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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM JORNALISMO Thiago Luiz Stürmer ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA: A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ Santa Cruz do Sul, junho de 2010

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Monografia de Thiago Stürmer, defendida em 2010, primeiro semestre, na Unisc.

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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA:

A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Santa Cruz do Sul, junho de 2010

Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA:

A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster

Santa Cruz do Sul, junho de 2010

Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA:

A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Este trabalho de conclusão de curso foi apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Dr. Demétrio de Azeredo Soster

Professor orientador

Dra. Fabiana Piccinin

Ms. Paulo Pinheiro

AGRADECIMENTOS

Ao Demétrio, que orientou esta pesquisa, pela paciência com as limitações do aluno,

pelos ensinamentos, pelas correções precisas. À Unisc, pela concessão da bolsa. À Muri, à

família e aos amigos, pelo incentivo

A melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor. (García Márquez, A melhor profissão do mundo)

RESUMO

Partindo do princípio de que a revista Piauí, por suas características, representa um paradoxo

no cenário do jornalismo contemporâneo, esta pesquisa busca explicitar como tal publicação

se estabelece editorialmente. Para tanto traçamos um panorama histórico do surgimento e da

evolução do jornalismo no formato revista e revisamos as discussões a cerca dos diferentes

gêneros jornalísticos, com ênfase na evolução do jornalismo interpretativo, no qual se inserem

os textos da Piauí. E depois de definirmos os aportes metodológicos utilizados, analisamos 15

reportagens da Piauí, com o objetivo de compreender quais os recursos que diferenciam os

textos da Piauí de outras publicações, e como esses recursos são utilizados.

Palavras-chave: jornalismo interpretativo; revista; atualidade; profundidade; narrativa

literária

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................8 1 FORMAÇÃO E IDENTIDADE DAS REVISTAS...............................................................11 1.1 O surgimento da revista......................................................................................................11 1.2 As revistas no Brasil...........................................................................................................13 1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro.............................................................14 1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete.........................................................................18 1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade..................................................................21 1.2.4 A última grande revista nacional: Veja............................................................................24

2 ALGUMAS DEFINIÇÕES PARA OS GÊNEROS JORNALISTICOS...............................28 2.1 O gênero interpretativo.............................................................................................................................312.1.1 Diferenciações entre jornalismo interpretativo e diversional..........................................35

3 PIAUÍ, UMA REVISTA DIFERENCIADA.........................................................................38 3.1 A valorização do texto em Piauí.........................................................................................46

4 DOS MÉTODOS DE ANÁLISE...........................................................................................52 4.1 A revisão bibliográfica........................................................................................................53 4.2 Estudo de caso..................................................................................................................... 4.3 Análise de conteúdo............................................................................................................54

4.4 Ferramenta de análise pessoal.............................................................................................55 4.4.1 As unidades de análise.....................................................................................................56 4.4.1.1Atualidade......................................................................................................................56 4.4.1.2 Profundidade.................................................................................................................57 4.4.1.3 Narrativa literária..........................................................................................................58

5 CARACTERISTICAS DAS REPORTAGENS DA REVISTA PIAUÍ................................62 5.1 Análise das reportagens......................................................................................................62 Alguns apontamentos................................................................................................................84

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................85 REFERÊNCIAS........................................................................................................................89

INTRODUÇÃO

Autores de pesquisa em jornalismo sempre se dedicaram a compreender e delinear as

transformações decorrentes da evolução da sociedade nessa atividade profissional e em sua

produção. Ciro Marcondes Filho divide a evolução do jornalismo em quatro fases. A primeira

fase é caracterizada por seus valores e literários, a segunda pelo estabelecimento da imprensa

de massa e a terceira pela imprensa monopolista. A quarta fase, e atual, é definida pela

implantação de novas tecnologias, pela disseminação da informação eletrônica e pela

interatividade.

A quarta fase começou na década de 1970, quando os meios digitais passar a interferir

no jornalismo. Mas a grande mudança iniciou a partir da metade da década de 1990, com a

transposição do conteúdo jornalístico para a internet. Hoje, os principais valores da produção

jornalística são o impacto visual, a velocidade, a precisão e a atualização contínua.

No entanto, nos últimos anos, estão se estabelecendo no mercado jornalístico veículos

de comunicação em formato que contraria esses preceitos. Um exemplo é a revista Piauí.

Criada em 2006 pelo documentarista João Moreira Salles, Piauí se caracteriza por privilegiar

a escrita em detrimento a informação visual e por trazer reportagens aprofundadas, com textos

longos e minuciosos ao invés de informações rápidas e curtas.

Pouco antes da publicação da primeira edição da Piauí, João Moreira Salles ouviu de

um famoso editor que uma revista com a que ele tinha condições de vender mais do que cinco

mil exemplares por mês mercado do Brasil. Os mais otimista diziam que a tiragem poderia

chegar a 10 mil exemplares. Na época da execução dessa pesquisa, eram comercializados por

mês 60 mil exemplares da Piauí, e a tiragem estava em permanente crescimento.

Essa monografia pretende auxiliar na compreensão dos motivos que fazem com Piauí

tenha se estabelecido de forma tão contundente no mercado editorial nacional. Para isso, nos

dedicamos a analisar o conteúdo publicado pela revista em questão. Para cumprir com esse

objetivo, utilizamos de três técnicas de pesquisa bastante consolidadas nas pesquisas em

jornalismo: revisão bibliográfica, estudo de caso e análise de conteúdo, além de um método

pessoal que desenvolveremos especificamente para este estudo.

Inicialmente, afim de delinearmos a trajetória de evolução das revistas, fizemos um

resgate histórico do formato, desde seu surgimento até a consolidação, que passa pela

inovação trazida por títulos como Time, Life e The New Yorker. No Brasil, as revistas que

mais se destacaram ao investir em jornalismo diferenciado foram O Cruzeiro, Manchete,

Realidade e Veja.

Cada uma dessas publicações, foi em seu tempo, inovadora. O Cruzeiro, revista

fundada em 1928, foi a primeira a investir em nos textos aprofundados e na valorização das

fotografias. Manchete, de 1952, consolidou o destaque às imagens – dessa vez em cores – e

também investiu em boas reportagens. A revista Realidade, da Editora Abril, representa uma

das melhores experiências nacionais no que tange ao jornalismo de revista com reportagens

aprofundadas e texto literário. Veja, por sua vez, se consolidou ao investir na cobertura

política – assunto que mais mobilizava o país à época de sua criação – e, mais recentemente,

no denuncismo político e na opinião contundente.

Avançando na pesquisa, revisamos uma discussão que embora exista formalmente no

Brasil há pelo menos três décadas, continua motivando diferentes propostas de interpretação:

as definições dos gêneros jornalísticos. Ao tratamos do tema, temos por objetivo a

conceituação dos textos publicados na revista Piauí e a definição de suas características.

Entendemos que os textos de Piauí tem características de dois gêneros distintos, o

interpretativo e o diversional, ao serem escritos com técnicas literárias, na qual o autor se

preocupa menos em seguir padrões e técnicas de redão jornalística para dar ao leitor uma

visão mais humanizada dos fatos. Mas classificamos os textos como interpretativos porque

eles têm compromisso com a atualidade, característica não encontrada nos textos de

jornalismo diversional.

No terceiro capítulo, tratamos da história e das características da publicação que é

nosso objeto de estudo, a revista Piauí. Tal medida é importante para que possamos entender

o contexto no qual a publicação se insere, quais os modos de produção da revistas, quem são

os responsáveis por sua criação e quais suas características editorias.

No quarto capítulo, identificamos e explicamos as operações teóricas e técnicas que

compuseram a construção de nossa pesquisa. Como já foi dito, utilizamos, como técnicas de

revisão bibliográfica, estudo de caso, análise de conteúdo. Buscamos definir esses três

métodos de investigação e, dessa forma, justificar seu uso na resolução de nosso problema de

pesquisa.

Para definir como se caracterizam os textos da Piauí, analisamos as características

comuns em 15 principais reportagens publicadas entre junho e outubro de 2009 na revista.

Essas características são a atualidade, a profundidade e a narrativa literária. O que

pretendemos é compreender como essas características estão inseridas nos textos da Piauí e

qual seu papel, pois acreditamos que o formato das reportagens da revista são sua principal

diferenciação em relação a outros veículos – e representam por isso mesmo elementos

importantes da composição do sistema jornalístico atual.

1 FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E IDENTIDADE DAS REVISTAS

Neste primeiro capitulo, é preciso que recuperemos a trajetória de evolução do

formato jornalístico alvo da pesquisa, a revista. Compreender as características e a

desenvolvimento das revistas é importante para que possamos, adiante, compreender o

contexto histórico no qual está inserido a revista Piauí e o modelo de jornalismo desenvolvido

por esta publicação.

Nas próximas páginas, faremos um resgate histórico sobre o surgimento do suporte

revista, primeiro, no mundo; depois, no Brasil. Buscando objetividade e clareza, optamos por

tratar de maneira aprofundada quatro títulos. São as revistas nacionais que mais se destacaram

em toda a história, seja nos números de tiragem, prestígio, ou qualidade editorial. Cada uma

delas, têm características particulares, mas todas foram, em seu momento, inovadoras. São

as revistas O Cruzeiro, Realidade, Manchete e Veja.

Mais que uma revisão biblio-historiográfica, trata-se de uma maneira de avançarmos

em nosso problema de pesquisa, as características do jornalismo interpretativo produzido na

revista Piauí. Ademais, ao se estudar títulos que investiram nas reportagens em profundidade

como principal atrativo editorial, refletiremos, por conseqüência, sobre o surgimento deste

tipo de produção jornalística e sua evolução até chegarmos ao seu formato contemporâneo,

desenvolvido por Piauí.

1.1 O surgimento da revista

Segundo pesquisas de Scalzo (2003) e Corrêa (2010), a primeira revista que pode ser

classificada assim chamava-se Edificantes Discussões Mensais¹. A publicação foi lançada em

1663, na Alemanha. Apesar de assemelhar-se fisicamente a um livro, é classificado pelos

autores como revista porque era segmentada – sempre trazia artigos sobre teologia – tinha

periodicidade fixa, como denota seu nome, e era voltada para um público específico.

Logo, publicações semelhantes foram lançadas em outros países da Europa. Todas

tinha formato físico semelhante ao do livro e não se autodenominavam revistas. Mesmo

assim, “deixavam clara a missão do novo tipo de publicação que surgia: destinar-se a públicos

específicos e aprofundar os assuntos – mais que os jornais, menos que os livros”. (SCALZO,

2004, p.19).

The Gentleman’s Magazine, publicada em Londres em 1731, e The Ladies Magazine,

lançada um pouco depois, em 1779, foram as primeiras revistas com formato semelhante ao

que conhecemos hoje. Buscavam apresentar os temas de forma leve e agradável e reuniam

assuntos variados - como os magazines, lojas que vendiam um pouco de tudo. A partir daí, o

termo magazine passou a designar revista em inglês e em francês.

Até o fim do século 18, com a evoluções na sociedade trazida pela Revolução

Industrial1 e a conseqüente facilitação nos processos de impressão, já havia no mercado uma

centena de publicações. A quantidade de títulos aumenta no mesmo ritmo em que os países se

desenvolvem, o analfabetismo diminui, cresce o interesse por novas idéias.

Ao longo do século 19, a revista ganhou espaço, virou e ditou moda. (...) Com o aumento dos índices de escolarização, havia uma população alfabetizada que queria ler e se instruir, mas não se interessava pela profundidade dos livros, ainda vistos como instrumentos da elite e pouco acessíveis. Com o avanço técnico das gráficas, as revistas tornaram-se o meio ideal, reunindo vários assuntos num só lugar e trazendo belas imagens para ilustrá-los. Era uma forma de fazer circular, concentradas, diferentes informações sobre os novos tempos, nova ciência e as possibilidades que se abriam para a população que começava a ter acesso ao saber (SCALZO, 2004, p. 20).

A revista que mais contribuiu para o progresso do gênero foi a Time. A publicação foi

fundada em 1923 e continua sendo uma das mais prestigiadas do mundo. A Time foi a

primeira publicação semanal de notícias de generalidades e inspirou, como veremos adiante, a

criação da Veja, pela Editora Abril, 48 anos depois, em 1968.

Os fundadores da Time queriam trazer as notícias da semana, organizadas em sessões,

sempre narradas de maneira concisa e sistemática. dando-lhes contexto e opinião. “O homem

ocupado não tem tempo para perder, achavam Hadden e Luce em 1923, antecipando uma

verdade que hoje nos aflige ainda mais” (CORRÊA, 2010, On-line)

Outro título destacado por Marília Scalzo (2004, p. 23) é Life, de 1936. A revista,

fundada por Henry Luce – que também participou da fundação da Time – aproveita o

desenvolvimento da fotografia para fundamentar-se justamente nas imagens. Outra

característica foi a melhora na qualidade do papel, que aumentava ainda mais a valorização

das fotografias.

_________________________________ 1Conjunto de mudanças tecnológicas iniciadas na Inglaterra meados do século XVIII e logo expandido para os outros países. Ao longo do processo, a era agrícola foi superada, a máquina suplantou o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos.

Dois fenômenos editorias do Brasil, O Cruzeiro e Manchete, seguem a fórmula criada

na Life, como veremos mais adiante.

Também considerada importante por Correa, e relevante no nosso trabalho, por ter

inspirado o formato seguido por Piauí, é a revista The New Yorker, criada por Harold Ross em

1925, nos Estados Unidos, e que até hoje continua a ser uma das publicações mais

prestigiadas no mundo. A revista se destaca pela reportagens em profundidade sobre pontos

de vista originais e com narrativa literária. Como a Piauí, a The New Yorker publica contos de

ficção, poesias e histórias em quadrinhos em praticamente todas as edições. É semelhante

também a formatação gráfica das duas revistas, com prioridade para os textos – sempre longos

– em detrimento às fotos.

Credita-se à The New Yorker, ainda, a invenção do modelo de texto que chamamos de

perfil. O perfil, define, Sérgio Vilas Boas é “um tipo de texto biográfico sobre uma – uma

única - pessoa, famosa ou não, mas viva, de preferência”. O autor explica ainda as diferenças

do perfil e da biografia do personagem.

A biografia é uma composição superdetalhada de várias “textos biográficos” (facetas, episódios, convivas, pertences, legados, o feito, o não-feito etc.). Enquanto um biógrafo se detém em um extenso conjunto de inputs, o autor de um perfil se concentra em apenas alguns aspectos do personagem central. O personagem central – assim é melhor que “perfilado” (palavra horrível) – é a razão de ser de um perfil. Se a individualidade fosse banida do mundo e os humanos não passassem de robôs programáveis, sem estilo nem identidade, o gênero perfil simplesmente não existiria. O perfil se atém à individualidade, mas não ao individualismo vulgar. (VILAS BOAS, 2010, On-Line)

1.2 As revistas no Brasil

Após delinearmos os principais momentos do surgimento do meio revista no mundo,

passamos, agora, a tratar do desenvolvimento do formato e de sua identidade no Brasil.

Como lembra Scalzo (2003), a história das revistas no país, como a história da

imprensa em geral, em qualquer parte do mundo, confunde-se com a história econômica e

industrial. Como a publicação de qualquer tipo de produção jornalística só foi permitida no

Brasil depois da chegada da Família Real, em 1808, a primeira revista só foi impressa no país

em 1812. Chamava-se As Variedades ou Ensaios de Literatura,e era produzida em Salvador.

Como outras da época, era muito parecida com um livro e se propunha a publicar diversos

assuntos, desde pequenas novelas até clássicos da literatura portuguesa, passando por

anedotas e artigos científicos.

Em 1827, é impressa a primeira revista segmentada por tema, a reboque da

beletrização da elite profissional do país recém independente. Chama-se O propagador das

Ciências Médicas e foi publicado pela Academia de Medicina do Rio de Janeiro. E nesse

mesmo ano surge a primeira revista feminina nacional, Espelho Diamantino. Dirigida às

mulheres, a publicação tratava de assuntos que até hoje pautas as revistas de diversidade -

política, moda, teatro, literatura. Essas duas revistas - e a maioria das outras que existiam na

época - foram extintas em pouco tempo, devido à falta de assinantes e de recursos.

O cenário começa a mudar com a revista Museu Universal, de 1937, voltada a uma

parcela da população recém-alfabetizada, com o propósito de oferecer cultura e

entretenimento. Abusando do uso de ilustrações e com pequenos textos, Museu Universal era

o meio ideal para essa que os recém conquistados leitores se informassem. Com essa fórmula,

copiada dos magazines europeus, o jornalismo de revista brasileiro começou a se expandir.

Conforme a pesquisa de Scalzo (2003) foram lançados centenas de títulos entre o final

do século XIX e o inicio do século XX, durante a chamada Belle Époque. A maioria deles no

Rio de Janeiro, centro político e cultural da república. Acompanhando as transformações

científicas e tecnológicas, as revistas passam a apresentar um nível de requinte visual antes

inimaginável. Começam a apareces as primeiras fotografias e ilustrações. Um dos títulos mais

destacados é a Revista Ilustrada, fundada em 1860 por Henrique Fleuiss, que vale-se desses

recursos gráficos. Mas a primeira revista a efetivamente usar o fotojornalismo no Brasil foi a

Cruzeiro – inicialmente sem o artigo no inicio no nome –, sobre a qual falaremos a seguir.

1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro

O Cruzeiro foi a principal revista brasileira da primeira metade do século XX. O

projeto da publicação era foi idéia do jornalista português Carlos Malheiro Dias. Mas quem

acabou comprando o título efetivamente iniciando sua impressão foi o dono dos Diários

Associados2, Assis Chateaubriand. Chateaubriand, como conta Morais (1994, p. 177) na

_________________________________ 2Os Diários Associados chegaram a reunir 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, em todo o Brasil além da revista O Cruzeiro. Com a morte de Chateaubriand, em 1968, as empresas entraram em decadência, culminando, em 1980, com o fechamento da TV Tupi.

biografia que escreveu sobre o empresário e jornalista, tinha a intenção de desenvolver um

produto jornalístico que atingisse todo o país. Por meio de amigos, tomou conhecimento das

intenções de Malheiro Dias e, em 1928, com a ajuda do então ministro da Fazenda Getúlio

Vargas, conseguiu o dinheiro necessário para comprar a idéia e iniciar O Cruzeiro.

À época já proprietário da maior cadeia de jornais que existiu no país, Chateaubriand

conhecia como nenhum outro o mercado editorial, suas possibilidades e demandas. Logo, O

Cruzeiro tinha um projeto editorial definido: “Uma revista com papel de alta qualidade,

repleta de fotografias, contaria com os melhores articulistas e escritores do Brasil e do

exterior”. (MORAIS, 1994, 178). Cruzeiro seria semanal, com tiragem de 50 mil exemplares,

que circulariam em todas as capitais e principais cidade do Brasil.

O Cruzeiro surgiu no governo de Washington Luiz Pereira de Souza. Era um período

de intensa migração do campo para as cidades. O Brasil registrava o aumento da vida urbana.

Fábricas se espalhavam às dezenas. Para os leitores de O Cruzeiro, a revista era o reflexo do

processo de modernidade pelo qual passava a sociedade brasileira. Em pouco tempo, a revista

se firmou como a principal publicação nacional. E sua Redação foi pioneira ao tratar de

reportagens profundas sobre questões nacionais.

Nos 46 anos que circulou, inclusive no exterior, em países como Portugal, Argentina,

Chile e México, O Cruzeiro foi considerada a maior revista da América Latina, chegando a

uma tiragem de 700 mil exemplares na década de 1960, seu período-auge.

Além lançar nomes na política e nas artes, o periódico foi um dos veículos de

comunicação mais poderosos que o país já teve. Um exemplo é o próprio Getúlio Vargas, que

O Cruzeiro ajudou a levar ao poder na década de 1930 e que também ajudou a depor em

1944.

Moraes (1997, p. 194) destaca que O Cruzeiro valorizava a produção literária,

refletindo o interesse de seu publisher pelas artes. Logo em suas primeiras edições, foi

lançado um concurso de contos e novelas destinado a descobrir novos talentos da literatura.

Em poucas semanas, mais de 400 trabalhos chegaram a redação da revista. Entre os dez

finalistas dois nomes chamaram a atenção especial pela qualidade de sua produção e pela

pouca idade. Um deles era o futuro general e historiador Nelson Weneck Sodré, autor do

clássico História da imprensa no Brasil (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966), à

época com 18 anos. O outro, do interior de Minas Gerais, era um jovem de 21 anos chamados

João Guimarães Rosa, que anos seria consagrado como um dos maior escritores em língua

portuguesa.

Serpa (2010) listou um conjunto de artistas – ilustradores, pintores e escritores – que

colaboraram para O Cruzeiro: Portinari, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Djanira, Ismael Nery,

Enrico Bianco, Gilberto Trompowski, Anita Malfatti, Millôr Fernandes, Ziraldo, Carlos

Estevão, Alceu Penna, Zélio (irmão de Ziraldo), Humberto de Campos, Graciliano Ramos,

Jorge Amado, Érico Veríssimo, Franklin de Oliveira, Austregésilo de Athayde e Manuel

Bandeira.

O Cruzeiro foi responsável pela implementação de uma nova forma de fazer

jornalismo, antes nunca utilizada pela imprensa da época. Foi a primeira vez que a

reportagem, modelo de texto jornalísticos estudado nessa pesquisa, foi explorada. Nunca antes

houvera tanta preocupação com a diagramação, nem o uso de fotografias daquela forma,

impressas em cores, ocupando páginas inteiras. Pode-se dizer que O Cruzeiro foi percussora

do fotojornalismo moderno no Brasil. Foi, ainda, uma porta para o surgimento de vários

nomes importantes no jornalismo, como David Nasser, na reportagem, e, na fotografia, Jean

Manzon.

Jean Manzon nasceu em Paris e trouxe muito da experiência francesa para o Brasil.

Manzon contribuiu com a implementação das reportagens fotográficas em O Cruzeiro,

utilizando a sua experiência de participação em grandes coberturas pela revista Match. Seu

talento, e de seu parceiro na maioria das empreitadas, David Nasser, que trabalhava em O

Globo e foi escolhido pelo próprio Manzon para ser sua dupla nas reportagens, modificaria

por completo o jornalismo nacional.

Manzon e Nasser foram os primeiros nomes da segunda fase de O Cruzeiro, iniciada a

partir da década de 1940. O período foi marcado pelas reportagens semanais produzidas pela

dupla. Juntos, eles participaram de coberturas históricas. Uma das mais famosas é a matéria

Enfrentando os Chavantes!, publicada no do dia 24 junho de 1944. A tribo indígena habitava

uma área muito isolada na Serra do Roncador, na fronteira do Mato Grosso com o Pará e foi

mostrada pela primeira vez por meio das lentes de Manzon e descrita pelo texto de Nasser.

Também fez muito sucesso, em junho de 1946, a reportagem Barreto Pinto sem

Máscara, veiculada em 29 de junho de 1946 e que custou ao deputado a cassação do mandato.

Luiz Maklouf Carvalho repórter de Piauí, é autor do livro Cobras Criadas (2001), sobre a

dupla, e descreve esse episódio:

Em onze páginas, da 8 a 18, Manzon e Nasser apresentaram o deputado constituinte Barreto Pinto semidesnudo, em cuecas e fraque. Foi um escândalo, provocou enorme repercussão na mídia e levou à cassação de um restinho de mandato de Edmundo Barreto Pinto, do Partido Trabalhista Brasileiro – a primeira na história política do Brasil. (...) Barreto Pinto explicou, na ocasião, que recebeu os dois repórteres, em casa, a pedido do secretário de redação do Diário da Noite, Sebastião Isaías. E que deixou-se fotografar só com a casaca, em cuecas, porque os dois disseram que só iriam “aproveitar o busto”. (CARVALHO, 2001, p. 151-153).

Nasser, e todos os outros repórteres de O Cruzeiro, relatavam os fatos sem a

preocupação com o modelo formal do texto jornalístico, que leva em conta a objetividade da

informação. Os textos tinham traços ficcionais e narrativa literária, e em muitos deles,

principalmente quando os autores tinham prestígio entre os leitores, caso de Nasser, era usada

a primeira pessoa e o texto girava em torno do narrador e de sua ações e observações. O

próprio repórter se transformava num personagem.

Mas mesmo se tornando cada vez mais moderno, o jornalismo praticado em O

Cruzeiro era descompromissado com a ética em vários sentidos. Em seu livro, Luiz Maklouf

Carvalho (2001) conta algumas das artimanhas utilizadas pelos repórteres para conseguir

matérias de sucesso. Um exemplo está no relato sobre a morte, inventada, do próprio Jean

Manzon. A reportagem ficcionista aumentou o prestígio e a popularidade da dupla. Accioly

Netto (1998), ex-diretor de redação da revista, também trata da falta de ética em O Cruzeiro

em seu livro de memórias. Segundo Netto (1988, p. 51), muitas vezes as matérias das seções

eram reaproveitadas das revistas do exterior. Fernando Moraes (1997, p. 370) lembra que

muitos textos eram pagos por anunciantes, apesar de isso não ficar explícito aos leitores.

O Cruzeiro começou a declinar a partir dos anos 60, com o desuso de suas fórmulas e

o surgimento de novas publicações, como a revista Manchete, sobre a qual trataremos a

seguir. A ruína chegou definitivamente em 1974, provocada pelas dividas que fizeram

sucumbir também os outros veículos do Diários e Emissoras Associados. Além de perder

parte do próprio prédio onde estava instalada na rua Livramento, o título O Cruzeiro foi

cedido a Hélio Lo Bianco, em pagamento por suas comissões atrasadas (NETTO, 1998,

p.164). Também as máquinas, importadas por mais de dois milhões de dólares, foram

vendidas a preço de ferro-velho.

1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete

Manchete começou a circular em abril de 1952, um ano depois de Adolpho Bloch ter

iniciado seu projeto. O fundador da revista era um imigrante vindo para o Brasil com a família

em 1922, infeliz com o regime socialista na sua Russia natal.

Bloch, empresário do setor gráfico, apostava que havia lugar no mercado para mais

uma revista de circulação nacional, que poderia concorrer com O Cruzeiro. Com base na

experiência adquirida nas tipografias da família, tanto na Rússia como no Brasil, alicerçava-se

nas possibilidades de introduzir inovações editoriais na publicação e aprimoramentos técnicos

no equipamento gráfico para vencer o desafio de concorrer com a poderosa revista de

Chateaubriand.

O primeiro número da Manchete estampava na capa uma bailarina do Teatro

Municipal do Rio de Janeiro, e alardeava como exclusividades “Uma grande reportagem de

Jean Manzon” e “A verdadeira vida amorosa de Ingrid Bergman”. O fundo escuro,

contrastando com o dourado de uma carruagem que servia de cenário e com as chamadas

emolduradas em vermelho.

A intenção era lançar uma revista em estilo inteiramente novo, com alta qualidade

gráfica, muitas reportagens a cores, investindo enfaticamente no aspecto visual. A inspiração

publicação francesa Paris-Match, revista de alta qualidade, requintada, cuidadosamente

impressa em sofisticado papel couché.

Cercada por grandes nomes da imprensa dos anos 1950 e dando cobertura aos

acontecimentos relevantes no país e no exterior, a Manchete logo se tornou uma das revistas

de maior circulação no país na época. Tinha sucursais, representantes e correspondentes nas

principais cidades do Brasil e do mundo, tais como São Paulo, Paris, Lisboa, Londres,

Tóquio, Buenos Aires, Montevidéu e Nova Iorque.

Segundo o editor Alvimar Rodrigues, entrevistado por Aragão (2010, On-Line) “o

Adolpho, com a visão grandiosa que tinha, ele quis lançar essa revista [Manchete] como

alguma coisa de muito melhor do que era a grande revista da época, que era O Cruzeiro”. De

fato, a Manchete, ao ser lançada, rapidamente suplantou o sucesso de O Cruzeiro, pois se

apresentava valorizando um outro aspecto visual, o colorido – muito prezado pelo público

leitor em uma época em que a televisão nem existia e depois, quando disseminada, recebia

somente imagens em preto e branco.

Levando em consideração as mudanças ocorridas na imprensa nos anos 1950,

podemos perceber o quanto O Cruzeiro (embora tenha iniciado sua circulação em 1928) e

Manchete se beneficiaram de tudo aquilo que tais transformações propiciavam: maiores

recursos advindos da publicidade, novas técnicas de redação, novos modelos de câmaras

fotográficas, jornalistas mais habilitados, fotógrafos com experiência profissional de alta

qualidade.

Manchete passou a dominar o mercado a partir dos anos 60, quando atingia tiragem

semanal média de 400 mil exemplares. Um dos principais responsáveis por esse sucesso foi

Justino Martins, editor da revista por 24 anos, desde 1959 até sua morte, em 1983. Antes, ele

havia sido correspondente de várias publicações nacionais em Paris, onde entrevistou artistas

como Picasso, Grace Kelly e Jean Genet e foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a

perceber a importância que as celebridades tem para as revistas ilustradas (CORRÊA, 2000).

Assim, Manchete sempre deu destaque a atrizes e suas frivolidades. Justino acreditava

que os assuntos preferidos dos brasileiros eram as celebridades, o cinema, o esporte, o crime e

o dinheiro; também podemos incluir nessa lista o Carnaval que, anualmente, rendia

prestigiadas edições especiais de Manchete.

Mas, contam Gonçalves e Muggiati (In: BARROS e GONÇALVES, 2008), Justino era

muito preocupado com o papel social da revista. Ele e Adolpho Bloch entravam em conflito

constantemente porque o editor queria uma revista mais nacionalista, com mais crítica social e

menos amenidades internacionais. Em 1977, Justino escreveu o seguinte relatório sobre

Manchete:

Sempre houve muita matéria estrangeira na Manchete, mas agora há um excesso de enlatados. A média atual é de 50% a 70% de assuntos estrangeiros. Os 30% nacionais são, em boa parte, de interesse exclusivo da publicidade. (BARROS e GONÇALVES 2008, p. 40)

Semelhante a O Cruzeiro, a publicação da editora Bloch também dedicava bons

espaços às páginas de cultura. Sua vocação literária ficou evidente na séria chamada As obras

primas que poucos leram. A série foi iniciada em 1972 e durou cinco anos sem interrupção.

Nela, autores como Ruy Castro, Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux escreviam sobre

livros “famosos” para o grande público, mas que na realidade poucos haviam lido. A revista

dedicava muito espaço ao cinema e foi sua Redação que usou pela primeira vez um quadro de

cotação, onde os críticos avalizavam com estrelas a qualidade do produto artístico.

Além dos citado acima, entre os destaques no meio intelectual que trabalharam para

Manchete, Andrade e Cardoso (2010, On-Line) identificaram Carlos Drummond de Andrade,

Rubem Braga, Joel Silveira, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Paulo

Mendes Campos, Lígia Fagundes Telles, Antônio Callado, Sérgio Porto, Ciro dos Anjos,

Jânio de Freitas e muitos outros. Jean Manzon, que despontou em O Cruzeiro foi o principal

fotógrafo da de Manchete. Ao seu lado, estiveram Darwin Brandão, Gil Pinheiro, Gervásio

Baptista, Fúlvio Roiter, Jader Neves etc.

Gonçalves e Muggiati (In: BARROS e GONÇALVES, p.26, 2008) lembram que

Manchete não tinha muita preocupação com a atualidade das noticias publicadas. Seu carro-

chefe era a qualidade da informação e não o ineditismo ou a velocidade. A redação concluía a

edição da semana na segunda, a gráfica imprimia na madrugada e em parte da manhã das

terça e o leitor recebia a revista sempre às quartas, dois dias depois, portanto. Mesmo assim, a

revista fazia esquemas especiais para poder noticiar, na mesma semana, por exemplo, as

eleições presidências americanas, cujo resultado tradicionalmente sai na terça à noite. A

Redação preparava duas matérias e ficavam, ambas, prontas para serem publicadas. Depois de

o correspondente confirmar o vencedor, a revista começava a ser impressa.

A editora de Manchete, escreveu Bloch (2008), entrou nos anos 80 como uma empresa

muito saudável financeiramente e editorialmente. À época, a tiragem da revista não baixava

os 200 mil por semana e chegava a atingir um milhão de exemplares em edições históricas.

Nesse período, a empresa inovou o mercado de revistas no Brasil ao aproveitar a influência de

seu famoso semanário para lançar outros títulos. Ao todo, foram 18 novas revistas. Entre elas,

algumas fizeram muito sucesso, como Manchete Esportiva, ilustrada sobre esportes; Jóia,

direcionado ao público feminino; Sétimo Céu, que trazia fotonovelas e notícias sobre rádio e

televisão; Fatos e Fotos, também semanal de atualidades; e a masculina Ele Ela.

O declínio de Manchete começou a partir de 1983, com o surgimento da TV Manchete,

que passou a concentrar todas as atenções e investimentos da família Bloch. A própria revista,

perdeu qualidade, virou um mero boletim de divulgação da emissora de televisão da família,

já que nem dos artistas da TV Globo podia mais falar. “Com esse desgaste todo, Manchete

começou a sofrer progressivas quedas nas vendas, sem que a empresa fizesse qualquer

investimento para virar o jogo” (GONÇALVES e MUGGIATI In: BARROS e

GONÇALVES, 2008, p. 49. Ano a ano, a revista era cada vez menos prestigiada, sua equipe

era cada vez menor. A extinção oficial veio em 2000, com o pedido de autofalência da Editora

Bloch.

1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade

Capitaneada por Roberto Civita, filho do fundador da Editora Abril, Victor Civita,

Realidade nasceu quase por acaso. Roberto queria fazer uma publicação para ser encartada

em jornais de domingo. Chegou a fazer um acordo com os proprietários da Folha de São

Paulo e do Jornal do Brasil, mas quando estava tudo pronto para começar, Otávio Frias de

Oliveira, proprietário da Folha, deu para trás e o projeto morreu. “Roberto foi ver o pai para

contar a triste história, e terminou com a clássica pergunta: E agora, o que é que eu faço? Faz

uma revista, respondeu o pai.”. (CORRÊA, 2010, On-line)

Então Roberto chamou um time de excelentes repórteres, fotógrafos excepcionais -

alguns deles americanos esperando uma oportunidade assim para fotografar o Brasil - e fez

uma revista que até hoje é considerada a melhor experiência em reportagens no Brasil. Além

disso, Realidade é especialmente importante na nossa pesquisa porque, de todas publicações

nacionais sobre as quais tratamos, pode ser considera a mais semelhante à Piauí,

principalmente pela qualidade e pelo formato de suas reportagens.

Realidade começou com uma tiragem experimental de 5 mil exemplares, em sua

edição de número zero, em 1966. Sua segunda edição já saia com 250 mil exemplares, todos

vendidos nos primeiros três dias na banca. A partir daí, a ascensão da revista foi fulminante,

surpreendendo os próprios editores. Em fevereiro de 1967, já era 500 mil exemplares mensais.

Logo depois do lançamento da revista, Faro (1999, p.58) afirma que uma pesquisa foi

feita e revelou que “eram de interesse geral matérias sobre ciência e progresso, grandes

problemas brasileiros e assuntos relativos a sexo e educação sexual”. Esses temas acabariam

por ser recorrentes na publicação.

No quarto ou quinto número, Realidade já era o sonho de todo jornalista brasileiro. Cada exemplar era 'estudado' nas redações e despertava vontade de fazer jornalismo em pessoas que até então consideravam isso de escrever uma ocupação menor (RIBEIRO, apud FARO, 2010, On-Line)

Segundo Faro (1999), uma das fontes dessa experiência jornalística “foi certamente a

conjuntura político-cultural do período do surgimento da revista e de seus três primeiros anos

de existência” (1999, p.50). Outra fonte, que dialoga com a época, foi o uso do código

discursivo inovador, semelhante ao do jornalismo com narrativa literária, que estava sendo

praticado por nomes como Tom Wolfe, Gay Telese, Norman Mailer e Truman Capote nos

EUA.

José Hamilton Ribeiro, um dos principais repórteres de Realidade, afirma que não

houve uma influência direta dos norte-americanos. “Até mesmo porque a revista nasceu junto

com o movimento” (apud VASCONCELLOS, 2003). Ele, porém, admite que seus editores e

redatores estavam cientes das inovações que então ocorriam no jornalismo, não só na América

do Norte como por todo o mundo. “Se houve influência, foi mais pela forma do que pelo

conteúdo. Depois de concluído o trabalho que os editores e jornalistas perceberam o que havia

de parecido. Mas nada foi calculado. Nós fomos contemporâneos ao Novo Jornalismo, mas

não houve nenhuma ligação formal. Foi mais uma ligação etérea. O movimento e a revista

surgiram simultaneamente de forma natural”. (RIBEIRO apud VASCONCELLOS, 2003).

Para Roberto Civita, fundador e ex-editor da Realidade e atual presidente e editor da

Editora Abril, citado por Faro (1999), Realidade veio preencher um vácuo ambicionado pela

geração da época quanto à insipiência das publicações questionando desde a política e valores

culturais vigentes. Para ele, outro fator de sucesso da publicação teria sido o vazio na área das

revistas de informação não atualizada: as reportagens publicadas em Realidade – cerca de 12

ou 13 em cada número – eram feitas com até três meses de antecedência.

O papel da Realidade era dizer as coisas que não eram ditas, fazer as perguntas que não eram feitas.Os jovens se entusiasmaram e se tornaram um grande público: adolescentes, universitários e jovens adultos(...). A circulação da revista era de meio milhão de exemplares vendidos em bancas. Tivemos três edições esgotadas. Acertamos sem nenhum estudo de mercado. (CIVITA, apud FARO, 1999, p. 54)

Para Faro (1999), Realidade só foi possível graças ao espírito de contestação da época.

Os anos 60 foram muito férteis para a experimentação e a busca pela novidade, inclusive na

imprensa. Outro fator para explicar o êxito da publicação, é a fórmula narrativa pessoal

empregada nas matérias.

Quando se lê (as reportagens da revista) o que se percebe é uma presença muito forte da perspectiva pessoal do jornalista na narração do fato noticioso. Um jornalismo produzido assim é um jornalismo que incomoda. Incomoda e atiça o leitor porque o retira do padrão informativo com o qual ele está habituado, mas, em razão das características da época, talvez fosse isso mesmo que o leitor quisesse. Incomoda e atiça os tais “poderes constituídos”, na imprensa e fora dela, porque um jornalismo feito dessa maneira revela fatos, concepções, comportamentos que esses poderes preferem ver camuflados nos códigos da pretensa objetividade dos jornais e revistas de todas as épocas (FARO, 1999, p. 61)

O nível de profundidade ao qual os repórteres se submetiam para compor as matérias

de Realidade pôde ser sentido na pele por José Hamilton Ribeiro logo ao receber o convite

para compor a equipe - que já veio acompanhado da primeira pauta: ele seria negro por um

mês. O repórter foi atrás de dermatologista e passou por processos de pintura de sua pele para

compor a reportagem.

José Hamilton Ribeiro destaca o apuro de equipe de Realidade no que tange a

qualidade dos textos. “Era um tal de reescrever, reescrever, pentear, editar” (José Hamilton

Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010). Quando a matéria enfim passava pelo editor de

texto, Sérgio de Souza, o texto ia para o redator-chefe Paulo Patarra, e, por fim, por Roberto

Civita, diretor de redação.

Antes, ainda na escolha das pautas, havia muitas discussões entre a Redação da

Realidade, buscando sempre os assuntos que os repórteres consideravam os melhores, e com

Civita sempre argumentando que não mostrassem apenas o lado negativo e pessimista do

Brasil. “Era uma luta desgastante, que afinal acabava assim: dos 13 assuntos que a revista

comportava, 11 a redação tinha escolhido; dois ‘ela tinha que engolir’. O balanço final

resultava equilibrado; nem era uma revista mentirosa, nem era amarga e derrotista” (José

Hamilton Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010)

Realidade chegou ao ser apogeu em 1968. A revista não baixava dos 500 mil

exemplares mensais, e ia em ritmo crescente, prenunciando que chegaria à meta de Roberto

Civita: um milhão de exemplares vendidos. Só que no mesmo ano começou a decadência da

publicação. A censura proibiu os jornalistas da revista de falar sobre assuntos que sempre

ocuparam suas páginas. Juventude, operários, sexo, os influentes bispos progressistas, por

exemplo. A Abril teve de demitir vários jornalistas; outros, frustrados, resolveram sair por sua

conta.

Para Roberto Civita, foram várias as causas para o fim da Realidade, sendo, segundo

ele, o argumento mais fácil a ascensão definitiva da ditadura. Porém, “a resposta mais

verdadeira é que o número de ‘moinhos’ contra o qual investíamos estava diminuindo, além

da aceleração das notícias e a imitação do nosso modelo por outros veículos. (FARO, 1999, p.

54-55). Outro motivo foi a criação da revista Veja, sobre a qual trataremos a seguir.

1.2.4 A última grande revista nacional: Veja

Corrêa (2010, On-line) considera que Veja foi a ultima idéia inovadora no que diz

respeito a jornalismo de revista no Brasil. Semanário inspirado na de Time, Veja é a muitos

anos a maior revista deste país, exceção no panorama internacional, onde a semanal de

informação nunca é a maior: é sempre a revista de televisão.

O formato de Veja foi influenciada pelo período em que Roberto Civita trabalhou

como trainee na Time, em Nova York, por mais de um ano. Roberto recebeu um convite para

trabalhar no Japão e, ao invés de aceitar a proposta da redação norte-americana e ir para

Tóquio, voltou para o Brasil e, com o pai, Victor, foi responsável pela criação da revista Veja,

A primeira edição de Veja chegou às bancas no dia 11 de setembro de 1968. A

primeira capa trazia os símbolos do comunismo, a foice e o martelo, sobre um fundo

vermelho. O título da matéria interna era Rebelião na Galáxia Vermelha e tratava da invasão

da Tchecoslováquia. (VEJA, 2010, On-line).

Inicialmente, Veja deveria concorrer com Manchete e ser, por isso, uma revista

ilustrada. O próprio nome Veja pode ser associado a imagens e ficou sendo, a princípio, Veja

e Leia, com a primeira palavra em corpo de letra bem maior. Mas final da década de 60, o

modelo de jornalismo proposto pelas revistas semanais ilustradas estava em decadência.

Mesmo com o uso da cor por O Cruzeiro e Manchete, a viabilidade desse gênero não

correspondia a sucesso em vendas. A atualidade das informações dos jornais diários e da TV

prejudicava cada vez mais as revistas.

Nas primeiras edições de Veja, a diagramação era confusa e as reportagens, prolixas

(AUGUSTI, 2005, p. 73). Quem conseguiu, aos poucos, tornar a revista atraente foi seu

diretor de redação da lançamento da publicação a 1976, Mino Carta. Carta chamou Millôr

Fernandes para fazer duas páginas de humor, publicou resenhas de filmes e livros e, a maior

das inovações, colocou na abertura da revista uma entrevista com perguntas e respostas. Foi

usado na nova seção um estoque de papel amarelo que sobrara na gráfica. Logo, as “páginas

amarelas” se tornaram uma marca – e são até hoje -, e a editora Abril teve que passar a usar

tinta amarela para colorir as páginas de entrevista.

Nessa mesma época, a cúpula de jornalistas que fez história em Veja começava a se

formar, com editores e sub-editores. Chegaram a Veja nomes como Roberto Guzzo, Tão

Gomes Pinto, Roberto Muggiati e Sérgio Pompeu (AUGUSTI, 2005, p. 75-76). Mesmo

assim, a tiragem de Veja era de 70 mil exemplares, muito pouco comparando com os 700 mil

projetados.

As vendas aumentaram durante a publicação de uma série de oito fascículos semanais

sobre a corrida espacial, chegando à marca dos 228 mil exemplares na semana do último

fascículo, a mesma em que Apolo 11 pousou na Lua, em julho de 1969. No mesmo período, a

revista também iniciou um caderno de investimentos que teve tão grande aceitação que deu

origem à revista Exame. Mesmo assim, apenas em 1973 Veja passa a cobrir seus custos (Plug,

2010, On-line).

O sucesso definitivo veio com a doença do presidente Costa e Silva, em agosto de

1969.

Da trombose de Costa e Silva até sua morte, Veja publicou uma seqüência memorável de 17 capas. Apenas três não estavam ligadas à crise política, sendo que às restantes couberam assuntos difíceis de averiguar, ainda mais sob censura. Dessas, duas capas foram históricas. (autor da tese..)... Na primeira, noticiou-se uma exclusividade: o presidente Médici estava irritado com a tortura e os torturadores, com a chamada de capa O presidente não admite torturas. Na semana seguinte, a capa foi sobre o mesmo assunto, com a matéria informando que o ministro da Justiça defendia que era preciso investigar as denúncias de maus-tratos em presos políticos. (AUGUSTI, 2005, p.64)

Diante desse cenário, surge a “fórmula” de se fazer uma revista semanal de notícias

que interessa os leitores. A cobertura política vira prioritária; as pautas refletem as

preocupações de todo o país – democracia, liberdade individual e torturas são temas

recorrentes. E com isso, claro, a revista passa a ter matérias censuradas em quase todas as

edições.

Augusti (2005) escreveu que os jornalistas de Veja trabalhavam em um esquema

diferente do normal em grandes redações. “A equipe deveria descobrir notícias que os jornais

não tinham e apresentar os fatos melhor que eles, já que deveria investigar os bastidores,

dando sentido aos acontecimentos” (AUGUSTI, 2005, p. 65).

Veja também apresentaria uma concepção diferente das revistas Time e Newsweek,

suas principais inspirações. As semanais americanas privilegiavam mais o redator que o

repórter. Veja, porém, soube detectar jornalistas de talento e navegar entre as disputas

militares. A cada reportagem, ampliou os limites do que a revista podia publicar sobre a

censura. Raimundo Pereira, ex-colaborador da revista, citado por Augusti, (2005 p.76) definiu

o jornalista de Veja, da seguinte forma: o repórter que apura, edita e fecha matérias.

A partir do final da década de 1960, a revista já estava consolidada e publicou

entrevistas históricas:

Nelson Rodrigues afirmou em 1969: “Eu sou um anticomunista”. No mesmo ano, o cientista do projeto espacial americano Werner Von Braun foi taxativo: “Haverão estações espaciais orbitando a Terra, e muitos vôos para os laboratórios no espaço”. Em 1972, foi a vez de Tarsila do Amaral polemizar. “Quis fazer um quadro que assustasse o Oswald de Andrade”, disse, justificando Abaporu, obra de 1928. E mais adiante, em 1975, o ditador chileno Augusto Pinochet declarou: “Não existem presos políticos. Há pessoas detidas em virtude do estado de sítio ou por haverem cometido crimes comuns” (Esquinas, 2010, On-line).

Com a explosão das assinaturas, em 1980, Veja tornou-se o título mais lido do país. A

revista seguia – e segue até hoje – a fórmula de apostar em novidades, opinião contundente e

na pauta política. Suas reportagens, salvo exceções, tratam de assuntos debatidos na semana

em meios de comunicação mais ágeis como os jornais.

Com a abertura política, no inicio da década de 1990, a revista passa a publicar

grandes investigações a respeito de corrupção e desvios no erário público. Nessa época, o

Diretor de Redação de Veja era Mário Sérgio Conti, atual diretor de redação de Piauí. E esses

grades furos conseguidos pela equipe de Veja costumam repercutir em outros veículos.

Alguns, inclusive, desencadearam grandes crises políticas.

Em 25 de abril de 1992, por exemplo, Veja publicou nas páginas amarelas uma entrevista exclusiva com Pedro Collor de Mello, irmão do então presidente Fernando Collor de Mello. Pedro Collor denunciou irregularidades de desvio de dinheiro público em uma suposta parceria do presidente com Paulo César Farias e essa entrevista desencadeou uma série de novas denúncias e investigações, culminando com o impeachment e a renúncia do presidente.

Em 14 de maio de 2005, reportagem da revista teve papel relevante na eclosão de outra crise política de grandes proporções. Veja foi o primeiro veículo de comunicação a divulgar a transcrição de um vídeo onde o então funcionário dos Correios Maurício Marinho explicava a dois empresários como funcionaria um esquema de pagamentos de propina para fraudar licitações. Tal esquema envolveria o deputado Roberto Jefferson. E a denúncia deflagrou a chamada crise do mensalão, maior escândalo político recente.

Atualmente, veja pode ser considerada a revista mais influente do Brasil. Sua tiragem é a quarta maior do mundo, com mais de um milhão de edições por semana (SANT’ANNA, 2008).

Tento tratado nesse primeiro capítulo do surgimento da revista, dos títulos que mais influenciaram o desenvolvimento do gênero no Brasil e no mundo, e, por fim, das quatro

publicações que consideramos as mais relevantes no panorama de nossa pesquisa, avançaremos para o segundo capítulo. Nessa parte da pesquisa, vamos tratar dos estudos e das classificações dos gêneros jornalísticos, principalmente do gênero interpretativo, no qual estão inseridas as reportagens da revista Piauí.

2 ALGUMAS DEFINIÇÕES PARA OS GÊNEROS JORNALISTICOS

Para que possamos compreender e conceituar as reportagens publicadas na revista

Piauí, é necessário, primeiro, revisarmos uma discussão que embora exista formalmente no

Brasil há pelo menos três décadas, continua motivando diferentes propostas de interpretação:

as definições dos gêneros jornalísticos.

O objetivo, ao se tratar do tema, é fornecer um mapa para a análise dos tipos de texto e

de suas funções no jornalismo. José Marques de Melo (2003) defende que o estudo dos

gêneros é fundamental para a configuração da identidade do jornalismo como objeto

científico. Para Lia Seixas (2010a On-Line), aprender a fazer jornalismo é aprender a produzir

gêneros jornalísticos.

O conhecimento mais profundo dos elementos que constituem os tipos mais frequentes de composições discursivas da atividade jornalística implica em maior conhecimento sobre a própria prática. Isso significa conhecimento sobre as competências empregadas para a realização da atividade, desde a produção à publicação do produto (SEIXAS, 2010a, On-line)

Podemos considerar que o primeiro a classificar os gêneros jornalísticos foi o editor

inglês Samuel Buckeley, no início do século XVIII. Ao decidir pela separação entre notícias e

comentários no jornal Daily Courant, Buckeley iniciou a classificação dos textos publicados

nos meios de comunicação. A partir daí, com as transformações tecnológicas e culturais, a

mensagem jornalística vem se adaptando, moldando-se conforme a necessidade de cada

época, e tendo diferentes modelos e propósitos.

No Brasil, são poucos os pesquisadores que se dedicaram a distinguir as categorias dos

textos jornalísticos. Entre esses estudiosos, os que mais avançaram neste campo foram Luiz

Beltrão, José Marques de Melo, Mário Erbolato, e, recentemente, Manuel Carlos Chaparro e

Lia Seixas.

Beltrão (1980) encontrou no jornalismo brasileiro três funções fundamentais: a

informação, por meio de um relato claro e simples; a orientação, pela interpretação e opinião

em relação aos fatos, e a diversão. Beltrão sistematizou os gêneros da seguinte forma: 1)

Jornalismo informativo: notícia, reportagem, história de interesse humano, informação pela

imagem; 2) Jornalismo interpretativo: reportagem em profundidade; 3) Jornalismo opinativo:

editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor. (BELTRÃO, 1980)

Para Marques de Melo essa separação veio de uma “necessidade sociopolítica evidente

de distinguir tudo o que continha apenas informação do que também incluía a opinião”

(MELO, 2003, p. 42). O critério adotado por Beltrão, escreveu Melo, é funcional, pois sugere

a classificação dos gêneros de acordo com as funções que desempenham junto ao público

leitor - informar, explicar ou orientar. O autor ainda afirma que Beltrão, quanto à

especificidade do gênero, obedeceu ao senso comum da própria atividade profissional, não se

atendo ao estilo, à estrutura narrativa e à técnica de codificação.

Melo defende que não há razões para segmentar em dois gêneros distintos reportagem

e reportagem em profundidade. Tampouco em classificar como gênero à parte o que Beltrão

(1980) chama de histórias de interesse humano e dissociar recursos que informam através de

imagens do texto já que, na interpretação do autor, fotografias ou desenhos são identificáveis

como notícias ou como reportagens. E ainda, discordando de Beltrão, Melo afirma que o que

vai caracterizar um gênero jornalístico não é o código, mas sim “o conjunto das circunstâncias

que determinam o relato que a instituição jornalística difunde para o seu público” (1985, p.

46).

Em sua classificação dos gêneros jornalísticos, Marques de Melo optou por separar

tudo o que é a reprodução do real, ou seja, as descrições dos fatos em si, do que se apresenta

como uma leitura do real, ou seja, a análise desses fatos. Para Melo, essas definições podem

ser entendidas mais claramente se pensarmos que as pessoas, em meio a tantos

acontecimentos, não dão conta sozinhas de apreenderem a realidade, portanto precisam de

alguém que possa lhes permitir saber o que se passa - jornalismo informativo - e saber o que

se pensa sobre o que se passa - jornalismo opinativo (MELO, 2003, p. 62-63).

Para Marques de Melo apenas essas duas categorias podiam ser encontradas na

imprensa brasileira na primeira metade da década de 1980, quando ele publicou pela primeira

vez seus estudos sobre o assunto. Por entender que o jornalismo interpretativo é incluído

dentro do jornalismo informativo, ele optou por excluir essa categoria como um gênero único.

Melo defendeu, então, a existência dos seguintes tipos de produção jornalísticas nos gêneros

opinativo e informativo: 1) Jornalismo informativo: nota, notícia, reportagem, entrevista; 2)

Jornalismo opinativo: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta

de leitores.

Como observamos, Marques de Melo não acreditava, à época, no gênero

interpretativo. Mas atualmente ele defende a existência desse gênero, além de outros dois

gêneros autônomos: o diversional, que inclui livros-reportagem e o outras produções de

jornalismo literário, e o jornalismo utilitário, que inclui informações com a cotação das ações

da bolsa de valores e os números da loteria, por exemplo.

Nos anos 80, a pesquisa que fiz só me indicou a predominância de informativo e opinativo. A maioria do pessoal lia, dizendo que eu acho que só existem dois gêneros. Não é isso, eu identifiquei somente dois gêneros na imprensa diária. De lá pra cá, eu venho pesquisando a cada cinco anos e fui encontrando evidências de que outros gêneros foram surgindo. O gênero interpretativo, que teve uma vigência muito forte nos anos 60 e 70, desapareceu nos anos 80, voltou nos 90 e agora está se desenvolvendo muito”. (MELO apud SEIXAS, 2010b)

A classificação dos gêneros jornalísticos proposta por Erbolato (1991, p. 30) é

semelhante aos conceitos defendidos atualmente por Marques de Melo. O autor excluiu

apenas o gênero chamado utilitário, talvez porque esse tipo de produção jornalística era

menos comum no início da década de 1990, quando seus estudos foram publicados. Para

Erbolato são quatro os gêneros jornalísticos: diversional, interpretativo, opinativo e

informativo. E eles representam as funções às quais os meios de comunicação se destinam: “a

informar, a influir, a persuadir e a divertir” (ERBOLATO, 1991, p. 30).

Já Manuel Carlos Chaparro (2008) propõe o enquadramento dos gêneros jornalísticos

em três categorias: 1) Esquemas narrativos: o relato do acontecimento; 2) Esquemas

argumentativos: o comentário sobre os acontecimentos; 3) Esquemas práticos: as informações

de serviço; conceituadas, como dito acima, como gênero utilitário por Marques de Melo

(citado por SEIXAS, 2010b). E as demais formas de expressão, para Chaparro (2008) são

declinações dessas categorias fundamentais.

No entender de Chaparro (2008, p. 162) a separação entre gêneros jornalísticos não

equivale à divisão entre opinião e informação. O autor defende que opinião e informação

estão presentes em todos os gêneros jornalísticos, visto que “até a notícia dita objetiva,

construída com informação ‘pura’, resulta de seleções e exclusões deliberadas, controladas

pela competência jornalística de fazer escolhas por critérios de importância e valor”

(CHAPARRO, 2008, p. 162), e é um exercício opinativo, portanto.

Lia Seixas, pesquisadora que mais recentemente se dedicou a estudar em profundidade

os gêneros jornalísticos afirma que, na classificação, deve ser considerada a “combinação,

regular e frequente, de elementos extralingüísticos e lingüísticos. Para Seixas (2010a, On-

line), essas combinações se repetem a ponto de se institucionalizarem, “mas também,

certamente, guardam uma dinâmica contínua de mudanças provisórias”.

Na interpretação de Seixas, os principais critérios de definição de gêneros

jornalísticos na atualidade são quatro elementos de condicionamento mútuo que se combinam

de maneira regular e frequente: 1) Lógica Enunciativa: se dá na relação entre objetos de

realidade, compromissos realizados e tópicos jornalísticos em função de finalidades

reconhecidas da instituição jornalística; 2) Força argumentativa: se dá na relação entre o grau

de verossimilhança dos enunciados e o nível de evidência dos objetos, 3) Identidade

discursiva efetiva do ato comunicativo: a relação entre sujeito comunicante, locutor e

enunciador no ato mesmo da leitura; 4) Potencialidades do mídium: as diferenças entre as

plataformas onde se dá a comunicação (SEIXAS, 2010a, On-line).

A autora defende a divisão dos textos jornalísticos em dois gêneros: o discursivo

jornalístico e o discursivo jornálico. Um gênero discursivo jornalístico é aquele em que o

enunciador é uma instituição jornalística ou uma pessoa pertencente a tal, satisfaz a uma ou

mais finalidades institucionais e apresenta uma lógica enunciativa formada principalmente

pelo compromisso de adequação do enunciado à realidade, seguindo pressupostos básicos do

jornalismo. Já os gêneros discursivos jornálicos, não são produzidos por instituições

jornalísticas e a sua lógica enunciativa não trabalha, obrigatoriamente, como objetos de

acordo: pode ser formada por compromissos de crença sobre a adequação do enunciado à

realidade.

Concordamos com Seixas quando ela afirma que os gêneros encontram-se associados

à qualidade do objeto, ao modo por meio do qual o discurso é construído (narração,

dissertação, descrição e argumentação), ao grau de interferência do autor e às técnicas de

apuração e produção. Deve se considerar, ressalta-se, que a autora se atém ao estudo da

organização discursiva - considerado pelos outros autores um elemento menos importante

para a compreensão dos gêneros – em detrimento às dimensões lingüísticas.

2.1 O gênero interpretativo

Depois de expormos idéias para as classificações dos gêneros jornalísticos, é

pertinente tratar da conceituação que defendemos ser mais adequada para os textos

jornalísticos da revista Piauí, nosso objeto de estudo. Como entendemos que os estudos de

Marques de Melo e Erbolato, além de consolidados por outros pesquisadores, permanecem

atuais, optamos por usar como base os estudos desenvolvidos por esse dois autores.

Segundo Erbolato (1991, ps. 30-31), a origem do jornalismo interpretativo se deu a

partir da década de 1920 quando o jornalismo impresso passou por grandes transformações

devido ao surgimento e expansão do rádio e da televisão. Foi então que os jornais impressos

tiveram que buscar outra forma de atrair os leitores, pois os dois meios eletrônicos passaram a

ter maior atenção do público.

Na luta contra o jornalismo falado, os jornais impressos tiveram que preparar sua estratégia. As notícias, que eram superficiais, limitavam-se a narrar os acontecimentos, sofreram alterações em sua estrutura. [...] O recurso foi o de dar ao leitor reportagens que sejam complemento do que foi ouvido no rádio e na televisão (ERBOLATO, 1991, p. 30).

Ao tratar do jornalismo interpretativo, Erbolato cita vários conceitos e definições, de

diferentes jornalistas e pesquisadores sobre o tema. Destacamos a visão de Bond ao tratar da

importância do gênero interpretativo. A manifestação é ainda mais atual com as mudanças

tecnológicas resultantes do advento da internet:

O homem mortal, comum, perdido no labirinto da economia, da ciência e das invenções, pede que alguém lhe dê a mão e o acompanhe em seus passos, através de tanta complexidade. Por isso, o jornalismo moderno se encarrega não só de noticiar os fatos e as teorias, mas proporciona ainda ao leitor uma explicação sobre eles, interpretando e mostrando seus antecedentes e suas perspectivas (BOND apud ERBOLATO, 1991, p. 33).

Conforme John Hohnberg (apud Erbolato, 1991, p. 31) a utilização do jornalismo

interpretativo tornou-se recorrente nos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra Mundial.

De acordo com o autor, nesse período, mais do que nunca, os jornais perceberam a

importância de gerar uma maior compreensão das notícias por parte dos leitores, explicando-

as em detalhes. Mas, o jornalismo interpretativo já fazia parte da realidade dos norte-

americanos desde o início da década de 1920. Segundo Erbolato (1991, p. 32-33), logo após o

término da Primeira Guerra Mundial os diretores dos jornais perceberam que algo faltava em

suas publicações para atrair o interesse do público.

O gênero tomou forma definitivamente em 1923, quando foi lançada a revista Time,

sobre a qual tratamos anteriormente. A publicação se dedicava – e se dedica até hoje – a fazer

um jornalismo preocupado com as dimensões e as interpretações das notícias, ou seja, deu os

primeiros passos do jornalismo interpretativo. Interessante, ao se tratar de jornalismo

interpretativo feito em revistas, destacar que a maioria dos autores, ao tanger por gêneros

jornalísticos, se refere basicamente à produção na imprensa diária. Mas o formato de

periodicidade mais larga é, e sempre foi, por suas características, o meio no qual esse tipo de

produção é mais usual.

A revista, consolidada como o produto de reportagens, era o meio onde mais se experimentava a contextualização, o aprofundamento, os dados comparativos, técnicas que, em princípio, não eram diferentes daquelas utilizadas para produção de uma notícia, como diziam os próprios autores defensores da reportagem interpretativa. (SEIXAS, 2010c, On-line),

José Marques de Melo (2003, citado por COSTA, 2010, On-line), ao reconhecer a

existência do gênero interpretativo, escreve que tal gênero inicialmente era representado por

reportagens desenvolvidas com propósitos analíticos e documentais “para situar o cidadão

diante o acontecimento”. E na década de 90, era um “modo de aprofundar a informação com o

fim de relacionar a atualidade a seu contexto temporal e espacial, interpretando o sentido dos

acontecimentos” (MELO, 2003, citado por COSTA, 2010, On-line).

Luiz Beltrão (1980, p.41-42) vincula o surgimento do jornalismo interpretativo com a

evolução intelectual das décadas de 1960 e 1970. O gênero, defende, deve ser entendido como

um subgênero de um “jornalismo cultural intelectual”, e é por isso que grande parte de suas

expressões estejam vinculadas a veículos desse tipo – no qual podemos incluir a revista Piauí.

Para Beltrão (1980, p. 42), o jornalismo interpretativo adapta “formas científicas, filosóficas e

artísticas” ao discurso e a prática jornalística.

Com o intuito de diferenciar o jornalismo interpretativo do jornalismo informativo,

que ele trata respectivamente como reportagem e notícia, Lage (1999) busca caracterizar o

gênero sob vários aspectos. Para Lage, as discrepâncias não estão no conteúdo ou na natureza

das informações, mas na forma em que ela é redigida. De acordo com a linguagem, defende o

autor (1999), a reportagem possui estilo menos rígido que a notícia, possibilitando ao repórter

o uso da primeira pessoa, bem como fazer, além do levantamento de dados, interpretação dos

fatos.

Embora existam diversas definições para o jornalismo interpretativo, para Erbolato

(1991, p. 34), três características são fundamentais para caracterizar esse gênero: a explicação

das causas de um fato, a localização deste fato em seu contexto social e as suas

consequências. Já para Seixas (2010, On-line) as três particularidades da atividade

interpretativa são:

1) o fato é tratado como acontecimento, ou seja, gera uma discussão sobre a realidade contextual; 2) as técnicas produtivas são particulares, como sugere Beltrão – identificação do objeto, que deve ter valor absoluto de notícia; decomposição da

ocorrência em elementos básicos e investigação dos valores essenciais para estruturação da informação; redação do texto de forma que o leitor seja capaz de, por si próprio, interpretar a ocorrência; e 3) a unidade interpretativa permitiria uma dose maior de análise crítica do autor-jornalista, incluindo adjetivos, advérbios e abolição do lead (SEIXAS, 2010a, On-line).

Podemos incluir nas observações dos autores, as seguintes características da

reportagem, notadamente perceptíveis nos textos publicados pela revista Piauí: a produção de

peças jornalísticas interpretativas decorre de uma pauta que inclui o fato gerador de interesse,

ainda que este não seja decorrente de fatos novos; o texto em estilo menos rígido que a notícia

permite ao jornalista fazer descrições de cenários, personagem e situações, o que ajuda o

leitor a entender o assunto a tirar suas próprias conclusões; e, ao contrário da notícia, o

jornalismo interpretativo exige a pesquisa aprofundada do tema, um conhecimento que supere

o simples relato dos fatos.

Relacionando ao tema da nossa pesquisa, interessante destacar a visão de autores

(SOSTER, 2010; DINES, 1974; SANT’ANNA, 2008) que defendem que produzir jornalismo

interpretativo, ou seja, de contextualização histórica dos acontecimentos como esforço para

oferecer uma inteligibilidade possível do mundo, é uma alternativa é uma alternativa para que

a imprensa escrita se sobressaia no atual momento evolutivo do jornalismo, caracterizado por

textos prolixos, atualização contínua, transposição de conteúdos, onde a velocidade foi

estabelecida como categoria de valor em detrimento ao aprofundamento (SOSTER e

PICCININ, 2010).

O jornalismo interpretativo deixa para o leitor a decisão de acatar ou não a informação

passada do modo mais claro e mais explicativo possível, sempre buscando o aprofundamento:

contextualização histórica, o entorno do fato, os detalhes do acontecido ou declarado, para ir

além do meramente declaratório. Defendemos que esse tipo de texto jornalístico, quando

produzido com qualidade, mostrar as tendências futuras, isto é, o encaminhamento que o fato

deve tomar, sendo possível, assim, inclusive, ser mais atual do que a internet em determinadas

situações.

Soster e Piccinin (2010) defendem o fortalecimento da categoria interpretativo, assim

como da diversional, no sistema midiático-comunicacional, depois de os gêneros terem quase

arrefecido na década de 1990, com a imposição da velocidade consequente do advento da

internet. Para os autores, o jornalismo interpretativo se estabelece “na condição de categoria

discursiva legítima entre os gêneros contemporâneos” (2010, On-Line).

A afirmação justifica-se à medida que, após a primeira metade da década de 1990,

quando foram montados os primeiros sites de conteúdo informativo na rede, potencializou-se

a prática de atualização contínua e transposição de conteúdos, emprestando à velocidade

categoria de valor. Inferia-se à época, lembram Soster e Piccinin (2010), que textos prolixos,

ou que demandassem tempo de apuração, caso do jornalismo interpretativo, posicionavam-se

fora da lógica produtiva do jornalismo àquele momento, validado pela instantaneidade e

atualização contínua. Mas hoje as duas formas ressurgiram.

Alberto Dines já defendia a importância do jornalismo de interpretação e de

investigação antes mesmo do advento da internet. Para Dines já em 1974, o jornalismo

enfrentava um dilema: optar pela quantidade e tentar cobrir tudo, extensivamente, ou pela

seleção? E ele decide pela seleção. O leitor contemporâneo prefere se aprofundar em alguns

temas do que ir por cima de vários, cobrir tudo que acontece no mundo é impossível, diz o

autor (1974). Como Dines, entendemos que o jornalismo deve buscar cobrir de maneira mais

aprofundada possível o que se propõe, fornecendo elementos para maior entendimento e

compreensão do tema.

2.1.1 Diferenciações entre jornalismo interpretativo e diversional

Conceituado o gênero interpretativo, defenderemos o motivo de sua escolha para a

classificação dos textos jornalísticos publicados na Piauí. Primeiramente, é preciso que

reconheçamos que há também características do jornalismo diversional nas reportagens da

revista, abaixo, porém, justificaremos a opção pelo gênero interpretativo em detrimento ao

diversional.

Erbolato define o jornalismo diversional como um gênero que contempla uma escrita

“leve, original e agradável” (1991, p.44). Erbolato (1991, p. 44) afirma ainda que, nesse

gênero, “o repórter procura viver o ambiente e os problemas dos envolvidos na história, mas

não pode se limitar às entrevistas superficiais” e que “a prática do jornalismo diversional

demanda enorme tempo e poucos são os que podem se dedicar semanas ou meses a uma só

matéria” (1991, p. 44).

Para Marques de Melo:

O jornalismo diversional engloba aqueles textos fincados no real, procuram dar uma aparência romancesca aos fatos e personagens captados pelo repórter. Entre os

gêneros que integram o jornalismo diversional estão as histórias de interesse humano, as histórias coloridas, os depoimentos etc (MARQUES DE MELO, 1985, p.22).

Ambos os autores, em suma, destacam, no jornalismo diversional, suas características

literária, como um gênero onde o texto é escrito com as técnicas literárias realistas, e na qual o

autor se preocupa menos em seguir padrões e técnicas soberanas em redações de jornais

diários e mais em dar ao leitor visão mais próxima o quanto for possível dos fatos. Mas em

muitos textos jornalísticos publicados na revista Piauí encontramos as mesmas características.

As reportagens, à rigor, têm qualidades descritivas típicas da literatura, além de serem

extensas e em profundidade - seja no relato dos acontecimentos ou na intensidade da

descrição dos personagens.

Podemos citar como exemplo o perfil do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula

José Dirceu, da repórter Daniel Pinheiro, publicado em janeiro de 2008. Para escrever a

matéria, Pinheiro passou pelo menos duas semanas acompanhando o seu entrevistado,

convivendo nos mesmos hotéis, o acompanhando em viagens pela Europa e pela América

Central, além de participar de festas almoços e jantares com o entrevistado, com sua família e

com seus amigos. A repórter, então, viveu o ambiente e os problemas dos envolvidos na

história, não se limitou às entrevistas superficiais, e depois relatou tudo com descrições e

detalhes - ações relacionadas por Erbolato (1991) como próprias do jornalismo diversional.

Entendemos, no entanto que as narrativas do jornalismo diversional “não têm

compromisso como a realidade imediata e que buscam, sobretudo, emprestar ao jornalismo

características cognitivas outras que não a informação e a interpretação, caso do

entretenimento” (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line), enquanto que o jornalismo

interpretativo “atribui significação ao fato singular, tanto ao dar elementos para indicar sua

relevância em relação às demais ocorrências quanto por oferecer conteúdos que auxiliam na

compreensão do movimento do mundo social.” (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line). A

diferença está, no nosso entender, na atualidade dos temas e de sua abordagem no jornalismo

interpretativo.

A atualidade é apontada por Adelmo Gênro Filho (2007) como uma das singularidades

do jornalismo. As outras são periodicidade, universalidade e difusão. A atualidade, como o

próprio termo já diz, está vinculada às questões atuais, do hoje, da semana, o que remete o

novo com atual, ao mesmo tempo em que pode-se aceitar o novo como aquilo que é

desconhecido.

Marques de Melo (2007) afirma que a atualidade é o fio de ligação entre o emissor e o

receptor no jornalismo. Esse atributo, intrínseco à atividade, está relacionado com o cotidiano,

isto é, com os acontecimentos com relevância pública que acontecem no dia-a-dia da

sociedade – e que são noticiados pelos meios de comunicação. Assim, o autor define o

jornalismo como a “ciência que estuda o processo de transmissão oportuna de informações da

atualidade, através dos veículos de difusão coletiva” (MELO, 1998, p.74).

E depois de termos apresentado as definições dos principais autores que trataram dos

gêneros jornalísticos, atendo-se especialmente no gênero interpretativo, e de e expormos as

razões pelas quais defendemos que as reportagens da revista Piauí se enquadram no gênero

interpretativo em detrimento ao diversional, partimos para o próximo capítulo. Nessa

instancia da pesquisa, vamos tratar essencialmente da revista Piauí, publicação cujos textos

movem esse trabalho, e de suas características.

3 PIAUÍ, UMA REVISTA DIFERENCIADA

Neste capítulo, vamos nos dedicar ao nosso objeto de estudo, a revista Piauí. Tal

medida é importante para que possamos entender o contexto no qual a publicação se insere

dentro do cenário histórico das comunicações, sua localização no mercado editorial brasileiro

contemporâneo e também as principais características que a tornam singular em comparação

com as demais publicações.

A revista Piauí é resultado da articulação de dois personagens conhecidos da cultura

brasileira, um no meio literário e outro no cinematográfico: o documentarista e sócio da

produtora VideoFilmes João Moreira Salles e o editor Luiz Schwarcz, da editora Companhia

das Letras. Foram Salles e Schwarcz que viabilizaram financeiramente o lançamento da

revista e definiram as características principais da publicação.

Schwarcz continua colaborando eventualmente com a revista com artigos. João

Moreira Salles, por sua vez, abriu mão de seus projetos cinematográficos para se dedicar

exclusivamente a Piauí, como editor e repórter. Antes de se dedicar ao projeto da revista,

Salles dirigiu documentários premiados com Nelson Freire, de 2002, sobre o pianista

brasileiro do mesmo nome, e Entreatos filme no qual acompanhou passo-a-passo a campanha

de 2002 do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República do Brasil.

Irmão mais jovem do cineasta Walter Salles, do filme “Central do Brasil”, o editor de Piauí

começou sua carreira em 1985 fazendo roteiros e textos para séries de TV.

O pré-lançamento da revista Piauí foi em agosto de 2006, em um dos principais

eventos literários do país, a Festa Literária de Parati, no Rio de Janeiro. Em setembro do

mesmo ano, João Moreira Salles assinou um contrato de distribuição e impressão da revista

com a Editora Abril. Piauí começou a circular efetivamente em 9 de outubro em São Paulo, e

dias depois no Rio de Janeiro e no restante do país.

Além de Moreira Salles, foram responsáveis por essa primeira edição os jornalistas

Mário Sergio Conti, ex-diretor de redação da revista Veja e do Jornal do Brasil, autor de

Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor (Companhia das Letras, 1999); Dorrit

Harazim, jornalista e documentarista, ex-repórter especial e editora de Veja, diretora dos

documentários da série Travessias, exibidos na TV Cultura e no GNT; e Marcos Sá Corrêa,

jornalista, ex-diretor de redação do Jornal do Brasil, ex-diretor do site O Eco e do portal

jornalístico NoMínimo, e biógrafo do arquiteto Oscar Niemeyer (Relume Dumará, 1996).

Na peça publicitária denominada Carta de Intenções distribuída aos participantes da

Festa Literária de Parati para noticiar o lançamento de Piauí, a revista foi apresentada da

seguinte forma:

Piauí será uma revista de reportagens. Ela buscará os temas atuais, embora não tenha pressa em chegar primeiro [...] Levará em conta que a informação vem antes do comentário e que opinião precisa dos fatos. Apurará com rigor e escreverá com clareza. Fugirá dos clichês e envidará todos os esforços para evitar expressões como “envidar todos os esforços”. Usará um vocabulário com mais de cem palavras. Mas não irá ao dicionário à cata de vocábulos especiosos (como o que vem logo antes deste aconchegante parêntese). Não terá restrições temáticas, políticas ou ideológicas. Preferirá a serenidade do histrionismo, a suavidade da música de câmara ao estrondo das marchas militares. Cobrirá qualquer assunto que uma reportagem possa tornar interessante. Vale tudo: esporte, medicina, odontologia, política, cultura, a picante vida sexual de um porco espinho, religião, numismática, urbanismo, filosofia, as agruras do Palmeiras, do marxismo e do Botafogo, turismo, telemarketing, zoologia. Só não valem reportagens sobre dietas e reforma da Previdência, que ninguém aguenta mais. Piauí procurará com afinco novos assuntos: o Brasil não é feito apenas de corrupção e violência. (OVERMUNDO, 2010, On-Line)

O lançamento da nova publicação foi destacado em site culturais e nos jornais, como

mostra a matéria Jornalismo literário e ficção marcam estréia da revista Piauí, publicada em

9 de setembro de 2006 pela jornalista Sylvia Colombo no jornal Folha de S.Paulo. Uma nova revista chega às bancas nesta semana. Com um nome que nem seus criadores sabem explicar direito, Piauí tem espírito híbrido. Será uma mistura de reportagens ao estilo "new journalism" (ou jornalismo literário) com crônicas, perfis e diários - de temas preferencialmente nacionais -; além de textos ficcionais. [...] O primeiro número traz colaborações de nomes consagrados da imprensa nacional, como Ivan Lessa, que descreve seu retorno ao Brasil após mais de 28 anos, e Danuza Leão, que faz um perfil do estilista Guilherme Guimarães, além do ilustrador Angeli, que desenha a imagem da capa - um intrigante pingüim de geladeira com boininha de Che Guevara. (FOLHA ONLINE, 2010, On-Line)

Conforme João Moreira Salles, em entrevista a Nunes (2010), o nome Piauí foi

escolhido sem critério algum: “É um nome que contém muitas vogais, soa bonito, é gostoso

de pronunciar” (Salles apud NUNES, 2010, On-Line). Podemos entender também, apesar da

falta de pretensão alegada por Salles, que, ao batizar a revista com o nome de um dos estados

mais afastados do Brasil, Piauí sugere algo pouco conhecido, ou seja, que a publicação aborda

pautas que os grandes meios de comunicação ignoram, sejam elas de cunho nacional ou não.

À época do lançamento de Piauí, poucos apostavam no fato de uma revista de 80

páginas contendo textos longos conseguir durar mais que dois ou três números. Mas já nas

primeiras edições, Piauí não apenas se firmou no mercado editorial nacional como

surpreendeu o próprio Salles. “Um grande editor brasileiro chegou para mim e disse que uma

revista com o perfil que preparávamos não venderia 5.000 exemplares por mês num país

como o Brasil” (O TEMPO, 2010, On-Line). O mais otimista ouvido por ele chutou 10 mil

revistas. Logo no primeiro número, Piauí teve 30 mil compradores.

Comercialmente, o sucesso da revista também surpreendeu. As agências publicitárias

logo perceberam que o leitor do novo produto engloba os chamados “formadores de opinião”

– pessoas com poder de influenciar outras pessoas. Logo, grandes bancos, marcas de carros e

outras companhias passaram a anunciar em Piauí. Para Salles, é possível afirmar que a

maioria dos leitores da revista tem nível superior, é curioso, tem o hábito de freqüentar

livrarias e gosta de ler. "É alguém com quem o mercado publicitário quer falar"

(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line). Na edição de um ano de Piauí, em

setembro de 2007, das 78 páginas, cerca de 30 eram compostas por anúncios. Isso pode ser

considerado uma mostra da confiança do mercado e da viabilidade comercial de uma

publicação nos moldes de Piauí.

Outro fator que atesta para o sucesso da revista são os prêmios que a publicação já

recebeu desde seu recente lançamento. Em 2009, ela se classificou em sexto lugar, na

categoria revista nacional, na pesquisa Veículos Mais Admirados: O Prestígio da Marca,

realizada pelo jornal Meio & Mensagem com a Troiano Consultoria de Marcas. No mesmo

ano, também recebeu o título de Destaque do Ano do Prêmio Colunistas Rio. Em 2007, Piauí

recebeu o Prêmio Especial do Júri do no 21º Prêmio Veículos de Comunicação da Editora

Referência. No mesmo ano, foi considerada a Revista do Ano pela revista About. Em 2010, o

prêmio de Veículo do Ano, concedido pela Associação Brasileira dos Colunistas de

Marketing e Propaganda.

Na opinião do colunista do jornal Folha de S. Paulo Contardo Calligaris, que dedicou

sua coluna de 19 de outubro de 2006 à revista, que havia acabado de ser lançada, Piauí tem o

dom de tornar público o desconhecido, geralmente excluído pela grande imprensa, e de

valorizar o cotidiano do cidadão comum. Mais ainda, tem “interesse pela vida concreta, o que

transforma sua chegada num “evento político”. Afinal de contas, aponta o colunista, a

“condição básica de uma convivência democrática é que se torne relevante a variedade das

vidas concretas” (CALLIGARIS, 2010, On-Line)

De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), a tiragem de Piauí nos

primeiros meses de 2010 foi de 60 mil exemplares. Desse montante, 52% são destinados à

venda em bancas, onde cada exemplar custa R$ 12, e 47% são para assinantes. Mesmo sendo

distribuída e impressa pelo Dinap (Distribuidora Nacional de Publicações), da editora Abril, a

revista é produza pela editora Alvinegra, criada exclusivamente para essa função.

Assim como a maioria dos magazines, Piauí também tem a sua versão eletrônica –

www.revistapiaui.com.br. Embora reproduza o conteúdo publicado em papel, cujo acesso não

se restringe apenas aos assinantes, o site da revista oferece mais do que as páginas da versão

impressa na tela do computador, como arquivos de áudio, vídeos e textos que são produzidos

exclusivamente para a versão On-line.

3.1 Aspectos visuais e editoriais

Segundo João Moreira Salles, a intenção da Piauí não é salvar o jornalismo brasileiro

no que ele tem de ruim, mas ser uma revista prazerosa, com humor, “e que revele coisas

curiosas, importantes, fúteis, boas e ruins sobre o Brasil” (DIGESTIVO CULTURAL, 2010,

On-Line), características de uma publicação que até então, segundo João Moreira Salles,

faltava no mercado editorial brasileiro.

A criação da revista não foi baseada em pesquisas, como ocorre na maior das vezes.

Simplesmente foi reunido um grupo de pessoas que, assim como ele, se sentiam um tanto

“desatendidos” ao entrarem em uma banca de revistas à procura de boa informação.

Um grupo de amigos chegou à conclusão que seria bacana entrar numa banca e encontrar uma revista como a Piauí. Não passou disso. A decisão não foi tomada a partir de um plano de negócios (ainda que queiramos que a Piauí se torne um negócio), ou porque alguém identificou um nicho editorial ainda não explorado. Queríamos ler reportagens como as que publicamos não só em inglês, mas na nossa própria língua. ( ZANGRANDI, 2010)

Com a redação instalada no Rio de Janeiro, o grupo de repórteres e editores de

jornalismo da Piauí reúne antigos e novos talentos do jornalismo brasileiro. Com o objetivo

de enriquecer o trabalho, João Moreira Salles optou por misturar as gerações, levando em

consideração as diferentes contribuições que cada uma tem a fazer à revista. A redação tem

veteranos do jornalismo como Márcio Sérgio Conti e neófitos como a ainda estudante Clara

Becker. Em abril de 2010, a Redação de Piauí era composta por 11 colaboradores fixos com

função jornalística. São eles: o diretor de redação Mario Sergio Conti, os editores Dorrit

Harazim, Marcos Sá Corrêa e João Moreira Salles, a secretária de redação Raquel Freire

Zangrandi e os repórteres Clara Becker, Consuelo Dieguez, Cristina Tardáguila, Daniela

Pinheiro, Luiz Maklouf Carvalho e Paula Scarpin.

Conforme análise realizada por Silva (2010), 60% da produção da revista provém da

redação e 30% de colaboradores. Entre esses colaboradores, estão jornalistas como Roberto

Pompeu de Toledo, Otávio Frias Filho, além de artistas como o compositor Tom Zé e a atriz

Fernanda Torres, entre dezenas de outros. Silva (2010) também aponta que 10% de matérias

são traduzidas e publicadas por Piauí depois de impressas, primeiro, em outra publicação -

normalmente revistas americanas.

E Piauí ainda tem uma seção escrita por pessoas comuns. É a seção Diário que, como

o próprio nome já diz, é um diário da vida de determinada pessoa, onde ela narra seu

cotidiano. São relatos de experiências de vida que ocorrem no período de uma semana, um

mês, um ano ou mais. Trata-se de uma seção capaz de fazer o leitor embarcar na vida do outro

e experimentar, mesmo que imageticamente, uma realidade diferente, o que, no fim, permite

refletir sobre a própria vida, como geralmente ocorre quando a leitura é prazerosa. Diário

também lembra um dos principais fundamentos do Novo Jornalismo, segundo Tom Wolf

(2005): a humanização e descoberta do anonimato.

As outras seções fixas de Piauí são:

Chegada: uma espécie de editorial, sempre na primeira página de textos, logo após a

apresentação dos colaboradores. Não é assinada, e os temas são sempre diversificados, sendo

complicado estabelecer um padrão.

Esquinas: sequência de matérias curtas, escritas na maioria das vezes por

colaboradores sem vínculo fixo com a revista. Aborda normalmente assuntos cômicos e

singulares, notadamente de política, cultura e questões sociais. Na edição de janeiro de 2010,

por exemplo, Esquinas abordou a iniciante carreira de pintor de quadros do ator Sylvester

Stallone, o tamanho insuficiente das lixeiras do Rio de Janeiro, a historio de um grupo de

paulistas que defende que o Estado se separe do restante do Brasil, a briga da família da

autora da canção infantil O coelhinho para conseguir da TV Globo os direitos autorias pela

veiculação da música, o sucesso dos vídeos amadores no formato super-8 produzidos por

Marcos Bertoni, a vida do famoso esteticista canino Sergio Villasanti e um inusitado teste

para saber qual o modelo de cueca mais adequado para guardar dinheiro – inspirado no

presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Leonardo Prudente, flagrado à época

enfiando maços de células dentro da roupa íntima.

Despedida: contêm sempre histórias em clima de desfecho, seja a narração sobre a

morte de uma personalidade, como o perfil-obituário sobre Zilda Arns na edição de fevereiro

de 2010, ou o fim de determinados objetivos, como as estatuas do diretor Franco na Espanha,

na edição de abril de 2010. Também não tem assinatura do autor.

Ficção: traz contos, ensaios ou trechos de livros, inéditos ou não, de autores

conhecidos e desconhecidos.

Cartas: seleção, em duas páginas, de opiniões enviadas à revistas por leitores. A

interação da revista com os leitores também se dá por meio de concursos de poesias, textos e

versos, que são realizados sem periodicidade fixa por Piauí.

Todas edições têm quadrinhos, charges e cartuns, que quebram o ar informacional da

revista. Baseados em grandes histórias (um deles, de Robert Crumb, foi uma releitura do

Novo Testamento), em fatos atuais, cultura e até utilidade pública, esses desenhos têm como

característica um humor inteligente, irônico e sagaz, aliás, uma característica também de

vários dos textos de Piauí, principalmente da seção Esquinas.

Até a 12ª edição, a revista também tinha uma sessão de horóscopo, obviamente

satírica. Nas edições de 2008 e 2009 e 2010, algumas edições trazem em suas páginas notícias

falsas e jocosas sobre celebridade e políticos em uma fictícia publicação denominada Piauí

Herald.

Alem do humor, espaço relevante de Piauí é dedicado à cultura. Assuntos como artes

plásticas, teatro e arquitetura, cinema e moda estão presentes na revista com freqüência. Além

de perfis de personalidade e matérias sobre os assuntos, a revista tem, desde 2009, uma seção

de crítica de cinema, assinada pelo cineasta Eduardo Escorel. Há também a seção Ensaio, que

se repete com freqüência, e na qual são publicados ensaios fotográficos tradicionais, no

sentido de manterem a suposta relação com o referente. Esses ensaios surgem no meio das

páginas da revista como um descanso dos textos, durante quatro ou cinco páginas.

Interessante notar que, por ser Piauí uma revista na qual predomina a linguagem

escrita, há o esforço para não se banalizar as imagens. Elas, ao contrário, são valorizadas pelo

aspecto da raridade. Uma reportagem dificilmente é ilustrada por mais do que uma imagem.

Ao ser entrevistado no programa Observatório da Imprensa, o editor de Piauí João

Moreira Salles criticou o vício da imprensa tradicional de tratar cultura como furo jornalístico.

A lógica de publicar antes dos concorrentes valeria para notícias, mas não para cultura,

segundo sua opinião. “Essa pressa gera resenhas superficiais e apressadas. Se amanhã o Joyce

lançasse o Ulisses, as pessoas teriam que ler em duas horas para fazer a resenha" (Salles apud

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line) Para Salles, o que importa é que se

publique uma a grande e completa resenha, mesmo que depois do lançamento, e essa postura

pode ser notada, também, na cobertura de cultura da Piauí.

Interessante destacar que, para tentar evitar as falhas de informação Piauí, inclui no

processo editorial o trabalho específico de checagem factual. Um profissional identifica todos

os personagens da matéria, conferindo a grafia dos nomes, idade, além de checar datas,

números, nacionalidade, cargo etc. Ele faz também uma correlação de dados para detectar

possíveis furos de informação. Piauí é a única grande publicação nacional além de Veja a

adotar esse procedimento (SABATINA COM JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line).

A imagem de capa da revista normalmente não tem uma relação direta com os

enunciados das manchetes. São fotos e artes gráficas escolhidas somente pelo seu conteúdo

plástico e não por sua relação com o conteúdo do interior da publicação. A imagem da capa é

alusiva ao eixo temático da revista, só que não sinaliza, como é comum, uma principal

reportagem da revista – até porque, pela maneira como são dispostas as chamadas das

reportagens na capa, pode-se dizer que não há uma reportagem considerada a principal.

A capa é considerada conteúdo editorial. Ou seja, é a primeira informação que o leitor encontra sobre o espírito da revista. Nem sempre (ou quase nunca) tem relação com as matérias que estão lá dentro. A arte propõe alternativas, todo mundo opina e o diretor de redação tem a palavra final. (ZANGRANDI, On-Line)

Como a capa, os outros aspectos gráficos da revista também a diferencial da maioria

das publicações. Seu formato é de 26,5 cm x 34,08 cm, maior do que as revistas tradicionais

como Veja, Época e Istoé (21 cm x 29,7 cm). Igualmente o papel - pólen bold na capa e pólen

soft nas páginas internas – é diferente do usado na maioria das publicações, e sua composição

foi desenvolvido exclusivamente pela Suzano Palpel e Celulose para a impressão de Piauí.

O formato de Piauí, tanto visual como editorial, sofreu influência de várias

publicações admiradas pelos fundadores. A publicação a qual ela mais se assemelha é a norte-

americana The New Yorker, já citada no primeiro capítulo. Guardadas as devidas proporções,

observamos características similares à Piauí na The New Yorker tanto no projeto editorial

quanto no projeto gráfico. Em ambas as publicações se destacam o rico tratamento da

narrativa jornalística, o projeto gráfico discreto com paginação simples e austeridade

tipográfica, a ênfase no conteúdo textual, o uso criterioso de estímulos visuais, o perfil

editorial variado com ênfase em política e cultura e também o espaço reservado aos pequenos

anúncios e à inserção de charges e poemas ao longo das páginas revista.

Em entrevista ao site Digestivo Cultural, João Moreira Salles nega que houve uma

intencional inspiração na revista e diz que formato é original e que não existe uma revista

parecida com a Piauí dentro ou fora do país.

Nem eu nem as pessoas envolvidas no projeto dissemos que a Piauí seria a New Yorker brasileira. Seria meio bobo e pretensioso afirmar isso. A New Yorker é o resultado de um momento específico do jornalismo americano: um grupo extraordinariamente talentoso de escritores oriundos de diversas partes dos EUA (quando não do mundo) encontraram-se na cidade que, àquela altura, já tomava o lugar de Paris como centro da vida literária mundial. Isso não se reproduz em lugar nenhum. A Piauí é uma revista nova, inventada do zero. Temos nossas admirações – Senhor, Pasquim, New Yorker, Realidade, Opinião – mas admirar é uma coisa, copiar é outra. Não há nada muito parecido com a Piauí. Nem aqui, nem fora. (DIGESTIVO CULTURAL, 2010, On-Line)

Em entrevista a Alberto Dines no programa de televisão Observatório da Impresa,

Salles também deu a seguinte declaração quando questionado sobre as influencias do formato

de Piauí: “Toda revista que conseguiu exalar o ar de seu tempo conseguiu porque foi original.

Se você tentar reproduzir um modelo, você quebrou a cara" (OBSERVATÓRIO DA

IMPRENSA, 2010, On-Line). Na mesma entrevista concedida no Observatório da Imprensa,

João Moreira explicou como é produzida a revista, que, segundo ele, não apresenta um

expediente dividido em cargos hierarquizados, e sim uma espécie de colegiado jornalístico.

A hierarquia não é rígida, mas tem alguém que decide, que é o Mário Sérgio Conti, a edição final é dele. A revista toda passa por ele, que decide o que entra e o que não entra. Os textos são bastante editados, é uma característica da Piauí, eles vão e voltam umas 4 ou 5 vezes, eu diria. A receita da revista está muito na cabeça do Mário. Nunca tivemos uma reunião de pauta. É muito informal, alguém tem uma idéia e vai até o Mário e diz ‘olha, eu tive essa idéia e tal, o que você acha?’ ele diz ‘vai lá e faz’. Então, ao mesmo tempo em que não há uma estrutura muito rígida, é claro que há uma hierarquia, porque senão a revista não fecha. Mas é uma hierarquia macia, suave. Ao lado do Mário tem a Dorrit Harazim e o Marcos Sá Corrêa, que também são editores e fecham muitas matérias. É uma redação muito pequena de pessoas que se dão muito bem. É um bom lugar para trabalhar. (João Moreira Salles apud TV BRASIL, 2010, On-Line)

Na Piauí também não existe reunião de pauta. As matérias vão surgindo

informalmente, da conversa entre os repórteres e o diretor de redação.

Somos muito poucos, dez passos e se chega a qualquer mesa. Nosso processo não tem nenhuma liturgia, nenhuma formalização. Também não temos editorias, o que nos desobriga a ter assuntos obrigatórios – política, esporte, economia, etc. No início do mês a redação fica relativamente vazia, e à medida que o mês avança, as pessoas vão ocupando as suas mesas para escrever as matérias. (ZANGRANDI, On-Line)

Para Salles (apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line) o fato de a

redação da Piauí ser pequena – são apenas três salas interligadas – facilita a conversa e o

trânsito de idéias.

Apesar da direção de Piauí afirmar não possuir posicionamento político de direita ou

de esquerda, nota-se que a revista assume sempre uma função contestadora. Uma cultura, de

certa forma, anarquista, com provocações e ironias, mesmo que camufladas. "Eu não queria

uma revista para ficar gritando, urrando [...]. Apesar de não ter a premência da notícia

urgente, a revista não é apolítica, ela toma posições. O diferencial da revista, na visão do

editor, é que ela pode ser mais lenta dos que as outras, pois a equipe tem mais tempo para

escrever e apurar” (SALLES apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line).

A Piauí tem uma descrença nas ideologias e nas grandes narrativas. Não quer falar da violência no Brasil, mas dos pequenos temas. Em uma edição publicamos uma matéria que defende o comunismo e em outra edição trazemos uma matéria com Lily Marinho. A Piauí é incompreensível. Nunca vai ter muita adesão, muita paixão. Seus produtores acham que as coisas são mais difíceis, isso torna a revista bem-humorada, mas um humor um pouco ácido. São desesperançados, mas não desesperados (SABATINA COM JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line).

Raquel Freire Zangrandi, secretária de Redação da revista (2010, On-Line) afirma que

a intenção de Piauí é ser uma revista boa de ler, divertida e que dê tempo aos repórteres para

apurarem os fatos e escrevê-los. “Queremos fazer matérias que sejam interessantes, sejam elas

de que natureza forem. Não queremos nos prender a padrões estéticos de texto ou de aspecto

visual” (ZANGRANDI, 2010, On-Line)

3.2 A valorização do texto em Piauí

Das várias características que diferencial Piauí das outras publicações disponíveis no

mercado editorial nacional, a principal é a valorização do texto. Da primeira à última página,

em todas edições, há pelo menos uma dezena de matérias, de tamanho médio ou grande, sobre

temas diversos. Dessas, três, as principais da edição, têm em média seis páginas. Isso pode ser

considerado um paradoxo no atual momento evolutivo do jornalismo, marcado justamente

pela atualização contínua e por textos curtos e sintetizados.

Essa vocação para a literatura jornalística em Piauí foi explicitada já na Carta de

Intenções da revista:

Piauí será uma revista para quem gosta de ler. Piauí partirá sempre da vida concreta, da experiência vivida, do testemunho, da narrativa – e não do Google. Ela buscará temas atuais, embora não tenha pressa em chegar primeiro às últimas notícias. (OVERMUNDO, 2010, On-Line).

O objetivo também foi identificado por Vaz e Mintz no projeto gráfico da publicação: Como princípio fundamental que rege esta articulação, observa-se, ao longo de toda a revista uma contínua preocupação com o equilíbrio funcional da composição de suas páginas e com os princípios tipográficos de conforto e legibilidade necessários à leitura de seus textos extensos Preocupação que se evidencia na escolha da tipografia, na extensão moderada das colunas, na uniformidade da mancha e relação equilibrada com as ilustrações – que em momento algum invadem o espaço do texto, deformando as colunas, fazendo-as incorporar as curvas da imagem21. Neste processo, os dispositivos tipográficos se evidenciam enquanto articuladores de uma dimensão relacional da leitura, pois é assim que a publicação se oferece enquanto terreno hospitaleiro ao leitor que se dispôs à leitura da revista. Com sua austeridade sofisticada, chama-se à leitura sem, contudo, invadir o espaço do leitor. É ele que é convidado a se enveredar pelo território de Piauí, a percorrer o caminho que ela abre ao campo esquecido e pouco arado da leitura silenciosa, com um projeto gráfico que abafa os berros e apaga as luzes do entorno, constituindo, na própria página, o retiro deste leitor. (VAZ e MINTZ, 2010, On-Line)

O editor João Moreira Salles, repetindo a opinião de outros autores como Sant’anna

(2008), afirma que essa preocupação com textos contextualizados e de qualidade formal – e

por isso mesmo longos – são uma alternativa para atrair o leitor que recorre à internet para ler

notícias em detrimento aos veículos impressos.

Acho que de alguma maneira a internet afeta a produção de imagem e de texto, mas como afeta é difícil saber. A minha impressão é que quem sofre mesmo são jornais e revistas semanais. O jornal lida com a notícia do dia, e cada vez mais, quando você recebe o jornal de manhã, já viu aquilo. Mas não é o caso da Piauí. É curioso que o período de explosão da internet corresponda ao período de declínio na tiragem de jornais e revistas semanais. Só duas revistas aumentaram significativamente a sua tiragem, ultrapassando a barreira de 1 milhão de exemplares vendidos: a The Economist e a New Yorker, que não lidam tanto com a notícia quente, mas com o pano de fundo, com o que te permite entender o que está acontecendo no mundo. Isso não tem na internet. Pode ser uma coisa geracional, mas eu tenho pouca paciência para ler na internet. E a graça da Pauí está em como as coisas são apresentadas, como as brincadeiras estão na página. Por isso acho que a internet é um bicho que ainda não mostrou direito a sua cara. Pode ser um amigo ou um adversário, dependendo do tipo de publicação. (João Moreira Salles apud FACULDADE CÁSPER LÍBERO, On-Line)

Como Piauí tem publicação mensal, obviamente não pode concorrer com a agilidade

de um jornal diário ou com revistas semanais. Para o editor João Moreira Salles essa

deficiência é compensada em parte com originalidade narrativa.

Na revista Piauí, a gente pode chegar depois porque a urgência não permite refletir sobre o que aconteceu. Você chega depois e conta como ninguém nunca contou antes. A piauí é uma revista lenta no sentido de refletir sobre as matérias. Tempo é algo essencial. Tempo produz diferença. Tempo penetra no DNA da matéria para produzir algo diferente. O que a Piauí faz é comprar papel na baixa porque ninguém mais está interessado e, com isso, sai na frente [...]. Na Piauí é claro que me interessa falar do José Dirceu, do Fernando Henrique, mas, mais do que isso, me interessa falar do Fernando Henrique como ninguém jamais falou. É importante que haja um raciocínio sobre a maneira de falar. Se há originalidade na narrativa, para mim valeu a pena fazer essa matéria. (SABATINA com JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line).

João Moreira Salles defende a idéia de que o compromisso da Piauí é com as grandes

histórias, ou seja, a produção de textos atraentes, de vocabulário amplo e que reproduzam

temas de interesse dos leitores. Seja palavra ou imagem, o que importa, segundo o

documentarista, é a qualidade da informação. De acordo com o criador da revista, na Piauí

um texto sobre qualquer assunto é passível de ser publicado na revista contando que tenha

qualidade formal e seja interessante.

O bom texto nada mais é do que uma história bem contada. E histórias bem contadas nunca saem de moda. A piauí busca isso. Temas interessantes contados com verve, drama, tensão narrativa, e que empreguem um vocabulário que exceda cem palavras [...] nossa opção editorial é simples: falar de tudo, de política a odontologia. Se um autor for capaz de tornar uma reportagem sobre cáries interessante, ela será publicada na Piauí. Isso significa que a cultura nos interessa, mas não é nossa obrigação cobrir a agenda cultural. Para isso já existem boas revistas. Ademais, o que é cultura? Um ensaio literário sobre a goiabada, publicado no nosso número de novembro (11/2006), seria cultura? Ou cultura é apenas a crítica de um livro, de um disco ou de um filme? (SALLES, apud DIGESTIVO CULTURAL, 2010, On-Line)

Conforme Salles, não existem pré-definições sobre o que é um bom texto jornalístico,

mas, no seu entender, a informação não é suficiente.

Para a Piauí a maneira de narrar é tão importante quanto a apuração. Isso diz respeito à estrutura da reportagem, como por exemplo a que a Daniela escreveu sobre moda. Não só o que está dito ali é novidade, mas a maneira de contar também é complexa e original. Para nós, no limite, uma boa reportagem é aquela na qual o leitor embarca sem se interessar pelo assunto, e vai até o fim pelo prazer da leitura. (João Moreira Salles apud JORWIKI, 2010, On-Line).

Ao concordar com Salles, a repórter de Piauí Daniela Pinheiro afirma que um texto

interessante só nasce depois de uma apuração interessante. Ela cita como exemplo a matéria

que publicou na edição de junho de 2007 da revista, que denuncia a prática, muito comum,

segundo o texto, da cópia de modelos estrangeiros por estilistas nacionais.

Eu comecei apurando uma matéria sobre o mercado da moda no Brasil, em geral. Ao longo da apuração, as pessoas me falavam (sempre em off) que a moda brasileira nunca iria pra frente porque o grande problema é a cópia, que muitos estilistas brasileiros copiavam descaradamente os estrangeiros. Fui identificando as cópias e daí resolvi escrever daquele jeito: o parágrafo em que eu falava de uma roupa desfilada em Nova York era escrito igualzinho (com as mesmas palavras,estrutura etc) ao que eu falava sobre um desfile brasileiro. No texto, já ficava implícita a idéia da cópia. (Daniela Pinheiro apud JORWIKI, 2010, On-Line).

A maior parte dos textos jornalísticos classificados como jornalismo literário despreza

o chamado gancho jornalístico - pretexto que gera a oportunidade de um trabalho jornalístico

seja um fato ou uma data. Os textos de Piauí, ao contrário, têm a habilidade de sempre

encontrar bons ganchos para serem publicados. Usemos como exemplo a reportagem Bom

dia, meu nome é Sheila, publicada na edição outubro de 2006, que descreve o cotidiano de um

curso para operadores de telemarketing. Não há, aparentemente, nenhum acontecimento,

recente ou não, que mereça destaque no tema. Mas assim a matéria se sustenta, pois desperta a

curiosidade do leitor para um universo – a vida de quem trabalha com telemarketing – que,

apesar de desconhecido por muitos, repercute de forma inquestionável, quase sempre

negativa, na vida de quem tem ao menos um telefone fixo ou celular, e precisa ou é obrigado

a usar o serviço.

Interessante destacar que muitas vezes a produção dos textos publicados em Piauí

impõe altos custos. E esse investimento bancado por Piauí é outro fator que diferencia a

revista de outras publicações. O perfil do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, escrito

por João Moreira Salles e publicado na edição de agosto de 2007, é um exemplo. Para fazer a

reportagem, Salles viajou para a Europa e os Estados Unidos acompanhando o ex-presidente

por cerca de duas semanas. Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa, o editor

explicou que a revista valoriza e foi planejada para comportar este tipo de investimento. "Se

você coloca isso na ponta do lápis, é caro. A aposta é que isso se dilua com o tempo" (João

Moreira Salles, apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line)

Piauí é uma revista que dá tempo a seus jornalistas para que trabalhem. E esse cuidado

com a apuração já fez a revista chegar na frente várias vezes. Temas que se transformaram na

manchete dos jornais apareceram antes em Piauí. Um exemplo interessante é o perfil da

ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, escrito pelo jornalista Luiz Maklouf Carvalho,

publicadas na edição de julho de 2009 da revista, que acabou por pautar uma série de

discussões levantadas por vários jornais, o que forçou uma vigilância maior por parte do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para com os

currículos publicados na Plataforma Lattes. O que chamou atenção de vários veículos de

comunicação foram apenas dois parágrafos da matéria de oito páginas:

O site oficial da Casa Civil informa que a ministra é “mestre em teoria econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutoranda em economia monetária e financeira pela mesma universidade”. Na Plataforma Lattes, a base de dados de currículos e instituições das áreas de ciência e tecnologia, o currículo de Dilma Vana Rousseff registra um mestrado em ciência econômica, na Unicamp, em 1978-1979, com a dissertação [...]. Informa também que ela começou, em 1998, um doutorado em ciências sociais aplicadas [...]. “Dilma Vana Rousseff nunca se matriculou em nenhum curso de mestrado da Unicamp”, informou o diretor de registro acadêmico Antônio Faggiani. (PIAUÍ 34, 2009)

A reportagem acabou fornecendo fatos e abrindo discussões na esfera política,

forçando a futura candidata a presidência do Brasil e o próprio CNPq a se justificarem perante

a imprensa e conseqüentemente, perante a sociedade. A ministra admitiu o erro publicamente

e o coordenador geral de informação do CNPq, Geraldo Sorte, informou, através de

reportagem escrita no jornal O Globo (2010) que quem incluir informações falsas na

Plataforma Lattes terá o currículo retirado e, caso seja bolsista do CNPq, perderá a bolsa de

estudos. Já a Folha de São Paul publicou a seguinte reportagem no caderno Ciência com

chamada na capa: Site do CNPq abriga currículos falsos (FOLHA ONLINEb, 2010). A

matéria cita a reportagem da revista Piauí, que “deu o furo” do caso do histórico acadêmico

da ministra, além de cobrar do CNPq maior solidez nas informações divulgadas na Plataforma

Lattes.

O caso do modelo americano David Goldman que reivindicou custódia do seu filho

com a falecida brasileira Bruna Bianchi, também foi descrito primeiro na revista Piauí, em

novembro de 2009. Assim como no caso das matérias sobre a ministra, o enfoque da revista

era o personagem - David Goldman – e não era a briga familiar, muito menos as discussões

entre os consulados americano e brasileiro, desencadeadas após a repercussão dada pela

imprensa diária. Entretanto, da mesma forma, a revista acabou atentando a mídia e a própria

população, para situações particulares que acabaram repercutindo em um debate público.

Outra reportagem de Piauí que repercutiu nacionalmente foi a reportagem da repórter

Daniela Pinheiro com o ex-ministro José Dirceu, publicada na edição de janeiro de 2008 de

Piauí. No texto, o ex-ministro afirmou a existência de um fundo secreto alimentado por

propinas teria sustentado a construção da sede do Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio

Grande do Sul e insinuou que a senadora Eloísa Helena tinha ‘motivos impublicáveis para

votar contra a cassação do ex deputado Luiz Estevão. A entrevista repercutiu tanto nos meios

políticos quanto na imprensa. Para que se tenha uma idéia da dimensão tomada pela matéria

"O Consultor", Roberto Pompeu de Toledo, colunista da seção "Ensaio" e editor especial da

revista Veja (ACERVO DIGITAL, 2010, On-Line), afirmou que o texto de Daniela é "uma

das melhores peças jornalísticas dos últimos tempos". O fundador do site Observatório de

Impresa, Alberto Dines (2010), um dos jornalistas mais respeitados do Brasil dedicou sua

coluna semanal no site Observatório da Imprensa à reportagem de Daniela Pinheiro – que no

mesmo ano recebeu da revista Imprensa o premio de Melhor Jornalista de Veículo Impresso.

Tendo visto revista Piauí, sua história, suas particularidades e seu conteúdo, partimos

para o próximo capítulo. Nele, descreveremos os métodos que utilizados durante a análise do

nosso objeto de estudo.

4 DOS MÉTODOS DE ANÁLISE

Para que a produção de determinado conhecimento possa ser considerada científica, é

necessário que se identifique as operações teóricas e técnicas que compuseram a construção

desse conhecimento. Nesse capítulo, vamos explicar os métodos que utilizamos para o

desenvolvimento da presente pesquisa.

Gil (1999) define método científico como um conjunto de procedimentos intelectuais e

técnicos adotados para se atingir o conhecimento. O uso de métodos cientificos seria a etapa

mais concreta da investigação, com a finalidade de oferecer uma explicação geral dos

fenômenos menos abstratos. Os métodos de abordagem esclarecem, assim, acerca dos

procedimentos lógicos que vão ser seguidos no processo de investigação; são métodos que

possibilitam ao pesquisador e à comunidade acadêmica definir acerca do alcance da

investigação, das regras de explicação dos fatos e de sua validade.

Como lembra Epstein (2006, p. 26), todos os procedimentos de análise são

reducionistas, ou seja, reduzem a complexidade total do real. O autor acredita que o

importante em uma pesquisa é que os métodos sejam escolhidos de acordo com cada caso e

com os objetivos da pesquisa.

Acreditamos que não existe método de pesquisa perfeito, mas todo aquele que é bem

construído e bem conduzido tem mais chances de responder às hipóteses propostas em

estudos científicos do que outros. Nesta pesquisa, portanto, procuramos utilizar métodos de

análise que nos permita dar conta dos questionamentos, e que também sejam possíveis de ser

aplicado.

Para que seja possível cumprir com o objetivo desse trabalho, vamos recorrer a

técnicas de pesquisa já bastante consolidadas nas pesquisas em jornalismo dentro do campo

da comunicação. Acreditamos que as ferramentas de análise que escolhemos sejam as mais

adequadas ao modelo de pesquisa que propomos, exploratória, e com objetivo de explicar

determinado fenômeno: as características das reportagens da revista Piauí. Optamos por

utilizar técnicas de revisão bibliográfica, estudo de caso e análise de conteúdo, e por um

método que desenvolvemos especificamente para este estudo.

4.1 A revisão bibliográfica

Atividade contínua e constante durante toda a pesquisa acadêmica, a revisão

bibliográfica foi um dos métodos científicos empregamos nesse estudo. Stumpf (2006) define

esse método de análise como “um conjunto de procedimentos que visa identificar informações

bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder a respectiva

anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam

posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico” (p. 51). Para a autora, a

pesquisa bibliográfica estabelece as bases para o avanço da pesquisa.

A revisão bibliográfica visa proporcionar maior familiaridade entre o pesquisador e o

problema, com vistas a tornar o trabalho mais completo. Acreditamos que estudar o que já

sucedeu acerca do tema sobre o qual nos debruçamos – nesse caso, as características do

jornalismo interpretativo da revista Piauí – possibilita a busca de respostas mais embasadas e

precisas. Desse modo, necessitamos conhecer aquilo que já está posto em relação a esses

temas. Só assim poderemos tentar produzir novos conhecimentos sobre esses assuntos e

contribuir para que os próximos estudos também partam de um ponto ainda mais avançado.

A construção da revisão bibliográfica se dá ao mesmo tempo em que as leituras vão

ocorrendo. À medida que o pesquisador lê e utiliza em sua produção cientifica os dados

obtidos, começa a delinear e identificar conceitos que se relacionam até chegar a formulação

objetiva e clara do problema que irá investigar – e a resposta desse problema.

Com base nesses apontamentos, apresentamos nos dois primeiros capítulos da

presente pesquisa uma reconstrução histórica do formato de veículo jornalístico impresso

denominado revista, bem como um panorama do momento atual desse veículo e o contexto

em que se apresenta o nosso objeto de estudo. Também utilizamos o método da revisão

bibliográfica ao tratar dos gêneros jornalísticos e, por último, da própria revista Piauí, nosso

objeto de estudo.

4.2 Estudo de caso

O método de pesquisa estudo de caso implica no levantamento detalhado do tema,

onde “o interesse primeiro não é pelo caso em si, mas pelo que ele sugere a respeito do todo”

(CASTRO apud DUARTE, 2006, p.219). Sendo assim, ele se mostra útil a nossa proposta de,

através da análise do jornalismo interpretativo produzido pela revista Piauí, desenharmos

parte do cenário do jornalismo de revista do século XXI.

Segundo Yin (2005), “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um

fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o

fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são

utilizadas” (p. 32). Para o autor, é o método preferido quando se é preciso responder questões

do tipo “como” e “por que” – e queremos saber como a Piauí se estabelece no cenário do

jornalismo de revista atual e porque ela conseguiu se estabelecer.

Duarte (2006, p. 215) aponta que o método do estudo de caso é “uma boa maneira de

introduzir o pesquisador iniciante nas técnicas de pesquisa ao integrar o uso de um conjunto

de ferramentas para levantamento e análise de informações”. Para Duarte (2006, p. 219), o

estudo de caso deve ter preferência quando se pretende examinar eventos contemporâneos, em

situações onde não se podem manipular comportamentos relevante e é possível empregar duas

fontes de evidências, em geral não utilizadas pelo historiador, que são a observação direta e

série sistemática.

Mesmo apresentando características em comum com outros métodos, como o método

histórico, por exemplo, a grande diferença do estudo de caso reside na “sua capacidade de

lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e

observações” (YIN, 2005, p.27).

De acordo com Gil (1991, 47 p.58) este método, “adotado na investigação de

fenômenos das mais diversas áreas do conhecimento”, é um “estudo profundo e exaustivo de

um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”. E

como nesta pesquisa vamos analisar um único caso, o da revista Piauí, acreditamos que este é

um método pertinente a ser utilizado.

4.3 Análise de conteúdo

Outro método que optamos por utilizar nessa pesquisa, notadamente em nossa

ferramenta de análise pessoal, também é uma técnica recorrente das ciências sociais: a análise

de conteúdo. A análise de conteúdo, escreve Herscovitz (2007), é uma ferramenta pertinente

para a pesquisas em jornalismo, tendo em vista a quantidade de material que é produzido pela

mídia e que pode ser estudado por esse método. Para a autora (2007, p. 123), a análise de

conteúdo nas pesquisas sobre jornalismo deve ser utilizado para “descrever e classificar

produtos, gêneros e formatos jornalísticos”.

Herscovitz (2007) divide a análise de conteúdo em dois ramos, o quantitativo e o

qualitativo. Cada um deles possui suas especificidades e é adequado para um tipo de pesquisa.

Herscovitz (2007), porém, aponta para uma tendência atual de integração dos dois ramos nas

pesquisas, já que “os textos são polissêmicos – abertos a múltiplas interpretações por

diferentes públicos – e não pode ser compreendidos fora do seu contexto” (p. 126). Nessa

pesquisa, utilizaremos dessa hibridização dos dois sistemas, na nossa ferramenta de análise

pessoal, a qual explicaremos em seguida.

Fonseca Júnior (2006, p. 290) divide a análise de conteúdo em três fases distintas e

cronológicas: a pré-análise, que consiste no planejamento e na definição do trabalho a ser

realizado; a exploração do material, ou seja, a análise em si; e o tratamento e interpretação dos

resultados obtidos. Para o autor, a pré-análise é uma das fases mais importantes da análise de

conteúdo, pois é nela que serão definidas as ações a serem realizadas nas próximas fases.

O passo seguinte é a definição das amostras. Segundo Herscovitz (2007), consiste na

classificação e na interpretação do conteúdo. É necessário, nessa etapa, estabelecer os

“elementos abstratos que representam os fenômenos” (p. 132). A partir de então se passa à

codificação do conteúdo e do estabelecimento de unidades de registro, “definidas a partir do

tema da pesquisa, das teorias que informam o trabalho, de estudos anteriores”

(HERSCOVITZ, 2007, p. 133) e do próprio material a ser analisado.

4.4 Ferramenta de análise pessoal

Todas as técnicas de pesquisa citadas até o presente momento são de extrema

importância para o desenvolvimento desse estudo. Porém, entendemos que apenas a utilização

destes métodos não é suficiente para entendermos como se estabelecem e quais as

características do jornalismo produzido na Piauí, devido a especificidades desse objeto de

estudo. Assim, desenvolvemos uma ferramenta de análise própria que, aliada aos métodos já

citados, venha a contribuir na elucidação do nosso problema de pesquisa.

Para analisarmos como o texto jornalístico interpretativo da revista Piauí se

estabelece, selecionamos três características do conteúdo e do texto das reportagens, com base

na definições de autores, como unidade de análise. Essas características são a atualidade, a

profundidade e a narrativa literária. As três unidades de análise foram escolhidas devido à sua

relevância na construção do gênero interpretativo e com base na leitura de edições da revista

Piauí.

Optamos por utilizar uma hibridização de métodos qualitativos e quantitativos, com

análise textual e tabulação, como ferramenta para caracterizar os textos da Piauí. Assim,

pretendemos compreender como as três unidades de analise estão inseridas nos textos da

revista e qual seu papel, pois acreditamos que o formato das reportagens de Piauí são sua

principal diferenciação em relação a outras publicações impressas.

Na coluna à esquerda, em cada espaço da tabela, serão colocadas as três características

que vão ser analisadas: a atualidade, a profundidade e a narrativa literária. Já na coluna do

lado direito, usaremos o espaço para serem transcritos trechos identificados das reportagens

que representam essas características. As tabelas serão identificadas pelo nome da matéria e

pela edição na qual foi publicada.

Optamos pelo modelo de tabela abaixo:

CARACTERISTICAS TRECHO PROFUNDIDADE

ATUALIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

Iremos analisar cinco edições da revista Piauí. As edições, escolhidas aleatoriamente,

mas consecutivas, foram publicadas entre junho e outubro de 2009. Como amostragem, foram

selecionados os texto com maior destaque em cada edição, conforme o número de páginas e

conforme as remissões de capa. Apesar de Piauí ter seções fixas, poesias e textos ficcionais,

os textos mais destacados em cada edição, sempre três, são jornalístico-interpretativos. Por

isso, temos como corpus 15 reportagens, que serão confrontadas com nossas três unidades de

análise. Entendemos que o conteúdo da amostragem selecionada é suficiente para examinar as

características da conteúdo da revista, afinal, Piauí mantém padrões editoriais análogos desde

as primeiras edições.

A aplicação deste método pessoal será de grande relevância na busca pelas respostas

aos questionamentos desta pesquisa. Somente após esta análise minuciosa, e por meio do

cruzamento desses dados com as informações obtidas pelos outros métodos científicos,

poderemos chegar a uma conclusão para o questionamento inicial desta pesquisa: determinar

as características do jornalismo interpretativo da revista Piauí, e por consequência tentar

compreender como e porque a publicação se estabelece no cenário contemporâneo dos

veículos de comunicação.

Antes de darmos continuidade a pesquisa, porém, devemos definir o conceituar o que

entendemos como atualidade, profundidade e narrativa literária, nossas unidades de análise.

4.4.1 As unidades de análise

4.4.1.1 Atualidade

A atualidade é intrínseca à atividade jornalística. Está relacionado com o cotidiano,

isto é, com os acontecimentos com relevância pública que acontecem no dia-a-dia da

sociedade, com fluxo das ocorrências do mundo, “um movimento contínuo que provoca a

geração incessante de novos atos e que ganha visibilidade por ter entidades diversas

participando de sua execução num determinado espaço (FRANCISCATO 2010).

Marques de Melo (MELO, 1998, p.74). define o jornalismo como a “ciência que

estuda o processo de transmissão oportuna de informações da atualidade, através dos veículos

de difusão coletiva” Para Adelmo Gênro Filho (2007), a atualidade é uma das quatro

singularidades do jornalismo. Na produção jornalística a atualidade é assimilada como um dos

mais importantes valor-notícia.

Complexificando a definição, Franciscato defende que o ponto de partida para

pensarmos na atualidade jornalística é perceber que a temporalidade do jornalismo opera em

sintonia com a temporalidade dos eventos.

O jornalismo produz um relato sobre eventos, temas e situações que estejam em ato, em movimento, em processo de execução, discussão, problematização ou formulação pública, admitindo, no máximo, um breve intervalo de tempo entre um evento que recém se encerrou e o relato jornalístico dele - ou seja, estejam ocorrendo no tempo presente. (FRANSICATO, 2010, On-Line)

Podemos considerar, então, que o sentido de presente no jornalismo não tem um

caráter meramente cronológico de delimitação entre passado, presente e futuro. O tempo

presente deve ser visto também nas relações construídas no ambiente em que o indivíduo

vive. “Compõe este presente, para cada um, uma multiplicidade de coisas, situações e práticas

que co-habitam este ambiente num mesmo momento” (FRANCISCATO, 2010, On-Line).

Conforme Franciscato (2010), a atualidade jornalística não está tão presa ao critério do

novo enquanto idéia de renovação intermitente do conteúdo noticioso porque o jornalismo

tem a potencialidade de manter atuais conteúdos que não são mais novos, mas que merecem,

por sua relevância, ser acompanhados na sua evolução ou na apresentação de novos aspectos

(detalhes, pontos de vista etc). Essa situação ocorre quando os veículos de comunicação

cobrem os desdobramentos dos acontecimentos e a extensão e a permanência do conteúdo no

espaço público são alimentadas pelas próprias instituições jornalísticas ao oferecerem novos

aspectos de um fato já noticiado.

Deve-se salientar ainda, como já defendemos, que as relações temporais presentes em

materiais jornalísticos podem variar conforme o grau de contextualização dos conteúdos, ou

seja, conforme as relações que são estabelecidas pelos produtores entre estes conteúdos e

situações ou temas vistos de uma perspectiva temporal mais ampliada – e isso é muito

relevante em se tratando das reportagens da revista Piauí.

Lembramos também que a atualidade jornalística sofre influencia de um conjunto de

processos institucionais que se realizam em ritmos e velocidades ditadas pela produção

organizada industrialmente e pela circulação periodizada (FRANCISCATO, 2010). Por isso,

meios impressos com edições mais espaçadas, como é o caso da revista Piauí, obedecem a

uma temporalidade diferenciada. Para esse tipo de publicação, a produção de conteúdo que

atraiam o público pela atualidade é, no nosso entender, um fazer complexo, mas que ao

mesmo satisfaz as necessidades do leitor, dado à concomitante profundidade possível de ser

desenvolvida nesse tipo de situação.

4.4.1.2 Profundidade

Para Erbolato (1991, p. 34), três características são fundamentais para caracterizar o

gênero jornalístico interpretativo: a explicação das causas de um fato, a localização deste fato

em seu contexto social e as suas consequências. Ou seja: a profundidade é fundamental para

caracterizar o gênero interpretativo.

O escritor Umberto Eco, citado por Guzzo (2010), defende que a profundidade, nesse

caso dos textos jornalísticos, estabelece novos sentidos entre emissor e receptor, o que é

importante para o estabelecimento de leitores aos veículos impressos.

Na dialética entre forma e abertura, ao nível da mensagem, e entre fidelidade e iniciativa, ao nível do destinatário, estabelece-se a atividade interpretativa de qualquer fruidor [...] numa recuperação arqueológica das circunstâncias e dos códigos do remetente, num ensaiar a forma significante para ver até que ponto suporta a inserção de novo sentidos, graças a códigos de enriquecimento, num repúdio de códigos arbitrários

que se insiram no curso da interpretação e não saibam fundir-se com os demais. (ECO, 2001, p. 71)

Ao estudar o livro-reportagem como forma de compreensão da realidade em

contraposição à historiografia, Morgani Guzzo (2010, On-Line) diz que o jornalismo, quando

feito em profundidade, exige um trabalho árduo de seleção de fontes, análise de documentos e

conhecimento sobre o contexto histórico que desencadeia o fato abordado, que deve abordar

toda a amplitude do contexto.

Usualmente, as informações divulgadas pelos veículos de comunicação não abrangem

todos os ângulos do fato. Já nos textos que abordam a informação jornalística em

profundidade, a preocupação vai além da informação e passa a ser a compreensão do

acontecimento levando em consideração toda a amplitude das causas, desencadeamento e

conseqüências. É quando a reportagem ganha, então, novo sentido, passando a conter “uma

dimensão comparada, a remissão ao passado, a interligação entre outros fatos (contexto) e a

incorporação do fato a uma tendência e sua projeção para o futuro” (GUZZO, 2010)

Analisando a internet como fator de mudanças na atividade jornalística, Del Bianco (2010,

On-Line) diz que a rede cria a possibilidade para que, virtualmente, se possa fazer o trabalho

de vigilância e examinar documentos oficiais, realizar investigações e trabalhar assuntos que,

em boa parte, são esnobados pela imprensa tradicional com mais facilidade. A autora pondera,

no entanto, que ao se observar rotinas produtivas da notícia, fica evidente que o uso da

internet para a produção do jornalismo em profundidade “está aquém de seu potencial de

alterar a profundidade do jornalismo, contribuindo para que a reportagem possa ir além do

jornalismo declaratório para reunir e sintetizar uma grande quantidade de provas

documentais” ( DEL BIANCO, 2010, On-Line).

4.4.1.3 Narrativa literária

Sérgio Vilas Boas (2008, p.10), define o jornalismo com narrativa literária como

“reportagem ou ensaio em profundidade nos quais se utilizam recursos de observação e

redação originários da (ou inspirados pela) literatura. Os pilares que sustentam este tipo de

produção jornalística são: humanização, imersão, exatidão, autoria, estilo e criatividade.

Outras técnicas marcantes são o uso de metáforas, digressões do autor, transcrições de

diálogos, e descrições minuciosas.

Tom Wolfe (2005, p 53) identificou quatro características diferenciais do jornalismo

com narrativa literária: a construção cena a cena de acontecimentos, o registro de diálogos

completos (em vez de se utilizar falas ilustrativas), a descrição de pessoas e ambientes de

modo a simbolizar seu status de vida e o uso de pontos de vista.

Norman Sims (1995 apud DEL BIANCO) apresenta como características essenciais

aos textos de jornalismo literário: imersão do repórter na realidade ou assunto abordado, uso

de voz autoral, estilo próprio, precisão de dados e informações, uso de símbolos e metáforas,

digressãões e humanização.

Para Felipe Pena (2006), a narrativa literária potencializar os recursos do jornalismo,

ultrapassar os limites do acontecimento cotidiano, proporcionar uma visão ampla da realidade,

exercitar a cidadania, romper com as correntes do lead, evitar os definidores primários e

buscar a perenidade do texto.

As características do jornalismo literário atual, desenvolvido nos textos da revista

Piauí, começaram a ser definidas após o final da Segunda Guerra Mundial, quando os

jornalistas, informantes de guerra, perceberam que a notícia de uma destruição massiva de

pessoas não teria o mesmo sentido, a mesma vertente, se continuasse sendo passada da

maneira fria como no jornalismo convencional. Foi a partir daí que começaram a unir as

práticas jornalísticas de entrevistas e apuração dos fatos com técnicas e estruturas das

narrativas de ficção.

Hiroshima (Companhia das Letras, 2002), de John Hersey, é considerado um marco na

história do jornalismo literário. Através da obra, o autor mostra a profundidade do tema,

narrando histórias reais vividas por ele, como correspondente de guerra, para o veículo em

que trabalhava na época, a revista norte americana The New Yorker. Hersey inovada ao fazer

de si mesmo, o repórter, um personagem real da história, transmitindo para o leitor a

dramaticidade dos fatos, com muito mais realidade e consistência.

Mais tarde, na década de 60, a narrativa literária no jornalismo alcançou seu auge

através do movimento denominado por Tom Wolfe (2005) de “Novo Jornalismo”. Já na

época, Wolfe apontava a necessidade de inovação de conceitos sobre a prática jornalística e

defendia o uso dessa técnica como uma possibilidade que pode transformar, efetiva e

coletivamente, a experiência humana comum para o receptor da mensagem jornalística.

Para Wolf, para que o jornalista possa escrever com técnicas de ficção, é necessário

que ele passe horas ao lado das personagens de suas histórias, participando de cada momento

e capturando os detalhes dos gestos, das conversas, do ambiente e seus objetos, assim como é

feito na literatura, com a intenção de oferecer ao leitor uma experiência subjetiva e emocional

dos fatos narrados.

5 CARACTERISTICAS DAS REPORTAGENS DA REVISTA PIAUÍ

Neste capítulo aplicaremos a ferramenta de análise das reportagens, já desenvolvida

anteriormente. Como já vimos, devemos analisar 15 textos de jornalismo interpretativo de

cinco diferentes edições da revista Piauí, com base nas três características que identificamos

como determinantes na definição das reportagens da revista: profundidade, atualidade,

narrativa literária. Teremos, assim, 15 diferentes tabelas. Entendemos que esse número seja

suficiente para representar as características que particularizam as reportagens da revista

Piauí, o que é, acreditamos, o principal diferencial entre a Piauí e outras publicações.

5.1 Análise das reportagens

REPORTAGEM 1: A miss do nariz sutil, publicada na Piauí 33, em junho de 2009 Na reportagem, a jornalista Paula Scarpin narra a história da atual Miss Rio Grande do

Sul, Bruna Felisberto. A modelo participou do concurso convidada pelo próprio organizador,

Evandro Hazzi. Depois de ganhar o título no Estado, Bruna, por recomendação de Hazzi, fez

19 cirurgias plásticas para estar fisicamente mais preparada para disputar o Miss Brasil. Só

que três dessas intervenções acabaram por deixar o nariz da miss afinado demais, com as

narinas muito profundas e com uma acentuada cicatriz no dorso.

O texto publicado em maio, apenas um mês depois do concurso de Miss Brasil, no

qual Bruna, inicialmente uma das favoritas, acabou nem foi classificada entre as finalistas.

Além disso, a reportagem é baseada em atualidade porque o assunto sobre o qual ela trata – as

cirurgias plásticas – nunca estiveram tão em voga em todo o Brasil, país do mundo onde as

cirurgias são mais comuns – e por isso mesmo muitas vezes consideradas excessivas.

Além de tratar do caso de Bruna Felisberto e do episódio das cirurgias, Paula Scarpin

traça um interessante perfil dos atuais concursos de beleza. Os chamados “missólogos”, como

Evandro Hazzi, destacam as candidatas com maior potencial e oferecem a elas cursos,

treinamentos físicos e plásticas. Aprofundando-se ainda mais, a repórter traz informações e

curiosidades sobre os concursos de Miss Universo e Miss Brasil e conta os bastidores do

concurso daquele ano – 2009. A reportagem, portanto, tem profundidade.

Desde o início do texto, quando é narrada o episódio em que Bruna Felisberto entrou

pela primeira vez no escritório de Evandro Hazzi, há várias partes onde o narrativa tem

características da narrativa literária, como o detalhamento de ambientes, situações e

personagens. Para expor isso, tabulamos abaixo um trecho da reportagem onde Paula Scarpan

descreve com riqueza de detalhes o consultório de Nelson Heller, um dos cirurgiões que

operou Bruna Felisberto.

TABELA 1 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

“A Miss Brasil 2009 é a Miss Rio Grande do Norte, Larissa Costa!” [...] As outras garotas voltaram correndo para prestigiar o título da não favorita (Piauí 33, p. 25).

PROFUNDIDADE

Organizado hoje pelo empresário americano Donald Trump, o concurso de Miss Universo nasceu nos Estados Unidos, em 1952, como uma dissidência do Miss America. O Brasil só entrou na competição em 1954, conseguindo de cara um segundo lugar com a baiana Martha Rocha, que entrou para a história por ter perdido o título por causa de duas supostas polegadas (...) No livro O Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro, o jornalista Accioly Netto, diretor da revista, desmente a história. Segundo ele, as duas polegadas foram uma invenção de João Martins, fotógrafo que foi cobrir o evento (Piauí 33, p. 23).

NARRATIVA LITERÁRIA A Clínica de Nelson Heller tem as paredes cobertas de diplomas e certificado de comparecimento em congressos e palestras. A sala de espera, com pé direito duplo, é toda decorada com estátuas e bustos em estilo romano (Piauí 33, p. 22).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 2: Rachaduras no paraíso, publicada na Piauí 33, em junho de 2009

A reportagem é escrita pelo jornalista inglês Johann Hari. O autor trata do principado

de Dubai, um dos principados que compõe os Emirados Árabes, e considerado, como lembra,

Hari, o “templo do consumismo global”. A economia do principado sempre se sustentou com

a venda de bens de consumo de luxo e com o turismo de alto padrão. Mas com a crise

financeira que derrubou as bolsas de valores em todo o mundo e levou dezenas de bancos à

falência, a economia de Dubai ficou comprometida por dívidas, houve redução no crédito

disponível. Além disso, os milionários que faziam investimentos e compras no principado

acabaram por conter esses gastos.

A atualidade do texto é evidente. Tanto que o assunto sobre o qual ele trata – a

bancarrota de Dubai – estava ainda se sucedendo quando a reportagem foi publicada na Piauí,

no primeiro semestre de 2009. Período em que a crise financeira que assolou os mercados

estava em seu auge e era o assunto que ganhava mais destaque nos veículos de comunicação.

O autor da reportagem não se limita a tratar das finanças do principado. A reportagem

se aprofunda contando a história da fundação e do desenvolvimento de Dubai e trata também

dos gastos excessivos com água em Dubai, cuja conseqüência pode ser o desabastecimento

total em um futuro próximo; do excesso de poluição; e das precárias condições de trabalho às

quais são submetidos os imigrantes asiáticos, principalmente indianos, que compõe a base da

pirâmide social local.

E para dar mais detalhes à sua reportagem, o jornalista relata vários casos de pessoas

que simbolizam a situação em Dubai – empresários que perderam tudo, trabalhadores

assalariados e nativos do local. Esses personagens são sempre humanizados, descritos

fisicamente e até psicologicamente, o que nos mostra que o texto se aproxima de uma

narrativa literária, onde os personagens tradicionalmente são os principais elementos da

narrativa.

TABELA 2 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

É abril de 2009 e alguma coisa está mudando no sorriso do xeque Mohamed. Entre guindastes espalhados por toda a parte, muitos estão paralisados, como perdidos no tempo, e há inúmeros canteiros de obras inacabados, num abandono completo (Piauí 33, p. 29).

PROFUNDIDADE

Trinta anos atrás, quase toda a área onde se ergue o emirado de Dubai era deserta, habitada somente por cactos, plantas e escorpiões. Tudo começou em meados do século XVIII, com a fundação da pequena vila ao sul do golfo pérsico que atraiu mergulhadores em busca de pérolas. Em pouco tempo a população foi se tornando mais cosmopolita (Piauí 33, p. 30).

NARRATIVA LITERÁRIA

Karen Andrews não consegue falar. Toda vez que começa a contar uma história, abaixa a cabeça. Ela é magra, forte, com o esplendor embotado de quem já foi rico. Suas roupas estão amarrotadas como a testa, enrugada (Piauí 33, p. 29).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 3: O rescaldo, publicada na Piauí 33, em junho de 2009

O texto, escrito pelo jornalista e arquiteto Fernando Sarapião, trata do prédio da

Sociedade de Cultura Artística, cuja sede, o Teatro Cultura Artística, um dos mais importantes

teatros brasileiros, incendiou-se na madrugada de 17 de agosto de 2009. Na reportagem,

Sarapião fala do acidente e dos planos para a construção da nova sede do teatro.

A reportagem foi escrita nove meses depois do incêndio no teatro. Nela, Sarapião

relata como vai ser a nova sede e, no final, deixa claro a atualidade do texto ao tratar dos

últimos avanços nos planos de reconstrução do teatro: o fechamento de uma das ultimas cotas

de recursos para a obra. Além disso, ele estima prazos e conta como vai ser o novo prédio.

O texto de Fernando Sarapião é bastante completo e detalhista. Além de narrar o

incêndio em si, conta como foi o combate do fogo pelos bombeiros, como foram os dias que

sucederam o fato e as alterações na rotina dos integrantes da sociedade. Também conta a

história da Sociedade Cultura Artística. Tudo isso deixa claro a profundidade do texto.

O texto tem várias características da narrativa literária. Seu inicio, por exemplo, narra

a a chamada recebida pela unidade do Corpo de Bombeiros mais próxima ao prédio dando

conta do incêndio. O trecho do texto tabulado abaixo, demonstra a acuidade e preocupação

que o autor tem ao descrever fisicamente o quartel e até com o que o bombeiro responsável

fazia quando recebeu o chamado do incêndio e como era o local onde ele estava – recurso

característico dos textos literários.

TABELA 3 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

[...] na primeira metade de abril, Perret informou por telefone que um dos empresários já havia fechado uma cota, mas não quis divulgar valores e nomes. [...] A idéia é inaugurar o novo teatro em 2012, no centenário da Sociedade Cultura Artística (Piauí 33, p. 41).

PROFUNDIDADE

Desde os primeiros anos, o SCA cogitou construir uma sede. Em 1919, a diretoria comprou uma gleba de quase 5 mil metros quadrados, numa ruela que desembocava no começo da rua Consolação. Sete anos depois, encomendou um projeto a Ricardo Severo, engenheiro português radicado em São Paulo. Uma escolha ideal: Severo fora um dos fundadores do Sociedade e era sócio do escritório Ramos de Azevedo, o mais ativo arquiteto da cidade na primeira metade do século passado. Ele desenhou um suntuoso teatro em estilo neocolonial (com platéia de 2400 lugares), jardins, restaurante, galeria de exposição e biblioteca. Sem recursos, o plano ficou no papel. Quinze anos depois, nova encomenda, dessa vez ao escritório de Severo, que desenhou um edifício art déco (com 1500 cadeiras). O projeto também não vingou (Piauí 33, p. 37).

NARRATIVA LITERÁRIA

[...] o prédio tem refeitório, área de treinamento e dormitórios. Na madrugada de 17 de agosto passado, um domingo, depois de atender ocorrências triviais, Procópio descansava no quarto do segundo andar, que tem uma dúzia de camas e televisão. Faltavam duas horas e 26

minutos para terminar seu turno quando, às 5h04, o plantonista soou o alarme. Havia um grande incêndio em um teatro na rua Nestor Pestana (Piauí 33, p. 36).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 4: Mares nunca dantes navegados, publicada na Piauí 34, em julho de 2009

Esse texto é a segunda parte de um perfil da ministra da Casa Civil do Brasil, Dilma

Rousseff. Na primeira reportagem, o autor, Luiz Maklouf de Carvalho, tratava da vida de

Dilma Rousseff na infância, na adolescência, e de seu envolvimento com grupos que

combatiam a ditadura militar até a política ser presa. Nessa segunda parte, ele fala da vida da

futura candidata a presidência do Brasil desde que ela saiu da prisão até assumir o cargo de

ministra.

Logo no segundo parágrafos do texto Maklouf de Carvalho escreve sobre o câncer

linfático que Dilma Rousseff tratava há três meses e sobre como ela enfrentantava a doença.

No mês anterior à publicação, Dilma havia feito a última sessão de quimioterapia; mesmo

assim, mantinha uma rotina mais saudável à que ela tinha antes de descobrir o linfoma, com

caminhadas diárias, alimentação saudável e acupuntura. . É partindo dessas informações –

atuais – que começa a reportagem. Mais do que isso, tratar da trajetória da própria Dilma, por

si só, já denota atualidade, porque à época da publicação da reportagem ela recém havia sido

definida como candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de outubro de 2010.

A reportagem aborda com profundidade momentos pessoais e profissionais da vida de

Dilma Rousseff. Como sua relação de Dilma com amigos da faculdade de Economia, que ela

cursou depois de sair da prisão; de seu relacionamento com o marido Carlos Araújo; os

bastidores de sua entrada no PT; e da escolha do presidente Lula para que ela fosse sua

sucessora. Para indicar na tabela abaixo a profundidade como característica desse texto

jornalístico, selecionamos um trecho onde Maklouf de Carvalho trata de um momento da

carreira profissional de Dilma como economista.

Consideramos que a reportagem tem narrativa literária porque há muitas descrições

dos personagens e das situações em que eles foram entrevistados, além de uma evidente

preocupação estética. Isso fica claro no trecho do texto em Maklouf de Carvalho descreve o

ex-marido de Dilma, Carlos Araújo, falando de seus hábitos e de situações de sua vida.

TABELA 4 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

No final do mês passado, um dia depois da última sessão de quimioterapia para evitar a volta do câncer linfático, Dilma Rousseff tinha certeza de que ficaria boa (Piauí 34, p. 27).

PROFUNDIDADE

Acabado o governo Collares, Dilma voltou para a Fundação de Economia e Estatística e foi editora de sua revista Indicadores Econômicos. Publicou ali alguns artigos técnicos com discretos laivos políticos. Um deles, “A privatização do setor elétrico no Chile: o erro mudou”, de 26 páginas, critica os excessos nos dois sistemas – o estatal e o privado – e defende uma solução híbrida, com controle e regulação do primeiro sobre o segundo (Piauí 34, p. 29).

NARRATIVA LITERÁRIA

Araújo mora sozinho. Levanta às três da manhã, trabalha de madrugada, faz exercícios, chega ao escritório às cinco e meia. Costuma passar no escritório aos sábados e domingos. Volta e meia tem problemas com um enfisema pulmonar diagnosticado nos anos 90. E, às vezes, como em maio passado, tem que passar uns dias no hospital (Piauí 34, p. 28).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 5: O filho de Rosimeri, publicada na Piauí 34, em julho de 2009

A reportagem, escrita pela jornalista Fábio Fujita, trata da vida do ex-goleiro de

futebol Edinho do Nascimento, filho daquele que é considerado o melhor jogador de futebol

de todos os tempos, Pelé. Fujita conta como foi o vida do Edinho desde a infância nos Estados

Unidos até hoje. Edinho foi goleiro do Santos na década de 1990, e em junho de 2005 teve

muito destaque na imprensa por ser preso acusado de tráfico de cocaína.

Como dissemos, o repórter trata da vida recente de Edinho. Fala da vida depois da

prisão, dos planos futuros e da nova carreira que ele construiu, dessa vez como treinador de

goleiros do Santos. A reportagem, é, portanto, calcada na atualidade.

Como nas outras reportagens analisados, o texto trata com muita profundidade do

assunto que aborda, nesse caso a vida de Edinho. Fujita chega citar detalhes da vida escolar de

Edinho e da relação de sua mãe com Pelé, de como ele iniciou sua carreira no Brasil e de

como ele se envolveu com os traficantes que o fizeram para na cadeia. Além disso, o repórter

se aprofunda em questões secundárias, como a evolução do serviço de tratamento médico

oferecido pelo Santos a seus jogadores, como mostra o trecho da reportagem tabulado.

As características literárias da reportagem são demonstradas na maneira como o

repórter descreve Edinho, uma vez que a descrição e o enfoque nos personagem é uma

característica da literatura, como já dissemos. Além do tratar dos assuntos mais evidentes,

como sua prisão e sua relação com o pai, o autor traça um perfil contando como foi a sua

infância, como ele se comportava no colégio, como ele começou a trabalhar, como se

envolveu com drogas etc.

TABELA 5 CARACTERISTICAS TRECHO ATUALIDADE

Edson Cholbi do Nascimento, o Edinho, começou como auxiliar do preparador de goleiros do Santos em fevereiro de 2007 e virou auxiliar técnico do time dois anos depois. Sonha em chegar a ser treinador. O que mais chama a atenção é seu desprendimento entre os jogadores. Parece um deles. Até pela forma física: mantém o mesmo peso de quando jogava, 82 quilos, e não aparenta ter chegado aos 38 (Piauí 34, p. 34).

PROFUNDIDADE

Nos anos 90, o Santos, como a maioria dos grandes times ainda não contava com uma infra-estrutura atualizada nos departamentos de fisiologia e fisioterapia. O Centro de Excelência em Prevenção e Recuperação de Atletas de Futebol, erguido junto ao CT Rei Pelé - hoje uma referencia no setor -, só viria a ser inaugurado em 2007. O clube recorria a clínicas terceirizadas para avaliações e tratamentos de atletas (Piauí 34, p. 38).

NARRATIVA LITERÁRIA

Aos 13 anos, se deu conta de que, sozinho, podia arrumar o dinheirinho de que precisava para levar as meninas aos cinema. Quando queria um novo par de tênis, calculava quantas semanas teria de trabalhar para consegui-lo. Fez entregas de pizza e vendeu revistas de banca, mas a melhor experiência foi quando trabalhou em uma delicatéssen. Lavava pratos durante o dia e limpava a cozinha de noite, preparando a loja para o dia seguinte (Piauí 34, p. 36).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 6: Hany no Alá-lá-ô, publicada na Piauí 34, em julho de 2009

A reportagem, escrita por Fernanda Torres, é sobre o cineasta palestino Hany Abbud-

Assad. Nela, a repórter trata da carreira de Abbud-Assad, que se formou em engenharia

aeronáutica na Holanda e, ao voltar para a terra natal, a Palestina, se apaixonou pelo cinema,

virou diretor e acabou por receber o premio de melhor filme no Festival de Cannes pelo

longa-metragem Paradise Now. Torres dá destaque as observações – bastante críticas – do

diretor sobre a civilização ocidental e sobre as impressões dele da cidade do Rio de Janeiro e

sobre o povo do Brasil.

Entendemos que a reportagem tem atualidade porque foi escrita no período em que o

diretor de cinema estava no Rio de Janeiro levantando informações e dados para a pré-

produção de seu próximo filme. Além disso, os antagonismos culturais entre os países

ocidentais e os do Oriente Médio, e as divergências em conseqüência disso, podem ser

considerados assuntos da atualidade, visto que são intensamente discutidos desde os atentados

terroristas de 11 de setembro de 2001, cometidos por um grupo radical islâmico.

Apesar de ser relativamente curta em relação à maioria dos textos analisados – ocupa

apenas três páginas da revista – a reportagem tem profundidade. Além de tratar de maneira

extensa da vida de Hany Abbud-Assad, o texto aborda criticamente a sociedade brasileira e

também a americana, como mostra o exemplo tabulado, além de outros assuntos, como a

repressão no Oriente Médio, a influencia da crise econômica mundial no financiamento de

filmes, as dificuldade para gravar Paradise Now e a vida de famílias palestinas abastadas em

Jerusalém, na Palestina.

Fernanda Torres traça no texto toda a vida de Hany Abbud-Assad, das travessuras da

infância ao seu estranhamento com Hollywood, nos últimos anos, quando ele ficou

conhecido. Ela conta como era sua vida na Holanda, onde estudou, e fala da relação que ele

tinha com o melhor amigo da época, Wilco. A forma como a repórter descreve seu

personagem fazem com que o texto tenha uma narrativa literária.

TABELA 6 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Hany é um palestino quarentão da cidade de Nazaré à solta nas areias ardentes do Rio de Janeiro. Está trabalhando na pré-produção de Onze Minutos, o longa metragem que vai dirigir, baseado no livro homônimo de Paulo Coelho (Piauí 34, p. 52).

PROFUNDIDADE

Um guarda, no Brasil, é subornável porque achamos normal resolver nossas quizumbas em nível pessoal, argumentei. Da mesma maneira, um juiz solta um corrupto porque é da sua corriola e absolve um criminoso porque ele é um homem importante. “Mas eu tenho mais medo da violência das leis e do Estado do que do caos aqui, disse Hany. Tenho medo da ordem que privatiza as cadeias e permite com que se lucre com o sistema penitenciário. Se os Estados Unidos querem te processar, eles te obrigam a contratar um advogado para que todos saiam lucrando. Prender um homem nos Estados Unidos é lucrativo, isso não me parece direito” (Piauí 34, p. 53).

Em Amsterdã, enquanto estudava para ser engenheiro, ganhava a vida na cozinha de restaurantes. Foi preparando saladas que conhece

NARRATIVA LITERÁRIA

Wilco, um holandês também recém-saído da adolescência, um punk de cabelo moicano e botina preta que tocava numa banda de hard rock (Piauí 34, p. 53).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 7: Sérgio Rosa e o mundo dos fundos, publicada na Piauí 35, em agosto de

2009

A reportagem é um perfil de Sérgio Rosa, o ex-bancário que comanda desde 2002 o

maior fundo de pensão da América Latina, o Previ, a caixa de previdência dos funcionários do

Banco do Brasil, que tem um patrimônio de 121 bilhões de reais. O texto é assinado pela

repórter da revista Consuelo Dieguez. Nele, a repórter traça toda a trajetória de Sérgio Rosa

desde que ele começou a trabalhar no açougue do pai, aos 13 anos, e se foca principalmente

no envolvimento de Rosa na disputa judicial entre o Previ e o banco Opportunity, do

banqueiro brasileiro Daniel Dantas, pelo controle da empresa Brasil Telecom.

A querela societária entre Previ e Opportunity ainda não foi completamente resolvida,

porque, apesar de a Brasil Telecom já ter sido vendido à Telemar, Daniel Dantas continua

tentando recursos judiciais para reverter a situação. Alguns meses antes da antes da

publicação da reportagem, Daniel Dantas havia sido preso em uma polêmica operação da

Polícia Federal, que ganhou muito destaque na Imprensa. Além disso, o fato de o texto falar

do fundo de investimento que está na composição societárias da maiores empresas do Brasil e

que tem, portanto, papel importante na economia nacional, faz com que a reportagem tenha

atualidade.

Ao tratar das tentativas de acordo entre Opportunity e Previ pelo controle da Brasil

Telecom, Consuelo Dieguez, faz contextualizações, traz detalhes dos bastidores das reuniões

e conta as conseqüências das decisões tomadas, como mostra o trecho da reportagem tabulado

abaixo. Isso nos mostra que uma das características desse texto é a sua profundidade com ele

trata do tema a que se propõe a tratar.

Já no primeiro parágrafo da reportagem, Consuelo Dieguez tem a preocupação de

trazer detalhes do ambiente onde os personagens estavam na cena que ela narra, as roupas que

eles estavam vestindo, além de outros detalhes – o que se repete várias vezes ao longo do

texto. Diante disso, consideramos que a narrativa do texto tem características literárias.

TABELA 7 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Rosa listou de cabeça os principais investimentos de seu fundo. Na Brasil Foods, a Previ tem 15%, e é o maior investidor individual. Na CPFL, a distribuidora de energia de São Paulo, tem 31%. Na Embraer, detém 14% das ações. O maior investimento é na Vale do Rio Doce, na qual o fundo tem aplicados 30 bilhões de reais, além de deter 50% da Valepar, que controla a mineradora. Isso faz de Sérgio Rosa o presidente do Conselho da companhia, com poder de veto nas decisões (Piauí 35, p. 34).

PROFUNDIDADE

Em fevereiro de 2008, houve uma reunião decisiva, em Nova York, para sacramentar a conciliação entre os fundos e o Opportunity. Os representantes dos fundos voltaram ao Brasil e disseram a Greenhalgh que, mais uma vez, os advogados de Dantas haviam mudado de posição na última hora, colocando exigências descabidas. Greenhalgh entrou furioso na sala de Dantas e o acusou de estar dificultando o acordo. O banqueiro garantiu que não estava criando nenhum empecilho. Pediram aos advogados uma ata da reunião em Nova York e concluíram que os fundos haviam sido os responsáveis pelo impasse (Piauí 35, p. 37).

NARRATIVA LITERÁRIA

Faltava pouco para as nove horas da noite de uma chuvosa sexta-feira de junho quando Sérgio Rosa entrou no salão de festas do clube dos funcionários do Banco do Brasil no Rio, que fica em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas. Carregava uma caixa de uísque Red Label, vestia camisa cor-de-rosa e calça caqui e tinha ao lado o filho Mateus, de 12 anos, que usava uma roupa exatamente igual. Compenetrado, inspecionou as mesas cobertas com toalhas verda-claras, sobre as quais havia velas, flores e guardanapos brancos. Perguntou ao DJ se estava tudo certo com a aparelhagem de som e cumprimentou os garçons (Piauí 35, p. 33).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 8: Você conhece esse cara?, publicada na Piauí 35, em agosto de 2009

Assinada pelo escritor americano Lawrence Wright, a reportagem é um perfil do

empresário mexicano Carlos Slim, cuja fortuna, de 59 bilhões de dólares, representa 5% de

todo o Produto Interno Bruto (PIB) do México. A reportagem é focada principalmente nas

negociações recentes de Slim, da maneira como ele conduz seus negócios, da forma como ele

agiu durante a Crise Econômica Mundial de 2008.

Quando a reportagem foi publicada, a revista Fortune recém havia qualificado Slim

como o homem mais rico do mundo. Além disso, a reportagem é atual porque trata de uma

pessoa que, até pouco tempo atrás, era relativamente desconhecida e ascendeu rapidamente a

uma posição de óbvio destaque.

Um dos assuntos abordados por Wright é o interesse do milionário mexicano em

comprar parte das ações do jornal New York Times, um dos mais prestigiados veículos de

comunicação do mundo. A contextualização sobre as mudanças do modelo de negócio que é o

jornalismo impresso, transcrita na tabela abaixo, feita pelo autor antes abordar o assunto

propriamente, mostram que a reportagem tem profundidade.

Lawrence Wright se utiliza de descrições de cenas de Slim que ele presenciou em

diversas ocasiões durante o texto. Em todas as vezes, ele faz descrições detalhadas sobre os

hábitos, as características e os ambientes por onde o seu entrevistado estava. Essa opção

narrativa com destaque no personagem e descrições faz com que seu texto tenha

características literárias.

TABELA 8 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Slim e seus herdeiros controlam mais de 200 empresas; as de capital aberto representam 40% do total do índice da bolsa de valor do país. Todos os dias, cada cidadão mexicano contribui com algum valor para os cofres de Slim. [...] Ele é também um dos maiores empregadores do México. É dono da Sanborns, simultaneamente a maior loja de departamentos e a maior rede de restaurantes do país. Em sua carteira de ações, a nomes como o Inbusa, um dos bancos mais importantes do México; a Volaris, uma companhia aérea; uma mineradora; o braço mexicano da Sears; construtoras e companhias de seguros; um grupo financeiro; cinco hotéis; uma empresa engarrafadora; uma indústria de cigarros; e bens imobiliários muito valiosos (Piauí 35, p. 42).

PROFUNDIDADE

A maioria dos jornais dos Estados Unidos, à maneira das companhias telefônicas,opera num regime de semimonopólio, ou o que Warren Buffet chamou de “franquia econômica” – oferecendo produtos ou serviços essenciais que não estão sujeitos à regulamentação de preços e são considerados insubstituíveis por seus clientes. Até os anos 70, quase todas as grandes cidades possuíam jornais competitivos, mas o processo de fusão - causado, em parte, pela popularidade dos telejornais – fez sobrar apenas uma publicação por mercado (Piauí 35, p. 44).

NARRATIVA LITERÁRIA

Slim entrou na garagem da casa que usa como escritório. Dentro, havia um Cadilac 1941 coberto por plástico. Na mesa da sala de jantar, onde ele às vezes organiza reuniões, havia um buquê murcho de flores do jardim, um limão mofado, um livro sobre análise grafológica e uma réplica de plástico

do Ford Crow Victoria, outro automóvel que Slim costumava dirigir (Piauí 35, p. 47).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 9: O milagre de Juazeiro volta a Roma, publicada na Piauí 35, em agosto de

2009

Escrita pelo jornalista Lira Neto, biógrafo de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero, a

reportagem relata como ocorreram, em 1889, segundo relatos da época, os milagres na

pequena paróquia católica comandada pelo religioso em Juazeiro do Norte, no estado do

Ceará. Na ocasião, uma beata chamada Maria do Araújo teria a benção de fazer com que a

hóstia benzida pelo Padre Cícero se transformasse no sangue de Jesus cada vez que ela

tocasse sua boca; Maria também dizia se comunicar com o próprio Jesus.

Apesar de ser focada principalmente num rico relato histórico, a reportagem de Lira

Neto, em sua última parte, narra a retomada do processo de beatificação do Padre Cícero e de

Maria do Araújo pela Igreja Católica. Como essa questão estava sendo analisada pelo

Vaticano à época da publicação da reportagem – e ainda estava como essa pesquisa foi

executada – o texto tem como característica a atualidade.

A profundidade da reportagem é evidente. Além tratar dos milagres e depois sua

repercussão na igreja e na imprensa, Lira Neto traz detalhes de como foi e quais foram os

motivos da retomada do processo de beatificação por parte da Igreja Católica, por exemplo.

Na parte do texto tabulada abaixo, quando o autor narra a posição do então cardeal Joseph

Ratzinger para com o tema, isso é demonstrado.

Toda a narrativa é construída como um texto literário, focada nos personagens e nos

detalhes que compunham a cena relatada – mesmo quando ela é histórica e obviamente não

foi presenciada pelo autor. O parágrafo tabulado abaixo, que abre a reportagem, mostra essa

característica.

TABELA 9 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Uma comitiva brasileira liderada pelo bispo de Crato, dom Fernando Panico, chegou ao vaticano. Levava consigo onze grossos volumes encadernados em capas vermelhas e identificados com letras gravadas em dourado. São cópias dos documentos religiosos seculares, incluindo a vasta correspondência trocada entre os protagonistas da história tumultuosa de Cícero. Também estão ali

os relatórios e os pareceres da comissão de especialistas encarregada dos novos estudos em torno do caso. [...] Nas prateleiras empoeiradas do antigo Tribunal do Santo Ofício, por determinação de Bento XVI, os documentos secretos que resultaram na expulsão de Cícero das fileiras da Igreja começam a acordar do sono de quase 100 anos (Piauí 35, p. 53).

PROFUNDIDADE

Ratzinger não só estimulou Dom Fernando a levar adiante os novos estudos sobre Cícero como deu instruções detalhadas a respeito da forma de conduzir o processo, de acordo com os rituais e procedimentos da Congregação. Com conselho adicional, Ratzinger sugeriu que as concorridas romarias a Juazeiro do Norte deviam ser incentivadas e acolhidas, ao contrário do que fazia o bispo anterior, dom Newton (Piauí 35, p. 53).

NARRATIVA LITERÁRIA

Naquela noite escura e sem lua, Cícero Romão Batista levantou as mãos para os Céus e pediu perdão pelos pecados do mundo. Quem olhasse de fora em direção às janelas abertas da capela de Nossa Senhora das Dores avistaria, já de longe, centenas de velas acessas cortando o breu. O forte cheiro de cera derretida e o adiantado da hora indicavam que os membros da irmandade de beatos, cerca de 20 deles, haviam passado mais uma madrugada inteira em vigília, em louvor ao Sagrado Coração de Jesus. (Piauí 35, p. 50).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 10: Fina sintonia, publicada na Piauí 36, em setembro de 2009

Escrita pela repórter Dorrit Harazim, esse texto trata da vida e da rotina dos intérpretes

oficias de reuniões políticas e de conferencias. Como sustenta Harazim, esses profissionais

são testemunhas privilegiadas da história e costumam guardar segredos com rigor maior do

que padres, médicos e mordomos.

Podemos dizer que o foco da reportagem, a vida dos tradutores, em si, não tem como

característica a atualidade, uma vez que o profissão é relativamente antiga e pouco mudou no

decorrer dos anos. Identificamos, no entanto, momentos no texto onde Harazim traz fatos

acontecidos há pouco tempo, como a expulsão de um tradutor da associação internacional da

classe porque ele comentou sobre seu trabalho – o que é proibido. Isso mostra que o texto tem

atualidade.

Para escrever a reportagem, Harazim entrevistou intérpretes no Brasil, nos Estados

Unidos, em Genebra, onde fica a sede da ONU e em Bruxelas, onde fica a sede do parlamento

europeu. Além da ética, ela destaca a disciplina dos profissionais e o estresse decorrente da

necessidade de precisão e de pensamento rápido da profissão. Essa investigação já faz com

que possamos considerar que o texto tem profundidade. Além disso, Harazim traz uma longa

contextualização histórica sobre a profissão de intérprete, como mostra o trecho tabulado

abaixo.

Diferente das outras analisadas, essa reportagem se aproxima bastante das reportagens

comumente vista em revistas semanais, com texto incisivo e conciso. Em alguns trechos, no

entanto, fica clara a preocupação da repórter em trazer ao leitor uma narrativa rica, detalhada:

literária. Como quando ela conta sobre o encontro entre o presidente do Sudão, Omar Hassan

Bashir e a ex-secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice, trecho tabulado.

TABELA 10 CARACTERISTICAS TRECHO ATUALIDADE

Dois meses atrás, o cidadão francês de origem cambojana Yves Bergougnoux, residente no Brasil há mais de 22 anos, sentiu de perto o vigor do cânone. Membro ativo da AIIC desde novembro de 2008, foi suspenso em julho por dois anos por violar os itens 2a, 2b, 6 e 6b do Código de Ética Profissional da entidade. Numa entrevista na redação da Piauí, Bergougnoux, de aparência bem mais jovem do que seus 44 anos, se dispôs a discorrer sobre aspectos teóricos e filosóficos do ofício. Não se acanhou em dissecar outras normas da profissão e, ao arrepio do pensamento prevalente na AIIC, sustenta que um intérprete não pode ser nem neutro, nem objetivo e nem invisível (Piauí 36, p. 30).

PROFUNDIDADE

A interpretação como meio de comunicação data possivelmente dos primórdios do Império Otomano, no século xv, quando os turcos começaram a conquistar povos com os quais faziam tudo, menos se entender. E a gênese da chamada interpretação de conferência vem associada às negociações do Tratado de Versalhes, em 1919, com tradutores requisitados nas fileiras militares. Mas foram os rompantes oratórios dos discursos na Sociedade das Nações, em Genebra, no período do entreguerras, que impulsionaram a técnica da interpretação consecutiva nas duas línguas oficiais da organização - inglês e francês (Piauí 36, p. 19).

NARRATIVA LITERÁRIA

O encontro bilateral de alto nível começara de forma constrangedora. Sentados lado a lado no salão presidencial de Cartum, a capital do Sudão, o presidente Omar Hassan Bashir e a secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice permaneciam mudos. Mal se moviam e evitavam se olhar. Estavam condenados ao silêncio. Do lado de fora, o intérprete Gamal Helal, única pessoa habilitada a descongelar aquela cena, se debatia para furar o cerco da segurança palaciana (Piauí 36, p. 26).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 11: A diferenciada, publicada na Piauí 36, em setembro de 2009

A reportagem escrita pelo jornalista da Piauí Roberto Kaz conta foi os preparativos e a

festa de aniversário de 15 anos de Caroline Grendene. A festa foi organizada pela mão de

Caroline, Simara Sukarno, de família tradicional, e ex-mulher de um dos sócios da companhia

Vale do Rio Doce, e de Alexandre Grendene, o pai de Caroline, cuja família é dona da

empresa de calçados que leva seu sobrenome. A festa, no formato de um baile de máscaras

medieval, foi realizada no terraço da butique paulistana Daslu. Teve apresentação de

integrantes do Cirque de Soleil e da Orquestra Sinfonica do Estado de São Paulo. No total,

custou mais de um milhão de reais.

A reportagem tem atualidade principalmente porque o fato sobre o qual ela trata – a

festa de aniversário – aconteceu nos últimos dias de junho, pouco mais de um mês e uma

semana antes da publicação da reportagem, em setembro. Dadas questões logísticas e à

periodicidade de Piauí, a publicação do texto foi o quanto antes possível pela revista, o que

mostra a preocupação editorial com a atualidade. Além disso, as festas ostentosas de famílias

milionárias, por si só, podem ser consideradas um fenômeno contemporâneo, o que também

atesta a atualidade.

Fica claro que Roberto Kaz acompanhou o dia-a-dia de Simara Sukarno por pelo

menos três semanas antes da festa e esteve presente no dia da festa. Além disso, o jornalista

buscou informação sobre a organização de eventos como o que ele relata, trata de como

funciona a sua organização, da detalhes do trabalho dos profissionais envolvidos. Isso mostra

a profundidade da reportagem.

O repórter detalha os personagens de sua reportagem, fala de sua biografia e de suas

rotinas. Por exemplo: o figurino Prada com jaqueta Versace que Simara usa para levar suas

duas cachorrinhas para passear, até sua ficçação por sapatos – ela tem 560 pares. Além disso,

em um trecho do texto, tabulado abaixo, o autor usa o recurso de transcrever o diálogo entre

uma das profissionais responsáveis por organizar a festa e Simara. Pouco usual no jornalismo,

esse modelo de narrativa é característica da literatura.

TABELA 11 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

No sábado, 27 de junho, data da festa, Simara Sukarno acordou às cinco da manhã. "Não consegui dormir mais", disse. "Sabe o que eu fiz? Desci para lavar o carro” (Piauí 36, p. 37).

PROFUNDIDADE

Nas festas de milionários paulistanos, um cerimonialista, banqueteiro, decorador, florista, iluminador, garçom ou manobrista só se destaca quando oferece um serviço "diferenciado". Para gerenciar os 15 anos de Caroline, Simara contratou Marina Bandeira, casada com o navegador Amyr Klink: "Ela trabalha por hobby, é uma pessoa diferenciada." [...] A lista de fregueses de Marina Bandeira inclui a grife Cartier, o Banco Lloyds e as famílias Klabin e Hawilla (do empresário J. Hawilla, braço direito de Ricardo Teixeira, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol). Cobra de 10 a 20 mil reais pelo serviço, dependendo da estrutura a ser montada. Marina começou a organizar eventos nos anos 80, quando a clientela era formada basicamente por empresas multinacionais ou familiares. [...] Nos anos 90, as grandes festas começaram a encarecer. A abertura ao mercado de importados elevou o padrão de exigências. "As montadoras que vinham de fora queriam eventos mais sofisticados", disse ((Piauí 36, p. 35).

NARRATIVA LITERÁRIA

Após uma conversa de uma hora, na qual trocaram informações sobre as famílias Mansur, Klabin, Maluf, Diniz, Lafer e Collor, passaram a falar da festa. Marina começou: - Bebida? O que você comprou? - Uísque, vinho, saquê, Lambrusco. De champanhe, chegaram 84 garrafas, mas estou mandando vir mais, para ficar pelo menos com 100. Festa sem bebida não é festa. - E o Cirque du Soleil? São quantas pessoas? Precisam de camarim? - São umas dez, talvez mais. Anota aí. Vão ter dois motoristas, o Aguinaldo e o Bolívar. O Bolívar é da família. O que ele ligar pedindo, está o.k. - E qual é a função do Aguinaldo no dia? - perguntou Marina. - Levar as cachorras e os seguranças das cachorras. - E o Aguinaldo tem outra função além das cachorras? - Vai buscar o Humberto Carrão no aeroporto. Ele tem ensaiado com o Jonatas Faro, da "Dança dos Famosos". - Águas? - Da Jolie (Piauí 36, p. 36).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 12: O estouro da boiada metálica, publicado na Piauí 36, em setembro de

2009.

A reportagem foi escrita pelo editor da Piauí Marcos Sá Correa. O texto investiga os

problemas no transporte rodoviário urbano na cidade do Rio de Janeiro. Conforme Correa, o

principal problema do sistema é o excesso de ônibus em circulação. Ele é causado pelo

transito truncado da metrópole, que faz com que as companhias tenham que colocar cada vez

mais ônibus nas ruas para cumprir o itinerário. Os ônibus acabam circulando com poucos

passageiros, aumentando os custos e complicando mais ainda o transito.

A questão do excesso de ônibus pelas ruas do Rio de Janeiro, por si só, já é um

problema atual, o que fica claro na reportagem. Além disso, o texto tem atualidade porque,

para escrevê-lo, Marcos Sá Correa, baseou-se em dados recentes e em situação recentes, como

mostra o trecho do texto tabulado abaixo.

Para além do tema complexo que o transporte público em uma cidade grande como o

Rio de Janeiro, o jornalista trata de outras questões. Uma delas é a influencia e o poder

econômico da Fetranspor, a federação das empresas de ônibus; outra, as novidades no setor,

como como a implantação de caixas pretas nos ônibus. Para explicitar a profundidade do

texto, selecionamos um trecho onde o editor da Piauí detalha um dos modelos de ônibus

usados pelas empresas, o que vai além de simplesmente tratar do transporte público, tema

central da reportagem.

O primeiro parágrafo do texto, no qual é narrado a chegada de um ônibus no ponto

final da linha, ainda antes do amanhecer, mostra que o texto tem narrativa literária. Nela parte,

Marcos Sá Correa traz detalhes sobre o clima, sobre as pedras do calçamento da rua e conta

como é o terminal rodoviário chamado Mergulhão. Toda essa preocupação com os detalhes da

narrativa e com a estética são características da narrativa literária.

TABELA 12 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

A Companhia de Engenharia de Tráfego da prefeitura contabilizou, só no semestre passado, 350 ônibus envolvidos em um total de 1 279 acidentes de trânsito. Anunciou que o número de multas cresceu 21% este ano entre os motoristas de ônibus e micro-ônibus. E houve mais de 75 mil flagrantes, feitos automaticamente por sensores remotos nos cruzamentos, à razão de onze por minuto. Entre eles, 11 mil avanços de sinal e 10 900 ultrapassagens dos limites de velocidade nas barreiras eletrônicas (Piauí 36, p. 40).

PROFUNDIDADE

O Torino é um clássico do improviso industrial. Ele é feito pela Marcopolo, uma fábrica de carrocerias nascida em Caxias do Sul há sessenta anos. Duzentos mil ônibus depois, a Marcopolo tem 12 mil funcionários e linhas de montagem na Argentina, Colômbia, México, Índia, China, África do Sul, Portugal, Egito e Rússia. Seus escritórios

comerciais vão de Cuba aos Emirados Árabes Unidos. O Torino, um de seus modelos básicos, embora o catálogo lhe atribua um design "marcante e inovador", acaba de desembarcar em Lima, no Peru, num lote de 39 unidades. Ele custa 210 mil reais, e vem equipado com assento duplo para obesos e elevador para cadeira de rodas, os últimos acessórios da igualdade social que o governo empurrou para as empresas (Piauí 36, p. 42).

NARRATIVA LITERÁRIA

No túnel escuro, o "Bom-dia!" luminoso do ônibus 25 510 é quase insolente, como um enfeite de Natal fora de hora e lugar. Lá em cima, na Praça xv, marco zero de todos os percursos no Rio de Janeiro, amanhece devagar uma ensolarada quinta-feira de inverno, e o calçamento de pedras portuguesas reflete a névoa alaranjada que sobe da Baía de Guanabara. Embaixo da praça, no terminal rodoviário conhecido como Mergulhão, a paisagem é bem outra. Às dez para as seis da manhã, o Mergulhão está escuro como sempre, borrifado dia e noite pela fumaça de escapamento que filtra na fuligem cinzenta até as lâmpadas do teto. Na penumbra, recém-saído da lavagem matinal, chamativo como um caminhão de bombeiro, o ônibus verde da empresa Âncora Matias atraca no ponto final da linha 232 como se viesse de outro mundo (Piauí 36, p. 40).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 13: Mil vidas de um camaleão, publicada na Piauí 37, em outubro de 2009

Essa reportagem foi escrita pelo jornalista David Grann originalmente para a revista

americana The New Yorker. Trata dos golpes do Frances Frédéric Bourdin, conhecido como

“O camaleão”. Desde o início da década de 1990 até 2005 Bourdin viveu em institutos de

menores, orfanatos, lares adotivos, escolas e hospitais infantis da Europa, interpretando ser

outras pessoas, normalmente um adolescente vítima de alguma tragédia. Mas Grann se foca

principalmente no episódio em que o falsário, para não ser preso na Espanha, fingiu ser um

adolescente que havia desaparecido nos Estados Unidos conseguindo enganar até a própria

família do menino desaparecido, apesar de Bourdin ter 23 e o adolescente desaparecido 14

anos.

O último golpe de Bourdin relatado pelo autor da reportagem aconteceu em 2005, no

interior da França. Ele se disfarçou de um rapaz de 15 anos que dizia ter perdido a sua família

em um incêndio. Foi levado para um albergue público e chegou a estudar em uma escola

publica por três meses até ser desmascarado. Além disso, o jornalista conta como vive o

falsário hoje, em uma pequena cidade no interior da França como vendedor de produtor por

telefone, e fala de seu casamento, que foi pouco antes da publicação da reportagem. Por esses

fatores, o texto tem atualidade.

Além de tratar dos golpes, o autor traça uma biografia de Bourdin. Entrevistou

parentes, ex-professores e outras pessoas importantes de sua infância. Com isso, pode relatar a

vida do personagem desde o nascimento, passando por uma adolescência problemática, até ele

se tornar o adulto golpista foco do texto. Por isso, entendemos que a reportagem tem

profundidade.

Como em todas as outras reportagens analisadas, nessa, o jornalista faz descrições

físicas do personagem sobre o qual está escrevendo e de situações narradas, com o estilo do

texto da narrativa literária. Tabulamos um trecho da reportagem na qual David Grann

descreve o detetive Charlie Parker, responsável por desmascarar Bourdin quando ele fingiu

ser o menino americano desaparecido para explicitar essa narrativa literária.

TABELA 13 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

A última vez que estive com Bourdin sua vida tinha passado pela mais dramática de todas as transformações. Ele se casou com uma francesa, Isabelle, que conhecera dois anos antes. [...] Quando conheci Isabelle, ela estava com quase oito meses de gravidez.[...] Bourdin contou-me que tinha conseguido um emprego numa empresa de telemarketing. Dado seu talento para a persuasão, está tento ótimos resultados (Piauí 37, p. 32).

PROFUNDIDADE

Ghislaine criou Frédéric até ele completar dois anos e meio, quando, a pedido dos pais dela, o serviço de assistência aos menores interveio. Um parente disse sobre Ghislaine: “Ela bebia e saía para dançar à noite. Nem tomava conhecimento do menino”. Ela sustenta que conseguira emprego numa outra fábrica e era competente como mãe, mas a Justiça entregou Frédéric Bourdin à custódia dos pais dela (Piauí 37, p. 26).

NARRATIVA LITERÁRIA

Charlie Parker, um detetive particular, estava sentado em seu escritório, em San Antônio. Espalhadas por toda a sala, estavam as câmeras especiais que ele utiliza em seu trabalho: uma era ligada a um par de óculos, outra vinha alojada dentro de uma caneta tinteiro e uma terceira estava disfarçada no guidão de uma bicicleta de dez marchas. De uma das paredes, pendia a foto que Parker tinha tirado durante uma investigação: mostrava uma mulher casada em companhia de seu amante, olhando para fora da janela do apartamento. Parker tinha sido contratado pelo marido da adúltera, dizia que aquela foto tinha sido seu grande prêmio (Piauí 37, p. 29)

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 14: A depiladora da alta roda, publicada na Piauí 37, em outubro de 2009

Escrito pela repórter Clara Becker, a reportagem é um perfil da depiladora Marinete

Campos. No texto, a jornalista trata da rotina e do sucesso profissional de sua entrevistada.

Marinete é a depiladora íntima de artistas famosas e de outras pessoas de alta classe social no

Rio de Janeiro. Nascida em uma família pobre, com o oficia Marinete comprou casa na região

serrana do Rio de Janeiro, faz viagens com frequencia, tem investimentos na bolsa de valores

e um carro novo.

Fica claro que o texto foi escrito poucas semanas antes de ser publicado, o que mostra

a sua atualidade. No trecho tabulado abaixo, Clara Becker faz um relato de uma situação

acontecida em julho, três meses antes da publicação de seu texto. Os outros fatos tratados – a

própria ascensão de Marinete, os desdobramentos de sua história e seus planos para o futuro

são fatos atuais.

A reportagem de Clara Becker é bastante aprofundada. Além de a jornalista se dedicar

ao próprio personagem, falando de sua carreira, ouvindo suas clientes, contando sobre a sua

história e sobre o comportamento de Marinete na vida pessoal, buscou mais informações

sobre o trabalho de depilação. Por exemplo: ela fala de livros sobre o assunto, do curso de

depilação oferecido pelo SENAC, do mercado brasileiro de depilação e de uma rede de

franquias nacional especialista no serviço, como mostra o trecho tabulado abaixo.

O parágrafo que abre a reportagem relata uma cena na qual a cantora Nina Nunes

chega à casa de Marinete, de táxi. A maneira como Clara Becker conduz o texto,

detalhamentos e com preocupação estética evidencia o caráter literário da narrativa.

TABELA 14 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Dia sim, dia não, a depiladora repete a rotina, sempre quando chega em casa, porque a cera resfria mais rápido à noite. Consome 25 potes de mel por semana. Um pouco menos no inverno, quando os biquínis ficam mais tempo no armário. Mas isso não quer dizer que lhe falte serviço. Numa quarta-feira de julho, no auge do inverno carioca, Nete saiu de casa às nove da manhã para atender a primeira cliente do dia. (Piauí 27, p. 35).

PROFUNDIDADE

Deve ser por isso que o mercado brasileiro de depilação cresce 60% ao ano. A maior rede de topiária humana, a Depyl Action, tem 53 franquias, está presente em quase todos os estados e adentrou no socialismo bolivariano fincando suas pinças em Caracas, na Venezuela. Danyelle van Straten, dona da empresa, tem planos de chegar

aos Estados Unidos e à Europa, onde, depois de se arriscar em incontáveis salões e modalidades, ela concluiu que a depilação do Primeiro Mundo continua muito atrasada (Piauí 27, p. 35).

NARRATIVA LITERÁRIA

"É aqui mesmo?", perguntou o motorista. O táxi tinha parado diante de uma birosca, ao lado de um beco, da estrada Santa Marinha, ao pé da favela Vila Parque da Cidade. Era lá mesmo. Dali para a frente, a cantora Nina Nunes teria que subir o morro a pé, que tem uma fronteira imprecisa e porosa com o bairro da Gávea, na Zona Sul carioca. Pela primeira vez a cantora galgou os degraus de cimento que serpenteiam pela Vila Parque adentro, formando um labirinto errático de ruas asfaltadas e prédios (que pagam o IPTU) e vielas entupidas de barracos (irregulares e ilegais) (Piauí 27, p. 35).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 15: Serra na hora da decisão, publicada na Piauí 37, em outubro de 2010

O texto, escrito pela repórter de Piauí Daniela Pinheiro, é um perfil do então

governado do Estado de São Paulo, José Serra. Nele, Daniela traz uma biografia de Serra,

desde sua infância no subúrbio da cidade de São Paulo até ascensão na carreira política. Traz

opiniões de parentes, amigos e adversários políticos sobre Serra, conta como é a rotina dele,

seus pensamentos e principalmente suas dúvidas sobre ele concorrer ou não a presidente do

Brasil nas eleições de outubro de 2009.

Algumas situações relatadas na reportagem por Daniela Pinheiro aconteceram apenas

um mês antes de o texto ser publicado em Piauí. A atualidade também é evidente pelos dados

das pesquisas eleitoras que estavam sendo realizadas à época e pelo próprio personagem

perfilado, que era então o político que melhor se saia nas pesquisas.

Devido ao espaço de tempo entre alguns fatos narrados na reportagem, conclui-se que

a autora levou mais de um ano para produzir a reportagem. Uma investigação tão aprofundada

possibilitou que ela construísse um perfil bastante detalhado e completo da vida de Serra, de

seus hábitos e manias. Afim de evidenciar isso, destacamos, na tabela abaixo, um trecho em

que é entrevistado um amigo de infância do político, Egydio Bianchi.

Evidentemente, o maior compromisso do texto de Daniela Pinheiro é com as

informações, mas a preocupação com a estética da narrativa e com a reconstrução de situações

e cenas, característica do texto literário, fica evidente em vários trechos, como no qual a

jornalista descreve a filha de Serra, Verônica.

TABELA 15 CARACTERÍSTICAS TRECHO ATUALIDADE

Numa pesquisa de agosto passado do Datafolha, Serra tinha 37% das intenções de voto e era seguido por Dilma Rousseff, com 16%. Ele cumpria o roteiro de candidato: viaja pelo Brasil, fora ao Nordeste comer buchada de bode, homenageara o sanfoneiro Luiz Gonzaga, articulava candidaturas de correligionários, trocava chamegos públicos com Aécio, evitava críticas ao presidente Lula e concentrava as ações do governo paulista em obras com data de inauguração marcada para as vésperas da eleição do próximo ano. Mas, ao contrário de Dilma Rousseff, Ciro Gomes e Marina Silva, ainda não decidira se concorrerá (Piauí 37, p. 40).

PROFUNDIDADE

Egydio Bianchi conheceu Serra aos 14 anos, com quem cursou o colégio e freqüentou as matinês dançantes do Clube Americano. [...] “Ele era um sucesso, bom dançarino, só namorava garotas bonitas. Insinuante e charmoso, era o que a turma chama hoje de mulherengo.” Na adolescência, moleques da Mooca passaram a se referir a Serra como “aquele que quer ser presidente do Brasil”, disse Bianchi. “Ele era um pouco precoce. Andava com biografias de Hitler e Mussolini debaixo do braço e, se não me engano, andou lendo O Capital no ônibus para Vila Bertioga” (Piauí 37, p. 42).

NARRATIVA LITERÁRIA

Verônica Allende Serra usava moletom e sandálias Croc, tarde da noite, em sua casa no bairro do Murumbi. Morena, cabelos longos que lhe dão um ar latino, tem 40 anos, trabalha no mercado financeiro e é casada com Alexandre Bourgeois, filho de um francês com uma brasileira. [...] Sentada na cabeceira de uma mesa de vidro, do lado de um grande espelho, para o qual olhava às vezes e ajeitava o cabelo, Verônica admitiu que o pai tem uma imagem pública bem diferente da privada (Piauí 37, p. 48).

Fonte: elaboração do autor

5.2 Alguns apontamentos

Devemos ressaltar que em todos os textos usados na análise essas características

aparecem em mais do que um trecho do texto, mas, objetivando a concisão, optamos por

destacar na tabela sempre apenas uma identificação.

Destacamos ainda que todas as reportagens que foram analisadas tiveram chamadas de

capa na edição em que foram publicadas. No padrão gráfico utilizado na capa de Piauí

estabelece que apenas uma das chamadas de capa tem destaque, as outras sempre são do

mesmo tamanho. E, sem exceção, essa chamada de maior destaque remetia para uma das três

reportagens analisadas em cada uma das 15 edições.

Somados textos, fotos e ilustrações, as reportagens analisadas ocuparam um espaço

equivalente a 92 páginas da revista. Média de 6,1 páginas por texto. Das 15 reportagens, oito

foram escritas por integrantes da redação da Piauí, quatro por colaboradores sem vínculo

direto com a revista, dois textos foram traduções de conteúdo produzido originalmente pela

revista americana The New Yorker e um foi publicado originalmente pelo jornal britânico The

Independent.

Ao final desta análise podemos perceber que foi possível identificar a atualidade, a

profundidade e a narrativa literária como características das reportagens da revista Piauí. A

próxima e última etapa desse trabalho são as considerações finais sobre a pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jornalismo sofreu profundas transformações nas últimas décadas, provocadas pelos

avanços tecnológico, pela diversificação dos meios e principalmente pela internet. A ligação

da sociedade em rede reconfigurou o fazer jornalístico nas mais diversas instâncias devido a

sua abrangência, possibilidade de atualização contínua e principalmente pela disponibilidade

de material jornalístico de graça ao alcance de qualquer um. Para continuarem relevantes

diante do novo cenário, os veículos de mídia impressos estão se remodelando constantemente,

buscando novos formatos e novos produtos.

Nessa pesquisa, intentou-se compreender quais as características que fazem com que a

revista Piauí tenha conseguido se estabelecer editorial e comercialmente no mercado dos

veículos impressos no Brasil. Fundada em 2006, com o uso da internet já bastante difundido,

Piauí contraria uma lógica de pelo menos dez anos, na qual jornais e revistas tradicionais

perdem cada vez mais leitores e anunciantes. Como mostra nosso terceiro capítulo, o

constante aumento na tiragem da revista e a quantidade de anúncios em sua páginas

surpreenderam até João Moreira Salles, idealizador da publicação.

Isso se torna ainda mais surpreendente – e paradoxal – quando nos debruçamos ao tipo

de produto que é Piauí. Enquanto a maioria dos veículos impressos se preocupa em apresentar

páginas com diagramação ousada e carregada de fotografias e ilustrações, Piauí aposta em

paginação simples, no uso reduzido de imagens e na austeridade tipográfica. Enquanto os

demais veículos apresentam textos cada vez mais sucintos e objetivos, as reportagens da Piauí

são prolixas, detalhadas e, por isso mesmo, longas; chegam a preencher até oito páginas.

Compreendemos que nossa pesquisa tem limitação de alcance, o que é natural em se

tratando desse tipo de produção cientifica. Ademais, o objetivo nunca foi a realização de um

estudo conclusivo, com soluções definitivas sobre nosso problema, e sim uma pesquisa

exploratória. De qualquer forma, ao estudarmos a trajetória de Piauí e analisarmos as

principais reportagens de cinco edições, conseguimos constatar as características diferenciam

Piauí de outras publicações. Piauí destaca-se das concorrentes, todas com formato visual e

textual parecidos, ao investir em textos com atualidade, profundidade e narrativa literária.

Ao produzir reportagens humanizadas, com conotação literária, sem deixar fora a

atualidade e apuração rigorosa inerente ao bom texto interpretativo, Piauí potencializa os

recursos do jornalismo. A revista ultrapassa os limites do acontecimento cotidiano e

proporciona uma visão ampla da realidade. Ao utilizar-se de técnicas oriundas da literatura no

texto, os repórteres da revista transformam as fontes das notícias em personagens de uma

história. A informação tem corpo, tem hábitos, qualidades e defeitos – é humana, enfim.

Uma pessoa comum identifica quem é José Serra, governador de São Paulo e

candidato a presidência da república, mas não conhece como foi a infância dele, quais são

seus escritores prediletos; não sabe de sua ojeriza a alho e cebola na comida. Os jornais

publicam muitas notícias sobre os grandes fundos de pensão do Brasil, só que não explicam

quem manda nesses fundos, como eles funcionam e qual seu papel político e econômico. Mas

as reportagens da revista Piauí cumprem esse papel. E melhor: com um texto que tem a

capacidade de divertir, causar emoções e entreter o leitor.

A maior parte dos textos jornalísticos classificados como jornalismo literário despreza

o chamado gancho jornalístico - pretexto que gera uma noticia, normalmente uma situação ou

acontecimento. Talvez o mais prestigiado relato jornalístico-literário de todos os tempos, A

Sangue Frio (Companhia das Letras, 2002), de Truman Capote, por exemplo, foi publicado

sete anos depois de o fato que suscitou a cobertura jornalística ter acontecido: o assassinato de

quatro membros de uma respeitada família de uma pequena cidade do Kansas, em 1959. Os

textos de Piauí, ao contrário, sempre são oportunos e atuais ao período em que foram

publicados.

Usualmente, as informações divulgadas pelos veículos de comunicação não abrangem

todos os ângulos do fato; ao contrário, focam-se apenas em poucos aspectos. Já nos textos da

Piauí, que abordam a informação jornalística em profundidade, o leitor tem uma compreensão

maior do acontecimento, uma vez que é levada em consideração toda a amplitude das causas,

seus desencadeamentos e conseqüências. As reportagens da Piauí, então, têm um sentido mais

amplo, pois contém remissões ao passado, interligação entre outros fatos e a incorporação do

fato aos eventos que o encadearam. São contextualizadas, enfim. E isso, como lembra Eco

(2001) é uma forma de aproximar emissor de receptor.

Devido a sua periodicidade mensal, Piauí obviamente não pode compete em

atualidade com um jornal ou com uma revista semanal, mas suas reportagens trazem,

invariavelmente, elementos que dão noção de proximidade temporal. Observando-se

quantitativamente, percebe-se que todas as 15 reportagens que analisamos no capitulo 5 têm

foco em personagens vivos. A continuidade da vida desses personagens, principalmente

porque todos são, de alguma forma, notórios, por si só, já dá caráter atual à reportagem.

Observamos ainda que praticamente todas as reportagens analisadas abordam assuntos

ou personagens que já repercutiram ou que ainda repercutem na Imprensa. Na teoria do

agenda setting, os autores defendem que se estabelece uma relação de influencia entre a

importância que os meios de comunicação dão para determinado assunto e a opinião publica.

De certa forma, Piauí estabelece suas pautas nessa mesma agenda criada pelos meios de

comunicação. Corrobora com essa observação o fato de que apenas uma das 15 reportagens

analisadas – sobre a anônima depiladora de artistas e socialites – não cita como fonte direta

textos publicados em jornais.

Das 15 reportagens analisadas, sete, quase a metade, tratam de política e economia.

Podemos dizer que os textos sobre esses dois temas, quando publicados em jornais e revistas

tradicionais, são aqueles onde a estrutura do texto é mais padronizada, com a informação é

organizada no formato da pirâmide invertida, intuindo-se objetividade e isenção. As

reportagens da Piauí sobre os mesmo assuntos, com texto literário e contextualização, acabam

por se tornarem mais atrativas ao leitor. Mesmo que o leitor já tenha se informado sobre o

mesmo assunto no jornal, na internet, no rádio ou na televisão, Piauí oferece a ele

aprofundamento com informações que ele provavelmente não sabe. E com lazer, já que ele

estará lendo um texto esteticamente interessante, que lhe causa sensações e que também

oferece conhecimento – tudo que tradicionalmente se busca em um livro.

Como diz Sérgio Vilas Boas (2010) “o leitor vai arranjar tempo de sobra para ler, sim,

se dermos a ele algo de fato saboroso para ler” Concordamos com Vilas Boas, porque

entendemos que a utilização da internet pelos consumidores de informação aponta para um

deslocamento das práticas de leitura, mas não para a total obsolescência do texto impresso,

pelo menos pela próxima década. Nessa medida, reportagens com as características dos textos

da Piauí – atuais, mas com profundidade e narrativa literária – representam um modelo para a

sobrevivência dos veículos de mídia impressa.

No campo dos gêneros do jornalismo, nossa pesquisa aponta para o fortalecimento do

gênero jornalístico interpretativo. Caracterizado pela apuração densa, o que exige domínio

técnico e conhecimento especializado por parte do autor, esse tipo de produção é dissonante

do padrão jornalístico contemporâneo, pautado, sobretudo, pela velocidade e pela concisão

em detrimento ao aprofundamento. E também vai contra autores como Keen (2009) que

defendem que a abrangência e a facilidade de acesso da internet acabam abrindo espaço para

amadores e tirando espaço de produtores de conteúdo como os jornalistas.

Entendemos ainda que quando são publicados textos jornalísticos que atraem o leitor,

mas que ao mesmo tempo têm apuração rigorosa, contextualização e discussões sobre temas

relevantes como política, economia e cultura, os meios de comunicação cumprem seu papel

de favorecer a capacidade dos leitores de terem suas próprias opiniões. Além disso, ao se

aprofundar na abordagem e ir além do superficial, o jornalista tem mais chances de alcançar o

principal objetivo ao qual ele se propõe: representar a realidade de maneira honesta e fiel.

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