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Conceituando Escrita, Al f abetização e Letramento Pré-requisitos Pré-requisitos O estudo do conteúdo desta aula depende da idéia conceitual de rede e a integração humana inerente à sua dinâmica, tratada na Aula 11. objetivos Meta da aula Meta da aula Apresentar o conceito de letramento, distinguindo-o do que se convencionou como conceito de alfabetização. 16 AULA Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Apresentar os conceitos de escrita, alfabetização e letramento. Distinguir entre o conceito de letramento e o conceito de alfabetização. Analisar a questão da escrita e da leitura numa dimensão maior que o da escrita e da leitura das palavras.

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  • Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

    Pr-requisitosPr-requisitos

    O estudo do contedo desta aula depende da idia conceitual de rede

    e a integrao humana inerente suadinmica, tratada na Aula 11.

    objetivos

    Meta da aulaMeta da aula

    Apresentar o conceito de letramento,distinguindo-o do que se convencionou

    como conceito de alfabetizao.

    16AULAEsperamos que, aps o estudo do contedo desta aula, voc seja capaz de:

    Apresentar os conceitos de escrita, alfabetizao e letramento.

    Distinguir entre o conceito de letramento e oconceito de alfabetizao.

    Analisar a questo da escrita e da leitura numa dimenso maior que o da escrita e da leitura das palavras.

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

    70 C E D E R J

    Nesta aula, estudaremos os conceitos de escrita, alfabetizao e letramento,

    segundo as pesquisas realizadas por Leda Verdiani Tfouni (2002) e publicadas

    em seu livro Letramento e alfabetizao, no qual afi rma investigar, desde

    1982, o que ocorre com os indivduos adultos no-alfabetizados que vivem

    em uma sociedade organizada essencialmente por meio de prticas escritas,

    ou seja, em uma sociedade letrada.

    A partir de uma usual e recorrente citao, sobretudo no campo da Educao,

    aprendemos com o mestre Paulo Freire (1997), que a leitura do mundo

    precede a leitura da palavra, da que a posterior leitura desta no possa

    prescindir da continuidade da leitura daquele. Somos levados, assim,

    a entender que o ato de viver e de construir signifi cados por meio da(s)

    linguagem(ns) se implicam mutuamente. Viver simbolizar. exatamente

    esta decodifi cao dos signifi cados e das suas simbolizaes - que os homens

    produzem individual e socialmente a que se remete Paulo Freire ao empregar

    a expresso leitura de mundo.

    O mundo, a realidade de um ponto de vista filosfico, sociolgico,

    antropolgico, histrico e psicolgico no algo dado, pronto: est sempre

    sendo feito e refeito pelas interaes humanas produtoras de signifi caes.

    Portanto, o mundo social precisa estar sendo recorrentemente decodifi cado,

    interpretado, ressignifi cado: o que mesmo que est sendo dito, agora? Ser

    que o que est sendo dito agora compreendido da mesma forma por mais

    de uma pessoa? Interpretar enunciados depende da subjetividade de cada

    um, da as crianas verem o mundo de uma forma, os adolescentes de outra e

    por assim vai, por exemplo. No toa que temos signifi cados diversos para

    atos ou objetos idnticos em diferentes culturas: aquilo que numa certa cultura

    apreciado, em outra depreciado; aquilo que permitido em determinada

    cultura, proibido em outra etc.

    Dessa forma, os signifi cados adquirem modulaes/variaes em funo

    das diferenas de cultura, de classe social, de gnero, de idade, de etnia,

    de regio, de individualidade, dos meios de comunicao etc. O repertrio

    sociocultural variado e mltiplo e, como dispositivo de criao de valores

    e orientao das aes sociais, vai sendo recriado no com o sentido da

    INTRODUO

    Saudaes, alunas e alunosde ensino a distncia!

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    reproduo idntica de um algo, mas com o sentido de uma reproduo que

    promovida pela reinveno.

    A experincia do letramento est diretamente relacionada a esta vivncia

    da decifrao sociocultural das linguagens, uma vez que podemos verifi car

    no nosso cotidiano que um analfabeto pode no saber dominar o cdigo

    alfabtico, mas sabe o signifi cado de rtulos, de placas indicativas, de

    procedimentos prticos em determinadas situaes etc. As formas de

    alfabetizao deveriam tambm levar isso em conta.

    o que aponta Paulo Freire (1997) quando nos diz que linguagem e realidade se

    prendem dinamicamente, ou seja, torna-se impossvel realizar a leitura da palavra

    sem a experincia da decodifi cao (ressignifi cao) do contexto sociocultural.

    ESCRITA, ALFABETIZAO E LETRAMENTO

    Segundo TFOUNI (2002), escrita, alfabetizao e letramento

    compem um conjunto indissocivel, em que os sistemas de escrita seriam

    um produto cultural por excelncia, j que so produes humanas, isto ,

    no naturais, nem divinas, pois no caram do cu por milagre, enquanto

    que a alfabetizao e o letramento seriam processos de aquisio de um

    sistema escrito, logo, culturais.

    O tema que estamos estudando nesta aula traz tona o NEOLOGISMO

    letramento, utilizado para distinguir uma nova percepo da relao

    humana com uma de suas produes simblicas - a escrita -, uma vez

    que o conceito tradicionalmente atribudo alfabetizao, conforme

    veremos adiante, no deu conta desta tarefa.

    A alfabetizao, para TFOUNI (2002), estaria relacionada mais

    propriamente aquisio da escrita como aprendizagem de habilidades

    para a leitura, a escrita e as prticas de linguagem. A alfabetizao

    seria adquirida formalmente, ainda segundo a autora, pelo processo de

    escolarizao, pertencendo, assim, ao plano individual. J o letramento

    focalizaria os aspectos scio-histricos da aquisio da escrita,

    procurando, entre outras tarefas, estudar e descrever o que ocorre nas

    sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita

    ou generalizada.

    O letramento tem por objetivo pesquisar quem alfabetizado e

    tambm quem no o , desligando-se, desta forma, de enfocar o individual

    e centralizando-se mais no social. Grosso modo, letramento, para essa

    autora, seria o processo de exposio aos usos sociais da escrita que os

    indivduos sofrem mesmo que, no entanto, no saibam ler nem escrever.

    NEOLOGISMO

    palavra nova ou novaacepo de palavra j

    existente na lngua.

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

    72 C E D E R J

    A escrita

    ...a escrita (...) tanto o meio como o produto da experincia

    de cada um no mundo... GIROUX

    A inveno da escrita data aproximadamente de 5000 a.C.,

    mas a sua difuso e adoo deram-se e do-se at hoje, inclusive -

    de modo lento e sempre sujeito a fatores polticos e socioeconmicos.

    Neste sentido, podemos afi rmar que no h neutralidade no processo

    de disseminao dos sistemas escritos, visto que sempre se encontram

    condicionados a um determinado contexto histrico-temporal. Tanto

    que vrios cdigos foram criados pelos homens, como por exemplo:

    a) pictogrficos simbolizando diretamente os referentes

    concretos;

    b) ideogrfi cos procurando representar o pensamento ou as

    idias; e

    c) fonticos representao aproximada dos sons da fala.

    Porm, nenhum deles pode ser considerado como sendo um

    produto neutro, e sim como resultado das relaes de poder e de

    dominao existentes em toda e qualquer sociedade humana. Quando

    um cdigo socialmente difundido entre coletividades implica uma

    supremacia de idia. Assim, por exemplo, foi voc que inventou a

    placa de trnsito? Certamente, no, pois quem est no poder quem

    determina o que e como cdigos devem ser compreendidos.

    Figura 16.1: Diversas formas de escrita em diferentes suportes ao lado de diversos indivduos representando diferentesculturas no tempo e/ou no espao: sumrio - ao lado de placa de argila com escrita cuneiforme; japons - ao ladode papiro com ideogramas desenhados; ocidental moderno - ao lado de outdoor e/ou placas de trnsito.

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    Esta relao de poder melhor compreendida quando pensamos

    que a escrita serviria para difundir e socializar as idias e os conhecimentos.

    No entanto, podemos notar que, muitas vezes, exatamente o contrrio

    que se d, ou seja, ocorre um processo de ocultao, de velamento para

    garantir a manuteno do poder a quem a ela tem acesso, impedindo o

    processo de participao e proporcionando, assim, a excluso social.

    TFOUNI (2002) nos chama a ateno para o fato de a escrita

    tambm se relacionar ao desenvolvimento cognitivo e social dos povos,

    assim como a mudanas profundas em seus hbitos comunicativos,

    ilustrando com os exemplos de anotaes do processo de troca e

    emprstimo de mercadorias realizadas na Mesopotmia (hoje em dia,

    partes do Ir e do Iraque), atravs da mais antiga forma de escrita, a

    sumria.

    Aproximadamente no sc. VIII a.C., a escrita alfabtica (sistema

    fonogrfi co) foi introduzida no Ocidente, mais precisamente na Grcia e

    Jnia. No entanto, isto no acarretou, de incio, mudanas na cultura de

    tradio oral daquela sociedade, posto que, como vimos, demorado e

    lento o processo de difuso de um sistema escrito, durando, at mesmo,

    sculos.

    Sendo assim, apenas nos sculos V e VI a.C., a sociedade

    grega pde ser reconhecida como letrada, e, no por coincidncia,

    exatamente no momento histrico em que passava por um processo

    de transformaes culturais e poltico-sociais radicais (sobretudo com

    o processo de democratizao da poltica e com o surgimento do

    pensamento lgico-emprico e fi losfi co). Neste contexto, a sociedade

    grega se diferia de outras civilizaes da mesma poca, pois no possua

    membros sacerdotais que monopolizassem o acesso palavra escrita,

    que era de domnio comum e servia para a discusso de idias.

    A escrita pode ser considerada, assim, tanto como uma das

    causas para o surgimento das civilizaes modernas, quanto para o

    desenvolvimento cientfi co, tecnolgico e psicossocial das sociedades

    que a tenham adotado de modo amplo. Embora no se possa esquecer,

    como j foi dito antes, dos fatores de relao de poder e dominao que

    esto por trs do uso restrito ou generalizado de um sistema escrito.

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

    74 C E D E R J

    A alfabetizao

    Segundo TFOUNI (2002), h duas formas usuais de se

    compreender alfabetizao:

    a) como um processo de aquisio individual de habilidades

    necessrias leitura e escrita ou

    b) como um processo de representao de objetos diversos, de

    naturezas diferentes.

    TFOUNI (2002) critica a primeira concepo, pois daria a

    impresso de que a alfabetizao tanto poderia chegar a um fi nal

    quanto ser associada a objetivos instrucionais. Ao contrrio desta linha

    de pensamento, a autora, dentro de um ponto de vista sociointeracionista,

    destaca que, por compreend-la como um processo, a alfabetizao se

    caracterizaria pelo seu aspecto de incompletude e que o ato de descrever

    os objetivos a serem atingidos durante tal experincia atenderia mais s

    necessidades de formalizao das prticas escolares do que alfabetizao

    em si. Ela nos alerta para o fato de no se poder defi nir o processo de

    alfabetizao como o de escolarizao, ou seja, como os objetivos que so

    comumente propostos pela escola apenas por ser, usual e formalmente,

    o lugar por excelncia onde a alfabetizao se realiza.

    Neste sentido, a alfabetizao como processo individual seria

    sempre incompleto, uma vez que a sociedade est em constante

    mudana e o esforo do sujeito em se atualizar se d de modo contnuo.

    A alfabetizao no pode ser encarada meramente como a habilidade de

    decodifi cao da escrita, j que os usos sociais realizados pelos sujeitos

    da leitura e da escrita referem-se sempre s suas prticas culturais.

    Produzir ou compreender um texto simplrio como o de uma

    cartilha ou de um texto mais complexo como o da argumentao

    sobre os prs e contras de uma determinada questo legislativa revela

    atividades distintas da perspectiva de alfabetizao de um mesmo

    indivduo. Sendo assim, TFOUNI (2002) prope que se fale em graus

    ou nveis de alfabetizao. A movimentao dos sujeitos dentro dessa

    perspectiva escalonada, embora possa se iniciar na formalidade do

    processo escolar, no se esgota a e determinada pelas diversas prticas

    sociais em que os sujeitos se engajam ou deixam de se engajar ao longo

    de sua existncia. No podem ser ignoradas as prticas sociais mais

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    amplas (diferentemente das prticas mecnicas e funcionais, muitas

    vezes atribudas alfabetizao) para as quais a leitura e a escrita so

    necessrias e nas quais sero realmente utilizadas.

    Ancorando-se, junto com Emlia Ferreiro, no seio da segunda

    concepo de alfabetizao anteriormente citada, TFOUNI (2002) destaca

    que a escrita no deve ser considerada como a codifi cao da transcrio

    grfi ca da fala, mas sim como um sistema de representao que tem se

    modifi cado historicamente. Sendo assim, no se deve privilegiar a simples

    codifi cao e decodifi cao de sinais grfi cos durante a alfabetizao, mas

    deve-se respeitar o processo de simbolizao que a criana vai percebendo

    que a escrita representa medida que desenvolve o seu prprio processo

    de aquisio de leitura e escrita, ou seja, os aspectos construtivos das

    produes infantis durante a alfabetizao.

    A alfabetizao, assim, deixa de ser considerada como ensino

    de sinais grfi cos correspondentes aos sons da fala e a relao que se

    verifi ca entre a escrita e a oralidade no mais a de dependncia desta

    com aquela, mas sim de interdependncia, ou seja, esses dois sistemas

    se infl uenciam mutuamente. O processo de aquisio da leitura e de

    escrita agora percebido no mais como linear (som-grafema), mas

    visto como complexo, passando, inclusive, por diversos estgios durante

    o seu desenvolvimento.

    O letramento

    Para TFOUNI (2002), enquanto a alfabetizao se ocupa do

    processo de aquisio da leitura e da escrita por um indivduo, ou

    grupo de indivduos, o letramento focaliza os aspectos scio-histricos

    da aquisio de um sistema escrito por uma sociedade. A autora destaca

    que os pesquisadores da questo do letramento se debruam, entre outras,

    sobre as seguintes questes, tentando resolv-las:

    a) Quais mudanas sociais e discursivas ocorrem em uma sociedade

    quando ela se torna letrada?

    b) Grupos sociais no-alfabetizados que vivem em uma sociedade

    letrada podem ser caracterizados do mesmo modo que aqueles que vivem

    em sociedades iletradas?

    c) Como estudar e caracterizar grupos no-alfabetizados cujo

    conhecimento, modos de produo e cultura esto perpassados pelos

    valores de uma sociedade letrada?

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

    76 C E D E R J

    Assim sendo, as pesquisas sobre o letramento no se reduzem

    apenas ao universo de quem j adquiriu a escrita, a quem j alfabetizado,

    mas procuram verifi car tambm o que ocasiona a ausncia da escrita

    em nvel individual, porm sempre remetendo a contextos mais amplos,

    ou seja, buscando analisar, entre outros fatores, as caractersticas da

    estrutura social que possuem relao com os dados encontrados.

    Neste sentido, tanto a ausncia quanto a presena da escrita em uma

    sociedade devem ser consideradas como questes importantes, pois atuam

    simultaneamente como causa e conseqncia de transformaes sociais,

    culturais e psicolgicas, muitas vezes, radicais.

    TFOUNI (2002) destaca que, para VIGOTSKY (1984), o

    letramento seria a causa da produo de formas mais sofi sticadas do

    comportamento humano os chamados processos mentais superiores

    como, por exemplo: o raciocnio abstrato, a memria ativa, a resoluo

    de problemas etc. Ampliando os horizontes sociais, a autora aponta

    que o letramento considerado como produto do desenvolvimento do

    comrcio, da diversifi cao dos meios de produo e da complexidade

    da agricultura e, ao mesmo tempo, numa perspectiva dialtica, revela-se

    como sendo uma das causas das transformaes histricas profundas

    como a inveno da mquina a vapor, do telescpio, da imprensa, e

    mesmo da sociedade industrial.

    A exemplo do que ocorre com o processo de difuso dos sistemas

    de escrita, TFOUNI (2002), citando GINZBURG (1987), ressalva

    tambm que os instrumentos lingsticos e conceituais que o

    letramento coloca disposio dos sujeitos no so neutros

    nem inocentes, ou seja, a capacidade de dominar e de

    transmitir a cultura escrita tambm uma fonte de poder.

    A autora salienta ainda que o termo letrado no

    possui sentido nico nem simples e uniforme, mas, ao

    contrrio, descreve um fenmeno complexo, intimamente

    ligado questo das mentalidades, da cultura e da

    estrutura social como um todo. Prope tambm

    que no se possa utilizar o termo iletrado como

    anttese de letrado, postulando que no existe,

    nas sociedades modernas, o letramento de grau

    zero, ou seja, no existe o iletramento. Seria

    o caso de crianas lerem as marcas comerciais, Figura 16.2: Sujeito diante de um contrato com clusulas em letras bem midas, solicitando umalupa para poder l-las.

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    sem ao menos saberem ler. De uma perspectiva scio-histrica, destaca

    que o que existe nas sociedades industriais modernas so graus de

    letramento, no se pressupondo a sua inexistncia completa. No aceita

    tambm o uso de iletrado como sinnimo de no-alfabetizado.

    Citando a perspectiva etnocntrica presente em vrios estudos

    de psicologia transcultural, etnolingstica, psicologia cognitiva e

    antropologia, TFOUNI (2002) critica e prope que seja revista tal

    concepo que afi rma que somente com a aquisio da escrita as

    pessoas desenvolveriam o raciocnio lgico-dedutivo, a capacidade

    para fazer inferncias, para resolver problemas etc., alm de asseverar

    que o pensamento dos alfabetizados racional, enquanto os no-

    alfabetizados possuem o pensamento emocional, sem-contradies,

    pr-operatrio etc., sendo vistos como incapazes de tecer raciocnio

    lgico, de fazer inferncias, de efetuar descentralizaes cognitivas etc.

    A autora prope duas formas para se acabar com tal etnocentrismo.

    A primeira seria considerar o processo de alfabetizao e o de letramento

    como processos interligados, porm separados em sua natureza e

    abrangncia. A segunda seria considerar o letramento como um

    continuum. Seriam evitadas, assim, segundo a autora, classifi caes

    preconceituosas como as ocasionadas pelas categorias letrado e

    iletrado e a confuso que se d entre essas e as categorias alfabetizado

    e no-alfabetizado, separando-se o fenmeno do letramento do processo

    de escolarizao, que, como j foi visto, costuma acompanhar o processo

    de alfabetizao.

    TFOUNI (2002) nos instiga refl exo utilizando uma questo

    retrica, j que ela mesma a responde positivamente:

    Pode-se encontrar em grupos no-alfabetizados caractersticas que

    usualmente so atribudas a grupos alfabetizados e escolarizados?

    Se a resposta for positiva, estaremos mostrando que letramento e

    alfabetizao so distintos, e devem ser estudados separadamente.

    E a resposta, de fato, positiva (p. 25).

    Prova pelos resultados de suas pesquisas com adultos no-

    alfabetizados que, ao contrrio do que comumente se costuma pensar,

    tais sujeitos so capazes de descentrar seu raciocnio, resolvendo confl itos

    e contradies que se estabelecem no plano das relaes.

    Segundo a autora, a explicao para tal fenmeno no se

    localizaria no fato de o indivduo ser ou no alfabetizado, mas, sim,

    se ele est inserido numa sociedade letrada ou no, ou seja, est na

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

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    sofi sticao dos processos de comunicao, dos modos de produo,

    das demandas cognitivas pelas quais passa toda uma sociedade quando

    se torna letrada e que inegavelmente iro infl uenciar aqueles que nela

    vivem, sejam eles alfabetizados ou no.

    CONCLUSO

    Nas sociedades industriais modernas, paralelamente ao

    desenvolvimento cientfi co e tecnolgico ocasionado pelo letramento,

    existe um desenvolvimento correspondente, em nvel individual ou de

    pequenos grupos sociais, que independe do processo de alfabetizao

    e de escolarizao. No entanto, esse desenvolvimento tem um preo,

    pois aliena os indivduos de seu prprio desejo, de sua individualidade

    e, muitas vezes, de sua cultura e de sua historicidade. TFOUNI (2002)

    afi rma que a ALIENAO tambm um produto do letramento. Afi rma,

    ainda, que a cincia produto da escrita e a tecnologia, produto da

    cincia, e que funcionam como elementos REIFICADORES, principalmente

    para aquelas pessoas que, mesmo no sendo alfabetizadas, so

    letradas, mas no tm acesso ao conhecimento sistematizado nos

    livros, compndios e manuais.

    ALIENAO Alheamento dossujeitos de seus prprios interesses e condies de vida. Utiliza-se correntemente paradesignar as situaesinauguradas no mundomoderno e industrialem que pessoas e grupos sociais adotam idias, hbitos e posturas estranhos emuitas vezes nefastos asi mesmos.

    REIFICADORES De reifi cao. Diz-se dos processos e dispositivos quetransformam em coisas os sujeitos sociais, desprovendo-os de humanidade.

    1. D exemplo de alfabetizao, escrita e letramento.__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Lembre-se de que a escrita depende essencialmente da alfabetizao,

    mas o letramento no, no sentido de que somos capazes de ler tudo

    que h no mundo, mesmo sem sermos alfabetizados. Por outro

    lado, s aprendemos o alfabeto pela leitura dos signos!

    ATIVIDADE

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    A autora destaca tambm o fato de, muitas vezes, testemunharmos,

    como conseqncia do letramento, o fato de muitos grupos sociais no-

    alfabetizados abrirem mo do prprio conhecimento, da prpria cultura.

    Isso tambm caracterizaria essa relao como de tenso constante entre

    poder, dominao, participao e resistncia, o que no pode ser ignorado

    quando se busca compreender o produto humano por excelncia: a escrita

    e seus decorrentes necessrios, a alfabetizao e o letramento o que

    veremos nas prximas aulas.

    Escrita, alfabetizao e letramento compem um conjunto indissocivel. A escrita

    seria um produto cultural, enquanto a alfabetizao e o letramento seriam

    processos de aquisio de um sistema escrito.

    A concepo equivocada que usualmente se faz sobre o processo de alfabetizao

    associa-o a um modelo linear e positivo de desenvolvimento, pelo qual a criana

    aprenderia a utilizar e a decodifi car smbolos grfi cos que representariam os sons

    da fala, partindo de um ponto determinado e chegando a um outro patamar. Nesta

    aula ressaltamos que, na realidade, tal processo no se d de maneira simplria, pois

    preciso considerar diversas outras variveis, desde a questo da alfabetizao que

    ocorre quase sempre junto com a escolarizao at a concepo de que este no

    um processo linear, que, ao contrrio, envolve nveis de complexidade crescentes,

    em cada um dos quais a criana conhece e constri diferentes objetos.

    Por fi m, o conceito de letramento, compreende o processo de exposio s prticas

    sociais da escrita que os sujeitos sofrem, sejam esses indivduos alfabetizados ou no.

    R E S U M O

  • Movimentos Sociais e Educao | Conceituando Escrita, Alfabetizao e Letramento

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    ATIVIDADES FINAIS

    1. Quais so alguns exemplos possveis de prticas sociais que exigem dos sujeitos

    (sejam crianas, jovens ou adultos) o domnio da escrita?

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    RESPOSTA

    Diversas so as prticas sociais que exigem dos sujeitos (sejam crianas,

    jovens ou adultos) o domnio da escrita, desde a urgncia de se produzir

    um bilhete para um parente prximo ou para um empregado at a

    necessidade de se enviar uma carta cobrando e oferecendo notcias

    a um amigo ou scio distante, passando inclusive pelas prticas do

    preenchimento de um formulrio, da produo de um currculo, de

    um carto de Natal etc.

    2. Que competncias o educador/alfabetizador poderia desenvolver para lidar

    com as questes estudadas nesta aula?

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    RESPOSTA

    Para realizar novas experincias no campo da alfabetizao, torna-se

    necessrio que o professor/alfabetizador se liberte do uso de cartilhas

    e revisite sua prpria experincia de alfabetizao, procurando criticar

    a idia de que a alfabetizao se restringe a cpias mecnicas, j que

    a relao com as palavras transcende a mera correspondncia grfi co-

    fontica, exigindo a vivncia do contexto imaginativo e signifi cativo de

    que se alimenta a escrita e a leitura nas diversas prticas sociais.

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    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Na prxima aula, voc estudar a relao existente entre a alfabetizao, a leitura,

    o letramento e cidadania.