avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e importância...

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS MESTRADO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e importância social em quelônios com ocorrência na bacia do Araguaia Giovanni Salera Júnior Palmas - TO Junho / 2005

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS

MESTRADO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE

Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e

importância social em quelônios com ocorrência na

bacia do Araguaia

Giovanni Salera Júnior

Palmas - TO

Junho / 2005

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Giovanni Salera Júnior

Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e

importância social em quelônios com ocorrência na bacia do

Araguaia

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências do Ambiente da Fundação

Universidade Federal do Tocantins, como um dos

requisitos para a obtenção de Título de Mestre em

Ciências do Ambiente.

Orientadora: Drª Adriana Malvasio

Co-orientador: Dr. Odair Giraldin

Palmas - TO

Junho / 2005

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S163a Salera Júnior, Giovanni

Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e importância social em quelônios com ocorrência na bacia do Araguaia. / Giovanni Salera Júnior. – Palmas: UFT, 2005.

191 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins, Curso de Pós-

Graduação em Ciências do Ambiente, 2005. Orientadora: Profª. Drª. Adriana Malvasio Co-Orientador: Prof. Dr. Odair Giraldin 1. Quelônios. 2. Biologia reprodutiva. 3. Predação natural. 4. Importância social.

5. Comunidades. 6. Indígenas Javaé. I.Título.

CDU 504

Bibliotecário: Paulo Roberto Moreira de Almeida

CRB-2 / 1118 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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iv

Comissão Julgadora:

_______________________________

Profª. Drª Ana Maria de Souza

Instituto de Biociências da USP

_______________________________

Profª. Drª. Paula Benevides Morais

Universidade Federal do Tocantins - UFT

_______________________________

Profª. Drª. Adriana Malvasio (Orientadora)

Universidade Federal do Tocantins - UFT

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Dedico este trabalho ao Senhor Deus,

que criou os céus, a terra, as estrelas, as

águas e também as tartarugas.

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Agradecimentos

Foram inúmeras as pessoas e instituições importantes para a realização deste trabalho,

sem as quais não teria sido possível.

A Adriana Malvasio, pela dedicada orientação, confiança e amizade.

A Odair Giraldin, pela ajuda e grande enriquecimento.

A Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Fundação Universidade do

Tocantins (UNITINS), pela enorme contribuição.

Ao Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN/ IBAMA), que

possibilitou que meu projeto fosse realizado.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), pelo encaminhamento do projeto.

Ao Conselho das Organizações Indígenas do Povo da Ilha do Bananal (CONJABA),

pelo interesse na realização desse trabalho.

Ao Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), pelo imenso e indispensável

apoio recebido.

Ao Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São

Paulo (USP), pela hospedagem e ajuda durante o levantamento bibliográfico.

Ao Instituto Ecológica de Palmas, pela parceria nessa pesquisa.

Ao Instituto Earthwatch de Boston, pela ajuda dos voluntários e apoio financeiro.

Ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), pelo incentivo para realização dessa

pesquisa junto aos indígenas Javaé.

A Escola de Canoanã da Fundação Bradesco, pela ajuda e hospedagem.

A Colônia de Pescadores Z33 de Xambioá, pelo apoio na execução do trabalho.

As lideranças e demais integrantes da aldeia Javaé Canoanã, pela ótima recepção e

ajuda prestada.

A todos os meus amigos (Eliene, Odimar, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya,

Graciele Leal, Graciele Dalla, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara, Shislena e William),

que me proporcionaram momentos de diversão e alegria durante o transcorrer deste trabalho.

Sou grato aos meus pais, irmãos e familiares pelo carinho, ajuda e compreensão.

Os acertos e todas as contribuições deste trabalho devem ser creditados aos

colaboradores citados. Os erros e falhas correm por conta de minhas distrações e ignorância.

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Índice

Agradecimentos .............................................................................................................. vi

Resumo Geral .................................................................................................................. viii

General Abstract .............................................................................................................. x

Capítulo 1 – Introdução Geral ......................................................................................... 01

Capítulo 2 – Observações referentes à desova e incubação em Podocnemis expansa e

Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae) ..........................................................

60

Capítulo 3 – Avaliação de padrão irregular dos escudos do casco em Podocnemis

expansa e Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae) .........................................

90

Capítulo 4 – Avaliação da predação de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis

(Testudines, Pelomedusidae) no rio Javaés, Tocantins ...................................................

107

Capítulo 5 – Avaliação da predação de fêmeas adultas de Podocnemis expansa

(Testudines, Pelomedusidae) por Panthera onca (Mammalia, Carnivora)......................

125

Capítulo 6 – Avaliação da importância social em quelônios com ocorrência na bacia

do rio Araguaia ................................................................................................................

141

Capítulo 7 – Discussão Geral .......................................................................................... 178

Capítulo 8 – Conclusões .................................................................................................. 188

Anexo .............................................................................................................................. 191

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Resumo Geral

Este estudo foi realizado de agosto de 1999 a novembro de 2004 em 3 localidades da

bacia do rio Araguaia: (1) aldeia Javaé Canoanã, posicionada às margens do rio Javaés, no

sudeste do Parque Indígena do Araguaia (Ilha do Bananal), (2) área do Projeto Quelônios da

Amazônia, no rio Javaés, porção limítrofe ao Parque Nacional do Araguaia e a Área de

Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, oeste do Estado do Tocantins e, (3) na porção do baixo

rio Araguaia, municípios de Xambioá, Estado do Tocantins, e São Geraldo do Araguaia,

Estado do Pará. Os objetivos desse estudo foram obter informações sobre a biologia

reprodutiva, ocorrência de irregularidades no padrão de escutelação do casco e predação

natural de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis (tracajá), assim

como também avaliar a relação desses quelônios e de outras 5 espécies, Chelus fimbriatus

(matá-matá), Phrynops geoffroanus (cágado), Kinosternon scorpioides (muçuã), Geochelone

carbonaria (jabuti-vermelho) e Geochelone denticulata (jabuti-amarelo) com aspectos

culturais de quatro comunidades: (1) indígenas Javaé da Ilha do Bananal, (2) pescadores

profissionais e (3) citadinos de Xambioá e, (4) ribeirinhos de São Geraldo do Araguaia. No

rio Javaés, a estação reprodutiva ocorre nos períodos de menor vazão, sendo que para P.

unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de desovas ocorrendo em agosto e

para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior concentração em setembro. A

duração média da incubação de P. unifilis em 5 estações reprodutivas no rio Javaés foi de

79,63 dias (limites de 63–93) e para P. expansa de 55,81 dias (limites de 45–66). O número

médio de ovos/ cova para P. unifilis foi de 13,71 (limites de 5–30) e para P. expansa 106,83

(limites de 35–166). A massa da ninhada apresentou valores de 327,4 g ± 337,2 (limites de

163,6-668,2) em P. unifilis e 4176,8 g 1033 (limites de 1781,2-6401,4) em P. expansa. Os

ovos de P. unifilis medem em média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ± 0,73) cm de

largura e (26,04 ± 4,23) g de massa. Os ovos de P. expansa medem em média (4,23 ± 2,33)

cm de comprimento, (3,92 ± 1,75) cm de largura e (39,02 ± 4,31) g de massa. Os índices de

ocorrência de irregularidades no padrão de escudos se mostram diferentes entre P. expansa e

P. unifilis. Sendo P. expansa uma espécie mais suscetível à ocorrência de tais anomalias. As

duas espécies têm apresentado uma maior incidência de irregularidades na carapaça em

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relação ao plastrão. Anualmente, em média de 65,98% das ninhadas de P. unifilis são

predadas, sendo 41,68% de forma total e 24,30% parcialmente. Enquanto que apenas 5,31%

das ninhadas de P. expansa são apenas parcialmente predadas. Tendo como alguns dos

principais predadores dos ovos e filhotes: urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-

de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), urubu-tinga (Cathartes burrovianus), carcará

(Polyborus plancus), lagarto teiú (Tupinambis teguixim), coati (Nasua nasua) e cachorro-do-

mato (Cerdocyon thous). A piranha vermelha (Serrasalmus nattereri) destaca-se como

principal predador aquático dos filhotes dessas espécies. As fêmeas de P. unifilis em postura

são predadas por jacaré-açu (Melanosuchus niger), onça-pintada (Panthera onca) e onça-

parda (Puma concolor). P. onca é o único predador das fêmeas adultas de P. expansa. O

emprego de redes malhadeiras e o uso de linha e anzol sem fisga são, respectivamente, os

principais métodos para captura de P. unifilis e P. expansa, entre os 3 grupos (ribeirinhos,

pescadores profissionais e indígenas Javaé). Os jabutis G. carbonaria e G. denticulata são

capturados com as próprias mãos em encontros casuais, assim como também, as fêmeas de P.

unifilis e P. expansa são coletadas durante a postura no período reprodutivo. Os indígenas

Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis, enquanto que os outros

3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também incluem em sua dieta G.

carbonaria e G. denticulata. Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de C. fimbriatus,

K. scorpioides e P. geoffroanus. O uso da gordura de P. expansa com fins medicinais e

terapêuticos é freqüente. Verificou-se o emprego como adorno dos cascos de P. expansa, P.

unifilis e C. fimbriatus. Entre os indígenas Javaé, os quelônios apresentam uma forte ligação

simbólica estando presentes através da relação com o mundo espiritual dos seres mágicos

(Worysy e Aruanãs) nas principais festividades míticas, a Festa dos Aruanãs e o Hetohoky.

Palavras chave: quelônios, desova, casco, predação, rituais, indígenas Javaé, rio Araguaia.

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x

General Abstract

This study was accomplished of August from 1999 to November of 2004 in 3 regions

of Araguaia basin: (1) Javaé Canoanã village, situated to the margins of the river Javaés, in the

southeast of the Indian Park of Araguaia (Bananal Island), (2) area of the Amazon Turtle

Project, in the Javaés river, bordering portion to the National Park of Araguaia and the Area of

Protection Environmental Bananal/ Cantão, west of the state of Tocantins and, (3) in the

portion of the low river Araguaia, municipal districts of Xambioá, state of Tocantins, and São

Geraldo do Araguaia, state of Para. The objectives of that study went to obtain information on

the reproductive biology, occurrence of irregularities in the pattern of scutes of the skull and

natural predação of Podocnemis expansa (Amazonian turtle) and Podocnemis unifilis (tracajá),

as well to evaluate the social importance of those turtles and of other 5 species, Chelus

fimbriatus (matá-matá), Phrynops geoffroanus (cágado), Kinosternon scorpioides (muçuã),

Geochelone carbonaria (red tortoise) and Geochelone denticulata (yellow tortoise) in four

communities: (1) indigenous Javaé of the Bananal Island, (2) professional fishermen and (3)

city dwellers of Xambioá and, (4) riverine of São Geraldo do Araguaia. In the river Javaés,

the reproductive station happens in the periods of smaller flow of the waters, and for P. unifilis

it is going from July to September, with the largest concentration of nesting happening in

August and for P. expansa extends from August to October, with larger concentration in

September. The medium duration of the incubation of P. unifilis in 5 reproductive stations in

the river Javaés was 79,63 days (limits of 63-93) and for P. expansa of 55,81 days (limits of

45-66). The medium number of eggs / nest for P. unifilis was 13,71 (limits of 5-30) and for P.

expansa 106,83 (limits of 35-166). The mass of the brood presented values of 327,4 g ± 337,2

(limits of 163,6-668,2) in P. unifilis and 4176,8 g ± 1033 (limits of 1781,2-6401,4) in P.

expansa. The eggs of P. unifilis measure on average (4,43 ± 1,31) cm of length, (3,08 ± width

0,73) cm and (26,04 ± 4,23) g of mass. The eggs of P. expansa measure on average (4,23 ±

2,33) cm of length, (3,92 ± 1,75) cm of width and (39,02 ± 4,31) g of mass. The indexes of

occurrence of irregularities in the pattern of shields are shown different between P. expansa

and P. unifilis. Being P. expansa a more susceptible species to the occurrence of such

anomalies. The two species have been presenting a larger incidence of irregularities in the

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shell in relation to the plastron. Annually, on average of 65,98% of the broods of P. unifilis

they are predated, being partially 41,68% in a total way and 24,30%. While only 5,31% of the

broods of P. expansa are just partially predated. Theses are some of the principal predators of

the eggs and nestlings: black vulture (Coragyps atratus), red vulture (Cathartes breeze), white

vulture (Cathartes burrovianus), carcará (Polyborus plancus), lizard (Tupinambis teguixim),

coati (Nasua nasua) and bush dog (Cerdocyon thous). The red piranha (Serrasalmus nattereri)

stands out as main aquatic predator of the nestlings of those species. The females of P. unifilis

in posture are predated for black caiman (Melanosuchus niger), jaguar (Panthera onca) and

puma (Puma concolor). P. onca is the only predator of the adult females of P. expansa. The

employment of nets and the line use and fishhook without harpoon are, respectively, the

principal methods for capture of P. unifilis and P. expansa, among the 3 groups (riverine,

professional fishermen and indigenous Javaé). The tortoises G. carbonaria and G. denticulata

are captured with the own hands in casual encounters, as well that happens with the females of

P. unifilis and P. expansa that are collected during the posture in the reproductive period. The

indians Javaé just use as resource alimentary P. expansa and P. unifilis, while the other 3

groups (riverine, professional fishermen and civics) they also include in your diet G.

carbonaria and G. denticulata. The consumption of the meat was not verified and of the eggs

of C. fimbriatus, K. scorpioides and P. geoffroanus. The use of the fat of P. expansa with

medicinal and therapeutic focus is frequent. The employment was verified as decoration of the

skulls of P. expansa, P. unifilis and C. fimbriatus. Among the Javaé indians the turtles present

a strong symbolic connection where they are present through the relationship with the spiritual

world of the beings magic (Worysy and Aruanãs) in the mainly mythical festivities, the Party

of Aruanãs and Hetohoky.

Key words: turtles, nesting, shell, predation, rituals, Javaé indians, Araguaia river.

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Capítulo 1 - Introdução geral

1.1 Aspectos gerais dos quelônios (Testudines)

A ordem TESTUDINES ou CHELONIA, que engloba os quelônios terrestres,

marinhos e de água doce é tida como a mais antiga de todas entre os vertebrados atuais. A

mais antiga evidência fóssil data do período Permiano, aproximadamente 280 milhões de anos

atrás (FERRI 2002).

Existem cerca de 261 espécies atuais de quelônios distribuídas em 12 famílias que

podem ser encontrados nos mares e continentes, com exceção da Antártida (PRITCHARD

1979, IVERSON 1992, POUGH et al. 2003).

Atualmente encontram-se duas sub-ordens entre os quelônios, Cryptodira e Pleurodira.

Na primeira sub-ordem, onde está inserida a maioria das espécies, os quelônios retraem a

cabeça por meio de uma flexão vertical das vértebras do pescoço, enquanto que os Pleurodira

flexionam o pescoço lateralmente (LEGLER 1993, POUGH et al. 1993).

O casco é a característica mais distintiva de um quelônio (POUGH et al. 1993),

estando intimamente associado a alguns padrões comportamentais (MOLINA 1992a). A

porção dorsal convexa é a carapaça e a parte ventral mais achatada é o plastrão. As vértebras

torácicas e as costelas são geralmente soldadas com a carapaça óssea (STORER et al. 1989).

Os ossos da carapaça são recobertos por escudos córneos de origem epidérmica que não

coincidem, em número e posição com os ossos subjacentes (POUGH et al. 1993). Em muitos

quelônios, a carapaça e o plastrão são estruturas rígidas, mas em muitas linhagens têm

evoluído independentemente a habilidade para fechar o corpo com o casco, através da

articulação de partes do plastrão (POUGH et al. 2001). O formato, tamanho, coloração,

número e disposição dos escudos que compõem o casco são características importantes na

identificação genérica e específica do grupo (MEDEM 1976, PRITCHARD & TREBBAU

1984, SANTOS 1994, MOLINA & ROCHA 1996, CITES 1999).

Os quelônios estão entre os vertebrados mais especializados morfologicamente

(POUGH et al. 1993). Sendo que a estrutura dos membros é altamente variável, refletindo o

ambiente e os modos de locomoção das diferentes espécies. As espécies marinhas apresentam

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os membros peitorais proporcionalmente grandes em relação ao tamanho do casco e em forma

de remo, as espécies de água doce apresentam, em sua maioria, os membros pélvinos e

peitorais espalmados, com dedos distintos tendo quatro ou cinco garras, enquanto que as

espécies terrestres apresentam membros em forma de coluna com dedos indistintos (MOLINA

& ROCHA 1996, POUGH et al. 2001).

O tamanho desses animais varia muito entre as espécies. Sendo os menores exemplares

de quelônios dulcícolas possuem apenas cerca de 10 cm de comprimento, enquanto os maiores

animais terrestres podem ultrapassar o comprimento de 120 cm. O maior recorde de uma

espécie vivente trata-se de uma tartaruga marinha, medindo quase 200 cm e pesando de 500 a

600 Kg (FERRI 2002).

Vários são os padrões de crescimento dos quelônios. Muitas espécies podem dobrar de

massa e tamanho no primeiro ano de vida. Em geral, têm sua taxa de crescimento diminuída

com o alcance da maturidade sexual e os fatores que determinam tais padrões podem ser:

mudança de uma dieta carnívora, quando filhote, para herbívora, quando adulto; dimorfismo

sexual (em muitas espécies os machos são menores que as fêmeas); temperatura da água

(maior crescimento no verão do que no inverno); quantidade de alimento ingerido e fatores

genéticos (GIBBONS 1969, CLARK & GIBBONS 1969, IVERSON 1977).

Os quelônios são considerados entre os animais mais longevos. Isso tem sido

repetidamente provado em algumas espécies (especialmente entre os Testudinidae) que podem

viver mais de 50 anos de idade. De fato, entre aqueles criados em cativeiro, muitos espécimes

tem alcançado a idade de 100 anos (GIBBONS 1987, CONGDON & SELS 1991, SHINE &

IVERSON 1995, FERRI 2002).

A ectotermia é uma característica desse grupo, sendo que esses animais regulam a

temperatura corpórea através da troca de energia com o ambiente. Os animais terrestres

durante as diferentes horas do dia, ocupam ambientes variados, ora se expondo ao sol, ora

deslocando-se para áreas sombreadas. Muitas espécies aquáticas saem da água para

termorregular em pedras e troncos às margens dos corpos d’água em que vivem, ou exploram

os micro-habitats aquáticos, sem necessidades, portanto, de se exporem ao sol ou

permanecerem em superfícies expostas. As temperaturas corporais de tartarugas que se

aquecem ao sol são mais elevadas do que as temperaturas da água e do ar e podem acelerar a

digestão, o crescimento e o desenvolvimento dos ovos. Além disso, o aquecimento aéreo pode

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auxiliar as tartarugas aquáticas a diminuir o número de algas e sanguessugas aderidas ao casco

(LACHER Jr. et al. 1986, POUGH et al. 1993, 2001).

Com relação aos hábitos alimentares, algumas espécies podem ser carnívoras, outras

herbívoras, ou ainda possuir uma dieta mista, espécies denominadas onívoras (IBAMA

1989a). Não possuem dentes na boca, sendo que na maioria das espécies apenas um rígido

bico córneo (PRITCHARD 1979, POUGH et al. 2001). Apresentam uma grande diversidade

de estratégias alimentares, que variam entre as diferentes famílias e espécies (BELKIN &

GANS 1968, PRITCHARD 1984, MOLINA 1990a, MOLINA et al. 1998, MALVASIO 2001,

MALVASIO et al. 2002a).

Considerando os aspectos reprodutivos, pode-se salientar que são animais ovíparos

(SANTOS 1994), depositando seus ovos em diferentes ambientes terrestres, que podem ser

praias fluviais ou costeiras, solo barroso e areno-argiloso próximos aos corpos d’água ou em

meio à vegetação (ERNST & BARBOUR 1989, FERRI 2002). Quanto à forma, os ovos

podem ser esféricos ou alongados (PRITCHARD 1979), considerando a estrutura da casca,

podem ser agrupados em duas categorias: casca rígida e pequeno potencial de trocas hídricas e

gasosas com o meio e, casca flexível com uma camada calcária porosa, sendo relativamente

dependente do ambiente hídrico (EWERT 1979, PACKARD et al. 1982, ACUÑA-MESÉN

1989).

Nos quelônios atuais a determinação sexual tanto pode ser genotípica quanto

dependente de fatores ambientais. Estas duas modalidades de determinação sexual podem

ocorrer dentro de uma mesma família, bem como dentro de um mesmo gênero (SPOTILA &

STANDORA 1986, MALLMANN 1994). Os principais fatores ambientais que influenciam a

determinação sexual são a temperatura, umidade e as trocas gasosas (MROSOVSKY &

YNTEMA 1981, FERREIRA Jr. 2003).

1.2 Aspectos gerais da biologia reprodutiva de quelônios

Muitas espécies apresentam dimorfismo sexual, sendo expressa principalmente na

diferença de porte entre machos e fêmeas, sendo geralmente o macho maior que a fêmea

(PRITCHARD 1979, MOLINA 1992a). Outros caracteres dimorfos freqüentemente

observados em muitas espécies são o casco mais baixo e a cauda apresentando maior

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comprimento nos machos, além da presença de uma concavidade no plastrão (MOLINA &

ROCHA 1996, FERREIRA Jr. 2003). Em várias espécies, os machos apresentam as garras dos

membros peitorais mais compridas do que as fêmeas (ERNST & BARBOUR 1989).

O início da maturidade sexual na maioria dos quelônios é correlacionado

principalmente com o tamanho, devido à dificuldade de se determinar a idade (CAGLE 1950,

GIBBONS 1968, ERNST 1971). Congdon & Gibbons (1990) sugerem que a maturidade

sexual talvez dependa de interações entre idade, tamanho e massa.

De acordo com as características ambientais e climáticas, os quelônios concentram

suas atividades reprodutivas em períodos sazonais curtos ou têm-nas distribuídas ao longo do

ano. Dessa forma, eles podem reproduzir uma única vez ou várias vezes anualmente, com

longos ou curtos intervalos de acasalamento (PRITCHARD 1979, FERRI 2002).

O acasalamento é freqüentemente precedido por comportamento nupcial interessante,

que tende a ser preciso e quase ritualizado. Existem diversos sinais táteis que incluem

mordidas, golpes e contatos corporais diretos. Esses comportamentos são usados

primariamente entre machos e também entre machos e fêmeas (POUGH et al. 1993, MOLINA

1996a, FERRI 2002).

Observa-se um padrão de acasalamento entre os quelônios, com quatro fases básicas,

que podem ser denominadas por: (1) procura pela fêmea, (2) perseguição ou acompanhamento

à fêmea, (3) pré-cópula e (4) cópula. Este padrão ocorre nas diversas famílias de Testudines,

incluindo espécies aquáticas e terrestres: nem sempre todas as fases ocorrem, e algumas

espécies exibem corte mais elaborada, com etapas adicionais (MOLINA 1996a).

O comportamento de nidificação é estereotipado, ocorrendo sempre em cinco etapas

básicas: (1) deambulação, (2) abertura da cova, (3) postura dos ovos, (4) fechamento da cova e

(5) abandono do ninho (MOLINA 1996a).

A grande maioria das espécies de quelônios nidifica isoladamente (PRITCHARD &

TREBBAU 1984, FERRI 2002), enquanto que as espécies marinhas e Podocnemis expansa

nidificam coletivamente (ALHO et al. 1979, PRITCHARD 1979, NASCIMENTO 2002),

retornando a cada estação reprodutiva para desovar na mesma área (OJASTI 1967, MOLINA

1996a, SOARES 2000).

Todos os Testudines são ovíparos (SANTOS 1994, POUGH et al. 2003). Seus ovos

são relativamente grandes, com uma casca membranosa e calcária, podendo apresentar uma

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casca mole e flexível ou particularmente dura e áspera (DUK 1990, FERRI 2002). Em geral,

os ovos com casca mole desenvolvem-se mais rapidamente que os ovos de casca rígida

(POUGH et al. 1993).

As fêmeas depositam os ovos com número muito variável em função da espécie,

podendo oscilar em média, entre 4 ou 5 até mais de 100. O número, forma e dimensão dos

ovos variam de acordo com as espécies e tamanho das fêmeas (FERRI 2002). O

desenvolvimento embrionário também varia em função da espécie, podendo levar em torno de

28 até 420 dias (POUGH et al. 1993). Esse longo período de desenvolvimento embrionário

torna seus ninhos vulneráveis aos predadores.

Durante o processo de eclosão os filhotes utilizam o ovorruptor (uma pequena estrutura

esbranquiçada e pontiaguda situada abaixo das narinas) para realizar pequenos cortes na casca

do ovo, que depois são ampliados pela movimentação da cabeça e dos membros peitorais.

Esse processo dura, geralmente, entre 1 e 2 dias (MOLINA 1995).

Há espécies que apresentam a determinação sexual dependente de fatores ambientais,

especialmente da temperatura a que a cova foi exposta. Esse dado enfatiza a importância das

informações relativas à biologia básica desses animais para uma conservação e um manejo

bem sucedidos (YNTEMA 1976, 1978, 1979; YNTEMA & MROSOVSKY 1980a, 1980b;

ALHO et al. 1985; VOGT 1994; MALVASIO et al. 2002a; POUGH et al. 2003).

O cuidado parental é inexistente na quase totalidade das espécies, sendo apenas

recentemente descrito para uma espécie de quelônio aquático (Kinosternon flavescens)

(IVERSON 1990 in MOLINA 1992a).

1.3 Quelônios da bacia amazônica e da bacia do Araguaia

O Brasil possui 35 espécies distribuídas nos seus diversos ecossistemas terrestres e

aquáticos, 28 espécies são de água doce, 2 são terrestres (jabutis), e 5 são quelônios marinhos

(SBH 2005). Desse total, 15 espécies podem ser encontradas na região Amazônica (MOLINA

& ROCHA 1996). Infortuitamente, muito pouco é conhecido de sua biologia e comportamento

(MOLINA 1999).

Segundo Molina & Rocha (1996), existem 15 espécies de quelônios na Amazônia

brasileira distribuídas em 5 famílias, sendo 3 da sub-ordem Cryptodira (Emydidae,

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Kinosternidae e Testudinidae) e as demais da sub-ordem Pleurodira (Chelidae e

Pelomedusidae).

A família Emydidae é composta por espécies aquáticas e semi-aquáticas, variando em

tamanho de pequenas a médias, que ocorrem em todos os continentes, exceto na Austrália, na

Antártida e na África, ao sul do Sahara (PRITCHARD 1979). De seus atuais 33 gêneros e 94

espécies (CITES 1999), apenas 3 espécies ocorrem no Brasil, Rhinoclemmys punctularia

(MOLINA & ROCHA 1996), Trachemys dorbignyi e Trachemys adiuthrix (VANZOLINI

1995, SOUZA et al. 2000). Dessa família, somente Rhinoclemmys punctularia conhecida

popularmente como aperema, ocorre na região da Amazônia brasileira (MOLINA & ROCHA

1996).

A Família Kinosternidae é integrada por espécies semi-aquáticas de tamanho pequeno

a médio distribuindo-se do Canadá à América do Sul (ERNST & BARBOUR 1989). Ela é

composta por 22 espécies englobadas em 4 gêneros, Kinosternon, Sternotherus, Staurotypus e

Claudius (CITES 1999). Sendo encontrada na Amazônia brasileira apenas 1 espécie dessa

família, Kinosternon scorpioides (MOLINA 1999), conhecida popularmente como muçuã

(MOLINA & ROCHA 1996)

A família Testudinidae composta por quelônios terrestres (jabutis) (ERNST &

BARBOUR 1989), possui aproximadamente 11 gêneros e 40 espécies distribuídas de forma

ampla pelas regiões terrestres tropicais e temperadas, incluindo ilhas oceânicas, tais como as

Galápagos e ilhas Aldabra, mas ausentes na Austrália (POUGH et al. 2001). Na América do

Sul, o gênero Geochelone, é o único representante desta família, sendo que das 21 espécies

recentes que o compõem, três ocorrem na América do Sul: G. carbonaria, G. denticulata e G.

chilensis. Na Amazônia, ocorrem G. carbonaria e G. denticulata conhecidos popularmente

como jabuti-piranga e jabuti-tinga, respectivamente (MALLMANN 1994).

A família Chelidae é composta atualmente por cágados semi-aquáticos que podem ser

encontrados na América do Sul e na região da Austrália e Nova Guiné (ERNST & BARBOUR

1989), distribuídos em 11 gêneros e aproximadamente 40 espécies (POUGH et al. 2001). No

Brasil, segundo SBH (2005) ocorrem 10 gêneros (Acanthochelys, Batrachemys, Bufocephala,

Chelus, Hydromedusa, Mesoclemmys, Phrynops, Platemys, Ranacephala e Rhinemys) e um

total de 16 espécies, sendo esta família a que localmente apresenta maior diversidade. Molina

& Rocha (1996) apresentam 6 espécies que ocorrem na Amazônia brasileira (Chelus

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fimbriatus, Phrynops geoffroanus, Phrynops gibbus, Phrynops rufipes, Phrynops nasutus,

Platemys platycephala). Dentre essas espécies, C. fimbriatus, conhecido popularmente como

matá-matá (MOLINA & ROCHA 1996), apresenta-se como a espécie mais particular em seu

aspecto e comportamento bastante diferenciados (PRITCHARD 1979, PRITCHARD &

TREBBAU 1984). Uma outra espécie (Phrynops vanderhaegei), também da família Chelidae,

ocorre na região central do Brasil (Distrito Federal e Goiás), que é área próxima da porção alta

das bacias do rio Araguaia e Tocantins (RAN/ IBAMA 2004).

A família Pelomedusidae, atualmente representada por 5 gêneros de água doce

(Pelusios, Pelomedusa, Erymnochelys, Podocnemis e Peltocephalus) e aproximadamente 24

espécies, já ocupou ambientes marinhos e terrestres (PRITCHARD & TREBBAU 1984). A

distribuição atual dos representantes desta família, segundo Ernst & Barbour (1989), abrange a

América do Sul, África, Madagascar e algumas ilhas Seychelles no Oceano Índico. Todas as

espécies de Podocnemis têm distribuição na América do Sul (PRITCHARD & TREBBAU

1984). Segundo Iverson (1992), as espécies que ocorrem no Brasil são Peltocephalus

dumerilianus, Podocnemis erythrocephala, Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis e

Podocnemis sextuberculata, todas ocupando a bacia Amazônica.

As espécies aquáticas e terrestres mencionadas por Molina & Rocha (1996), Iverson

(1992) e RAN/ IBAMA (2004) de ocorrência na bacia Araguaia são as seguintes: Podocnemis

expansa e Podocnemis unifilis (Pelomedusidae), Chelus fimbriatus, Phrynops geoffroanus

(Chelidae), Kinosternon scorpioides (Kinosternidae), Geochelone carbonaria e Geochelone

denticulata (Testudinidae).

As demais espécies citadas para a Amazônia, Podocnemis sextuberculata

(Pelomedusidae) Rhinoclemmys punctularia (Emydidae), Platemys platycephala, Phrynops

gibbus e Phrynops vanderhaegei (Chelidae) necessitam ser confirmadas na bacia do Araguaia,

já que existem alguns relatos não totalmente esclarecedores de sua ocorrência.

Seguem abaixo algumas características das espécies que ocorrem na bacia do rio

Araguaia:

K. scorpioides (muçuã ou capininga) é espécie aquática com pés e mãos espalmados

com membrana interdigital reduzida. A carapaça possui coloração marrom, é ovalada e alta

com três quilhas dorsais, não ultrapassando 27 cm de comprimento. A espécie habita rios,

riachos e lagos, distribuindo-se do sul do Panamá ao norte da América do Sul, sendo

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encontrado no Equador e norte do Peru, a leste nas Guianas e Brasil. No Brasil, pode ser

encontrado nos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. O hábito alimentar é

onívoro (VANZOLINI et al. 1980, MOLINA & ROCHA 1996) (Figura 1).

G. carbonaria (jabuti-vermelho ou jabuti-piranga) espécie terrestre, com pés em forma

de coluna, apresentando dedos indistintos e garras robustas. O casco é ovalado e bastante alto,

sendo a carapaça de coloração negra com área central de cada escudo amarelada ou

avermelhada, não ultrapassando 51 cm de comprimento. A espécie é encontrada em florestas

e cerrados, ocorrendo em áreas de terras baixas e secas do norte e centro da América do Sul,

estendendo-se desde o sul do Panamá, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana

Francesa, Brasil, Bolívia e Paraguai até o norte da Argentina. Podendo ser encontrado também

em várias ilhas do Caribe. O hábito alimentar é onívoro (BJORNDAL 1989, PRITCHARD &

TREBBAU 1984, MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002) (Figura 2).

G. denticulata (jabuti-amarelo ou jabuti-tinga) é espécie terrestre, com pés em forma

de coluna, apresentando dedos indistintos e garras robustas. O casco é ovalado e bastante alto,

sendo a carapaça de coloração marrom com área central de cada escudo mais clara, não

ultrapassando 82 cm de comprimento. É encontrada em florestas desde o sul da Venezuela,

Peru, Bolívia e Brasil. O hábito alimentar é onívoro (ERNST & BARBOUR 1989, MOLINA

& ROCHA 1996, FERRI 2002) (Figura 3).

P. geoffroanus (cágado-de-barbicha ou cabeça-torta) é espécie aquática com mãos e

pés espalmados possuindo membrana interdigital muito desenvolvida. A carapaça oval,

achatada dorso-ventralmente, de coloração marrom ou negra é geralmente mais larga na região

caudal e seu comprimento não ultrapassa 35 cm. Seu habitat são os rios, lagoas e riachos

(PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA 1989, MOLINA 1990a). È a espécie de

quelônio de água doce da América do Sul com a mais ampla distribuição geográfica,

encontrando-se desde a Amazônia Colombiana ao Sudeste do Brasil, Uruguai e norte da

Argentina (SOUZA & ABE 2000). O hábito alimentar é onívoro, consumindo uma grande

variedade de alimentos, de sementes e frutos a peixes e insetos. Em cativeiro tem hábito de

preferência carnívoro (SOUZA & ABE 1999) (Figura 4).

C. fimbriatus (matá-matá) é caracterizada como espécie aquática, possuindo pés e

mãos espalmadas com membrana interdigital medianamente desenvolvida. A carapaça é

ovalada (com comprimento de até 50 cm) e os escudos salientes, geralmente com coloração

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marrom. A cabeça possui formato triangular e o focinho tubular. É encontrada em riachos e

lagos de águas calmas, na parte norte da América do Sul, na Bolívia, Equador, Peru,

Colômbia, Venezuela, Guianas e Brasil (MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002). No Brasil

sua distribuição limita-se aos Estados da região Norte (RAN/ IBAMA 2004). A espécie é

apontada na literatura como carnívora. Exibe um comportamento alimentar peculiar, assim

que o animal percebe a presença de uma presa, como por exemplo a de um peixe, o matá-matá

abre a boca e expande a garganta abruptamente. A água é sugada para dentro carregando o

alimento. O quelônio fecha a boca, expele a água por entre os lábios e engole a presa. Esta

espécie não possui o bico córneo que outros quelônios utilizam para capturar presas ou

arrancar pedaços de plantas (DRAJESKE 1982, MALVASIO 2001, FERRI 2002) (Figura 5).

P. expansa (tartaruga-da-amazônia) é o maior quelônio de água doce da América do

Sul podendo alcançar 107 cm de comprimento da carapaça (SOINI 1997, ERNST &

BARBOUR 1989), possuindo mãos e pés espalmados com membrana interdigital muito

desenvolvida. Possui carapaça achatada dorso-ventralmente, de coloração marrom ou verde

oliva. A espécie é encontrada em rios e lagos (MOLINA & ROCHA 1996), distribuindo-se

pelas bacias do Amazonas e Orinoco, ocorrendo na Colômbia, Venezuela, Guianas, Equador,

Peru, Bolívia e Brasil, chegando a alcançar a região central do território brasileiro, bacias do

rio Araguaia/ Tocantins – Goiás e Mato Grosso (MONDOLFI 1955, BATAUS 1998,

VALENZUELA 2001). É apontada como espécie predominantemente herbívora na natureza

aceitando carne e peixe em cativeiro (ALMEIDA et al. 1986, MALVASIO et al. 2003)

(Figura 6).

P. unifilis (tracajá) é caracterizada como espécie aquática, possuindo mãos e pés

espalmados com membrana interdigital muito desenvolvida. Possui carapaça achatada dorso-

ventralmente, de coloração marrom ou verde oliva, que não ultrapassa 70 cm de comprimento.

Pode ser encontrada em rios e lagos da bacia do Amazonas e Orinoco, apresentando a maior

distribuição geográfica para uma espécie de água doce nessa região, ocorrendo na Colômbia,

Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Brasil (MOLINA &

ROCHA 1996). No Brasil ocorre em todos os Estados da região Norte e em Goiás e Mato

Grosso (RAN/ IBAMA 2004). É apontada como espécie predominantemente herbívora na

natureza aceitando carne e peixe em cativeiro (TERAN et al. 1995, MALVASIO 2001,

PORTAL et al. 2002, MALVASIO et al. 2002a) (Figura 7).

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Figura 1. Exemplar adulto de Kinosternon scorpioides (muçuã).

Figura 2. Exemplar adulto de Geochelone carbonaria (jabuti-vermelho).

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Figura 3. Exemplar adulto de Geochelone denticulata (jabuti-amarelo).

Figura 4. Exemplar adulto de Phrynops geoffroanus (cágado-de-barbicha).

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Figura 5. Exemplar adulto de Chelus fimbriatus (matá-matá).

Figura 6. Filhote de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia).

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Figura 7. Filhotes de Podocnemis unifilis (tracajá).

1.3.1 Aspectos gerais da biologia reprodutiva dos quelônios da bacia do Araguaia

Dentre as 4 famílias de quelônios (Kinosternidae, Testudinidae, Chelidae e

Pelomedusidae), que ocorrem na área da bacia do Araguaia, existem 7 espécies com

estratégias reprodutivas bem diferenciadas que serão apresentadas abaixo.

K. scorpioides, em cativeiro, desova de março a agosto, usualmente no outono, de 1 a 6

ovos são postos em cada ninho. Os ovos são elipsóides pesando de 6,8 a 11,8 g. A incubação

artificial pode durar até 266 dias (ROCHA & MOLINA 1990). O dimorfismo sexual dos

adultos é marcante, com os machos apresentando cauda muito comprida e plastrão côncavo e

fêmeas com cauda muito curta e plastrão plano (MOLINA & ROCHA 1996).

G. carbonaria apresenta um comportamento de corte muito elaborado (GUIX et al.

1989). O acasalamento pode ocorrer o ano todo e a nidificação ocorre principalmente durante

a primavera e verão (MOLINA & ROCHA 1996). As fêmeas desovam de 2 a 15 ovos, várias

vezes ao ano (VANZOLINI 1999, FERRI 2002). Os ovos são alongados com casca rígida

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(ERNST & BARBOUR 1989). O tempo de incubação varia entre 4 e 10 meses (MOLINA &

ROCHA 1996). Os machos adultos são maiores que as fêmeas e apresentam uma cauda

comprida e plastrão côncavo enquanto que as fêmeas têm cauda curta e plastrão plano

(MALLMANN 1994, MOLINA & ROCHA 1996).

G. denticulata apresenta o acasalamento e nidificação durante todo o ano (MOLINA &

ROCHA 1996), desovando de 6 a 7 ninhadas, que contêm cada uma de 4 a 8 ovos, que

eclodem após uma incubação de 120 a 150 dias (FERRI 2002). Os ovos são alongados com

casca rígida (ERNST & BARBOUR 1989). Os ninhos de G. denticulata são similares aos de

G. carbonaria, porém um pouco mais profundos (CASTAÑO-MORA & LUGO-RUGELES

1981). Similarmente à G. carbonaria, os machos adultos de G. denticulata são maiores e de

maior massa que as fêmeas, tendo também a cauda mais comprida e plastrão côncavo,

enquanto que as fêmeas têm cauda mais curta e plastrão plano (MOSKOVITS 1988, MOLINA

& ROCHA 1996).

P. geoffroanus está entre as espécies de quelônios aquáticos da Amazônia que possuem

seu comportamento e biologia reprodutiva mais bem detalhados (MOLINA 1991a, 1991b;

MOLINA 1992b; MOLINA 1996b). Sua corte ocorre de dezembro até meados de abril. As

quatro fases do acasalamento incluem: (1) encontro do macho com a fêmea, (2) perseguição à

fêmea pelo macho, (3) cortejo e (4) cópula. Interações agressivas ocorrem entre adultos

principalmente durante o período de corte. A desova ocorre de março a novembro,

principalmente à tarde e incluem as cinco fases: (1) perambulação, (2) escavação do ninho, (3)

desova, (4) fechamento do ninho e (5) partida. Os ovos são quase esféricos e o número em

cada postura varia de 7 a 26 ovos. Aparentemente as fêmeas desovam mais de uma vez por

ano, porém não todas desovam todos os anos. A média do tempo de incubação das ninhadas

varia de 149 a 331 dias (MOLINA 1990b, FERRI 2002). Machos com cauda comprida e, por

vezes, plastrão côncavo, fêmeas com cauda curta e plastrão plano (MOLINA & ROCHA

1996).

C. fimbriatus é a espécie com aspecto mais distinto entre todos os quelônios da

Amazônia (SANTOS 1994). Seu período de nidificação varia de outubro a dezembro

(MOLINA & ROCHA 1996) e desova de 12 a 28 ovos em cada ninhada (ERNST &

BARBOUR 1989), ocorrendo a postura uma vez ao ano e utiliza, para isso, os bancos de areia

(FERRI 2002). Os ovos são esféricos, de casca rígida e áspera. A incubação leva em média

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208 dias (PRITCHARD & TREBBAU 1984). Machos com cauda mais comprida e plastrão

côncavo, fêmeas com cauda mais curta e plastrão plano (MOLINA & ROCHA 1996).

P. expansa apresenta um comportamento reprodutivo bastante complexo

(PRITCHARD & TREBBAU 1984). Seu período reprodutivo ocorre na vazante dos rios da

Amazônia (ALHO et al. 1979), desovando em grandes grupos (VANZOLINI 2001). Soares

(2000) afirma que as fêmeas de P. expansa possivelmente percebem pequenas modificações

nas condições ambientais, que seriam os limites para iniciar ou cessar o período reprodutivo.

Não há dimorfismo sexual externo nos exemplares jovens (DANNI & ALHO 1985). Quando

da maturação sexual, as fêmeas apresentam um tamanho e massa maiores do que os machos de

mesma idade e no escudo anal do plastrão, têm uma fenda em forma de “V”, enquanto que os

machos têm em forma de “U” (BATAUS 1998), e elas apresentam uma cauda mais curta em

relação aos machos (MOLINA & ROCHA 1996).

Após a cópula, que ocorre na água (ERNST & BARBOUR 1989), seguem 7 fases do

comportamento reprodutivo: (1) agregação às águas rasas, (2) subida à praia, (3) deambulação,

(4) abertura da cova, (5) postura dos ovos, (6) fechamento do ninho e (7) abandono do ninho

(VANZOLINI 1967, ALHO et al. 1979, MOLINA 1992a).

O período de nidificação varia conforme a localidade (IDBF 1978, MOLINA &

ROCHA 1996, VANZOLINI 2003), suas posturas contem em média 100 ovos (IBAMA

1989a,), de formato esférico e casca flexível (PRITCHARD & TREBBAU 1984). A

incubação dura cerca de 50 dias (ERNST & BARBOUR 1989), podendo variar de acordo com

a composição granulométrica das praias (FERREIRA Jr. & CASTRO 2004).

P. unifilis apresenta seu comportamento reprodutivo bastante semelhante ao de P.

expansa (FOOTE 1978, MOLINA 1992a). O período de postura varia amplamente em toda a

sua área de distribuição, ocorrendo nos meses de junho a julho no rio Purus, setembro e

outubro no rio Trombetas, em dezembro no rio Negro (ERNST & BARBOUR 1989), em

dezembro e janeiro no baixo rio Branco (NASCIMENTO 2002), em julho e agosto no rio

Javaés (MALVASIO 2001, FERREIRA Jr. 2003). A fêmea desova solitariamente de 15 a 25

ovos por postura (MOLINA & ROCHA 1996), sendo estes alongados e de casca rígida

(VANZOLINI 1977, ERNST & BARBOUR 1989). A incubação pode durar de 45 a 90 dias

(MEDEM 1964, CANTARELLI 1997). A espécie apresenta um dimorfismo sexual em

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animais adultos, sendo os machos menores com cauda mais comprida e as fêmeas maiores e

com cauda mais curta (PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA & ROCHA 1996).

1.4 Problemas para conservação de quelônios

A história de vida de muitos quelônios faz com que sejam vulneráveis à extinção. As

baixas taxas de crescimento e os longos períodos necessários para que atinjam a maturidade

são características deste grupo em geral e, particularmente, das espécies de grande porte. Além

disso, um longo período de vida, geralmente, está associado a uma baixa taxa de substituição

de indivíduos na população. Essas características podem predispor as espécies ao risco de

extinção (POUGH et al. 1993).

A maior ameaça natural para as populações de quelônios é a predação de seus ovos e

juvenis (IVERSON 1991a, 1991b; WILSON 1998; FERRI 2002).

A gama de potenciais predadores é imensa, estendendo-se de invertebrados (formigas,

por exemplo, podem invadir os ninhos e gradualmente devorar os embriões; moscas podem

depositar seus ovos, que se desenvolvem em larvas, reduzindo a taxa de sobrevivência dos

filhotes recém-eclodidos), pequenos e grandes mamíferos (carnívoros em sua maioria, mas

também roedores e insetívoros se utilizam dessa fonte de proteínas predando ninhos,

geralmente, de postura recente), os filhotes são predados por aves e lagartos (quando

abandonam o ninho). Nos cursos d’água os filhotes, juvenis e adultos podem ser predados por

anuros, peixes carnívoros, mamíferos aquáticos (ariranhas, botos, ...) e crocodilianos (jacarés e

crocodilos) (ROZE 1964, MEDEM 1969, KRAUSE et al. 1982, PRITCHARD & TREBBAU

1984, ERNST & BARBOUR 1989, IBAMA 1989b, PEZZUTI 1998, FERRI 2002,

MALVASIO 2001, FERREIRA Jr. 2003, MALVASIO & SALERA Jr. 2004).

Algumas aves têm desenvolvido táticas especiais para capturar e predar quelônios

terrestres (quebrando os cascos arremessando-os das alturas em rochedos) (FERRI 2002).

Espécies de jabutis que vivem em matas e florestas podem ser predados por grandes

carnívoros (onças), que fazem aberturas no casco desses animais e se alimentam de sua carne e

vísceras (EMMONS 1989). Durante a desova, as fêmeas das espécies aquáticas podem ser

facilmente predadas por carnívoros (especialmente onças) (HILDEBRAND et al. 1997,

FERREIRA Jr. 2003).

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As covas estão sujeitas às variações ambientais, tais como inundações. A seleção do

local pode diretamente influenciar as probabilidades do sucesso de uma dada cova (WILSON

1998), e o sucesso também depende da variação climática anual (PEZZUTI & VOGT 1999).

Alguns relatos indicam que as taxas de sobrevivência até a idade adulta de muitas

espécies de quelônios ficam entre 1% e 2% (FERRI 2002).

Além dos aspectos naturais que dificultam a sobrevivência dos quelônios, encontramos

também diversos fatores antrópicos. As várias alterações dos habitats, através das queimadas,

desmatamento das matas ciliares, canalização de cursos d’água, aterramento de áreas alagadas,

entre outras, causam impactos significativos sobre as populações (FERRI 2002, POUGH et al.

2001, FERREIRA Jr. 2003).

Por séculos, os quelônios têm sido uma fonte de proteína na dieta de populações

humanas que vivem em locais hostis e ambientes isolados, e ainda hoje em várias partes do

mundo. Muitas espécies são capturadas para servirem como recurso alimentar alternativo,

sendo comercializadas como animais domésticos, ou para manufatura de artesanatos e

artefatos domésticos (VERISSIMO 1895, PRITCHARD 1979, CAMARA 1982, JOHNS

1987, ERNST & BARBOUR 1989, KLEMENS & THORBJARNARSON 1995, PEZZUTI

1998).

Atualmente, em diversas partes do mundo existem iniciativas conservacionistas que

tentam restaurar e manter em equilíbrio os níveis populacionais de quelônios aquáticos e

terrestres, sempre tentando preservar o habitat desses animais, integrando os valores culturais

das comunidades que os utilizam e buscando a geração de renda alternativa para essas

comunidades (CAMARA 1982, PRITCHARD & TREBBAU 1984, IBAMA 1989a, POUGH

et al. 2001, FERRI 2002).

Devido a essas ameaças, da totalidade das espécies conhecidas hoje, 128 estão

classificadas como criticamente ameaçadas, ameaçadas ou vulneráveis (IUCN 2004). No

Brasil, seis espécies são consideradas ameaçadas de extinção segundo critérios adotados pelo

governo brasileiro, sendo 5 espécies marinhas (Chelonia mydas, Caretta caretta,

Eretmochelys imbricata, Lepidochelys olivacea e Dermochelys coriacea) e 1 cágado de água

doce (Phrynops hogei) (MOLINA 1999). As espécies marinhas têm suas áreas de forrageio e

reprodução protegidas pelo Centro Nacional de Manejo e Conservação de Tartarugas

Marinhas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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(TAMAR/ IBAMA) desde 1979, principalmente nos Estados do Nordeste (TAMAR 2004),

enquanto que Phrynops hogei não tem sido ainda alvo de iniciativas conservacionistas dos

órgãos governamentais.

1.4.1 Status de conservação dos quelônios da bacia do Araguaia

Na Amazônia, as práticas de utilização dos quelônios para fins alimentares ou como

matéria prima para utensílios domésticos foi adotada pelos índios já no período pré-colonial

(SMITH 1974, IBAMA 1989a), e foram seguidas pelos colonizadores (MITTERMEIER

1975).

As utilizações dos animais, suas vísceras, ovos e filhotes eram os mais diversificados.

Milhares de ovos foram coletados para o preparo de óleo que era usado na iluminação de

lamparinas (WALLACE 1853, BATES 1892) e produção de medicamentos e cosméticos

(HUMBOLDT 1862, VIANNA 1973, TEIXEIRA et al. 1996). Os animais adultos eram

capturados para servir de alimentação (HUMBOLDT 1852, COUTINHO 1868, GOELDI

1906, CANTARELLI 1997). Os filhotes empregados na alimentação de animais domésticos

(ALFINITO 1973) ou comercializados ilegalmente, para servirem como animais de estimação

(PEREIRA 1954, MITTERMEIER 1978, ALHO & PÁDUA 1982a). Os cascos utilizavam-se

como utensílios domésticos e adornos (SMITH 1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984) e,

também como brinquedo de criança (SOARES 2000).

Dentre as 7 espécies de quelônios que ocorrem na bacia do Araguaia, há uma

diferenciação na intensidade e forma de uso por parte das comunidades.

A carne de K. scorpioides é consumida por populações locais no Norte do Brasil,

muitas vezes, servida em restaurantes de forma clandestina (ROCHA & MOLINA 1990,

MOLINA 1999). A espécie é bastante apreciada, principalmente em Belém (Pará) e no

Maranhão (VOGT et al. 2001).

Existem relatos antigos do período colonial (final do século XVI), que registram o uso

de jabutis (Geochelone spp.) na alimentação humana (MOLINA 1999). E ainda nos dias atuais

tal prática é comum entre populações indígenas e moradores da região Amazônica (SMITH

1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984, BALÉE 1985).

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G. carbonaria é o réptil mais comum no comércio brasileiro de animais no Brasil,

principalmente no Sudeste do Brasil. Essa atividade ilegal é muito comum e é fácil de

encontrar alguém vendendo jabutis nos mercados urbanos (MOLINA 1999). A coleta de

adultos para alimentação e juvenis para o comércio de animais silvestres é uma prática comum

no Nordeste e Norte do Brasil (GUIX et al. 2001). Essa espécie foi registrada em várias ilhas

do Caribe, onde provavelmente tenha sido introduzida como fonte de alimento, durante o

século XVII (PRITCHARD & TREBBAU 1984). Está listada no Apêndice II da CITES

(Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo

de Extinção) por ser amplamente capturada nos outros locais de sua ocorrência para servir de

alimentação e para o tráfico internacional de animais silvestres. Na Colômbia, um centro de

criação foi estabelecido em 1998 para conservação dessa espécie (FERRI 2002).

G. denticulata pode ser muito raro (ou então ausente) no comércio ilegal de animais no

Brasil (MOLINA 1999), está listada no Apêndice II da CITES. A espécie está localmente

ameaçada pelas alterações em seu habitat e por ser caçada para alimentação (FERRI 2002).

Para as espécies terrestres, G. carbonaria e G. denticulata, podemos considerar que

dois fatores são os mais preocupantes no Tocantins: as queimadas que ocorrem com

freqüência, principalmente na estação seca; e a crescente alteração do habitat, com os

significativos desmatamentos para utilização da terra em atividades agropastoris.

P. geoffroanus e os demais cágados (família Chelidae), não são tão comuns como

recurso alimentar e são raros no comércio ilegal de animais (SMITH 1979, MOLINA 1999).

Sua importância econômica parece ser mínima e quase nada se sabe a respeito do impacto

negativo causado por problemas ambientais como desmatamento e poluição dos rios

(MOLINA 1998). A espécie é considerada ameaçada no Brasil (BERNARDES et al. 1990,

MOLINA 1996). Há um programa desenvolvido para as populações brasileiras pela Fundação

Parque Zoológico de São Paulo, mas ainda assim, essa espécie é muito requerida nas coleções

de pesquisa a despeito da grande dificuldade envolvida na obtenção desses animais (FERRI

2002).

C. fimbriatus é pouco utilizado como recurso alimentar na sua área de distribuição,

mas freqüentemente capturado para ser comercializado ilegalmente no mercado internacional

para utilização como animal de estimação (PRITCHARD & TREBBAU 1984, FERRI 2002).

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Dentre todos os quelônios que ocorrem na Amazônia, o gênero Podocnemis é o mais

explorado, onde principalmente durante a estação seca, os animais, seus ovos e filhotes são

capturados para servirem a diferentes fins.

A exploração humana de P. expansa é uma atividade antiga (OJASTI 1971, LICATA

& ELGUEZABAL 1997, MOLINA 1999). Diversos autores apontam que no fim do século

XVIII até meados do século XX, P. expansa estava entre os animais mais comumente

consumidos na região Norte do Brasil, sendo parte expressiva da dieta de vários grupos

indígenas e dos colonizadores portugueses (FERREIRA 1972, PEREIRA 1954, PRITCHARD

1979, SMITH 1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984). Ainda, nos dias atuais, sua carne e

ovos são consumidos em larga escala em diversas partes da América do Sul (MITTERMEIER

1978, PEZZUTI & VOGT 1999, SOARES 2000), causando a alteração da distribuição dessa

espécie ao longo dos anos (MITTERMEIER 1975, OJASTI 1967, SOARES 1995), com a

diminuição ou o desaparecimento de suas populações (JOHNS 1987, SMITH 1979) e/ou de

suas desovas em várias localidades da Amazônia (OJASTI 1967, TERAN 1999) (Figuras 8 e

9).

Essa predação se mostra também de forma intensa para as outras espécies do gênero,

em especial para P. unifilis (MALVASIO 2001, FERREIRA Jr. 2003, FERREIRA Jr. et al.

2003).

A exploração desses animais em suas áreas de ocorrência é tamanha que, desde 1975,

P. expansa e P. unifilis, foram incluídas no Apêndice II da CITES pelo Decreto nº. 76.623/75

(BRASIL 1975).

Segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a

Conservação da Natureza (IUCN), P. unifilis é classificado como vulnerável, pois a sua

população apresenta redução devido à exploração e à redução de habitats. P. expansa

apresenta baixo risco de extinção, mas sua situação ainda depende de esforços de conservação

(IUCN 2004).

Para a lista do Ato de Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos, P. expansa e P. unifilis

são consideradas ameaçadas de extinção, mesmo apesar dos esforços conservacionistas

desenvolvidos por agências governamentais na Venezuela, Colômbia e Brasil (FERRI 2002).

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Figura 8. Predação de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia). Foto: W.G. Franklim.

Figura 9. Uso dos cascos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) como adorno.

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Além da predação direta desses animais para alimentação, utilização dos cascos como

adorno e comércio dos filhotes para servirem como animais domésticos, existem outros

impactos, na área da bacia do rio Araguaia que devem ser considerados.

Considerando as espécies aquáticas, P. expansa e P. unifilis, que são mais afetadas por

ações antrópicas, tendo em vista as características de seu comportamento reprodutivo.

O rio Araguaia e seus principais afluentes apresentam grande concentração turística

que vem crescendo significativamente ao longo dos anos. A presença do turista no rio

Araguaia e seus afluentes prejudica os ecossistemas da região, devido à ocupação incorreta das

praias. A poluição sonora e ambiental interfere negativamente no ciclo reprodutivo de várias

espécies animais, podendo-se destacar os quelônios, e mais especificamente na região

abordada, P. expansa e P. unifilis (CENAQUA/ IBAMA 1997). Estas espécies utilizam as

praias ou barrancos do rio para a desova durante a estação seca, sendo extremamente sensíveis

às interferências ambientais. Tais fatores (luz, ruídos, etc.) característicos da presença humana,

fazem com que esses animais abandonem essas áreas de desova e migrem para outros locais

mais apropriados (sem ou com menores interferências humanas) para a nidificação.

Devido à interferência da ocupação das praias pelo turismo e a intensa predação

humana, foi constatada uma significativa diminuição de ninhos em alguns trechos dos rios da

bacia Amazônica. Tentando reverter esse quadro, o extinto IBDF (Instituto Brasileiro de

Desenvolvimento Florestal) criou o “Projeto Quelônios da Amazônia”, em 1979, quando

tiveram início os trabalhos de manejo e proteção, principalmente de P. expansa, P. unifilis e P.

sextuberculata, realizados nos principais rios da Amazônia e do Centro Oeste do Brasil.

Em 1989, cerca de 10 anos após a criação do “Projeto Quelônios da Amazônia”, o

IBDF pela fusão com outros três órgãos federais, SEMA (Secretaria Especial de Meio

Ambiente), SUDHEVEA (Superintendência da Borracha) e SUDEPE (Superintendência do

Desenvolvimento da Pesca) transformam-se no atual IBAMA, que é o órgão executor da

política de meio ambiente em nível nacional (Decreto nº 97.946/89). O IBAMA, então, para

ampliar e integrar as ações do “Projeto Quelônios da Amazônia” cria em 1990, o CENAQUA

(Centro Nacional de Quelônios da Amazônia) (Portaria nº 870/90).

Após 13 anos de experiência e conhecimentos adquiridos com o Projeto Quelônios da

Amazônia, o CENAQUA/ IBAMA possibilitou a normatização da Portaria nº. 142/92

(BRASIL 1992), que regulamenta a instalação de criadouros comerciais de P. expansa e de P.

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unifilis nas áreas de ocorrência, e mais tarde, da Portaria nº. 070/96 (BRASIL 1996), que

regulamenta o comércio dessas espécies, seus produtos e subprodutos (LUZ 2001).

O CENAQUA em 2001, através de uma ampliação e reorganização interna muda,

tornando-se o RAN (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios) que passa a gerir

todas as atividades de manejo e conservação dos répteis e anfíbios continentais brasileiros.

Nos dias atuais, o RAN é o responsável pela proteção dos quelônios continentais brasileiros,

dando prioridade às espécies de maior importância econômica.

Na bacia do Araguaia, 4 áreas são protegidas através do “Projeto Quelônios da

Amazônia”: (1) rio Javaés, Parque Nacional do Araguaia (Ilha do Bananal, Tocantins), (2) ao

longo do rio Araguaia no trecho compreendido entre Luiz Alves e Aruanã, (3) rio Crixás-açu,

afluente da margem leste do rio Araguaia (Goiás) e (4) Rio das Mortes, afluente da margem

oeste do rio Araguaia (Mato Grosso) (IBAMA 1989a, 1989b; BATAUS 1998).

No Estado do Tocantins existem outros 2 projetos, nos mesmos moldes do “Projeto

Quelônios da Amazônia”: (1) o “Projeto Quelônios do Tocantins” que é desenvolvido pelo

NATURATINS (Instituto Natureza do Tocantins) e o (2) “Projeto QUELOCAN” (Quelônios

de Canoanã) desenvolvido pela Escola de Canoanã da Fundação Bradesco em parceria com o

IBAMA.

O Projeto do NATURATINS foi criado em 1995 e já desenvolveu atividades em áreas

da bacia do rio Tocantins, nos municípios de Peixe e Ipueiras (rio Tocantins) e na bacia do rio

Araguaia, nos municípios de Lagoa da Confusão (rio Formoso do Araguaia), Caseara,

Araguacema, Pau D’arco e Araguatins (rio Araguaia). Atualmente, em algumas dessas

localidades não são desenvolvidas mais atividades.

O “Projeto QUELOCAN” foi criado em 1998 e atua em aproximadamente 30 praias da

porção alta do rio Formoso do Araguaia, municípios de Sandolândia, Formoso do Araguaia e

Figueirópolis. O rio Formoso do Araguaia é o principal afluente da margem leste do rio Javaés

e está situado na porção sudoeste do Estado do Tocantins.

O objetivo básico desses Projetos no Estado do Tocantins é a proteção dos principais

quelônios de água doce (P. expansa e P. unifilis), na época de reprodução. As atividades são

desenvolvidas pelos agentes, técnicos e fiscais do IBAMA e NATURATINS, e contam

também com a participação de voluntários da comunidade, onde se priorizam a fiscalização e

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proteção das áreas de desova, manejo dos ninhos, recolhimento e soltura dos filhotes, além de

contar com atividades educativas junto aos turistas e às comunidades.

Outra possível ameaça aos quelônios na bacia do Araguaia, vem com a proposta de

implantação da Hidrovia Araguaia/ Tocantins, que deve ser considerada como potencialmente

prejudicial às populações de quelônios aquáticos (FERREIRA Jr. 2003).

Em se tratando do levantamento do estado de conservação das populações de quelônios

da bacia do Araguaia, somente a partir da criação do RAN em 2001, iniciaram-se as atividades

visando a preservação das demais espécies que ocorrem na bacia do rio Araguaia (P.

geoffroanus, K. scorpioides, C. fimbriatus, G. carbonaria e G. denticulata). Porém, poucos

são os resultados sobre o estado de conservação dessas populações.

POUGH et al. (2001) ressaltam que um programa conservacionista para ser bem

sucedido deve envolver a população local. Como um passo inicial, às percepções e valores

culturais da população local devem ser considerados. Se a espécie é temida ou odiada,

esforços devem ser tomados para mudar essa percepção, ou ao menos para entender essa

relação. Além do mais, à população local deve ser dado um incentivo econômico para

preservação do habitat e de sua flora e fauna. Vogt (1994) salienta ainda, que a conservação

das espécies de quelônios amazônicos é importante não somente para a preservação da

biodiversidade, mas também para que se garanta a manutenção de um alimento importante,

considerando diversas regiões ou localidades.

1.5 Aspectos sócio-culturais dos quelônios

O comportamento humano para com os animais é influenciado pelas percepções

culturais (animais que são tidos como sagrados são protegidos, animais associados com o mal

são freqüentemente mortos) (POUGH et al. 2001).

Macho e fêmea, humano e cósmico, o simbolismo dos quelônios estende-se a todos os

domínios do imaginário (CHEVALIER & GHEERBRANT 1999).

Os desenhos formados em sua carapaça eram interpretados, das mais variadas formas,

como modelos de estruturas cósmicas (LEXIKON 1990).

Pela sua carapaça, redonda como o céu na parte superior – o que a torna semelhante a

uma cúpula – e plana como a terra, na parte inferior, a tartaruga é uma representação do

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universo: constitui-se por si mesma numa cosmografia; como tal, aparece no Extremo Oriente

(China e Japão), no centro da África negra, entre os povos da aliança do Níger, dogons e

bambaras, entre outros (CHEVALIER & GHEERBRANT 1999).

Mas sua massa e sua força, idéia de poder que evocam suas quatro patas curtas

plantadas no solo como as colunas do templo, fazem dela também o cosmóforo, carregador do

mundo (CHEVALIER & GHEERBRANT 1999). Em várias culturas na Índia, China, Japão,

América do Norte e do Sul, grandes tartarugas são cridas por suportar enormes montanhas ou

até mesmo continentes inteiros (POUGH et al. 2001). Na cultura Hindu, a tartaruga sustenta o

universo inteiro, garantindo a estabilidade do cosmos e identificando-a com as mais altas

divindades (CHEVALIER & GHEERBRANT 1999). Em contraste, as tartarugas são

desprezadas e perseguidas em muitas partes da bacia Amazônica por que elas são associadas

com o pecado humano (POUGH et al. 2001).

Os animais (nos quais se incluem os quelônios) não são importantes apenas como fonte

alimentar, mas por que influenciam as artes e mitologias e pelas razões culturais (sendo usados

como animais domésticos e de seus ossos, e dos cascos pode-se confeccionar ferramentas e

ornamentos) (JORGENSON 1995).

O Templo das Tartarugas de Bangkok (Tailândia), é representado por numerosos

exemplares, principalmente pela Geomyda grandis (jabuti). Estes quelônios não estão

associados a nenhum culto especial, mas têm sido oferecidos ao templo, de acordo com os

princípios da religião budista, segundo os quais, deve-se salvar uma vida para obter-se a

salvação em outro mundo. Uma vez salva a vida de um quelônio, termina a obrigação, mesmo

que os animais salvos não recebam nenhum cuidado especial no templo (IBAMA 1989a).

Considerando as artes, principalmente no folclore e na literatura, existem muitos

registros da presença e importância dos quelônios.

Na arte do cristianismo primitivo, a tartaruga aparecia como o mal em contraposição à

vigilância, que era associada ao galo (COOPER 2002).

Na Antiguidade, confeccionava-se a lira com o casco de quelônios (caixa de

ressonância), o que a fez ser mencionada na literatura cristã simbolizando também a

transformação moral do pecado da carne pelo espírito (LEXICON 1990).

Atualmente, os cascos de diversos quelônios ainda são empregados na confecção de

utensílios domésticos, adornos e peças decorativas em muitas partes do mundo (VIANNA

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1973, LOURIVAL & FONSECA 1997, CITES 1999, FERRI 2002). É possível ainda,

encontrar grupos indígenas atuais que produzem artesanato cerâmico zoomórfico (em forma

de animal) que se inspiram nas características dos quelônios (RIBEIRO 1988).

No folclore brasileiro, dos quelônios são narradas diversas histórias infantis, nas quais

sempre é o herói, vencendo, em astúcia outros animais (RODRIGUES 1992). As espécies

mais populares nos contos brasileiros são os jabutis (Geochelone spp.), o muçuã (K.

scorpioides) e a tartaruga-da-amazônia (P. expansa) (VIANNA 1973, RODRIGUES 1992,

SANTOS 1994).

Até mesmo Júlio Verne, inspirado na exploração colonialista da Amazônia no final do

século XIX, escreveu em uma de suas narrativas sobre o uso que se faziam da tartaruga-da-

amazônia (P. expansa) como alimento (VERNE 1966).

Na literatura brasileira, aparecem ainda, referências dos quelônios como as citadas por

Gilberto Freyre em suas obras sobre as iguarias e quitutes tradicionais da região Norte. O autor

atribui a esses quelônios uma importância maior que a dos peixes como fonte de proteína

animal para as populações ribeirinhas (FERREIRA Jr. 2003).

Pereira (1974) faz referências aos hábitos e tabus alimentares dos povos da Amazônia

em relação aos diversos quelônios, tais como, tracajá (P. unifilis), tartaruga-da-amazônia (P.

expansa), jabutis (Geochelone spp.), pitiú (P. sextuberculata) e o muçuã (K. scorpioides).

Somma (1979) apresenta uma obra de culinária com receitas típicas das regiões

brasileiras, onde para a região Amazônica mostra a tartaruga-da-amazônia (P. expansa) como

um tradicional prato.

Vianna (1973) agrupa e organiza um enorme número de referências de obras que citam

o uso, emprego e importância dos quelônios da Amazônia, principalmente da tartaruga-da-

amazônia (P. expansa).

P. expansa até hoje têm grande importância cultural, participando com destaque da

culinária tradicional regional (SOARES 2000).

Apesar de existirem inúmeros relatos de que os povos indígenas sul-americanos fazem

uso dos quelônios desde o início da colonização (VIANNA 1973, PRITCHARD &

TREBBAU 1984, IBAMA 1989a), para o valor simbólico dos quelônios dentro dessas

culturas, não existem muitos registros. Entre os existentes podemos citar, para os indígenas do

Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso), os Kayapó realizam caçadas onde jabutis

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(Geochelone spp.) são armazenados para serem consumidos durante um ritual. Os jabutis são

cozidos sobre pedras colocadas em cima de fogueiras, nas próprias carapaças. Os miúdos são

retirados e misturados com uma massa de mandioca e colocados para assar envoltos em folhas

de bananeira. Isso vira uma espécie de bolo que eles chamam genericamente (pois pode ser

feito com vários tipos de carne) de "berarubu" (PRITCHARD & TREBBAU 1984,

JEROSOLIMSKI 2005), para os Kaapor do Maranhão, durante a gestação e por um período de

até seis meses após o nascimento da criança, somente é permitido aos pais o consumo da carne

de jabutis (Geochelone spp.), sendo que qualquer outra carne animal durante esse período não

pode ser consumida (BALEE 1985) e Goeldi (1906) afirma que entre os Krahô, que na época

residiam na região limítrofe entre os Estados de Maranhão, Pará e Goiás (atual Tocantins)

possuem diversas lendas relativas a animais, dentre as quais apresentam-se narrativas com a

participação de quelônios (jabutis).

Apesar de diversos autores apresentarem que os indígenas Karajá/ Javaé utilizam os

quelônios da bacia do Araguaia na sua alimentação, principalmente P. expansa e P. unifilis

(DONAHUE 1982, RODRIGUES 1993, LIMA FILHO 1994, TORAL 2002, LIMA 2004),

não existem muitas citações da importância simbólica desses animais para essas culturas.

1.6 Apresentação dos povos indígenas do Tocantins

Estima-se que no Brasil, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000

povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Hoje, são apenas cerca de 220 povos, que

falam mais de 180 línguas diferentes e totalizam aproximadamente 370 mil indivíduos

(correspondente aproximado a 0,21% da população do país). A maior parte dessa população

distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 614 Terras Indígenas, de norte a sul

do território nacional (aproximadamente 12% do território brasileiro) (ISA 2004).

O Tocantins apresenta uma área de 277.297,8 Km² (3.26% do território nacional) e

possui 1.157.098 habitantes (censo de 2000) (NASCIMENTO 2004). Sua população indígena

com aproximadamente 7280 pessoas (Censo FUNAI 2003/2004), corresponde a

aproximadamente 0,62% da população total do Estado. Cabe ressaltar que o tamanho da

população indígena no Estado pode variar de acordo com a fonte de dados utilizada, conforme

podemos verificar que segundo ISA (2004) esse número pode ultrapassar 8.000 pessoas. Isso

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se deve, aos diferentes critérios/ métodos adotados pelas diversas entidades para levantamento

e cálculo de estimativas populacionais.

Quatro grandes grupos indígenas se destacam pela sua popularidade e tamanho

populacional: (1) os Apinaje, localizados na Área Indígena Apinaje, porção do extremo norte

(Bico do Papagaio), nos municípios de Tocantinópolis, Cachoeirinha, São Bento do Tocantins

e Maurilândia do Tocantins; (2) os Krahô, localizados na Área Indígena Krahôlandia, porção

nordeste, abrangendo os municípios Goiatins e Itacajá; (3) os Xerente, localizados na Área

Indígena Xerente e Funil, porção central do Estado, nos municípios de Tocantínia e Aparecida

do Rio Negro e (4) os Karajá/ Javaé, que no Tocantins ocupam duas áreas específicas, a Ilha

do Bananal (municípios de Formoso do Araguaia, Pium e Lagoa da Confusão) e a Área

Indígena Xambioá na porção norte-noroeste do Estado, município de Santa Fé do Araguaia.

Dentre esses 4 grupos, apenas os Karajá/ Javaé localizam-se na bacia do Araguaia. Os demais

habitam áreas na bacia do Tocantins (SEPLAN 1999) (Figura 10).

As terras desses 4 grupos indígenas correspondem a 2.366.053 ha (cerca de 8,5% do

território tocantinense), estando distribuídas em: (1) Povos Apinaje – Área Indígena Apinaje

(extensão de 141.904 ha – 6,0%); (2) Povos Krahô – Área Indígena Krahô (extensão de

302.533 ha – 12,79%); (3) Povos Xerente – Área Indígena Xerente (extensão de 167.542 ha –

7,08% e Funil 15.704 – 0,66%) e (4) Povos Karajá/ Javaé - Parque Indígena do Araguaia

(extensão de 1.358.499 ha – 57,42%), Terra Indígena Inawebohona (extensão de 376,545 ha –

15,91%) e Área Indígena Xambioá (extensão de 3.326 ha – 0,14%).

Os Apinaje são um dos povos Jê Setentrionais, falante de língua homônima,

apresentam uma população de aproximadamente 1100 habitantes distribuídos em 9 aldeias

(Mariazinha, Riachinho, Bonito, Botica, São José, Patizal, Palmeiras, Cocalinho e Buriti

Comprido) (GIRALDIN 2000, 2001, 2004).

Os Krahô que se autodenominam Mehim (MELATTI 1970), do tronco lingüístico

Macro-Jê, língua Timbira Oriental; são cerca de 1900 pessoas (ISA 2004) distribuídos

atualmente em 17 aldeias (Serra Grande, Forno Velho, Lagoinha, Macaúba, Santa Cruz,

Morro do Boi, Galheiro, Manuel Alves Pequeno, Riozinho, Campos Lindos, Pedra Branca,

Pedra Furada, Cachoeira, Bacuri, Aldeia Nova, Rio Vermelho e Água Branca).

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29

48º W

08º S

12º S

Parque Indígena do Araguaia

Terra Indígena Inawebohona

Áreas Indígenas Funil e Xerente

Área Indígena Krahô

Área Indígena Apinaje

Área Indígena Xambioá

Figura 10. Terras indígenas do Tocantins.

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30

Os Xerente apresentam população aproximada de 1860 pessoas (SANTOS 2002),

distribuídos atualmente em 40 aldeias, sendo 3 na Área Indígena Funil (Funil, Santa Fé e

Serrinha) e 37 na Área Indígena Xerente (Porteira, Cercadinho, Kité, Vão Grande, Varjão, Boa

Esperança, Karehu, Bela Vista, Salto, Nova, Moita de Coco, Brejo Comprido, Recanto da

Água Fria, Cabo da Água Fria, Rio Preto, Santa Fé, Paraíso, Bom Jardim, Baixa Funda,

Brejinho, Morrinho, Aldeinha, Brejão, Sucupira, Rio Sono, Sangradouro, Riozinho, Mata

Verde, Brupré, Lajeado, Zé Brito, São José, Traíra, Santo Antônio, Novo Horizonte, Jenipapo

e Mirassol). Os Xerente autodenominam-se Akwen e estão organizados socialmente em

metades e clãs. Os Krahô e Apinaje possuem metades, mas não tem clãs (ISA 2004). Os

Xerente têm um rico artesanato, usando a palha do buriti e babaçu, sementes e capim dourado

(NASCIMENTO 2004).

Dentre o grande grupo que integra os Karajá, os Javaé e os Xambioá (tronco lingüístico

Macro-Jê), no Estado do Tocantins apresentam uma população aproximada de 3000 pessoas,

divididos em 182 integrantes dos Xambioá, 1804 dos Karajá e 1006 para os Javaé (SANTOS

2002, TORAL 2002). Os Karajá, Javaé e Xambioá se autodenominam Yny (RODRIGUES

1993, ISA 2004).

As aldeias Karajá estão localizadas desde o município de Santa Maria das Barreiras, no

Pará, até a cidade de Aruanã, em Goiás, e somam atualmente 14 aldeias distribuídas a longo

do curso do Araguaia, sendo elas: a aldeia Aruanã, município homônimo, Área Indígena

Karajá de Aruanã I (Goiás), as aldeias Maranduba e Santana do Araguaia, município de

Santana do Araguaia (Pará), aldeia São Domingos, Área Indígena São Domingos, municípios

de Luciara e São Felix do Araguaia; e aldeia Barra de Tapirapé, Área Indígena Tapirapé/

Karajá, municípios de Santa Terezinha e Luciara (Mato Grosso) e 9 aldeias, Santa Isabel do

Morro, Fontoura, Macaúba, Mirindiba, Tytema, JK, Itxalá, Axiwé e Watau, na Ilha do

Bananal, municípios de Formoso do Araguaia, Pium e Lagoa da Confusão (Tocantins).

Os Javaé estão agrupados, atualmente, em 11 aldeias, sendo 10 localizadas na Ilha do

Bananal às margens do rio Javaés (São João, Wari-Wari, Canoanã, Cachoeirinha, Barreira

Branca, Boa Esperança, Txiodé, Barra do Rio Verde, Txuiri e Boto Velho), e a aldeia Imotxi,

às margens do Riozinho, interior da Ilha. Somente as aldeias Boto Velho e Txiodé estão

localizadas na Terra Indígena Inawebohona, todas as demais localizam-se no Parque Indígena

do Araguaia.

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Os Xambioá são conhecidos também como “Karajá do Norte” e agrupando-se em

apenas três aldeias, Kuherê, Xambioá e Wari Lyty (FRANKLIN 2004).

Os grupos indígenas Apinaje, Krahô e Xerente são caracterizados principalmente como

caçadores/ agricultores. Enquanto que os Karajá/ Javaé são pescadores/ agricultores

apresentando uma arte plumária exuberante e manufatura de artesanato cerâmico

extremamente rico.

Outros grupos indígenas menores são encontrados no Tocantins: Avá-canoeiro, Krahô-

Canela, Tuxá, Tapirapé e Guarani.

Os Avá-canoeiro do tronco lingüístico Tupi-Guarani se autodenominam Ãwã e

integram somente 16 pessoas no Tocantins. Esse número reduzido de integrantes da etnia é

fruto de uma intensa redução populacional que se desencadeou a partir dos conflitos ocorridos

com as populações não-indígenas durante o período de ocupação da porção central do Brasil,

nas proximidades dos rios Araguaia e Tocantins, local que anteriormente era amplamente

ocupado pelos Avá-canoeiro (ISA 2004, PEDROSO 1994).

Os Krahô-Canela são aproximadamente 85 pessoas (Censo FUNAI 2003/2004) e são

caracterizados como um grupo ressurgente.

Dos demais grupos (Tuxá, Tapirapé e Guarani) apenas alguns indivíduos estão

presentes no Tocantins, residindo nos aldeamentos dos outros agrupamentos indígenas. Não

existindo muitos estudos etnográficos enfocando tais etnias.

1.6.1 Os povos indígenas Karajá/ Javaé

As aldeias atuais estão organizadas de tal forma que se pode diferenciar no espaço os

três grupos que compõem a família lingüística Karajá, classificada genericamente no tronco

lingüístico Macro-Jê, esta família reúne as línguas dos Xambioá, dos Javaé e dos Karajá

(LIMA FILHO 1994). Há uma diferença entre uma fala feminina e uma fala masculina, sendo

mais acentuada entre os Karajá que entre os Javaé. Essa diferenciação entre a fala das

mulheres e crianças e a fala dos homens, feita através de alguns fonemas e expressões

específicas para cada gênero, expressa a forte divisão entre os papéis masculino e feminino

(RODRIGUES 1993).

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Os Javaé, tradicionalmente, ocupavam a parte oriental da Ilha do Bananal, em ambas as

margens do rio Javaés (ou braço menor do Araguaia) e os rios e lagos das margens oeste e

leste do rio Javaés (RODRIGUES 1993). Mas atualmente ocupam apenas aldeias interioranas

da Ilha, dispostas ao longo do rio Javaés e do Riozinho.

Segundo Rodrigues (1993) a separação entre o território Karajá e Javaé, dentro da Ilha

do Bananal, é feita pelos rios Jaburu e Riozinho, que cortam a Ilha pelo meio, em sentido

longitudinal. À oeste de ambos os rios, situa-se o território Karajá; o território Javaé

corresponde às terras localizadas à leste do Jaburu e Riozinho.

A maioria das aldeias Javaé ainda mantém a disposição espacial tradicional, baseada

em uma oposição assimétrica entre uma ou mais fileiras de casas ao longo do rio, associadas à

organização social desse grupo – o mundo feminino e das famílias extensas, e a casa dos

homens, associada ao mundo masculino e ritual (ISA 2004, RODRIGUES 2004).

Os Karajá/ Javaé se caracterizam por manterem 3 atividades econômicas básicas,

sendo: (1) pescadores, (2) comerciantes (de pescado e artesanato) e (3) agricultores (TORAL

2002).

O xamanismo é altamente desenvolvido entre os Javaé (ISA 2004) e o papel

centralizador da “Festa dos Aruanãs” – principal ritual da etnia (RODRIGUES 1993, TORAL

2002), deve ser considerado, pois é na casa onde se alojam as máscaras (conhecida também

como “casa dos homens”), que o jovem é iniciado no aprendizado dos segredos que lhe

permitirão ingressar na categoria dos homens adultos e dessa forma serem plenamente ativos

na comunidade (Figuras 11 a 13).

A Festa dos Aruanãs ou Dança dos Aruanãs é um misto de atividades míticas e

alimentares, onde há a presença de danças rituais, cânticos, brincadeiras e refeições. Os

homens dançam, geralmente em duplas, vestidos com máscaras e uma indumentária feita à

base de palhas e penas tingidas com jenipapo e urucum. Eles dançam entoando cânticos,

freqüentemente, embalados ao som de maracás. As mulheres apresentam uma participação

secundária, com algumas danças e oferenda de alimentos (RODRIGUES 1993, LIMA 2004).

O centro da Festa dos Aruanãs é a “casa dos homens” ou “casa das máscaras”, que fica

em um ponto da aldeia distante das casas e próximo da floresta. Essa casa só pode ser

freqüentada pelos homens que já passaram pelo ritual de iniciação do Hetohoky; não sendo

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permitido às mulheres aproximarem-se dela. Caso alguma delas quebre essa regra, ela pode

até mesmo ser expulsa da aldeia.

O Hetohokÿ (casa grande), ritual de iniciação masculina que é uma espécie de ápice da

Festa dos Aruanãs e que marca a entrada dos jovens para o mundo da casa dos homens,

também é realizado atualmente dentro do ciclo anual das festividades dos Karajá/ Javaé.

O Hetohokÿ, como as demais festas dos Karajá/ Javaé, se relaciona com o mundo

espiritual dos mortos (Worysy), que moram nas aldeias místicas existentes nos cemitérios. Os

mortos sempre acompanham os homens nas pescarias, nas caçadas, nas roças, nas doenças,

nas curas e, em tempos idos, nas guerras com outros grupos indígenas. Os Worysy são

representados pelas ações, cantos e danças dos homens (LIMA FILHO 1991, 1994).

Para a compreensão da cosmologia dos Karajá/ Javaé é necessário o entendimento de

sua organização social, suas relações com o meio em que vivem e com as comunidades

envolventes (LIMA 2004).

Figura 11. Dançarinos na Festa dos Aruanãs. Foto: CIMI - TO.

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Figura 12. Vista da Festa dos Aruanãs. Foto: CIMI - TO.

Figura 13. Vista da participação das mulheres na Dança dos Aruanãs. Foto: CIMI - TO.

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1.7 O rio Araguaia

O rio Araguaia, principal afluente do Tocantins se notabiliza tanto pelas suas

características hidrológicas como seu papel no processo de ocupação do território. Suas

nascentes situam-se na Serra do Caiapó, na divisa de Goiás com Mato Grosso, acerca de 850

metros de altitude. Apresenta aproximadamente 2.115 km de extensão e a maior parte de seu

percurso se desenvolve paralelamente ao rio Tocantins, no qual desemboca junto à localidade

de São João do Araguaia no extremo setentrional tocantinense (LATRUBESSE et al. 1999,

ENGEVIX 2001, FERREIRA Jr. 2003, NASCIMENTO 2004).

Os principais afluentes do Araguaia são, pela margem leste, de montante para jusante,

os rios Babilônia, Diamantino, do Peixe, Caiapó, Claro, Vermelho e Crixás-açu (Goiás). Pela

margem oeste destaca-se o rio Manso ou Rio das Mortes (Mato Grosso). Os principais

afluentes do rio Javaés, ou braço menor do Araguaia são: Formoso do Araguaia, Xavante,

Dueré e Pium (RODRIGUES 1993, MMA/ IBAMA 2001).

O rio Araguaia apresenta enorme importância econômica, tendo durante a estação seca,

suas praias como principal foco de atração turística para a região, principalmente nos trechos

entre os Estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará (CENAQUA/IBAMA 1997).

Na porção média do seu curso, o rio Araguaia se divide formando a Ilha do Bananal,

com área aproximada de 2.000.000 hectares, com cerca de 80 km de largura (leste-oeste) e 350

km de comprimento (RODRIGUES 1993, DIEGUES 1994) (Figura 14).

A Ilha do Bananal que é considerada a maior ilha fluvial do mundo está dividida

atualmente em Parque Indígena do Araguaia, ao sul (criado em 1971), e o Parque Nacional do

Araguaia na porção norte (criado em 1959) (IBAMA 1989a, RODRIGUES et al. 1999,

NASCIMENTO 2004). O rio Araguaia corresponde ao limite noroeste da Ilha. O rio Javaés ou

braço menor do Araguaia constitui-se no limite leste da Ilha, recebendo como afluentes pela

sua margem esquerda os rios que nascem dentro da Ilha, tais como, o Diderô, Barreiro, Aruari

e Riozinho que é formado pelo rio Randi-toró. Este tem suas nascentes na Mata do Mamão no

centro da Ilha (MMA/ IBAMA 2001).

Característica marcante da drenagem da Ilha do Bananal e seu entorno são as

numerosas ipucas que na época das cheias fazem a ligação entre os vários rios e córregos.

Nesta mesma época os rios deixam seu leito normal e provocam inundação por toda ilha,

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sendo mesmo possível em alguns locais percorrê-la de barco no sentido transversal

(MARTINS 1999).

Os diversos lagos existentes no interior da Ilha do Bananal, pelas suas dimensões

notáveis concentram fauna, constituindo-se de locais muito atrativos e de grande beleza

cênica. Existem cerca de 200 lagos no interior do Parque Nacional do Araguaia e inúmeros

outros no interior do Parque Indígena do Araguaia.

Dois importantes fatores destacam-se na Ilha do Bananal, a presença humana, em

especial a indígena (Karajá/ Javaé), e a rica biodiversidade da fauna e da flora. A ocupação

humana da Ilha delineia um espaço de estórias de vida, mitos e lendas que compõem um

mosaico de relações sociais, culturais e ambientais, com grande diversidade sócio-cultural.

Quanto à fauna e flora, nota-se uma vegetação de transição entre o Cerrado e a Amazônia,

com muitos exemplares da fauna presentes nesses ecossistemas (SEPLAN 2001).

O ano na Ilha do Bananal pode ser dividido pelos períodos da seca e da chuva, o

primeiro tendo seu ápice nos meses de agosto e setembro, e outro, nos meses de janeiro e

fevereiro, época das cheias no rio Araguaia (IBDF & FBCN 1981, MMA/ IBAMA 2001,

RODRIGUES 1993).

Figura 14. Vista aérea do rio Javaés e da Ilha do Bananal (direita). Foto: Instituto Ecológica.

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1.7.1 Os quelônios e sua relação com o ciclo das águas

O ciclo de vida do gênero Podocnemis é marcado por uma forte relação com o ciclo

das águas dos rios da Amazônia (PRITCHARD 1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984,

NASCIMENTO 2002). Há uma sincronização entre a vazante dos rios e o comportamento de

nidificação de P. expansa (ALHO & PÁDUA 1982c, PADUA & ALHO 1984) (Figura 15).

Durante o período de cheia, as espécies (P. expansa e P. unifilis) ocupam lugares

isolados ao longo dos rios, como lagos marginais, pequenos igarapés e áreas alagadas

(NASCIMENTO 2002, ALHO et al. 1979).

No início do verão (estação seca), os exemplares adultos de P. expansa (machos e

fêmeas), se reúnem em grupos e iniciam a “marcha” em direção às praias para a desova,

processo chamado de “arribação”, subindo por várias vezes à superfície da água, com a cabeça

para fora, o que é chamado “bubuia” (PÁDUA & ALHO 1982, IBAMA 1989a, BATAUS

1998).

O comportamento de nidificação só começa quando o nível da água se estabiliza em

seu ponto mais baixo (ALHO & PÁDUA 1982b). Esse período de menor vazão está

relacionado com um baixo índice pluviométrico e um conseqüente aumento da temperatura

média diária. O processo de desova desses quelônios envolve várias fases distintas e é

extremamente estereotipado, sendo caracterizado em 7 fases: (1) agregação às águas rasas, (2)

assoalhamento, (3) deambulação, (4) abertura da cova, (5) oviposição, (6) fechamento da cova

e (7) abandono do ninho (MOLINA 1992a).

Segundo Molina (1996) estas 7 etapas são executadas por tartarugas marinhas (CARR

& GIOVANNOLI 1955), por P. expansa (VANZOLINI 1967, ALHO et al. 1979,

PRITCHARD & TREBBAU 1984), por P. unifilis (FOOTE 1978) e P. sextuberculata

(NASCIMENTO 2002). Essas 7 fases estão apresentadas abaixo:

Agregação às águas rasas (1): ao chegarem nas proximidades do tabuleiro (praia de

desova), os grupos vão se aglomerando em frente à praia, e iniciam um processo de

observação atenta do ambiente, sondando os locais que elegerão para a desova. Depois se

reúnem no boiadouro aguardando o momento propício para a postura (IBAMA 1989a,

FERREIRA Jr. 2003).

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Assoalhamento (2): antes da postura, as fêmeas começam o ritual de subida e descida

às bordas das praias, onde ficam expostas ao sol durante as horas mais quentes do dia,

verificando as condições de temperatura e umidade do local para definição do sítio de postura.

Este ato se prolonga até a desova. Neste período, as tartarugas mostram-se extremamente

ariscas, assustando-se com quaisquer ruídos ou movimentos estranhos. Essa etapa somente foi

observada com detalhes em alguns poucos rios da Amazônia, tais como: Crixás-açu (Goiás),

rio Trombetas (Pará) (ALHO & PÁDUA 1982b, BATAUS 1998) e rio Formoso do Araguaia

(Tocantins) (obs. pessoal).

Perambulação pela praia (3): selecionado o sítio de postura, as tartarugas sobem à

praia, geralmente à noite, onde, após uma perambulação, escolhem o local específico de

desova, iniciando a abertura da cova com as patas traseiras alternadamente jogando areia para

trás (VANZOLINI 1967, IBAMA 1989a). Nem sempre as fêmeas deambulantes vêm a

desovar, sendo muitas vezes o processo interrompido nesta fase inicial (MOLINA 1992a).

Escavação do ninho (4): com movimento de corpo, para a direita e para esquerda, vão

modelando aos poucos a cova, encaixando a parte caudal do corpo no buraco e aumentando a

ação das patas traseiras (IBAMA 1989a, HALLER 2002).

Desova (5): preparada a câmara de postura, as tartarugas começam a deposição dos

ovos. Nesta etapa elas tornam-se quietas, podendo até ser tocadas sem que haja reação

(MOLINA 1992a, IBAMA 1989a).

Fechamento do ninho (6): terminada a postura dos ovos, as tartarugas iniciam o

processo de fechamento da cova, utilizando as patas traseiras. A seguir, através de batidas com

o plastrão fazem a compactação da cova (FOOTE 1978, IBAMA 1989a).

Retorno para o rio (7): como camuflagem, no momento da saída, jogam areia nas

proximidades da cova (2 a 3 metros), iniciando a partir de então o retorno ao rio, que é

geralmente lento, fato que demonstra o cansaço pelo esforço dispendido (IBAMA 1989b,

PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Além dessas 7 fases bem características, há ainda outros dois aspectos que são

importantes e devem ser considerados sobre a relação de P. expansa e P. unifilis com o ciclo

das águas dos rios na Amazônia: a permanência das fêmeas no sítio de postura e o

acasalamento.

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Permanência das fêmeas no sítio de postura (1): supõe-se que os exemplares de P.

expansa e P. unifilis permanecem no boiadouro até a eclosão dos ovos. Existem observações

indicando que as tartarugas após a desova permanecem no boiadouro por um determinado

período de tempo, fato este, em função do esgotamento físico decorrente da postura; aguardo

do nascimento dos filhotes; à espera dos machos para nova fecundação, ou ainda, aguardando

as enchentes dos rios para o regresso (IBAMA 1989a, 1989b).

Acasalamento (2): no período aproximando de três meses antes da desova no rio

Crixás-açu (Goiás), Bataus (1998) observou para P. expansa o comportamento de corte e

produção de um som (pelos machos), onde três a quatro machos se aproximavam de uma

fêmea por trás, e logo depois submergiam. Para a autora, estes mecanismos, também, sugerem

que o acasalamento ocorra pouco tempo antes da desova. Contudo, para Alho et al. (1979),

após a observação de um caso e alguns relatos, a cópula ocorre logo após a postura, de forma

que os espermatozóides são armazenados e usados na fecundação dos óvulos para a postura da

estação seguinte. Assim, trabalhos mais detalhados devem ser realizados para esclarecer os

detalhes do comportamento reprodutivo dessa espécie (BATAUS 1998). Pouco se sabe sobre

o acasalamento de P. unifilis.

Existem dúvidas sobre quando ocorre a maturidade sexual de P. expansa. Para

Pritchard & Trebbau (1984) a maturidade sexual das fêmeas é atingida entre 4 e 5 anos, porém

para Mittermeier (1978), a espécie atinge a maturidade entre 5 e 10 anos. O tamanho é mais

utilizado para saber se a fêmea já está pronta para desovar. Há uma carência de informações a

respeito da maturação sexual de P. unifilis.

Apesar de haver evidências de que esses animais preferem sempre a mesma região para

nidificação, retornando para ela a cada estação reprodutiva, ainda pouco se sabe sobre a

estratégia e rotas de migração de retorno dos adultos para os lagos e áreas alagadas (OJASTI

1967, VANZOLINI 1967, ALHO et al. 1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA

1996a).

Outro aspecto marcante no ciclo vital dos quelônios aquáticos é a falta de

conhecimentos sobre a biologia dos filhotes, onde há uma enorme carência de informações

sobre a dispersão e locais de permanência dos filhotes até a maturação sexual (POUGH et al.

1993).

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Figura 15. Ciclo de vida de P. expansa (tartaruga-da-amazônia) e P. unifilis (tracajá).

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1.7.2 Os Karajá/ Javaé e sua relação com o ciclo das águas

Toda a cultura Karajá/ Javaé gira em torno do universo do rio Araguaia, que é

considerado o ponto de relação entre o céu e a terra, entre os mundos espiritual e natural.

No mais profundo das águas do Araguaia nasceu o povo indígena Karajá/ Javaé e

desde então eles mantêm uma estreita relação com o rio. Isso se expressa na disposição

tradicional das aldeias, que apresentam uma organização linearmente paralela das casas em

relação aos rios Araguaia e Javaés, e através da principal atividade econômica do grupo – a

pesca (TORAL 1992, PAINKOW et al. 2002, TORAL 2002) (Figura 16).

No que se refere à aldeia, o seu formato original é, geralmente, invariável. Compõe-se

de uma fileira de casas alinhadas aos pares e paralelas às margens do rio, em cima de altas

barreiras. As casas são retangulares, com duas portas pelas quais se pode passar uma reta

perpendicular ao rio. Sua abertura principal e janela estão voltadas para o rio; a outra, voltada

para o cerrado, ou mata. Essa disposição da entrada principal faz com que a observação do

movimento do rio seja uma constante (TORAL 1992).

A base da subsistência das comunidades Karajá/ Javaé é a ictiofauna. A subida das

águas no período de chuvas alterna as fontes de recursos alimentares das aldeias, uma vez que

dificulta as possibilidades de pesca. É época em que os cardumes estão dispersos, exigindo dos

indígenas a localização de pontos piscosos. Enquanto produtos da roça, eles podem contar

com o milho, a abóbora, a mandioca e a melancia. Do cerrado, alimentam-se de pequi, e

demais frutas sazonais (LIMA FILHO 1994, LIMA 2004).

Tartarugas-da-amazônia (Podocnemis sp.) e os ovos deste quelônio, coletados nas

praias, são muito apreciados. São alimentos obtidos somente na estação seca (meses de julho a

setembro). Se os produtos da roça não são suficientes e a pesca torna-se mais difícil, uma

terceira opção de atividade para alimentar a aldeia é a caça. Sendo que a exploração dos

recursos naturais pelos Karajá/ Javaé está assim associada aos ciclos de estiagem e de chuvas,

com a disponibilidade de alimentos característica de cada estação (TORAL 1992, LIMA

2004).

Há de se considerar ainda que, dentre os Karajá/ Javaé existem 2 grandes festas

cerimoniais, a “Dança dos Aruanãs” (seres espirituais mascarados com aspecto antropomorfo)

e o “Hetohoky” (festa de iniciação masculina), que estão intimamente ligadas aos seres

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ancestrais que habitam o fundo das águas sagradas do Grande Rio (rio Araguaia), batizado de

Berohoky.

O Hetohoky inicia-se ainda no período da estiagem, tem uma grande movimentação no

ápice das chuvas e vai gradativamente chegando ao fim, quando um novo período de estiagem

faz o Araguaia baixar as águas (LIMA FILHO 1994).

As Festas dos Aruanãs dividem-se em quatro: duas festas pequenas, uma do Peixe e

outra do Mel, e duas festas grandes, igualmente do Peixe e do Mel (LIMA FILHO 1994).

Sendo que estas não possuem uma data exata para seu começo e término. Se houver Hetohoky,

o início das duas festas coincide. A Festa dos Aruanãs normalmente é mais longa que a do

Hetohoky e pode, ter duração aproximada de um ano, enquanto que a festa do Hetohoky tem

duração menor (RODRIGUES 1993, LIMA FILHO 1994).

O início e término dessas festas podem variar entre as diferentes aldeias, não existindo

entre elas um calendário rígido. Isso dependerá de vários fatores, tais como a disponibilidade

de alimento, falta de conflitos entre as famílias, e engajamento dos mantenedores dos ritos

cerimoniais (pais e mães dos Aruanãs). Apesar desses aspectos que influenciam os rituais da

Dança dos Aruanãs e o Hetohoky, o ápice destes cerimoniais coincide com o período de maior

cheia dos rios da região, sendo assim, o ciclo do rio o fator determinante na ocorrência e

intensidade dessas festividades (Figura 17).

Durante o período da seca, ocorre um esvaziamento populacional das aldeias, pois

nesse período a circulação pelos rios da região é mais intensa, onde os grupos familiares

buscam montar acampamentos nas praias, posicionando-se próximos aos locais de maior

abundância de pescado e nas áreas de desova de quelônios. Com a chegada do período da

cheia, novamente há um adensamento populacional nas aldeias com o retorno das famílias que

estavam ausentes, acampadas nas praias e locais próximos aos lagos. É justamente nesse

período em que há uma maior intensidade das festividades/ rituais da Dança dos Aruanãs e do

Hetohoky. Após o período de maior intensidade das atividades rituais, com o declínio das

águas também paulatinamente ocorre um declínio dos rituais da Dança dos Aruanãs e do

Hetohoky, finalizando um ciclo no período de menor vazante dos rios da região, geralmente

nos meses de junho a agosto. Com a finalização, logo se inicia um novo ciclo de festividades

rituais, mantendo assim a continuidade da relação entre as estações de seca e cheia e os rituais

Karajá/ Javaé.

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Figura 16. Indígena em uma canoa no rio Araguaia. Foto: W.G.Franklim.

70

60

50

40

30

20

10

AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL 0

PRECIPITAÇÃO NÍVEL D’ÁGUA RITUAIS

PORC

ENT A

GEM

GRÁFICO DAS CHUVAS

Figura 17. Gráfico das Chuvas - Precipitação x Nível d’água x Ritual. Retirado de Lima Filho

(1994).

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1.8 Objetivos

1.8.1 Objetivo geral

Ampliar os conhecimentos sobre a biologia reprodutiva, predação natural e

importância social em quelônios com ocorrência na bacia do rio Araguaia.

1.8.2 Objetivos específicos

Apresentar dados relativos à desova (medidas e massa de ovos) e tempo de incubação

em P. expansa e P. unifilis.

Analisar a incidência de irregularidades no padrão dos escudos do casco em P. expansa

e P. unifilis.

Identificar os principais predadores dos ovos, filhotes e exemplares adultos de P.

expansa e P. unifilis.

Avaliar os índices de predação de ninhos e fêmeas em postura em P. expansa e P.

unifilis.

Identificar os principais métodos empregados na captura de quelônios em diferentes

comunidades na bacia do Araguaia.

Avaliar as formas de uso e emprego dos quelônios por essas comunidades.

Avaliar os aspectos simbólicos dos quelônios para a comunidade indígena Javaé

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Capítulo 2 - Observações referentes à desova e incubação em Podocnemis expansa e

Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae)

Resumo

Podocnemis expansa e P. unifilis estão entre os maiores quelônios aquáticos sul-

americanos e apresentam uma ampla distribuição territorial, habitando rios, riachos, lagos e

áreas alagadas na bacia do rio Amazonas e do rio Orinoco. Essas espécies têm sido exploradas

intensamente, por séculos, tendo sua carne, vísceras e ovos utilizados na alimentação e seus

cascos usados como utensílios domésticos e adornos por inúmeras comunidades indígenas e

ribeirinhas e ainda hoje, continuam sendo ilegalmente exploradas em muitas localidades. Este

estudo se propôs a ampliar os conhecimentos da biologia reprodutiva dessas espécies,

apresentando informações sobre a desova e do tempo de incubação das ninhadas. Os dados

foram coletados em 5 praias da margem direita (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba e Bonita)

durante os meses de Agosto a Novembro em 5 estações reprodutivas (1999-2003) no rio

Javaés, na área circunvizinha ao Parque Nacional do Araguaia (Ilha do Bananal) e a Área de

Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, Estado do Tocantins, onde o RAN/ IBAMA (Centro de

Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis) coordena atividades de manejo e proteção dessas espécies. As

principais conclusões são: a estação reprodutiva de P. expansa e P. unifilis ocorre nos períodos

de menor vazão, sendo que para P. unifilis a maior concentração de desovas ocorre em agosto

e para P. expansa em setembro. A duração média da incubação de P. unifilis foi de 79,63 ±

7,64 dias e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias. O número médio de ovos/ cova para P.

unifilis foi de 13,71 ± 3,78 e para P. expansa 106,83 ± 22,35. Os ovos de P. unifilis medem em

média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ± 0,73) cm de largura e têm (26,04 ± 4,23) g de

massa. Os ovos de P. expansa medem em média (4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ±

1,75) cm de largura e têm (39,02 ± 4,31) g de massa. Em P. expansa os ovos de óleo medem

em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura e (54,8 ± 31,7) g de

massa.

Palavras chave: Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, desova, incubação e rio Javaés.

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Abstract

Podocnemis expansa and P. unifilis are among the largest South American aquatic

turtles and they present a wide territorial distribution, inhabiting rivers, streams, lakes and

flooded areas in the basin of the river Amazonas and of the river Orinoco. Those species have

been explored intensely, per centuries, tends your meat, viscus and eggs used in the feeding

and your skulls used as domestic utensils and decorations by countless indigenous and riverine

communities and still today, they continue being explored illegally at a lot of places. This

study intended to enlarge the knowledge of the reproductive biology of those species,

presenting information on the spawning and of the time of incubation of the broods. The data

were collected at 5 beaches of the right margin (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba and

Bonita) during the months of August to November in 5 reproductive stations (1999-2003) in

the river Javaés, in the adjacent area to the Araguaia National Park (Bananal Island) and the

Area of Protection Environmental Bananal/ Cantão, Tocantins state, where RAN / IBAMA

(Center of Conservation and Handling of Reptiles and Amphibians of the Brazilian Institute of

Environment and of the Renewable Natural Resources) it coordinates handling activities and

protection of those species. The mainly conclusions are: In Javaés river, the nesting season

occurs in periods of minor flow of waters, being that to P. unifilis showing higher nesting

activity during August and P. expansa in September. The average incubation time was 79,63 ±

7,64 days to P. unifilis and 55,81 ± 3,12 days to P. expansa. The average number of eggs per

nest was 13,71 ± 3,78 to P. unifilis and 106,83 ± 22,35 to P. expansa. The eggs of P. unifilis

presented an average size of (4,43 ± 1,31) cm of length, (3,08 ± 0,73) cm of width and (26,04

± 4,23) g of mass. The eggs of P. expansa presented an average size (4,23 ± 2,33) cm of

length, (3,92 ± 1,75) cm of width and (39,02 ± 4,31) g of mass. In P. expansa oil eggs

measured on average size (4,98 ± 2,17) cm of length, (4,42 ± 2,01) cm of width (54,8 ± 31,7)

g of mass.

Key words: Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, nesting, incubation, Javaés river.

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Introdução

Podocnemis expansa (Schweigger 1812) e Podocnemis unifilis (Troschel 1848) estão

entre os maiores quelônios aquáticos sul-americanos (PRITCHARD & TREBBAU 1989).

Apresentam uma ampla distribuição territorial (IVERSON 1992) e habitam rios, riachos, lagos

e áreas alagadas na bacia do Amazonas e do Orinoco (PRITCHARD 1979).

A atividade reprodutiva de ambas espécies ocorre durante a estação seca, quando os

rios alcançam sua menor vazão (ALHO & PÁDUA 1982b, PÁDUA & ALHO 1984, SOUZA

& VOGT 1994), desovando em bancos de areia. P. unifilis também desova em outras áreas,

como barrancos do rio e em áreas próximas à vegetação (FOOTE 1978, NASCIMENTO

2002). As fêmeas de P. expansa desovam, principalmente, em praias arenosas em grandes

grupos (VANZOLINI 1967, ALHO & PÁDUA 1982a), P. unifilis desova solitariamente,

ocorrendo deste modo uma dispersão maior das covas em relação à P. expansa (FOOTE 1978,

FERREIRA Jr. & CASTRO 2004).

Essas espécies tiveram uma enorme importância econômica durante o período de

colonização da Amazônia, principalmente entre os séculos XVIII e XIX, quando milhares de

animais foram capturados para servir de alimento, dos seus ovos e gordura preparava-se um

azeite para ser utilizado na iluminação de lamparinas e os seus cascos eram usados como

utensílios domésticos ou adornos (BATES 1892, PEREIRA 1954, VIANNA 1973,

KLEMENS & THORBJARNARSON 1995), e ainda hoje, continuam sendo exploradas

ilegalmente em muitas áreas da Amazônia (SMITH 1979, JOHNS 1987, FERREIRA Jr.

2003).

A pressão contínua imposta às populações desses quelônios através do comércio ilegal

para manutenção dos mercados clandestinos da carne, gordura e ovos tem colocado P.

expansa como espécie ameaçada, e P. unifilis como vulnerável no Apêndice II da CITES

(Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em

Perigo de Extinção) (FERRI 2002).

Como agravante dessa situação, soma-se a escassez de informações sobre a biologia

reprodutiva dessas espécies. Informações que são imprescindíveis para a conservação desses

animais (PRITCHARD & TREBBAU 1989, FERRI 2002).

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63

Figura 1. Exemplares jovens de P. unifilis (esquerda) e P. expansa. Foto: G. Jafet.

Objetivos

Ampliar os conhecimentos sobre a biologia reprodutiva de P. expansa e P. unifilis,

apresentando dados morfométricos das ninhadas (medidas e massa dos ovos) e do tempo de

incubação.

Material e métodos

Esta pesquisa foi realizada na área do Projeto Quelônios da Amazônia, que é

coordenado pelo RAN (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios), órgão

vinculado ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis) no rio Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia (Ilha do Bananal) e da

Área de Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, localizada entre os paralelos 9º50’ S e 11º10’ S

e os meridianos 49º56’ W e 50º30’W (Figura 2).

Os dados foram coletados em 5 praias da margem direita do rio Javaés (Canguçu,

Comprida, Coco, Goiaba e Bonita) durante os meses de agosto a novembro em 5 estações

reprodutivas (1999-2003).

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Praia Comprida

Praia Jaburu

Praia Canguçu

Praia Muric i

Rio Javaés

Praia Goiaba

Furo do Cocal

6005968896

9000

9004

500 0 2000 m500

Recanto das tartarugas

Praia Alta

Praia Marreca

9008

9 55'O

50 10'O 50 05'O10 00'O

Praia Bonita

N

Tocantins

Rio

Ara

guai

a

Palmas

Rio

Toc

anti n

s

Rio

Jav

aés

Ilha do Bananal

Rioz

inho

Praia Nova

Rio Javaés

Figura 2. Localização da área de estudo.

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No final do mês de setembro, as praias apresentam bancos de areia com altitude média

de 2,5 metros e as suas dimensões aproximadas correspondem a 700 x 250 metros para a praia

Goiaba e 4000 x 600 metros para a praia Canguçu, que são para a margem direita, a menor e

maior praia, respectivamente. Essas dimensões variam anualmente, dependendo da vazão do

rio Javaés e da deposição de areia nas praias.

As praias foram monitoradas diariamente durante os períodos da manhã e tarde (entre

7:00h e 18:00h), onde foram identificados os ninhos seguindo-se o rastro deixado pelas

fêmeas. Os ninhos de P. unifilis por serem pouco profundos (15-30 cm) receberam uma

cobertura metálica para proteção contra predadores, principalmente aves e lagartos (Figura 3).

Alguns ninhos, no primeiro dia após a desova, foram abertos para a tomada de medidas

e pesagem dos ovos (Figura 4). Os ovos foram retirados manualmente e marcados à lápis na

sua porção superior, tomando-se o cuidado para não girá-los. Para que dessa forma um

mínimo de interferência fosse causado ao desenvolvimento embrionário (MALLMANN

1994). Os ovos foram medidos com paquímetro de precisão de 0,01cm e pesados em balança

eletrônica de precisão de 0,1g (Figura 5).

Figura 3. Ninho de P. unifilis com proteção.

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Figura 4. Contagem de ovos em cova de P. expansa.

CO

LO

P. expansa

CO

LO

P. unifilis

Figura 5. Medidas utilizadas: CO - comprimento do ovo, LO – largura do ovo.

Os ninhos em que ocorreu o manuseio dos ovos ou naqueles parcialmente predados

durante a incubação, não foram considerados para o cálculo do tempo de incubação. Dessa

forma só foi considerado o tempo de incubação de ninhos naturais que não sofreram

interferência, quer seja humana ou por predação animal.

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Resultados

No rio Javaés, a estação reprodutiva ocorre nos períodos de menor vazão, sendo que

para P. unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de desovas ocorrendo em

agosto e para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior concentração em

setembro. A eclosão das ninhadas inicia em meados de outubro e se estende até dezembro. O

nível da água do rio Javaés começa a subir, geralmente no início de novembro como resultado

do aumento do índice pluviométrico.

Durante as 5 estações reprodutivas (1999-2003) foram avaliadas 219 covas de P.

expansa que continham 23388 ovos e 213 covas de P. unifilis com 2932 ovos. Verificando-se

a média de 106,83 ± 22,35 e 13,71 ± 3,78 ovos/ cova, respectivamente para P. expansa e P.

unifilis (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1. Dados de covas avaliadas em P. expansa.

Ano Covas Nº total de ovos Ovos/ cova Limites Desvio Padrão

1999 20 1893 94,65 35-136 22,67

2000 98 10693 109,11 69-160 19,53

2001 56 6050 108,03 66-166 24,77

2002 37 3793 102,51 35-152 22,70

2003 8 959 119,87 90-142 17,07

Total 219 23388 106,83 35-166 22,35

Tabela 2. Dados de covas avaliadas em P. unifilis.

Ano Covas Nº total de ovos Ovos/ cova Limites Desvio Padrão

1999 22 292 13,27 7-30 4,83

2000 65 909 13,98 5-28 4,12

2001 62 781 13,23 7-22 3,18

2002 27 362 13,41 6-22 3,83

2003 37 588 14,68 8-21 3,11

Total 213 2932 13,71 5-30 3,78

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Para a massa de 120 ninhadas em P. expansa obteve-se a média de 4176,8 g ± 1033

(limites de 1781,2-6401,4). De 12789 ovos, a média do comprimento de 4,23 cm ± 2,33

(limites de 3,76-4,34), largura de 3,92 cm ± 1,75 (limites de 3,65-4,01) e massa de 39,02 g ±

4,31 (limites de 35,21-40,30) (Tabela 3).

Tabela 3. Dados das ninhadas em P. expansa.

Ano Covas Ovos Massa da ninhada (g) Diâmetro médio

do ovo* (cm)

Massa média

do ovo* (g)

1999 10 923 3868,1 (1402,2-5412,1) 4,21 x 3,96 39,29

2000 9 1064 4350,6 (2171,3-6317) 4,23 x 3,99 39,50

2001 56 6050 4202,4 (1781,2-6401,4) 4,33 x 3,89 38,78

2002 37 3793 4550,3 (2201,4-6208,5) 4,14 x 4,01 35,05

2003 8 959 3752,7 (3022,3-4478,2) 4,13 x 3,93 40,09

Média - - 4176,8 (1781,2-6401,4) 4,23 x 3,92 39,02

* Não estão incluídos os dados referentes aos ovos de óleo

Verificou-se que das 120 covas avaliadas de P. expansa, 92 (76,66%) possuíam ovos

de óleo. Do total de 12789 ovos avaliados, 195 (1,52%) eram ovos de óleo, numa média de

1,62 ovos de óleo/ cova ± 7,75 (limites de 0-15) (Tabela 4).

Para os ovos de óleo obteve-se média do comprimento de 4,98 cm ± 2,17 (limites de

3,24-5,64), largura de 4,42 cm ± 2,01 (limites de 3,09-4,73) e massa de 54,8 g ± 31,7 (limites

de 17,0-73,7) (Tabela 4).

Para a massa de 110 ninhadas em P. unifilis obteve-se a média de 327,4 g ± 337,2

(limites de 163,6-668,2). De 1618 ovos, média de comprimento de 4,43 cm ± 1,31 (limites de

4,00-4,71), largura de 3,08 cm ± 0,73 (limites de 2,81-3,25) e massa de 26,04 g ± 4,23 (limites

de 22,1-28,9) (Tabela 5).

O tempo de incubação de P. unifilis apresentou média de 79,63 ± 7,64 dias (limites de

63–93) e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias (limites de 45–66) (Tabelas 6 e 7).

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Tabela 4. Dados dos ovos de óleo das ninhadas em P. expansa.

Ano Covas Ovos Ovos de óleo Ovos de

óleo/ cova

Diâmetro médio

do ovo (cm)

Massa média

do ovo (g)

1999 10 (4*) 923 4 (0,43%) 0,4 (0-1) 5,08 x 3,57 44,75

2000 9 (1*) 1064 6 (0,56%) 0,66 (0-6) 4,91 x 4,52 53,83

2001 56 (48*) 6050 82 (1,35%) 1,46 (0-8) 5,18 x 4,71 62,52

2002 37 (32*) 3793 74 (1,95%) 2 (0-6) 5,32 x 4,09 54,61

2003 8 (7*) 959 29 (3,02%) 3,62 (0-15) 4,97 x 3,85 48,32

Média - - (1,52%) 1,62 (0-15) 4,98 x 4,42 54,84

* Covas com ovos de óleo

Tabela 5. Dados das ninhadas em P. unifilis.

Ano Covas Ovos Massa da ninhada (g) Diâmetro médio

do ovo (cm)

Massa média

do ovo (g)

1999 17 232 340,1 (184,0-605,5) 4,56 x 2,99 24,63

2000 8 139 463,2 (296,0-668,2) 4,68 x 3,03 26,74

2001 21 297 355,3 (251,0-523,3) 4,62 x 3,16 28,5

2002 27 362 383,1 (234,5-585,6) 4,41 x 2,92 25,75

2003 37 588 347,2 (163,6-573,1) 4,05 x 3,13 24,06

Media - - 327,4 (163,6-668,2) 4,43 x 3,08 26,04

Tabela 6. Dados do tempo de incubação de ninhadas de P. expansa.

Ano Covas Tempo médio de incubação Limites Desvio Padrão

1999 10 55,2 51-60 2,89

2000 60 54,08 45-61 3,41

2001 14 58 53-64 3,48

2002 31 56,19 49-66 4,67

2003 15 55,62 52-61 2,72

Total 130 - 45-66 -

Média - 55,81 - 3,12

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Tabela 7. Dados do tempo de incubação de ninhadas de P. unifilis.

Ano Covas Tempo médio de incubação Limites Desvio Padrão

1999 5 78,0 75-82 3,67

2000 36 79,41 74-93 5,18

2001 41 80,28 68-93 6,20

2002 9 81,33 75-93 7,15

2003 35 79,15 63-92 7,56

Total 126 - 63-93 -

Média - 79,63 - 7,64

Discussão

Período de desova

O ciclo de vida do gênero Podocnemis é marcado por uma forte relação com o ciclo

das águas dos rios da Amazônia (PRITCHARD 1979, PRITCHARD & TREBBAU 1984,

NASCIMENTO 2002). Durante o período de cheia, as espécies (P. expansa e P. unifilis)

ocupam lugares isolados ao longo dos rios, como lagos marginais, pequenos igarapés e áreas

alagadas (NASCIMENTO 2002, ALHO et al. 1979). O processo de desova desses quelônios

envolve várias fases distintas e é extremamente estereotipado (MOLINA 1992). Segundo

Molina & Rocha (1996) o período de desova de P. expansa e P. unifilis varia localmente na

sua ampla área de distribuição, conforme podemos observar nas Tabelas 8 e 9.

Há uma sincronização entre a vazante dos rios e o comportamento de nidificação de P.

expansa e P. unifilis (ALHO & PÁDUA 1982b; PADUA & ALHO 1982, 1984;

NASCIMENTO 2002). O comportamento de nidificação só começa quando o nível da água se

estabiliza em seu ponto mais baixo (ALHO & PÁDUA 1982a). Esse período de menor vazão

está relacionado com um baixo índice pluviométrico e um conseqüente aumento da

temperatura média diária do ar.

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Tabela 8. Períodos de desova descritos para P. expansa em sua distribuição.

Rio¹ Latitude² Período de desova Referências

Orinoco (Ve) 3º-8ºN Fev – abril Mosqueira Manso (1960) e Ojasti

(1971)

Capanaparo (Ve) ~7º N Março Thorbjarnarson et al. (1993)

Caquetá (Co) ~0º Out - dezembro Castro (1999)

Araguari (AP) (Br) ~1ºN Novembro IBDF (1978)

Branco (RR) (Br) 0º-1º N Nov – dezembro Nascimento (2002)

Madeira (RO) (Br) 8º-9º S Set - novembro IBDF (1978)

Guaporé (RO) (Br) 11º-12º S Ago – outubro Soares (2000)

Trombetas (PA) (Br) ~ 1º S

Out – dezembro Valle et al. (1973) e Alho et al.

(1985)

Amazonas (PA) (Br) 1º-3º S Out - novembro IBDF (1978)

Xingu (PA) (Br) 2º-3º S Out – novembro IBDF (1978)

Tocantins (PA) (Br) 2º-4º S Out - novembro IBDF (1978)

Tapajós (PA) (Br) ~4º S Out – janeiro Valle et al. (1973) e Vanzolini

(1977)

Negro (AM) (Br) 0º-1º S Out - dezembro Vanzolini (1977) e IBDF (1978)

Solimões (AM) (Br) ~2º S Set - novembro IBDF (1978)

Uatumã (AM) (Br) 2º-3º S Out - novembro IBDF (1978)

Juruá (AM) (Br) 5º-7º S Set – novembro IBDF (1978)

Purus (AM) (Br) 5º-7º S Ago – outubro Vanzolini (1977) e IBDF (1978)

Araguaia (PA-TO) (Br) 5º-6º S Set - outubro IBDF (1978)

Araguaia (MT-GO) (Br) ~12º S Set - outubro Ferreira Jr. (2003)

Crixás-açu (GO) (Br) ~12º S Ago – outubro Ferreira Jr. (2003)

Javaés (TO) (Br) ~9º S Ago – outubro Este estudo

¹Ve: Venezuela; Co: Colômbia; Br: Brasil.

²As latitudes são estimadas obtidas de mapas.

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O ano na Ilha do Bananal pode ser dividido pelos períodos da seca e da chuva, o

primeiro estende-se, geralmente, de junho a novembro, tendo seu ápice nos meses de agosto e

setembro, e o outro, de dezembro a maio, com ápice nos meses de janeiro e fevereiro, época

das cheias no rio Araguaia (IBDF & FBCN 1981, MMA/ IBAMA 2001).

A estação reprodutiva ocorre nos períodos de menor vazão do rio Javaés. Para P.

unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de desovas ocorrendo em agosto e

para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior concentração em setembro. Tal

informação é corroborada por Malvasio (2001) e Malvasio et al. (2002).

Tabela 9. Períodos de desova descritos para P. unifilis em sua distribuição.

Rio¹ Latitude² Período de desova Referências

Capanaparo (Ve) 7º N Jan - fevereiro Thorbjarnarson et al. (1993)

Putumayo (Co) ~2º S Jul - novembro Foote (1978)

Branco (RR) (Br) 0º-1º N Dez – janeiro Nascimento (2002)

Trombetas (PA) (Br) ~ 1º S Set – novembro Vanzolini (1977) e Haller (2002)

Guaporé (RO) (Br) 11º-12º S Julho Souza & Vogt (1994)

Negro (AM) (Br) 0º-1º S Dezembro

Purus (AM) (Br) 5º-7º S Jun – julho

Vanzolini (1977)

Javaés (TO) (Br) ~9º S Jul – setembro Este estudo

¹Ve: Venezuela; Co: Colômbia; Br: Brasil.

²As latitudes são estimadas obtidas de mapas.

O ciclo hidrológico dos rios depende, em parte, da sua localização geográfica. O que

explica a variação no período reprodutivo dessas espécies ao longo dos tributários e bacias

hidrográficas, sempre coincidindo com os períodos de baixos índices pluviométricos e menor

vazão nessas localidades.

Tamanho da ninhada

As fêmeas de quelônios depositam os ovos com número muito variável em função da

espécie, podendo oscilar em média, entre 4 ou 5 até mais de 100. O número, forma e dimensão

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dos ovos variam de acordo com as espécies e tamanho das fêmeas (FERRI 2002). O

desenvolvimento embrionário também varia em função da espécie, podendo levar em torno de

28 até 420 dias (POUGH et al. 1993).

Segundo Ernst & Barbour (1989) entre as diversas espécies de quelônios aquáticos

com ocorrência na bacia Amazônica existe uma grande diferença no tamanho das ninhadas.

Uma espécie pequena como Rhinoclemmys punctularia (aperema) põe apenas 1 ou 2 ovos por

postura, enquanto que as espécies de médio porte, Phrynops gibbus (cágado), Chelus

fimbriatus (matá-matá) e P. unifilis podem apresentar ninhadas com cerca de 25 ovos e, a

maior espécie sul-americana, P. expansa, pode ultrapassar 100 ovos por postura.

Tabela 10. Registros da reprodução de P. expansa compilados de literatura avaliada.

Rio¹ Latitude² Tamanho da

ninhada

Tempo de

incubação

Referências

82-86 - Roze (1964) Orinoco (Ve)

3º-8ºN

(48-132) 45 Ojasti (1971)

104,9 67,2 Hildebrand et al. (1988)

- 62,5 (54-69) Valenzuela et al. (1997)

100 (50-184) - Castro (1999)

Caquetá (Co) ~0º

103,1 (50-184) - Valenzuela (2001)

120 (45-60) Nascimento (2002) Branco (RR) (Br) 0º-1º N

99 60,2 (56-65) IBDF (1978)

75 (56-136) 45 Vale et al. (1973) Trombetas (PA) (Br) ~ 1º S

91,5 (63-134) 48 (45-55) Pádua e Alho (1982) e

Alho & Pádua (1982a)

Juruá (AM) (Br) 5º-7º S 117 61,2 (56-65) IBDF (1978)

Guaporé (RO) (Br) 11º-12º S 105 59 Soares (1995, 1996)

Javaés (TO) (Br) ~9º S 106,83 55,81 (45-66) Este estudo

¹Ve: Venezuela; Co: Colômbia; Br: Brasil.

²As latitudes são estimadas obtidas de mapas.

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Páez (1995) afirma que o tamanho dos quelônios pode ser afetado por fatores

ambientais, tais como a qualidade do habitat e dieta. Assim como também, a variação do

tamanho entre quelônios adultos é determinada pelas diferenças nas taxas de crescimento dos

juvenis e no tamanho das fêmeas quando da primeira desova, pois animais que começam a

reproduzir com tamanhos pequenos continuam relativamente pequenos em sua vida

reprodutiva.

Tabela 11. Registros da reprodução de P. unifilis compilados de literatura avaliada.

Rio¹ Latitude² Tamanho da

ninhada

Tempo de

incubação

Referências

Orinoco (Ve) 3º-8º N 24,7 (22-28) - Mondolfi (1955)

Cinaruco (Ve) ~7º N 24,4 (19-35) - Pritchard & Trebbau (1984)

Capanaparo (Ve) ~7º N 23,3 (14-31) 62,8 (60-69) Thorbjarnarson et al. (1993)

Nichare-Tawadu(Ve) ~7º N 20,1 (7-35) - Escalona & Fa (1998)

22,4 (18-25) (75-90) Medem (1964, 1969) Caquetá (Co) ~0º

26,8 (13-44) (67-83) Paéz (1995)

Putumayo (Co) ~2º S 27,3 (22-41) - Foote (1978)

Samiria (Pe) ~4º S 31,3 (22-43) 66,5 (51-79) Teran (1993)

Pacaya (Pe) ~4º S 30,3 (14-49) 64 Soini (1980)

Macuya (Pe) ~4º S 21 (16-29) - Ponce (1979)

23 - Valle et al. (1973) Trombetas (PA) (Br)

~1º S

19,8 (12-27) - Haller (2002)

Amazonas (PA) (Br) 1º-3º S 24,4 (16-33) - Vanzolini (1977)

Juruá (AM) (Br) 5º-7º S 27,4 60,3 (59-61) IBDF (1978)

~12º S 24,9 (16-34) - Teran (1993)

11º-12º S 23,7 - Souza & Vogt (1994)

Guaporé (RO) (Br)

11º-12º S 19 73 Soares (1995, 1996)

Javaés (TO) (Br) ~9º S 13,71 (5-30) 79,63 (63-93) Este estudo

¹Ve: Venezuela; Co: Colômbia; Pe: Peru; Br: Brasil.

²As latitudes são estimadas obtidas de mapas.

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Diversos estudos apontam que o tamanho que a fêmea inicia sua maturidade é

importante, dado que em muitas espécies, a fecundidade aumenta com o aumento do tamanho

da fêmea (CONGDON & GIBBONS 1985, 1987, 1990; IVERSON 1977).

Iverson et al. (1993) têm apresentado que o tamanho da ninhada de quelônios pode

mostrar uma relação com a latitude. Vanzolini (1997) afirma que dentro do gênero Trachemys,

que possui uma ampla distribuição geográfica, ocorrendo nas Américas do Norte, Central e do

Sul, apresenta nos parâmetros reprodutivos, tamanho da ninhada, dimensões e massa do ovo,

variação segundo a latitude, com valores decrescendo com o aumento da latitude.

Segundo Souza & Abe (2001) espécies de quelônios amplamente distribuídos são

adequadas para estudos dos efeitos da latitude nos parâmetros reprodutivos.

Haller (2002) ao comparar as diferenças existentes entre o número de ovos por postura

e a média dos ovos em P. unifilis de diferentes localidades do Brasil, Venezuela, Colômbia e

Peru com os registrados em seu estudo realizado no rio Trombetas (Pará) conclui que não

parece existir uma variável geográfica que explique facilmente tais diferenças.

Diversos autores apresentam valores diversos para o número de ovos por postura em P.

unifilis. Mittermeier (1978) indica de 15 a 41 ovos, Ferri (2002) indica de 15 a 40 ovos, Ernst

& Barbour (1989) de 15 a 25 ovos, para IBAMA (1989b) de 8 a 32 ovos e IBAMA (1989a)

média de 20 ovos.

Para P. expansa, Mittermeier (1978) indica de 50 a 150 ovos, IBAMA (1989a, 1989b)

apresentam média de 100 ovos por ninho, com limites de 40 a 160. Ernst & Barbour (1989)

apresenta de 63 a 136 ovos por ninhada.

Os valores apresentados para as ninhadas de P. expansa (106,83 ovos) apresentam-se

semelhantes aos registrados para a espécie em outras localidades. Enquanto que para P.

unifilis registrou-se o menor valor médio para as ninhadas (13,71 ovos) (Tabelas 10 e 11).

Não parece haver uma correlação entre o tamanho das ninhadas de P. expansa e P.

unifilis com a latitude. Possivelmente outras variáveis ambientais e ecológicas devem estar

diretamente relacionadas ao número de ovos por postura, como por exemplo: diferentes dietas

entre as populações, fatores climáticos e diferenças genéticas.

Estudos que enfoquem as diferenças entre as populações de quelônios nas suas diversas

áreas de ocorrência devem ser realizados para elucidar diversos aspectos de sua biologia

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reprodutiva, o que pode auxiliar as iniciativas conservacionistas desenvolvidas pelos órgãos

governamentais e contribuir também para os criatórios comerciais.

Tempo de Incubação

A temperatura das covas de quelônios afeta a taxa de desenvolvimento embrionário e,

temperaturas excessivamente altas ou baixas podem ser letais (POUGH et al. 1993). Segundo

Yntema (1978) o período de incubação é inversamente proporcional à temperatura de

incubação dos ovos.

Entre os quelônios da sub-ordem Pleurodira, P. expansa e P. unifilis possuem os

períodos de incubação mais curtos. Muitos chelídeos (cágados e matá-matá) possuem longos

períodos. Uma relação entre o período de incubação pode ser relacionado à forma da casca do

ovo, somente espécies com ovos de casca rígida têm longos períodos de incubação (superiores

à 120 dias nos ninhos) (EWERT 1979). Esse fato também é corroborado por Pough et al.

(1993) ao afirmarem que, em geral, os ovos com casca mole desenvolvem-se mais

rapidamente que os ovos de casca rígida.

O tempo de incubação apresenta uma forte relação com a umidade do substrato,

apresentando-se maior nas covas úmidas que nas covas mais secas (PACKARD et al. 1991).

Segundo Castro (1999) as populações de P. expansa na sua ampla área de

distribuição, parecem diferenciar em muitos aspectos biológicos, tais como tempo de

incubação das ninhadas e tamanho das fêmeas. A autora sugere que as diferenças biológicas

entre essas populações são ao menos, em parte, resultado de adaptações genéticas às condições

locais.

Valenzuela et al. (1997) apresentam que o tempo de incubação das covas de P.

expansa no rio Caquetá (Colômbia) é maior (62,5 dias) do que o informado por Alho et al.

(1985) para as populações do rio Trombetas (Brasil), que é de 47 dias. Sugerindo que essa

diferença entre os dados apresentados para a Colômbia e Brasil pode ser atribuída às

diferenças climáticas entre as regiões ou a diferenciação entre populações de bacias

hidrográficas distintas.

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Em espécies com ampla distribuição geográfica, a plasticidade do comportamento

materno pode compensar diferenças climáticas através da escolha de sítios com características

distintas ou pela desova em época mais quente ou fria (VOGT & FLORES-VILLELA 1986).

Para o tempo de incubação das ninhadas de P. expansa, Pritchard & Trebbau (1984) dá

média de 45 dias e Ernst & Barbour (1989) 50 dias, Mittermeier (1978) de 45 a 50 dias e

IBAMA (1989a, 1989b) de 45 a 60 dias.

Os valores apresentados para tempo de incubação das ninhadas de P. expansa no rio

Javaés são próximos aos apresentados pela espécie em outras localidades (Tabela 10).

O menor valor apresentado para o tempo médio da incubação dos ovos de P. unifilis é

de 47 dias (IBAMA 1989a, 1989b). Para todas as demais localidades registradas, o tempo de

incubação médio excede 60 dias (Tabela 11).

O tempo de incubação das ninhadas de P. unifilis que é maior no rio Javaés que nas

outras diversas localidades, pode ser resultado da variação das condições climáticas nessas

áreas, assim como também da diversidade das características físicas das áreas escolhidas para

nidificação.

Os ninhos de P. unifilis são mais rasos (20 cm de profundidade) do que os de P.

expansa (80c m de profundidade) (IBAMA 1989b), o que, possivelmente, pode torná-los mais

suscetíveis às variações de temperatura e umidade. Dessa forma, as ninhadas de P. unifilis

estariam mais sujeitas às oscilações no tempo de incubação.

Ovos

Gibbons & Tinkle (1969) realizaram um trabalho com três diferentes populações de

Chrysemys picta (quelônio de água doce) no Estado de Michigan (Estados Unidos) e

observaram uma significativa diferença entre o tamanho dos exemplares e de suas ninhadas.

Os autores acreditam que as diferenças extremas verificadas nas dietas entre as três

populações podem ser responsáveis pelas diferenças no tamanho corporal. Sugerindo que as

diferentes dietas como sendo a causa primária das diferenças nas taxas de crescimento, dessa

forma podendo ser responsáveis pelas diferenças na reprodução.

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Outros autores concordam que entre populações de quelônios de diferentes regiões há

variação no número de ovos por postura (TINKLE 1961, GIBBONS 1970, IVERSON 1977) e

no tamanho dos ovos (CAGLE 1950, MOLL & LEGLER 1971).

Iverson et al. (1993) apresentou que para quelônios de água doce do hemisfério norte

há uma relação positiva entre a latitude e o tamanho da ninhadas e uma relação negativa entre

a latitude e o tamanho do ovo. Congdon & Gibbons (1990) apontam que o número de ovos por

postura, em geral, está positivamente relacionado com o tamanho corporal das fêmeas.

Segundo Gibbons & Tinkle (1969) há uma necessidade de ampliar informações acerca

de fatores que afetam taxas de crescimento, tamanho dos animais e aspectos reprodutivos nas

diferentes populações de quelônios.

Vanzolini (1977) observou correlação positiva entre o volume médio dos ovos de P.

unifilis e o número de ovos por postura. Haller (2002) constatou correlação positiva entre o

comprimento da carapaça da fêmea e o número de ovos por postura, massa e volume médio

dos ovos em Podocnemis sextuberculata (iaçá).

Tabela 12. Registros das ninhadas de P. expansa compilados de literatura avaliada.

Massa da ninhada

(g)

Diâmetro médio

dos ovos (cm)

Massa média do

ovo (g)

Referências

- 42,0 - Mosqueira Manso (1960)

- 4,45-3,65 x 4,85-

4,55 34,35-44,30 Medem (1969)

- 4,0 x 4,6 40 Ojasti (1971)

- 4,05 x 3,83 - Vale et al. (1973)

3,65-4,30 44-48 Ewert (1979)

3673 (3189-4112) 3,91 (3,2-5,4) 32,6 (18-52) Alho & Pádua (1982a)

- 4,20 x 3,95 - Pritchard & Trebbau (1984)

- 3,2 x 5,4 - Ernst & Barbour (1989)

- - 41,8 (24,9-51,9) Valenzuela (2001)

4176,8 (1781,2-6401,4) 4,23 x 3,92 39,0 (35,2-40,3) Este estudo

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79

Também foi observada correlação positiva entre o número de ovos por postura e o

tamanho da fêmea, em P. expansa (ALHO & PADUA 1982a), P. unifilis (Vanzolini 1977,

SOINI 1980) e Phrynops geoffroanus (cágado) (MOLINA 1990).

As medidas e massa dos ovos de P. expansa e P. unifilis apresentam-se semelhantes ao

registrado para as espécies em suas diversas áreas de ocorrência (Tabelas 12 e 13).

Tabela 13. Registros das ninhadas de P. unifilis compilados de literatura avaliada.

Massa da ninhada

(g)

Diâmetro dos ovos

(cm)

Massa dos ovos

(g)

Referências

- 4,10-2,85 x 5,10-3,35 15-31 Medem (1969)

- 3,53-2,50 x 50,2-3,35 - Soini (1980)

630,7 (311,1-908,0) 4,6 x 3,1 26,5 (22,2-31,8) Thorbjarnarson et al. (1993)

- 4,48 x 3,15 27,5 (14-35) Teran (1993)

- 4,59 x 3,03 - Pritchard & Trebbau (1984)

- 4,1-5,3 x 2,5-3,7 - Ernst & Barbour (1989)

- 3,83 x 3,04 20,9 Thorbjarnarson & Silveira

(1996)

482,0 (257,4-712,4) 4,40 x 2,90 22,5 (15,0-30,0) Haller (2002)

327,4 (163,6-668,2) 4,43 x 3,08 26,04 (22,1-28,9) Este estudo

Ovos de óleo

Segundo Valle et al. (1973) algumas posturas de P. expansa apresentam até 5 ovos

com diâmetro superior a 5,0 cm, sem embrião, que permanecem na cova por período superior

a 60 dias, sem alteração de seu conteúdo. Os residentes na área do rio Trombetas se alimentam

também desses ovos, após esse espaço de tempo.

Segundo Alho et al. (1979) em cada postura há cerca de 1-4, normalmente 1-2 ovos

diferentes, denominados por ovos de óleo. Sua função é desconhecida. Após a eclosão

permanecem intactos. Especula-se que, em estações muito quentes, esses ovos se rompem

lubrificando os demais, mantendo a umidade do ninho. Alho & Pádua (1982a) apontam em

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cada cova de P. expansa 1 ou 2 ovos maiores (diâmetro ± 54,0 mm e peso de ± 52 g), e esses

ovos nunca eclodem.

No presente estudo foram encontrados em média 1,62 ovos de óleo/ cova. Estes

apresentavam formato alongado ou esférico e, geralmente, eram de tamanho e massa

superiores aos demais ovos. Algumas vezes foram verificados ovos de óleo de tamanho e

massa muito reduzidos em relação aos ovos normais (Tabela 14) (Figura 6).

A população ribeirinha do rio Javaés e entorno da Ilha do Bananal acredita que os ovos

de óleo são uma providência da fêmea para os filhotes, que se alimentariam de seu conteúdo

nutritivo logo após a eclosão ou, então, estes ovos favoreceriam as condições de umidade do

ninho.

A primeira consideração parece improvável, já que os filhotes recém-eclodidos

possuem uma reserva de vitelo, que os livra da necessidade de alimentação durante os

primeiros dias após a eclosão. A segunda hipótese apesar de mais plausível, necessita ser

confirmada.

Outro aspecto importante com relação aos ovos de óleo, é que estes não são

consumidos pelas populações (pescadores, ribeirinhos e indígenas) de entorno da Ilha do

Bananal, que costumeiramente coletam ovos nas praias dos rios da região.

Foote (1978) registrou um ovo de P. unifilis excepcionalmente grande, com diâmetro

de 52,4 x 37,8 mm e pesando 44,5 g.

Molina (1998) analisou 890 ovos de 66 posturas de P. geoffroanus e registrou alguns

ovos com padrão morfológico diferenciado. Em uma postura com total de 18 ovos, dois

possuíam formato e dimensões bastante avantajados. Um era oblongo, com 24,6 g de massa e

4,09 cm de comprimento, enquanto o outro era alongado e afilado em sua altura média, com

23,8 g de massa e 4,54 cm de comprimento. Em outra postura com total de 12 ovos, observou-

se um pequeno ovo arredondado, medindo 1,04 cm de comprimento e 0,92 cm de largura, com

massa de 0,5 g, apresentando calcificação imperfeita.

Nesse estudo não foram registrados ovos de P. unifilis com tamanhos e massas que se

destacassem por serem desproporcionalmente maiores do que os demais ovos.

Segundo Ernst & Barbour (1989) as ninhadas da espécie marinha, Dermochelys

coriacea (tartaruga-de-couro) apresentam de 50 a 170 ovos, mas uma grande porcentagem é

de ovos sem vitelo (yolkless). Os ovos normais são esféricos e têm de 49-50 mm de diâmetro.

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Os ovos anormais (yolkless) podem ser elípticos, pequenos e esféricos; eles têm 15-45 mm em

seu diâmetro.

Hirt (1980) observou a presença de ovos anormais (geralmente pequenos e de formatos

variados) nas desovas de quelônios marinhos e apresentou a hipótese de serem ovos de

sacrifício, para saciarem predadores terrestres das ninhadas, pois se situam em camadas mais

superficiais do ninho.

Krause et al. (1982) observou desovas de Trachemys dorbignyi (tigre d’água) na

Estação Ecológica do Taim (Rio Grande do Sul), encontrando ovos inviáveis e/ ou estéreis em

camadas inferiores e superiores do ninho. Sugerindo que tais ovos têm a função de conservar o

microclima do ninho.

Figura 6. Ovos de óleo de P.expansa.

Molina (1995) e Molina & Gomes (1998) observaram que 14,5 % de 620 desovas de T.

dorbignyi avaliadas apresentavam ovos, em sua maioria, de volume reduzido e com variações

morfológicas. As formas mais comumente observadas foram a arredondada, a oval e

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semelhante a um pino de boliche. Molina (1995) ao considerar que quase a totalidade dos ovos

anormais apresentava um volume extremamente reduzido, contesta as hipóteses de Hirt (1980)

e de Krause et al. (1982).

A elucidação da importância dos ovos de óleo nas ninhadas de P. expansa se apresenta

como um aspecto interessante e poderá contribuir na ampliação dos conhecimentos ligados a

biologia reprodutiva dessa espécie e conseqüentemente no direcionamento dos esforços

conservacionistas coordenados pelo RAN/ IBAMA.

Tabela 14. Registros dos ovos de óleo de P. expansa compilados de literatura avaliada.

Diâmetro (cm) Massa (g) Referências

5,10 x 4,88 - Pritchard & Trebbau (1984)

5,5 x 4,8 -

5,3 x 4,8 -

5,1 x 4,7 -

5,5 x 5,1 -

Mosqueira Manso (1960)

> 5,0 - Valle et al. (1973)

8,32 x 5,1 110

8,27 x 5,67 129

Soini (1980)

± 5,4 ± 52 Alho & Pádua (1982a)

4,98 x 4,42 54,84 Este estudo

Conclusões

No rio Javaés, a estação reprodutiva ocorre nos períodos de menor vazão, sendo que

para P. unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de desovas ocorrendo em

agosto e para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior concentração em

setembro.

A duração média da incubação de P. unifilis em 5 estações reprodutivas no rio Javaés

foi de 79,63 ± 7,64 dias (limites de 63–93) e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias (limites de

45–66).

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O número médio de ovos/ cova para P. unifilis foi de 13,71 ± 3,78 (limites de 5–30) e

para P. expansa 106,83 ± 22,35 (limites de 35–166). A massa da ninhada apresentou valores

de 327,4 g ± 337,2 (limites de 163,6–668,2) em P. unifilis e 4176,8 g ± 1033 (limites de

1781,2-6401,4) em P. expansa.

Os ovos de P. unifilis medem em média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ±

0,73) cm de largura e (26,04 ± 4,23) g de massa. Os ovos de P. expansa medem em média

(4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ± 1,75) cm de largura e (39,02 ± 4,31) g de massa.

Em P. expansa a média de ovos de óleo/cova foi de 1,62 ± 7,75 (limites de 0–15). Os

ovos de óleo medem em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura

e (54,8 ± 31,7) g de massa.

Referências bibliográficas ALHO, C.J.R. & PÁDUA, L.F.M. 1982a. Reproductive parameters and nesting behavior of the Amazon turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae) in Brazil. Canadian J. Zool., 60: 97-103. ALHO, C.J.R. & PÁDUA, L.F.M. 1982b. Sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação da tartaruga da Amazônia Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae). Acta Amazônica, 12(2): 323-326p. ALHO, C.J.R; CARVALHO, A.G. & PÁDUA, L.F.M. 1979. Ecologia da tartaruga da Amazônia e avaliação de seu manejo na Reserva Biológica de Trombetas. Brasil Florestal, 38: 29-47. ALHO, C.J.R.; DANNI, T.M.S. & PÁDUA, L.F.M. 1985. Temperature-dependent Sex Determination in Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae). Biotropica, 17 (1): 75-78. BATES, H.W. 1892. The Naturalist on the river Amazon. London, John Murray, 395p. CAGLE, F.R. 1950. The life history of the slider turtle, Pseudemys scripta troostii (Holbrook). Ecological Monographs, Durham, NC, 20 (1): 31-54. CASTRO, M.N.V. 1999. Temperature-dependent sex determination and ecological genetics of the Amazonian River Turtle, Podocnemis expansa. Dissertation in Ecology and Evolution. State University of New York at Stony Brook. 148p. CONGDON, J.D. & GIBBONS, J.W. 1985. Egg components and reproductive characteristics of turtles: relationships to body size. Herpetologica, 41(2): 194-205.

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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Evandro Dias, Ivan Martins, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia, Yeda Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Gonzaga, Luciene, João Noleto, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Eliene, Odimar, Jackson, Fernando, Naaty, Mayke, Leila, Níber, Valderico, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele Leal, Graciele Dalla, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior, Joênes Mucci, Liliana Pena Naval, Paula Benevides Morais e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados em 2001, 2002 e 2003.

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Capítulo 3 – Avaliação de padrão irregular dos escudos do casco em Podocnemis expansa e

Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae).

Resumo

O casco dos quelônios é uma estrutura única que diferencia esse grupo dos vertebrados

atuais e está associado a alguns padrões comportamentais. Sua porção dorsal convexa é a

carapaça e a parte ventral mais achatada é o plastrão. As vértebras torácicas e as costelas estão

geralmente fundidas com a carapaça óssea. A carapaça, geralmente é recoberta por escudos

córneos de origem epidérmica que não coincidem, em número e posição com os ossos

subjacentes. A forma, tamanho, coloração, número e disposição dos escudos que compõem o

casco são características importantes na identificação genérica e específica desse grupo. O

padrão dos escudos que compõem o casco dos quelônios é bastante uniforme, mas variações já

foram descritas e analisadas para um grande número de espécies em todas as famílias

existentes atualmente. Averiguou-se a incidência de irregularidades do padrão de escutelação

no casco de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis (tracajá),

maiores quelônios de água doce da América do Sul, durante os anos de 1999 à 2003 no rio

Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia e da Área de Proteção Ambiental Bananal/

Cantão, oeste do Estado do Tocantins. P. expansa se apresenta como uma espécie mais

suscetível à ocorrência de anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos

14378 filhotes avaliados (13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação

enquanto que dos 1329 filhotes de P. unifilis apenas (4,44%). Em P. expansa, os defeitos

ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça (98,64%) e em menor número (83,05%)

em P. unifilis.

Palavras chave: P. expansa, P. unifilis, anormalidade, casco, rio Javaés.

Abstract

The turtle shell is a unique structure that differentiates this group of recent vertebrates

and is associated with behavioral aspects. Its dorsal convex part is the carapace and its more

plan ventral part is the plastron. The vertebrates thoracic and ribs are generally melted with the

carapace. The carapace is recovered by corneous scutes of epidermal origin that not coincide,

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in number and position with the bones underneath. The shape, size, color, number and position

of shell scutes are important characters in generic and specific identification of this group. The

pattern of shell scutes is uniform, but variations have being described and analyzed for a great

number of species in all present families. We analyzed an occurrence of abnormalities in

pattern of shell scutes of Podocnemis expansa (Amazon turtle) and Podocnemis unifilis

(tracajá), during the years 1999 to 2003 in Javaés river, in the vicinity of Araguaia National

Park and Bananal/ Cantão Environment Protected Area, west of Tocantins state. P. expansa is

more susceptible to the occurrence of shell abnormalities compared P. unifilis. From 14378

hatchlings observed (13,32%) presented abnormalities in pattern of shell scutes while among

1329 P. unifilis hatchlings only (4,44%) presented abnormalities. In P. expansa the incidence

of abnormalities occurred only in carapace (98,64%) and in small number (83,05%) in P.

unifilis.

Key words: P. expansa, P. unifilis, abnormal shell, Javaés river.

Introdução

O casco dos Testudines é uma estrutura única que diferencia esse grupo dos demais

vertebrados (POUGH et al. 1993), estando intimamente associado a alguns padrões

comportamentais (MOLINA 1992). A porção dorsal convexa é a carapaça e a parte ventral

mais achatada é o plastrão. As vértebras torácicas e as costelas estão geralmente fundidas com

a carapaça óssea (STORER et al. 1989). Os ossos da carapaça geralmente são recobertos por

escudos córneos de origem epidérmica que não coincidem, em número e posição com os ossos

subjacentes, tornando assim essa estrutura extremamente resistente a choques mecânicos

(POUGH et al. 1993).

A forma, tamanho, coloração, número e disposição dos escudos que compõem o casco

são características importantes na identificação genérica e específica dos Testudines (MEDEM

1976, PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA & ROCHA 1996).

O padrão dos escudos que compõem o casco dos quelônios da mesma espécie é

bastante uniforme (PRITCHARD 1979), mas variações nesse padrão já foram descritas e

analisadas para um grande número de espécies em todas as famílias existentes atualmente

(ZANGERL & JOHNSON 1957).

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Existem diversas possíveis causas da ocorrência desses defeitos entre os quelônios: o

manuseio dos ovos (MAST & CARR 1989), exposição dos ovos à baixa umidade (LYNN &

ULLRICH 1950), a baixas temperaturas (MOLINA 1995) e elevadas temperaturas durante a

incubação (MALLMANN 1994).

Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis (tracajá) são os

maiores quelônios de água doce da América do Sul, distribuindo-se pelas bacias Amazônica e

do Orinoco, onde apresentam grande importância econômica, tendo sua carne e ovos

utilizados como fonte alimentar alternativa para diferentes grupos de ribeirinhos, pescadores e

indígenas.

O padrão de arranjo e disposição dos escudos do casco dessas duas espécies apresenta-

se semelhante, sendo o casco formado por 37 escudos na carapaça e 13 escudos no plastrão

(IBAMA 1989a).

Apesar dessas espécies serem protegidas no Brasil há mais de 25 anos em dezenas de

áreas de sua distribuição e já existirem desde 1992 inúmeros criatórios com fins comerciais,

ainda perdura uma escassez de informação sobre muitos aspectos relacionados à biologia

reprodutiva. Existem poucos trabalhos enfocando a ocorrência de irregularidades no padrão de

escutelação dessas espécies.

Objetivos

Quantificar e qualificar a ocorrência de irregularidades no padrão de escudos que

compõem o casco de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis.

Material e Métodos

Este estudo foi realizado no rio Javaés, na área localizada entre os paralelos 9º50’ S e

11º10’ S e os meridianos 49º56’ W e 50º30’W, no entorno do Parque Nacional do Araguaia e

da Área de Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, durante 5 anos (1999-2003), nos meses de

outubro e novembro. Neste local, o Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios do

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (RAN/ IBAMA),

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anteriormente denominado CENAQUA (Centro Nacional de Quelônios da Amazônia)

coordena atividades do Projeto Quelônios da Amazônia (Figura 1).

Foram observadas as irregularidades no padrão dos escudos em 14378 filhotes recém-

eclodidos de Podocnemis expansa, e 1329 de P. unifilis provenientes de covas naturais de 5

praias (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba e Bonita) na margem direita do rio Javaés,

município de Pium (Tabelas 1 e 2). Quando observadas, as irregularidades presentes no casco

eram desenhadas e descritas.

Tabela 1. Número de covas e filhotes de Podocnemis expansa avaliados no rio Javaés.

Ano Covas Filhotes avaliados

1999 12 1024

2000 55 5655

2001 19 1740

2002 44 3925

2003 25 2034

Total 155 14378

Tabela 2. Dados do número de covas e filhotes de Podocnemis unifilis avaliados no rio Javaés.

Ano Covas Filhotes avaliados

1999 5 49

2000 36 476

2001 41 463

2002 10 116

2003 23 225

Total 115 1329

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Praia Comprida

Praia Jaburu

Praia Canguçu

Praia Muric i

Rio Javaés

Praia Goiaba

Furo do Cocal

6005968896

9000

9004

500 0 2000 m500

Recanto das tartarugas

Praia Alta

Praia Marreca

9008

9 55'O

50 10'O 50 05'O10 00'O

Praia Bonita

N

Tocantins

Rio

Ara

guai

a

Palmas

Rio

Toc

anti n

s

Rio

Jav

aés

Ilha do Bananal

Rioz

inho

Praia Nova

Rio Javaés

Figura 1. Localização da área de estudo.

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Resultados

Dos 14378 filhotes de P. expansa avaliados, verificamos que 1916 (13,32%)

apresentavam padrão irregular dos escudos do casco e que destes, 1890 (98,64%) localizavam-

se na carapaça e apenas 26 (1,36%) apresentaram-se no plastrão (Tabela 3).

Dos 1329 filhotes de P. unifilis avaliados, verificamos que 59 (4,44%) apresentavam

padrão irregular dos escudos do casco e que destes, 49 (83,05%) localizavam-se na carapaça e

apenas 10 (16,95%) apresentaram-se no plastrão (Tabela 4).

A Tabela 5, nos mostra para P. expansa que os 7 defeitos que ocorrem com repetições

correspondem a um total de 1510 exemplares (78,82%), enquanto que os outros defeitos que

não ocorrem com repetições correspondem a 406 exemplares (21,18%).

A Tabela 6, nos mostra para P.unifilis que os 7 defeitos que ocorrem com repetições

correspondem a um total de 18 exemplares (30,51%), enquanto que os outros defeitos que não

ocorrem com repetições correspondem a maioria com 41 exemplares (69,49%).

Dos 7 principais defeitos registrados, 5 ocorreram na região posterior da carapaça e 2

na região gular do plastrão (Figuras 2-8).

Quando algum filhote apresentava dois ou mais dentre os 7 defeitos observados com

repetições, esses diferentes defeitos eram contabilizados como outro defeito.

Tabela 3. Dados do número de filhotes avaliados com padrão irregular de escudos no casco em

Podocnemis expansa, no rio Javaés, Tocantins.

Defeitos Ano Número de

filhotes Total (%) Carapaça (%) Plastrão (%)

1999 1024 145 14,16 139 95,86 6 4,14

2000 5655 739 13,06 733 99,18 6 0,82

2001 1740 241 13,85 240 99,58 1 0,42

2002 3925 554 14,11 546 98,55 8 1,45

2003 2034 237 11,65 232 97,89 5 2,11

Total 14378 1916 - 1890 - 26 -

Média 2875,6 383,2 13,32 378 98,64 5,2 1,36

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Tabela 4. Dados do número de filhotes avaliados com padrão anormal de escudos no casco em

Podocnemis unifilis, no rio Javaés, Tocantins.

Defeitos Ano Número de

filhotes Total % Carapaça % Plastrão %

1999 49 0 0 0 0 0 0

2000 476 23 4,83 18 78,26 5 21,73

2001 463 25 5,39 21 84 4 16

2002 116 3 2,58 3 100 0 0

2003 225 8 3,55 7 87,5 1 12,5

Total 1329 59 - 49 - 10 -

Média 265,8 11,8 4,44 9,8 83,05 2 16,95

Desses 7 defeitos registrados com repetições, 2 referem-se ao excesso de escudos

vertebrais (Figuras 2 e 5), 2 excesso de escudos marginais ou supracaudais (Figuras 4 e 6), 1

presença de suturas incompletas (Figura 3) e 2 a supressão de escudos no plastrão (Figuras 7 e

8).

Os demais defeitos sem repetições tratam de anormalidades, principalmente,

envolvendo excesso de escudos costais e vertebrais.

Tabela 5. Principais defeitos registrados para P. expansa no rio Javaés, Tocantins.

Defeitos com repetições * Ano Filhotes Defeituosos

Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 7 Fig. 8

Outros

1999 1024 145 71 33 3 4 4 3 3 24

2000 5.655 739 315 166 71 47 22 5 1 122

2001 1.740 241 101 71 8 15 8 1 0 37

2002 3.925 554 198 112 35 23 15 6 4 161

2003 2034 237 85 53 18 9 6 2 2 62

Total 14.378 1916 770 436 136 106 57 18 12 406 (21,18%)

* Os defeitos com repetições estão apresentados nas Figuras 2 à 8. Mais de um defeito em um

mesmo filhote foi contabilizado como outros.

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Tabela 6. Principais defeitos registrados para P. unifilis no rio Javaés, Tocantins.

Defeitos com repetições * Ano Filhotes Defeituosos

Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 7 Fig. 8

Outros

1999 49 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2000 476 23 0 0 0 2 0 2 3 16

2001 463 25 0 1 0 1 0 3 1 19

2002 116 3 0 0 0 0 0 0 0 3

2003 225 8 1 0 1 0 1 2 0 3

Total 1329 59 1 1 1 3 1 7 4 41 (69,49%)

* Os defeitos com repetições estão apresentados nas Figuras 2 à 8. Mais de um defeito em um

mesmo filhote foi contabilizado como outros.

As únicas anomalias registradas para os filhotes observados tratam-se de

irregularidades no padrão dos escudos do casco. Outras anomalias na cabeça, cauda e patas

não ocorreram.

Figura 2. Deformação no filhote: um escudo a

mais entre o quarto e o quinto escudo

vertebral: d- defeito, v1 – primeiro escudo

vertebral, v4 – quarto escudo vertebral.

Figura 3. Deformação no filhote: uma sutura

incompleta no quinto escudo vertebral: d-

defeito, v1 – primeiro escudo vertebral, v4 -

quarto escudo vertebral.

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98

Figura 4. Deformação no filhote: um escudo

marginal ou supracaudal a mais: d –defeito,

m1 – primeiro escudo marginal, m11 –

décimo primeiro escudo marginal.

Figura 5. Deformação no filhote: quinto

escudo vertebral dividido em três partes: d –

defeito, v1 – primeiro escudo vertebral, v4 –

quarto escudo vertebral.

Figura 6. Deformação no filhote: um par de

escudos marginais ou supracaudais a mais: d-

defeito, m1 – primeiro escudo marginal, m11

– décimo primeiro escudo marginal.

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Figura 7. Deformação no filhote: ausência de

sutura unindo o escudo intergular a um

escudo gular: d – defeito, g – escudo gular, ig

– escudo intergular.

Figura 8. Deformação no filhote: ausência

das suturas unindo o escudo intergular aos

escudos gulares: d – defeito, ig – escudo

intergular.

Discussão

Os defeitos no padrão dos escudos do casco de quelônios foram classificados por

Zangerl & Johnson (1957) em 3 grupos: a) suturas incompletas; b) adição ou supressão de

escudos e c) anormalidades envolvendo uma área maior.

Esses três grupos de defeitos foram observados em P. expansa e P. unifilis, sendo que

apenas os grupos “a” e “b” foram verificados com repetições.

Ewert (1979) complementa a classificação de defeitos apresentando o registro dos

defeitos em zigue-zague para Sternotherus adoratus, Kinosternon baurii, Chelydra serpentina,

Chrysemys picta picta e Chrysemys picta dorsalis (quelônios de água doce). Molina (1995)

registra os defeitos em zigue-zague para Trachemys dorbignyi (tigre d’água). No presente

estudo verificou-se a ocorrência dos defeitos em zigue-zague para P. unifilis e P. expansa.

Para Pritchard (1979) os escudos presentes no plastrão são menos suscetíveis à

ocorrência de anormalidades, fato observado para Phrynops geoffroanus (cágado) (MOLINA

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100

1989), Geochelone carbonaria (jabuti) (ANDRADE & ABE 1993), T. dorbignyi (MOLINA

1995), P. expansa e P. unifilis (MALVASIO 2001).

No presente estudo foi observada uma maior incidência de defeitos em P. expansa

(13,32%) comparando-se com P. unifilis (4,44%). Sendo que os defeitos ocorreram com maior

freqüência na carapaça em relação ao plastrão, com valores de 98,64% e 83,05%,

respectivamente para P. expansa e P. unifilis.

Medem (1969) na região do alto rio Caquetá e rio Caguan (Venezuela), observou 136

exemplares jovens e 15 adultos de P. expansa, onde registrou a ocorrência de irregularidades

no padrão dos escudos do casco de 8 jovens (5,88%) e apenas 1 adulto (6,66%).

No rio Javaés, tem-se verificado a ocorrência de irregularidades no padrão dos escudos

do casco em exemplares adultos e jovens de ambos os sexos para P. expansa e P. unifilis,

semelhantes aos registrados em filhotes recém-eclodidos.

Alguns experimentos realizados em laboratório têm apresentado que cada

anormalidade pode estar relacionada às condições inadequadas dos níveis de temperatura e

umidade em que o embrião foi desenvolvido (LYNN & ULLRICH 1950, PACKARD et. al.

1987).

Mallmann (1994) submeteu ninhadas de jabuti, G. carbonaria a diferentes regimes de

temperatura, obtendo um aumento da mortalidade e filhotes com diferentes padrões de

escutelação (excesso ou supressão de escudos), nos escudos costais, vertebrais, marginais e

femorais, além de deformações na cabeça, maxila, mandíbula, ausência de olhos, má formação

da cauda e anomalias na forma e disposição dos órgãos internos. A autora também comenta

que além da influencia da temperatura de incubação, algumas dessas anomalias podem ter sido

decorrentes de problemas genéticos dos embriões ou devido ao manuseio. Ela obteve de 48

filhotes de G. carbonaria incubados artificialmente, 16 (33,33%) exemplares defeituosos. Do

total de defeituosos, 15 (93,75%) apresentavam padrão irregular de escudos (excesso ou

supressão) na carapaça, e apenas 1 (6,25%) com excesso de escudos no plastrão.

Andrade & Abe (1992, 1993) avaliaram 163 filhotes de G. carbonaria apreendidos

pelo IBAMA, que estavam sendo comercializados ilegalmente na região Nordeste do Brasil, e

constataram que 19% deles apresentavam anormalidades no casco. E observaram ainda que

algumas anormalidades ocorreram em maior número, no entanto, não registraram anomalias

graves, como as descritas nos trabalhos experimentais. Este fato segundo os autores, pode

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101

estar relacionado ao descarte realizado pelos traficantes que julgavam tais animais impróprios

para o comércio ou os embriões com tais anormalidades não chegaram a eclodir. Dessa forma

concluem que a incidência de tais anormalidades na natureza pode ser ainda maior.

Packard & Packard (1988) sugerem que é necessário avaliar fatores como temperatura,

potencial hídrico, e tensões gasosas dentro do ninho, pois tais fatores podem implicar na

mortalidade e surgimento de anomalias nos embriões de répteis.

Mast & Carr (1989), examinando anormalidades nos escudos do casco de 5.919

filhotes de Lepidochelys kempi (tartaruga marinha), apontam que, quanto maior o manuseio

dos ovos e as alterações na incubação (taxa de umidade e temperatura, por exemplo), maior é

o número de exemplares defeituosos.

Shaver & Chaney (1989) em estudo realizado com L. kempi (México) observaram que

anormalidades na maxila ocorreram mais freqüentemente, seguidas por deformidades

envolvendo os olhos, pigmentação, carapaça, nadadeiras e cabeça entre outras. Os autores não

descreveram as anormalidades no padrão de escudos do casco apesar de confirmar que tais

anomalias estão muitas vezes presentes em filhotes.

P. expansa apresenta um ovo esférico e com casca flexível, enquanto que os ovos de P.

unifilis são alongados e de casca rígida (ERNST & BARBOUR 1989). Além disso, essas

espécies apresentam tamanhos de ninhadas, profundidade dos ninhos e tempo de incubação

dos ovos diferenciados (PRITCHARD & TREBBAU 1984).

P. expansa desova em média 100 ovos (limites de 40 a 160), com período de incubação

variando de 45 a 60 dias, uma cova profunda que pode ter 70 a 80 cm de profundidade

(ERNST & BARBOUR 1989, IBAMA 1989a).

P. unifilis inicia seu período reprodutivo com um mês de antecedência em relação a P.

expansa, desovando em média de 20 ovos por postura, em uma cova rasa, tendo em torno de

30cm de profundidade (IBAMA 1989a, 1989b). O tempo de incubação apresenta média de

66,5 (limites de 51-79) (TERAN 1993).

O ambiente hídrico e termal das covas de quelônios pode ser influenciado por vários

fatores ambientais e ecológicos, dentre eles a profundidade da cova (BURGER 1976,

WILHOFT et al. 1983), posicionamento da cova e cobertura vegetal (VOGT & BULL 1984) e

data da desova (MROSOVSKY et al. 1984).

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102

No rio Javaés, a distribuição das covas de P. expansa e P. unifilis mostra uma clara

preferência desses quelônios por ambientes sedimentológicos diferenciados, seja em relação à

morfologia, constituição granulométrica ou altura das covas em relação ao nível do rio. As

covas de P. expansa concentram-se na porção central das praias onde sucessivos eventos de

deposição produziram bancos arenosos com uma altura superior a 3,3 m em relação ao nível

do rio. As covas de P. unifilis distribuem-se, preferencialmente, nas porções montante e

jusante das praias onde os depósitos arenosos raramente ultrapassam 1,5 m de altura no

momento da desova (FERREIRA Jr. 2003, FERREIRA Jr. & CASTRO 2004).

Segundo Packard et al. (1982) os ovos de casca rígida apresentam um pequeno

potencial de trocas hídricas e gasosas com o meio enquanto que os de casca flexível com uma

camada calcária porosa, são mais dependentes do ambiente hídrico.

A ocorrência de adição e/ou supressão de escudos no casco, apresentam-se,

provavelmente, como não letais, uma vez que exemplares adultos têm sido encontrados na

natureza com tais defeitos (CAGLE 1950, LYNN & ULLRICH 1950, MOLINA 1995). Mas,

como ressaltam Mast & Carr (1989) os padrões anormais no casco representam expressões

fenotípicas de algum problema morfológico ou fisiológico, ainda não manifesto, que pode

afetar a viabilidade do indivíduo.

Essas diferenças na proporção de filhotes com irregularidades no casco e a localização

desses defeitos entre P. expansa e P. unifilis podem ser uma resposta diferenciada às

condições ambientais que os ninhos dessas espécies estão sujeitos, considerando que entre as

espécies existem inúmeras diferenças, como por exemplo, a localização e profundidade do

ninho, tempo de incubação, número de ovos/ ninho e tipo de casca dos ovos.

O transplante de ninhadas que muitas vezes é realizado em áreas protegidas pelo RAN/

IBAMA, deve ser visto com cautela. Considerando que as condições do novo ninho não

devem diferir dos locais selecionados pelas fêmeas para postura, tendo em vista que as

condições ao serem diferenciadas podem ocasionar, a partir de uma incubação inadequada, o

surgimento de ninhadas com alta incidência de filhotes com padrão irregular dos escudos do

casco.

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103

Conclusões

P. expansa se apresenta como uma espécie mais suscetível à ocorrência de

anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos 14378 filhotes avaliados

(13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação enquanto que dos 1329

filhotes de P. unifilis apenas (4,44%).

Em P. expansa, os defeitos ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça

(98,64%) e em menor número (83,05%) em P. unifilis.

Dos 7 defeitos registrados com repetições, 5 deles localizavam-se na região posterior

da carapaça e 2 apenas na porção anterior do plastrão. Todos os demais ocorreram sem

repetições, principalmente envolvendo escudos vertebrais e costais.

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FERREIRA Jr. P.D. & CASTRO, P.T.A. 2004. Geological control of Podocnemis expansa and Podocnemis unifilis nesting areas in rio Javaés, Bananal Island, Brazil. Acta Amazônica, 33 (3): 445-468. IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - 1989a. Projeto Quelônios da Amazônia - 10 anos. IBAMA. Brasília, 119p. IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - 1989b. Projeto Quelônios da Amazônia: Manual Técnico/IBAMA. Brasília: O Instituto, xi, 125p. LYNN, G. & ULLRICH, S.M.C. 1950. Experimental Production of Shell Abnormalities in Turtles. Copeia, (4): 253-262. MALLMANN, M.T.O. 1994. Influência da temperatura de incubação na determinação sexual em Geochelone carbonaria (Spix,1824) (Reptilia, Testudines, Testudinidae). Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 52p. (Dissertação de Mestrado em Zoologia - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). MALVASIO, A. 2001. Aspectos do mecanismo alimentar e da biologia reprodutiva em Podocnemis expansa (SCHWEIGGER,1812), Podocnemis unifilis (TROSCHEL,1848) e P. sextuberculata (CORNALIA, 1849) (Testudines, Pelomedusidae). São Paulo, Universidade de São Paulo. 199p. (Tese de doutorado em Zoologia, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo). MAST, R.B. & CARR, J.L. 1989. Carapacial Scute Variation in Kemp’s Ridley Sea Turtle (Lepidochelys Kempi) Hatchlings and Juveniles. In: International Symposium on Kemp’s Ridley Sea Turtle Biology, Conservation and Management, 1º, Galveston, National Marine Fisheries Service Southeast, p. 2002-219. MEDEM, F. 1969. Estudios adicionales sobre los Crocodylia y e Testudinata del Alto Caquetá y río Caguán. Caldasia, 10 (48): 329-353. MEDEM, F. 1976. Recomendaciones Respecto a contar el Escamado y tomar las Dimensiones de Nidos, Huevos y Ejemplares de los Crocodylia e Testudines. Lozania, 20: 1-17. MOLINA, F.B. 1989. Observações sobre a biologia e o comportamento de Phrynops geoffranus (Schweigger,1812) em cativeiro (Reptilia, Testudines, Chelidae). São Paulo, Universidade de São Paulo. 185p. (Dissertação de Mestrado em Zoologia, Instituto de Biociências da USP). MOLINA, F.B. 1992. O comportamento reprodutivo de quelônios. Biotemas, 5: 61-70. MOLINA, F.B. 1995. Observações sobre a biologia e o comportamento reprodutivo de Trachemys dorbignyi (Duméril & Bibron, 1835) em cativeiro (Reptilia, Testudines, Emydidae). São Paulo, Universidade de São Paulo. 307p. (Tese de Doutoramento em Zoologia – Instituto de Biociências da USP).

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ZANGERL, R. & JOHNSON, R.G. 1957. The nature of shield abnormalities in the turtle shell. Fieldiana Geol., 10 (29): 341-362. Agradecimentos

Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Evandro Dias, Ivan Martins, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia, Yeda Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Gonzaga, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins, Eliene, Odimar, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Jr. e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados em 2001, 2002 e 2003.

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107

Capítulo 4 – Avaliação da predação de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis

(Testudines, Pelomedusidae) no rio Javaés, Tocantins.

Resumo

Podocnemis expansa e P. unifilis são animais de vida longa, com uma demorada

maturação sexual, o que influencia uma baixa taxa de substituição de indivíduos. Suas

populações são caracterizadas por uma pequena mortalidade dos animais adultos, mas alta

taxa de mortalidade de filhotes e embriões. Sendo a predação natural de ninhos e filhotes um

dos fatores mais importantes do baixo sucesso de eclosão dessas espécies. No rio Javaés, os

ovos e recém-eclodidos podem ser predados por uma grande diversidade de animais: dentre as

aves, urubus (Coragyps atratus e Cathartes aura), carcará (Polyborus plancus), jaburu (Jabiru

mycteria); lagartos (Tupinambis teguixim) e mamíferos de pequeno porte, coati (Nasua nasua)

e cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). Do total anual de desovas de P. unifilis em média

65,98% são predadas, sendo 41,68% de forma total e 24,30% parcialmente. Enquanto que

apenas 5,31% das ninhadas de P. expansa são sempre parcialmente predadas. Dentre os

predadores aquáticos existem diversos peixes, principalmente piranhas (Serrasalmus nattereri)

e jacarés (Melanosuchus niger e Caimam crocodilus). Os predadores das fêmeas de P. unifilis

são: jacaré-açu (Melanosuchus niger), onça-pintada (Panthera onca) e onça-parda (Puma

concolor). Enquanto que as fêmeas de P. expansa em postura, somente são predadas por P.

onca. As fêmeas de P. unifilis em postura são predadas num total médio de 3,93% anualmente

enquanto que para P. expansa a média anual é 5,66% das fêmeas.

Palavras chave: Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, predação, rio Javaés.

Abstract

Podocnemis expansa and P. unifilis have long life with later sexual maturation, which

influences a low replacement rate of individuals. Their populations are characterized by low

adults mortality, but high mortality of embryos and hatchlings. The natural nest predation is an

important factor of small hatchling success of theses species. In Javaés river, the eggs and

hatchlings can be predated by a great number of animals like birds, vultures (Coragyps atratus

and Cathartes aura), carcará (Polyborus plancus), jabiru (Jabiru mycteria); lizards

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(Tupinambis teguixim) and small mammals, coati (Nasua nasua) and crab-earring-fox

(Cerdocyon thous). About 65,98% of nests of P. unifilis are predated (41,68% totally and

24,30% partially). Only 5,31% of P. expansa nests are partially predated. There are many

aquatic predators, like carnivorous fish, manly piranhas (Serrasalmus nattereri) and caimans

(Melanosuchus niger e Caimam crocodilus). The female’ predators of P. unifilis are: black

caiman (Melanosuchus niger), jaguar (Panthera onca) and puma (Puma concolor), and of P.

expansa females is the P. onca. In average 3,93% of P. unifilis females are predated annually

while that to P. expansa the average is 5,66%.

Key words: Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, predation, Javaés river.

Introdução

Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis (tracajá) são os

mais importantes representantes da fauna de quelônios da Amazônia, onde sua carne, vísceras

e ovos servem de fonte alternativa de alimento para as comunidades locais e os seus cascos

utilizados como adorno ou utensílios domésticos (PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Assim como a maioria dos quelônios, P. expansa e P. unifilis são animais de vida

longa, com uma demorada maturação sexual, o que influencia uma baixa taxa de substituição

de indivíduos nas populações (ALFINITO 1973, PRITCHARD 1979).

Suas populações são caracterizadas por uma pequena mortalidade dos animais adultos,

mas alta taxa de mortalidade de filhotes e embriões (ERNST & BARBOUR 1989, IBAMA

1989a, SOARES 2000). Sendo a predação natural de ovos e filhotes um dos fatores mais

importantes do baixo sucesso de eclosão dessas espécies (VALLE et al. 1973).

Segundo Pough et. al. (1993) essas são características que predispõem uma espécie ao

risco de extinção, quando condições variáveis aumentam a mortalidade de adultos ou reduzem

drasticamente o recrutamento de jovens para a população.

Apesar de existirem inúmeras áreas onde essas espécies são protegidas e manejadas

pelo RAN (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios), órgão vinculado ao

IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), há uma

escassez de estudos enfocando a predação natural de ninhos e animais adultos das populações

desses quelônios.

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Objetivos

Este trabalho busca apresentar um levantamento da predação de ninhos, filhotes e

exemplares adultos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis

(tracajá), durante as estações reprodutivas no rio Javaés, Tocantins.

Material e métodos

Esta pesquisa foi realizada no rio Javaés, na área do Projeto Quelônios da Amazônia

localizada entre os paralelos 9º50’ S e 11º10’ S e os meridianos 49º56’ W e 50º30’W, durante

os meses de agosto a novembro em 2 estações reprodutivas (2002 e 2003). Está área é

coordenada pelo RAN/ IBAMA e situa-se no entorno do Parque Nacional do Araguaia (Ilha

do Bananal) e da Área de Proteção Ambiental Bananal/ Cantão (Figura 1).

As 5 praias da margem direita (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba e Bonita) do rio

Javaés foram monitoradas, nos períodos da manhã e tarde, durante os meses da desova e

eclosão dos ninhos onde realizou-se o acompanhamento das predações.

No período de menor vazão do rio Javaés que ocorre, geralmente no final de setembro,

as praias apresentam bancos de areia com altitude média de 2,5 metros e as suas dimensões

aproximadas correspondem a 700 x 250 metros para a praia Goiaba e 4000 x 600 metros para

a praia Canguçu. Essas dimensões podem variar anualmente, dependendo da vazão do rio

Javaés e da deposição de areia nas praias.

A identificação dos predadores se deu através da observação de rastros e pegadas e

visualização direta, utilizando-se as seguintes obras: para mamíferos Emmons & Feer (1990) e

Becker & Dalponte (1999), para aves Hidasi (1997), para jacarés CITES (1995).

Durante as atividades de soltura dos filhotes recém-eclodidos realizou-se a observação

da predação destes por peixes carnívoros e a posterior identificação dos predadores após serem

capturados com linha e anzol.

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Praia Comprida

Praia Jaburu

Praia Canguçu

Praia Muric i

Rio Javaés

Praia Goiaba

Furo do Cocal

6005968896

9000

9004

500 0 2000 m500

Recanto das tartarugas

Praia Alta

Praia Marreca

9008

9 55'O

50 10'O 50 05'O10 00'O

Praia Bonita

N

Tocantins

Rio

Ara

guai

a

Palmas

Rio

Toc

antin

s

Rio

Jav

aés

Ilha do Bananal

Rioz

inho

Praia Nova

Rio Javaés

Figura 1. Localização da área de estudo.

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Resultados

Predação de ninhos

Em P. unifilis, foram registradas 391 desovas nos dois anos de observação. Sendo que

destas, 258 (65,98%) foram predadas parcialmente ou de forma total, restando apenas 34,02%

intactas (Tabela 1).

Tabela 1. Dados da predação de ninhos de Podocnemis unifilis, no rio Javaés, Tocantins.

Predação Ano Nº de desovas

Parcial (P) Total (T) P + T

2002 251 79 (31,48%) 126 (50,19%) 205 (81,67%)

2003 140 16 (11,42%) 37 (26,42%) 53 (37,84%)

Total 391 95 (24,30%) 163 (41,68%) 258 (65,98%)

Média 195,5 47,5 81,5 129

Para P. expansa registramos 301 desovas e destas apenas 16 foram parcialmente

predadas (Tabela 2).

Tabela 2. Dados da predação de ninhos de Podocnemis expansa, no rio Javaés, Tocantins

Ano Nº de desovas Predação Parcial

2002 166 9 (5,42%)

2003 135 7 (5,18%)

Total 301 16 (5,31%)

Média 150,5 8

Nas praias do rio Javaés, os predadores mais ocorrentes dos ovos e filhotes de P.

unifilis e P. expansa foram: urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-de-cabeça-

vermelha (Cathartes aura), urubu-tinga (Cathartes burrovianus), carcarás (Polyborus

plancus), gavião-carapateiro (Mivalgo chimachima), jaburu (Jabiru mycteria), cabeça-seca

(Mycteria americana), maguari (Ciconia maguari) e garça-branca-grande (Casmerodius

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albus). Em menor escala aparecem, o lagarto teiú (Tupinambis teguixim), coati (Nasua nasua),

cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), garça-moura (Ardea cocoi), garça-branca-pequena

(Egretta thula) e socó-boi (Trigrisoma lineatum) (Figura 2).

Como principal predador aquático, destacou-se a piranha vermelha (Serrasalmus

nattereri) em menor número as demais piranhas (Serrasalmus spp.) (Figura 3).

Os ninhos foram predados parcialmente por aves e após sua inicial depredação, outros

predadores, tais como lagartos e pequenos mamíferos também se aproximam para consumir

ovos e filhotes.

Figura 2. Coragyps atratus (urubu-de-cabeça-preta) predando ovos de P. expansa.

Figura 3. Serrasalmus nattereri (piranha vermelha), predadora dos filhotes de P. expansa e P.

unifilis.

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Predação de fêmeas em postura

Após a saída do rio, as fêmeas de P. unifilis e P. expansa perambulam pelas praias

escolhendo o local para desova, estando vulneráveis ao ataque de predadores, que podem ser

carnívoros, Panthera onca (onça-pintada), Puma concolor (onça-parda) ou jacarés,

Melanosuchus niger (jacaré-açu).

A identificação do predador foi possível pelas marcas e rastros deixados na praia

(Figuras 4 e 5).

As fêmeas de P. unifilis durante a postura podem ser predadas por exemplares de M.

niger, P. onca e P. concolor (Tabela 3). Enquanto que as fêmeas de P. expansa foram

predadas apenas por exemplares de Panthera onca (onça-pintada) (Tabela 4).

Tabela 3. Índice de fêmeas adultas de P. unifilis predadas durante estação de desova, no rio

Javaés, Tocantins.

Fêmeas predadas Ano Fêmeas em

postura M. niger P. onca P. concolor Total

2002 262 7 (2,67%) 3 (1,14%) 1 (0,38%) 11 (4,20%)

2003 145 1 (0,69%) 2 (1,38%) 2 (1,38%) 5 (3,49%)

Total 407 8 (1,96%) 5 (1,22%) 3 (0,73%) 16 (3,93%)

Média 203,5 4 2,5 1,5 8

Tabela 4. Índice de fêmeas adultas de P. expansa predadas por Panthera onca durante estação

de desova, no rio Javaés, Tocantins.

Ano Fêmeas em postura Fêmeas predadas

2002 178 13 (7,30%)

2003 140 5 (3,57%)

Total 318 18 (5,66%)

Média 159 9

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Para a correta relação do percentual de fêmeas predadas, adotou-se a quantidade das

fêmeas em posturas, que corresponde ao número total de posturas (ninhos) mais o número de

fêmeas predadas antes de terem realizado a desova.

Das 13 fêmeas de P. expansa que foram predadas em 2002, 1 delas foi morta quando

retornava para o rio após ter realizado a desova. Todas as demais fêmeas de P. unifilis e P.

expansa foram predadas antes da realização da desova.

Figura 4. Pegada de Panthera onca (onça-pintada).

Figura 5. Pegada de Puma concolor (onça-parda). Os rastros de P. onca e P. concolor podem

ser diferenciados pelo tamanho e pela forma da pegada (SCHALLER & CRASWSHAW

1980, BECKER & DALPONTE 1999).

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Discussão

Predação de ovos e filhotes

Os quelônios não exibem cuidado parental, de forma que os adultos não realizam a

proteção das ninhadas, e além disso o longo período de desenvolvimento embrionário torna os

ninhos vulneráveis aos predadores (POUGH et al. 1993). A maior ameaça natural para as

populações de quelônios é a perda de seus ovos e filhotes pela predação (FERRI 2002).

Um período extremamente crítico de atividade terrestre que ocorre na vida de todas os

quelônios aquáticos, se dá durante a movimentação sobre o ambiente terrestre quando os

recém-eclodidos emergem dos ninhos e direcionam-se para a água. Podendo nesse momento

ser atacados por inúmeros predadores (GIBBONS 1970).

Segundo Swingland & Stubbs (1985) a vulnerabilidade dos ninhos à predação, o

sucesso da eclosão e o sexo dos recém-eclodidos são todos dependentes da seleção do local de

desova. Diversos fatores podem influenciar a taxa de predação, dentre os quais, o ambiente de

nidificação, a disponibilidade de predadores e as características e a densidade das covas

(BURGER 1976, BURKE et al. 1998, PEZZUTI & VOGT 1999, FERREIRA Jr. 2003).

Iverson (1991a) em trabalho realizado com Kinosternon flavescens (quelônio de água

doce), identificou que a mortalidade durante o primeiro ano de vida foi extremamente alta

(81%), em razão principalmente da predação e inviabilidade dos ovos e condições ambientais

desfavoráveis. A sobrevivência anual de juvenis foi relativamente alta (30-70%) e excedendo

90% no sexto ano de vida e 95% no oitavo ano.

P. expansa e P. unifilis têm na predação de ovos e filhotes suas maiores perdas,

contrapondo uma pequena mortalidade de animais adultos (ROZE 1964, ALHO 1985,

IVERSON 1991b, IBAMA 1989b, SOARES 2000).

Concernente ao alto índice de predação de ninhos de P. unifilis e P. expansa, outros

autores corroboram, dentre os quais, Pritchard & Trebbau (1984) e Soini (1995), afirmando

que durante o período de desova, grande número de pássaros predadores permanece nas praias

para predar os ovos de covas de postura recente ou, ainda, ovos que tenham sido removidos

por uma tartaruga fêmea desovando em um local próximo de uma outra cova. Dentre esses

incluem urubus (Coragyps atratus e Cathartes aura), carcarás (Polyborus plancus), gaviões

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(Mivalgo chimango) e jaburus (Jabiru mycteria e Mycteria americana). E depois no fim da

estação de desova, os mesmos predadores ficam à espera dos recém-eclodidos. Tais

predadores têm sido registrados na área de estudo, nos períodos de desova e eclosão das

ninhadas de P. expansa e P. unifilis.

Os ninhos de P. expansa que possuem de 40 a 160 ovos (média 100) (IBAMA 1989b)

podem ainda ser infestados por grilos (Grillotelpidae) e larvas de moscas (Sarcophagidae) que

parasitam e predam os ovos durante a incubação (HIDELBRAND et al. 1997). O número de

ovos por postura em P. unifilis é relativamente menor, de 8 a 32 ovos (média de 20) e podem

ser invadidos por formigas (Formicidae) (IBAMA 1989a, 1989b).

Os ninhos de P. unifilis são mais rasos (20 cm de profundidade) do que os de P.

expansa (80 cm de profundidade) (IBAMA 1989b), o que os torna mais suscetíveis às

predações.

Os filhotes e juvenis de P. expansa e P. unifilis, nos cursos d’água são predados por

anuros, sapos (Buffo sp.), por jacarés (Paleosuchus spp., Caiman crocodilus e Caiman

sclerops) e diversos peixes carnívoros, dentre os quais, bagres (Pimelodidae), piranhas

(Serrasalmus sp., Pygocentrus sp. Pygopristis sp.), pirararas (Phractocephalus hemiliopterus),

aruanãs (Osteoglossum bicirrhosum), piraíbas (Brachyplatistoma filamentosum), jaus

(Paulicea luetkeni) (MEDEM 1969, IBAMA 1989b, HIDELBRAND et al. 1997).

As aves maiores tragam os filhotes inteiros e as menores estripam-nos profundamente,

deixando só o frágil casco descarnado na areia.

Os ovos e filhotes podem ainda ser atacados por lagartos teiús (Tupinambis teguixim)

(ESCALONA & FA 1998), raposas (Dusicyon vetulus) e tatus (Dasypus sp. e Cabassus sp.)

(IBAMA 1989b).

Tupinambis teguixim são os maiores predadores das covas de P. unifilis, Podocnemis

sextuberculata e P. expansa no Peru (SOINI 1995) e na Venezuela (ESCALONA & FA

1998).

Alfinito (1973) ao considerar a alta incidência de predadores dos ovos e filhotes de P.

expansa, estima que apenas 5% dos filhotes nas posturas consigam atingir o estado adulto.

Outros animais são conhecidos predadores de quelônios. Exemplares de Procyon

cancrivorus (mão-pelada) predam ovos e filhotes de Trachemys dorbignyi (tigre d’água)

(SANTOS & HARTZ 1999). Krause et al. (1982) apontam Conepatus chinga (zorrilho ou

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cangambá) e o Cerdocyon thous (cachorro-do-mato) como predadores dos ninhos de T.

dorbignyi.

Ratos escavam os ninhos de quelônios e consomem seus ovos durante o período de

incubação. Porcos domésticos predam os filhotes pequenos e em muitas localidades, cabras e

burros competem com os jabutis pelo alimento vegetal (STORER et al. 1989).

Nas proximidades da área de estudo no rio Javaés não se tem verificado a presença de

animais domésticos que poderiam estar predando ovos e filhotes dessas espécies.

Segundo Ojasti (1967, 1971) no rio Orinoco (Venezuela), a perda de filhotes recém-

eclodidos de P. expansa por aves logo que emergem dos ninhos fica em torno de 5,9%, e ainda

enfatiza que inúmeros peixes que se concentram nas cercanias das praias aumentam

significativamente essa perda. O autor enfatiza ainda que a mortalidade natural de adultos é

baixa e quando ocorre se deve principalmente a acidentes, tais como: assoreamento dos cursos

d’água e depredação do seu habitat.

Segundo Pritchard & Trebbau (1984) os ovos de Podocnemis vogli (quelônio de água

doce) sofrem forte predação. Além do homem, os predadores incluem carcarás (P. plancus),

cachorros-do-mato (C. thous), lagartos teiús (T. teguixin), além de outros predadores.

Segundo Iverson (1991b) as espécies de quelônios terrestres têm seus ovos e filhotes

menos intensamente predados do que as espécies marinhas e de água doce.

Diferentemente do que se observa para P. expansa e P. unifilis, algumas espécies de

quelônios apresentam poucos predadores. Segundo Swingland & Stubbs (1985) os jabutis

gigantes (Geochelone gigantea e Geochelone elefhantopus) possuem apenas um predador de

ninhos, um grande caranguejo terrestre (Birgus latro).

Diversos trabalhos recomendam a transferência de covas ameaçadas de predação ou

perdas por causas naturais (WYNEKEN et al. 1988, IBAMA 1989a, PÁEZ & BOCK 1998).

Inúmeros estudos enfatizam que os projetos de manejo de quelônios que envolvem a

transferência de covas devem considerar as particularidades do local de origem e dos locais de

transferência. Devendo buscar, sempre que possível, locais de transferência com

características sedimentológicas similares ao local de origem dos ninhos (SPOTILA &

STANDORA 1986, IBAMA 1989b, SOUZA 1992, FERREIRA Jr. 2003).

Limpus & Miller (1980) recomendam que em locais de severa predação dos ovos de

quelônios, todo esforço deve ser empregado no controle do predador, quer seja pela exclusão

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ou pela remoção, ao invés de escolher a mais barata e provavelmente a mais desastrosa ação

de manusear e transplantar os ovos para outros locais.

O controle e a remoção de predadores mostra-se como uma alternativa inviável tendo

em vista a amplitude da área de desova, que engloba um grande número de praias, que são de

grande extensão, e também da enorme diversidade de predadores.

Segundo Swingland & Stubbs (1985) a perda de ovos através da predação é menos

devastadora em longo prazo, do que a perda através da colocação do ninho em um local

inapropriado, tanto em termos de temperaturas muito altas ou muito baixas para a incubação

ocorrer adequadamente, ou em termos da razão sexual.

Tendo em vista que em diversas áreas onde o IBAMA coordena atividades de manejo e

proteção dessas espécies, os ovos são transferidos para outras localidades com a finalidade de

evitar a predação e a inundação das covas, pela subida repentina do nível d’água dos rios

(CANTARELLI 1997, MALVASIO 2001), trabalhos que apontem as implicações da

transferência dos ninhos dessas espécies devem ser realizados para se poder subsidiar de

forma adequada às atividades de manejo de ovos. Aspectos relacionados ao sucesso de eclosão

e aqueles que enfocam a influência do ambiente de nidificação sobre a razão sexual das

ninhadas devem ser priorizados.

Predação de fêmeas em postura

Os quelônios adultos possuem menos inimigos naturais do que os filhotes e juvenis: a

presença do resistente casco ósseo é um obstáculo suficiente para minimizar as taxas de

predação dos adultos (FERRI 2002).

Soares (2000) em trabalho realizado no rio Guaporé, Estado de Rondônia, durante 10

anos (1989 a 1998), apresentou que a mortalidade das fêmeas adultas de P. expansa é

praticamente nula naquela área. Sendo apenas preocupantes os índices de caça, exercida pela

comunidade ribeirinha que ameaçam a estabilidade daquela população de quelônios, tornando

ineficientes os resultados do Projeto de Conservação coordenado pelo IBAMA que é

desenvolvido naquela localidade.

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Hidelbrand et al. (1997) em trabalho realizado no baixo rio Caquetá, na Amazônia

colombiana, registrou que fêmeas adultas de P. expansa durante a desova nas praias, podem

ser predadas por Panthera onca (onça-pintada).

Goeldi (1906) através de informações coletadas entre indígenas da região amazônica,

afirma que jabutis (Geochelone spp.) são predados por onças.

Os pequenos exemplares de Podocnemis vogli podem ser predados por jacarés

(Caiman crocodilus) e os grandes por crocodilos (Crocodylus intermedius), sucuris (Eunectes

murinus) e onças (Panthera onca) (RAMO 1980 in PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Emmons (1989) em coleta de dados realizada na Estação Biológica de Cocha Cashu,

Parque Nacional Manu (Peru) e na região do rio Arataye (Guiana Francesa) apresentou dados

da predação de exemplares de Geochelone denticulata (jabuti), Podocnemis unifilis (tracajá) e

Platemys platycephala (cágado) por P. onca. A autora descreve que esses quelônios têm o

casco quebrado, geralmente na porção superior da carapaça, por onde o animal retira e

consome seu conteúdo (carne e vísceras).

Humboldt (1852) descreve que durante o período de desova, inúmeras fêmeas de P.

expansa são predadas por P. onca, sendo viradas e o seu conteúdo retirado do casco sem

danificação da carapaça.

Medem (1969) informa que no alto rio Caquetá (Colômbia) as fêmeas de P. unifilis nas

praias, durante a estação reprodutiva podem ser predadas por P. onca.

As fêmeas de P. unifilis durante a postura possuem como principais predadores, jacaré-

açu (Melanosuchus niger), onça-pintada (Panthera onca) e onça-parda (Puma concolor).

Enquanto que as fêmeas de P. expansa, somente são predadas por P. onca.

Em P. unifilis, as fêmeas em postura são predadas num total médio de 3,93%

anualmente enquanto que para P. expansa a média anual é 5,66% das fêmeas.

P. expansa é o maior quelônio de água doce encontrado na América do Sul. As fêmeas

quando adultas atingem cerca de 80 cm (comprimento da carapaça) e pesam até 60 kg

(IBAMA 1989b). As fêmeas de P. unifilis são menores, medindo cerca de 38 cm e pesando em

torno de 8 kg (IBAMA 1989a).

As fêmeas de P. unifilis apresentam um maior número de predadores que as de P.

expansa, isso pode ser atribuído ao menor porte de P. unifilis.

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Os conhecimentos ligados às taxas de predação de fêmeas em postura podem subsidiar

uma melhor compreensão da estrutura dessas populações, pois tais predações podem estar

favorecendo a uma maior proporção de machos nessa localidade.

Conclusões

Do total anual de desovas de P. unifilis em média 65,98% são predadas, sendo 41,68%

de forma total e 24,30% parcialmente. Enquanto que apenas 5,31% das ninhadas de P.

expansa são apenas parcialmente predadas.

Nas praias do rio Javaés, os predadores mais recorrentes dos ovos e filhotes de P.

unifilis e P. expansa são: urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-de-cabeça-

vermelha (Cathartes aura), urubu-tinga (Cathartes burrovianus), carcarás (Polyborus

plancus), gavião-carapateiro (Mivalgo chimachima), jaburu (Jabiru mycteria), cabeça-seca

(Mycteria americana), maguari (Ciconia maguari) e garça-branca-grande (Casmerodius

albus). Em menor escala aparecem, o lagarto teiú (Tupinambis teguixim), coati (Nasua nasua),

cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), garça-moura (Ardea cocoi), garça-branca-pequena

(Egretta thula) e socó-boi (Trigrisoma lineatum). Como principal predador aquático, destaca-

se a piranha vermelha (Serrasalmus nattereri).

Os predadores das fêmeas de P. unifilis são: jacaré-açu (Melanosuchus niger), onça-

pintada (Panthera onca) e onça-parda (Puma concolor). Enquanto que as fêmeas de P.

expansa em postura, somente são predadas por P. onca.

As fêmeas de P. unifilis em postura são predadas num total médio de 3,93%

anualmente enquanto que para P. expansa a média anual é 5,66% das fêmeas.

Referências bibliográficas ALFINITO, J. 1973. Fundamentos ao serviço de proteção à tartaruga. Preservação da tartaruga da Amazônia. Ministério da Agricultura. DEMA/ PA, IBDF, Belém (PA), 1-36p. ALHO, C.J.R. 1985. Conservation and management strategies for commonly exploited Amazonian turtles. Biol. Conserv., 32: 291-298. BECKER, M. & DALPONTE, J.C. 1999. Rastros de mamíferos silvestres brasileiros: um guia de campo. 2ª ed., Brasília; Ed. UnB; Ed. IBAMA. 180p.

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Agradecimentos

Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia Mendes do Carmo, Yeda de Lucena Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Luciene, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins, Eliene, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados.

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Capítulo 5 – Avaliação da predação de fêmeas adultas de Podocnemis expansa (Testudines,

Pelomedusidae) por Panthera onca (Mammalia, Carnivora).

Resumo

Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) é o mais importante representante da

fauna de quelônios da Amazônia, mas apesar disso, os aspectos relacionados à sua biologia

reprodutiva, assim como, os índices de predação natural de animais adultos em seu habitat são

pouco conhecidos. Averiguamos o número de fêmeas dessa espécie predadas por Panthera

onca (onça-pintada) em 5 praias do rio Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia (Ilha

do Bananal) e da Área de Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, durante 5 estações de desova

(2000-2004), buscando identificar a quantidade de fêmeas predadas durante cada estação

reprodutiva. Panthera onca é o único predador das fêmeas adultas de Podocnemis expansa nas

praias do rio Javaés, predando em média 3,66% das fêmeas em postura. A predação se dá

sempre à noite, quando as fêmeas de P. expansa sobem às praias para desovar. P. onca preda

os exemplares com mordidas na cabeça e pescoço. Verificou-se uma relação positiva entre o

número de desovas por praia e as predações.

Palavras chave: Podocnemis expansa, Panthera onca, desova, predação e rio Javaés.

Abstract

Podocnemis expansa (Amazon turtle) is the most important turtle of Amazon, but the

aspects relative to the reproductive biology and natural rates of adults’ predation are poorly

known. We investigated the number of females predated by Panthera onca (jaguar) in 5

beaches of Javaés river, in the vicinity of Araguaia National Park (Bananal Island) and

Bananal/ Cantão Environmental Protection Area, during 5 nesting stations (2000-2004),

aiming to identify the number of females predated in each reproductive season. P. onca is the

only individuals predator of P. expansa adult females in Javaés river, predating in media

3,66%. The predation occurs during the night, when the females came to the beaches to

nesting. P. onca kills the females with bites in the head and the neck. Were found a positive

relation between the nest number in the beaches and predation activity.

Key words: Podocnemis expansa, Panthera onca, nesting, predation, Javaés river.

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Introdução

Os quelônios são animais longevos, que apresentam uma baixa taxa de mortalidade dos

adultos, mas alta taxa de mortalidade de filhotes e embriões (IVERSON 1991, JANZEN et al.

2000).

A diversidade de predadores potenciais dos quelônios é grande, estendendo-se de

insetos a uma grande variedade de vertebrados. Alguns relatos indicam que as taxas de

sobrevivência até a idade adulta de muitas espécies de quelônios ficam entre 1% e 2% (FERRI

2002).

Os ninhos podem ser invadidos por formigas que gradualmente devoram os embriões;

moscas podem depositar seus ovos, que se desenvolvem em larvas, reduzindo a taxa de

sobrevivência dos recém-eclodidos; pequenos e grandes mamíferos, carnívoros em sua

maioria, mas também roedores e insetívoros, utilizam dessa fonte de proteínas, predando

ninhos, geralmente de postura recente (KRAUSE et al. 1982, FERRI 2002).

Os filhotes são predados por aves e lagartos quando abandonam o ninho em direção à

água (PRITCHARD & TREBBAU 1984). Nos cursos d’água os filhotes e juvenis podem ser

predados por anuros, peixes carnívoros e mamíferos aquáticos (ERNST & BARBOUR 1989,

IBAMA 1989b, FERREIRA Jr. 2003).

A grande maioria dos trabalhos sobre a predação dos quelônios enfoca a perda de

ninhos e filhotes, pois esse tipo de predação é a mais recorrente e sem dúvida é a maior

ameaça natural para essas populações (FERRI 2002). Mas há de se considerar também que os

adultos (machos e fêmeas) podem também ser predados por diferentes animais, que utilizam

variadas estratégias de captura.

Os crocodilianos (crocodilos e jacarés) incluem em sua dieta uma grande variedade de

quelônios aquáticos (ROSS 1989). Algumas aves têm desenvolvido táticas especiais para

capturar e predar quelônios terrestres (quebrando os cascos arremessando-os das alturas em

rochedos) (FERRI 2002). Jabutis (Geochelone denticulata) que vivem em matas e florestas

podem ser predados por grandes carnívoros (onças), que fazem aberturas no casco desses

animais e se alimentam da carne e vísceras (EMMONS 1989).

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Na Amazônia brasileira não existem muitos estudos avaliando os índices de predação

natural de quelônios adultos.

Objetivos

Este trabalho busca apresentar dados sobre a predação de fêmeas adultas de

Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia), durante as estações reprodutivas no rio Javaés,

Tocantins.

Material e métodos

Esta pesquisa foi realizada na área do Projeto Quelônios da Amazônia, que é

coordenado pelo RAN/ IBAMA (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) no rio Javaés,

entorno do Parque Nacional do Araguaia (Ilha do Bananal) e da Área de Proteção Ambiental

Bananal/ Cantão, durante os meses de setembro e outubro em 5 estações reprodutivas (2000-

2004) (Figura 1).

Dentre as 10 praias que integram a área do Projeto Quelônios da Amazônia, as 5 praias

da margem direita (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba e Bonita) foram monitoradas nos

períodos da manhã e tarde, durante os meses da desova de P. expansa (setembro e outubro)

para a identificação dos ninhos, através dos rastros deixados pela fêmea durante a postura,

conforme Teran (1993) e Malvasio et al. (2002).

Quando da identificação de uma fêmea predada, os dados relativos a predação eram

anotados em ficha de campo e os cascos eram mensurados e pesados seguindo Molina (1989)

e Molina (1995).

A identificação do predador a partir dos rastros e pegadas baseou-se em Becker &

Dalponte (1999).

Quando os animais eram encontrados mortos, porém sem sua carne e vísceras

consumidos, os ovos eram removidos dos ovidutos e enterrados em ninhos artificiais na praia

Comprida.

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Praia Comprida

Praia Jaburu

Praia Canguçu

Praia Muric i

Rio Javaés

Praia Goiaba

Furo do Cocal

6005968896

9000

9004

500 0 2000 m500

Recanto das tartarugas

Praia Alta

Praia Marreca

9008

9 55'O

50 10'O 50 05'O10 00'O

Praia Bonita

N

Tocantins

Rio

Ara

guai

a

Palmas

Rio

Toc

anti n

s

Rio

Jav

aés

Ilha do Bananal

Rioz

inho

Praia Nova

Rio Javaés

Figura 1. Localização da área de estudo.

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Resultados

Verificamos que 33 fêmeas de P. expansa foram predadas por Panthera onca (onça-

pintada), durante as 5 estações de desova, com limites de 2-13 fêmeas por estação reprodutiva,

o que representa média de 3,66% predadas por total de fêmeas em postura (Tabela 1).

Tabela 1. Índice de fêmeas adultas de P. expansa predadas por Panthera onca durante estação

de desova, no rio Javaés, Tocantins.

Ano Fêmeas em postura Fêmeas predadas (%)

2000 248 11 4,43

2001 108 2 1,85

2002 178 13 7,30

2003 140 5 3,57

2004 227 2 0,88

Total 901 33 -

Média 180,2 6,6 3,66

Para a correta relação do percentual de fêmeas predadas, adotou-se a quantidade das

fêmeas em posturas, que corresponde ao número total de posturas (ninhos) mais o número de

fêmeas predadas antes de terem realizado a desova, pois conforme apresentado na Tabela 3,

verificamos que 28 fêmeas foram predadas antes da realização da postura. Dessa forma, o

número total de posturas (ninhos) encontrados durante as 5 estações reprodutivas que foi 873

ninhos ao ser somado com as 28 fêmeas que foram predadas antes da desova, corresponde ao

total de 901 fêmeas em postura.

Dentre as 5 praias monitoradas, só foram registradas a predação de fêmeas nas praias

Canguçu (84,85%), Coco (9,09%) e Bonita (6,06%). Sendo estas praias, as que concentram

anualmente mais de 80% das desovas (Tabela 2).

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Tabela 2. Localização das fêmeas adultas de P. expansa predadas por Panthera onca durante

estação de desova, no rio Javaés, Tocantins.

Ano Praias Fêmeas predadas

2000 Canguçu 11

Canguçu 1 2001

Bonita 1

Canguçu 9

Coco 2

2002

Bonita 2

2003 Canguçu 5

2004 Canguçu 2

Total - 33

Tabela 3. Dados da predação de fêmeas adultas de Podocnemis expansa por Panthera onca

durante estação de desova, no rio Javaés, Tocantins.

Período da predação

em relação à desova

Consumo da carcaça Local de abandono

da carcaça

Ano Fêmeas

predadas

Antes Depois Não ocorreu Ocorreu Praia Vegetação

2000 11 7 4 10 1 10 1

2001 2 2 - - 2 - 2

2002 13 12 1 5 8 5 8

2003 5 5 - - 5 - 5

2004 2 2 - - 2 - 2

Total 33 28 5 15 18 15 18

A Tabela 3 mostra o número de fêmeas predadas em cada ano, o período de predação

em relação à desova. Apresentando ainda informações sobre o consumo e local de abandono

da carcaça dos animais.

Em três situações ocorreram a predação de diversas fêmeas em uma mesma noite, em

uma mesma localidade da praia Canguçu, todas no mês de setembro. Onze fêmeas em 2000, 6

em 2002 e 4 em 2003.

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Das 11 fêmeas predadas em 2000, 10 fêmeas foram abandonadas intactas no local da

predação, não tendo sido verificado a ocorrência do consumo de partes dos animais. Foram

identificados os rastros de 3 exemplares, sendo 2 adultos e 1 filhote de P. onca.

Em 2002, apenas uma das seis fêmeas abatidas numa mesma noite na praia Canguçu

foi consumida, as demais foram abandonadas intactas no local da predação. No local, foram

identificados os rastros de 2 exemplares adultos de P. onca.

Em 2003, quatro fêmeas foram predadas e todas foram consumidas a uma distância

variando de aproximadamente 700 metros do local da predação. Foram identificados os rastros

de dois exemplares adultos de P. onca.

Todas as demais fêmeas foram abatidas individualmente, em noites e praias diversas.

Em cada um dos diferentes locais, foi identificado apenas o rastro de um exemplar adulto de

P. onca.

Somente cinco fêmeas adultas foram predadas durante o retorno para o rio, após terem

realizado a desova e fechado o ninho. Destas, 4 em 2000 e 1 em 2002. Todas as demais foram

predadas quando perambulavam pela praia ou escavavam o ninho.

Os rastros e as marcas deixadas na areia da praia indicavam que as fêmeas foram

arrastadas viradas, sendo puxadas pela cabeça, pescoço ou patas e possibilitavam a localização

da carcaça do animal, assim como na identificação do predador (Figura 2).

Do total de 33 fêmeas predadas, 15 (45,45%) apresentavam-se intactas, não tendo sido

verificado o consumo da carcaça.

Todas as fêmeas encontradas apresentavam-se viradas sob suas carapaças. A cabeça e

pescoço encontravam-se bem projetados para fora do casco e com marcas de perfurações. O

casco (carapaça e plastrão) apresentava marcas de ranhuras, e às vezes, verificava-se a quebra

de partes dos escudos marginais da carapaça e/ou anais e gulares do plastrão.

Todas as fêmeas em que ocorreu consumo da carne e vísceras foram encontradas em

local distante da predação, em geral, a mais de 500 metros do local da captura, no meio da

vegetação rasteira ou posicionadas embaixo de grandes árvores.

Verificou-se somente o consumo das patas e do conteúdo interno (carne e vísceras),

não sendo identificado o consumo de partes do pescoço e cabeça (Figura 3).

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Figura 2. Pegada de Panthera onca (onça-pintada).

Figura 3. Fêmea adulta de P. expansa (tartaruga-da-amazônia) predada por P. onca (onça-

pintada).

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Na área do Projeto Quelônios da Amazônia, no rio Javaés, não foram registradas a

predação de fêmeas em postura por ação humana. Sendo P. onca o único predador das fêmeas

de P. expansa durante a desova.

Durante o monitoramento das praias foram identificados ainda outros animais

predados, tais como Podocnemis unifilis (durante a desova), exemplares jovens de Caiman

crocodilus (jacaretinga) e Melanoshuchus niger (jacaré-açu), quando permanecem nas praias

em atividades de termorregulação.

Não verificou-se a predação de ovos e filhotes de P. expansa por P. onca.

Os cascos da fêmeas predadas apresentavam para o comprimento da carapaça média de

72,1 cm (n=14) e massa do casco, média de 7,3 kg (n=4) (Tabela 4).

Tabela 4. Dados dos cascos de fêmeas adultas de Podocnemis expansa predadas por Panthera

onca durante estação de desova, no rio Javaés, Tocantins.

Comprimento da Carapaça

(cm)

Largura da Carapaça

(cm)

Massa do casco

(kg)

Média 72,1 62,3 7,3

Máximo 79,2 69,0 7,8

Mínimo 66,0 56,0 6,7

Desvio Padrão 3,43 3,86 0,48

Das 11 fêmeas predadas em 2000, 6 fêmeas que não haviam realizado a desova, na

manhã seguinte à predação, tiveram seus ovos removidos dos ovidutos e enterrados em ninhos

artificiais na praia Comprida (Figura 4).

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Figura 4. Remoção de ovos de fêmea adulta de P. expansa (tartaruga-da-amazônia) predada

por P. onca (onça-pintada).

Após 55 dias de incubação, eclodiram 437 filhotes, correspondendo a um sucesso de

eclosão de 65,12% (Tabela 5).

Os filhotes foram acondicionados em um viveiro de tela juntamente com os demais

filhotes recolhidos das covas monitoradas pelos agentes de praia do RAN/ IBAMA e cerca de

10 dias após foram liberados no rio Araguaia, na porção norte da Ilha do Bananal.

Tabela 5. Dados de ninhadas de fêmeas adultas de Podocnemis expansa predadas por

Panthera onca, no rio Javaés, Tocantins.

Nº total de ovos Nº de filhotes vivos Sucesso de eclosão

Média 111,83 72,83 65,12%

Maximo 143,0 112,0 88,18%

Mínimo 68,0 48,0 33,56%

Desvio Padrão 25,85 24,05 20,16

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Discussão

P. expansa é o maior quelônio de água doce da América do sul, chegando a medir até

107 cm de comprimento da carapaça e pesar 60 quilos. Ela nidifica nas praias em grupos de

centenas e até milhares de fêmeas, preferencialmente após a meia-noite (PRITCHARD 1979,

PRITCHARD & TREBBAU 1984, ERNST & BARBOUR 1989). As fêmeas caminham

lentamente pela praia, escavam um ninho profundo e depositam em média 100 ovos,

retornando para o rio após o fechamento do ninho (IBAMA 1989a). Todas essas etapas desde

a saída para a postura e retorno ao rio podem levar mais de 2 horas, e é durante a oviposição

que as fêmeas estão mais vulneráveis, permitindo a aproximação de pessoas e até mesmo de

predadores (VANZOLINI 1967, 1977; ALHO et al. 1979; ALHO & PADUA 1982; PÁDUA

& ALHO 1982; PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Soares (2000) em trabalho realizado no rio Guaporé, Estado de Rondônia, durante 10

anos (1989 a 1998), apresentou que a mortalidade das fêmeas adultas de P. expansa é

praticamente nula naquela área. Sendo apenas preocupantes os índices de caça exercida pela

comunidade ribeirinha que ameaçam a estabilidade daquela população de quelônios, tornando

ineficientes os resultados do Projeto de Conservação coordenado pelo IBAMA que é

desenvolvido naquela localidade.

Hidelbrand et al. (1997) em trabalho realizado no baixo rio Caquetá, na Amazônia

colombiana, registraram que fêmeas adultas de P. expansa durante a desova nas praias, podem

ser predadas por P. onca (onça-pintada).

Goeldi (1906) através de informações coletadas entre indígenas da região amazônica,

afirma que jabutis (Geochelone spp.) são comumente predados por onças.

Os pequenos exemplares de Podocnemis vogli podem ser predados por jacarés

(Caiman crocodilus) e os grandes por crocodilos (Crocodylus intermedius), sucuris (Eunectes

murinus) e onças (Panthera onca) (RAMO 1980 in PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Emmons (1989) em coleta de dados realizada na Estação Biológica de Cocha Cashu,

Parque Nacional Manu (Peru) e na região do rio Arataye (Guiana Francesa) apresentou dados

da predação de exemplares de Geochelone denticulata (jabuti), P. unifilis (tracajá) e Platemys

platycephala (cágado) por P. onca. A autora descreve que esses quelônios têm o casco

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quebrado, geralmente na porção superior da carapaça, por onde o animal retira e consome seu

conteúdo (carne e vísceras).

Segundo Medem (1969) P. unifilis no alto rio Caquetá (Colômbia) possui entre os

diversos inimigos naturais dos ninhos e adultos, as onças (P. onca) que se alimentam com

freqüência das fêmeas nas praias, durante a estação reprodutiva.

P. onca preda alguns grandes mamíferos, freqüentemente através de mordidas no

crânio (SCHALLER & VASCONCELOS 1978).

Todas as fêmeas predadas apresentavam-se viradas sob suas carapaças. A cabeça e

pescoço encontravam-se bem projetados para fora do casco e continham marcas mordidas.

Humboldt (1852) descreve que durante o período de desova, inúmeras fêmeas de P.

expansa são predadas por P. onca, sendo viradas e o seu conteúdo retirado do casco sem

danificação da carapaça.

No rio Javaés, observou-se que quando da predação das fêmeas, o casco (carapaça e

plastrão) podia muitas vezes apresentar marcas de ranhuras, e às vezes, verificava-se a quebra

de partes dos escudos marginais da carapaça e/ou anais e gulares do plastrão, diferentemente

do registrado por Humboldt (1852).

Observações realizadas por Soares (1996) no rio Guaporé, Estado de Rondônia, nos

anos de 1992 e 1993, apresentaram que as fêmeas de P. expansa possuem um comprimento

médio da carapaça de 74,19 cm e peso corporal de 36,73 kg. Estes valores encontrados para o

rio Guaporé assemelham-se aos registrados para o rio Javaés.

Facure & Giaretta (1996) estudando diversos carnívoros na Reserva Florestal da

Companhia Vale do Rio Doce, município de Linhares, Estado do Espírito Santo, onde

determinaram a dieta de P. onca através da análsie da fezes coletadas e identificaram 8 itens

alimentares, dentre os quais duas espécies de quelônios (jabuti - G. denticulata e cágado -

Platemys radiolata). Taber et al. (1997) informam que o jabuti, Geochelone chilensis, faz

parte da dieta de P. onca no Paraguai. Rabinowitz (1986) também observou a presença de

quelônios aquáticos na dieta de P. onca, em Belize, na América Central.

Segundo Emmons (1989) na Estação Biológica de Cocha Cashu, Parque Nacional

Manu (Peru) a estimativa da quantidade diária de alimento requerido por uma exemplar de P.

onca é de aproximadamente 1,4 kg de carne/dia. Dessa forma a autora sugere que um único

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exemplar de G. denticulata (ao pesarem 5 kg para os machos e 4 kg para as fêmeas), conterão

alimento suficiente para suprir tal demanda.

Se considerarmos que uma única P. expansa pode conter mais de 15 kg de carne e

vísceras, pode-se crer que o esforço empregado na predação dessas fêmeas é extremamente

compensador para P. onca.

A área do Projeto Quelônios da Amazônia no rio Javaés não apresenta moradores e

devido a localização da base física do RAN/ IBAMA não se verifica a presença de turistas e

pescadores nas proximidades dos tabuleiros de desova, de forma que, não há interferência

humana nas noites de postura de P. expansa e conseqüentemente, não há interferência na ação

predatória de P. onca. O que pode então, excluir a hipótese de que a predação e não consumo

das fêmeas de P. expansa possa ser causado por interferência da presença humana, deixando

dessa forma um grande questionamento e um campo vasto para maiores investigações acerca

desse comportamento.

Segundo IBAMA (1989a) o sucesso de eclosão das ninhadas de P. expansa durante os

4 primeiros anos (1985-1988) das atividades de manejo e proteção no rio Javaés alcançaram

média de 93,1% (limites de 87,8% - 94,8%).

O sucesso de eclosão dos ovos removidos das fêmeas predadas e incubados

artificialmente apresentou-se relativamente alto (65,12%), o que justifica a realização de tal

procedimento ao encontrar-se uma fêmea de P. expansa predada antes da desova e não

consumida por P. onca.

Conclusões

Panthera onca é o único predador das fêmeas adultas de Podocnemis expansa nas

praias do rio Javaés.

A predação se dá sempre à noite, quando as fêmeas de P. expansa sobem às praias para

desovar. P. onca preda os exemplares com mordidas na cabeça e pescoço.

Verificou-se uma relação positiva entre o número de desovas por praia e o registro da

predação de fêmeas de P. expansa por P. onca.

Grande parte das fêmeas de P. expansa (45,45%) predadas não são consumidas, sendo

apenas mortas, viradas e abandonadas nas praias.

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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Evandro Dias Ramos, Ivan Martins, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia, Yeda Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Gonzaga, Luciene, João Noleto, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins, Eliene, Odimar, Jackson, Fernando, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele Leal, Graciele Dalla, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados em 2001, 2002 e 2003.

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Capítulo 6 – Avaliação da importância social em quelônios com ocorrência na bacia do rio

Araguaia.

Resumo

Cada comunidade se relaciona de forma diferenciada com os recursos naturais. Isso se

expressa nas diferentes formas de relação que cada grupo humano estabelece com os animais.

Entre os mais diversamente utilizados estão os quelônios, podendo ser considerados em muitas

partes do mundo os principais recursos alimentares para muitas comunidades, onde

influenciam os valores e costumes. Avaliamos as formas de relações de uso e simbólicas

estabelecidas entre 3 comunidades não-indígenas (citadinos, ribeirinhos, pescadores

profissionais) no baixo Araguaia e entre os indígenas Javaé da aldeia de Canoanã (Ilha do

Bananal) com as 7 espécies de quelônios da bacia do Araguaia, Kinosternon scorpioides

(Kinosternidae), Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata (Testudinidae), Phrynops

geoffroanus e Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis

(Pelomedusidae). Os principais métodos de captura de P. unifilis e P. expansa mostram-se

similares entre os 3 grupos avaliados (ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas Javaé).

A captura de P. unifilis é realizada com o emprego de redes malhadeiras e de P. expansa com

linha e anzol sem fisga. Os jabutis, G. carbonaria e G. denticulata, são capturados com as

próprias mãos em encontros casuais, assim como também, as fêmeas de P. unifilis e P.

expansa são coletadas durante a postura no período reprodutivo, principalmente à noite. Os

indígenas Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis, enquanto que

os outros 3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também incluem em sua

dieta, jabutis (G. carbonaria e G. denticulata). Os indígenas Javaé apresentam uma forte

ligação simbólica com os quelônios (P. expansa, P. unifilis), pois são amplamente empregados

na alimentação e juntamente com Geochelone spp. estão presentes na Festa dos Aruanãs e do

Hetohoky. Esses quelônios são vistos também nos mitos, manufatura de artesanato e no

grafismo das pinturas corporais.

Palavras chave: Quelônios, comunidades, alimentação, simbolismo, rio Araguaia.

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Abstract

Each community has a unique relationship with the natural resources. This is

manifested in the different relational aspects established between each human group and the

animals. The turtles are among the most diversely used, can be considered in many parts of

world a major food resource to many communities, where they influence the values and

costumes. We investigated the practical and symbolic relationships established among 3

communities (citizens, riverine and professional fishermen) and indigenous tribe of Javaé

Canoanã (Bananal Island) with 7 turtle species of Araguaia basin, Kinosternon scorpioides

(Kinosternidae), Geochelone carbonaria and Geochelone denticulata (Testudinidae),

Phrynops geoffroanus and Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa and

Podocnemis unifilis (Pelomedusidae). The major methods to capture turtles (Podocnemis

unifilis and Podocnemis expansa) are similar for the 3 groups studied (riverine, professional

fishermen and indians Javaé). The most common way to capture P. unifilis is using nets, and

to capture P. expansa is the use of line and hook. Tortoises (G. carbonaria e G. denticulata)

are captured using hands in casual encounters, and the females of P. unifilis and P. expansa

are also hand-collected during nesting in reproductive period, mainly at night. The Javaé

indians only use as food resource P. expansa and P. unifilis, while the other 3 groups (riverine,

professional fishermen and citizens) also include tortoises (G. carbonaria and G. denticulata)

in their diets. The natives Javaé present a strong symbolic connection with the turtles (P.

expansa and P. unifilis), because they are used thoroughly as food and together with

Geochelone spp. they are present as spiritual beings (Worysy and Aruanãs) in the festivities of

Aruanãs and Hetohoky. They are also seen in the myths, craft manufacture and in the

drawings of the corporal paintings.

Key words: turtles, communities, food, symbolism, Araguaia river.

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Introdução

Cada comunidade apresenta uma forma diferenciada de relação com os recursos

naturais e conseqüentes diferenças nos impactos e nas pressões humanas sobre o ambiente

local (DRUMMOND 2000, DIEGUES 2003, 2004, DIEGUES & VIANA 2004).

Considerando os animais, isso se dá de maneira semelhante, pois as atitudes de

simpatia ou repulsa, que acabam influenciando direta ou indiretamente as formas de relação,

também variam, é claro, segundo as tradições culturais (DESCOLA 1998).

Dentre os problemas agravantes ligados à conservação dos recursos naturais

brasileiros, podemos destacar a falta de conhecimentos sobre a biodiversidade nacional. Sendo

que o estado atual do conhecimento dessa biodiversidade, mostra-se heterogêneo e

insatisfatório. No que se refere ao conhecimento de povos indígenas e comunidades locais

sobre as espécies da fauna e flora e seu uso, pouco foi feito.

Diversos autores citam que diferentes comunidades na Amazônia apresentam uma forte

e intensa relação com os quelônios desde o período colonial brasileiro. As práticas de

utilização dos quelônios para fins alimentares ou como matéria prima para utensílios

domésticos foi adotada pelos índios e paulatinamente foram seguidas pelos colonizadores

(PEREIRA 1954, SMITH 1974, MITTERMEIER 1975). Hoje, os quelônios ainda são

importantes para inúmeros agrupamentos humanos (ribeirinhos, pescadores e quilombolas)

onde carne, vísceras e gordura são empregados, principalmente na alimentação e produção de

cosméticos (JOHNS 1987, SMITH 1979, HALLER 2002).

As atuais iniciativas conservacionistas desenvolvidas por órgãos governamentais para a

proteção das populações de quelônios na Amazônia, em parte, não obtém resultados

satisfatórios, pois muitas vezes não integram as comunidades locais, desprezando seus

conhecimentos e valores.

Apesar de existirem na bacia do Araguaia várias áreas onde são protegidas e manejadas

a mais de 2 décadas, as populações de quelônios (principalmente Podocnemis expansa e

Podocnemis unifilis) (IBAMA 1989a), não existem trabalhos que buscam analisar as

diferentes formas de relação que as comunidades citadinas (urbanas), tradicionais e indígenas

mantêm com esses animais.

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144

Nesse trabalho buscamos tratar das relações de uso, consumo e importância simbólica

dos quelônios de ocorrência na bacia do Araguaia para 4 comunidades (indígenas Javaé,

pescadores profissionais, ribeirinhos e citadinos). Descrevendo também os métodos praticados

na captura e obtenção desses animais.

Caracterização dos grupos enfocados

Indígenas Javaé – Aldeia Canoanã (Ilha do Bananal – Tocantins)

Os indígenas Karajá do Tronco Lingüístico Macro-Jê, dividem-se em três subgrupos,

os Javaé, os Xambioá e os Karajá propriamente ditos. Todos porém se autodenominando Yny

(RODRIGUES 1993).

O Karajá é o subgrupo composto por 14 aldeias, localizadas nos Estados de Goiás,

Mato Grosso, Tocantins e Pará. Na Ilha do Bananal (Tocantins), às margens do rio Araguaia,

podem ser encontradas atualmente 9 aldeias Karajá (Figura 1).

Os Xambioá estão agrupados em 2 aldeias às margens do rio Araguaia (Norte do

Tocantins), localizadas na Área Indígena Xambioá, município de Santa Fé do Araguaia.

Os Javaé estão agrupados, atualmente, em 11 aldeias localizadas na Ilha do Bananal,

sendo 10 posicionadas às margens do rio Javaés, e 1 aldeia às margens do Riozinho, interior

da Ilha. Somente as aldeias Boto Velho e Txiodé estão localizadas na Terra Indígena

Inawebohona, todas as demais se localizam no Parque Indígena do Araguaia (Figura 1).

Após a década de 1950, a partir de conflitos com proprietários rurais, integrantes do

subgrupo Javaé foram agrupando-se à 2 Km, rio acima, da sede da fazenda da Fundação

Bradesco, local que se estabeleceu a atual aldeia de Canoanã, considerada uma dentre as mais

tradicionais (RODRIGUES 1993), onde anteriormente havia sido estabelecida a extinta aldeia

Kanoanõ (TORAL 2002). Atualmente, a aldeia Canoanã possui 60 famílias com

aproximadamente 308 habitantes, em sua maioria do subgrupo Javaé (cerca de 272 pessoas).

Podendo ser encontrado também 2 residências, contendo 16 pessoas, de indígenas Avá-

canoeiro, do Tronco Lingüístico Tupi Guarani e 4 residências com aproximadamente 12

indígenas da etnia Tuxá, além de 8 indígenas do subgrupo Karajá em 2 residências. A aldeia

mantém aspectos da tradicional disposição das casas em fileiras paralelas ao rio Javaés.

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Conservam, também, as práticas da pesca e revivem continuamente sua relação mítica com os

seres espirituais viventes no Fundo das Águas do rio Javaés, através da comemoração dos

rituais da Festa dos Aruanãs e do Hetohoky, que são algumas das características mais

marcantes dos Javaé.

Entre os indígenas Javaé, há uma diferença entre uma fala feminina, das crianças e

masculina. Essa diferenciação entre a fala é feita através de alguns fonemas e expressões

específicas para cada gênero, expressa a forte divisão entre os papéis masculino e feminino

(RODRIGUES 1993). Como exemplo, podemos citar os nomes de alguns quelônios, no caso

Javaé, “k”òtoni é a palavra para Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia), kòtoni é a

versão feminina, enquanto òtoni é a versão masculina, que vem sem o “k”. Algumas palavras

apresentam a mesma grafia para ambos os gêneros, tal como wemá, que é a palavra para o

quelônio aquático Chelus fimbriatus (matá-matá).

Ribeirinhos – Povoado Santa Cruz (São Geraldo do Araguaia – Pará)

A comunidade de Santa Cruz originada em fins do século XIX, está localizada às

margens do rio Araguaia, no município de São Geraldo do Araguaia e possui atualmente 42

famílias com aproximadamente 160 pessoas. A base da subsistência se dá, principalmente,

pela pesca e de atividades agropastoris.

A população através da utilização do Araguaia como via de transporte, com barcos e

canoas, mantêm um intercâmbio de produtos e serviços com outros 3 povoados nas

proximidades, à montante, povoado Ilha de Campo (com 9 famílias) no mesmo município e

Remanso dos Botos (com 7 famílias) município de Xambioá e a jusante, povoado Santa Isabel

do Araguaia (com 50 famílias), município de Palestina do Pará.

As casas estão dispostas de forma paralela ao rio Araguaia, arranjadas no entorno de

uma única rua. O povoado dispõe de uma infra-estrutura mínima, de comércios e uma única

escola que funcionam em instalações precárias.

As áreas destinadas à produção agrícola das famílias residentes no povoado localizam-

se próximas as residências, algumas em áreas contíguas, mas muitas em frações separadas das

casas e de reduzidas dimensões.

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Citadinos – Xambioá (Tocantins)

A cidade está situada às margens do rio Araguaia, no extremo norte do Estado do

Tocantins, a 502 Km da cidade de Palmas, localizada na região conhecida como Bico-do-

Papagaio. O núcleo urbano de ocupação da atual Xambioá teve sua origem no século XIX e

atualmente possui uma área de 1.387,90 Km², com população aproximada de 11.200

habitantes (ENGEVIX 2001).

Desde o início do século XX, o extrativismo (com a castanha e a borracha) ocupava

posição de destaque na dinâmica econômico-social regional. Sua perda de importância

vinculou-se a um estabelecimento da agropecuária e ao surto de desenvolvimento na metade

do século XX ligado ao garimpo de cristais.

A região de Xambioá foi palco de grande parte das manobras das forças armadas que

combateram o movimento insurrecional do Araguaia na década de 1970, movimento

denominado Guerrilha do Araguaia, que configurou o último período do século XX

característico da história da área em questão (MOURA 1979).

As principais atividades econômica estão ligadas a agropecuária extensiva, a pesca e o

turismo durante a estação seca, principalmente nos meses de junho à setembro. Existem ainda

algumas olarias, cerâmicas e um conjunto de pequenos estabelecimentos comerciais que

suplementam a renda econômica municipal.

Pescadores profissionais – Colônia de Pesca Z-33 (Xambioá – Tocantins)

No rio Araguaia, no trecho da divisa entre os Estados do Tocantins e Pará, existem 10

colônias de pesca, 6 localizadas em municípios tocantinenses (Caseara, Araguacema, Pau

D’arco, Araguanã, Xambioá e Araguatins) e 4 em municípios paraenses (Santa Maria das

Barreiras, Conceição do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e São João do Araguaia),

vinculadas ao Ministério da Agricultura.

A colônia de pesca de Xambioá, denominada Z-33, foi fundada em 1990 e possui

atualmente cerca de 70 famílias cadastradas com aproximadamente 100 pessoas filiadas.

A pesca é realizada, pela maioria dos pescadores da região, diariamente com barco sem

motor e com redes de até 300 metros. Os peixes mais apreciados e comercializados são jaús

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(Paulicea luetkeni), dourados (Brachiplatistoma flavicans), jaraquis (Semaprochilodus

brama), pacus (Myleus spp.), tucunarés (Cichla spp.), fidalgos (Ageneiosus brevifilis) e piaus

(Leporinus affinis). A comercialização é feita na própria região.

No período de defeso (piracema), de novembro a fevereiro, recebem o auxílio da

previdência social de cerca de um salário mínimo durante os 4 meses de suspensão da pesca.

Durante esse período, muitos pescadores trabalham em outras atividades, principalmente em

áreas rurais.

Os quelônios da bacia do Araguaia

O Brasil possui 33 espécies de quelônios distribuídas nos seus diversos ambientes

terrestres e aquáticos, 26 espécies são de água doce, 2 são terrestres (jabutis), e 5 são

quelônios marinhos (PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA 1999). Desse total, 15

espécies podem ser encontradas na região Amazônica (MOLINA & ROCHA 1996).

Infortuitamente, muito pouco é conhecido de sua biologia e comportamento (MOLINA 1999).

As espécies aquáticas e terrestres mencionadas por Molina & Rocha (1996), Iverson

(1992) e RAN/ IBAMA (2004) de ocorrência na bacia Araguaia são as seguintes: Kinosternon

scorpioides (Kinosternidae), Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata (Testudinidae),

Phrynops geoffroanus e Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa e Podocnemis

unifilis (Pelomedusidae).

Kinosternon scorpioides (muçuã “k”òtonini) é espécie aquática, não ultrapassando 27

cm de comprimento. Habita rios, riachos e lagos, distribuindo-se do sul do Panamá ao norte da

América do Sul, sendo encontrado no Equador e norte do Peru, ao leste nas Guianas e Brasil.

No Brasil, pode ser encontrado nos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. O

hábito alimentar é onívoro (VANZOLINI et al. 1980, ERNST & BARBOUR 1989, MOLINA

& ROCHA 1996). Em cativeiro, desova de março a agosto, usualmente no outono, de 1 a 6

ovos são postos em cada ninho. Os ovos são elipsóides pesando de 6,8 a 11,8 g. A incubação

artificial pode durar até 266 dias (ROCHA & MOLINA 1990).

Geochelone carbonaria (jabuti-piranga “k”òtubano) é espécie terrestre, não

ultrapassando 51 cm de comprimento. É encontrada em florestas e cerrados, ocorrendo em

áreas de terras baixas e secas do norte e centro da América do Sul, estendendo-se desde o sul

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do Panamá, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Brasil, Bolívia e

Paraguai até o norte da Argentina. O hábito alimentar é onívoro (PRITCHARD & TREBBAU

1984, MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002). Apresenta um comportamento de corte

muito elaborado (GUIX et al. 1989). O acasalamento pode ocorrer o ano todo e a nidificação

ocorre principalmente durante a primavera e verão, com tempo de incubação variando de 4 a

10 meses (MOLINA & ROCHA 1996). As fêmeas desovam de 2 a 15 ovos, várias vezes ao

ano (FERRI 2002). Os ovos são alongados com casca rígida (ERNST & BARBOUR 1989).

Geochelone denticulata (jabuti-tinga “k”òtubano) é espécie terrestre, não

ultrapassando 82 cm de comprimento. É encontrada em florestas desde o sul da Venezuela até

o Peru, Bolívia e Brasil. Sua distribuição é descontínua e confunde-se com a de G. carbonaria.

O hábito alimentar é onívoro (ERNST & BARBOUR 1989, FERRI 2002). O acasalamento e

nidificação ocorrem durante todo o ano (MOLINA & ROCHA 1996), desovando de 6 a 7

ninhadas, que contêm cada uma de 4 a 8 ovos alongados, que eclodem após uma incubação de

120 a 150 dias (FERRI 2002). Os ovos são alongados com casca rígida (ERNST &

BARBOUR 1989).

Phrynops geoffroanus (cágado-de-barbicha “k”òtulawari) é espécie aquática, não

ultrapassa 35 cm de comprimento. Seu habitat são os rios, lagoas e riachos (PRITCHARD &

TREBBAU 1984, MOLINA 1990a). É a espécie de quelônio de água doce da América do Sul

com a mais ampla distribuição geográfica, encontrando-se desde a Amazônia Colombiana ao

Sudeste do Brasil, Uruguai e norte da Argentina (SOUZA & ABE 2000). O hábito alimentar é

onívoro, consumindo uma grande variedade de alimentos, de sementes e frutos a peixes e

insetos. Em cativeiro tem hábito de preferência carnívoro (SOUZA & ABE 1999). Sua corte

ocorre de dezembro até meados de abril e a desova ocorre de março à novembro. Os ovos são

quase esféricos e o número em cada postura varia de 7 a 26 ovos. Aparentemente as fêmeas

desovam mais de uma vez por ano, porém não todas desovam todos os anos. A média do

tempo de incubação das ninhadas varia de 149 a 331 dias (MOLINA 1990b, FERRI 2002).

Chelus fimbriatus (matá-matá wemá) é espécie aquática, com comprimento de até 45

cm. É encontrada em riachos e lagos de águas calmas, na parte norte da América do Sul, na

Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guianas e Brasil. No Brasil sua distribuição

limita-se aos Estados da região Norte (MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002). A espécie é

carnívora. (DRAJESKE 1982). Seu período de nidificação varia de outubro a dezembro e

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desova de 12 a 28 ovos em cada ninhada (ERNST & BARBOUR 1989), realizando uma vez

ao ano, utilizando para isso os bancos de areia (FERRI 2002). Os ovos são esféricos, de casca

rígida e áspera. A incubação leva em média 208 dias (PRITCHARD & TREBBAU 1984).

Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia “k”òtoni) é o maior quelônio de água

doce da América do Sul podendo alcançar 107 cm de comprimento da carapaça (SOINI 1997,

ERNST & BARBOUR 1989). É encontrada em rios e lagos (MOLINA & ROCHA 1996),

distribuindo-se pelos rios das bacias do Amazonas e Orinoco, ocorrendo na Colômbia,

Venezuela, Guianas, Equador, Peru, Bolívia e Brasil, chegando a alcançar a região central do

território brasileiro, bacias do rio Araguaia/ Tocantins – Goiás e Mato Grosso (BATAUS

1998, VALENZUELA 2001). É apontada como espécie predominantemente herbívora na

natureza aceitando carne e peixe em cativeiro (ALMEIDA et al. 1986, MALVASIO et al.

2003). Apresenta um comportamento reprodutivo bastante complexo (PRITCHARD &

TREBBAU 1984). Seu período reprodutivo ocorre na vazante dos rios da Amazônia (ALHO

et al. 1979), desovando em grandes grupos (VANZOLINI 2001). O período de nidificação

varia conforme a localidade (MOLINA & ROCHA 1996, VANZOLINI 2003), suas posturas

contêm em média 100 ovos (IBAMA 1989a) de formato esférico e casca flexível

(PRITCHARD & TREBBAU 1984). A incubação dura cerca de 50 dias (ERNST &

BAUBOUR 1989).

Podocnemis unifilis (tracajá “k”òtu) espécie aquática, não ultrapassa 70 cm de

comprimento. Pode ser encontrada em rios e lagos da bacia do Amazonas e Orinoco,

apresentando a maior distribuição geográfica para uma espécie de água doce nessa região,

ocorrendo na Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa,

Suriname e Brasil. No Brasil ocorre em todos os Estados da região norte e em Goiás e Mato

Grosso (PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA & ROCHA 1996). É apontada como

espécie predominantemente herbívora na natureza aceitando carne e peixe em cativeiro

(TERAN et al. 1995, PORTAL et al. 2002). Apresenta seu comportamento reprodutivo

bastante semelhante ao de P. expansa (FOOTE 1978, MOLINA 1992). O período de postura

varia amplamente em toda a sua área de distribuição. A fêmea desova solitariamente de 15 a

25 ovos por postura, sendo estes alongados e de casca rígida, com incubação durando de 45 a

90 dias (MEDEM 1964, VANZOLINI 1977, ERNST & BARBOUR 1989, CANTARELLI

1997).

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Material e Métodos

Esta pesquisa foi realizada em duas localidades, na aldeia de Javaé Canoanã, Parque

Indígena do Araguaia (Ilha do Bananal – Tocantins) e na região do baixo Araguaia,

municípios de Xambioá, Estado do Tocantins e povoado de Santa Cruz, município de São

Geraldo do Araguaia, Estado do Pará (Figuras 1 e 2).

O levantamento de dados na região do baixo Araguaia deu-se no período de 7 dias,

durante os dias 27/11 a 02/12/2003, onde foram enfocados 3 grupos: ribeirinhos do Povoado

Santa Cruz (Pará), pescadores profissionais da colônia de pesca Z-33 e moradores (citadinos)

de Xambioá (Tocantins). A coleta de dados na aldeia Javaé Canoanã deu-se em 2 visitas de 5

dias cada durante os meses de abril e julho/2004.

Nestas 4 comunidades, foram realizadas entrevistas individuais com um total de 120

pessoas, sendo assim divididas: 31 no povoado de Santa Cruz (São Geraldo - Pará), 31 entre

os pescadores da colônia de pescadores Z-33, 33 entre moradores de Xambioá (Tocantins) e

25 entre indígenas na aldeia Javaé Canoanã (Anexo 1). As entrevistas foram realizadas em

visitas às casas dos entrevistados.

Essas entrevistas serviram de base para levantamento dos métodos de captura das

espécies e suas formas de uso e consumo empregadas pelas 4 comunidades. Foi realizada

também uma abordagem dos aspectos simbólicos dos quelônios para a comunidade indígena

Javaé.

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Rio

Rio

Jav

aés

Ilha do Bananal

Goiás

MatoGrosso

Pará

Ara

guai

a

Parque Nacional do Araguaia

Parque Indígena do Araguaia

N

Rio

zinho

Terra Indígena Inawebohona

11º S

13º S

50º W 49º W

Boto Velho Macaúba

Fontoura

Santa Izabel do Morro

Txuiri

Imotxi

Canoanã

São João

Barrreira BrancaBarra do Rio Verde

Tytema

Mirindiba

JK

Itxalá

Watau

Wari - Wari

Cachoeirinha

Boa Esperança

Txiodé

Axiwé

Figura 1. Localização das aldeias Karajá/ Javaé, Ilha do Bananal - Tocantins.

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MUNICÍPIO DE PIÇARRA

MUNICÍPIO DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA

MUNICÍPIO DE XAMBIOÁ

MUNICÍPIO DE ANANÁS

MUNICÍPIO DE PALESTINA DO PARÁ

9310

XAMBIOÁ

SÃO GERALDODO ARAGUAIA

PovoadoSanta Cruz

SP

PB

ALPE

CE

PI

MA

GO

MG

RN

SE

RJ

RS

SC

ES

AP

AM

ACRO

RR

MS

MT

BRASIL

N

933076

0

780

9290

PA

TO

PR

AREA DE ESTUDO

ESTADO DO TOCANTINS

ESTADO DO TOCANTINS

ESTADO DO PARA

Remansodos Botos

Ilha de Campo

Santa Isabeldo Araguaia

Figura 2. Localização da área de estudo no baixo Araguaia.

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Resultados

Dentre os 4 grupos avaliados (citadinos, pescadores profissionais, ribeirinhos e

indígenas Javaé) observou-se que os três últimos grupos praticam a captura desses animais,

sendo o grupo dos citadinos depende, principalmente, dos pescadores profissionais e

ribeirinhos na aquisição ilegal desses animais. Dessa forma, os métodos de captura de

quelônios (espinhel, mergulho, boínha, redes malhadeiras, tarrafas, captura manual e linha e

anzol sem fisga) somente foram observados nos três grupos: pescadores profissionais,

ribeirinhos e indígenas Javaé.

Dentre as 7 espécies de quelônios que ocorrem na bacia do Araguaia, cada uma delas

apresenta uso diferenciado segundo os 4 grupos em questão.

Observou-se que entre os citadinos, ribeirinhos e pescadores profissionais, 4 espécies

de quelônios na região do baixo rio Araguaia são utilizadas na alimentação: P. unifilis, P.

expansa, G. carbonaria, G. denticulata. Onde se consome a carne e ovos de P. expansa e P.

unifilis e, somente a carne dos jabutis (Geochelone spp.). Entre os indígenas Javaé verificou-se

o consumo da carne e ovos de apenas duas espécies, P. expansa e P unifilis, sendo que

também, somente neste grupo, verificou-se o consumo do sangue dessas duas espécies. A

Tabela 1 apresenta o percentual de entrevistados para cada grupo que consome ovos e carne

dessas 4 espécies de quelônios.

Tabela 1 – Freqüência de consumo das espécies de quelônios entre 120 entrevistados de 4

grupos na bacia do Araguaia.

Grupos/ Comunidades Espécies

Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé*

P. expansa (carne e ovos) 37,5% 39,3% 38,71% 100%

P. unifilis (carne e ovos) 50% 96,78 77,42% 100%

Geochelone spp. (carne) 68,75% 70,94% 70,97% -

* verificou-se também o consumo do sangue.

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Entre os 4 grupos, o preparo dos quelônios pode ser realizado de duas formas básicas:

posicionando-se o animal diretamente sobre o fogo em fogueira à lenha e carvão, preparada

nas proximidades da residência ou acampamento (Figura 3), ou então, após a retirada da carne

e vísceras do animal, estas são condimentadas e preparadas em ambiente interno à residência,

em fogão à lenha ou à gás. A primeira forma de preparo é mais recorrente entre os ribeirinhos,

pescadores profissionais e indígenas Javaé, e a segunda, entre os citadinos de Xambioá. Há

ainda entre os indígenas Javaé, o preparo de refeições especiais associadas aos rituais místicos,

Festa dos Aruanãs e Hetohoky.

Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de exemplares de K. scorpioides, C.

fimbriatus e P. geoffroanus entre as 4 comunidades avaliadas.

Foi registrado o uso da gordura de P. expansa com maior ocorrência entre os indígenas

Javaé (100%), seguidos pelos pescadores profissionais (29,03%), citadinos (18,75%) e em

menor escala entre os ribeirinhos (9,67%). A Tabela 2 mostra o percentual de entrevistados

que faz uso da gordura de P. expansa.

Tabela 2 – Freqüência do uso da gordura de Podocnemis expansa entre 120 entrevistados de 4

grupos na bacia do Araguaia.

Grupos/ Comunidades Espécie

Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé

P. expansa (gordura) 18,75% 29,03% 9,67% 100%

O uso da gordura de P. expansa é ocorrente entre os 4 grupos, empregada com fins

terapêuticos e medicinais, no tratamento e prevenção de doenças de pele, reumatismo e

problemas respiratórios. Entre os indígenas Javaé verificou-se que é também utilizada

abundantemente na alimentação, além do uso terapêutico.

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Tabela 3 – Uso dos cascos de quelônios como peça decorativa em residência.

Grupos/ Comunidades Espécies

Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé

Podocnemis expansa 13 1 1 -

Podocnemis unifilis - 2 - 1

Chelus fimbriatus 1 - - -

Total 14 3 1 1

Os 4 grupos avaliados utilizam cascos de quelônios como adorno nas residências.

Tendo os citadinos apresentado o maior número de cascos, 14 no total, os pescadores

profissionais, 3 cascos, as comunidades dos ribeirinhos e dos indígenas apenas 1 casco cada

(Tabela 3) (Figuras 4 e 5).

As espécies que têm os seus cascos utilizados como adornos são: P. expansa (n=15), P.

unifilis (n=3) e C. fimbriatus (n=1).

Os cascos dos quelônios, em geral, são comercializados ilegalmente aos citadinos pelos

pescadores profissionais, permitindo assim um complemento na renda desse grupo.

Há entre os indígenas Javaé, o emprego de cascos de exemplares filhotes e juvenis de

P. unifilis e P. expansa na manufatura de adornos, principalmente colares e maracás

(instrumento musical). Estes em geral, são comercializados aos visitantes não-indígenas que

periodicamente visitam as aldeias (Figura 6). Manufaturam, ainda, cestas de palha de buriti e

artesanato cerâmico em forma de quelônios.

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Figura 3. Preparo de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) na aldeia Javaé Canoanã

(Ilha do Bananal - Tocantins).

Figura 4. Cascos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) utilizados como adorno em

residência na cidade de Xambioá (Tocantins).

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Figura 5. Cascos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) utilizados como adorno em

residência na cidade de Xambioá (Tocantins).

Figura 6. Maracá manufaturado com casco de Podocnemis unifilis (tracajá) na aldeia Javaé

Canoanã (Ilha do Bananal – Tocantins).

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Registrou-se nos rituais da Festa dos Aruanãs e Hetohoky a presença dos quelônios

através dos mitos, danças, alimentação e grafismos das pinturas corporais. Observou-se ainda

algumas restrições (tabus alimentares) quanto ao consumo de ovos, carne vísceras e gordura

de quelônios (P. expansa e P. unifilis) entre os indígenas Javaé.

Discussão

Métodos de captura dos quelônios

Nos três grupos (pescadores, ribeirinhos e indígenas Javaé), a captura de exemplares de

P. unifilis é feita principalmente com redes malhadeiras, ocorrendo durante quase todo o ano.

Para P. expansa esse método se mostra pouco eficaz, considerando ser uma espécie de maior

porte em relação à P. unifilis. A captura com o uso de redes malhadeiras ocorre quando

integrantes destes 3 grupos deixam suas redes para captura de peixes durante o dia e a noite,

capturando também esses quelônios, conforme também prática observada entre pescadores e

ribeirinhos para a região dos rios Amazonas e Japurá, município de Itacotiara, Estado do

Amazonas (SMITH 1979, TERAN 1999).

A captura com espinhel, boínha e tarrafa é pouco recorrente para P. unifilis e P.

expansa entre os pescadores e ribeirinhos, ocorrendo mais freqüentemente entre os indígenas

Javaé que entre esses dois primeiros grupos. O espinhel é o método mais usado para capturar

quelônios no rio Capanaparo, na Venezuela (THORBJARNARSON et al. 1997).

O mergulho é praticado para a captura de P. unifilis e P. expansa entre os ribeirinhos e

se dá, principalmente, durante a estação seca em pequenos lagos marginais e reentrâncias do

rio. Esse método descrito por Bates (1892) era praticado amplamente pelas comunidades da

Amazônia no século XIX. Polistar (1995, 1997), afirma que essa é a técnica de maior sucesso

empregada na captura de Dermatemys maweii (quelônio aquático) em Belize, América

Central, quando comparada a outros métodos, como o uso do arpão e rede.

O método mais eficaz e mais recorrente para a captura de P. expansa é o emprego de

linha e anzol sem fisga (IBAMA 1989b), e é atualmente utilizado pelos três grupos.

No período da estação seca, nos meses de desova de P. unifilis e P. expansa, as fêmeas

reprodutoras são capturadas à noite nas praias e barrancos do rio Araguaia, tanto por

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pescadores, ribeirinhos e indígenas. Método bastante antigo, que é praticado em diversas

localidades da Amazônia (BATES 1892, IBAMA 1989b).

Na Reserva Biológica do rio Trombetas, Estado do Pará, é prática comum das

comunidades locais (remanescentes de quilombolas) utilizarem itapuá (arpão), espinhel, redes

malhadeiras ou capturarem diretamente os exemplares de P. unifilis e Podocnemis

sextuberculata (iaçá) que sobem às praias para desovar (HALLER 2002).

Entre os indígenas Javaé, os métodos tradicionais de captura de P. unifilis e P. expansa

com o emprego do arpão e arco e flecha são praticados atualmente apenas esporadicamente,

verificando-se a substituição por outros métodos não-tradicionais (linha e anzol sem fisga e

rede).

Segundo Melatti (1972) diversos grupos indígenas têm modificado suas práticas e

métodos nas atividades de caça, quando do contato interétnico, fato corroborado por Hames

(1979), Saffirio & Scaglion (1982) e Alvard (1995).

Apesar de Geochelone carbonaria e G. denticulata serem itens alimentares bastante

apreciados pelos pescadores e ribeirinhos, a captura destas espécies é ocasional. A captura de

Geochelone spp. está associada a prática de atividades agropastoris entre os ribeirinhos, ou se

dá nas atividades de caça de animais silvestres (principalmente de aves e mamíferos)

praticadas por integrantes dos dois grupos. Segundo Teran (1999) a captura de G. denticulata

é ocasional entre as comunidades ribeirinhas de Itacotiara (Amazonas).

K. scorpioides é capturada em redes de espera e tarrafa, ocasionalmente por pescadores

profissionais e ribeirinhos, e raramente por indígenas Javaé.

Não são empregados esforços na captura de P. geoffroanus e C. fimbriatus, ocorrendo

esporadicamente, quando da prática de atividades de pesca com o uso de linha de mão e anzol,

redes malhadeiras e tarrafa entre os três grupos.

Os exemplares das espécies, K. scorpioides, P. geoffroanus e C. fimbriatus,

geralmente, são descartados imediatamente após a captura, tanto por pescadores profissionais,

quanto por ribeirinhos e indígenas Javaé.

A pesca de quelônios é uma atividade, quase que exclusivamente masculina, entre os

ribeirinhos e indígenas Javaé, enquanto que entre os pescadores profissionais, muitas vezes,

em tal atividade os homens são acompanhados por mulheres (esposas e filhas). Já, a coleta de

Geochelone spp. é realizada por homens e mulheres entre os ribeirinhos, estando relacionada a

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práticas agropastoris, enquanto que entre os pescadores profissionais, quase que

exclusivamente é praticada somente por homens, por estar fortemente relacionada às práticas

de caça.

Os pescadores e ribeirinhos praticam a pesca em pequeno número de pessoas (duas ou

três) e geralmente com uma só embarcação, enquanto que os indígenas praticam a captura dos

quelônios tanto individualmente, quanto como uma atividade de grupo, o qual pode ser

composto por membros de uma ou mais famílias.

Entre os indígenas Achuar do Equador a captura de quelônios aquáticos (P. expansa e

P. unifilis) é uma atividade masculina, enquanto que a coleta de exemplares de G. denticulata

é praticada por homens e mulheres. Isso se justifica, considerando que há uma maior

dificuldade na captura e contenção dos quelônios aquáticos em relação à captura de espécies

terrestres, ressaltando, especialmente, P. expansa, que pode apresentar-se com grandes

exemplares de maior agilidade, do que os G. denticulata, tidos como animais lentos e

inofensivos (DESCOLA 1986).

Cada uma dessas técnicas supõe séculos de observação ativa e metódica, hipóteses

ousadas e controladas, a fim de rejeitá-las ou confirmá-las através de experiências

incansavelmente repetidas (LÉVI-STRAUSS 1989). Esses métodos e técnicas empregadas na

captura desses animais expressam parte dos conhecimentos e valores adquiridos que são

mantidos e transmitidos dentro dessas comunidades, sendo um aspecto que deve ser bem

compreendido no entendimento das relações que esses grupos estabelecem com esses animais.

Uso e consumo dos quelônios

Ayres & Ayres (1979) realizaram um trabalho junto à comunidade não-indígena de

Dardalenos, município Aripuanuã (Mato Grosso) onde não registraram o consumo de jabutis

(Geochelone sp.) e dentre as duas espécies de quelônios incluídas na dieta local, P. unifilis se

mostra a de maior preferência em relação à Platemys platycephala (lalá).

Entre os indígenas Javaé na Ilha do Bananal, apenas exemplares de P. unifilis e P.

expansa são consumidos, enquanto que para outros 3 grupos não-indígenas (ribeirinhos,

pescadores profissionais e citadinos) há também o consumo de jabutis, G. carbonaria e G.

denticulata. Esses quelônios são juntamente com os peixes, a principal fonte de alimento de

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origem animal, para os ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas Javaé. Apresentando

também uma importância significativa como recurso alimentar para os citadinos.

Segundo Souza-Mazurek (2000) os indígenas Waimiri Atroari (tronco lingüístico

Karib), habitantes da região central da Amazônia brasileira, consomem diferentes espécies de

quelônios, 2 terrestres (G. denticulata e G. carbonaria) e 3 aquáticas (Rhinoclemmys

punctularia, P. platycephala e Phrynops sp.) sendo que de todos os animais caçados, a espécie

mais freqüentemente coletada é G. denticulata. Fato semelhante foi observado por Pierret &

Dourojeanni (1966) para as comunidades ribeirinhas do rio Pachitea (Peru) que dentre os

animais caçados, encontravam-se duas espécies de quelônios (G. denticulata e Podocnemis

sp.) tendo verificado que G. denticulata era o item mais freqüentemente consumido em

relação aos demais animais caçados.

Jerosolimski (2005) informa que os indígenas Kayapó (tronco lingüístico Macro-Jê),

do Parque Nacional do Xingu (Mato Grosso) capturam e consomem 4 das 6 espécies de

quelônios com ocorrência na área. Sendo 2 espécies aquáticas (P. unifilis e R. punctularia), e

duas espécies de jabuti (G. carbonaria e G. denticulata). Não tendo registrado o consumo de

P. platycephala e K. scorpioides.

Segundo Vogt et al. (2001) as comunidade humanas na Amazônia não têm o hábito de

perseguir para consumo e comercialização os representantes da família Chelidae, a qual estão

incluídos C. fimbriatus e P. geoffroanus.

C. fimbriatus é ocasionalmente capturada sendo de menor importância nas dietas locais

que Podocnemis spp. (SMITH 1979). Esta espécie é a menos consumida na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), Estado do Amazonas (TERAN 1999).

Pritchard & Trebbau (1984) registraram através de relatos colhidos de missionários, no

alto rio Orinoco (Venezuela), que os índios Guaica não consomem C. frimbriatus, ao contrário

dos índios Macaritari (Makiritare).

No rio Capanaparo (Venezuela) ocorrem 4 espécies de quelônios aquáticos, P.

expansa, P. unifilis, P. vogli e C. fimbriatus. Todas com exceção de C. fimbriatus são

fortemente exploradas para alimentação pelos indígenas Yaruro e pelas comunidades não-

indígenas (THORBJARNARSON et al. 1993).

Os três grupos (ribeirinhos, pescadores e indígenas) durante a estação seca, período de

nidificação de P. unifilis e P. expansa, praticam a coleta de ovos nas praias e barrancos do rio.

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A coleta de ovos de quelônios pelas populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia é

uma atividade periódica importante, que é praticada tradicionalmente desde muitas décadas

atrás e está relacionada ao ciclo reprodutivo dos quelônios (TERAN 1999).

Haller (2002) em trabalho realizado na região da Reserva Biológica do rio Trombetas,

Estado do Pará, informa que as comunidades locais, principalmente as remanescentes de

quilombolas, predam ninhos de P. unifilis e P. sextuberculata durante a estação de desova.

O uso da gordura de P. expansa é recorrente entre os 4 grupos, empregada com fins

terapêuticos e medicinais, no tratamento e prevenção de doenças de pele, reumatismo e

problemas respiratórios. Entre os indígenas Javaé verificou-se que é também utilizada

abundantemente na alimentação, além da terapêutica.

Os primeiros registros da utilização da gordura de P. expansa com fins medicinais,

datam do período colonial (HUMBOLDT 1862) e foram mais recentemente registrados por

Vianna (1973) enfatizando ainda que nas colônias agrícolas às margens do rio Tocantins,

Estado do Pará, o emprego da carapaça de quelônios tendo prescrição específica sob a forma

de chá ou ungüento.

IBAMA (1989a) informa que para as comunidades que vivem nas vizinhanças da

confluência dos rios Amazonas e Tapajós, Estado do Pará, C. fimbriatus é considerado um

remédio para reumatismo. O autor não menciona se o animal é utilizado vivo em algum

tratamento específico, ou se apenas alguma parte ou subproduto do animal é utilizada.

Lourival & Fonseca (1997), em trabalho realizado na sub-região de Nhecolândia, no

Pantanal do Mato Grosso do Sul, aponta que algumas espécies animais são eventualmente

abatidas por ser lhes atribuídas características medicinais. A gordura de Puma concolor (onça-

parda) é usada para cicatrizar ferimentos de animais, a gordura de Euphractus sexcinctus (tatu-

peba), para pisadura de cavalos e a gordura de Eunectes notaeus (sucuri), para bronquite.

Acredita-se ainda que penas de Rhea americana (ema) queimadas, curam dores de ouvido e

que o chá elaborado a partir da garganta do macaco Alouatta caraya (bugio) serve para que

crianças desenvolvam a fala.

Os indígenas Waurá (tronco lingüístico Aruak), no Estado do Mato Grosso, produzem

artesanato cerâmico zoomórfico (em forma de animal) que apresentam características dos

quelônios (RIBEIRO 1988).

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Vianna (1973) registrou que a carapaça de quelônios é utilizada como peça de

artesanato, no vale do rio Tapajós, Estado do Pará. Soares (2000) afirma que o casco de P.

expansa e P. unifilis pode servir como brinquedo de criança e peça decorativa em Costa

Marques, Estado de Rondônia.

A captura dos quelônios tem como principal objetivo a subsistência e a

comercialização, entre os três grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas). Entre

os citadinos mostra-se pouco expressiva, apesar deles usualmente adquirirem os quelônios

através da compra ou troca.

Teran (1999) observou que a captura de P. unifilis e P. sextuberculata na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (Amazonas), proporciona principalmente alimento

para consumo dos ribeirinhos e pescadores locais. Entretanto, a captura em grandes

quantidades tem sido sempre com objetivos comerciais.

Ross (1978) em trabalho realizado com os indígenas Achuar e uma comunidade

ribeirinha (mestiços), em região da Amazônia Equatoriana/ Peruana, identificou que dois

grupos incluem quelônios em sua subsistência, tendo averiguado que os quelônios são mais

proeminentes entre os ribeirinhos do que entre os indígenas Achuar. Os autores atribuem a

essa maior freqüência dos quelônios na comunidade dos ribeirinhos ao comércio

desempenhado para suprir o mercado de carne fresca para a população urbana de Iquitos

(Peru).

Ojasti (1967) informa que os métodos empregados na captura de P. expansa no rio

Orinoco (Venezuela), diferenciam-se segundo as intenções dos pescadores. Para consumo

local, empregam na captura dos animais, anzóis e arpão, já para a comercialização empregam-

se redes de arrasto.

As comunidades do baixo Araguaia (pescadores profissionais, ribeirinhos e citadinos)

consomem um maior número de espécies (4 no total) em relação aos indígenas Javaé (2

apenas). Isso pode ser, em parte, explicado pela escassez de exemplares de P. unifilis e P.

expansa na região do baixo Araguaia, em relação às áreas da Ilha do Bananal e seu entorno, o

que força uma maior pressão por exemplares das demais espécies.

Teran (1999) coloca ainda que em diversas localidades na Amazônia, onde as

populações de P. expansa são pequenas, a pressão de caça tem sido mais intensa às outras

espécies de menor porte (P. unifilis, P. sextuberculata, P. erytrocephala e P. dumerilianus).

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O hábito gregário e as dimensões de P. expansa facilitam a sua captura e a localização

das covas, mas o declínio das populações fez as atenções se voltarem para espécies menores e

não gregárias como P. unifilis e P. sextuberculata em Itacotiara (SMITH 1979) e na Reserva

de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, (TERAN 1999) ambos locais situados no Estado

do Amazonas.

O consumo de P. expansa mostra-se menos ocorrente entre os 3 grupos (citadinos,

ribeirinhos e pescadores profissionais), possivelmente, sendo uma expressão de um histórico

de superexploração, o que forçosamente direcionou o atual consumo para as outras espécies

(P. unifilis, G. carbonaria e G. denticulata).

Aspectos simbólicos relacionados aos quelônios

Os indígenas Karajá/ Javaé apresentam uma estreita relação com os rios Araguaia e

Javaés (braço menor do Araguaia), através da organização e disposição das casas nas aldeias,

que tradicionalmente estão dispostas em 2 ou 3 fileiras de casas paralelas e voltadas para às

margens desses rios e por sua principal atividade econômica e de subsistência, a pesca.

Considera-se ainda que essa relação está simbolicamente fundamentada nos mitos de

origem desse povo e na contínua e permanente relação com os rios Araguaia e Javaés, através

dos ciclos de festividades rituais (TORAL 1992, LIMA 2004).

Os mitos dizem que depois que o herói Kanýxiwè conquistou o Sol, os humanos

mágicos (seres antropomorfos) que viviam no Fundo das Águas do rio Araguaia (Berohoky),

um lugar escuro, resolveram ascender ao nível terrestre em que vivemos e passaram a viver

em sociedade aqui, o que não existia lá embaixo. Alguns não quiseram vir, porque aqui

encontraram a morte. Os que continuaram debaixo da água transformaram-se em Aruanãs,

Latèni ou Worysy, diferentes tipos de seres antropomorfos mágicos que habitam o Fundo das

Águas dos rios Araguaia e Javaés. Desde sua ascensão do Fundo das Águas os indígenas

Karajá/ Javaé mantêm uma constante relação com as três categorias de seres espirituais das

profundezas (Aruanãs, Latèni e Worysy) principalmente, através dos rituais da “Festa dos

Aruanãs” e do “Hetohoky” (PAINKOW et al. 2002, RODRIGUES 1993, 2004).

O ritual de iniciação Hetohoky (casa grande) é feito com o objetivo de levar os

meninos pré-adolescentes ou adolescentes para a casa dos homens e, ao final de tudo, iniciá-

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los nos segredos dos Aruanãs e transformá-los em Aruanãs propriamente ditos, ou seja, em

dançarinos que "incorporam" os Aruanãs trazidos pelos pajés (hyri). Para isso, o pajé que

conduz o ritual, convida os Worysy do Fundo das Águas do rio Araguaia ou Javaés para

participarem das festividades da Festa dos Aruanãs e do Hetohoky (LIMA FILHO 1994).

A Festa dos Aruanãs é um misto de atividades míticas e alimentares, onde há a

presença de danças rituais, cânticos, brincadeiras e refeições. Os homens dançam, geralmente

em duplas, vestidos com uma indumentária feita à base de palhas e penas tingidas com

jenipapo e urucum. Eles dançam representando diferentes Aruanãs ou Worysy, que possuem

cânticos e ritmos próprios, freqüentemente embalados ao som de maracás (Figura 7). As

mulheres participam realizando a contra-dança dos homens mascarados. Elas dançam

seminuas adornadas com colares e enfeites de algodão, nos braços, nos tornozelos e joelhos,

estando pintadas simetricamente com jenipapo e urucum. Existem diversos tipos de grafismos

empregados nas pinturas corporais, dentre os quais aqueles que imitam a forma dos escudos

do casco de quelônios (Geochelone spp.), nomeados em língua nativa “k”òtubanobròriti

(pintura do jabuti) utilizados, principalmente, por mulheres e crianças apesar de não existirem

restrições quanto ao seu uso pelos homens (Figuras 8 e 9).

Durante o ritual do Hetohoky existem várias brincadeiras que são realizadas para

integrar a comunidade e transmitir, principalmente, às crianças e jovens a importância de

vários conceitos e conhecimentos ligados ao uso dos recursos naturais e à organização social

do grupo. Entre as brincadeiras realizadas, há uma que representa o apreço que esse grupo

indígena possui pelos quelônios. Ela é denominada de alesi“k”òtu (brincadeira do tracajá).

Essa brincadeira é realizada da seguinte forma: um jovem indígena que tem na cabeça

uma cabaça pintada de amarelo com os mesmos traçados característicos dos exemplares

jovens de P. unifilis e as costas cobertas por palha de buriti (assemelhando-se ao casco do

animal), sai correndo pela aldeia, sendo perseguido por um outro indígena que representa a

Panthera onca (onça-pintada), um dos predadores dessa espécie. Quando a P. onca está quase

alcançando o P. unifilis para predá-lo, uma terceira personagem aparece em cena; um indígena

caçador munido de um arco e flecha, que atira uma flecha contra a onça, matando-a e salvando

o P. unifilis. No final de tudo, a aldeia toda comemora o livramento do P. unifilis com muita

euforia e entusiasmo.

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Os Worysy são seres antropomorfos mágicos que imitam o comportamento de animais

e de outras entidades, como os Latèni, parentes dos Aruanãs. A imitação dos animais é

considerada entretenimento dos Worysy durante o ciclo de festividades, o mesmo que eles

fazem em suas aldeias subaquáticas. Assim, cada dançarino (homem) “incorpora" um Worosy,

imitando o comportamento de um animal específico. Entre eles está o “K”òtu Worosy, (tracajá

Worysy), ou seja, o ser antropomorfo mágico do Fundo das Águas que imita o tracajá (P.

unifilis).

Lima Filho (1994) registrou entre o subgrupo Karajá da aldeia de Santa Isabel do

Morro, situada às margens do rio Araguaia (Ilha do Bananal), que durante o ritual do

Hetohoky, há um Worysy que imita o comportamento dos jabutis (Geochelone spp.), sendo

nomeado de Õtubona uni, que pode ser entendido como jabuti Worysy ou espírito do jabuti.

Segundo Toral (1992) a presença dos quelônios se dá também em um dos grafismos

presente nas máscaras rituais que é associado a P. unifilis (“k”òtuni). A representação do

desenho na máscara está presente porque o quelônio é utilizado como travesseiro pelos Latèni

no mundo subaquático. O que acabou por imprimir seu desenho na máscara dele.

Os Worysy são os convidados especiais do pajé e eles, assim como os Aruanãs, vêm a

esta dimensão terrestre porque eles gostam também de comer as comidas dos seres humanos e

conhecer lugares diferentes. Dentre os pratos que devem ser servidos aos Worysy e Aruanãs,

estão os preparados à base de quelônios.

Os Worysy e Aruanãs estão relacionados às fontes tradicionais de alimento. Dessa

forma, acompanham os homens nas grandes pescarias de quelônios que são realizadas para

suprir a demanda de alimento exigido durante os rituais. Eles estão presentes, propiciando

bons resultados nas pescarias e em retribuição recebem o alimento durante as festividades.

Semelhante aspecto pode ser observado entre os Achuar do Equador, que para caçar

eficazmente, devem manter relações amigáveis com os animais que serão caçados e com os

espíritos tutelares da caça (Kuntiniu nukuri) (DESCOLA 1986).

O sucesso em tais pescarias de quelônios é indispensável, pois esses animais são tidos

como os alimentos tradicionais e mais desejados nas festividades da Festa dos Aruanãs e do

Hetohoky.

Considerando os pratos preparados à base de quelônios e servidos aos Worysy e

Aruanãs temos: o halubu, o bororò e o bereti.

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O halubu é o preparo do sangue de quelônios (P. expansa e P. unifilis) cozido com

água, que se dá, geralmente, após a sangria do animal com um corte na região inferior do

pescoço.

O preparo do bereti e do bororó é feito de forma mais elaborada do que o halubu e são

seqüenciais um ao outro.

Após o sacrifício do animal, separa-se o plastrão da carapaça através da quebra dos

escudos marginais que unem essas duas partes, e seguem-se 4 passos para o preparo do bereti:

(1) o plastrão é retirado, juntamente com a carne a ele adjacente, (2) posiciona-se o plastrão

com sua parte externa sobre o fogo e brasas, (3) a carne retirada é picada e condimentada

sobre o plastrão e (4) a carne assada é servida no próprio plastrão, às vezes acrescendo-se

farinha de mandioca.

Para o preparo do bororò, utiliza-se a carapaça com seu conteúdo (carne e vísceras),

seguindo-se 5 passos: (1) retirada e armazenamento da gordura, (2) retirada da carne e vísceras

para limpeza, (3) posicionamento da carapaça sobre o fogo e brasas, às vezes, a carapaça é

revestida em sua parte externa por uma camada de barro, tornando-a mais resistente à ação do

fogo, (4) retorno da carne e vísceras à carapaça para serem assadas e (5) a carne e vísceras são

servidas na própria carapaça, às vezes, acompanhadas de farinha de mandioca ou com a

gordura do animal e mandioca e/ou batata cozidas.

Os exemplares de P. expansa são classificados com as mesmas classes de idade e

gênero dos seres humanos, tais como ijadoma (moça), senadu (velha), weryrybò (rapaz) ou

matukari (velho), pois os Javaé sabem identificar simbolicamente a idade desses animais.

Segundo Medem (1969) os indígenas Coreguajé, que habitam as proximidades do rio

Caquetá, na Venezuela, fazem uma categorização dos filhotes de P. expansa, diferenciando-os

em machos e fêmeas. Possivelmente, tal classificação possa estar relacionada não somente a

aspectos da biologia desses animais, mas sim, tendo também uma vertente simbólica, a

exemplo dos indígenas Javaé.

O preparo do bereti e do bororò é recomendado, principalmente, quando se captura um

exemplar fêmea de P. expansa, da categoria senadu (velha). Já o preparo do halubu pode dar-

se com o sangue de qualquer exemplar de P. expansa e P. unifilis, das diferentes categorias de

idade e gênero.

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Apesar da atividade de preparo dos alimentos ser caracterizada como um papel

feminino, considerando o preparo dos quelônios, não há distinção de gênero entre os Javaé,

sendo possível que homens e mulheres se envolvam em tal atividade.

Verificou-se entre os indígenas Javaé há um tabu alimentar com relação ao consumo de

quelônios. Às mulheres durante os períodos da menstruação e de gestação, assim como aos

pais de um recém-nascido, não é recomendado o consumo de alimento de origem animal,

incluindo a carne, vísceras, gordura, sangue e ovos de quelônios (P. expansa e P. unifilis),

sendo adequado apenas o consumo de outros alimentos, tais como, batata, cará, banana,

farinha de mandioca, mel e calugi (prato doce típico dos Javaé, feito de macaúba, milho ou

arroz). Não sendo aconselhável também, o consumo alimentos, principalmente de origem

animal, antes e logo após as relações sexuais.

Donahue (1982) registrou entre os indígenas Karajá que o nascimento de filhos gêmeos

está relacionado à quebra do tabu alimentar, da mulher que durante a gestação consome ovos

de quelônios.

Para os indígenas Kaapor do Maranhão (tronco lingüístico Tupi Guarani), durante a

gestação e por um período de até seis meses após o nascimento da criança, somente é

permitido aos pais o consumo da carne de jabutis (Geochelone spp.), sendo que qualquer outra

carne animal durante esse período não pode ser consumida. O mesmo também é recomendado

para a mulher durante a menarca que deve restringir sua dieta aos quelônios (BALEE 1985).

Um grande número de exemplares de G. carbonaria e G. denticulata são coletados e

vendidos nos centros urbanos na Venezuela, no período que antecede os feriados da Semana

Santa, quando só é permitido aos devotos católicos o consumo de carne de peixe. Os cristãos

católicos na Venezuela consideram esses quelônios como “peixe”, consumindo amplamente

tais animais (PRITCHARD & TREBBAU 1984, KLEMENS & THORBJARNARSON 1995).

As relações estabelecidas entre as comunidades (citadinos, ribeirinhos, pescadores

profissionais e indígenas Javaé) e os quelônios com ocorrência na bacia do rio Araguaia

precisam ser profundamente entendidas e tais comunidades devem ser envolvidas nas

iniciativas conservacionistas.

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Figura 7. Dança dos Aruanãs. Foto: CIMI- TO.

Figura 8. Tipos de grafismo chamado “k”òtubanobròriti (pintura do jabuti), utilizado na

pintura corporal de mulheres, durante a Festa dos Aruanãs.

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Figura 9. Grafismo “k”òtubanobròriti, utilizado durante a Festa dos Aruanãs.

Considerações finais

Os principais métodos de captura dos quelônios (Podocnemis unifilis e Podocnemis

expansa) mostram-se similares entre os 3 grupos avaliados (ribeirinhos, pescadores

profissionais e indígenas Javaé). Sendo a forma mais ocorrente de captura de P. unifilis, o

emprego de redes malhadeiras, e para P. expansa o uso de linha e anzol sem fisga. Os jabutis

(G. carbonaria e G. denticulata) são capturados com as próprias mãos, eventualmente em

encontros casuais, assim como também, as fêmeas de P. unifilis e P. expansa são coletadas

durante a postura no período reprodutivo, principalmente à noite.

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Os indígenas Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis,

enquanto que os outros 3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também

incluem em sua dieta, jabutis (G. carbonaria e G. denticulata).

Entre os citadinos as espécies mais consumidas são os jabutis (G. carbonaria e G.

denticulata) enquanto que entre os ribeirinhos e pescadores profissionais, P. unifilis apresenta-

se como o item principal na dieta.

O consumo dos quelônios por parte dos citadinos mostra-se dependente,

principalmente, da aquisição dos ribeirinhos e pescadores profissionais.

Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de C. fimbriatus, K. scorpioides e P.

geoffroanus.

O uso da gordura de P. expansa com fins medicinais e terapêuticos é freqüente entre os

3 grupos (citadinos, ribeirinhos e pescadores profissionais), sendo também utilizada entre os

indígenas com essas finalidades, mas também, amplamente empregada na alimentação.

Verificou-se o emprego como adorno dos cascos de P. expansa, P. unifilis e C.

fimbriatus. O uso de cascos em residências ocorre nos 4 grupos avaliados, sendo mais

ocorrente entre os citadinos, que adquirem os cascos, principalmente, dos pescadores

profissionais. Entre os indígenas Javaé, os cascos são também empregados na manufatura de

artesanato (colares e maracás).

Os indígenas Javaé apresentam uma forte ligação simbólica com os quelônios (P.

expansa, P. unifilis), pois são amplamente empregados na alimentação e juntamente com

Geochelone spp. estão presentes através dos seres espirituais (Worysy e Aruanãs) nas

festividades da Festa dos Aruanãs e do Hetohoky. São vistos também nos mitos, manufatura

de artesanato e no grafismo das pinturas corporais.

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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pela Escola de Canoanã da Fundação Bradesco, a CONJABA e a FUNAI. Nós gostaríamos de agradecer a Ricardo Rehder, Osvaldo e Lucrécio Filho da Fundação Bradesco, Euclides Dias e Maria Djane da FUNAI e Darci Javaé da CONJABA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos alunos da Universidade Federal do Tocantins, William Giovani Franklim e Marcos Clodoaldo Morais Garcia. Agradecemos ao cacique Terambi Javaé e Suará Javaé da aldeia Canoanã e a Miguel e José Albino da Colônia de Pescadores Z-33 de Xambioá e as professoras da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também ao apoio recebido pelo CIMI-TO, através de Domingos Rodrigues Maciel e Clarice Duarte da Silva.

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Capítulo 7 – Discussão geral

Muitas espécies de quelônios em diversas partes do mundo apresentam uma

importância alimentar e econômica, onde seus ovos, carne, vísceras, gordura e casco são

utilizados intensamente pelas populações locais (MITTERMEIR 1978, KLEMENS &

THORBJARNARSON 1995, PEZZUTI 1998, FERRI 2002, MALVASIO & SALERA Jr.

2004).

No Brasil, a exploração dos quelônios amazônicos data do período colonial, tendo sido

documentada com os relatos dos naturalistas que viajaram pelo rio Amazonas e seus afluentes

descrevendo densidades extraordinárias de ninhos e o emprego maciço de ovos na produção

comercial de óleo (BATES 1892, PEREIRA 1954, ALFINITO 1973). Paralelamente a essa

intensa exploração, diversas iniciativas governamentais foram tomadas para racionalizar o uso

desses animais.

Coutinho (1868) afirma que as primeiras medidas de proteção dos quelônios datam do

período imperial, mas os resultados funestos não contribuíram, naquela época, para uma

redução da exploração das populações na grande maioria dos locais de sua distribuição.

Em meados da primeira metade do século XX foi promulgado o Código de Caça e

Pesca (aprovado pelo Decreto n° 23.672, de 2 de janeiro de 1934), para proteção dos recursos

faunísticos e pesqueiros, o qual fazia restrições ao seu uso e captura. Mas pouco efeito teve

para proteção dos quelônios na Amazônia (PEREIRA 1954).

Como a utilização dos quelônios havia tomado proporções de comércio potencial e

lucrativo ao longo dos séculos, a ponto de algumas espécies correrem risco de extinção.

Medidas mais severas visando a conservação e redução da atividade predatória foram

oficializadas através da Lei nº 5.197/67 (BRASIL 1967), que dispõe sobre a proteção da fauna,

proibindo a livre captura e utilização de animais silvestres, se não provenientes de criadouros

registrados, respaldando legalmente o trabalho de proteção dos quelônios (LUZ 2001).

Nos dias atuais, os ovos e animais adultos ainda constituem fonte de proteínas para as

populações ribeirinhas e a coleta indiscriminada de ovos se mostra como um dos maiores

empecilhos para a conservação dessas populações (PEZZUTI 1998).

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A despeito de imposições e restrições legais, atualmente os hábitos de captura e

utilização desses animais, em muitas localidades no Brasil apresentam-se ativos e intensos.

Alho (1985) informa que na região da Amazônia a caça predatória de Podocnemis

expansa é mais do que uma simples maneira de se obter alimento de origem animal: é um

modo de vida e faz parte da cultura das comunidades locais. O autor enfatiza que, para reduzir

a apanha ilegal dos quelônios amazônicos é necessário o conhecimento sobre a ecologia das

espécies, a fim de se estabelecer estratégias eficazes de conservação e manejo.

Diversos autores (IBAMA 1989a, 1989b, ZANZINI 2000, ZANZINI & VAN DEN

BERG 2000) enfatizam que a conservação de recursos faunísticos não se deve limitar apenas à

implementação de ações fiscalizatórias com intuito de reprimir e coibir a predação excessiva

de animais e degradação de seus habitats.

Pough et al. (2001) complementam ainda que a eficácia de iniciativas

conservacionistas depende, principalmente do envolvimento das comunidades locais. Para

tanto, deve-se não só conhecer a biologia básica do animal, mas ir muito além, entender as

percepções e valores culturais dessas comunidades. Quando a espécie é perseguida e morta por

ser temida, ou quando ela é superexplorada por ser valorizada, essas relações devem ser

entendidas e inseridas nos programas conservacionistas.

Outro aspecto extremamente relevante, além dos investimentos em pesquisas básicas e

avançadas para melhor conhecimento da biologia desses animais e no estabelecimento de

programas conservacionistas, deve-se também envolver a comunidade local em tais

iniciativas, e dá-las um incentivo econômico para a preservação do habitat e de sua flora e

fauna (ERNST & BARBOUR 1989, POUGH et al. 2001).

Os quelônios, Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis, apresentam uma relação

com o ciclo hidrológico dos rios em suas áreas de ocorrência (ALHO et al. 1979, ALHO &

PÁDUA 1982, IBAMA 1989a, NASCIMENTO 2002). Diversos autores têm alertado que

construções e empreendimentos modificando o ciclo hidrológico natural das bacias

hidrográficas podem causar problemas para a reprodução dos quelônios pela interferência na

sincronia entre a vazão, desova e eclosão (SMITH 1979a, TUCKER et al. 1997, FERREIRA

Jr. 2003).

Segundo Gibbons & Tinkle (1969) há uma necessidade de ampliar as informações

acerca de fatores que afetam taxas de crescimento, tamanho dos animais e aspectos

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reprodutivos nas diferentes populações de quelônios. Pritchard & Trebbau (1984) afirmam que

os conhecimentos sobre as populações de quelônios na Amazônia são escassos.

Para que as ações de projetos e programas conservacionistas tenham sucesso, deve-se

antes, conhecer profundamente os aspectos básicos sobre a biologia dos organismos

envolvidos (POUGH et al. 1993).

A conservação das espécies de quelônios amazônicos é importante não somente para a

preservação da biodiversidade, mas também para que se garanta a manutenção de item

alimentar importante para as comunidades locais (VOGT 1994).

Segundo Weisrock & Janzen (2000) as características do habitat e do ambiente das

covas estão ligadas e têm conseqüências no desenvolvimento dos embriões e filhotes.

Durante a incubação das ninhadas de quelônios, o ambiente hídrico e termal das covas

pode ser influenciado por vários fatores ambientais e ecológicos, dentre eles a profundidade da

cova (BURGER 1976, WILHOFT et al. 1983), posicionamento da cova e cobertura vegetal

(VOGT & BULL 1984) e data da desova (MROSOVSKY et al. 1984).

Diversos autores apontam que os projetos de manejo de quelônios que envolvem o

transplante de ovos devem considerar as particularidades do local de origem e dos locais de

transferência. Devendo buscar, sempre que possível, locais de transferência com

características sedimentológicas similares ao local de origem dos ninhos (YNTEMA &

MROSOVSKY 1980, SPOTILA & STANDORA 1986, SOUZA & VOGT 1994, VOGT

1994, NARO-MACIEL et al. 1999).

P. expansa e P. unifilis apresentam índices diferenciados de ocorrências de

irregularidades no padrão de escutelação do casco. Sendo P. expansa uma espécie mais

suscetível à ocorrência de tais anormalidades. A presença dessas irregularidades e suas

possíveis implicações na vida desses animais devem ser entendidas, pois anualmente milhares

de filhotes são manejados pelo RAN/ IBAMA (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e

Anfíbios) e devolvidos aos rios ou destinados aos criatórios conservacionistas e comerciais.

Os aspectos, profundidade e posicionamento da cova, assim como o tempo de

incubação, o número de ovos por ninho e o tipo de casca dos ovos, que são diferentes entre as

duas espécies, podem estar relacionados com a diversa incidência de tais anormalidades.

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P. expansa e P. unifilis são importantes componentes nos ambientes onde ocorrem,

estando presentes na dieta de inúmeros grupos dos animais vertebrados. Dentre os quais,

anuros, lagartos, jacarés, aves, peixes, e mamíferos (IBAMA 1989b).

Alho (1985) ressalta que, embora as espécies de quelônios amazônicos tenham um alto

potencial reprodutivo, uma grande proporção de seus filhotes sem o manejo adequado é

consumida por predadores, principalmente peixes.

A maior ameaça natural sobre as populações de P. expansa é a perda de ovos e filhotes

pela predação (IVERSON 1991, ROZE 1964), que no rio Javaés se dá principalmente por aves

e peixes carnívoros.

As diferenças existentes entre as espécies, P. expansa e P. unifilis, tais como porte do

animal e tipo de ninho, estão diretamente relacionados com a predação de ninhos e fêmeas em

postura.

Os ninhos de P. unifilis estão mais sujeitos á predação por serem menos profundos dos

que os de P. expansa. Assim como, as fêmeas de P. unifilis, por terem um menor porte, estão

mais vulneráveis a um maior número de predadores do que as fêmeas de P. expansa.

Semelhantemente ao que ocorre com P. unifilis, várias espécies de quelônios de

pequeno porte, que desovam em covas rasas, têm na predação de ninhos os maiores índices de

perda natural (BURGER 1976, PLUMMER 1976, TINKLE et al. 1981).

Considerando os métodos de captura em quelônios existem registros diversos que

descrevem em inúmeras partes da Amazônia o emprego de diferentes estratégias empregadas

na coleta desses animais, terrestres e aquáticos. Podemos citar, o emprego de arpão (itapuá ou

sararaca), arco e flecha, espinhel (anzóis presos por uma linha fina em uma mais grossa,

contendo palmito, massa de mucajá ou algum outro tipo de fruto como isca), boínha (anzol

preso a uma linha curta com uma bóia) redes, tarrafas, linha de mão e anzol sem fisga,

mergulho e captura direta dos animais (BATES 1892, PEREIRA 1954, VALLE et al. 1973,

SMITH 1979b, IBAMA 1989b, SANTOS 1985, 1994).

Na bacia do Araguaia, observa-se uma homogeneização dos métodos de captura dos

quelônios aquáticos (principalmente P. expansa e P. unifilis) que são empregados pelas

diferentes comunidades. Sendo mais recorrentes o emprego de linha de mão e anzol sem fisga,

espinhel e redes malhadeiras.

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182

Atualmente, entre os indígenas Javaé, os métodos tradicionais (arpão e arco e flecha)

são empregados apenas esporadicamente.

É mais fácil e recorrente entre as comunidades, a troca de métodos e técnicas que

envolvam a aceitação de novas práticas e tecnologias, do que a troca de valores simbólicos.

(DAMATTA 1987).

A preferência pela captura de quelônios, entre os indígenas Javaé, através do emprego

de linha de mão e anzol sem fisga, espinhel e redes malhadeiras, em substituição aos métodos

tradicionais (arpão e arco e flecha), mostra-se como pouco preocupante, considerando que se

trata de uma inovação de caráter técnico. Enquanto que a não captura e conseqüente ausência

dos quelônios nas práticas rituais, pode ser comprometedora, na medida que esses animais são

um elemento imprescindível em tais práticas, e que sua utilização pode garantir, através da

possibilidade de perpetuação das festividades rituais, a manutenção do sistema social e

simbólico Javaé.

Na Amazônia, as práticas de utilização dos quelônios para fins alimentares ou como

matéria prima para utensílios domésticos foi adotada pelos índios já no período pré-colonial,

foram seguidas pelos diversos colonizadores e atualmente continuam sendo empregadas por

inúmeras comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas (SMITH 1974, MITTERMEIER

1975, JOHNS 1987, IBAMA 1989a).

A principal Lei Federal de proteção dos recursos naturais, a Lei de Crimes Ambientais,

Lei nº 9.605/98 (MPE/TO 2001) legitima a utilização dos recursos faunísticos com fins de

subsistência, assim como também, dá subsídios à punição daqueles que desmedidamente

fazem uso inadequado dos animais e seus subprodutos, e incentiva a minimização e reparação

dos danos causados.

Os quelônios são, juntamente com os peixes, o recurso alimentar mais importante e

abundante, para as comunidades tradicionais e indígenas localizadas na bacia do Araguaia,

complementando, muitas vezes, a dieta deficiente em alimentos de origem animal.

A conservação das populações de quelônios se mostra necessária, pois além de garantir

a subsistência das comunidades tradicionais como fonte alternativa de alimento, contribui

também na manutenção dos valores simbólicos, práticas e rituais dos indígenas Javaé.

A riqueza simbólica dos quelônios estende-se às diferentes culturas e diversas

comunidades em todas as partes do globo onde esses animais singulares ocorrem.

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183

Existe uma gama enorme de associações simbólicas que os diferentes agrupamentos

humanos fazem dos quelônios. Ao considerarem sua robustez corpórea, claramente expressa

na firmeza das patas e rigidez do casco, associam-nos aos alicerces do mundo e do cosmos. As

formas, cores e disposição dos escudos do casco são interpretadas, das mais diferentes

maneiras, unindo essas criaturas às divindades e ao mundo sobrenatural (LEXIKON 1990).

Sua presença estende-se às artes, mitologias, literatura e folclore em diversas partes do

globo, estando fortemente marcada na cultura dos povos da Amazônia (VIANNA 1973,

CHEVALIER & GHEERBRANT 1999).

Isso fica claro quando verificamos a presença que as espécies P. expansa, P. unifilis,

Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata apresentam entre os indígenas Javaé, na

bacia do Araguaia.

A simbologia dos quelônios entre esses povos indígenas apresenta-se com destaque ao

considerarmos sua presença nos principais rituais míticos (Festa dos Aruanãs e Hetohoky),

onde se manifestam em diversos aspectos: nas danças, pinturas corporais e na alimentação.

Os quelônios ao apresentarem-se como um grupo diversificado de espécies com

inúmeros caracteres singulares, distribuindo-se amplamente, ocorrendo nos principais biomas

temperados e tropicais e nas águas oceânicas em quase todo o globo, influenciando e estando

presente no simbolismo, nas artes e nos mais diferentes aspectos sócio-culturais de diversas

comunidades em todo o mundo, deixam claro que sua conservação não se limita apenas a

preservação de um recurso faunístico, mas, implica na manutenção da sociobiodiversidade

global.

7.4 Referências bibliográficas

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Capítulo 8 – Conclusões

No rio Javaés, a estação reprodutiva de P. expansa e P. unifilis ocorre nos períodos de

menor vazão, sendo que para P. unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de

desovas ocorrendo em agosto e para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior

concentração em setembro.

A duração média da incubação de P. unifilis em 5 estações reprodutivas no rio Javaés

foi de 79,63 ± 7,64 dias (limites de 63–93) e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias (limites de

45–66).

O número médio de ovos/ cova para P. unifilis foi de 13,71 ± 3,78 (limites de 5–30) e

para P. expansa 106,83 ± 22,35 (limites de 35–166). A massa da ninhada apresentou valores

de 327,4g ± 337,2 (limites de 163,6–668,2) em P. unifilis e 4176,8g ± 1033 (limites de

1781,2-6401,4) em P. expansa.

Os ovos de P. unifilis medem em média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ±

0,73) cm de largura e (26,04 ± 4,23) g de massa. Os ovos de P. expansa medem em média

(4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ± 1,75) cm de largura e (39,02 ± 4,31) g de massa.

Em P. expansa a média de ovos de óleo/cova foi de 1,62 ± 7,75 (limites de 0–15). Os

ovos de óleo medem em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura

e (54,8 ± 31,7) g de massa.

P. expansa se apresenta como uma espécie mais suscetível à ocorrência de

anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos 14378 filhotes avaliados

(13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação enquanto que dos 1329

filhotes de P. unifilis apenas (4,44%).

Em P. expansa, os defeitos ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça

(98,64%) e em menor número (83,05%) em P. unifilis.

Dos 7 defeitos registrados com repetições, 5 deles localizavam-se na região posterior

da carapaça e 2 apenas na porção anterior do plastrão. Todos os demais ocorreram sem

repetições, principalmente envolvendo escudos vertebrais e costais.

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Do total anual de desovas de P. unifilis em média 65,98% são predadas, sendo 41,68%

de forma total e 24,30% parcialmente. Enquanto que apenas 5,31% das ninhadas de P.

expansa são apenas parcialmente predadas.

Nas praias do rio Javaés, os predadores dos ovos e filhotes de P. unifilis e P. expansa

são: urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura),

urubu-tinga (Cathartes burrovianus), carcará (Polyborus plancus), gavião-carapateiro

(Mivalgo chimachima), jaburu (Jabiru mycteria), cabeça-seca (Mycteria americana), maguari

(Ciconia maguari), garça-branca-grande (Casmerodius albus), garça-moura (Ardea cocoi),

garça-branca-pequena (Egretta thula), socó-boi (Trigrisoma lineatum), lagarto teiú

(Tupinambis teguixim), coati (Nasua nasua) e cachorro-do-mato (Cerdocyon thous).

O principal predador aquático dos filhotes dessas espécies é a piranha vermelha

(Serrasalmus nattereri).

Os predadores das fêmeas de P. unifilis em postura são: jacaré-açu (Melanosuchus

niger), onça-pintada (Panthera onca) e onça-parda (Puma concolor). Num total médio de

3,93% das fêmeas são predadas anualmente.

P. onca é o único predador das fêmeas adultas de P. expansa. Predando em média

3,66% das fêmeas em postura anualmente (considerando as 5 estações reprodutivas do período

de 2000 a 2004).

Verificou-se uma relação positiva entre o número de desovas por praia e o registro da

predação de fêmeas de P. expansa por P. onca.

Grande parte das fêmeas de P. expansa (45,45%) predadas não são consumidas, sendo

apenas mortas, viradas e abandonadas nas praias.

Os principais métodos de captura dos quelônios (P. unifilis e P. expansa) mostram-se

similares entre os 3 grupos avaliados (ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas Javaé).

Sendo a forma mais recorrente de captura de P. unifilis, o emprego de redes malhadeiras, e

para P. expansa o uso de linha e anzol sem fisga. Os jabutis (G. carbonaria e G. denticulata)

são capturados com as próprias mãos, eventualmente em encontros casuais, assim como

também, as fêmeas de P. unifilis e P. expansa são coletadas durante a postura no período

reprodutivo, principalmente à noite.

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Os indígenas Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis,

enquanto que os outros 3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também

incluem em sua dieta, jabutis (G. carbonaria e G. denticulata).

Entre os citadinos, as espécies mais consumidas são os jabutis (G. carbonaria e G.

denticulata) enquanto que entre os ribeirinhos e pescadores profissionais, P. unifilis apresenta-

se como o item principal na dieta.

O consumo dos quelônios por parte dos citadinos mostra-se dependente,

principalmente, da aquisição desses animais através dos ribeirinhos e pescadores profissionais.

Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de C. fimbriatus, K. scorpioides e P.

geoffroanus.

O uso da gordura de P. expansa com fins medicinais e terapêuticos é freqüente entre os

3 grupos (citadinos, ribeirinhos e pescadores profissionais), sendo também utilizada entre os

indígenas com essas finalidades, mas também, amplamente empregada na alimentação.

Verificou-se o emprego como adorno dos cascos de P. expansa, P. unifilis e C.

fimbriatus. O uso de cascos em residências ocorre nos 4 grupos avaliados (ribeirinhos,

pescadores profissionais, citadinos e indígenas Javaé), sendo mais ocorrente entre os citadinos,

que adquirem os cascos, principalmente dos pescadores profissionais. Entre os indígenas

Javaé, os cascos são também empregados na manufatura de artesanato (colares e maracás).

Entre os citadinos, pescadores profissionais e ribeirinhos, os quelônios apresentam-se

principalmente como recurso alimentar. Enquanto que entre os indígenas Javaé, adquirem

também uma forte ligação simbólica, onde os quelônios (P. expansa, P. unifilis) são

amplamente empregados na alimentação e juntamente com (Geochelone spp.) estão presentes

através da relação com o mundo espiritual dos seres mágicos (Worysy e Aruanãs), nas

principais festividades míticas, a Festa dos Aruanãs e o Hetohoky. Estando presentes também

nos mitos, manufatura de artesanato e no grafismo das pinturas corporais.

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191

Anexo 1

Questionário

Data: Local:

Nome:

Idade:

Profissão:

Estado Civil:

Nº de pessoas na casa:

Quantas espécies de quelônios você conhece? Quais?

Já consumiu a carne, vísceras ou ovos de quelônios? De quais espécies?

Já pegou, pescou ou capturou algum quelônio? Quais espécies? Como?

Já usou banha de tartaruga-da-amazônia? Para que?

Conhece outra pessoa que já usou banha de tartaruga-da-amazônia? Para que?

Conhece algum tratamento de enfermidade a partir do uso de um quelônio? Qual?

Qual a importância dos quelônios para a cultura Karajá/ Javaé?