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Poder Judiciário do Estado da Bahia AUTOS N.º XXXXXX AÇÃO: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO Réu: XXXXX SENTENÇA Vistos, etc. Cuida-se de ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público em face de xxxxxxxxxxx sob o argumento, em resumo, de que foi apurado nos ação do inquérito civil instaurado pelo autor, através da Portaria n. 04/2007, que o réu, na condição de alcaide deste município, não efetuou o repasse dos descontos realizados na remuneração dos servidores públicos municiais ao órgão previdenciário e assistencial, no caso a Caixa Previdenciária do Município xxxxxxxx, autarquia municipal. Assevera que a Caixa de Previdência, conforme dispõe o art. 2º, incisos I e II da Lei n. XXXX, é a “unidade gestora do Regime Próprio de previdência social, tem por finalidade gerir o respectivo plano de benefícios e seu custeio, visando dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos os beneficiários e seus dependentes, compreendendo um conjunto de benefícios que atendam às seguintes finalidades: I- garantir meios de subsistência nos eventos de invalidez, doenças, acidentes em serviço, idade avançada, reclusão e morte; II – proteção à maternidade e à família”. Diz que a Diretora de Previdência informou através do ofício n. 021/2007, de 31 de julho de 2007, que a dívida do Município XXXX gerada pelos administradores anteriores somavam um total de R$2.780.604,37 (dois milhões, setecentos e oitenta mil, seiscentos e quatro reais e trinta e sete centavos), e que na administração do réu, a partir de 31/12/2004, totalizavam o valor nominal de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos). Relata que na gestão do prefeito anterior, a dívida foi objeto de parcelamento, autorizada pela Lei municipal n. XXXX, porém não foi cumprido. Segundo relata, o réu cumpriu com os repasses das contribuições à Caixa de Previdência no ano de 2005 e, após a aprovação de novo parcelamento da dívida através da Lei municipal n. XXXXX, o réu não efetuou nenhum pagamento. Sustenta que o réu novamente deixou de efetuar o pagamento dos repasses e contribuições previdenciárias no valor total de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos), na seguinte forma: Ano de 2006 a) Contribuição do Segurado corrigida: R$287.142,10 b) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$593.042,08 Total: R$880.184,18 Ano de 2007 a) Contribuição do Segurado corrigida: R$196.906,74 b) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$362.923,51

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Poder Judiciário do Estado da Bahia

AUTOS N.º XXXXXXAÇÃO: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVAAutor: MINISTÉRIO PÚBLICORéu: XXXXX

SENTENÇA

Vistos, etc.

Cuida-se de ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público em face de xxxxxxxxxxx sob o argumento, em resumo, de que foi apurado nos ação do inquérito civil instaurado pelo autor, através da Portaria n. 04/2007, que o réu, na condição de alcaide deste município, não efetuou o repasse dos descontos realizados na remuneração dos servidores públicos municiais ao órgão previdenciário e assistencial, no caso a Caixa Previdenciária do Município xxxxxxxx, autarquia municipal.

Assevera que a Caixa de Previdência, conforme dispõe o art. 2º, incisos I e II da Lei n. XXXX, é a “unidade gestora do Regime Próprio de previdência social, tem por finalidade gerir o respectivo plano de benefícios e seu custeio, visando dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos os beneficiários e seus dependentes, compreendendo um conjunto de benefícios que atendam às seguintes finalidades: I- garantir meios de subsistência nos eventos de invalidez, doenças, acidentes em serviço, idade avançada, reclusão e morte; II – proteção à maternidade e à família”.

Diz que a Diretora de Previdência informou através do ofício n. 021/2007, de 31 de julho de 2007, que a dívida do Município XXXX gerada pelos administradores anteriores somavam um total de R$2.780.604,37 (dois milhões, setecentos e oitenta mil, seiscentos e quatro reais e trinta e sete centavos), e que na administração do réu, a partir de 31/12/2004, totalizavam o valor nominal de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos).

Relata que na gestão do prefeito anterior, a dívida foi objeto de parcelamento, autorizada pela Lei municipal n. XXXX, porém não foi cumprido. Segundo relata, o réu cumpriu com os repasses das contribuições à Caixa de Previdência no ano de 2005 e, após a aprovação de novo parcelamento da dívida através da Lei municipal n. XXXXX, o réu não efetuou nenhum pagamento.

Sustenta que o réu novamente deixou de efetuar o pagamento dos repasses e contribuições previdenciárias no valor total de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos), na seguinte forma: Ano de 2006

a) Contribuição do Segurado corrigida: R$287.142,10 b) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$593.042,08Total: R$880.184,18

Ano de 2007a) Contribuição do Segurado corrigida: R$196.906,74 b) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$362.923,51

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Total: R$559.830,25

Assevera que o débito da ex-gestão somado ao débito da gestão do réu totalizava o valor de R$4.009.071,71 (quatro milhões, nove mil e setenta e um reais, e setenta e um centavos), de modo que todos os serviços prestados pela autarquia municipal previdenciária e assistencial foram suspensos, a exceção dos casos de urgência, por ausência de recursos.

Por fim, informa que os servidores públicos municipais não são vinculados ao Sistema Geral de Previdência – INSS, e obrigatoriamente passaram a contribuir para a CAIXA DE PREVIDÊNCIA, de modo que não só a autarquia, mas também os servidores públicos municipais tendem a sucumbir diante da conduta dos gestores municipais.

Requereu medida liminar para que fosse efetuados bloqueios mensais de verbas públicas para repasse à CAIXA DE PREVIDÊNCIA e, no mérito, a condenação do réu nas sanções previstas no art. 12, III da Lei 8.429/92.

Com a inicial vieram os documentos de fls.. O réu foi instado a se manifestar no feito e assim o fez às fls. 179-

204, dizendo que o Município passa por dificuldades financeiras, porém “assinou Termo de Parcelamento e Amortização de Dívida Previdenciária, das obrigações patronais no período compreendido entre Janeiro de 2006 a Dezembro de 2007”. Asseverou que o débito indicado pelo Ministério Público foi englobando pelo Termo de Parcelamento e que o débito da gestão anterior estão incluídos nos autos da ação de cobrança em trâmite nesta Comarca (Proc. n. XXXX).

A liminar foi deferida por este juízo às fls. 205-206 para determinar o bloqueio mensal de verbas destinadas à CAIXA DE PREVIDÊNCIA, cuja suspensão da liminar foi informada pelo TJBA às fls. 210-213.

Este juízo, por equívoco do cartório e reconhecido às fls. 230, prolatou nova decisão apreciando a liminar às fls. 226, indeferindo-a.

O réu foi notificado às fls. 227 dos autos na forma do art. 17, §7º da Lei 8.429/92, porém não se manifestou (fls. 228v), e a inicial foi recebida às fls. 229.

O réu foi citado às fls. 231 e apresentou resposta e documentos às fls. 232-269, sustentando, em resumo, que sempre primou pela legalidade e moralidade em suas gestões municipais e que o Município efetuou o parcelamento de todo o débito em 2009, englobando toda e qualquer ausência de repasse até o ano de 2008, conforme Termo de Parcelamento que anexa.

Diz que o período apontado pelo Ministério Público, portanto, foi regularizado diante da referida moratória, e que não houve dolo ou culpa de sua parte.

A Caixa de previdência foi intimada para dizer se tem interesse em ingressar no feito (fls. 275) e permaneceu silente.

O autor se manifestou no feito às fls. 270-274 e disse que o próprio réu confessa que realmente deixou de repassar à Caixa de Previdência, autarquia previdenciária do Município, os valores constantes na inicial, e que o termo de parcelamento que anexou à contestação englobou o débito que deixou de repassar na sua administração.

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Prossegue dizendo que foi o gestor seguinte que efetuou o parcelamento da dívida e não o réu e que isso não ilide a sua conduta ilícita e ímproba, posto que já consumadas, e que a dívida da CAIXA DE PREVIDÊNCIAI, inclusive na atual gestão do réu, só tem aumentado, inviabilizando o pagamento de alguns benefícios aos seus segurados, conforme consta do inquérito civil n. 01/2013, e causando dano à autarquia e aos seus segurados.

Por fim, informa que o réu cometeu ato doloso de improbidade administrativa, pois inclusive não realizou os repasses previdenciários voluntariamente, que sabia serem devidos por força do art. 14, §3º da Lei municipal n. xxxx; que ele violou os princípios da legalidade, moralidade e finalidade, sendo também sua conduta criminosa por praticar o crime de apropriação indébita previdenciária; e que não há necessidade de produção de outras provas diante da confissão do réu, sendo o caso de julgamento antecipado da lide (art.330, I do CPC).

O réu se manifestou às fls. em petição apresentada via fac-símile, sem apresentar o respectivo original, requerendo a realização de perícia contábil para quantificar o “pedido de ressarcimento integral do dano”, de oitiva de testemunhas para comprovar a ausência de prejuízo à Caixa de Previdência e aos seus beneficiários e prova documental para que a aquela apresente todos os demonstrativos de repasses e seja informado se houve regularização posterior do débito.

É o relato. DECIDO.

1) DAS QUESTÕES PROCESSUAIS

Inicialmente, friso que o feito deve ser julgado antecipadamente, conforme autoriza o art. 330, I do CPC, pois se trata de matéria de direito e de fato que não precisa da produção de prova em audiência ou da realização de perícias ou de outras providências, conforme se verá oportunamente.

1.1) Competência material e funcional deste juízo para processar e julgar a causa

Este juízo, acatando o entendimento firmado nos autos da Apelação Cível n. 0000104-66.2010.805.0053-0, da Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, julgada em 16/11/2010, entende que compete ao juiz de primeiro grau o processo e julgamento de ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face de Prefeito no exercício do mandato, no caso deste juízo.

Isso porque, realmente, as sanções cominadas na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992, isto é, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário – são sanções de natureza civil e não criminal, já que o §4º do art. 37 da CF/88 prevê tais punições “sem prejuízo da ação penal cabível”.

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Aliás, a doutrina administrativa contemporânea quase que, unanimemente, tem sustentado que as sanções em tela têm natureza cível e não penal.

Com efeito, uma mesma conduta pode acarretar responsabilidade tanto na esfera penal, quanto na cível e administrativa, sendo que a Lei de Improbidade Administrativa tem se constituído num dos poucos mecanismos jurídicos eficazes para a busca de correções de ilegalidades e/ou imoralidades no trato da coisa pública.

Não há dúvidas de que as “penas” previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 não são penas criminais, e sim cíveis, quando muito político-administrativas.

Sobre o assunto assim se manifesta o Professor Waldo Fazzio Júnior verbis:

“Os atos de improbidade administrativa podem acarretar para seu autor, agente público, além das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, sanções penais decorrentes de processo por delitos correlatos e, inclusive, sanções de natureza administrativa, em consequência de processo administrativo disciplinar. É que há possibilidade de incidência concomitante do estatuto funcional, da lei penal e da lei de improbidade administrativa. Cada processo, em cada instância, tem curso relativamente independente. Assim, exemplificando, o agente público que comete o ato de improbidade administrativa do art. 9º, XI (incorporação ao seu patrimônio de bem móvel público), pode ser processado, simultaneamente, pelo delito de peculato (CP, art. 312). É suscetível de receber as sanções civis e político-administrativas pelo ato de improbidade praticado e, cumulativamente, as penas relativas ao delito. Nesse sentido, o art. 37, §4º, in fine, da constituição Federal, exibe a expressão 'sem prejuízo da ação penal cabível'. Também, o art. 12, caput, da Lei 8.429/92, começa com a ressalva 'independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica'. Não é de hoje que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a independência entre as esferas administrativa, civil e penal. No que toca especificamente às ações de improbidade administrativa, tal independência está lastreada em texto constitucional (art. 37, §4º). Segue-se que, mesmo que a ação de improbidade tenha por fundamento fatos idênticos aos já analisados em outras instâncias, não há que se falar em bis in idem, nem tampouco na indevida intromissão do Judiciário na esfera de atribuições privativas do administrador, tendo em vista o princípio da independência das instâncias. (…)Tem-se que, pois, que é relativa a independência das instâncias penal e civil. A sentença penal absolutória somente produz coisa julgada no cível quando reconhece que o agente praticou o ato sob uma das formas excludentes de ilicitude ou, ainda, quando decidido naquela a inexistência material do fato ou de sua autoria” (in Improbidade Administrativa, Editora Atlas, São Paulo: 2012, pág. 491-492).

Ademais, como restou evidenciado nos autos do RESp 1119657/MG, rel. Min. Eliana Calmon, julg. em 08/09/2009 no Colendo STJ, “não há antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992. O primeiro trata de um julgamento político próprio para prefeitos e vereadores, e o segundo submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato”.

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Outrossim, por mais um motivo, entende-se que a competência funcional para o julgamento de ação civil de improbidade administrativa promovida em face de Prefeito no exercício do cargo não é do Tribunal de Justiça respectivo.

O foro por prerrogativa de função (foro especial) na área penal não pode, segundo o sistema constitucional em vigor, alcançar as ações civis de improbidade administrativa (prerrogativa concedida a autoridades públicas em razão do cargo que ocupam).

Tem-se conhecimento de que a competência por prerrogativa de foro, porque excepcional, somente pode ser concedida pela Constituição Federal em casos específicos. Decorre daí que a legislação infraconstitucional não pode dilargar o âmbito de aplicação do foro especial - somente a norma constitucional originária ou derivada - e, por maior razão, o intérprete não pode buscar uma exegese mais dilargada ou extensiva de qualquer de suas regras para outras situações não penais. A interpretação do foro por prerrogativa de função, logicamente, somente pode ser estrita.

Isso foi o que ocorreu com a Lei 10.828/2002, que alterou o art. 84 do CPP para estender o foro por prerrogativa de função às ações civis de improbidade administrativa, que foi julgada inconstitucional em controle concentrado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal em passado recente. Waldo Fazzio Júnior assim se manifesta sobre o assunto litteris:

“É fato que a Lei 10.628/2002, que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, modificou a competência para julgamento de autoridades com prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, em ações de improbidade administrativa. Aludida lei infraconstitucional foi guerreada por duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 2.797/DF e ADI 2.860/DF).Em setembro de 2005, o Plenário do STF, em aresto relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, por maioria de votos, julgou procedentes aquelas ações e declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/2002 (Acórdão publicado no DJ de 26-9-2005).Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça também decidiu reiteradamente que compete ao juiz de 1º grau o processo e julgamento de ação civil de improbidade administrativa, mesmo quando, no polo passivo da ação, figure autoridade detentora de foro especial por prerrogativa de função, posto que as hipóteses de foro especial contempladas no Texto Maior são taxativas (STJ, HC 22.342/RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ 23-6-2003).Nessa direção, 'a competência originária do STJ está arrolada no art. 105, I, da Constituição Federal, não comportando extravasamento que ultrapasse os rígidos limites nele fixados. Inexistência de usurpação da competência. Reclamação que se julga improcedente (STJ, RCL 580/GO, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 18-2-2002)” (in Improbidade Administrativa, Editora Atlas, São Paulo: 2012, pág. 437).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a competência para julgamento de Prefeito no exercício do cargo, em ação de improbidade administrativa, é do juiz de primeiro grau verbis:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HOMOLOGAÇAO DE LICITAÇAO FRAUDULENTA. VIOLAÇAO DOS DEVERES DE MORALIDADE JURÍDICA. DANO IN RE IPSA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO INCORPÓREO. ADEQUAÇAO DA VIA ELEITA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA

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CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇAO. PREFEITO. INEXISTÊNCIA. LEI 10.628/2002 DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF (ADI 2.797/DF) COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE 1º GRAU. PROVA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VALIDADE. ALEGAÇAO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PREJUDICADA. OITIVA DA TESTEMUNHA ARROLADA. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. MATÉRIA DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Rondônia contra os ora recorrentes, em decorrência de ato de improbidade administrativa consistente em fraude no processo de licitação. 2. O STJ entende ser perfeitamente cabível Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), bem como legitimado o Ministério Público para pedir reparação de danos causados ao Erário por atos de improbidade administrativa, tipificados na Lei 8.429/1992. 3. Outrossim, o simples fato de a conduta do agente não ocasionar dano ou prejuízo financeiro direto ao Erário não significa que seja imune a reprimendas, nos termos dos arts. 11, caput , e 12, III, da Lei 8.429/92. Precedentes do STJ. 4. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da Lei 10.628 /2002, que acrescentou os 1º e 2º ao art. 84 do CPP , não há falar em foro privilegiado por prerrogativa de função nas Ações de Improbidade Administrativa ajuizadas contra prefeitos. 5. Inexiste ilegalidade na propositura da Ação de Improbidade com base nas apurações feitas em Inquérito Civil público, mormente quando as provas colimadas são constituídas por documentos emitidos pelo Poder Público e os depoimentos das testemunhas foram novamente colhidos na esfera judicial. Precedentes do STJ. 6. A Lei da Improbidade Administrativa exige que a petição inicial seja instruída com, alternativamente, "documentos" ou "justificação" que "contenham indícios suficientes do ato de improbidade" (art. 17, 6º). Trata-se, como o próprio dispositivo legal expressamente afirma, de prova indiciária, isto é, indicação pelo autor de elementos genéricos de vinculação do réu aos fatos tidos por caracterizadores de improbidade. 7. O objetivo do contraditório prévio (art. 17, 7º) é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resolver no preâmbulo do processo e sem observância do princípio in dubio pro societate tudo o que haveria de ser apurado na instrução. Precedentes do STJ. 8. In casu , o Tribunal de origem concluiu, no juízo de improbidade e com base na prova dos autos, que ocorreu infração à LIA, consistente em fraude no procedimento licitatório, cujo resultado era previsível e acertado entre os recorrentes, com a aquiescência do prefeito municipal. A alteração desse entendimento esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 9. Recursos Especiais não providos.” (STJ, Segunda Turma do REsp Nº 401.472 - RO (2001/0195429-6), rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Data do julgamento: 15/06/2010)

O Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro também entendeu que a competência para julgamento de prefeito por ato de improbidade administrativa é do juiz singular verbis:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO MUNICIPAL. SENTENÇA QUE JULGA EXTINTO O PROCESSO, SEM ANÁLISE DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 267, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COMBINADO COM O ART. 17, § 11º, DA LEI Nº 8.429/92, COM FUNDAMENTO NA INAPLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS, POR ATOS COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO, DEVENDO

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RESPONDER POR CRIME DE RESPONSABILIDADE. PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR EX-PREFEITOS DO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA CONSUBSTANCIADA NO PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS A SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS, NO PERÍODO DE 1989 A 1996, NO PERCENTUAL DE 100% (CEM POR CENTO), EM CONTRARIEDADE AO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA QUE PREVÊ O PAGAMENTO DO PERCENTUAL DE 50% (CINQUENTA POR CENTO). COMPATIBILIDADE DA LEI 8.429/1992 COM O DECRETO-LEI Nº. 201/1967. INCIDÊNCIA DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PARA AGENTES POLÍTICOS, DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. SEPARAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA RECLAMAÇÃO Nº 2138/DF, QUE NÃO TRATAVA ESPECIFICAMENTE, DOS CARGOS DE PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADOR, NÃO POSSUINDO EFICÁCIA ERGA OMNES. INEXISTÊNCIA DE EFEITO VINCULANTE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO PARA DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DO FEITO.” (TJRJ, DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL, AC 0039144-60.2009.8.19.0066, DES. GILDA CARRAPATOSO, data de Julgamento: 17/07/2013).

Portanto, a competência de foro por prerrogativa de função prevista na Constituição Federal para determinadas autoridades em razão do cargo que ocupam não comporta interpretação extensiva para questões não penais, segundo reiterado posicionamento dos Tribunais Superiores, e não pode ser objeto de modificação pela legislação infraconstitucional.

Ainda que se pensasse em competência implícita no texto constitucional, prevendo o art. 12 da Lei 8.429/92 penas civis ou político-administrativas e não de sanções penais, o regramento jurídico processual aplicável é o civil e não penal. Ou seja, o regime sancionatório está fixado no art. 37, §4º da CF/88 e regulamentado pela Lei 8.429/92 dentro dos seus limites.

Também sobre o assunto leciona Waldo Fazzio Júnior:

“Acompanhamos Alexandre de Moraes (2009, p. 558), quando leciona que 'tanto o Pretório Excelso como o Superior Tribunal de Justiça (arts. 102 e 105) somente poderão processar e julgar, originariamente, as hipóteses previstas no texto constitucional, e entre elas não se encontram os casos de improbidade administrativa de altas autoridades da República...” (in Improbidade Administrativa, Editora Atlas, São Paulo: 2012, pág. 439).

Também não se revela correto nenhum raciocínio que estabelecesse a competência funcional (primeiro e segundo grau) em razão da sanção civil aplicada (ressarcimento ao erário, perda do cargo, suspensão dos direitos políticos, etc) porque não se pode fazer prévio juízo, ao ser ajuizada a ação de improbidade, sobre qual vai ser a sanção ao final aplicada, somente descoberta após a completa instrução do feito.

Como se verá oportunamente, nas ações coletivas, principalmente de improbidade administrativa, o juiz não fica adstrito ao pedido do autor em razão da indisponibilidade do interesse público perseguido e porque não se adota o princípio da congruência nestas demandas, de modo que este absurdo

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entendimento levaria a conclusão não menos absurda que toda e qualquer ação de improbidade administrativa contra Prefeito Municipal seria de competência do Tribunal de Justiça.

Logo, não havendo que se falar em sanção penal na Lei 8.429/1992, cuja competência por força do art. 29, X da CF/88 e art. 123, I, “a” da Constituição do Estado da Bahia seria do Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, e ainda que ditos dispositivos merecem interpretação restrita como todos os demais dispositivos constitucionais que preveem prerrogativa de foro (art. 102, 105, etc), entendo que o feito deve ser processando e julgado pelo juiz singular, não havendo que se falar em inadequação da via eleita em razão da matéria ou de incompetência funcional deste juízo. 1.2) Do julgamento antecipado da lide (art. 330, I do CPC) e desnecessidade de produção de outras provas

O Ministério Público requereu o julgamento antecipado da lide e este juízo entende que lhe assiste razão.

Com efeito, embora o réu tenha postulado pela realização de perícia contábil, prova testemunhal e prova documental, sabe-se que o art. 130 do CPC preceitua que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.

No caso em comento, entende este juízo que as provas postuladas pelo réu são inúteis e, principalmente, protelatórias.

O réu, a evidência, quer a todo custo protelar do desfecho do presente processo através de requerimento de provas ou diligências totalmente despropositadas.

Com efeito, não será através de provas testemunhais que será comprovada a ausência de danos pela falta de repasses ou pagamentos pelo réu à Caixa de Previdência, posto que isso decorre naturalmente dos não pagamentos nas datas e momentos apropriados; não será através de perícia contábil que será aferido o valor exato do ressarcimento do dano, posto que não se imputa dano a ser indenizado pelo réu nos presentes autos e sim ao Município (a conduta imputada ao réu se amolda ao art. 11 da Lei 8.429/92 e não ao art. 10 da referida lei); e não será através de prova documental suplementar que será aferida a falta de repasses ou pagamentos pelo réu à Caixa de Previdência, já que ele mesmo confessa isso, justificando que posteriormente foram realizados parcelamentos da dívida, e ainda porque há documentos às fls., juntados pelo Município e próprio réu, neste sentido.

Frise-se, outrossim, que os valores em mora, não pagos e não repassados pelo réu não são objeto de controvérsia porque não foram contestados por este e porque constam de “Termo de Amortização de Dívida Previdenciária” (fls.) e de “Termo de Acordo de Parcelamento e Confissão de Débitos Previdenciários” (fls.), assinados pelo Município e pela Caixa de Previdência em 10/01/2008 e 10/07/2009, respectivamente, de modo que os danos patrimoniais suportados pela Caixa de Previdência e por seus segurados deverão ser impostos ao Município e não ao réu, posto que não saíram dos cofres públicos municipais e,

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se assim ocorreu, foram aplicados em benefício do Município e não do réu em particular.

Por fim, reputa-se ainda como não requerida a realização de provas pelo réu porque ele se manifestou nos autos via fac-símile e não apresentou a petição original no prazo legal de cinco dias do término do prazo, na forma do art. 2º da Lei 9.800/99.

Portanto, assiste razão ao Ministério Público ao requerer o julgamento antecipado da lide porque a questão de mérito é unicamente de direito.

1.3) Legitimidade ativa do Ministério Público

Com relação à legitimidade do Ministério Público para promover esta ação, como vem decidindo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, entende-se que o Ministério Público, por força de mandamento constitucional, possui legitimidade para promover a defesa do patrimônio público e dos direitos e interesses difusos e coletivos.

Com efeito, além da Constituição Federal, o art. 25, inciso IV da Lei nº 8.625/93 confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar, como substituto processual, ação civil pública para proteção, prevenção e reparação a bens e outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e/ou homogêneos.

Ademais, preceitua o art. 17 da Lei 8.429/92 o seguinte:

“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.(...)

§3o

No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)§4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.”

A propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é conclusiva, como se depreende do seguinte voto da Min. Eliana Calmon verbis:

“O Ministério Público, por força do art. 129 III da Constituição Federal/88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, §1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º). A Carta de 1988, ao maximizar a importância da cidadania, no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela dos interesses difusos referentes à probidade da Administração Pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. Em consequência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade)”

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(STJ, RESp 686.993 – DJ 25-5-2006). No mesmo sentido: STJ, RESp 631.408/GO, rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJ 30-5-2005).

Logo, possui o Ministério Público legitimidade para ajuizar a presente

ação civil de improbidade administrativa para defesa do patrimônio público sob o ângulo material e imaterial, conforme previsão da Súmula 329 do STJ.

2) DO MÉRITO

Preceitua o art. 37, §4º da Constituição Federal de 1988:

“Art. 37. (...)§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Já o art. 11º da Lei 8.429/92 regula os atos de improbidade administrativa que importam violação contra princípios da Administração Pública, exemplificando nos seus incisos condutas que assim resultam:

“Seção IIIDos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração PúblicaArt. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;IV - negar publicidade aos atos oficiais;V - frustrar a licitude de concurso público;VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.”

Com efeito, a Lei Federal 8.429/92 instituiu no direito brasileiro um autêntico código da moralidade administrativa sancionando gravemente os atos de improbidade administrativa, em atenção ao comando do art. 37 §4º da Constituição Federal, para garantia da eficácia social dos princípios constitucionais da administração pública dispostos no art. 37 da Constituição Federal.

Discrimina três espécies de atos de improbidade administrativa: os que importam enriquecimento ilícito do agente, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da administração pública (arts. 9º a 11), descrevendo exemplificativamente cada uma dessas condutas, que são sancionadas neste âmbito jurisdicional-civil, e sem prejuízo das instâncias penal, administrativa e civil (esta, por exemplo, derivada de outro instituto, como a ação popular constitucional), com as sanções do art. 12.

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A preocupação da lei, como se infere das sanções cominadas e das espécies de improbidade administrativa, é a preservação dos valores materiais e morais da administração pública, abrangendo as entidades referidas no seu art. 1º, censurando comportamentos imorais, ilegais ou lesivos de agentes públicos (na ampla conceituação do art. 2º), partícipes e beneficiários (art. 3º).

A lei contempla duas ações em seu bojo: a) a primeira para repressão da improbidade administrativa, visando a aplicação das sanções do art. 12, inclusive o ressarcimento do dano; b) a segunda para o ressarcimento do dano quando não ocorra improbidade administrativa (art. 5º). Em virtude do sistema de interação das vias de tutela de interesses metaindividuais são admissíveis quaisquer provimentos, além dos típicos nela previstos, aptos a tornar eficaz e adequada (arts. 21 da Lei Federal 7.347/85 e 83 da Lei Federal 8.078/90), como por exemplo, a declaração de nulidade de ato administrativo (art. 25 inc. IV da Lei Federal 8.625/93), a prestação de atividade devida e a cessação de atividade nociva (art. 12 da Lei Federal 7.347/85).

A seu turno, preceituam os arts. 13 e 14 da Lei municipal n. XXXX:

“Art. 13. São fontes do plano de custeio da Capremi: I – contribuição Previdenciária do Município;II – contribuição Previdenciária dos segurados ativos, inativos e pensionistas(...)Art. 14. As contribuições previdenciárias de que tratam os incisos I e II do art. 13 serão de 16,29% (contribuição do município) e 11,00% (contribuição do segurado), respectivamente, incidentes sobre a totalidade da remuneração de contribuição.(...)§3º A responsabilidade pelo recolhimento ou repasse das contribuições previstas nos incisos I e II do art. 13 será do dirigente máximo do órgão ou entidade em que o segurado estiver vinculado e ocorrerá em até dois dias úteis contados da data de pagamento do subsídio, da remuneração, do abono anual e da decisão judicial ou administrativa.”

Já o Decreto Lei 201/67 prevê os crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, dispondo o seguinte:

“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:(...)Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;(...)XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;”

No caso em comento, o Ministério Público imputa ao réu, na condição de Prefeito Municipal, ato de improbidade administrativa por não ter efetuado o pagamento dos repasses e contribuições previdenciárias no valor total de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos), na seguinte forma: Ano de 2006

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c) Contribuição do Segurado corrigida: R$287.142,10 d) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$593.042,08Total: R$880.184,18

Ano de 2007c) Contribuição do Segurado corrigida: R$196.906,74 d) Contribuição do Patrocinador (Município) corrigida: R$362.923,51Total: R$559.830,25

O réu, por sua vez, aduziu na contestação que o Município XXX passava por situação de dificuldade financeira e que realmente não efetuou o pagamento de tais valores (fato incontroverso), justificando que posteriormente foi realizado “parcelamento da dívida”, como se isso excluísse o ato de improbidade administrativa que lhe é imputado. Na verdade, o próprio réu reconhece a ilicitude do ato, embora não lhe atribua a qualidade de ímprobo.

De fato, é indene de dúvidas que a conduta do réu violou os princípios constitucionais da Administração Pública e a norma penal que prevê o crime de apropriação indébita previdenciária na forma especial do Decreto-Lei 201/67.

No entanto, inobstante o reconhecimento do caráter ilegal e em tese criminoso da conduta do réu, há que se analisar com cautela o ato ilegal no que concerne ao elemento subjetivo.

O caput do artigo 11 da Lei 8.429/92 trata, como se vê, de preceito bastante amplo, com conceitos indeterminados a serem especificados em cada situação concreta. Os incisos do referido artigo denotam hipóteses apenas exemplificativas, não afastando, portanto, a aplicação das sanções previstas no art. 12 a casos que, embora não tipificados nos incisos do mencionado artigo, ensejem mácula aos valores descritos no caput.

Entretanto, tal amplitude exige cuidados do intérprete, que deverá ter sempre presente o aspecto teleológico da lei de improbidade, qual seja, coibir condutas graves para cuja reparação não seriam bastantes a aplicação de penalidades administrativas e a responsabilização civil e/ou penal do agente público. Além disso, é fundamental, não só nos casos de aplicação da lei de improbidade, mas de qualquer norma, observar-se aspectos de razoabilidade e proporcionalidade, integrantes do princípio maior do devido processo legal em suas nuances material e processual, que se concretizam por meio de provimentos necessários e adequados.

É que, ao contrário do que ocorre com o art. 10 da Lei 8.429/92, onde basta a culpa para se configurar a improbidade nos casos de prejuízo patrimonial ao erário, o art. 11, assim como o art. 9º, exige mais que isso: a conduta violadora dos princípios da Administração só será ímproba se o agente portou-se com dolo ou má-fé.

No caso dos autos, vislumbro que o réu agiu de forma omissa dolosamente, de má-fé no exato e pontual cumprimento do ordenamento jurídico, posto que não há nada nos autos a justificar sua conduta ímproba, a exceção da alegação genérica e descompromissada de que na época o município passava por dificuldades financeiras.

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Ou seja, não há que se falar que o réu, na condição de administrador público, deixou de efetuar o pagamento e repasse das contribuições previdenciárias dos servidores públicos municipais para efetuar outros pagamentos ou saldar dívidas mais importantes, a fim de evitar mal maior, uma porque nada alegou neste sentido, e duas porque a ausência dos recolhimentos pelo réu foi sistemática e reiterada, ou seja, todos os meses dos anos de 2006 a 2008 (fls. 258-259), inclusive, segundo o Ministério Público, também no segundo mandato iniciado em 01/01/2013.

Isso quer dizer que o réu adotou como prática de seu mandato o não recolhimento voluntário de contribuições previdenciárias (patronal e do segurado), agindo deliberadamente contra o art. 37 da CF/88, art. 11, caput e inciso II da Lei 8.429/92, arts. 13 e 14 da Lei municipal n. XXXX e incisos III e XIV do art. 1º do Dec-Lei 201/67, para satisfazer sentimento ou interesse pessoal.

O dolo do réu no descumprimento dos princípios da legalidade, moralidade e finalidade, e nos danos patrimoniais causados à autarquia previdenciária municipal e aos seus segurados, portanto, se evidencia às escâncaras do seu comportamento repetido, sistemático e duradouro.

Aliado ao frontal descumprimento das regras jurídicas, o réu contribuiu decisivamente para a insolvência do sistema público e especial de previdência dos servidores públicos do Município, de modo que hoje a Caixa Previdência não somente deixa de honrar com o cumprimento de suas obrigações perante os segurados, como os segurados possivelmente não terão a quem se socorrer na inatividade, eis que não amparados pelo Sistema Geral de Previdência Social – INSS.

Sobre o caso, são os seguintes julgados:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EXISTÊNCIA.1. Ação de improbidade ajuizada com o fito de imputar ao exprefeito do Município de Areia/PB as sanções da Lei nº 8.429/92, por ato de improbidade consistente na omissão de recolhimento aos cofres da Previdência Social das contribuições des-contadas de segurados, no período de março a dezembro de 2004, no valor de R$ 847.164,58.2. Sentença que julgou improcedente o pedido, considerando, entre outras razões, o parcelamento da dívida aliado ao regular adimplemento das prestações.3. Na qualidade de ordenador de despesas do Município, o réu estava obrigado a providenciar o recolhimento das contribuições, nos termos dos arts. 15, I, e 30, I, da Lei nº 8.212/91, sendo defeso buscar eximir-se de tal encargo imputando-o a seus subordinados.4. Conduta omissiva que, além de criminalizada no Estatuto Repressor como apro-priação indébita previdenciária (arts. 168- A), atenta contra os princípios que nortei-am a Administração Pública, notadamente a legalidade e a moralidade administrati-vas. 5. Uma vez não apontado nenhum motivo relevante para respaldar o fato ou justifi-car o emprego emergencial daqueles recursos, situações em que a Jurisprudência tem afastado a configuração da figura ímproba aqui imputada (REsp 246746/MG, DJe 19/05/2010), resta delineada a conduta inserta no art. 11, IV, da LIA, em sua modalidade dolosa, elemento subjetivo cuja presença advém da ausência daquelas excludentes. Precedentes deste Regional.

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6. A confissão e o posterior parcelamento fiscal do débito não têm o condão de, por si só, descaracterizar o ilícito civil invocado, mormente quando tais providências fo-ram efetuadas na atual gestão.7. Perpetração de ofensa ao art. 11 da Lei nº 8.429/92, a acarretar a incidência das sanções previstas no art. 12, III, do referido diploma legal, com a proibição de con-tratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditíci-os, por três anos, e pagamento de multa civil de R$25.000,00 (vinte mil reais).” (TRF 5ª Região, AC Nº 542814 –PB (2009.82.01.003609-0), RELATOR: DES. FE-DERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA, j. em 13/12/2012)

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE REPASSE AO INSS DE VALORES RECOLHIDOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVI-DENCIÁRIA. OMISSÃO EM INFORMAR OS FATOS GERADORES DA CONTRI-BUIÇÃO. ART. 11, II, DA LEI 8.429/92. 1. A comprovação de apropriação indevida e o dolo, por parte do agente público, são irrelevantes para a condenação pelo ato do art. 10, X da Lei 8.429/92. É exigi -do, no entanto, o dano ao erário, não configurado neste caso por ser a dívida fiscal discutida do Município em relação à União; o prefeito não é responsável tributário. 2. O não recolhimento de valores ao INSS (referentes aos períodos de 02 a 03/2005, 06/2005, 01 a 12/2006) e a omissão em informar os fatos geradores das contribuições previdenciárias no período da gestão fiscal do agente, devidamente comprovados, enquadram o agente na previsão do art. 11, II da Lei 8.429/92. 3. Apelação improvida. (TRF 5ª Região, 4ª T., AC 537540, Relator(a) Desembarga-dor Federal Edílson Nobre, DJE 04/09/2012).

“PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA OFI-CIAL E APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMI-NISTRATIVA. PETIÇÃO INICIAL. RECEBIMENTO. PLAUSIBILIDADE MÍNIMA DAS ALEGAÇÕES AUTORAIS. INDÍCIOS FORTES DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO (INCLUISIVE QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA). NÃO RECO-LHIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRI-AS DESCONTADAS DAS FOLHAS DE PAGAMENTO MUNICIPAIS. ART. 11, II, DA LEI Nº 8.429/92. PROVIMENTO. 1. Remessa oficial e apelação interposta contra sentença de rejeição da petição ini-cial de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, via da qual o autor busca a responsabilização do réu, na condição de ex-Prefeito do Município de Solâ-nea/PB, por apropriação indébita previdenciária, quanto aos valores descontados (arrecadados) das folhas de pagamento dos empregados e dos contribuintes indivi-duais (autônomos) municipais e não repassados aos cofres públicos (no importe de R$2.255.145,41, em valores de junho de 2007), no período de julho de 2001 a ja-neiro de 2007, conduta que se subsumiria ao tipo do art. 11, II, da Lei nº 8.429/92. 2. O Juízo a quo rejeitou a petição inicial pelas seguintes razões: por não enxergar "indícios mínimos de conduta dolosa de má-fé", mormente ante o fato de que "o MPF afirma expressamente, na inicial destes autos, que não há indícios de que o Réu tenha se locupletado ilicitamente com os valores não repassados ao INSS"; porque "a ausência de repasse de contribuições previdenciárias, por si só, não ca-racteriza ato de improbidade administrativa, já que ausente conduta reprovável que desdobre da simples violação ao princípio da legalidade e à respectiva obrigação tributária acessória, já que devidamente apenada nas searas próprias"; haja vista que o caso seria de "mera irregularidade administrativa". 3. A apreciação, através da qual se poderá rejeitar ou receber a inicial da ação de improbidade administrativa (art. 16, parágrafos 6º e 8º, da Lei nº 8.429/92), deve serestringir à verificação da existência dos pressupostos processuais e das condições especiais da ação. Em se tratando de ação civil por atos de improbidade adminis-trativa, é preciso atentar para a plausibilidade mínima das alegações trazidas a exa-me e para a existência de indícios suficientes da prática de atos de desonestidade

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administrativa, que justifiquem o prosseguimento do feito. A rejeição in limine ape-nas pode ser determinada quando manifesta a inexistência do ato de improbidade, quando patente que se trata de pedido infundado, ou em razão de inadequação da via eleita. E mais: considerando os objetivos que permeiam as normas jurídicas re-gentes da ação de improbidade administrativa; tendo em conta os relevantes inte-resses protegidos sob o pálio dessa modalidade de ação; e atentando-se para a responsabilidade dos que a manejam, a enjeição de pronto se constitui em medida marcada pela excepcionalidade, por apenas admitir guarida quando evidenciadas, em seus estritos termos, as hipóteses com elenco na lei. Não se estará, pois, real -ce-se, nesta oportunidade, firmando juízo deconvicção sobre o mérito mesmo envolvido na demanda, em todos os seus mean-dros, ou sobre a responsabilidade do ora apelado. O recebimento da inicial repre-sentará apenas, se determinada, o reconhecimento da imprescindibilidade da conti-nuidade das indagações e averiguações, com ampla produção probatória, que po-derá confirmar ou infirmar as denúncias formuladas pelo Órgão Ministerial.4. Configura o ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11, II, da Lei nº 8.429/92, deixar o agente público de repassar, durante 7 anos, aos cofres públicos as contribuições previdenciárias descontadas das folhas de pagamento da Prefeitu-ra, dando ensejo à autuação previdenciária do Município a recolher ao Erário o im-porte de mais de R$2.000.000,00 (em valores de julho de 2007).5. Há indícios fortes da prática de ato ímprobo, inclusive no respeitante ao elemento subjetivo que deve estar presente, in casu, qual seja o dolo, segundo jurisprudência preponderante do STJ ("É assente nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10" - 1T, AgRg no REsp 1260963/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, julgado em 08/05/2012, DJe 14/05/2012). Comunga-se com a perplexidade ministerial: como crer que não havia dolo na conduta do ex-gestor público que passou 7 anos descumprindo a lei que determina o repasse à Previdência Social dos valores recolhidos a título de contri-buição previdenciária dos seus empregados, não tendo o réu sequer alegado (até porque seria absurdo, consideradas as peculiaridades do caso concreto) ignorância quanto às normas jurídicas, nem tendo oposto qualquer outro motivo justificador de seu comportamento injurídico? Entende-se por dolo a consciente vontade de portar-se de modo ilícito, o que aqui está demonstrado, ao menos para fins de recebimen-to da petição inicial, não se tratando de "mera irregularidade administrativa" (como qualificar como "mera irregularidade administrativa" comportamento tipificado, inclu-sive, penalmente - art. 168-A do CP?). De se notar, inclusive, que, de acordo com a denúncia feita ao autor, acerca da situação em comento, que terminou por ensejar esta actio , o então Prefeito já havia sido alertado, em 2005, pelo TCE, acerca da inadmissibilidade do não repasse, mantendo, contudo, sua omissão, fatos que impõem a adequada apuração do comportamento do réu. 6. Não há que se confun-dir o dolo com dano ao erário ou enriquecimento ilícito do réu. Mesmo que, no caso concreto, não tenha se configurado prejuízo aos cofres públicos (o que nem se pode afirmar in casu , já que a Edilidade terá que recolher, com os acessórios devi - dos, os valores não repassados no momento próprio), nem enriquecimento injurídi-co do réu, se está materializado o dolo, é de se reconhecer a ocorrência da prática de improbidade administrativa tipificada no art. 11, II, da Lei nº 8429/92. 7. Não obsta o acatamento da petição inicial, o fato de já teriam sido tomadas medi-das na via fiscal. Por regra, são independentes as esferas de responsabilização (ci-vil, penal e administrativa). "O tema envolve a relativa independência das instâncias (civil e criminal), não sendo matéria desconhecida no direito brasileiro. De acordo com o sistema jurídico brasileiro, é possível que de um mesmo fato (aí incluída a conduta humana) possa decorrer efeitos jurídicos diversos, inclusive em setores distintos do universo jurídico. Logo, um comportamento pode ser, simultaneamente,

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considerado ilícito civil, penal e administrativo, mas também pode repercutir em apenas uma das instâncias, daí a relativa independência" (STF, RHC 91110, Rela-tora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 05.08.2008, DJe-157, p. 22.08.2008). 8.Provimento da remessa oficial e da apelação, para efeito de recebimento da peti-ção inicial, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de Primeiro Grau, para que dê continuidade ao feito.” (TRF 5ª Região, 1ª T., APELREEX 21339, Relator(a) Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, DJE 20/07/2012).

“REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRA-TIVA. LEI Nº. 8.429 /92. AUSÊNCIA DE REPASSE DE CONTRIBUIÇÃO PREVI-DENCIÁRIA DESCONTADA DOS SERVIDORES AO IPSEMG. VERBAS COM DESTINAÇÃO VINCULADA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. SANÇÕES. APLICAÇÃO. Constitui ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração, o descumprimento de Convênio firmado com o IPSEMG mediante a ausência de repasse da contribuição previden-ciária descontada dos servidores públicos municipais, ainda que para o pagamento de dívidas do Município, uma vez que tais verbas têm destinação específica e não se tratam de recursos públicos. As sanções previstas na Lei nº 8.429 /92 devem ser aplicadas de forma proporcional e na medida da atuação do agente na prática do ato ímprobo. Em reexame, reformar a sentença. Julgar prejudicado o recurso.” (TJ-MG - Apelação Cível AC 10079031063773001 MG (TJ-MG), data de publicação: 10/05/2013)

Também não se exige o dolo específico de lesar o erário ou de violar princípio da Administração Pública, posto que o “elemento subjetivo necessário à configuração de improbidade administrativa prevista pelo art. 11 da Lei 8.429/1992 é o dolo eventual ou genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de intenção específica, pois a atuação deliberada em desrespeito às normas legais, cujo desconhecimento é inescusável, evidencia a presença do dolo”. Neste sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRA-TIVA. LAUDO MÉDICO EMITIDO POR PROFISSIONAL MÉDICO, SERVIDOR PÚ-BLICO, EM SEU PRÓPRIO BENEFÍCIO. CONDENAÇÃO EM MULTA CIVIL. RE-DUÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.(...)2. Conforme pacífico entendimento do STJ, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, dje 28/09/2011). De outro lado, o elemento subjetivo necessário à configuração de improbidade administrativa pre-visto pelo art. 11 da Lei 8.429/1992 é o dolo eventual ou genérico de realizar condu-ta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a pre-sença de intenção específica, pois a atuação deliberada em desrespeito às normas legais, cujo desconhecimento é inescusável, evidencia a presença do dolo. Nesse sentido, dentre outros: AgRg no AREsp 8.937/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçal-ves, Primeira Turma, DJe 02/02/2012.3. O acórdão recorrido, sobre a caracterização do ato ímprobo, está em sintonia com o entendimento jurisprudencial do STJ, porquanto não se exige o dolo específi-

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co na prática do ato administrativo para caracterizá-lo como ímprobo. Ademais, não há como afastar o elemento subjetivo daquele que emite laudo médico de sua com-petência para si mesmo. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 73.968/SP, Rel. Ministro BE-NEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 29/10/2012).

Logo, como já demonstrado, o réu agiu com dolo ou má-fé na omis-são em cumprir os comandos constitucionais e legais previstos nos princípios ati-nentes à Administração Pública e no art. 37 da CF/88, art. 11, caput e inciso II da Lei 8.429/92, arts. 13 e 14 da Lei municipal n. XXXX e incisos III e XIV do art. 1º do Dec-Lei 201/67, deixando de recolher e repassar à Caixa de Previdência o valor to-tal de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e ses-senta e sete reais e trinta e quatro centavos), referente aos anos de 2006 e 2007 e apurados até o ajuizamento da presente ação, a concluir que agiu e praticou ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/92).

3) DAS SANÇÕES

Dispõe o art. 37, §4º da CF/88 o seguinte:

“Art. 37. (...)§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Já o art. 12 da Lei 8.429/92 preceitua o seguinte:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).(...)III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

Como se vê do parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429/92, o juiz ao fixar a pena para o ato de improbidade administrativa deverá considerar a extensão do dano causado (material e imaterial), bem como o proveito patrimonial obtido pelo agente ímprobo.

Com efeito, o órgão judicial deverá verificar a compatibilidade das sanções previstas com o ilícito cometido pelo agente, o grau de reprovabilidade da conduta, as circunstâncias da conduta, os antecedentes do agente, os danos causados ao Poder Público e o fim visado pela lei, o que levará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade.

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In casu, a conduta do réu apurada nos presentes autos meramente no âmbito civil guarda correspondência com a prática do crime de responsabilidade previsto no art. 1º do Decreto-Lei 201/67 verbis:

“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:(...)Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;(...)XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;”§1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.”

Destarte, a mesma conduta de deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional para outros servidores públicos, excluindo prefeitos e outras autoridades, teria correspondência no crime de apropriação indébita previdenciária do art.168-A do Código Penal, porém encontra regulação específica no Decreto-Lei 201/67.

Portanto, o fato é grave, porque também previsto como crime de responsabilidade do art. 1º do Decreto-Lei 201/67, de modo que a sanção civil deve guardar correlação com a gravidade do fato, e com a condição do réu, de chefe do Poder Executivo Municipal e pessoa que, em tese, deveria ser referencial de conduta aos servidores subalternos.

Outrossim, o valor não recolhido à autarquia previdenciária – CAPREMI pelo réu totaliza o valor de R$1.228.467,34 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e quatro centavos), referente aos anos de 2006 e 2007 e apurados até o ajuizamento da presente ação, a concluir que se trata de alto desfalque patrimonial àquele ente público (CAPREMI) e aos seus segurados.

Desta forma, além da gravidade do fato e da responsabilidade mais reprovável do réu como chefe do Poder Executivo Municipal, a sanção civil deve guardar pertinência com as consequências de sua conduta.

O legislador já teceu seu juízo de valor ao realizar a gradação das sanções civis de improbidade administrativa no art. 12 da Lei 8.429/92 de acordo com a gravidade do ato de improbidade administrativa, do mais grave do art. 9º ao menos grave do art. 11 da citada lei, bastando para assim concluir serem analisados os incisos do art. 12 da Lei 8.429/92, de modo que coube ao intérprete e aplicador da lei realizar a dosimetria das sanções previstas em lei, no caso do art. 12, I da Lei 8.429/92, de acordo com os patamares mínimos e máximos fixados pelo legislador.

Ademais, o art. 12, I da Lei 8.429/92 possui as “vírgulas” e a conjunção “e” com função aditiva, de modo que comprovado o ato de improbidade administrativa do art. 9º da citada lei, deve-se aplicar todas as sanções civis previstas no inciso I do art. 12 cumulativamente, se forem pertinentes ao caso

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concreto (ex. perda das funções pública somente para o agente público e não para o particular que tenha participado do ato de improbidade – art. 6º da Lei 8.429/92), dosando-se apenas as sanções previstas entre os patamares mínimos e máximos cominadas pelo legislador.

Neste sentido é o magistério de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

“Regulamentando o preceito constitucional , estabelece o art. 12 da Lei n. 8.429/1992, em cada um de seus três incisos, as sanções que serão aplicadas às diferentes formas de improbidade, elenco este que se encontra previsto de forma aglutinativa, separado por vírgulas e cuja última sanção cominada foi unida ao todo pela conjuntiva “e”.Em razão de tal técnica legislativa, inclinamo-nos, como regra geral, pela imperativa cumulatividade das sanções, restando ao órgão jurisdicional a discricionariedade de delimitar aquelas cuja previsão foi posta em termos relativos, quais sejam: a) suspensão dos direitos políticos – 8 (oito) a 10 (dez) anos, inc. I / 5 (cinco) a 8 (oito) anos, inc. II / 3 (três) a 5 (cinco) anos, inc. III; b) multa civil – até 3 (trÊs) vezes o valor do acréscimo patrimonial, inc. I / até 2 (duas) vezes o valor do dano, inc. II / até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, inc. III.Além do aspecto gramatical, já que não utilizada a disjuntiva “ou” na cominação das sanções, deve-se acrescer que não caberia ao Poder Judiciário, sob pena de mácula ao princípio da separação de poderes, deixar de aplicar as reprimendas estabelecidas pelo legislador, de forma cumulativa, consoante expressa autorização constitucional.Revelar notar, no entanto, que as sanções de ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público e perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, conforme deflui da própria redação dos incisos do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, somente serão passíveis de aplicação em estando presentes os pressupostos fáticos que as legitimam, quais sejam, o dano ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito. Do mesmo modo, não se pode aplicar a sanção de perda da função pública ao terceiro que não possua qualquer vínculo com o Poder Público” (in Improbidade Administrativa, Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008, pág. 485)

Destarte, a improbidade praticada por altas autoridades públicas, em especial pelos chefes dos poderes executivos, pois administram diretamente os recursos públicos, tem efeito nefasto e contamina todo o ambiente que as cerca, na medida em que passa a mensagem aos administrados de que o descumprimento de princípios e regras legais na administração da coisa pública é coisa normal, desde que algo seja feito em proveito da coletividade, por mínimo que seja.

Apesar da crescente transparência e aumento das cobranças pelos órgãos de fiscalização, incluindo os Conselhos e Tribunais de Contas, tornando-se a administração da coisa pública uma tarefa mais complexa, não faltam interessados em gerir os recursos do povo sem qualquer responsabilidade.

As ferramentas para o combate à corrupção e improbidade administrativa estão na legislação, e basta que sejam devidamente aplicadas pelo intérprete.

Com relação aos antecedentes do réu, acessando o sítio do Tribunal de Justiça deste Estado se verifica que o réu responde a outras sete ações por

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improbidade administrativa neste juízo, referente aos processos n. XXXXX, sendo que estes dois últimos foram remetidos à Justiça Federal para decisão acerca do interesse da União no ingresso na lide, e no primeiro ele foi condenado pelo TJBA, nos seguintes termos:

“Ante o exposto, afastam-se as preliminares suscitadas, DANDO-SE PROVIMENTO PARCIAL ao Apelo, para rechaçar prática do ato de improbidade previsto no art. 9º, da Lei nº 8.429/92, mantendo-se, todavia, a condenação relativa aos atos previstos nos arts. 10 e 11, VI, do aludido diploma legal. Readequa-se, no entanto, as penas impostas nos seguintes termos: a) determina-se o afastamento da pena de perda da função pública; b) afasta-se a pena de suspensão dos direitos políticos; c) exclui-se a pena de proibição de contratar com o poder público. Por fim, ressalte-se que a correção monetária aplicada à pena de ressarcimento do dano deverá incidir a partir da data de expiração do convênio (08.09.2006) e os juros de mora de um porcento a partir da data estabelecida para a remessa da prestação de contas ao convenente.

Portanto, na forma do art. 12, III da Lei 8.429/92, o réu deve ser condenado à perda do cargo público de prefeito municipal ou qualquer outro cargo, emprego ou função pública exercida, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, à pagar multa civil no valor equivalente a cinco vezes o valor de sua remuneração como prefeito municipal e ficar proibido de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

5) DISPOSITIVO

Ante o exposto, na forma do art. 37, §4º da CF/88, art. 9º e 12, I da Lei 8.429/92, JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR o réu: a) a perda civil do cargo público de prefeito deste município assumido em 01/01/2013, ou qualquer outro cargo, emprego ou função pública exercida; b) a ter suspensos os direitos políticos pelo prazo de três anos; c) ao pagamento de multa civil no valor equivalente a cinco vezes o valor de sua remuneração como prefeito municipal; d) a ficar proibido de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, pelos fundamentos acima aduzidos.

Condeno o réu nas custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados no valor equivalente a 15% (quinze por cento) do valor da causa (art. 20 e segs do CPC).

As penas de perda do cargo público e de suspensão dos direitos políticos, conforme previsto no art. 20 da Lei 8.429/92, somente serão aplicadas com o trânsito em julgado.

Extraia-se cópia da inicial e documentos que a acompanham, da contestação e documentos que a acompanham e desta sentença, e encaminhe-se separadamente ao E. Tribunal de Justiça para apuração de eventual crime de responsabilidade pelo réu (art. 1º do Decreto-Lei 201/67).

Após o trânsito em julgado, oficiem-se à Justiça Eleitoral, à Câmara Municipal deste Município e à União, ao Estado da Bahia e ao Município para que cumpram integralmente a presente decisão.

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PRI. Local e data

KARINA SILVA DE ARAÚJOJUÍZA DE DIREITO