. Em outras palavras, repórter fotográfico e tema registrado encontram-

se no mesmo ambiente, no mesmo tempo e a função do fotógrafo é registrar os fatos

sem interferir nos acontecimentos e nos elementos que o compõem.

Esse ponto da reflexão requer a importância de se compreender a distinção

entre as especificidades da produção de mensagens na fotografia com objetivos

informativos utilizadas pela imprensa: o fotojornalismo e o fotodocumentarismo,

ambas as atividades próprias para fotografias de noticias. Jorge Pedro Sousa (2002)

demonstra a tipologia do trabalho do fotodocumentarismo e do fotojornalismo diário.

No primeiro caso, o fotodocumentarismo, o profissional elabora e executa o

trabalho de forma individual. O fotojornalista segue para o ambiente que vai ser

fotografado, anteriormente pesquisado através da elaboração de projetos, busca

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recursos financeiros de patrocinadores e previsão do tempo para a cobertura sobre o

tema do ensaio fotográfico. Isso pode ser entendido como um trabalho de autor e,

normalmente, constituído pelo ponto de vista, o modo de perceber o mundo do

fotodocumentarista. Para Júlio Pinto (2002) “[...] todo organismo percebe e, ao

perceber, de alguma forma circunscreve um espaço no continuum da matéria-prima

informacional de acordo com as codificações internas de interesse da espécie.”

(PINTO, 2002, p. 165). O desenvolvimento dos trabalhos no fotodocumentarismo,

pelas suas especificidades, permite que o homem tenha tempo para observar,

detalhadamente, o contexto, o ambiente, analisar os diversos aspectos envolvidos e

elaborar as mensagens que vai construir de acordo com o objetivo que almeja

alcançar.

O pacto de leitura que se estabelece sobre superfícies das mensagens, no

fotodocumentarismo, se aproxima da construção de imaginários e ficções, assim

como nos textos literários, pois são perceptíveis as subjetividades do autor. Por

subjetividades do autor, o pensamento de Kossoy (2002) demonstra a busca pelo

controle do processo de produção de mensagens de maneira consciente e

intencional para alcançar seus objetivos, mas em consonância com sua formação

pessoal, do modo próprio de perceber o mundo e de acordo com contexto espaço

temporal no qual está inserido.

Para uma compreensão sobre a intencionalidade nos processos de produção

de mensagens nas superfícies do fotojornalismo as reflexões de Peirce (2005) foram

seguidas notadamente no segundo volume dos Collected Papers (CP 2), que indica

a vontade ou intenção como pertencente ao campo da mente e o elemento de

cognição, nem sempre, diz respeito ao sentido de realidade ou objetividade, mas

uma consciência de construções através de vários processos de aprendizado.

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Este é um tipo de consciência que não pode ser imediato porque cobre um certo tempo, e isso não apenas porque continua através de cada instante desse tempo mas porque não pode ser contraído para caber num instante. Difere da consciência imediata tal como uma melodia difere de uma nota prolongada. Tampouco pode a consciência de dois lados de um instante, de um evento súbito, em sua realidade individual, abarcar a consciência de um processo. Está é a consciência que une os momentos de nossa vida. É a consciência de síntese. (sic) (CP. 2.381)2.

Júlio Pinto (2002) discute a capacidade da mente humana de construir

mensagens e produzir sentido através de diversas formas de apresentações de

realidades ou de imaginários. As sensações podem ser ditadas pela idéia que temos

delas e, para o autor, há uma diferença entre eu e mim. Seguindo as reflexões do

autor, (PINTO, 2007) a relação entre um eu e sua imagem percebida, o mim é

compreendida. “O eu é uma sensação de mim e o mim é o simbólico indicial do eu e

constitui aquele conjunto de experiências passadas que está no lugar de um eu

inefável e apenas vislumbrável através de mins históricos.” (PINTO, 2007, p. 4).

Em outras palavras, a produção de sentido através de mensagens fotográficas

advém do eu, do homem e suas subjetividades, que são próprias da mente, e

resultam no que o autor define como mim, ou seja, as formas de apresentações de

realidades do mundo. O aspecto da intencionalidade do autor, o fotojornalista,

demonstra que o eu seja ilusão do mim, elementos representados e representações,

ou objeto e representamen (PEIRCE, CP 2). “A idéia que temos da sensação nos é

dada por algo já sabido, já parte de nosso repertório, de nosso conjunto de

categorias experenciadas do mundo e compartilhadas com outros mins.” (PINTO,

2007, p. 4).

2 A citações são feitas de acordo com a tradição em estudos peircianos, referindo-se aos textos de Peirce contidos nos The Collected Papers of Charles S. Peirce pelas iniciais CP seguidas do número do volume e do parágrafo.

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Barthes (1990) demonstra que, para além do olhar próprio do homem, as

subjetividades, o caráter conotativo nas superfícies do fotojornalismo, um dos termos

desenvolvido pelo autor para a fotografia de notícias, “[...] não nem natural e nem

artificial, mas histórico, ou cultural, código em que os signos são gestos, atitudes,

expressões, cores ou efeitos, dotados de certos sentidos em virtude dos usos de

uma determinada sociedade.” (BARTHES, 1990, p. 21). Assim como Barthes (1990),

é possível acreditar que as subjetividades do autor, no fotojornalismo, são

construídas a partir de experiências próprias do homem com suas vivências e

demonstradas através de produções de mensagens que pertencem ao momento

histórico, ou seja, o contexto temporal, espacial, sócio-econômico, cultural, próprios

da sua experiência com a sociedade à qual pertence.

[...] o homem moderno projeta na leitura da fotografia sentimentos e valores caracteriais, ou eternos, isto é, infra ou trans-históricos, que a significação é sempre elaborada por uma sociedade ou por uma história definidas: a significação é em suma, o movimento dialético o que resolve a contradição entre o homem cultural e o homem natural. (BARTHES, 1990, p. 21).

Ao ser retomada a discussão sobre as especificidades do

fotodocumentarismo, há de se destacar que, na atualidade, a principal referência

para a construção de mensagens com as características de fotografia documental,

ou seja, com a marca da intencionalidade e as subjetividades do autor, é o brasileiro

Sebastião Salgado que elabora os projetos fotográficos e, com incentivo de

patrocinadores, desenvolve-lhes. Salgado fotografa, em filme preto e branco,

diversos assuntos temáticos dos quais pode ser destacado um dos seus primeiros

trabalhos, que lhe alçou ao cenário midiático mundial, Terra (1997), projeto que

reúne imagens de várias famílias brasileiras sem terra e Êxodos (2000), no qual

seleciona fotografias sobre os deslocamentos de vários povos pelo mundo. O

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trabalho do fotojornalista é reunido em livros com cuidado editorial e suas fotos são

expostas em museus e galerias para mostras de obras de arte.

Saliente-se que, assim como o fotojornalismo, também o fotodocumentarismo

tem em seu escopo o propósito de informar através das superfícies da fotografia,

mas o trabalho de fotografia documental é realizado por aquele “[...] que conhece

minimamente o que vai enfrentar e que pode desenvolver projetos fotográficos

durante períodos dilatados de tempo.” (SOUSA, 2002, p. 8).

Ou seja, as fotografias documentais, embora apresentem realidades, são

ensaios de modos de vida, de movimentos da sociedade que vêm determinados por

elementos simbólicos construídos a partir da formação sócio-cultural e do olhar do

autor, ou seja, de sua forma de perceber e ser afetado pelo contexto e pelas

transformações do mundo. A seleção e combinação dos elementos nas superfícies

do trabalho de fotodocumentarismo resultam em um conjunto de imagens que

demonstram as subjetividades desse modo de ver do autor, de sua magia interior,

reflexões da mente, do relacionamento pessoal com os recursos do aparelho e sua

interação com os elementos do referente em determinados ambientes.

No fotodocumentarismo, a objetividade3 da informação interage com as

subjetividades desse olhar particular do fotodocumentarista pelas especificidades do

produto que o autor deseja construir. O fotojornalismo documental reúne um volume

maior de material que vai ser exposto em galerias de arte ou livros temáticos sobre o

assunto pesquisado, selecionado, organizado e, finalmente, publicado com mais zelo

e sofisticação do que as coberturas desenvolvidas para a imprensa diária.

3 Foi adotado como referência para o termo objetividade o conceito de apresentações de elementos do real de maneira exterior ao sujeito e alheio a sua existência, sem intenção de examiná-lo, de analisá-lo. Em outras palavras, a objetividade é definida como a existência dos objetos fora do eu, sem a marca ou a presença do interpretante, a demonstração da realidade passível de ser conhecida sem as transformações ou interferências realizadas pelo homem.

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Apresentam-se no fotodocumentarismo mensagens compostas por diversas

imagens desenvolvidas sobre um tema específico como se fossem realidades

sociais. Júlio Pinto (2007) demonstra o conceito de mimese como uma estrutura

apresentada em lugar de outra e essa outra, compreendida como um estado de

coisas a qual, normalmente, é denominada realidade.

O objeto representado é referência constante e o processo referencial consiste em apresentar algo como se fosse aquilo que é. Nessa mimese simples, quase simplória, o poético seria a tentativa de alcançar um é por meio da estratégia de chamar é um mero como se, desprezando o veículo, o signo como se, em favor daquilo que o como se representa. (PINTO, 2007, p. 9. Grifos do autor.).

Saliente-se que a compreensão sobre a mimese no fotojornalismo não se

restringe ao fotodocumentarismo, mas percorre o corpus de fotografias de notícias.

Ou seja, assim como na estrutura de fotodocumentarismo, também, no

fotojornalismo diário a superfície fotográfica substitui o referente, a imagem se coloca

no lugar dos fatos como se fossem os próprios acontecimentos em determinado

tempo e espaço. O pacto de leitura que se estabelece é a compreensão de que a

fotografia de notícia demonstra realidades. O autor Júlio Pinto (2007) evidencia que a

opção pela seleção de elementos sígnicos no fotojornalismo que se distanciam da

denotação e se aproximam, cada vez mais, dos aspectos conotativos e, assim,

demonstra o diálogo com imaginários, fazem do fotojornalismo uma estrutura

midiática que parece não depender somente das intenções de quem produz as

mensagens, mas, também, das intenções que o leitor pode atribuir aos sentidos

dispostos na superfície fotográfica.

Falamos, portanto, não da descoberta de uma imanência, mas de uma atribuição transcendentalizante do repertório do leitor àquele do imaginado produtor do texto. De qualquer modo, essa imagem destrói um possível

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projeto de iconicidade cabal que a fotografia documental poderia se atribuir, desmontando a noção simplista de reprodução do real. (PINTO, 2007, p. 7).

Aproxima-se, pois, da reflexão de que o fotojornalismo tem como meta

principal apresentar os fatos sociais através mensagens compostas por elementos

sígnicos, mimeses, e como outras mídias imagéticas, apresenta características das

três divisões do signo4 propostas por Peirce: ícone, índice e símbolo. 5

Primeiro, a fotografia de notícias é icônica, pois substitui o referente, ou seja,

a superfície no fotojornalismo apresenta os fatos e os elementos que o compõem.

Segundo, é indicial, uma vez que, demonstra, indica a presença de que algo

aconteceu, a existência de algo, os acontecimentos ocorreram e estão apresentados

pelos elementos presentes na superfície da imagem do fotojornalismo. E, finalmente,

simbólica, por se tratar de mídia compreendida pelos sujeitos de determinada

sociedade, uma convenção social, embora seja uma mensagem polissêmica6 e, por

isso, há possibilidade de relacionamentos diversos com a mídia e formas de leituras

próprias de cada sujeito envolvido nesse processo comunicativo. Para Barthes

(1990), a fotografia “[...] é uma mensagem sem código, proposição de que se deduz

imediatamente um importante corolário. A mensagem fotográfica é uma mensagem

contínua.” (BARTHES, 1990, p. 13).

4 Um signo, ou representámen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas como referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denomino fundamento do representámen. (CP. 2. 228). 5 Um Ícone é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente exista ou não. (CP. 2. 247). Um Índice é um signo que se refere ao Objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse objeto. (CP 2. 248). Um Símbolo é um signo que ser refere ao Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele Objeto. (CP. 2. 249). 6 Passível de várias interpretações, com vários significados.

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A sociedade percebe que os signos simulam a significação de outros signos.

Para ser afetado pelas mensagens no fotojornalismo documental reivindica-se a

experiência com o conjunto das imagens, que demonstram abordagens comuns

entre si, superfícies temáticas, e não cada fotografia separadamente. E ainda, nem

sempre há necessidade do jogo ou do diálogo estabelecido entre os signos lexicais

(legenda, elementos gráficos e texto): a mensagem é transmitida a partir do conjunto

das fotografias sobre determinado assunto.

A temporalidade das mensagens no fotodocumentarismo, o processo de

percepção, para afetar o interpretante, tem duração maior que no fotojornalismo

diário que se estrutura na instantaneidade das publicações periódicas. O escopo das

fotografias de notícias é informar e semelhante nas duas estruturas,

fotodocumentarismo e fotojornalismo diário. Entretanto, as formas de apresentação

dos fatos são distintas, pois as informações publicadas nos jornais diários ou revistas

semanais perdem seu caráter noticioso, transmissão de informação imediata, e os

critérios de noticiabilidade7 que não estão contempladas pelo fotodocumentarismo.

Ou seja, as possibilidades de maior tempo de execução, a disponibilidade, a

intencionalidade, a elaboração de projeto e outra série de elementos característicos

do fotodocumentarismo permitem que se estabeleça como ponto de partida a

seleção de elementos simbólicos que percorram o campo do imaginário escolhidos a

partir da formação e da bagagem cultural do autor como discutido anteriormente.

Na estrutura de produção de mensagens no segundo caso, o fotojornalismo

de Redações, o repórter fotográfico “[...] chega diariamente ao seu local de trabalho,

raramente sabe o que vai fotografar e em que condição vai fazer.” (SOUSA, 2002,

p.8). No trabalho diário, o repórter fotográfico depara-se com questões de

7 Relevância, proximidade, interesse humano, ineditismo, importância científica e curiosidade.

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imprevisibilidade que se reduzem no momento em que recebe a pauta (ordem de

serviço fotográfico) e que, na maioria dos casos, não apresenta muitos detalhes

sobre o assunto da cobertura.

A partir do recebimento da pauta pelo fotojornalista, ele tem a possibilidade de

manifestar o que Peirce aponta como primeiridade visto que, pelas habilidades

adquiridas através do universo profissional, o fotógrafo começa a imaginar quais os

elementos podem estar no ambiente da cobertura a ser realizada. Recorde-se que o

fotojornalismo é mídia produtora de sentido a partir de elementos simbólicos e,

portanto, sígnicos. Para Peirce (2005), o signo é concebido de várias formas e pode

ser dividido através de relações triádicas.

Os signos são divisíveis conforme três tricotomias, a primeira conforme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relação do signo para com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum caráter em si mesmo, ou manter, alguma relação existencial com esse objeto ou em sua relação com um interpretante, a terceira, conforme seu Interpretante representá-lo como um signo de possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo de razão. (CP, 2 243).

Determinado por conhecimentos adquiridos, reflexões e por meio de

deduções, o fotojornalista se prepara para ir ao encontro do local dos

acontecimentos, ou seja, seleciona o material que vai utilizar, tipo de filme (ou na

atualidade, mídia digital como suporte para imagens – cartão de memória das

câmeras digitais), tipo de lente, uso ou não de flash etc. em função da reflexão sobre

as possibilidades daquilo que supostamente irá se deparar. A partir do recebimento

da pauta, o fotojornalista tem em mãos informações sobre o local da cobertura, bem

como horário e as possibilidades sobre o que pode acontecer e sobre o envolvimento

de quem age ou provoca fatos noticiosos. Recorde-se que outra importante

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característica das fotografias de notícias é a presença do homem nas ações

comunicativas e, portanto, nas superfícies das imagens, pois o fotojornalismo

apresenta os movimentos da sociedade.

É compreendido que desde o momento em que o repórter fotográfico recebe a

ordem de serviço, surgem, na mente do fotojornalista, suposições em como proceder

para a realização da cobertura fotográfica dos fatos. Ainda distante dos fatos e sem o

contato direto com os acontecimentos, manifesta-se, o que, para Peirce (2005), seria

a etapa inicial da construção dos signos e da produção de mensagens simbólicas, ou

seja, a primeiridade. O repórter fotográfico constituído por sua personalidade e pelo

modo próprio de perceber o mundo cria imaginários antes de se relacionar com os

acontecimentos sociais e que vai registrar por meio do aparelho. Peirce (2005)

demonstra que a primeiridade pertence ao campo da experiência que, sem contato

direto com o signo, o operador se relaciona com a função mental que permite

representar na mente seres, situações, cenários, objetos etc., ou seja, sua

imaginação.

Um signo por primeireza é uma imagem de seu objeto, e, falando mais estritamente, só pode ser uma idéia. Pois ele deve produzir uma idéia interpretante e um objeto externo excita uma idéia por uma reação no cérebro. Mas, estritamente falando, mesmo uma idéia, exceto no sentido de uma possibilidade, ou Primeireza [...]. (CP 2. 276).

Na redação, o repórter fotográfico elabora a imaginação antecipada dos fatos

que permeia o universo daquele que busca uma representação mental de

acontecimentos futuros, principalmente dos meios que vai utilizar para realizá-los. No

momento subseqüente, o fotojornalista percorre o campo da secundidade, também

definido por Peirce (2005), no qual, dessa vez, já em contato com os referentes que

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compõem os fatos, analisa o contexto e formula suas idéias para a tomada das fotos

de notícias.

No decorrer desse processo, e apto para realizar a cobertura, inicia-se o

relacionamento com os elementos dos fatos que estimulam o raciocínio do fotógrafo

sem, normalmente, deixar de privilegiar a linha editorial8 do veículo para o qual

presta serviços. Sob a luz conceitual de Roland Barthes (1990), é possível

compreender que o fotojornalismo é constituído pela fonte emissora, o repórter

fotográfico, um canal de transmissão, a imprensa, e o meio receptor, o leitor. A linha

editorial do veículo, normalmente, privilegia os três elementos do processo

comunicativo e varia de uma Redação para outra.

[...] um complexo de mensagens concorrentes cujo centro é a fotografia; os complementos que a circundam são o texto, o título, a legenda, a diagramação e, de maneira mais abstrata mas não menos “informante”, o próprio nome do jornal (este nome constituindo um saber que pode exercer grande influência sobre a leitura da mensagem propriamente dita: uma fotografia pode ter sentidos diferentes se publicada no l’Aurore ou no l’Humanité). (sic) (BARTHES, 1990, p. 11).

Mais uma vez, foi identificado, nesse processo, o caráter de intencionalidade,

pois se manifestam as opções definidas na mente do repórter fotográfico para a

escolha dos elementos que vão compor a superfície das imagens, mas norteadas,

mesmo que nem sempre de forma explícita, pela formas de tratar a informação que

são próprias do veículo que vai publicar as mensagens, ou seja, a linha editorial.

Nesse processo em que se manifesta a primeiridade, imaginação, avança para a

secundidade, observar e agir em relação à captura das imagens fotográficas, através

8 Será trabalhado como conceito de Linha Editorial a postura política, econômica, cultural e social escolhida pela direção do veículo, que nem sempre é explicitada, mas que deve ser percebida pelas capacidades dos jornalistas da Redação.

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do aparelho, estabelecendo-se a intenção e o desejo de construção de mensagens

simbólicas com produção de informação sobre os eventos sociais.

Faz na imaginação, uma espécie de diagrama mínimo, um esboço sumário, considera quais modificações o hipotético estado de coisa exigiria que fossem efetuadas nesse quadro e a seguir examina-o, isto é, observa o que imaginou, a fim de saber se o mesmo desejo ardente pode ali ser discernido. [...] Quanto a esse processo de abstração, ele é, em si mesmo, uma espécie de observação. (CP 2. 227).

Sobre a terceiridade, deve ser levada em conta a idéia do relacionamento com

a mídia produzida, as imagens fotográficas, que são encaminhadas para o processo

de edição que envolve outros sujeitos como editor de fotografia, jornalistas de texto,

editor geral e outros elementos como os recursos gráficos, ilustrações, infografias,

charges e outros signos utilizados na construção de mensagens do fotojornalismo. O

propósito é de ofertar mais elementos para que se estabeleçam formas de

compreensão sobre as informações reunidas nas páginas da imprensa. De acordo

com Barthes (1990), a fotografia é mensagem contínua e a estrutura do

fotojornalismo “[...] não é uma estrutura isolada; identifica-se pelo menos, com uma

outra estrutura, que é o texto (título, legenda ou artigo) que acompanha toda

fotografia jornalística.” (BARTHES, 1990, p. 12).

Para compreensão sobre o interpretante, o terceiro correlato definido por

Peirce (2005) pertence à esfera do simbólico enquanto uma lei social e para que se

estabeleça a leitura das mensagens é necessário que os sujeitos no processo

comunicativo pertençam a uma mesma sociedade, que se relacionem no mesmo

universo espaço temporal. Ou seja, o fotojornalismo é percebido como mídia

simbólica, pois afeta o homem que pertence a um contexto, em determinada época e

ambiente do meio social e, é através da experiência dessa sociedade que isso se

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torna possível. “O terceiro correlato é, dos três, aquele que é considerado como o de

natureza mais complexa, sendo lei se qualquer dos três for uma lei e não sendo

mera possibilidade a menos que todos os três sejam dessa natureza.” (CP 2.236).

Para que sejam feitas reflexões sobre as mensagens nas imagens

fotojornalísticas há de se recordar os processos de produção, desde a pauta até a

publicação, levando em conta que esse processo articula as partes que formam o

todo no fotojornalismo da contemporaneidade na imprensa do Brasil e do mundo.

Hoje, a busca diária do repórter fotográfico que atua na imprensa diária, seja como

funcionário contratado com exclusividade por uma redação ou como profissional que

presta serviços freelancer, fundamenta-se na busca de informações através da

mensagem fotográfica que apresente, o mais próximo possível, a verdade dos fatos.

Assim, o objetivo do fotojornalismo tem sido produzir mensagens informativas

através de fotografias.

Como se sabe, a redação de um veículo é subdividida em diversas editorias e

que, em cada uma delas, existem profissionais especializados e setorizados: política,

economia, internacional, cidades/polícia, cultura, esportes etc.. Ao lado de toda essa

diversidade, o departamento fotográfico tem algumas características que o

diferenciam das demais editorias, ou seja, o aspecto de se realizar coberturas sobre

todos os assuntos, ou seja, o cumprimento das pautas realizadas pelo fotojornalista

apresenta como especificidade a cobertura fotográfica para todas as editorias. A

especialidade do fotojornalista é a fotografia de notícias para todos os assuntos do

veículo.

Retoma-se, então, o debate sobre a figura do fotojornalista, que atua nas

redações de jornais ou revistas, através do qual a anterioridade do processo de

produção de mensagens ocorre, em princípio, através da pauta ou ordem de serviço,

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que vem das editorias do próprio veículo. Não há, portanto, elaboração de projetos,

preparação de tempos mais longos (como ocorre no fotodocumentarismo) para a

execução das tarefas de cumprimento das pautas sobre os fatos da sociedade. Ou

seja, o caráter de ineditismo e da dinâmica dos acontecimentos noticiosos não

permite que seja programado através de tempos dilatados e o ambiente previamente

analisado. A sociedade se movimenta diariamente, em velocidades constantes,

instantâneas. Cabe ao fotojornalista manter-se informado, acompanhar as interfaces

dos acontecimentos e registrar os fatos na condição de não interferir sobre eles.

Um fotógrafo de uma agência noticiosa ou o de um jornal diário, à luz dessa distinção entre fotojornalismo e fotocumentalismo, seria um fotojornalista, já que é diariamente confrontado com serviços inesperados e com serviços de pauta dos quais só toma conhecimento quando chega ao local de trabalho. (SOUSA, 2002, p. 8).

O pacto estabelecido entre a produção de mensagens, no fotojornalismo

diário, é a busca pela objetividade jornalística para apresentação dos fatos da

maneira mais fiel as realidades e aos princípios firmados ancoram-se no estatuto e

compromisso com a verdade. A luz conceitual de Roland Barthes (1990) faz

compreender a existência do caráter denotativo da mensagem na qual a imagem

fotográfica “[...] não é o real, mas pelo menos, seu analogon prefeito.” (BARTHES,

1990, p.12). Isso leva a acreditar que toda mensagem produzida a partir das técnicas

imitativas como a fotografia “[...] comporta duas mensagens: uma mensagem

denotada que é o próprio analogon e uma mensagem conotada [...]” composta de

elementos simbólicos e subjetivos do homem e “[...] que é a maneira pela qual a

sociedade oferece à leitura, dentro de uma certa medida, o que ele pensa.” (sic)

(BARTHES, 1990, p. 13).

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Sobre o caráter denotativo na fotografia de notícias, foram percebidos a

relação do fotojornalismo e o pacto estabelecido para apresentações de verdades:

“[...] a certeza de que a cena realmente aconteceu: o fotógrafo tinha que estar lá (é a

definição mítica da denotação); mas, isto posto (o que na verdade, já é uma

conotação) [...].” (BARTHES, 1990, p. 24).

A busca pela objetividade jornalística percebe transformações a partir do

momento em que as construções de mensagens são realizadas pelo homem, pelos

sujeitos. Por mais que se busque o distanciamento para além das subjetividades

daqueles que produzem informações e a não interferência sobre os elementos que

compõem os fatos, a escolha por determinados objetos em detrimento de outros são

atitudes tomadas por seres humanos, construída através de desejos e poder de

decisão dos sujeitos envolvidos no processo comunicativo. Para Charles Sanders

Peirce (CP 2. 376) “[...] o desejo certamente inclui um elemento de prazer bem como

um elemento de vontade.” A seleção dos elementos simbólicos que vão constituir a

mensagem no fotojornalismo requer atenção e intenção do fotojornalista que

procede orientado pela pauta e pela linha editorial adotada pelo veículo em que atua,

mas, principalmente, pelas suas emoções subjetividades, que se refletem no

momento da cobertura.

Peirce (CP 2. 376) afirma que o homem tem consciência de atingir ou de ser

atingido ao se deparar com um fato, mas nem sempre sabe ao certo se essa

experiência decorre de uma atividade interna ou externa. Para o autor,

[...] todo fenômeno de nossa vida mental é mais ou menos como cognição. Toda emoção, toda explosão de paixão, todo exercício da vontade é como a “cognição” e “se nos perguntássemos se não existiria um elemento na cognição que não é nem sentimento, sensação ou atividade, descobriremos que algo existe, a faculdade de aprendizado, de aquisição, memória e interferência, síntese. (CP 2. 376).

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As coberturas de notícias através do fotojornalismo decorrem da consciência

humana e das intencionalidades, um fenômeno mental do repórter fotográfico

orientado pelo objetivo de informar o leitor e em conformidade com a linha editorial

do veículo para o qual presta serviços. Compreende-se, portanto, a busca pela

objetividade no fotojornalismo é tentativa que se dissipa e tende ao infinito uma vez

que a produção das mensagens é realizada pelo homem e por isso não pode ser

alcançada em sua completude.

A discussão sobre a estrutura do fotojornalismo convencional deve ser

retomada no momento em que se estabelecem relações nas quais as superfícies

fotográficas demonstradas através das imagens dos fatos buscam a participação

indireta e sem interferências ou subjetividades do autor na produção das

mensagens, mesmo que se processe a seleção dos elementos simbólicos oriundos

do real que estão ali organizados pela fotografia de notícias. Portanto, no estatuto do

fotojornalismo convencional, o compromisso com as verdades, o real, e a forma

como é apresentada, em princípio, não deve sofrer interferência direta do repórter

fotográfico.

O desafio da discussão temática em torno da mensagem produzida através da

fotografia de imprensa revelou a importância do fotojornalismo em registrar os fatos,

capturar o imprevisto, representar o instantâneo e acenar para a idéia de verdades,

embora as fotografias sejam formas indiciais de representar o real. Assim como

Barthes (1990), há, pois, de serem compreendidas as mensagens fotográficas como

estruturas análogas de referentes reais, ou seja:

[...] entre esse objeto e sua imagem não é absolutamente necessário interpor um relais, isto é, um código; é bem verdade que a imagem não é o real, mas é, pelo, o seu analagon perfeito, e é precisamente esta perfeição analógica que, para o senso comum defina a fotografia. Surge, assim, o

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estatuto próprio da imagem fotografia: é uma mensagem sem código, proposição de que se deduz imediatamente um importante corolário; a mensagem fotográfica é uma mensagem contínua. (BARTHES, 1990, p. 12).

Ou seja, a tônica da fotografia jornalística é a de insistir na pressuposição da

anterioridade do objeto vis-à-vis sua representação fotográfica. Tal pressuposto é o

que garante à fotografia o estatuto de verdade. Em outras palavras, o pacto de

crença na imagem subscrita pelo leitor ao ver a foto jornalística depende tanto dessa

suposição de que aquele objeto esteve lá para ser fotografado, assim como o

fotógrafo teve de estar lá para fotografar, quanto das outras fontes de credibilidade,

como o Código de Ética, o próprio renome do veículo de imprensa, além da

aceitação tácita de que o que está impresso deve ser verdade. Entretanto, o olhar

atento sobre o ambiente do fotojornalismo sinaliza a percepção e a identificação dos

elementos sígnicos que compõem as mensagens e que contribuem para a

credibilidade das informações publicadas pela imprensa que busca, através das

alegações de imparcialidade, alcançar a máscara da objetividade jornalística.

[...] esse estatuto puramente “denotante” da fotografia, a perfeição e a plenitude de sua analogia, isto é, sua “objetividade”, tudo isso corre o risco de ser mítico (são as características que o senso comum atribui à fotografia); pois há, de fato, uma grande probabilidade (e isto será uma hipótese de trabalho) de que a mensagem fotográfica (pelo menos a mensagem jornalística) seja, ela também, conotada. (BARTHES, 1990, p. 14).

Para além dessa discussão temática, é compreensível que a constituição da

mensagem por meio da fotografia, desde o início de sua utilização pela imprensa,

seja bastante complexa e a tentativa de demonstrar verdades dos fatos tende ao

infinito. Essa imagem potente pode ser frustrada ou, pelo menos, ter expostas

algumas fraturas na armadura do real.

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As especificidades dos pactos de relacionamento estabelecidos entre a

produção de mensagens no fotojornalismo e o fotodocumentarismo, traz de volta o

foco principal desta reflexão: o fotojornalismo diário. Como se pode identificar, a

partir de meados do séc. XX, surge um deslocamento no fotojornalismo na trilha de

apresentações de mensagens que demonstram a presença de superfícies

compostas por signos que remetem a processos elaborados e construídos de acordo

com a formação cultural e ideológica do repórter fotográfico. Assim, deve-se levar em

conta que a fotografia de imprensa, na contemporaneidade, tensiona os formatos

tradicionais de representação de realidades, de compromisso com a verdade, e

apresenta-se com demonstrações sobre a interferência do autor, no caso, do

fotojornalista, com atuação na seleção, na apropriação de signos do referente que

fazem parte de opções próprias da bagagem, na formação, pela opinião pessoal,

além do olhar particular de quem opera o aparelho. É perceptível que se mantém a

coleta de elementos de verdades, mas transformam-se as formas como o repórter

fotográfico seleciona, organiza, combina esses elementos na superfície da imagem e

constroem-se mensagens que são próprias da esfera do imaginário, do olhar de um

determinado autor.

Na trilha de Flusser (1998, p. 35) que acredita na imagem técnica como

aquela produzida por aparelhos, sendo que “[...] o que vemos ao contemplar as

imagens técnicas não é o mundo, mas determinados conceitos relativos ao mundo.”

Desde as próprias limitações do aparelho até a compreensão de que o manuseio da

máquina é realizado pelo homem, que interfere de maneira subjetiva no processo de

produção, não somente a fotografia, mas, também, o fotojornalismo informa por meio

de simulação de órgãos, de elementos, de sentidos que recorrem a teorias e servem

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a interesses ocultos que são do próprio homem, da sociedade, e dos contextos

espaciais e temporais, na qual está inserido. (Flusser, 1998).

Ao percorrer essa reflexão, em que se examina o contexto do fotojornalismo,

é de se acreditar que as coberturas dos fatos, na contemporaneidade, sofrem

interferências diversas. Busca-se compreender como a construção da mensagem no

fotojornalismo pode ser modificada desde os processos de produção, com restrições

impostas pelo aparelho, o gesto de fotografar desenvolvido pelo fotojornalista, que

determina, subjetivamente, a estrutura das mensagens em função de sua formação e

bagagem cultural, até os processos do tratamento final na edição as imagens

compostos de outros elementos sígnicos que dialogam com a fotografia publicada:

recursos gráficos como linhas, cores, molduras e textuais como próprio texto, título,

legenda, espaço ocupado pela informação etc.

A câmara fotográfica, objeto participante do ambiente profissional do

fotojornalismo, oferece recursos para a produção das imagens técnicas e permite ao

operador a construção de mensagens que, ao manusear os recursos contidos no

aparelho, como a variação das lentes, o uso dos controladores de luz e a

versatilidade nas sensibilidades do suporte9 – em função das quantidades e

qualidades de luzes que incidem e refletem dos referentes fotografados –, altera e

afeta, diretamente, o processo de construção de informações na fotografia de

imprensa.

Por mais que haja desenvolvimento em tecnologias para os aparelhos, os

recursos técnicos das câmeras permanecem limitados, se se leva em conta a

liberdade de criação do operador. É estabelecido um jogo entre o fotojornalista e a

máquina (câmera), visto que o maior desafio do operador é a busca de superar as

9 Por suporte em fotografia entenda-se a mídia de armazenamento, ou seja, filme fotográfico ou suporte digital como flash card (cartão de memória) ou CD.

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limitações da câmera e a tentativa de romper com as restrições ali impostas para

abrir a caixa preta como o pensamento indicado por Flusser (1998).

Para o fotojornalismo diário, o desafio do homem é romper com as diversas

limitações e tentar promover experimentações que possam gerar as transgressões

para além do manuseio do aparelho. É a constante busca em selecionar, agrupar e

relacionar-se com os elementos contidos nas realidades para que se produzam

sentidos, efetivamente, e estabeleça a construção de mensagens na fotografia de

imprensa.

A forma como cada fotojornalista recupera os elementos dos fatos vai

personalizar e/ou caracterizar o trabalho de cada sujeito do processo comunicativo e

demonstrar as diferenças entre as linguagens e a construção de mensagens

produzidas. Ou seja, as características de cada repórter fotográfico surgem e são

apresentados a partir dos elementos simbólicos escolhidos e organizados na

fotografia realizada pelo autor.

Para Iser (2002), os atos de fingir no texto ficcional são estabelecidos nos

processos de seleção, combinação e relacionamento com os elementos que vão

compor as narrativas lexicais. Dessa forma, os atos de fingir dizem respeito às

transgressões de limites entre o texto e o contexto (ISER, 2002), ou seja, a

transgressão dos campos de referência intratextuais, uma vez que, o uso dessas

ferramentas remete às interferências de quem produziu a mensagem, ou seja, o

homem e, por extensão, às subjetividades do autor. Há de ser entendido que, no

fotojornalismo diário, diferentemente do fotodocumentarismo, o conceito de fotografia

de autor tende a se diluir, mas o que se percebe na imprensa contemporânea é a

apresentação de mensagens com características subjetivas do fotógrafo, a presença

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do estilo, das cicatrizes e do imaginário do repórter fotográfico, ou o que pode ser

chamado: autor.

A busca pela compreensão para o processo de produção de mensagens no

fotojornalismo remete ao ato de fotografar que, ao manusear o aparelho, o

fotojornalista não vê o instante exato em que se aperta o botão disparador, pois o

espelho (elemento técnico de câmeras profissionais – Monorreflex) se levanta e a

imagem a ser visualizada não é jogada no visor. Estabelecem-se experiências

imaginárias, nas quais, em milionésimos de segundo, o operador não vê, quem

enxerga é o aparelho, influência determinante e limitante da câmera fotográfica.

Entretanto, nesse instante fracionado do tempo, se manifestam as

experiências pessoais sob as interferências dos objetivos para a construção da

mensagem imposta pela linha editorial do veículo e pelas subjetividades do

fotojornalista. Ou seja, as interferências surgem a partir das sugestões previsíveis

pelas informações contidas na pauta a ser cumprida, a sensação de anterioridade ao

imaginar aquilo que pode acontecer sem que se saiba, exatamente, o que vai

acontecer – fotojornalismo diário –, a intuição de como os fatos vão acontecer e as

subjetividades que se manifestam a partir da forma como se opera a câmera

fotográfica, no instante e no espaço em que, efetivamente, ocorrem as verdades ou

os acontecimentos.

Para Charles Sanders Peirce (CP 2. 381),

[...] sob a forma de atenção, constantemente entra, junto com o sentido de realidade ou objetividade que, como vimos, é aquilo que deveria tomar o lugar da vontade, na divisão da consciência, e todavia é ainda mais essencial, se isto é possível. Mas aquele elemento da cognição que não nem sentimento nem sentido de polaridade, é a consciência de um processo, e isto, na forma do sentido de aprendizado, de aquisição de desenvolvimento mental, é eminentemente característico da cognição. (CP 2. 381).

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Nesse processo, cabe ao fotojornalista a decisão, a intenção de selecionar,

combinar e, por fim, se relacionar com os elementos simbólicos que vão compor a

mensagem a ser produzida. Para que possa ser compreendido, o ato fotográfico, que

libera a intenção do operador e permite que se manifestem as subjetividades do

homem no processo de produção de mensagens no fotojornalismo, potencializa as

possibilidades para abrir a caixa preta e vencer as limitações impostas pelo aparelho.

Assim, se manifestam as experiências e transgressões apresentadas pelo

fotojornalismo contemporâneo em que se demonstram mensagens com objetivo

informativo, porém com participação do imaginário, da alma, da magia do operador,

do repórter fotográfico. O jogo novamente se estabelece entre o fotógrafo e o

aparelho que se transforma em algo lúdico no qual não se sabe quem pode vencer,

mas o que mais importa são as formas como se movimentam ou manuseiam os

recursos da câmera fotográfica e se manifestam os imaginários do fotojornalista.

De acordo com o pensamento de Flusser (1998), a dureza do aparelho

fotográfico é o que menos importa para o fotojornalismo. O avanço na produção das

mensagens, a magia delas, aparece no momento em que o homem se propõe a abrir

a caixa preta. Para vencer as limitações (do aparelho e do operador) depende do

fotógrafo que se permite avançar em busca de transgressões através do gesto

intencional de seleção, combinação e relacionamento (ISER, 2002) com a cobertura

dos fatos para a fotografia informativa.

Ao comprar um aparelho fotográfico, não pago pelo plástico e aço, mas pelas virtualidades de realizar fotografias. De resto, o aspecto duro dos aparelhos vai-se tornando cada vez mais barato e já existem aparelhos praticamente gratuitos. É o aspecto mole, impalpável e simbólico o verdadeiro portador de valor no mundo pós-industrial dos aparelhos. Transvalorização dos valores; não é o objeto, mas o símbolo que vale. (FLUSSER, 1998, p. 47).

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Para além da discussão sobre abrir a caixa preta, as transgressões na

construção da mensagem no fotojornalismo contemporâneo ocorrem nas diversas

etapas de produção como a seleção e combinação, realizada pelo repórter

fotográfico na cobertura da pauta, e o relacionamento (como a edição das imagens a

publicar), os formatos de publicação (horizontal/vertical), o local (primeira página ou

páginas internas) e o tamanho que as fotos vão ocupar nas páginas (manchete

fotográfica, cabeça da página, acompanhamento do texto/matéria), os elementos

gráficos que a acompanham (elementos gráficos, moldura, charges, infografia,

ilustrações etc.), os títulos, as legendas que, como afirma Barthes (1990), o elemento

fundamental para o fotojornalismo no intuito de orientar a leitura e diminuir a

polissemia da mídia.

Destaque-se que a superfície da fotografia, no ambiente da imprensa,

estabelece certo diálogo com outros elementos simbólicos e para a compreensão da

mensagem no fotojornalismo há demanda pelos argumentos complementares que

sintonizam com a complexidade das mensagens no contexto de produção de

informação. Sousa (2002) demonstra que a relação das mensagens no

fotojornalismo ocorre por meio de interações com diversos outros símbolos.

Para informar, o fotojornalismo recorre à conciliação de fotografias e textos. Quando de fala de fotojornalismo não se fala exclusivamente de fotografia. A fotografia é ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informações, daí que se tenha de ser complementada com textos que orientem a construção do sentido para a mensagem. (SOUSA, 2002, p. 9).

Assim, a superfície da fotografia de notícias vai recorrer a elementos

complementares para que a mensagem seja compreendida, desnudada. Aliados aos

símbolos com os quais dialoga, há o contexto temporal e espacial nos quais os

sujeitos participantes do processo comunicativo devem estar inseridos. A mensagem

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fotojornalística de determinado fato é compreendida a partir dos acontecimentos de

determinada época e do ambiente social.

Outro aspecto que chama atenção refere-se ao pensamento de Roland

Barthes (1990) ao sinalizar a fotografia como “[...] uma mensagem sem código.”

(BARTHES, 1990, p. 14). A mensagem denotada é próprio analagon que se

assemelha ao referente e que, no conceito de Pierce (CP 2) vem a ser entendido

como o signo icônico, ou, aquele que substitui o objeto representando-o de maneira

mais próxima possível de sua existência.

A mensagem conotada avança para além dessa demonstração de iconicidade

e se define como simbólica, pois se relaciona com a maneira pela qual a sociedade

oferece a leitura, ou seja, o que ela pensa. O código do sistema conotado é

constituído por uma simbologia universal e por “[...] uma retórica de época.”

(BARTHES, 1990, p. 13).

A mensagem conotada comporta um plano de expressão e um plano de conteúdo, significantes e significados: obriga assim a uma verdadeira decifração [...] fazendo variar artificialmente certos elementos da fotografia, de maneira a observar se essas variações de forma conduzem a variações de sentido. (BARTHES, 1990, p.15).

Dessa forma, a superfície na fotografia, pelas suas características sígnicas e

seus elementos simbólicos, pode afetar quem a percebe. Para Barthes (1990) a

fotografia é mídia que provoca sensações, estimula os sentidos do homem. Na linha

de Barthes (1990), é possível entender que há na fotografia de imprensa o caráter

denotativo que usa elementos simbólicos encontrados na representação de

realidades que atestam a credibilidade da informação fotográfica, que, por sua vez,

consiste em apresentar uma mensagem que incorpora a máscara da objetividade

jornalística.

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Devem ser entendidos o tensionamento entre a reflexão de Barthes (1990)

que aponta a fotografia como mensagem sem código e a observação de Sousa

(2002) que demonstra o fotojornalismo como mensagem simbólica e que, para sua

compreensão, demanda do diálogo com outras mídias. Para que se torne

compreensível, não seriam as mensagens da fotografia de imprensa construídas e

constituídas a partir das estruturas das mensagens codificadas? A resposta é

afirmativa.

A superfície fotográfica disponível em determinado ambiente sem

contextualização e sem a interação com demais elementos de informação torna-se

polissêmica e, consequentemente, mensagem sem código. Entretanto, a estrutura do

fotojornalismo agrega valores para além da superfície imagética e o diálogo

estabelecido entre os demais elementos simbólicos que acompanham a mensagem

na superfície da imagem como, por exemplo, a legenda, texto, título, charges etc.

permite o desafio pela busca de interpretantes que tornam a mensagem mais

conotativa e menos polissêmica.

A legenda tem provavelmente, um efeito de conotação menos evidente do que a manchete ou o artigo: título e artigo separam-se sensivelmente da imagem, o título por seu destaque, a imagem por sua distância: uma porque delimita, outro porque afasta o conteúdo da imagem: a legenda, ao contrário, por sua própria disposição, por sua extensão limitada para duplicar a imagem, isto é, participar de sua denotação. (BARTHES, 1990, p. 20).

Ou seja, a interação entre os diversos códigos, os diversos símbolos,

adotados para produção de mensagens no fotojornalismo caracteriza a fotografia de

notícias como mensagem codificada. Os códigos que acompanham a fotografia de

imprensa são diferentes, mas interagem entre si, dialogam, para que se haja a

compreensão da mensagem a que se propôs o fotojornalista e a linha editorial do

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veículo. Assim, para compreender a mensagem no fotojornalismo é necessário

conhecer os códigos, o contexto da cobertura dos fatos e os diálogos estabelecidos

com outras mídias a potencialização das interações entre as mídias, na fotografia de

notícias, com ampliação dos usos de outros elementos simbólicos permitem a

reconfiguração do fotojornalismo contemporâneo.

A necessidade de outros signos recuperados de outras mídias faz do

fotojornalismo uma mensagem estruturada em símbolos agregados em uma

determinada sociedade que acompanha os fatos e que são temporais, além de

localizados em espaços que pertencem a determinada comunidade. A interação

entre os diversos códigos estimula a compreensão da fotografia na imprensa de

forma conduzida e o pacto de leitura das mensagens informativas no fotojornalismo

de forma estandardizada. Ou seja, a partir das superfícies da imagem e dos outros

elementos que compõem a mensagem objetivam-se potencializar o caráter

conotativo da mensagem no fotojornalismo, estimula-se a leitura codificada da

informação e a compreensão da informação mais direcionada e uniforme entre os

interpretantes.

Entretanto, existe a potencialização do caráter conotativo no fotojornalismo

com demonstrações de experiências para além da objetividade jornalística e das

apresentações de realidades sociais. A constituição da mensagem na fotografia de

notícias da atualidade se estabelece através de paradoxos à medida que, através do

fotojornalismo convencional, busca-se a neutralidade, a objetividade, que se esforça

em copiar a realidade. No entanto, o fotojornalismo contemporâneo vai usar os

elementos simbólicos presentes em outros universos lúdicos e imaginários como a

publicidade, a gravura, a pintura e elementos gráficos para apresentar a sociedade

deste século XXI.

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A fotografia de uma personalidade não seria nada mais que um boneco10, um

retrato. A superfície dessa imagem tenderia à polissemia da mídia e, portanto, uma

mensagem sem código. Entretanto, o diálogo com outros recursos imagéticos

provoca novas sensações, novas experiências no interpretante, transgressões que

tensionam os sentidos e significados. As superfícies das imagens estabelecem

relações que dependem da cognição, tendem ao caráter conotativo de acordo com a

sociedade que identifica as mensagens pela experiência que tem do objeto referente

proveniente das realidades de determinado contexto histórico, espacial e sócio-

cultural do homem.

Nos processos de produção de mensagens no fotojornalismo, as

transgressões manifestam-se através do diálogo com outros símbolos que tensionam

e afetam as formas do homem contemporâneo em relacionar-se com a mídia. A

apresentação de informações fotojornalísticas, dessa forma, demonstra as

transgressões, as experimentações, um tanto quanto novas para a sociedade atual.

O diálogo interativo apresentado pelo fotojornalismo contemporâneo demonstra as

tensões entre os processos tradicionais e os que se estabelecem por construção de

informação que sofrem a influência das novas formas do homem se relacionar com

as imagens.

Destaque-se que um dos fatores que afetam as produções de mensagens no

fotojornalismo da contemporaneidade é a chegada das novas tecnologias e a

expansão dos processos de produção através das mídias digitais, no final do séc.

XX, que alteram as formas de a sociedade interagir com a informação. O homem

contemporâneo enfrenta uma série de mudanças comportamentais nos processos

comunicativos e não há como escapar das reflexões que se referem às 10 O boneco (jargão jornalístico) é a foto de apenas uma pessoa que tem ciência que está sendo fotografado para matéria jornalística. Pode ser feito em entrevista coletiva, exclusiva, palestra ou depoimento para cobertura mais abrangente.

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potencialidades das mídias digitais e do acesso à informação através da Internet. Há

de se reconhecer que este não é o fator único que interfere nos processos de

produção de mensagens e interações dos processos comunicativos da sociedade

atual, mas que promove potencializações nas transformações sociais e afetam,

sobremaneira, as formas do homem se relacionar com a informação.

Para Júlio Pinto (2002), a fotografia percebe, na contemporaneidade, um

deslocamento em torno do conceito de mídia de “representação” para experimentar-

se como mídia de “apresentação” (Grifos nosso.). Segundo o autor, “[...] imagens

montadas na própria máquina exibem algo que difere da imagem tradicional ou em

sua fonte [...]”, ou nos procedimentos de edição e pós-edição que transformam o que

seria a imagem original em algo para além da “[...] realidade atual, o que seria um

efeito de hiper-realidade [...]” (PINTO, 2002, p. 163) com a presença de elementos

próprios de realidades pessoais dos sujeitos no processo comunicativo. Esse autor

completa ao dizer que “Parece, com isso, ter havido uma migração conceitual ou

enevoamento maior das fronteiras entre a realidade atual e a virtual.” (PINTO, 2002,

p. 163). Essas reflexões de Pinto (2002) se referem aos processos de escaneamento

de imagens, fotografias digitais na Web, Internet ou outros media que aproveitam as

fontes fotográficas para criar ou produzir imagens de síntese, mas é possível

perceber que a “[...] marca inegável da imagem digital [...]” (PINTO, 2002, p. 163) se

manifesta também no fotojornalismo e promove um deslocamento da mimese nas

fotografias de notícia.

Acredita-se, pois, que a transferência de percepção da mídia fotográfica é

resultado, também, do surgimento e desenvolvimento de ferramentas tecnológicas

para o ambiente do fotojornalismo que permitem experimentações mais abrangentes

que no período anterior, quando as limitações do aparelho convencional foram

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maiores que os equipamentos digitais do séc. XXI. Os recursos oferecidos pelas

câmeras digitais e pelos programas de tratamento de imagens (softwares como

photoshop, paint, corel etc.) permitem ao fotojornalismo mais praticidade e

instantaneidade na produção de mensagens para imprensa.

Destaca-se que alterações nas fotografias como retirada e colocação de

elementos que não pertençam ao universo das realidades dos fatos fere o Código de

Ética da profissão, além da Lei de Direito Autoral, e por isso, condenável no campo

do fotojornalismo. Hoje, de acordo com a relevância da pauta, o repórter fotográfico

pode enviar para a redação as imagens da cobertura sem ter que retornar à redação.

O envio das mensagens pode ser através dos computadores portáteis, móveis ou

através do aparelho de celular.

A versatilidade para a realização das coberturas é, também, um dos aspectos

que leva a crer que há, no fotojornalismo da contemporaneidade, a potencialização

no uso dos aspectos conotativos na superfície fotográfica em detrimento dos

elementos denotativos e demonstra que as fotografias de notícias se aproximam

cada vez mais das mídias de apresentações, não mais de realidades, mas de

imaginários. É, pois, no encalço das reflexões de Júlio Pinto (2002) e, por isso,

utilizado o termo “apresentação de realidades no fotojornalismo” (Grifo nosso.) desde

o início desta pesquisa. PINTO (2002) acredita que esse deslocamento se

potencializa a partir do final do séc. XX com os processos de digitalização da

imagem e com novos formatos de comunicação que interferem e influenciam as

relações entre o homem e o acesso às mídias informativas através de recursos

tecnológicos, principalmente os digitais.

Este estudo não pretende aprofundar nas especificidades das novas

interações midiáticas através da Web, mas apenas contextualizar o objeto dessa

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reflexão e apontar para a compreensão de que, historicamente, o surgimento de

outras roupagens tecnológicas suscita novos comportamentos nas formas de

comunicação entre os homens. Recorre-se, então, a Júlio Pinto (2002) que

recomenda que “[...] essa discussão, naturalmente, tem a ver com as velhas

indagações sobre a mimese [...]” (PINTO, 2002, p. 163) na qual surge um efeito de

hiperrealidade nas formas de produção de mensagens por meio de imagens nas

quais ficam evidentes as realidades pessoais.

Nesses estatutos da imagem “objetiva”, havia a imagem lá fora, e havia a imagem mental que se fazia da imagem lá de fora, e a ênfase que se desse a uma ou a outra determinava o tipo de caráter mimético da imagem. Ora, o debate agora se deslocou da objetividade das imagens para sua atualidade. (PINTO, 2002, p. 164).

Assim como a luz conceitual trazida por Pinto (2002), há de se acreditar que o

fotojornalismo diário, na contemporaneidade, deixa de privilegiar representações de

realidades para mostrar, apresentar, demonstrar, contextualizar, narrar histórias para

além dos aspectos denotativos da mensagem contida na superfície fotográfica. Em

outras palavras, são percebidos traços das subjetividades do autor nas coberturas

fotojornalísticas na imprensa atual. Além, mesmo, do relacionamento da mídia com

outros recursos imagéticos ou textuais, e o processo de edição, que contribuem para

o deslocamento de representação para a apresentação de realidades de maneira

que tensiona os formatos convencionais de fotografia de notícias.

A apresentação (aqui contrastando com a noção de representação) operada pela mera justaposição isso aquilo coloca um outro tipo de mimese que não mais quer representar, mas mostrar. Trata-se por isso, da redução da representação (pensada semioticamente como produção de um interpretante que resulta da referência de um signo a um objeto) à pura constatação da presença do signo. Em outras palavras, privilegia-se o fato de o signo estar lá e não o fato de ele querer dizer. (PINTO, 2002. p.169).

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No fotojornalismo contemporâneo, o caráter dos elementos que compõem os

acontecimentos estar lá é privilegiado e perdura por um certo tempo, mas o querer

dizer predomina na produção de mensagens através das imagens de notícias. Ou

seja, o que importa ao fotojornalismo contemporâneo é mostrar que algo aconteceu,

mas o como aconteceu demonstra diversas novas formas ou potencializações de

experiências do fotojornalismo de representações que se aproximam de imaginários,

seja do autor, ou da própria sociedade que enfrenta, hoje, novas maneiras de se

relacionar com as mídias de informação.

Recorde-se que a imprensa contemporânea perpassa pela experiência

conturbadora de concorrência entre os formatos das mídias tradicionais (jornais e

revistas) e as digitais (Webjornais). Em outras palavras, a sociedade usufrui dos

ambientes da Ciberesfera para explorar formas de comunicação variadas que

estimulam propostas recriadoras dos processos tradicionais ou experiências que

potencializam as estruturas dos meios de comunicação já consolidados e que vão

estabelecer alterações nos processos de produção de informação e das interações

sóciocomunicacionais. O volume e a velocidade de disponibilização de informações

pela Web influenciam, sobremaneira, as formas de produção de mensagens nas

mídias em formatos tradicionais, assim como, no fotojornalismo.

A partir anos 1990, as tecnologias digitais e as ferramentas para produção de

informação desenvolvem-se de tal forma que afetam e provocam, com freqüência,

alterações que interferem nas formas de o homem se relacionar com a fotografia.

Aspectos de produção com mais praticidade, em função do acesso à mídia pelas

reduções de custo e manuseio do aparelho, possibilidades de publicação de maior

volume de imagens das coberturas nas janelas do computador (as páginas do

impresso apresentam limites pelo número restrito das páginas), a tentativa da

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instantaneidade, na qual as fotografias são disponibilizadas quase em tempo real,

dentre outras possibilidades, promovem potencializações de interação entre a

fotografia e os sujeitos dos processos comunicativos para a produção se

mensagens.

Esses processos de transformação são entendidos não como rupturas, mas

potencializações de determinados elementos utilizados na imprensa tradicional em

busca de encontrar outras formas de interação entre a mensagem produzida e os

sujeitos de comunicação. A esse respeito, Flusser (1998) informa que:

Antes da revolução industrial, os instrumentos cercavam os homens; depois era a constante da relação e o instrumento era a variável; depois, a máquina passou a ser relativamente constante. Antes os instrumentos funcionavam em função do homem; depois grande parte da humanidade passou a funcionar em função das máquinas. (FLUSSER, 1998, p. 41).

A fotografia de imprensa experimenta, neste momento, liberdades para

criação no relacionamento com as mídias imagéticas para informação. Para vencer

os novos desafios e tentar romper as potencialidades da Web, o fotojornalismo

busca novas experiências para produzir sentido e avançar para além de

representações de realidades. O fotojornalismo contemporâneo procura adequações

para a construção de informações e se aproxima da esfera do imaginário social e se

modifica para mídia de apresentações. Júlio Pinto (2002, p. 164) ressalta que “[...] as

verdades vão se alterando e as percepções vão se alinhando com essas mudanças.”

Assim, Pinto (2002) acrescenta que o debate nas imagens técnicas se

desloca da esfera da objetividade para sua atualidade, assim como indicado por

Virilio (1999). Ao beber na fonte dos pensadores vai-se identificar que as imagens no

fotojornalismo contemporâneo deixam de buscar formas de representações das

realidades para apresentar virtualidades instrumentais, imaginários, da vida

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cotidiana. O homem da atualidade, acredita-se, procura mais do que as

representações de realidades do fotojornalismo nos padrões já estabelecidos. O

desejo da sociedade contemporânea é distanciar-se do choque, do susto, do horror

e aproximar-se da poesia, da magia, do imaginário. Barthes (1990) postula que

imagens de acidentes, naufrágios, incêndios e catástrofes, ou seja, coberturas de

tragédias carregam consigo a certeza de que os fatos realmente aconteceram, mas

são cenas que nada se tem a dizer. Segundo o autor, a foto-choque apresenta mais

elementos denotativos e “[...] quanto mais direto é o trauma, mais difícil a conotação

[...].” (BARTHES, 1990, p. 24).

Entretanto, observa-se que, até nas imagens de tragédias, o fotojornalismo

contemporâneo experimenta novas formas de apresentar os fatos, como se,

potencializando, explorando, os elementos sígnicos da dor dos sujeitos envolvidos

nas catástrofes e que suscitam mais imaginários sobre aquilo que realmente

aconteceu. A exemplo desse aspecto, recorda-se a cobertura publicada em diversos

jornais e revistas do mundo sobre o atentado na escola de Beslan11, na Rússia, em

03 de setembro de 2004.

Nas coberturas publicadas, foi percebido o aproveitamento de fotografias que

exploraram elementos conceituados pelo ambiente do jornalismo como

sensacionalista, pois demonstraram pais, mães, parentes e amigos em desespero

sem que se observassem a história e a causa dos terroristas, ou seja, as linhas

editoriais deixaram de seguir a trilha da objetividade de reportar ambos os aspectos

dos acontecimentos. Assim, a marca daqueles que produziram as mensagens 11 Na manhã de 1 de setembro de 2004, um grupo de 30 homens e mulheres armados e munidos com cintos de explosivos, tomou de assalto a escola de Beslan, na Ossétia do Norte, encerrando várias centenas de reféns. O terror prolongou-se até ao dia 3 de setembro. O comando ameaçou matar 50 crianças por cada um dos seus combatentes morto e 20 por cada ferido. O balanço do seqüestro acabaria por ter os mais temidos indicadores: 323 mortos, entre os quais 156 crianças. Disponível em < >. Acesso em 20 de outubro 2008.

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(repórteres fotográficos, jornalistas, editores e linha editorial do veículo) aparece nas

superfícies da notícia de forma transparente, sem opacidade.

Com isso, há de se acreditar que o fotojornalismo atual experimenta novas

potencialidades para apresentar o imaginário social e o distanciamento das

realidades. O lúdico e imaginário social é aquilo que não está presente no cotidiano,

mas na alma de quem se relaciona com a mídia. Encontra-se um mundo novo, não

mais de representações, mas de apresentações de realidades ficcionalizadas, de

formas diferenciadas do homem se relacionar com as mídias de informação. Assim

como ocorre na fotografia publicitária, o interpretante no fotojornalismo quer estímulo

para realizar desejos, saciar anseios, se afastar da dor da dureza do mundo real.

O pacto de leitura e compreensão estabelecido na fotografia de produtos,

idéias e marcas, a publicidade, demonstra a busca por estimular sonhos, desejos,

um modo de ser ou viver mesmo que para isso necessite de elementos simbólicos

retirados da realidade. Para Barthes (1990), a fotografia publicitária é franca,

demonstra a que veio e está ligada à raiz imitari e de certa maneira limite do sentido.

[...] em publicidade, a significação da imagem é, certamente, intencional: são certos atributos do produto que formam a priori os significados da mensagem publicitária, e estes significados devem ser transmitidos tão claramente quanto possível; se a imagem contém signos, teremos certeza que, em publicidade, esses signos são plenos, formados com vista a uma melhor leitura: a mensagem publicitária é franca, ou pelo menos, enfática. (BARTHES, 1990, p. 28).

Perceptível é, que, no ambiente da publicidade, a fotografia demonstra

superfícies para além de realidades, mas se realiza por meio de estruturas próprias,

talvez até, de pinturas. E, hoje, afetada pelas novas ferramentas tecnológicas,

também, experimenta recursos que a aproxima cada vez mais de imaginários. É

sabido que, com o objetivo de vender, a fotografia na publicidade deixa de ofertar

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produtos para vender sonhos e desejos, e mais, estilos de vida, “[...] remete à

espiritualidade, que é uma maneira de ser, não objeto de uma mensagem

estruturada.” (BARTHES, 1990, p. 19).

À fotografia publicitária pouco importa se o objeto esteve lá, interessa ao

homem os elementos sígnicos que interagem com a mensagem e que afetam,

estimulam e o levam-no ao desejo de absorver determinada significação essencial

sobre o que está inscrito no anúncio. Para Paul Virilio (1993), nenhuma

representação escapa ao caráter sugestivo, ou seja, a razão de ser da fotografia no

ambiente da publicidade e, ainda, a qualidade técnica das superfícies tendem a se

ocultar, pois no apelo das mensagens o mais relevante é o estímulo à ficção na

mente dos sujeitos que manifestam a experiência com a mídia.

A qualidade gráfica ou fotográfica dessa imagem, sua alta definição, como dizemos, não são mais aqui as garantias de alguma estética da precisão, da nitidez fotográfica, mas apenas a busca de um relevo, de uma terceira dimensão que seria a própria projeção da mensagem, de uma mensagem publicitária que tenta atingir, através de nossos olhares, essa profundidade, essa espessura de sentidos que tão cruelmente lhe falta. (VIRILIO, 1993, p. 130).

Que o fotojornalismo contemporâneo estabelece um diálogo com a fotografia

publicitária é possível confiar, pois demonstra a presença de signos oriundos do

pacto de leitura percebidos no ambiente da publicidade o que permite a

potencialização da fotografia de notícias com mídia híbrida, ou seja, a apresentação

de superfícies que demonstram realidades, mas que experimentam elementos de

estímulo ao imaginário. Para Virilio (1993), existe uma ligeira idéia das virtualidades

e, no fim do sec. XX, a modernidade é marcada pelo encerramento da lógica da

representação pública que promove o “[...] delírio da interpretação jornalística, que

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envolve, ainda hoje, essas tecnologias, assim como a proliferação e a obsolescência

dos diferentes materiais informáticos e audiovisuais.” (VIRILIO, 1993, p. 131).

Em outras palavras, há de se perceber que a fotografia, no campo de

conhecimento da Comunicação Social, seja na Publicidade ou no Jornalismo,

experimenta transformações diversas em função de vários aspectos, dentre eles as

tecnologias digitais e as mídias na Web de maneira que migram de um ambiente

para outro sem que se possa distinguir ou definir a pureza das mensagens como nos

formatos convencionais, se é que um dia isso foi possível. As superfícies fotográficas

convencionais demonstravam-se mais distintas, mais fáceis de definir as mensagens

contidas nelas até o final do sec. XX. Agora, no séc. XXI, elas se transformam e se

tornam mais híbridas, uma vez que, estabelecem diálogos entre si, ou seja, surgem

potencializações de utilização dos signos da fotografia publicitária com elementos do

universo do jornalismo e fotojornalismo com elementos simbólicos encontrados no

campo da publicidade.

Para Paul Virilio (1993), a sociedade vivencia a era das virtualidades

comunicativas e no mundo de transparências a representação cede lugar às

apresentações públicas no qual é a imagem que percebe o homem e não o homem

percebe as imagens.

Essa virtualidade que domina a atualidade, perturbando a própria noção de “realidade”. Daí onde essa crise das representações públicas tradicionais (gráficas, fotográficas, cinematográficas...) em benefício de uma apresentação, de uma presença paradoxal, tele-presença à distância do objeto ou do ser que suplanta a própria existência, aqui e agora. (VIRILIO, 1993, p. 131).

Há como provável que, no fotojornalismo contemporâneo, o operador esteve

lá (certificado de presença), mas, agora, o que importa é o como ele percebeu os

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fatos, como se apropriou das objetividades do aparelho e trouxe suas impressões

pessoais, suas cicatrizes, suas subjetividades. Importa, hoje, a forma como o homem

viu, selecionou, organizou ou arranjou os diversos elementos simbólicos na

superfície das imagens impressas nas páginas do jornal. A experiência de vida do

fotojornalista aparece nas imagens capturadas por ele e nas mensagens construídas

pelo autor, mesmo que o propósito seja a busca de imparcialidade nas coberturas

das pautas diárias. A formação pessoal do sujeito afeta os processos comunicativos

como foi demonstrado, anteriormente, quando das reflexões sobre intencionalidade.

Barthes (1990, p. 21) acrescenta que os códigos da fotografia são históricos,

culturais e “[...] código em que signos são gestos, atitudes, expressões, cores ou

efeitos, dotados de certos sentido em virtude dos usos de uma determinada

sociedade.” Assim como Barthes (1990), é possível entender a existência de

ligações entre significantes significados motivados por elementos que constituem a

história das sociedades envolvidas nos processos comunicativos.

Tudo o que podemos dizer é que o homem moderno projeta na leitura da fotografia sentimentos e valores caracteriais, ou eternos, isto é, infra - ou trans-históricos, que a significação é sempre elaborada por uma sociedade ou por uma história definidas: a significação é, em suma, o movimento dialético que resolve a contradição entre o homem cultural e o homem natural. (BARTHES, 1990, p. 21).

O processo de construção de mensagens informativas através da imagem

fotográfica surge, ainda, a partir da escolha pela inserção ou retirada de elementos,

objetos e pessoas, no ato da cobertura dos fatos, pela opção do homem que opera o

aparelho, no momento de se decidir o instante do clik fotográfico. Há outras etapas

de relacionamento com a superfície fotográfica: a edição, o corte e a escolha da

publicação vertical ou horizontal que refletem, objetiva e subjetivamente, na forma da

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leitura da mensagem. De acordo com Ivan Lima (1988), as fotografias horizontais,

em princípio, remetem à sensação de tranquilidade e as imagens verticais, ao

movimento.

Walter Benjamin (1994) já afirmava que, pelos indícios que ele contém, o

processo de fotografar as ruas permite que as fotos se transformem em autos da

história e que demonstra sua significação política latente. O fotojornalismo diário tem

como base estrutural a fotografia dos acontecimentos nas ruas e ambientes sociais.

Essas fotos orientam a recepção num sentido predeterminado. A contemplação livre não lhes é adequada. Elas inquietam o observador, que pressente que deve seguir um caminho definido para se aproximar delas. Ao mesmo tempo, as revistas ilustradas começam a mostrar-lhe indicadores de caminho – verdadeiros ou falsos, pouco importa. (BENJAMIN, 1996, p. 174).

Na linha de Benjamin (1996), há de se entender que o fotojornalismo possui

um sentido predeterminado e a combinação dos elementos simbólicos que o compõe

permite o diálogo com outros signos que interagem entre si. “Nas revistas, as

legendas explicativas se tornam, pela primeira vez, obrigatórias.” (BENJAMIN, 1996,

p. 175). A participação direta da legenda, de texto e dos recursos gráficos como

elementos fundamentais para compreensão das imagens de notícias permitem a

redução da polissemia da mídia transformando-a em uma mensagem codificada. Ou,

como esclarece Roland Barthes (1990):

A conotação, isto é, a imposição de um sentidos segundo à mensagem fotográfica propriamente dita, elabora-se nos diferentes níveis de produção da fotografia ( escolha, processamento técnico, enquadramento, diagramação): é, em suma, uma codificação do análogo fotográfico; é pois, possível depreender os procedimentos de conotação; mas, é necessário lembrar que esses procedimentos nada têm a ver com as unidades de significação que uma análise posterior -- do tipo semântico – possibilitará, talvez um dia, definir: não fazem propriamente parte da estrutura fotográfica. (BARTHES, 1990, p. 15).

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De acordo com Boris Kossoy (2002), a utilização de imagens fotográficas

funciona de forma ambígua como testemunho/criação a partir do processo de

criação/construção do fotógrafo. Para esse autor, o resultado é “[...] um produto

estético-documental que parte do real enquanto matéria prima visível, mas que é

elaborado ao longo da produção fotográfica em conformidade com a visão de mundo

do seu autor.” (KOSSOY, 2002, p. 76). Na imprensa, a fotografia é o resultado desse

processo de criação-construção técnico, cultural e estético elaborado pelo repórter

fotográfico e pela equipe de edição envolvida.

Assim como Kossoy (2002), a imagem de qualquer objeto ou situação

documentada pode ser dramatizada ou estilizada, de acordo com a ênfase

pretendida pelo profissional e em função da linha editorial do veículo, do objetivo,

dos interesses ou aplicações a que se destinam. “[...] haverá sempre um complexo e

fascinante processo de construção de realidades”, afirma o autor. (KOSSOY, 2002,

p.78).

Na década de 40 (séc. XX), Henry Cartier-Bresson (1908-2004) apontava para

a estrutura do fotojornalismo contemporâneo ancorada ao que definiu como “O

momento decisivo.” (Grifo nosso.). Mensagens são construídas a partir do instante

único no qual os fatos acontecem e que somente podem ser registrados pelo

aparelho fotográfico: uma fração de segundos que jamais se repete. Referência para

o fotojornalismo, o olho do séc. XX, Bresson fundamenta, por volta dos anos de

1940, o princípio da mensagem no fotojornalismo da contemporaneidade.

O momento decisivo de Bresson é um marco histórico importante na tentativa

de romper com as limitações do aparelho e dar mais liberdade ao olho, às formas do

homem enxergar os acontecimentos sociais. A decisão de apertar o botão disparador

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se realiza mentalmente e acontece em uma fração de segundos que o olho não vê, o

olho imagina, mas que a câmera fotográfica é capaz de registrar.

Começam a surgir, a partir do conceito de momento decisivo no

fotojornalismo, as tentativas de agir em prol do esgotamento do programa contido no

interior do equipamento e, como aponta Flusser (1998), a busca pelo rompimento

das restrições impostas pelo aparelho. Mesmo limitado pelos recursos da câmera, o

repórter fotográfico cria e recria mensagens construídas através das situações

instantâneas do cotidiano social.

As fotografias são realizações de algumas potencialidades inscritas no aparelho. O número de potencialidades é grande, mas limitado; é a soma de todas as fotografias fotografáveis por este aparelho. A cada fotografia realizada, diminui o número de potencialidades aumentando o número de realização: o programa vai-se esgotando e o universo fotográfico vai-se realizando. (FLUSSER, 1998, p. 43).

No fotojornalismo convencional, os norteadores de produção de mensagens

recomendam que as fotografias não devem sofrer a interferência direta do operador

do aparelho, exceto pela opção subjetiva de escolher os elementos referentes que

vão compor a imagem, o enquadramento, a composição e a decisão de se apertar o

botão naquele momento preciso, único, e que é decidido pelo repórter fotográfico. A

trilha iniciada por Bresson referencia uma legião de profissionais que o acompanha

nos caminhos do momento decisivo, mas outros fotojornalistas partem para novas

experimentações que tensionam os processos e intencionam por descobrir formas

para romper com “input e o output da caixa preta” (FLUSSER, 1998, p. 44). Ou seja,

algumas coberturas fotojornalísticas apresentam-se com intuito de avançar para

além das estruturas que utilizam apenas os registros dos momentos únicos e recriam

novas realidades, demonstrando um pouco mais a presença do homem no processo

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de construção de mensagens. A exemplo das potencialidades desse fotojornalismo

mais ousado, vêm-se surgir trabalhos com características documentais por meio dos

elementos simbólicos dos ambientes sociais que narram histórias a partir do olhar

participante do autor, do fotógrafo, e o contrato de leitura estabelecido através da

mídia.

Os diversos elementos são contribuintes do encaminhamento da tendência do

hibridismo nas mídias de informação. Dentre eles, deve ser relembrado que, no final

do séc. XX, houve o desenvolvimento de lentes fotográficas mais eficientes e

aparelhos com recursos mais modernos que permitem experimentações diversas e

estimulam a liberdade de criação do homem. As câmeras fotográficas já poderiam

enxergar objetos mais distantes com as poderosas teleobjetivas12 ou registrar maior

volume de pessoas em ambientes pequenos com as grande angulares13, ou/e, ainda,

parar a asa de um beija-flor em pleno vôo com velocidades de obturador cada vez

mais altas.

São instrumentos inteligentes. Podem, portanto, substituir o trabalho humano. Emancipam o homem do trabalho, libertando-o para o jogo. O aparelho fotográfico ilustra o facto: enquanto objecto está programado para produzir, automaticamente, fotografias. Neste aspecto, é um instrumento inteligente. E o fotógrafo emancipado do trabalho, é libertado para brincar com o aparelho. (FLUSSER, 1998, p. 45-6).

12 Lentes Teleobjetivas: permitem ampliar as imagens de objetos distantes e, ao mesmo tempo, criar efeitos visuais incomuns, pois distorcem as distâncias achatando os objetos; eles parecem estar mais próximos uns dos outros do que na verdade estão. As Teles possuem menor profundidade de campo para o mesmo diafragma dos outros tipos de lentes. Esses tipos de lentes correspondem ao olhar clandestino e bisbilhoteiro de quem rouba uma imagem à longa distância. São ideais para esportes. Pelo seu campo visual reduzido, exige recortes extremamente bem feitos, foco apurado. 13 Grande angular: objetiva fotográfica que permite captar uma cena inteira, mesmo a curta distância, distorcem a perspectiva jogando as linhas verticais para o centro da cena. Objetos no primeiro plano adquirem impressão de serem maiores do que na verdade o são. Essas distorções criam um tipo de imagem expressionista sem, no entanto, alterar a fidelidade ao código perspectivo. Permitem fotografar em condições de baixas luzes, pois possuem maior profundidade de campo (abaixo da lente normal temos as lentes grande angulares).

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O aparelho, apesar de ainda conter limitações, oferece mais recursos para

que a imaginação do homem seja provocada e surgem as fotos produzidas com o

olhar particular do fotojornalista. Em um primeiro momento, final do séc. XIX, houve

resistência dos editores em publicar essas fotos elaboradas com interferência direta

do repórter fotográfico, mas, aos poucos, o procedimento foi reconhecido como um

avanço na construção da mensagem e da informação pela fotografia. As fotos

produzidas, contextualizadas, com interferência do fotojornalista passam a fazer

parte do cotidiano da comunicação, a ser reconhecidas como novas formas de

informação e tornam-se marca do trabalho de diversos profissionais e de linhas

editoriais.

No final do séc. XX, as capas dos jornais e das revistas começam a privilegiar

a publicação de fotos produzidas, mais elaboradas e, juntamente, com as fotos

estruturadas pelo momento decisivo, tornam-se mídias freqüentes na imprensa que

interagem e estabelecem o diálogo com os demais recursos de informações:

infografias, charges, textos, títulos, legendas, ilustrações etc. Reafirma-se, pois, o

dito do autor Jorge Pedro Sousa (2002, p. 9) de que ”[...] a fotografia é

ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informações, daí que tenha de

ser complementada com textos que orienta construção de sentido para a

mensagem.”

Do mesmo modo que Flusser (1998) entende, o contexto histórico aponta

para a era das imagens e que, hoje, mensagens imagéticas são operacionalizadas a

partir das “máquinas de visão.” (VIRILIO, 1999, p. 127). A fotografia migra do seu

tradicional status de mídia de representação para assumir novas funcionalidades

como, agora, as formas e os elementos simbólicos das mídias de apresentação.

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Paul Klee, citado por Virilio (1999, p. 127), afirma que “Agora os objetos me

percebem.” Para Virilio (1999), as câmeras fotográficas são exemplos de máquinas

de visão que promovem a automação das formas de representação pela imagem,

pois a construção das mensagens se estrutura a partir da máquina para a

interpretação pelas máquinas. O homem vive o momento da automação da

percepção. “Não se fala da produção, em breve, de “máquinas de visão”, capazes

não só de reconhecer os contornos das formas, mas também da interpretação

completa do campo visual, da representação, próxima ou distante, de um ambiente?”

(VIRILIO, 1999, p. 127). Virilio (1999) atenta para o fato de que o homem

contemporâneo vive, ainda, o momento da industrialização da visão.

A implantação de um verdadeiro mercado da percepção sintética, com todas as questões éticas que isto implica, não apenas as relativas ao controle e vigilância com delírio persecutório implícito, mas sobretudo a questão filosófica dos desdobramento do ponto de vista, essa divisão da percepção do ambiente entre o animado, o sujeito vivo, e o inanimado, o objeto, a máquina de visão. (VIRILIO, 1999, p. 127).

Na trilha de Virilio (1999), é possível acreditar que, como as imagens são

produzidas pelas máquinas e para as máquinas, há como conseqüência a alteração

da percepção sobre os produtos midiáticos. A percepção se torna automatizada e

funciona como uma espécie de imaginário, no qual os sujeitos no processo de

comunicação se tornam autômatos e o homem tende a ser, totalmente, excluído.

Para esse autor, o “[...] debate filosófico deslocou-se da questão da objetividade das

imagens mentais para a questão da sua atualidade.” (VIRILIO, 1999, p. 128).

Ocorre, então, o deslocamento de produção de mensagens através do

fotojornalismo que, na contemporaneidade, experimenta o universo das

apresentações e tende a obsolecer a esfera das representações, ou seja, o formato

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tradicional de fotojornalismo consolidado desde o séc. XX. Nesse momento, torna-se

mais importante dominar a coisa representada do que as formas de mostrar ou

demonstrar o real. As novas relações sócio midiáticas entre os sujeitos demonstram

que há uma perturbação da própria noção de realidade.

Nessa era das imagens, os formatos de mídia a partir das apresentações

fotográficas vão se potencializando e, quanto mais fotografias são feitas, mais são

vencidos os limites aparelho e a abertura da caixa preta (FLUSSER, 1998) tende ao

infinito. Ainda, recuperando o pensamento de Virilio (1999, p.131), o hibridismo

latente no fotojornalismo contemporâneo deixa identificar elementos simbólicos

constituintes da fotografia publicitária, cada vez mais, presentes na fotografia de

informação.

Podemos reencontrar essa inversão da percepção, essa sugestão da fotografia publicitária em todas as escalas, sobre os painéis como nos jornais ou revistas; nenhuma dessas representações escapa a esse caráter sugestivo que é a razão de ser da publicidade. (VIRILIO, 1999, p. 130).

Para a compreensão da contrapartida entre a fotografia na publicidade e no

fotojornalismo as demonstrações fotográficas no campo da publicidade sugerem um

pacto de interação com o estímulo aos desejos, aos anseios, aos sonhos de

conquista e de poder, de superação de dificuldades. Ou seja, a anterioridade na

fotografia de propaganda percorre o mundo mais lúdico, mágico e imaginário. Virilio

(1999) aponta que há na foto publicitária a busca por uma terceira dimensão que

seria a própria projeção da mensagem fotográfica que tenta atingir, através dos

olhares, certa profundidade, uma espessura de sentidos que não mais pertence à

qualidade da imagem. O que importa na mensagem publicitária não é sua alta

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definição ou qualidade técnica, e talvez até a estética, mas “o caráter sugestivo que

é a razão de ser da publicidade.” (VIRILIO, 1999, p. 130).

Há de se estabelecer o paralelo do pensamento de Virilio (1999) e Barthes

(1990) para compreender que a fotografia contemporânea transmite mensagens que

se interagem de forma que o estatuto de leitura do ambiente freqüentado por uma

dialoga com a outra; fotografias para publicidade com elementos simbólicos de

apresentações de realidades e fotografias de notícias com signos da esfera do

imaginário. No campo da publicidade, citem-se as campanhas da marca Benneton,

realizadas pelo fotógrafo publicitário italiano, Oliviero Toscani, que valorizam a

imagem da empresa com temas que privilegiam discussões que provocam

discussões na sociedade como racismo, diferenças econômicas, preconceito sexual,

e mais recentemente uma campanha de combate à anorexia, o mal das modelos e

manequins escravas no mundo da moda.

Como exemplo, destacam-se alguns desafios da imprensa no Brasil, tais a

reformulação de projetos gráficos como o Jornal do Brasil que reduziu as dimensões

das páginas e aumentou o tamanho das fotos. Foi observada a utilização de mais

fotos, imagens em tamanhos maiores (algumas ocupam páginas inteiras), espaços

em branco e páginas com infografias e ilustrações que estabelecem interações

midiáticas com imagens fotográficas.

Considera-se que o fotojornalismo demanda a utilização de outros signos e

contextualização espaço temporal para sua compreensão. Outro aspecto a respeito

do pacto de leitura sobre fotografias de notícias refere-se ao caráter conotativo da

mídia que, para o desnudamento das mensagens no fotojornalismo, é,

fundamentalmente, histórico, cultural e social. Dependem do contexto no qual estão

inseridas e do “[...] saber do leitor, tal como se fosse uma verdadeira língua,

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inteligível apenas para aqueles que aprenderam seus signos.” (BARTHES, 1990, p.

22).

Para além dos interesses ideológicos, fatores como o período histórico dos

acontecimentos e a ambientação nos quais os fatos se processam são elementos

relevantes para a compreensão das formas de interação entre as mensagens e os

sujeitos no processo comunicativo através do fotojornalismo. É, pois, importante

resgatar a reflexão do modo como se organiza a percepção humana, as formas de

comunicação de apreensão da informação, o meio no qual está inserida, que não

ocorre naturalmente, mas dentro em um contexto histórico/temporal. (BENJAMIN,

1996).

Assim como Benjamin (1996), Boris Kossoy (2002) acredita que as imagens

são produzidas com alguma preocupação de trazer elementos simbólicos da

sociedade e em determinada época. O exemplo dessa discussão sócio/político e

temporal de Kossoy (2002) pode ser demonstrado pelo olhar lançado por ele sobre

as fotografias realizadas no período do Brasil Colônia, e a influência do domínio

ideológico e cultural europeu, que exibiam elementos contextualizadores daquela

época.

Essas fotos foram tomadas já num momento de contestações de toda ordem que vinham de diferentes setores da sociedade. É de se supor que Pedro II pretendia com essas imagens enfatizar simbolicamente a existência concreta de uma civilização nos trópicos, ele mesmo, símbolo maior desse projeto ideológico. (KOSSOY, 2002, p. 79).

O autor demonstra que fotografia como testemunha de realidades é, portanto,

utilizada para propagar códigos simbólicos de identidades sociais, econômicas,

políticas de acordo com a ideologia predominante em dado momento histórico.

Barthes (1990, p.21) acrescenta que os códigos da fotografia são históricos, culturais

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e “[...] código em que signos são gestos, atitudes, expressões, cores ou efeitos,

dotados de certos sentido em virtude dos usos de uma determinada sociedade.” Se

se pensa com Barthes (1990), é possível aceitar a existência de ligações entre

significantes e significados que são motivados por elementos que constituem a

história das sociedades envolvidas nos processos comunicativos.

Tudo o que podemos dizer é que o homem moderno projeta na leitura da fotografia sentimentos e valores caracteriais, ou eternos, ou eternos, isto é, infra- ou trans-históricos, que a significação é sempre elaborada por uma sociedade ou por uma história definidas: a significação é, em suma, o movimento dialético que resolve a contradição entre o homem cultural e o homem natural. (BARTHES, 1990, p. 21).

A partir da recuperação dessas reflexões, o pensamento de que o

fotojornalismo se presta a registrar os movimentos sócios, políticos, culturais e

econômicos de determinadas sociedades é retomado e, também, que o ambiente e o

momento histórico devem ser considerados para que se avancem as observações

dos elementos simbólicos que se tornam representativos para cada povo.

Flusser (1998) percorre esse mesmo entendimento e afirma que “[...] a

fotografia vai modelando os seus receptores. Estes reconhecem nela forças ocultas

inefáveis, vivenciam concretamente o efeito de tais forças e agem ritualmente para

propiciar tais forças.” (FLUSSER, 1998, p. 77). Dessa forma, a construção de

mensagens através do fotojornalismo para uma determinada sociedade que vivencia

certo período temporal pode não apresentar qualquer significado para outra que não

esteja contextualizada nos processos históricos que resultaram na cobertura

fotográfica dos fatos.

Desse modo, há de se voltar o olhar para as propostas ao entorno da

construção da informação através do fotojornalismo pela imprensa brasileira que, na

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contemporaneidade, se apresenta, ao longo dos, pelo menos, últimos trinta anos,

algumas experiências que potencializam a utilização e a interação com outros signos

visuais e que assim se constitui como mídia mais híbrida como as demais formas de

representação que operam no campo da comunicação. Essa discussão temática da

fotografia de imprensa e suas demonstrações experimentais sócio midiáticas, além

da potencialização do uso de outros recursos de imagens deve ser retomada:

elementos gráficos, infografias, ilustrações, charges, linhas, cores, molduras,

espaços em branco, além do texto, recurso que sempre esteve presente para a

compreensão das imagens na imprensa.

É creditada também à tendência de experiências que potencializam o

hibridismo no fotojornalismo da imprensa diária no Brasil, a utilização de fotografias

que ocupam espaços maiores nas páginas dos jornais e revistas semanais em

detrimento do tamanho dos textos das coberturas. A interação midiática entre

imagem e texto avança para um diálogo estabelecido através de estimulo a uma

leitura mais fluida apoiada com mais profundidade nos elementos sígnicos visuais de

informação.

O caminho percorrido leva a acreditar que as experimentações perpassam

pela potencialização da opção por recursos simbólicos utilizados no fotojornalismo

que acrescentam construções de novas realidades e formas de representar a

sociedade, distanciando-se dos relatos de verdades e se aproximando da esfera do

ambiente ficcionalizado. O fotojornalismo da atualidade demonstra se constitui de

elementos híbridos entre realidade e ficção e estabelece novas interações sócio-

culturais que incrementam a esfera do mundo do imaginário, como ocorre

freqüentemente na literatura.

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Essa reflexão perpassa as interações entre o fotojornalismo de atualidades e

o diálogo com os elementos simbólicos do campo do imaginário apontados por Iser

(2002) no texto ficcional. De acordo com o filósofo, surgem no texto ficcional

transgressões que são promovidas pela seleção, combinação e relacionamento entre

os elementos que compõem as narrativas lexicais e que somente ocorrem na ficção.

Em seguida, Iser (2002) sugere o conceito de desnudamento que vem a ser a

compreensão, a leitura das mensagens no texto ficcional e, portanto, são

determinações dos “atos de fingir.” (ISER, 2002). Para Iser, o ato de fingir é a

transgressão de limites que, para a compreensão que se tem, é o abrir a caixa preta

e seguir rumo ao que o senso comum aceita como criatividade, um produto da mente

humana e pertencente ao campo do imaginário.

Nisso se expressa sua aliança com o imaginário. Contudo, o imaginário é por nos experimentado antes de modo difuso, informe, fluido e sem um objeto de referência. Ele se manifesta em situações inesperadas e daí que de advento arbitrário, situações que ou se interrompem ou prosseguem noutras bem diversas. ‘O próprio da fantasia’. (ISER, 2002, p. 958).

É provável que essas características demonstradas por Iser (2002) no texto

ficcional se manifestam também no fotojornalismo diário contemporâneo. Os

procedimentos para produção de mensagens nas fotografias de notícias

demonstradas ao longo desta pesquisa apontam para o caráter de intencionalidade,

a escolha ou a seleção dos elementos para compor as superfícies fotográficas, a

combinação dos elementos e os processos de edição, que privilegiam usos de outros

signos para produção de informação, apresentam-se, também, no fotojornalismo e

vão exibir os atos de fingir definidos por Iser. (2002).

Como se sabe, as fotografias de notícia têm responsabilidade com

apresentações de realidades e, portanto, contêm elementos do real. Mas as formas

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como se apresentam os fatos da atualidade, nas páginas da imprensa, leva a crer

que o fotojornalismo contemporâneo vem demonstrando experiências diversas que

mais se aproximam de imaginários como nos textos ficcionais. Para Iser (2002) “[...]

o texto ficcional contém elementos do real, sem que se esgote na descrição deste

real, então o seu componente fictício não tem o caráter de uma finalidade em si

mesma, mas é, enquanto fingida uma preparação de um imaginário.” (ISER, 2002, p.

957).

Assim como o autor, é possível compreender que o saber tácito da sociedade

promove uma oposição entre realidade e ficção, mas que os textos ficcionais não

são isentos de realidades, assim como, as mensagens que buscam apresentar

realidades não são isentas de ficcionalidades. “A relação opositiva entre ficção e

realidade, enquanto saber tácito, já pressupõe a certeza do que sejam ficção e

realidade. [...] como pode existir algo que, embora existente, não possui o caráter de

realidade?” (ISER, 2002, p. 957-8). Para além da discussão que coloca em posições

diferentes o que seria a ficção e o que seriam as realidades, optou-se por continuar

na trilha de Iser (2002) que afirma desaparecer essa oposição, “[...] pois trata agora

de buscar relações em vez de determinar posições.” (ISER, 2002, p. 960).

Assim, é possível acreditar que há, no fotojornalismo contemporâneo,

sistemas contextuais preexistentes de natureza política, econômica e sociocultural

para a produção de mensagens, sabendo-se que o estatuto da fotografia para

imprensa está ancorado no certificado de presença e apresentações de realidades,

diferentemente, das transgressões demonstradas por Iser (2002) no texto ficcional.

Em suas reflexões, Iser (2002) apresenta os elementos de seleção,

combinação e relacionamento como formas transgressoras no texto ficcional

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seguidos do desnudamento o que seria, através da experiência com a mídia, a

maneira que se realiza a interpretação das mensagens.

Nas produções de informações através do fotojornalismo o operador parte,

inicialmente, da pauta na qual se depara com algumas noções que remetem as

possibilidades sobre o que pode acontecer. No local da cobertura, e a partir de

observações próprias de cada autor, o repórter fotográfico inicia as opções por aquilo

que, para ele e para o veículo, são importantes para a criação de mensagens

informativas. As coberturas jornalísticas são estruturas de repetição da realidade dos

fatos, sejam através de signos lexicais, gráficos, fotográficos etc., ou seja, são

formas simbólicas de relatar os acontecimentos. Em outras palavras, o jornalista

desloca-se para o ambiente dos fatos, vivencia como um observador, apura as

informações e, posteriormente, elabora e organiza o material informativo que vai ser

publicado nas páginas dos jornais e revistas. Sua principal função é relatar o que

presenciou mantendo-se o mais isento possível dos acontecimentos na tentativa de

alcançar a objetividade jornalística, norte do jornalismo convencional.

Dessa forma, a cobertura fotojornalística reflete uma repetição simbólica dos

fatos, pois a fotografia de notícias é um signo que, em princípio, apresenta a

realidade dos fatos e promove, ainda, credibilidade à informação. De acordo com

Iser (2002) “Quando a realidade repetida no fingir se transforma em signo, ocorre

forçosamente uma transgressão de sua determinação correspondente. O ato de

fingir é, portanto, uma transgressão de limites. Nisso se expressa sua aliança com o

imaginário.” (ISER, 2002, p. 958).

Se se toma como verdade que o fotojornalismo é uma repetição de

realidades, então, é possível estabelecer um paralelo entre o processo de produção

de mensagens para imprensa e as transgressões demonstradas por Iser (2002) no

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texto ficcional. Ou seja, a relação triádica do real com o fictício e o imaginário se

manifesta nas mensagens produzidas pela fotografia de notícias. De acordo com o

autor, a repetição da realidade é um ato de fingir e “[...] se o fingir não pode ser

deduzido da realidade repetida, nele surge então um imaginário que se relaciona

com a realidade [...]” (ISER, 2002, p. 958).

Há de se notar que no fotojornalismo atual se manifestam formas de

apresentação dos fatos que se distanciam de demonstrações de realidades. Alguns

elementos advindos do ambiente ficcional como signos da pintura, ou elementos

gráficos típicos de fotografias publicitárias, usos de cores e interferências diversas

nas fotografias de notícias, ou até mesmo, a seleção dos elementos que vão compor

as superfícies do fotojornalismo apontam para a potencialização de uma fotografia

de imaginários.

No ato de fingir, o imaginário ganha um determinação que não lhe é própria e adquire, deste modo, um predicado de realidade: pois a determinação é uma definição mínima do real. Na verdade, o imaginário não se transforma em um real por efeito da determinação alcançada pelo ato de fingir, muito embora possa adquirir aparência de real na medida em que por este ato pode penetrar no mundo e aí agir. (ISER, 2002, p. 959).

A discussão temática se encaminha para a compreensão sobre os elementos

que determinam os atos de fingir e as transgressões na fotografia de notícias:

seleção, combinação e relacionamento. A escolha dos elementos simbólicos que vão

compor as superfícies das imagens é própria do fotojornalista no momento da

cobertura e determinada por suas impressões a respeito do mundo em que vive. Ou

seja, a seleção dos elementos referenciais nas coberturas de fotografias de notícias

é considerada trabalho de autor e, há de se destacar, o trabalho do fotojornalismo é

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protegido pela Lei de Direito Autoral14. De acordo com Iser (2002) o produto de autor

“[...] é uma forma determinada de tematização do mundo.” (ISER, 2002, p. 960).

Como ato de fingir, a seleção, a combinação e o relacionamento estão diretamente

interligados à intencionalidade. A seleção no fotojornalismo seria um dos primeiros

elementos a compor o ato de fingir e que materializa o imaginário social através das

escolhas dos referentes que constituem superfícies das mensagens fotográficas dos

fatos.

Ele se mostra como “figura de transição” entre o real e o imaginário, como estatuto da atualidade. Atualidade é a forma de expressão do acontecimento, e a intencionalidade possui o caráter de acontecimento na medida em que não se limita a designar campos de referência, mas os decompões para transformar os elementos escolhidos no material de sua auto-apresentação. A atualidade se refere então ao processo pelo qual o imaginário opera no espaço do real. (ISER, 2002, p. 960).

Na seleção, o autor retira do referente os elementos signicos que elege como

mais importantes para participar da produção das mensagens. “E o mundo presente

[...] é apontado pelo que se ausenta e o que se ausenta pode ser assinalado por esta

presença.” (ISER, 2002, p. 961). Assim, no cumprimento da pauta, o fotojornalista

seleciona alguns componentes sígnicos para estruturar a superfície imagética em

detrimento de outros elementos de acordo com sua forma de tematizar a sociedade.

O ato de fotografar é determinado pelo fotógrafo através do enquadramento,

composição, escolha das lentes, do tipo de filme adequado para a luz do ambiente

etc.

14 A Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998, dispõe sobre o Direito Autoral em todas as áreas, inclusive a fotografia. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9610.htm >. Acesso em 28 de janeiro de 2008.

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Daí se segue que a seleção dá a conhecer os campos de referência do texto como sistemas existentes em seu contexto, campos que se dão a saber no momento em que, através do ato de seleção, serão transgredidos. A forma de organização e a validez dos sistemas se rompem agora porque certos elementos são afastados e são projetados noutra contextualização, (ISER, 2002, p. 961).

Relembre-se, mais uma vez, que o arbítrio do repórter fotográfico é, também,

definido pela linha editorial e pela demanda apresentada pelos editores e pelas

informações contidas na ordem de serviço, a pauta. Outro aspecto que influencia o

processo de seleção do repórter fotográfico para produção de mensagens no

fotojornalismo é o foco principal da imprensa: informar e afetar o leitor.

Há de se perseguir a trilha de Iser (2002), que aponta a combinação dos

elementos intratextuais como correspondência da seleção, o outro componente do

ato de fingir. “A combinação é um ato de fingir por possuir a mesma caracterização

básica: ser transgressão de limites.” (ISER, 2002, p. 963). Conforme reflexões

anteriores, o fotojornalismo se torna mídia codificada a partir do diálogo que

estabelece com outros signos do campo da informação. A polissemia da mídia é

reduzida com a utilização de títulos, legendas, textos, elementos gráficos como

linhas, molduras, interações como ilustrações, charges e infografias que também

fazem parte do contexto da mensagem no fotojornalismo. (BARTHES, 1990). O

espaço ocupado na página como o destaque no primeiro quadrante e o tamanho da

imagem são recursos utilizados pela imprensa para estimular a compreensão do

leitor sobre mensagem contida na superfície fotográfica. Para Iser (2002),

Como ato de fingir, a combinação desde muito tem sido compreendida como uma marca característica da poesia, uma vez que se desejava distingui-la como ficção da realidade dada. (...) esta é a condição de um imaginário que parece constantemente ameaçar o conhecimento do real. (ISER, 2002, p. 964-5).

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É perceptível nas etapas da edição que as fotografias de notícia da

contemporaneidade apontam a potencialização dos usos de recursos, cada vez mais

próximos do imaginário, próprias da fotografia de publicidade ou do ambiente da

pintura pertencentes ao campo do estímulo dos sonhos, dos desejos, do mundo

imaginário. Identifica-se, pois, a potencialização de fotos maiores circundadas por

molduras coloridas, fotos recortadas que invadem áreas dos textos (sangria)15 ou que

extrapolam os limites da página como se vazassem para fora do papel, diálogos com

charges estabelecendo discursos irônicos ou críticos, recursos gráficos como a

inserção de laços de fita como se fosse o jornal um embrulho para presente,

interações com infográficos coloridos e ilustrados, dentre outros.

Para além da potencialização dos usos dos signos imagéticos, foi percebida

certa redução no tamanho dos textos16, a ampliação e o destaque para títulos e

legendas e é possível que essas alterações sejam reflexos da expansão dos Web

jornais que forçaram a atualização da imprensa no intuito de se ajustar aos

movimentos da sociedade contemporânea, cada vez mais midiatizada pelos

produtos informativos disponíveis na Web.

Assim como a seleção e a combinação, o relacionamento é parte do ato de

fingir. Para Iser (2002) “[...] a combinação cria relacionamentos intratextuais.” (ISER,

2002, p. 965) e ela revela como a intencionalidade aparece no processo de seleção.

Compreensível é, portanto, que a potencialização dos recursos utilizados para a

edição das imagens no fotojornalismo façam parte do relacionamento de quem

produz a informação: repórter fotográfico, jornalista, editores e diagramadores. A

15 Termo utilizado em diagramação no qual a fotografia é recortada e invade a área do texto. 16 Alguns jornais como Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, Estado de Minas e Correio Brasiliense reformularam o projeto gráfico, no final dos anos 1990, e reduziram o tamanho das páginas adotando o formato Berliner, menor que o Standard e maior que o Tablóide. O objetivo inicial foi redução de custos e ampliar o manuseio das páginas pelos leitores. Disponível em < http://portaldacomunicacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=16615 > Acesso em 28 de janeiro de 2008.

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forma como a mensagem é definida para a publicação é um trabalho em equipe que

tem como principal objeto a informação sobre os fatos.

Nesse sentido, é possível acreditar que o fotojornalismo da

contemporaneidade demonstra apresentações de imaginários sociais uma vez que

os recursos utilizados no relacionamento são próprios do campo do invisível, do

lúdico, da fantasia, do ficcional e não somente de apresentações de realidades como

nas fotografias de notícias convencionais. De acordo com Iser (2002) “A ficção pode

manter unidas dentro de um único espaço uma variedade de linguagens, de níveis

de focos, de pontos de vista, que seriam contraditórios noutras espécies de discurso,

organizados quanto a um fim empírico particular.” (ISER, 2002, p. 966)

Parece provável que a combinação dos diversos elementos sígnicos na

edição demonstra que o fotojornalismo contemporâneo apresenta-se como mídia

híbrida e em constante diálogo com outros campos de saber e por isso “[...] o

relacionamento como um ato de fingir, é captável a partir dos seus efeitos mostrados

[...] sem que a ela pertençam.” (ISER, 2002, p. 968). Ou seja, signos que não fazem

parte do ato fotográfico modificam e transformam a mensagem no fotojornalismo

para além dos elementos simbólicos contidos na superfície da fotografia. A seleção,

a combinação e o relacionamento transgridem e afetam as construções de

mensagens no fotojornalismo contemporâneo e tensionam os formatos

convencionais.

A busca de compreender as experimentações no fotojornalismo diário

brasileiro levou ao encontro do trabalho do repórter fotográfico do Jornal do Brasil,

Evandro Teixeira, pelo fato de ser crível que esse profissional percorre uma trajetória

que se confronta com a estrutura dos formatos tradicionais. Nas mensagens

fotográficas produzidas por Evandro Teixeira, identificaram-se traços simbólicos que

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se aproximam da esfera do ficcional e do campo do imaginário do autor, o que torna

seu trabalho singular.

A presença de elementos sígnicos resultantes das coberturas fotográficas

diárias do fotojornalista aponta para caminhos diferentes daqueles definidos por

Henri Cartier-Bresson – o momento decisivo. Foram identificados nas mensagens

produzidas por Evandro Teixeira elementos que apontam determinados traços

indiciais e demonstram a criação e/ou recriação de realidades nos acontecimentos

da sociedade. Nas mensagens do fotojornalismo de Evandro Teixeira encontram-se

pistas de seleção, combinação e relacionamento com os elementos que vão compor

as superfícies das fotografias de acordo com o contexto espacial e temporal, com os

personagens e com o ambiente em ocorrem os fatos no momento da cobertura

fotográfica para imprensa. O trabalho de Evandro Teixeira apresenta como

especificidade a cobertura diária dos fatos e a forma de planejamento ocorre

somente com cumprimento de uma ordem de serviço (pauta), organizada a partir das

editorias da redação do Jornal do Brasil.

Nesse contexto, nas imagens do repórter fotográfico foi identificado algo para

além da representação da realidade dos fatos e que remete aos elementos indiciais

que estabelecem de um contrato, não mais com o real, mas com o universo ficcional

e que, na verdade, pode se aproximar de formas de apresentação do imaginário

social. Destaca-se que essa estrutura de cobertura no fotojornalismo de Evandro

Teixeira não se trata de inovação, mas uma exigência da própria mídia para a

construção de informações na contemporaneidade.

Entretanto, a diferença entre as imagens de Evandro Teixeira para outras

coberturas na imprensa atual está na forma como esse repórter fotográfico combina

os elementos simbólicos que vão compor as superfícies de suas fotografias. E,

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ainda, são percebidos indícios de que, no processo de edição para escolha da

imagem que vai ser publicada, demonstram a presença dos processos de seleção,

combinação e relacionamento apontados por Wolfgang Iser. (2002). Este elemento

apontado por Iser, o relacionamento, é produto resultante dos atos de fingir, ou seja,

“[...] a configuração concreta de um imaginário.” (ISER, 2002, p.968).

Portanto, é almejada a compreensão de como o fotojornalismo de Evandro

Teixeira apresenta formas de interação com os conceitos e as transgressões

indicadas pelo filósofo alemão, Wolfgang Iser (2002) em os atos de fingir, e como

ocorrem as tensões com o fotojornalismo convencional.

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3. Apresentação de imaginários no fotojornalismo de Evandro Teixeira

Para contextualizar o sujeito empírico há de ser feita uma pequena descrição

da biografia de Evandro Teixeira, embora deva ser destacado que o interesse

primordial se volta para a produção de mensagens através do trabalho do

fotojornalista. Ressalte-se, pois, que, assim como Peirce (2005) e Iser (2002), a

intencionalidade do homem no processo de construção das informações veio a ser

um dos principais elementos que estimulou a presente busca pela compreensão e a

reflexão sobre as coberturas fotográficas de Evandro Teixeira para a imprensa diária

e que fazem o diferencial entre suas mensagens e o fotojornalismo convencional.

A formação pessoal do repórter fotográfico e a intenção de selecionar

elementos simbólicos de outros ambientes, como o campo de conhecimento da

poesia e/ou da publicidade, afeta o processo de construção de mensagens que pode

ser demonstrado através das superfícies das fotografias de notícia de Evandro.

Natural do interior da Bahia, em 1945, Evandro Teixeira conheceu o fotojornalismo

através da revista O Cruzeiro pelo trabalho dos fotógrafos Jean Mazon e José

Medeiros. Viveu na capital do estado, Salvador, onde estudou e iniciou sua trajetória

como profissional no jornal Diário de Notícias. Em 1957, mudou-se para o Rio de

Janeiro quando trabalhou na redação do Diário da Noite e, em 1967, ingressou como

repórter fotográfico contratado pelo Jornal do Brasil, veículo no qual permanece até

os dias atuais.

Na redação do JB, o fotojornalista compreende e se ajusta às exigências da

linha editorial do jornal, mas, ao mesmo tempo, os editores demonstram estímulo e

permissão para novos formatos de construção de mensagens propostas por Evandro

Teixeira em suas coberturas e que podem ser constatados pelas fotos publicadas ao

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longo da trajetória profissional do repórter. Nesse contexto, são perceptíveis a

concepção e os conceitos do trabalho do fotógrafo adquirirem credibilidade no

ambiente do fotojornalismo e demonstrarem expansão e estímulo para autonomia de

criação nas fotografias de notícia para o Jornal do Brasil.

Há de ser lembrado, ainda, que o Jornal do Brasil foi, durante as décadas de

1970, 1980 e 1990, referência de jornalismo credível para os demais veículos de

informação como fonte de pauta, linha editorial que busca objetividade e projeto

gráfico arrojado. O JB foi o primeiro jornal brasileiro a ingressar na Internet com o

formato de jornalismo on line na Ciberesfera. (BOLAÑO E BRITOS, 2006)

De acordo com parte da coleta de dados realizada sobre Evandro Teixeira,

através da Internet, foram obtidas algumas entrevistas publicadas em sites do campo

da Comunicação Social, como Observatório da Imprensa, Federação Nacional dos

Jornalistas, Associação Brasileira de Imprensa e outros, as quais evidenciam que o

fotojornalista se tornou referência, no Brasil e no mundo, pelo diferencial

demonstrado por meio de suas imagens de notícia. Alguns depoimentos de

autoridades e formadores de opinião da sociedade brasileira declaram sobre o

trabalho do fotojornalista. Ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade

afirmou em entrevista que Evandro Teixeira “[...] é o único capaz de fotografar

poesia. Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes; até pessoas comuns como

as jovens bailarinas da favela ou a criança fantasiada passeando com seu vira-lata,

num subúrbio carioca.” 17

17 Disponível em < www.canalimaginario.com.br/index.php >, acesso em 07/01/2008.

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Foto 1: Chico Buarque, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, RJ (1979).

Sebastião Salgado, amigo particular de Evandro Teixeira e um dos mais

reconhecidos fotodocumentaristas brasileiros no mundo atual, afirma que "[...] o

trabalho de Evandro materializa a modernidade do Brasil, a urbanização do Brasil.

Não há nada mais brasileiro do que a fotografia do Evandro." (SALGADO, 2007)18.

Em agosto de 2004, foi produzido e veiculado, nas salas de cinema, o

documentário, com duração de 76 min., sob a direção de Paulo Fontenelle, Evandro

Teixeira – Instantâneos da realidade19 que apresenta a vida, mas que enfoca,

principalmente, a obra do fotojornalista.

Da queda do governo Allende, no Chile, aos desfiles de moda em Paris, passando por Copas do Mundo e Jogos Olímpicos, a obra do Evandro é muito abrangente. E a idéia do documentário é justamente apresentar a riqueza do conjunto dessa obra. (FONTENELLE, 2004).20

18 Disponível em <www.cenaurbana.com.br/cultura/fotografia/evandro02.htm>. Acesso em 11/01/2008. 19 Disponível em <www.webcine.com.br/filmessi/evanteix.htm >. Acesso em 11/01/2008. 20 Idem

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Em 2007, a escola de samba carioca, Unidos da Tijuca, homenageou Evandro

Teixeira que, por sua vez, desfilou em carro alegórico com a câmera fotográfica em

punho e pode registrar o carnaval do Rio de Janeiro do alto, uma maneira diferente

da que costuma realizar, pois fotografa da rua. Em 03 de fevereiro de 2008, a

Revista de Domingo do Jornal do Brasil publicou a reportagem “Memórias da

Avenida”, cobertura especial sobre o fotojornalista e sobre seu trabalho nas

coberturas de carnaval. Na matéria, Evandro Teixeira declara que “[...] tudo depende

do olho que está atrás da lente.” (TEIXEIRA, 2008, p. 46).

Devem ser destacados alguns momentos históricos apresentados pelas

coberturas de Evandro como as imagens dos conflitos entre civis e militares no

período da Ditadura Militar no Brasil (1964), único fotógrafo a entrar no Forte de

Copacabana para registrar a chegada do general Humberto Castelo Branco (1900-

1967). Evandro documentou, em 1973, a queda de Salvador Allende, no Chile, e, em

1978, acompanhou as visitas, ao Brasil, dos presidentes Jimmy Carter (Estados

Unidos – 1924), Giscard d'Estaing (França – 1926) e dos príncipes Charles

(Inglaterra – 1948) e Akihito (Japão – 1933). Em 1980 e 1991, o fotojornalista

acompanhou as visitas do papa João Paulo II (1920-2005), ao Brasil, e em 1992, o

encontro mundial de ecologistas na Eco92, que aconteceu no Rio de Janeiro.

Na cobertura da visita ao Papa João Paulo II, Evandro Teixeira registrou algo

inusitado que demonstra o diálogo do fotojornalista com o imaginário: uma mão solta

no canto superior da fotografia que aponta para o Papa saindo de lugar algum. Seria

uma referência à mão de Deus apontando para Sua Santidade o Papa ou algo como

o personagem “O coisa” (mãozinha) do seriado produzido para televisão, A família

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Addams 21? Ou o dedo de Friedrich Nietzsche, em Assim falou Zaratrusta, no qual

afirma a inexistência de Deus? Nietzsche diz: “Deus não existe!” e a imagem do dito

é a mesma do dedinho apontado para algo além do visível.

Foto 2: João Paulo II, Belém (1980)

Outros destaques da trajetória de Evandro são coberturas como do jogador de

futebol Mané Garrincha (1933-1983), a piscada de olho do piloto brasileiro tri

campeão de Fórmula 1, Ayrton Senna (1960-1994), a atriz que se tornou referência

sobre a independência da mulher, no Brasil, Leila Diniz (1945-1972), e a cobertura

intitulada “As libélulas sobre as armas da guerra do Paraguai”, realizada no Rio, em

1969. Nessa cobertura, Evandro demonstra a forma particular de produzir

mensagens informativas, na qual, durante o discurso do presidente Costa e Silva

(1902-1969) o fotojornalista decide registrar libélulas nas pontas das baionetas das

21 A Família Addams consiste numa série de personagens, criados por Charles Addams nos anos 30, mas que nos anos compreendidos entre 1964 e 1966 virou seriado para a televisão. Disponível em < www.adorocinema.com/filmes/familia-addams >. Acesso em 19/10/2008.

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armas dos soldados do exército. O comentário do presidente foi: “Como é que você,

em lugar de me fotografar, foi tirar fotos destes besouros?” 22.

Foto 3: As libélulas sobre as armas da guerra do Paraguai (1969)

Ao longo dos anos, Evandro Teixeira tem acumuladas diversas coberturas

fotográficas de momentos marcantes para a história da sociedade brasileira. Para

além das coberturas de datas históricas e de personalidades da sociedade nacional

e mundial, há de ser observado que, no trabalho diário do fotojornalista, identifica-se

algo que diferencia suas coberturas dos formatos convencionais do fotojornalismo. É

passível de crédito a suposição de que Evandro usa elementos simbólicos que

estimulam novas formas de compreensão sobre a verdade dos fatos. Além dos

elementos próprios do momento decisivo de Cartier-Bresson, que estruturam, ainda

22 Disponível em < www.canalimaginario.com.br >. Acesso em 19 de outubro 2008.

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na atualidade, as coberturas diárias para imprensa, há de se entender que Evandro

Teixeira lança mão de seu olhar particular para acrescentar subjetividades nas

mensagens por ele produzidas.

Elegeu-se, assim, como objeto empírico desta pesquisa as fotografias do

repórter fotográfico baiano que, além das coberturas diárias, realizou algumas

exposições sobre diversos assuntos relevantes para a sociedade brasileira. Saliente-

se que Evandro Teixeira editou e publicou alguns livros, com o de título

Fotojornalismo (1982 e 1988) no qual apresenta uma seleção de imagens que

resume parte de sua carreira como repórter fotográfico no Jornal do Brasil. Outro

importante trabalho do fotojornalista que demonstra a formação e interesse de

Evandro é a publicação de Canudos 100 anos, em 2002, desenvolvido como um

projeto particular, e que, através dele, pode demonstrar seu modo singular de

perceber e recriar a obra literária de Euclides da Cunha, Os Sertões de 1902.

Esse produto midiático evidencia, de certa maneira, a interface estabelecida

entre a atividade profissional diária do fotojornalista e seu interesse pelos elementos

simbólicos e poéticos de outras formas de se apresentar as verdades do homem e

dos ambientes da sociedade. De acordo com Evandro Teixeira, em entrevista,

“Publicar um livro de fotos sobre Canudos era um sonho que eu cultivava há anos.

Baiano, ainda menino, ouvia as histórias de Antônio Conselheiro e de sua Canudos

contadas por meus avós.”23. No livro, Teixeira apresenta imagens de coberturas

fotográficas do local, das pessoas e a tentativa de recuperação, ou melhor, uma

releitura mais atual sobre os fatos do período de conflitos da Guerra de Canudos.

(1893/1897).

23 Depoimento de Evandro Teixeira em entrevista. Disponível em < www.girafamania.com.br/montagem/fotografia-brasil-guerra-canudos.htm >. Acesso em 28 de abril de 2008.

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Foto 4: Capa do livro de Evandro Teixeira.

O trabalho editorial mais recente de Evandro Teixeira iniciou-se em 2007,

quando desenvolveu o projeto 68 Destinos, publicado em livro, no dia 26 de março

de 2008, que estabelece, também, diálogo com a Internet. Na publicação, as

pessoas podem identificar, através das imagens de arquivo do fotojornalista,

diversos desaparecidos ou torturados, há 40 anos, em função do sistema de governo

rígido e autoritário que provocaram conflitos civis no período da Ditadura Militar

(1964–1985), no Brasil, em 1968.

Atualmente, o repórter fotográfico continua atuando nas coberturas diárias do

Jornal do Brasil e, desde 2007, se tornou editor de fotografia na redação do JB o que

permite mais proximidade, interferência, poder de decisão sobre a seleção e sobre

como as fotografias vão ser publicadas nas páginas do jornal.

Como deve ser lembrado, o processo de produção de mensagens para

imprensa percorre as diversas etapas discutidas anteriormente. A primeira fase,

parte das editorias através da pauta ou ordem de serviço. Em seguida, o repórter

fotográfico encaminha-se para o local da cobertura, onde observa os fatos e os

elementos que os constituem: sujeitos participantes, contexto espaço temporal e

valores notícia. A escolha pelos elementos que vão constituir a superfície das

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fotografias é parte do trabalho do fotojornalista que seleciona as melhores imagens e

envia, para as etapas seguintes de edição na redação. A decisão final e como a

notícia vai ser publicada é função da equipe de editores e diagramadores.

Raramente, o repórter fotográfico (ou o de texto) tem influência no processo de

produção final.

Entretanto, como Evandro Teixeira se tornou editor de fotografia do Jornal do

Brasil, surge o elemento complementar sobre a interferência e participação direta do

fotojornalista na seleção e na combinação dos elementos simbólicos para publicação

das suas mensagens. Assim, além de realizar coberturas na rua, Evandro tem poder

de decisão sobre o tamanho, o espaço ocupado pelas imagens, os cortes e os

elementos gráficos que compõem as mensagens nas páginas do JB, uma vez que,

ocupa o cargo de editor. O fechamento da primeira página é realizado pelos editores,

juntamente, com o editor de fotografia.

Parte-se do princípio que, além da relevância e reconhecimento do trabalho

do fotojornalista por nomes conceituados na sociedade brasileira e internacional

como formadores de opinião, supõe-se que, nas coberturas fotojornalísticas de

Evandro Teixeira, é possível identificarem-se elementos simbólicos do ambiente

ficcional e da esfera do imaginário. Dessa relação de proximidade e afinidade do

repórter fotográfico com a literatura, é possível inferir a existência de interação e

influência do discurso literário nas mensagens produzidas pelas superfícies

fotográficas de Evandro Teixeira.

Portanto, nota-se que, ao observar e analisar as fotografias de Evandro

Teixeira, é possível compreender como as imagens do fotojornalismo brasileiro

contemporâneo demonstram a possibilidade da apresentação de realidades

constituídas por elementos ficcionais e que fazem parte da esfera do imaginário de

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quem produz a mensagem. O desafio é perceber como os elementos sígnicos

compõem e estruturam a fotografia de imprensa, no Brasil atual, utilizando como

referência o trabalho de produção de mensagens através das imagens de cobertura

de notícia de Evandro Teixeira.

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4. Metodologia: a experiência com o objeto empírico

O ponto de partida para a coleta e seleção das coberturas de notícias

publicadas por Evandro Teixeira se deu pela alternativa de trabalhar, em um primeiro

momento, com as primeiras páginas do Jornal do Brasil na versão impressa em

papel jornal, nos anos de 2006 e 2007. A opção pelos anos de 2006 e 2007 se deu

em função da proximidade temporal dos acontecimentos noticiados e o período do

desenvolvimento desta pesquisa. O formato convencional, o impresso, privilegia os

assuntos de maior relevância informativa para a sociedade, seguindo os critérios de

objetividade jornalística, os quais merecem destaque na primeira página do jornal.

Entretanto, há de se perceber que, para que seja aprofundado o olhar sobre o

recorte selecionado, é necessário recorrer às páginas internas e, confiável, que a

compreensão se tornará melhor, se verificado o todo das coberturas realizadas por

Evandro Teixeira. Considera-se, ainda, a necessidade de analisar também as fotos

publicadas nas páginas internas das editorias, pois elas demonstram as

transgressões dos atos de fingir apontados por Iser (2002), uma vez que, são

bastante explorados os recursos gráficos e lexicais nas notícias. Por outro lado, foi

decidido enfocar as análises mais aprofundadas sobre as mensagens das capas, ou

seja, o olhar para as fotos internas apóia e complementa as atenções aplicadas às

publicações da primeira página, objeto essencial nesta pesquisa.

O conceito da área de conhecimento do jornalismo foi seguido, no qual é

recomendado que as coberturas de primeira página sejam matérias mais relevantes

do dia, as notícias, e por isso a “vitrine” (Grifo nosso.) para o trabalho dos jornalistas

e do repórter fotográfico. No ambiente do fotojornalismo, o crédito (assinatura na foto

– nome do fotógrafo) é obrigatório por Lei de Direito Autoral. Além da proteção

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legislativa, a credibilidade atribuída ao trabalho do fotojornalista se destaca pelo

volume de coberturas publicadas, mas, fundamentalmente, pela forma como o

repórter fotográfico lida com os critérios de seleção e combinação dos elementos

simbólicos organizados na superfície das mensagens. Salienta-se que os

procedimentos do campo profissional definem os critérios de qualidade para a

produção de mensagens de cada fotojornalista e que diferenciam o trabalho de um

ou de outro fotógrafo de notícias. Assim, revela-se, na superfície fotográfica, a marca

do homem em suas produções de mensagens.

É provável que a forma de produzir mensagens através do fotojornalismo

traga à tona os critérios de qualidade das informações contidas nas imagens

veiculadas na primeira página do jornal. Ou seja, a sociedade é afetada por uma foto

“boa” (Grifo nosso.) ou outra que apresenta a realidade dos fatos sem as

transgressões imaginativas do repórter fotográfico. Em outras palavras, a sociedade

contemporânea demanda por mensagens fotográficas para além das representações

denotativas ou objetivas e sim pela conotação contida na superfície da imagem.

A coleta de dados da presente pesquisa ocorreu através de assinatura do

jornal através da versão digitalizada e disponível na Internet, no site do jbonline,

tratando de voltar o olhar para as páginas do impresso que ficam disponíveis em

versão digitalizada no site. A metodologia de coleta utilizada teve como princípio

usufruir das praticidades oferecidas pelas mídias digitais (acesso à Internet),

minimizar os custos com deslocamento para a cidade do Rio de Janeiro, local de

residência de Evandro Teixeira e sede do Jornal do Brasil, e a redução de tempo

para a seleção do material em arquivo digital para assinantes.

Foram feitas visitas ao jbonline todos os dias dos referidos anos (2006 e 2007)

e selecionadas as publicações que pudessem representar as observações a serem

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feitas sobre a presença ou não dos elementos simbólicos que se aproximam da

esfera de apresentações de realidades com signos pertencentes ao ambiente do

imaginário e ficcional. A maior dificuldade foi encontrar volume relevante de edições

mais atualizadas com coberturas realizadas por Evandro Teixeira, pois deve ter

havido certa redução nas publicações de Evandro Teixeira em relação a períodos

anteriores de sua atividade profissional.

Foram 720 edições pesquisadas, dia a dia, nas quais se encontraram poucas

coberturas de Evandro Teixeira com publicações nas primeiras páginas do Jornal do

Brasil. Alguns contatos por telefone com Evandro Teixeira foram feitos e, de acordo

com depoimento do fotojornalista, o deslocamento para coberturas na rua, nos

últimos três anos, foi reduzido em função de dois fatores: o cargo de editor de

fotografia no Jornal do Brasil e o projeto 68 Destinos que demandaram de si tempo e

dedicação específica.

Desse volume de 720 edições, foi feito o recorte empírico em 07 publicações,

suficientes para exemplificar as análises. Foram selecionadas, portanto, 07 edições

publicadas, entre os anos de 2006 e 2007, na primeira página do JB, versão

impressa com coberturas realizadas por Evandro Teixeira, seguindo o critério da

visibilidade para o trabalho do fotojornalista promovido pela publicação na primeira

página.

Nas coberturas selecionadas, identificou-se, então, a presença de recursos

que apresentam os elementos simbólicos que dialogam com as reflexões desta

pesquisa. Ou seja, além dos elementos organizados por Evandro Teixeira na

superfície fotográfica, observou-se a combinação de signos gráficos, infográficos e

outros que transformam e potencializam outras formas de produzir mensagens no

fotojornalismo ao aproximá-lo do campo de apresentação de imaginários. Foram

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organizadas as primeiras páginas que demonstram produção de mensagens com

traços do ficcional e do imaginário e que, também, apresentam possíveis tensões

entre os formatos tradicionais do fotojornalismo brasileiro e as potencializações das

formas de se apresentar a realidade dos acontecimentos no fotojornalismo

contemporâneo.

A ordem definida para a inserção das publicações e para as análises das

notícias segue a etapa do relacionamento e desnudamento da pesquisa a partir da

identificação dos elementos simbólicos que tendem a atestar os princípios

hipotéticos das reflexões iniciais. Ou seja, pela percepção e a intenção feitas, optou-

se pelo critério qualitativo das mensagens em detrimento da ordem cronológica das

publicações. As escolhas das publicações têm como ponto de partida a ordem do

conceito de relacionamento e desnudamento demonstrado por Iser (2002) em atos

de fingir.

Há de se reconhecer que a interpretação da mensagem no jornalismo é o

reflexo da experiência com a mídia e, por mais que haja no fotojornalismo a tentativa

por direcionar o interpretante para que se estabeleça um pacto de leitura mais

estandardizado entre os leitores (studium24), o desnudamento mais aprofundado

sobre as superfícies é particular e individual (punctum). Por isso, deve ser salientado

que as análises feitas a respeito das publicações selecionadas pertencem ao campo

do desnudamento de Wolfgang Iser. (2002).

A análise descritiva foi realizada sob o ponto de vista do manuseio do

aparelho e da técnica fotográfica para, em seguida, demonstrar como os recursos

simbólicos dialogam entre si e promovem novas formas de apresentações de

24 Conceitos de Roland Barthes (1984) no qual através do studium busca-se encontrar as intenções do operador; é um contrato entre criadores e leitores. O punctum é aquilo que fere, que punge, que atinge, a experiência que mortifica e é individual, próprio de cada ser humano em contato com a fotografia.

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realidades. Seguem-se as reflexões a partir do relacionamento entre as mensagens

fotojornalísticas produzidas através das coberturas de notícias realizadas por

Evandro Teixeira, como o repórter fotográfico e, também, editor de fotografia, que

permite participação mais próxima e intencional nos atos de edição e tomada de

decisão para a publicação.

A produção de mensagens na imprensa, como é compreendida, afeta a

sociedade e pode até promover ações sociais, mas o propósito é alcançar a

percepção sobre o sentido produzido pelas mensagens contidas nas superfícies das

fotografias publicadas e as interações entre os diversos recursos utilizados pelo

fotojornalismo de Evandro Teixeira. Por fim, almeja-se alcançar o desnudamento,

que é próprio do olhar de quem pesquisa, para perceber como as mensagens do

repórter fotográfico demonstram as transgressões nos atos de fingir, evidenciam

imaginários sociais e provocam tensionamentos sobre os formatos convencionais do

fotojornalismo.

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4.1 Primeira página -15 de dezembro de 2007.

• Niemeyer completa hoje 100 anos de paixão

Imagem 1: capa JB – 15/12/2007

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A fotografia da primeira página do Jornal do Brasil de 15 de dezembro de

2007, intitulada “Niemeyer completa hoje 100 anos de paixão“, foi realizada com uma

lente grande angular que proporciona um campo de visão mais abrangente e permite

maior contextualização do ambiente sobre a cena capturada pelo aparelho. Na

imagem, são vistas as janelas de vidro de uma sala de estar, provavelmente, projeto

arquitetônico da personagem da matéria, Oscar Niemeyer, que deixam ver a

paisagem de uma residência à beira-mar. A foto no formato horizontal demonstra

tranqüilidade, harmonia do ambiente e das personagens. Niemeyer em pose

tranqüila e à vontade em um local pertencente ao seu universo particular.

Outro efeito técnico utilizado é o diafragma mais fechado (abertura para

entrada de luz da lente) que amplia a profundidade de campo (mais elementos no

foco, nítidos, contribuem para a composição e a visualização dos objetos que

aparecem na cena). O ângulo utilizado, foto tomada do alto, demonstra o

distanciamento do fotógrafo em relação ao referente.

A foto publicada em destaque, no primeiro quadrante da capa do jornal, é a

manchete fotográfica, mas não dialoga com a manchete textual. A superfície

fotográfica apresenta uma interação com outro recurso imagético utilizado pela

imprensa: a charge. O diálogo estabelecido entre a cobertura fotográfica de Evandro

Teixeira, na casa de Oscar Niemeyer, em entrevista exclusiva sobre o aniversário de

100 anos do arquiteto, demonstra uma mensagem como se Niemeyer observasse

Niemeyer. Ou seja, é perceptível pela inserção da charge produzida por Ique

(chargista do Jornal do Brasil) que o arquiteto está analisando, observando,

refletindo sobre si mesmo, conforme a fotografia de Evandro Teixeira em conjunto

com a ilustração.

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Um primeiro contato revela que, através dessa cobertura sobre os 100 anos

do arquiteto, a personagem Niemeyer da fotografia permanece alheia ao que ocorre

em seu redor e a outra, ou seja, a lateral direita do rosto de Niemeyer, é apresentada

pela charge sobreposta dentro da fotografia que observa a tranqüilidade, a

seriedade, a maturidade e a serenidade da personagem, o próprio Niemeyer. Por

outro lado, é possível supor que a charge invade o ambiente da entrevista como um

observador mais atrevido que percebe Niemeyer e gostaria de participar da

conversa. O personagem real, o referente, tem uma mancha no rosto invisível na

fotografia, mas citada na charge através do número de sua idade: 100.

Através desse processo de seleção dos elementos para compor a fotografia e

da edição das imagens (fotográficas e charge), há indícios de que os signos

contribuem para a construção ou recriação de realidades por meio dos recursos

simbólicos utilizados. Uma imagem dialoga com a outra e demonstra certa ironia,

uma forma lúdica, mágica, na qual a imagem interage com a imagem e remete a

sensações para além da apresentação de realidades. Tanto na mensagem da

charge como na superfície fotográfica, é perceptível o distanciamento do leitor, visto

que as imagens se tornam alheias a quem as observa, assim como demonstrou

Virilio (2002) em seu conceito de imagens técnicas. Nessa cobertura “os objetos me

pertencem” (KLEE, apud VIRILIO, 2002, p. 127): imagem dialoga com imagem e o

homem é o espectador, excluído do processo de interação entre as mídias. Ou seja,

a sociedade comemora os 100 anos de Niemeyer através da experiência de

admiração para além da superfície da imagem ou das imagens.

Há, no conjunto dos elementos que compõem a mensagem, a combinação de

signos que demonstram algo a mais que a simples comemoração de 100 anos do

arquiteto, instala-se uma aura que embeleza e dignifica o homem centenário e o

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trabalho desenvolvido ao longo da vida de Niemeyer. Reconhecido como homem

digno e referência para a sociedade brasileira e mundial, Niemeyer se aproxima do

Olimpo, habitante do Olímpia, cidade da Grécia, pelo seu trabalho. A cobertura

realizada seria uma mera representação de uma entrevista sobre seus 100 anos,

mas a forma da captura da fotografia, de maneira a mostrar que o fotógrafo parece

nem estar ali, leva a perceber não haver cumplicidade entre a personalidade e

fotojornalista, e os elementos combinados no processo de edição contribuem para

uma mensagem no campo das apresentações de notícias, de imaginários.

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4.1.1 Publicações internas

• Oscar

O brasileiro Niemeyer

Imagem 2: cobertura completa – 15/12/2007

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Imagem 3: cobertura completa – 15/12/2007

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Nas fotos internas, a continuidade da sensação de sobriedade e tranqüilidade

do arquiteto permanece, porém as transgressões se mostram mais sutis. Como se

vê, a fotografia da página A12 apresenta Niemeyer em entrevista e nessa

combinação a imagem invade o texto. O arquiteto apresenta-se com olhar sóbrio,

tranqüilo e fala ao jornalista. Os recursos gráficos são pouco explorados, mas a foto

recortada dialoga com os elementos lexicais e a utilização do título da matéria em

cor laranja, tipologia e tamanho maior oferece destaque ao homem Niemeyer.

A fotografia maior da página A13 apresenta a personagem em pé e ao fundo

uma de suas obras arquitetônicas, projetada aos 84 anos, o Museu de arte

contemporânea, MAC de Niterói, informação conquistada pela legenda. Também

nessa imagem verificam-se as mesmas sensações de senilidade de Niemeyer, mas

a energia da personagem da matéria é demonstrada pelas curvas de seu projeto de

arquitetura na composição fotográfica ao fundo e o diálogo com a legenda que

destaca a criatividade do arquiteto. Os elementos gráficos não aparecem com

destaque e a superfície fotográfica torna-se o aspecto mais importante da informação

imagética.

Desse modo, é possível acreditar que o diálogo estabelecido entre a

superfície da fotografia com a charge, os recursos gráficos e os elementos textuais

são contribuidores para novas formas de apresentação no jornalismo contemporâneo

que transgridem os formatos convencionais de fotojornalismo transformando-o em

apresentações de imaginários. Esse imaginário social é formado pela sensação de

tranqüilidade, sobriedade e o valor simbólico da dignidade do homem Niemeyer

demonstrado através das superfícies, também, simbólicas, presentes nas

mensagens, para além de representações de realidades. O que fica visível nessa

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cobertura é a apresentação de imaginários simbólicos sobre o arquiteto Niemeyer e

seus 100 anos de idade.

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4.2 Primeira página – 24/25 de dezembro de 2006.

• Os personagens da semana

Imagem 4: capa JB – 24/25 de dezembro 2006.

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Na foto da primeira página, que retrata o Coronel do Corpo de Bombeiros

carioca, Marcos Silva, é identificada a utilização de uma lente teleobjetiva, que reduz

o campo de visão, e o diafragma fechado, que afeta a profundidade de campo,

resultando em menos elementos, em perspectiva, no foco. A utilização desses

recursos técnicos demonstra que houve destaque para a figura da personagem, pois

somente a imagem do coronel está nítida e a contextualização ocorre com os

elementos de composição da foto que dá-se a supor o ambiente de uma praia. Pelo

fato de a legenda indicar um profissional do Rio de Janeiro, é possível inferir tratar-se

de uma praia do litoral carioca. Outra ferramenta técnica utilizada é a publicação da

foto no enquadramento vertical que oferece a sensação de movimento e dinamismo

do referente como apontado Ivan Lima. (1988).

Observa-se que a edição foi publicada para duas datas: 24 e 25 de dezembro,

especial para as festas de Natal e, por isso, combinam-se os recursos gráficos com a

apresentação de embrulho para presente em forma de laço de fita na cor vermelha.

A infografia oferece destaque para a edição que valoriza as ações de cidadania do

homem para a sociedade e a utilização da imagem na primeira página reforça a

relevância da cobertura. Ressalte-se que não existe título para a matéria e que a foto

representa apenas o indicativo temático de ‘Os personagens da semana’

acompanhado na capa pela legenda. A manchete lexical (Só polícia contém a ira dos

passageiros) não corresponde à manchete fotográfica sobre a aposentadoria do

Coronel Bombeiro.

Ao recorrermos ao texto da legenda, percebemos que o leitor pode ser

confundido, pois há referência a dois personagens: “Conheça melhor o arcebispo de

Brasília, Dom João Braz de Aviz, protagonista de uma bronca pública no Congresso,

e a história do coronel bombeiro Marcos Silva, amigo dos pingüins, que se aposenta

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depois de 32 anos de corporação e 9.200 salvamentos.” (NERI, 2006, p. A18)25. É

necessário, pois, recorrer às páginas internas para identificar que a foto da capa é do

coronel Marcos Silva e não do arcebispo de Brasília. Ou seja, o diálogo da legenda

com as superfícies imagéticas é nebuloso e pouco objetivo.

25 Repórter responsável e que assina a cobertura lexical parte integrante da análise.

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4.2.1 Publicações Internas

• Ele está por todo lugar...

Imagem 5: cobertura completa sobre o Cel. Bombeiro. 24/25/12/2006

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• ... e todos querem que ele fique de vez

Imagem 6: fotos internas do Cel. Bombeiro. 24/25/12/2006

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Através da leitura do texto nas páginas internas, o leitor é informado de que o

Coronel tornou-se, ao longo dos anos, conhecido pela sua afinidade com os pingüins

e o traje utilizado por Marcus Silva remete às penas das aves marinhas. Ao se

analisar a superfície fotográfica, é notória a intencionalidade do fotojornalista na

produção da mensagem, pois o resultado da fotografia transparece no uso do fraque

em local inadequado para as vestes, a praia, e a tentativa de Marcos Silva para se

equilibrar em uma prancha de surf.

Esse é um processo de produção das mensagens no qual são publicadas

várias fotos da cobertura em formato de cineminha26 que promove dinamismo na

mensagem e a sensação de movimento como nas telas de cinema. O movimento do

Cel. Marcos Silva sobre a prancha de surf sinaliza o jeito desengonçado de andar

dos pingüins. Através dessa contradição ideológica, visto que a cobertura se refere à

aposentadoria do Coronel, as imagens apresentam um homem em pleno vigor físico,

simpático pelo sorriso esboçado no rosto e pronto a continuar suas atividades

profissionais. Ou seja, a cobertura coloca em evidência um herói salvador de vidas,

amigo dos animais e, certamente, muito novo para aposentadoria e que, seria

preferível para a sociedade que continuasse suas atividades. Essa inferência pode

ser perceptível através do diálogo estabelecido entre as superfícies fotográficas e os

títulos, o chapéu27, os olhos28 e os textos. O uso de linhas e aspas na cor laranja

pelas páginas acrescenta a sensação de vivacidade, pois se trata de cor forte que

remete a vida.

26 Trata-se de uma seqüência dos fatos de uma determinada cobertura jornalística. Várias fotos, não necessariamente em uma seqüência rígida no momento da captação das imagens, mas que contenham a seqüência informativa dos fatos ou da história jornalística por meio da cobertura fotográfica. 27 Termo utilizado em diagramação para texto que se coloca acima do título da matéria. 28 Termo utilizado em diagramação para texto curto em destaque na página. Normalmente, informação relevante no corpo da matéria ou depoimento do personagem.

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Outro expediente gráfico utilizado transparece nas fotos internas que foram

recortadas e invadem o texto demonstrando o diálogo do discurso lexical com as

fotografias e almejam facilitar a leitura, pois deixam a página mais leve e,

esteticamente, mais bonita.

Através da cobertura, Evandro Teixeira simula, através das superfícies

fotográficas, que a personagem interage com seu ambiente de trabalho e nessa

contextualização estabelece-se o paralelo do homem com as aves marinhas.

Evandro Teixeira se apropria das informações sobre o Coronel, a história de vida e

trabalho da personagem e a proximidade do Natal para selecionar e combinar

elementos que demonstrem a integração entre Marcos Silva e os pingüins como um

presente natalino. Em outras palavras, a utilização de recursos gráficos como o laço

de fita vermelha que embrulha as notícias como um presente de Natal indica a

transgressão dos atos de fingir na combinação dos elementos presentes nas

superfícies dessa edição especial do Jornal do Brasil.

Nessa cobertura, o fotojornalismo de Evandro Teixeira demonstra as

transgressões dos atos de fingir e a matéria aproxima-se da literatura e, portanto, do

imaginário social. A proximidade do discurso publicitário com a inserção do laço de

fita vermelho, um presente de Natal, na cobertura é outro fator que demonstra o

hibridismo da mídia na contemporaneidade. As ferramentas utilizadas para compor

as mensagens, a exploração de recursos gráficos e ilustrações contribuem para

apresentar novas realidades sobre a aposentadoria do Cel. Bombeiro que avançam

para além da representação dos fatos. Transparece a marca pessoal do

fotojornalista, da equipe de editores e diagramadores, transformando a notícia em

imaginário social perceptível nas mensagens produzidas.

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4.3 Primeira página - 09 de julho de 2007

• Braços abertos para novo templo da água

Imagem 7: capa JB – 09/07/2007

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A fotografia da capa capturada com lente teleobjetiva e diafragma aberto

provoca baixa profundidade de campo e valoriza a principal personagem da foto na

primeira página da edição. A contextualização do ambiente de esporte aquático

estabelece diálogo com outra cobertura sobre a eleição do Cristo Redentor, no alto

da página, como uma das novas 7 maravilhas do mundo. O fundo azul das duas

fotografias e a posição dos braços abertos, nadadora e estátua do Cristo, remetem

ao paralelo entre as coberturas. As chamadas informam a preparação das equipes

de natação para os jogos Pan-Americanos, que se iniciavam na sexta-feira seguinte,

e a evolução das ginastas de nado sincronizado em homenagem ao título atribuído

ao Cristo Redentor.

A foto publicada na capa, com enquadramento vertical, estimula a sensação

do dinamismo no esporte e provoca o desejo de liberdade e alegria da personagem

que transparece fora da água e, ao mesmo tempo, parece flutuar e preparar-se para

voar. Há de se levar em conta que a nadadora não tem seu nome impresso na

primeira página, somente na continuidade da cobertura que surge nas páginas

internas. A escolha por dispor a foto na página com recurso de sangria29 nas pontas

das mãos da nadadora também amplia a sensação de liberdade e para alçar vôo.

Nessa cobertura, os recursos gráficos são pouco explorados na página, mas

as cores presentes no fundo da imagem com predominância do azul dão conta da

intensidade da mensagem. O diálogo estabelecido entre a superfície fotográfica e os

signos lexicais complementa a informação e reduz a polissemia da mídia imagética.

O Parque Maria Lenk, em Jacarepaguá, é denominado Maracanã da água, através

da legenda, e comparado a um templo de natação pelas informações no título, assim

como, o Cristo Redentor é considerado pela sociedade como templo de oração. 29 Recurso utilizado em diagramação no qual se recorta a imagem e se dispõe a fotografia para além dos limites do enquadramento fotográfico tradicional, o retângulo áureo definido por Leonardo Da Vinci no Renascimento.

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No fotojornalismo convencional, as legendas aparecem fora da superfície da

imagem e, na contemporaneidade, as legendas ocupam novo espaço, dentro da

fotografia. Assim, estabelecem-se mais proximidade entre os signos imagéticos e os

lexicais. Na combinação dos elementos simbólicos da matéria os atos de fingir (Iser,

2002) podem ser identificados uma vez que surgem as sensações imagéticas de

voar ou de referenciar outra matéria sobre o Cristo Redentor, além da proximidade

estabelecida entre texto e imagem. Manifestam-se, dessa forma, os imaginários

sociais.

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4.3.1 Publicações internas – Capa do caderno de Esportes.

• O balé das sereias

Imagem 8: capa do caderno de Esportes – 09/07/2007

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A foto foi capturada com teleobjetiva e diafragma aberto para destacar os

elementos do primeiro plano, as atletas do nado sincronizado. Nessa foto não há o

crédito ao repórter fotográfico, direito autoral protegido por lei, mas respeitado nas

fotos internas da editoria: as fotos da cobertura são de Evandro Teixeira, exceto a

imagem da acrobata, Gláucia Heier, no centro da página.

A capa do caderno de Esportes da edição do Jornal do Brasil apresenta

semelhanças com os recursos simbólicos utilizados pela primeira página do jornal:

predominância da cor azul, título e legenda no interior da superfície fotográfica. O

destaque para esta cobertura transparece no tipo da letra no título que enfoca a

palavra sereias em corpo maior “sereias “ que as do início da frase. Outro aspecto

relevante surge na expressão de alegria das atletas e o gesto dos braços

levantados.

As sensações de felicidade revelam-se através do diálogo da superfície

fotográfica com o texto do título, do chapéu e da legenda que demonstram a

codificação da mensagem fotográfica e os atos de fingir, pois há associação de que

o esporte estimula energia e alegria. Por meio do relacionamento com as

informações o leitor tem a percepção intuitiva que O Pan-Americano, é uma festa!

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• Um peixe-voador entre musas da piscina

Imagem 09: cobertura interna – 09/07/2007

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Imagem 10: cobertura interna – 09/07/2007

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Será analisado o conjunto da cobertura nas páginas centrais do caderno de

Esportes. Assim como as capas trazem a predominância da cor azul em função da

matéria reportar sobre esportes aquáticos. Aparentemente, a disposição dos

elementos na página segue o formato convencional de jornalismo, mas a

transgressão se manifesta na foto recortada da atleta, Gláucia Heier, no centro da

página, que não é de Evandro Teixeira: o crédito da imagem acerta como material de

divulgação. Por se tratar de folha inteira, dupla, tornou-se possível propor a fotografia

da manobra da atleta de ginástica artística recortada e de ponta-cabeça, uma

transgressão na página promovida pelo olhar do diagramador e editores. O título da

matéria, ‘Um peixe-voador entre as musas da piscina’, dialoga com a foto que,

apesar de não pertencer a Evandro Teixeira, estabelece interação com as demais

mensagens do fotojornalista e editor de fotografia.

A experiência promovida pelo pacto de leitura através da página sinaliza o

sentimento de liberdade, alegria e dinamismo próprios do esporte e da festa do Pan-

Americano realizada no Rio de Janeiro. Ou seja, o imaginário aparece novamente

nos atos de fingir potencializados pela seleção, relacionamento e combinação dos

elementos simbólicos presentes no fotojornalismo contemporâneo desenvolvido

pelas mensagens de Evandro Teixeira.

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4.4 Primeira página – 29 de setembro de 2007

• Próxima estação, lotada!

Imagem 11: capa JB – 29/09/2007

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A fotografia acima referenciada foi realizada com lente grande angular que

demonstra a seleção de campo de visão mais abrangente e permite a participação

de mais elementos na composição da foto. A utilização de velocidade de obturador

mais baixa permite a sensação de movimento dos sujeitos, pois se apresenta na

superfície fotográfica o borrado30 resultante do deslocamento e da saída das pessoas

dos vagões do metrô no Rio de Janeiro.

A matéria sobre superlotação do transporte, na capital carioca, remete às

cenas de filmes cinematográficos pelo enquadramento na horizontal, o volume de

pessoas que participam da foto e pela a sensação de movimento provocada pela

superfície da imagem. Apesar de a cobertura ter sido realizada de forma espontânea,

a edição e a publicação remetem ao caráter ficcional estabelecido pela linguagem do

cinema.

Apesar da simplicidade da notícia, a opção por selecioná-la se deveu ao fato

de, uma vez que, foi suposta a existência de transgressões pela sensação do

movimento cinematográfico que a fotografia provoca a partir da experiência com a

superfície da imagem. Os elementos constituintes da fotografia e o diálogo com o

título, ‘Próxima estação, lotada!’, remetem às telas do cinema que, em princípio,

participam da esfera do ficcional, da literatura e, portanto, do mundo do imaginário.

A fotografia, apesar de se estruturar como mídia estática pode provocar a

sensação de agitação como apresentado pela cobertura de superlotação no metrô

do Rio de Janeiro. Normalmente, os recursos de velocidade do obturador, mais baixo

ou mais alto, são muito utilizados nas matérias esportivas, nas quais se pode

congelar ou borrar as atividades, seleção adotada pelo fotojornalista. A fotografia

congelada ou parada nem sempre estimula a sensação de movimento, mas a

30 Riscar ou borrar o movimento do referente que se desloca é um recurso utilizado pela velocidade das cortinas do obturador no interior do aparelho fotográfico.

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imagem borrada/riscada apresenta o deslocamento dos objetos, causando a

impressão de que o referente estivesse em atividade.

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4.4.1 Publicações internas

• Próxima estação, lotada

Imagem 12: cobertura interna – 29 de setembro de 2007

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Imagem 13: cobertura interna – 29 de setembro de 2007

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Nas publicações internas, tem-se a sensação da continuidade das telas

cinematográficas através das expressões dos personagens selecionados através das

lentes de Evandro Teixeira. O semblante da mulher que se posiciona em pé e alheia

ao trabalho do fotojornalismo demonstra algo que remete ao do tédio por estar

dentro de um trem lotado e os demais sujeitos parecem nem se preocupar com o

transtorno em se utilizar o transporte urbano carioca.

Outro aspecto que indica as transgressões apontadas por Iser (2002) é

observado na repetição do título da cobertura. Para o autor, como já foi referenciada,

a repetição da realidade é uma demonstração de transgressão e de certa forma

pertencente ao campo do imaginário. Nesse caso, demonstra-se a repetição de

como a “próxima estação” (grifo nosso), como qualquer outra no trajeto a ser

percorrido pelos usuários do metrô, a estação vai estar “lotada” (grifo nosso).

A foto menor demonstra o embarque das pessoas que com dificuldade entram

no vagão do metrô do Rio de Janeiro. Salienta-se que a foto da capa apresenta o

desembarque, uma foto interna reflete o embarque e a foto maior da publicação

interna o desconforto de se transportar na capital fluminense. Infere-se que nesta

cobertura, a narrativa se deu por meio do discurso cinematográfico no qual se

percebe o início, o meio e o fim da estória, desta vez contada através da cobertura

fotojornalística de Evandro Teixeira.

Ao dar continuidade às sensações pela narrativa retomada da mensagem

utilizada no cinema o repórter fotográfico estabelece a interação entre as mídias e

apresenta o diálogo que se constrói entre a fotografia de notícias e os códigos

presentes no campo das telas cinematográficas. Ou seja, nessa cobertura, a

superfície fotográfica vai cumprir o papel dos atos de fingir e potencializar as

transgressões no fotojornalismo da atualidade, tendo em vista que o conhecimento

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adquirido através dos sentidos transfere a percepção do homem para as telas do

cinema. Isso é possível à medida que a sociedade experimenta o saber das mídias:

fotografia e cinema. Evandro Teixeira combina os signos na superfície da imagem e

constrói a mensagem a partir de sua formação particular, transgride e tensiona os

formatos convencionais de fotojornalismo, trazendo à tona para a imprensa o diálogo

com outra mídia. O ato de fingir na cobertura é o reflexo de uma imagem fotográfica

referenciada no cinema, ambiente ficcional e imaginário social.

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4.5 Primeira página – 19 de agosto de 2007.

• O banho das estrelas

Imagem 14: capa JB – 19/08/2007

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A fotografia foi realizada com lente teleobjetiva que reduz o campo de visão,

mas privilegia os elementos de composição no fundo para a contextualização da

cena. O dinamismo dessa imagem é apresentado pela utilização de velocidade de

obturador mais alto que congela o movimento do animal, quando recebe o banho

antes da disputa pelo título no campeonato de turfe do GP Brasil no Jockey Club do

Rio de Janeiro.

O conceito de momento decisivo de Cartier-Bresson é explorado para a

realização dessa cobertura no instante em que o repórter fotográfico registra o prazer

do cavalo ao refrescar-se com a água jogada no rosto/corpo do animal. Ao

selecionar a velocidade de obturador mais alta, Evandro Teixeira congela algumas

partes da água, do rosto do cavalo e do tratador do animal. Assim a fotografia

encoraja as sensações de calor no ambiente do GP Brasil, a movimentação dos

sujeitos referentes e o frescor do animal ao receber o banho.

A legenda relata que no Grande Prêmio de Turfe há participação de estrelas,

que, normalmente, deveriam ser os jóqueis, mas os animais são tratados com

mordomia e atenção nos aprontos finais. O GP Brasil é uma tradição para a

sociedade carioca e a matéria aponta que as estrelas são os cavalos. A informação

aparece no título da notícia, ‘O banho das estrelas’, inserida dentro dos limites da

fotografia, e na legenda que segue o formato convencional de jornalismo, entretanto,

não apresenta o nome do animal ou do jóquei a montá-lo.

Os atos de fingir se revelam pelos elementos contidos na superfície da

fotografia e no conteúdo do título que não recebe destaque gráfico. O signo

“estrelas” adotado como forma de informação humaniza o animal aproximando-lhe

do ambiente lúdico que pertence aos símbolos da sociedade. Assim, a associação

do animal ao campo do imaginário, através da fotografia e do título, é um ato de fingir

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que sobrevém em função da própria convenção da social, pois os cavalos do turfe,

muitas vezes, têm mais prestígio que os homens a montá-los, os jóqueis.

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4.5.1 Publicação interna

• 75º GP Brasil

Imagem 15: cobertura interna – 19/08/2007

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A fotografia foi publicada totalmente recortada e o destaque da mensagem

ressalta a diagramação que não explora os elementos que compõem o fundo da

imagem. O uso de velocidade de obturador mais alto congela o movimento, mas

promove a sensação de movimento do animal, pois a superfície fotográfica

apresenta o cavalo enquanto corre. O título da matéria apresenta cor cinza e o

enfoque é reforçado pela tipologia maior e pela associação ao conteúdo, pois a

temperatura de 75º indica o calor simbólico para o GP Brasil.

Através da leitura da matéria, o leitor concientiza-se de ler sobre um

campeonato importante para a sociedade carioca, no qual, as estrelas são

apontadas como os jóqueis e os cavalos. Na legenda da foto, entretanto, a grande

estrela é a única égua que vai competir. O conteúdo da legenda demonstra um jogo

de palavras, pois a égua, além de competir com mais 13 garanhões, tem o nome de

Quanta Classe. O destaque nesse texto surge com a utilização de tipologia maior da

palavra UMA da cor laranja, que sinaliza as cores do capacete e roupa do jóquei.

Ou seja, a combinação de elementos lexicais e gráficos aponta para os atos

de fingir no fotojornalismo utilizado pelo Jornal do Brasil que, na cobertura em

questão, provoca a sensação da importância do grande campeonato do turfe

carioca, no qual, várias são as estrelas, principalmente, os cavalos.

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4.6 Primeira página – 29 de agosto de 2007

• Dom João VI encontra Presidente Vargas

Imagem 16: capa JB – 29/08/2007

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4.6.1 Publicação interna

• Aula de história bem-humorada atrai multidão

Imagem 17: cobertura interna – 29/08/2007

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Nesta matéria devem ser analisadas a primeira página e a publicação interna

em função da semelhança entre ambas e como avisa Iser(2002) a repetição é uma

das formas de transgressão.

As imagens foram registradas através de uma lente normal que demonstra a

cena de maneira mais próxima ao campo de visão do olho humano. O olhar da

personagem principal da cena estabelece a relação de cumplicidade entre o

referente e o leitor. A fotografia publicada com enquadramento horizontal demonstra

tranquilidade, mas bastante movimentada a comemoração cultural dos 200 anos da

chegada da família real ao Brasil, representada a caráter pela personagem da

matéria, o historiador Milton Teixeira.

A interação entre o título e os elementos simbólicos na superfície da

fotografia, naturalmente, remete ao passado. A caracterização das personagens para

a comemoração dos 200 anos do período histórico e o conteúdo do título, ‘Dom João

VI encontra Presidente Vargas’, conduzem o leitor ao campo do imaginário. Somente

através da literatura podia haver o encontro do Rei de Portugal, em 28 de agosto de

1807, e o Presidente da República do Brasil nos anos de 1950.

O pacto de produção de informação na cobertura é percebido pela

intencionalidade dos sujeitos na cena, cúmplices da objetiva fotográfica, pois olham

diretamente para a câmera, e simulam a moda e o comportamento da sociedade no

período histórico apresentado. Nessa publicação, os signos gráficos são excluídos

do processo comunicativo e privilegiados os próprios contextos dos sujeitos

participantes. A leitura do texto e da legenda informa que o professor e historiador,

Milton Teixeira, juntamente com outros colegas, como fuzileiros navais e policiais

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militares, decidiram encenar uma “aula de história bem-humorada...” (GRANDELLE,

2007, p. A16)31, nas ruas da capital, do Rio de Janeiro.

Os atos de fingir se manifestam de maneira bastante transparente, na

cobertura, em função da própria estrutura dos fatos que remetem ao passado, ao

período da história do Brasil, com as caracterizações das personagens e o encontro

‘impossível’ do Rei Dom João VI com o Presidente Vargas, feito através do nome da

avenida, onde aconteceu a performance dos sujeitos do processo comunicativo.

Surge à tona outro elemento do ato de fingir que se manifesta na mentira contada

pelo historiador. Uma vez caracterizado como Dom João VI, o professor se

transporta ao passado e se faz passar, cenograficamente, pelo Rei de Portugal,

dessa vez em pleno séc. XXI, ou seja, acontecimentos possíveis somente na

literatura, mas que se exploram na imprensa brasileira, ou seja, em mensagens

pertencentes ao campo da informação no jornalismo. Nessa notícia, a função do

fotojornalista foi apenas registrar os fatos da maneira mais fiel aos acontecimentos,

mesmo assim, surgem atos de fingir pela própria seleção dos elementos simbólicos

que compõem a superfície fotográfica.

31 Repórter que assina a cobertura lexical parte integrante da análise.

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4,7 Primeira página – 04 de novembro de 2007.

• Largo João da Baiana

Imagem 18: capa JB – 04/11/2007

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4.7.1 Publicações internas

• O Rio de Noel Rosa resiste à modernidade.

Imagem 19: cobertura interna – 04/11/2007

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Imagem 20: cobertura interna – 04/11/2007

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Nessa cobertura, serão enfatizadas as páginas internas, pelo fato de elas

apresentarem mais elementos do universo do imaginário que a fotografia da capa.

A fotografia da capa foi realizada com uma pequena grande angular que

permite o registro de uma cena mais abrangente, utilização de diafragma fechado

que abrange mais elementos no foco e contextualiza a seleção dos elementos

simbólicos que compõem a intencionalidade da cobertura. A reportagem noticia os

ambientes do Rio de Janeiro resgatados pela indústria cinematográfica, ao tematizar

o filme sobre Noel Rosa, e, nas fotos internas, se estabelece o diálogo entre diversas

mídias como o jornalismo, a fotografia e o cinema.

Os elementos simbólicos da matéria, assim como em outras fotos

selecionadas e analisadas, demonstram o pacto de leitura com o caráter ficcional a

partir da própria estrutura da reportagem. Publicada em página central, é perceptível

a sensação de tranquilidade do ambiente e as cores que compõem o cenário

remetem ao passado do cotidiano do povo carioca. Poucos foram os recursos

gráficos utilizados, somente demonstrados pelo uso de duas linhas, dois pontos e

duas aspas em cor laranja, talvez para acrescentar certo dinamismo e atrair para a

leitura dos signos lexicais.

A foto principal não é de Evandro Teixeira, mas uma cena do filme sobre a

vida e obra do poeta Noel Rosa, entretanto, a imagem interage com as fotografias da

matéria que são do fotojornalista. Manifestam-se, nessa interação, os atos de fingir

entre fotojornalismo e cinema pelo diálogo entre as mídias. Na cena do filme, é visto

um Rio de Janeiro do passado, tranquilo e próprio para a poesia musical de Noel

Rosa em contradição às informações de violência urbana acontecidas na capital

carioca da atualidade. O título da matéria, ‘O Rio de Noel Rosa resiste à

modernidade’ assegura essa inferência.

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As imagens de Evandro Teixeira, há de se ressaltar, também, demonstram um

Rio de Janeiro tranqüilo, cidade de boa convivência e lugar agradável para viver. As

famílias se relacionando, descansado, se divertindo, jogando sinuca e criando seus

animais domésticos. A repetição da realidade da vida das pessoas no Rio através da

superfície fotográfica demonstra o ato de fingir, mesmo que o cotidiano do cidadão

carioca comum perpasse a tranquilidade, a convivência com o ambiente da violência

urbana tensiona as formas de relacionamento da sociedade – diariamente, conforme

a imprensa noticia a violência na capital do Rio de Janeiro. Mesmo assim, vive-se

certa tranquilidade nos bairros cariocas e as mensagens de Evandro, na cobertura,

apresentam o valor da vila de Noel Rosa.

Há de se acreditar na presença dos aspectos que se relacionam entre a mídia

que faz referência a notícias de realidades e a outra mídia, ao cinema, que freqüenta

o mundo do imaginário. Destaque-se que a cobertura narra lugares no Rio de

Janeiro e não sobre o filme produzido sobre Noel Rosa, ou seja, o cinema pautou a

redação para refletir sobre a sociedade carioca e os espaços por ela ocupados.

Assim, a interação das informações visuais do cinema e da cobertura do

fotojornalismo de Evandro Teixeira indica a potencialização das transgressões de

seleção, combinação, relacionamento dos atos de fingir de Wolfgang Iser. (2002).

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5. Conclusão: manifestações do imaginário no fotojo rnalismo

contemporâneo

As superfícies das notícias publicadas nas sete coberturas do Jornal do Brasil

foram percorridas e manifestaram-se os elementos simbólicos que pertencem ao

campo do imaginário. Algumas coberturas analisadas como os 100 anos de

Niemeyer ou a aposentadoria do Cel. Bombeiro, Marcos Silva, demonstram com

mais transparência as potencializações de mensagens que tensionam os formatos

tradicionais de fotografia de notícia.

É crível que as coberturas fotográficas de Evandro Teixeira e a combinação

com outros signos de informação como os lexicais e recursos gráficos, uso de cores

e tipologias diversas nos títulos, legendas dentro dos limites da fotografia, além de

fotografias maiores, espaços em branco etc. indicam as transformações no

fotojornalismo contemporâneo, o qual tende a apresentar universos ficcionais e

imaginários sociais.

A produção de informação no Jornal do Brasil, como se percebeu, é realizada

de forma coletiva, na qual o repórter fotográfico seleciona e combina os elementos

da superfície fotográfica, mas a edição do produto final aponta o relacionamento com

os elementos simbólicos que transformam a notícia em algo para além das

representações de realidades. Hoje, o fotojornalismo dialoga cada vez mais com

outros signos de informação que o aproxima do campo de saber da publicidade, do

universo cinematográfico e do campo da literatura, ou seja, a fotografia de notícias

tornou-se mais híbrida e pertencente ao mundo do imaginário.

Se para o filósofo Wolfgang Iser (2002), o imaginário se manifesta somente na

literatura, é possível acreditar que, no fotojornalismo contemporâneo, exemplificado

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pelo trabalho de Evandro Teixeira, os atos de fingir e as transgressões vêm à tona

nas superfícies das mensagens fotográficas. As experiências no fotojornalismo,

como entendidas, são potencializadas pelas formas do homem contemporâneo

interagir com as mídias de informação e, muitas vezes, essa demanda da sociedade

venha a ser reflexo da expansão da comunicação através de produtos disponíveis na

Web que obrigaram a imprensa a se ajustar a novas buscas de produtos midiáticos.

As mudanças nos projetos editoriais e gráficos dos últimos 10 anos demonstram a

tentativa de acompanhar os tempos atuais e o estímulo à criatividade sobre os

elementos que vão compor as notícias nas páginas dos jornais.

Não se pretende encerrar essas reflexões e é de se acreditar que o

fotojornalismo da contemporaneidade avança através de novas experimentações

que tensionam os formatos convencionais de jornalismo e se transforma em mídia de

apresentações de realidades, mas com traços do ficcional e do imaginário social.

Evandro Teixeira transgride com sua bagagem pessoal e com criatividade as

mensagens no fotojornalismo publicado nas páginas do Jornal do Brasil. Evandro é

um fingidor com a realidade dos fatos e, portanto, uma referência nacional e mundial

no fotojornalismo contemporâneo, um poeta, um mágico que abre a caixa preta a

cada clik fotográfico.

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http://photos.uol.com.br/materia.aspid_materia=3416 http://portaldacomunicacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=16615 http.www.portalimprensa.uol.com.br/portal/ponto_de_vista/2008/01/30/imprensa http.www.webcine.com.br/filmessi/evanteix.htm http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/freebook_portugues1.htm Periódicos Discursos fotográficos. Londrina, PR: Universidade Estadual de Londrina, Curso de Especialização em Fotografia, 2005 - 2006 – 2007 – 2008. Jornal do Brasil.

• Edições analisadas de: 15/12/2007; 24 e 25/12/2007; 09/07/02007; 29/09/2007; 19/08/2007; 29/08/2007; 04/11/2007.

• Edições selecionadas, mas excluídas das análises: 03/06/2007;

17/11/2007; 18/06/2007; Veja. Reportagem especial. Beslan, Rússia. 3 de setembro de 2004. São Paulo, Editora Abril, edição 1.870, ano 37 – nº 36. 08 de setembro de 2004. MARIEN, Violeta. Memórias da Avenida. Memórias de um carnaval ingênuo e cada vez mais raro imortalizadas pela sensibilidade do artista. In Revista de Domingo, 03 de fevereiro de 2007.

PASSAL, Clara. Evandro Lança livro e promove debate. In Caderno B. Jornal do Brasil. Edição de 20 de março de 2008. Photo magazine. Variadas edições. Comburiu/ SC. 2006 – 2007 – 2008. Bibliografia BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. BODESTEIN, Celso Luiz Figueiredo. Imagens literárias do fotojornalismo. Símbolo complexo e construção de não-referentes para a notícia. Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação. COMPÓS, Curitiba/PR, 2007. Disponível em <http://www.compos.org.br/pagina.php?menu=8&mmenu=0&fcodigo=252 >. Acesso em: 02/08/2008.

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CASTRO, Sandra de Pádua, O imaginário na construção da realidade e do texto ficcional. Disponível em <www.letras.ufmg.br/atelaeotexto/revistatxt5/sandraartigo.html>, Acesso em: 02/08/2007. DERRIDA, Jacques. A voz e o fenômeno: introdução ao problema do signo na fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro: Zahar, c1994. FLUSSER, Vilèm. O instrumento do fotógrafo ou o fotógrafo-instrumento. Íris Foto Revista de Fotografia, Vídeo e Informática, São Paulo, n.351, p.18-9, ago.1982. FREUND, Gisèle. La Fotografia como Documento Social. Barcelona: Gustavo Gili, 1986. MACHADO, Arlindo. As Imagens Técnicas: da Fotografia à Síntese Numérica. Sd. Disponível em <http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/Members/maluteodoro/rascunhos-resenhas-fichamentos-observacoes/quickdoc.2007-07-31.8228906198/>. Acesso em: 15/08/2007. _________, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993. _________, Arlindo. A ilusão especular: introdução a fotografia. São Paulo: Brasiliense; [Rio de Janeiro]: Instituto Nacional da Fotografia, 1984. MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. PARENTE, André. Imagem Máquina: A Era das Tecnologias do Virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. PINTO, Julio. 1, 2, 3 da semiótica. Belo Horizonte: UFMG. 1995. _________, Julio; SERELLE, Márcio. Interações midiáticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. _________, Julio. O ruído e outras inutilidades: ensaios de comunicação e semiótica. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. TEIXEIRA, Evandro. 1968 Destinos. Passeata dos 100 mil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. VAZ, Paulo Bernardo; CASA NOVA, Vera. Estação imagem: desafios. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. __________, Paulo Bernardo (Org.). Narrativas fotográficas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

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Anexo A

Evandro Teixeira: "Meu negócio é fotojornalismo". Se há um personagem que sirva de fio condutor da história brasileira nos últimos 40 e tantos anos, este personagem é Evandro Teixeira André Teixeira Do golpe de 64 à posse de Lula, dos dribles de Garrincha à festa do penta no Japão, passando por Jogos Olímpicos, Copas do Mundo, visitas de reis e rainhas, viagens do Papa – numa delas, reza a lenda que ele, ao sentir que a câmera não disparara na hora do tradicional beijo no solo, teria simplesmente gritado “repete, seu papa” –, Evandro vem registrando nosso cotidiano com um olhar apaixonado que lhe garantiu a provavelmente mais consagrada carreira que um fotojornalista brasileiro já construiu. Suas fotos viram ícones, marcam uma época. Muitos fotógrafos documentaram a intensa manifestação política durante os anos da ditadura, mas as primeiras imagens que vêm à lembrança quando se fala no assunto são obras de Evandro Teixeira. Nelas se vê o domínio técnico aliado a um olhar diferenciado, que combina, como poucos, beleza e conteúdo informativo. E isso não apenas nos grandes temas – os pobres, humildes, excluídos são o tema central de seus projetos pessoais, executados com sua inseparável Leica. Com o nome na Enciclopédia Internacional de Fotógrafos, que reúne os maiores nomes da fotografia desde 1839, Evandro tem trabalhos nos acervos do Museu de Arte Moderna do Rio, Masp e Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Museu de Belas Artes de Zurique, Suíça e Museu de Arte Moderna La Tertulia, em Cáli, na Colômbia. Já expôs em Paris, Frankfurt, Zurique, Madri, Veneza, Basel, Nova lorque, Cuba, México, Buenos Aires, Bogotá. A lista de prêmios é extensa, mas vale citar os dos concursos internacionais da Nikon, em 1975 e 1991, e da Unesco, em 1993. Com livros publicados, exposições por todo o mundo e reconhecimento generalizado, Evandro Teixeira tinha tudo para se deixar levar pela fama, mas continua simples e modesto como o menino que deixou a Bahia na década de 50 para tentar a vida no Rio e acabou se transformando num dos nomes mais importantes não só da fotografia, mas da própria cultura brasileira. Às vésperas de mais uma viagem, para um livro sobre os 45 anos de Brasília, o mestre e inspiração de várias gerações de fotojornalistas brasileiros concedeu a seguinte entrevista à PHOTO MAGAZINE: Photo Magazine – Você provavelmente é o fotógrafo brasileiro com o trabalho mais reconhecido e premiado. São inúmeros prêmios, exposições por todo o mundo, livros, enfim, um profissional consagrado. Como foi o começo disso tudo? Evandro – Meu primeiro contato com a fotografia de imprensa aconteceu em 1954, com a revista O Cruzeiro, na época, a grande escola de fotojornalistas do Brasil. Era um ensaio sobre as mães de todo o mundo, organizado pelo José Medeiros – que depois seria meu professor – e que me despertou essa paixão definitiva pela

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fotografia. Eu ainda morava no interior da Bahia e comecei a fazer um jornalzinho no colégio de padres em que estudava. Photo Magazine – E o salto para a fotografia profissional? Como foi o início da carreira? Evandro – Incentivado por um amigo, Manoel Pinto, vim para o Rio. No terceiro dia, já queria voltar. Tinha medo, achava que não ia dar certo. Mas resisti e no ano seguinte consegui uma vaga no Diário da Noite, como estagiário. Em 62, fui parar no Jornal do Brasil, convidado pelo Alberto Medeiros. Na verdade, ele tinha me convidado um ano antes, mas eu ainda não me sentia à altura de trabalhar no JB, no meio de todos aqueles cobras, e levei um tempo até aceitar o desafio. Photo Magazine – Era uma grande escola de fotojornalismo... Evandro – De jornalismo em geral, mas realmente a fotografia do JB era um caso à parte. Era a elite do fotojornalismo brasileiro, e criou uma marca, era muito valorizada. Para você ter uma idéia, quando eu entrei no jornal, o salário do fotógrafo iniciante era maior do que o dos repórteres. Photo Magazine – E a própria utilização da fotografia nas suas páginas dá uma idéia dessa valorização... Evandro – Exatamente. O Jornal do Brasil sempre teve uma tradição de explorar bem as fotos, mesmo que não fossem relacionadas a um assunto importante. Se a foto fosse boa, o pessoal dava um jeito de publicá-la. Isso não acontece tanto em outros jornais. Photo Magazine – E a situação do jornal hoje, como está? Evandro – Está se recuperando aos poucos. Passou por muitas dificuldades, mas está melhorando. Photo Magazine – O Jornal do Brasil foi um dos mais atuantes no combate à ditadura, ao arbítrio. Isso com certeza foi muito importante para sua carreira. Evandro – Aquela época foi uma das mais marcantes tanto para a história do Brasil quanto para a minha. Tenho o maior orgulho por ter sido um dos personagens dessa luta contra os militares. Participei muito ativamente de tudo aquilo, desde 64, quando consegui "roubar" uma foto no Forte de Copacabana, no dia da queda de Jango. Fotografei muito o movimento estudantil, passeatas, enfim, acompanhei e registrei tudo aquilo. Photo Magazine – A censura era muito rigorosa com a fotografia? Evandro – Acontecia uma coisa curiosa: o pessoal do texto sofria mais do que a gente, porque para os censores era mais fácil entender – e mutilar – um texto do que ver uma foto numa folha de contato. A gente fazia os contatos meio escuros, assim o censor não conseguia ter uma leitura exata das imagens e acabava deixando passar. No dia seguinte, quando via publicada, é que vinham p... da vida, ameaçando prender, censurar. Aí, tínhamos que sumir por uns dias. Photo Magazine – Conte uma dessas ocasiões. Evandro – Havia um general que era muito conhecido, mas que andou sumido uns dias. A imprensa começou a especular que ele estaria tramando algo. Ele, então, chamou um repórter do Jornal do Brasil a sua casa, para mostrar que estava apenas

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doente. Fui com ele, com a câmera escondida dentro da camisa. Ele quis me expulsar, mas acabou concordando que eu ficasse. Sem que ele percebesse, fiz três fotos dele de pijama, na cama, e o jornal publicou no dia seguinte com o título “O repouso do guerreiro”. Tive que passar um tempinho escondido até ele se acalmar. Photo Magazine – Você chegou a ser preso? Evandro – Dei muita sorte: nunca fui preso, nem apanhei. Mas companheiros meus passaram por isso, tiveram costelas quebradas, ficaram dias presos. Photo Magazine – Era difícil lidar com a vaidade dos poderosos? Aconteciam histórias curiosas? Evandro – Muitas. Uma vez, durante uma parada militar, fotografei duas libélulas pousadas sobre a ponta de baionetas. A foto foi para a primeira página, e a do presidente, que estava na parada, foi para dentro. No dia seguinte, ele me chamou ao Palácio das Laranjeiras e me perguntou porque sua foto não estava na capa. Expliquei que era uma questão editorial, mas ele não aceitou a resposta e mandou me expulsar do palácio, cortando minha credencial. Photo Magazine – Uma das fotos daquela época – da passeata dos 100 mil – se tornou praticamente um símbolo da luta contra a ditadura, e agora é base para mais um projeto, o "68 destinos". Fale um pouco sobre ele. Evandro – A idéia é localizar 68 pessoas que aparecem na foto e mostrar como elas eram, o que pensavam, e no que se transformaram. Há casos como o da designer dos meus livros, a Elayne, que acabou casando com outro participante da passeata. Os dois não se conheciam na época, aparecem em pontos diferentes da foto, mas acabaram se casando. É isso que quero mostrar. Photo Magazine – Pretende fazer um livro? Evandro – Isso. Além das fotos dos 68 personagens, vai ter textos do jornalista Marcos Sá Corrêa, de Fernando Gabeira, do Wladimir Palmeira – figura central daquela passeata – e de mais um, que ainda não defini. Photo Magazine – Como foi a repercussão de suas últimas exposições na Europa? Evandro – Estou com duas mostras, uma na França, com o material que produzi sobre Canudos, e uma na Suíça, mais ampla, mostrando minha trajetória no fotojornalismo. A repercussão é impressionante. Na França, por exemplo, a exposição foi inaugurada numa sexta-feira à tarde – com Gilberto Gil, Chico, a prefeita de Montpellier e outros – e no sábado, segundo o curador, Rolland Laboye, 2.400 pessoas já tinham visto as fotos. Desde maio, 11 mil pessoas já assinaram o livro de presença – e a maioria, infelizmente, não assina. Um sucesso, enfim. O tema Canudos é muito conhecido na França. Photo Magazine – E aqui pela América do Sul, você costuma participar de eventos? Como é o panorama da fotografia nos países vizinhos? Evandro – Estive no Chile há pouco tempo, para ser jurado de um concurso internacional de fotojornalismo. Fui convidado pela Unión de Reporteros Gráficos de Chile, e fiquei encantado com o nível da produção e com a estrutura. Eles bancaram as passagens, conseguiram patrocínio para hospedagem em hotel cinco estrelas, vão montar uma exposição e publicar um livro. Fiquei impressionado com o nível,

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com a capacidade da entidade de promover um evento tão organizado e profissional. Eles têm dinheiro. Photo Magazine – E isso no Chile, um país que nem é tão rico e sem grande tradição na fotografia. Enquanto isso, no Brasil, as associações estão à míngua. Evandro – Pois é, a Arfoc (Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos) está praticamente falida, correndo o risco de ser até despejada. Photo Magazine – Por que isso acontece no Brasil? Evandro – Falta de organização, de união, de participação da categoria. Falta empenho e comparecimento da categoria. Photo Magazine – Quais foram as principais influências em seu trabalho? Evandro – O José Medeiros, Luciano Carneiro e o Luiz Carlos Barreto, que depois acabou fazendo cinema. Eu cheguei a trabalhar uma semana com cinema, mas só fiquei uma semana. Photo Magazine – E publicidade ou outro tipo de fotografia, você nunca quis fazer? Evandro – Não. Meu negócio é mesmo o fotojornalismo, o dia-a-dia. Até fiz alguns trabalhos em publicidade, inclusive com minha filha como modelo, mas não é minha praia. É como fotos de nus: gosto de ver, não de fazer. Photo Magazine – Nesses mais de 40 anos dedicados ao Jornal do Brasil, nunca bateu uma vontade de experimentar outros vôos, talvez em outro país? Evandro – Não, eu sou muito enraizado. Apesar de tudo, adoro o Brasil, nossa gente. Uma vez fui convidado para trabalhar na Suíça, mas não topei. Photo Magazine – Mesmo com todas as facilidades que uma estrutura grande te ofereceria? Evandro – Aqui as dificuldades realmente são muitas. É difícil conseguir patrocínio, há poucos espaços. Photo Magazine – Trilhar uma trajetória como a do Sebastião Salgado nunca te seduziu? Evandro – Eu costumo dizer que o Salgado, que é meu amigo e que tem um trabalho realmente belíssimo, é na verdade um fotógrafo francês. Ele tem um olhar brasileiro, é o fotógrafo mais importante do mundo, mas começou a fotografar na França, e utiliza toda a estrutura que a Europa oferece e só chegou aonde chegou por conta disso. Tem uma série de patrocínios. O Banco Mundial e a organização Médicos sem Fronteiras lhe dão apoio, enfim, tem tudo à mão para estar no palco dos grandes acontecimentos, para tirar do papel seus projetos, que são enormes, demorados e caríssimos. Photo Magazine – Você tem algum projeto parado por falta de apoio? Evandro – Tenho um livro pronto sobre a Feira de São Cristóvão. Estava tudo acertado para ser publicado em 2005, mas a editora me ligou semana passada avisando que o projeto teria que ser adiado por falta de verba. Vou ter que procurar uma outra. Photo Magazine – Algum outro pronto para sair do forno?

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Evandro – Estou com um trabalho pronto sobre o poeta Pablo Neruda. Quando ele morreu, eu estava no Chile, e fui o único a ter a informação de que ele estava morto no hospital. Corri para lá e documentei tudo. Acompanhei a chegada de sua mulher, a preparação do corpo, o velório. Os militares cercaram o cemitério, criaram uma série de dificuldades, Pinochet chegou a convocar uma entrevista coletiva para tentar esvaziar a cobertura do enterro, mas não conseguiu. A idéia é um livro em três partes, uma com essas fotos, outra com os locais importantes de sua história, como sua casa, o cemitério, o palácio de La Moneda, e uma terceira mostrando esses locais hoje. Photo Magazine – Alguma previsão? Evandro – Estou em contato com uma editora francesa e uma chilena. Talvez tenha que voltar ao Chile nos próximos meses para negociar isso. Photo Magazine – Você acredita que as facilidades que a tecnologia das câmeras modernas nivela por baixo os fotógrafos? Evandro – De certa maneira, sim. Mas você não pode se deixar levar apenas pela tecnologia. A câmera não pode te escravizar. Seja com uma Canon ultramoderna ou com minha antiga Leica, é preciso dominar a técnica, tem que ter um olhar apurado. Photo Magazine – E a fotografia digital? Evandro – Por um lado, para nós, fotojornalistas, é uma maravilha. A rapidez e a praticidade que elas nos trouxeram são indispensáveis na nossa profissão. Eu me lembro do baú enorme com os equipamentos de transmissão que a gente carregava nas viagens. Parecíamos mais uns jumentos com aquele peso todo nas costas. Hoje isso terminou. Photo Magazine – Além do peso, havia toda a trabalheira de revelar o filme, transmitir... Evandro – Eu cheguei a ser expulso de um hotel em Estocolmo por causa da sujeira que ficou no banheiro depois que revelei os filmes e ampliei as fotos. O revelador e o fixador mancham tudo. Sem falar do tempo que a gente perdia com a revelação, a transmissão nas velhas UPIs, que levavam meia hora para mandar uma única foto. Hoje, posso transmitir a foto do meio do campo, em segundos. Nas Olimpíadas de Sidney, cheguei a transmitir fotos de dentro de um barco. Photo Magazine – E qual seria o lado negativo das digitais? Evandro – O problema é que, com elas, todo mundo acha que virou fotógrafo. A quantidade de fotos que chega aos jornais todo dia, de graça, é impressionante. Para os donos, para os colunistas, isso é ótimo, mas para a gente é muito ruim. Photo Magazine – Você é de uma época em que se viajava muito pelos jornais, mas hoje isso não ocorre. A que você atribui essa mudança? Evandro – Realmente, a gente viajava muito. Tem uma história que mostra bem isso: quando aconteceu aquela tragédia com mais de 900 americanos envenenados pelo pastor fanático Jim Jones, o jornal mandou me buscar em Copacabana para viajar às pressas para a Guiana Inglesa, onde foi o massacre. Nem mala eu fiz: comprei roupas lá. Peguei dinheiro – dólares – no cofre do próprio jornal e voei para Belém, onde alugamos um avião. Veja bem, alugamos um avião. Hoje, mal se pega um táxi.

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Para mim, isso é fruto do empobrecimento dos jornais. A Internet, televisão e agências nos tomaram esse espaço. Photo Magazine – O que você acha do fato de as agências internacionais publicarem fotos em jornais brasileiros de fatos acontecidos no Brasil? Elas não deveriam servir apenas para enviar fotos para publicações estrangeiras? Evandro – Acho isso um absurdo, que devia ser proibido. É mais um espaço que acabamos perdendo. Photo Magazine – O que acha do nível atual da fotografia brasileira? Evandro – É uma das melhores do mundo. Está num nível internacional. O que acontece com os fotógrafos brasileiros é que a gente vive num continente isolado. É um país pobre, sem recurso, só conseguimos comprar material trazendo de fora, tudo importado, caro. Não temos intercâmbio cultural, galerias específicas, incentivo para mostrar nossa fotografia; mas em qualidade ela não deve nada à fotografia de qualquer lugar do mundo. Tanto é que há vários brasileiros expondo pelo mundo todo. Photo Magazine – Os prêmios que brasileiros vêm recebendo confirmam isso. A que você atribui esse sucesso? Evandro – O Brasil tem tudo de bom: médicos, músicos, escritores, cientistas e, claro, fotógrafos. Nós driblamos as dificuldades com criatividade e dedicação. Nosso olho é nossa arma, nossa diferença. Antes das digitais, eu via fotógrafos estrangeiros com 50 rolos de filme para um jogo, enquanto eu usava seis, no máximo oito. Eles com quatro câmeras, eu apenas com uma. Na hora de olhar o filme revelado, eles tiraram duas ou três de cada filme, enquanto dos meus quase todas podiam ser aproveitadas. Nosso negócio não é quantidade, é qualidade. As dificuldades nos obrigam a ser criativos. Photo Magazine – Quais as principais características de um bom repórter fotográfico? Evandro – Além de um bom olho, criatividade e muita força de vontade. Photo Magazine – No documentário “Instantâneos da Realidade”, sobre sua carreira, o Rogério Reis fala de uma característica sua: a eterna vontade de fazer uma foto diferente. Ele lembra do caso durante a Rio–92 em que você subiu num guindaste para fotografar os presidentes reunidos, enquanto os outros fotógrafos se aglomeravam no local reservado para eles. Nessas horas, não bate um medo de não conseguir fazer a foto, de ser, como se diz no jargão, “furado”? Evandro – Bate, mas vale o risco. Sempre vale a pena arriscar. Photo Magazine – A fotografia tem, ou deveria ter, um papel social, transformador? Você pensa que uma foto sua pode mudar o mundo? Evandro – É difícil, mas muitas fotos mudaram o curso da história. Temos que pensar que podemos ajudar nas mudanças necessárias. Claro. A gente sempre tenta ajudar a mudar. Muitas fotos já mudaram o rumo da história. É claro que é difícil, mas através do nosso trabalho é possível tentar.

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Photo Magazine – Você é muito procurado para palestras, principalmente por estudantes. Como encara esse assédio dos jovens? Você se considera um exemplo? Evandro – Isso me emociona muito. Mostra que eu criei uma escola, que sou uma referência. Eu nunca esperei chegar a esse nível na minha profissão, mas graças a Deus consegui, com muito esforço e dedicação, esse sucesso. Photo Magazine – E o que você costuma dizer para os que pensam em encarar essa profissão? Evandro – Que, apesar de todas as dificuldades do mercado, não se deve desistir da profissão. Para os que estão começando a carreira, digo que é preciso pensar sempre que tudo é possível. Não se pode sair para uma pauta pensando que vai ser difícil, que não vai dar para fazer. Nunca liguei para o jornal dizendo que não dava. Tem que dar.

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Anexo B

Fotos coletadas e excluídas da análise

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ANEXO C

Evandro Teixeira lança livro e promove debate

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ANEXO D

Memórias da avenida: Imagens de um carnaval ingênuo e cada vez mais raro imortalizadas pela sensibilidade do artista

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