barata 1950
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T P JO
FREDERICO BARATA
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OL IR
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I - Consideraes sobre a cermica e dois tpos
de vasos caractersticos
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Publicao n
I N S T I T U T O E N T R O P O L O G I E E T N O L O G I O P R
Sde provisria: MUSEU GOELDI
BEL~M-PAR-BRASIL
1950
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NA CAPA E NO FRONTESpICIO:
Reproduo fotogrfica de um vaso de gargalo,.
1.0
t ipo. dos
Tapaj, enconl rado em Santarm. Aldeia, ao serem feit as excavees
para a const ruo da Uz lna de Elet rlcldade, -Coleo Museu Nacional .
Rio de Janeiro,
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CONSIDERAES SOBRE A CERMICA
A chamada cermica de Santarm, dos antigos Tapaj, se bem
que em certos detalhes apresente pontos de contacto com outras ao Vale
,
possue uma caracterstica extrema de ineditismo em dois tipos de va-
sos que, atendendo forma, denominarei de caritides e de gargalo .
H outras peas como dolos com a base em forma de crescente
fruteiras, pratos, vasos zoomorfos, miniaturas de vasos, etc., que s~
ntidamente da mesma civilizao ou cultura. No estado atual dos nos-
sos conhecimentos arqueolgicos, porm, o que identifica realmente .a
cermica tapajnica, sem flagrantes similitudes com outras manifes-
taes artistico-oleiras da Amaznia, so os dois tipos citados. (FIGS.
1 e 2 .
Diz-se, comumente, que a cermica de Santarm se diferenca das
demais pela abundncia e riqueza dos ornatos esculpidos e a ela ade-
rentes, que lhe do um aspecto barroco . Outras manifestaes arts-
ucas da Hilia, infelizmente ainda no suficientemente conhecidas e
estudadas, como a de Oriximin (FIG 3), que deve ser um estgio da
mesma cultura (1), so, todavia, tanto ou mais barrocas do que ela.
Penso, por isso, que uma das suas principais caracterstcas a da for-
ma original dos dois tipos de vasos citados.
Habitualmente classifica-se como cermica de Santarm toda a
enorme quantidade de fragmentos achados naquela cidade, em Alter do
Cho e nas vizinhanas. E' essa uma dassificao arbitrria e estou
convencido de que naquela regio, cheia de terras pretas preferidas
pelos indios, numerosas fcram as tribos que se instalaram, em pocas
diversas, sendo quase impossvel, a no ser por um critrio artstico,
estabelecer qual tenha sido efetivamente a produo oleira dos Tapa-
j. Entre os fragmentos h enormes diversidades e queles que com
eles se familartsam fcil distinguir diferenas fundamentais na pre-
parao do barro e principalmente no estlo, comprovando no terem
sido fabricados por oleiras de uma s cultura ou do mesmo povo.
Do pouco que se sabe dos Tapaj, uma coisa certa: eles no en-
terravam os seus mortos em urnas funerrias. Moiam-Ihes os ossos, pa-
ra adcon-los s bebidas que sorviam em vasilhames de barro (2).
Sua cermica era assim toda de superfcie e fcilmente se misturava
com outras, anterior ou posteriormente depositadas nas reas de terra
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DO PAR - PUBL.
N0
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FIG. J - Vaso tpico -de
corrtdes.
Santarm, Aldeia.- Altura,
18 cms: largura: 28 cmsr diametro de boca, 16 ems. - Coleo Raber
Brown, na Fundao Brasi l Central, Rio de Janeiro.
preta em que les e outros indigenas instalaram suas aldeias ou fizeram
suas lavouras, e acabaram de misturar-se, depois de dizimadas e extin-
tas as tribos, pela enxada dos civlzadcs sempre com predileo pelas
terras pretas, consideradas superiores para a agricultura.
A pesquisa estratigrfica do terreno, que to timos resultados ci-
entficos produz nos aterros artificiais ou mounds , de povos que
praticavam o enterramento secundrio, depositando os mortos ou os res-
tos dles em grandes urnas, torna-se assim, no caso dos Tapaj, proble-
mtica ou intil, tais os erros a que pde conduzir em virtude do ama-
nho secular e continuado das terras pretas nas quais, por essa razo
mesma, sempre a cermica surge completamente revolvida e fragmenta-
da e at s vezes queimada e enegrecida pelo fogo dos roados.
Restam-nos assim, como elementos vantajosos de identificao, a
tcnica, ou melhor, o estilo artstico, e sobretudo a forma. E' claro que
da no se deve inferir que s os vasos com as ricas formas reproduzi-
das nas Figs. 1 e 2 tenham sido os fabricados pela cultura tapajnca
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FIG. 2 - Vaso tipieo -de gargalo
1..
tipo. Santarm. Aldela.-
Altura, t 6 crnsr largura, 27 crns. - Cal. Robert Brown. na Fundao
Brasil Central. Rio de Janeiro.
Pelo contrrio, esses constituem excees, como excees so, nos ce-
mitrios de Maraj, no Pacoval do Arary, no Camutins ou no Monte
Carmelo, as maravilhosas urnas pintadas e conhecidas como de
Anajs,
ou
3JS
tangas e os vasos gravados em champ lev, com extraordinrias
decoraes geomtricas. Por toda a parte o que abunda a loua or-
dinria, l isa ou pobremente ornamentada. E se a impresso mais gene-
ralizada a de que as
oleras
de Santarm ou as de Maraj s faziam
as soberbas peas que se exibem nos Museus, isso se deve a que os cole-
cionadores ou coletadores s por elas geralmente se interessam, despre-
zando as milhares de outras desprovidas de sentido deecratvo ou de
beleza ornamental para o gsto comum. A verdade, contudo, que as
peas de luxo, em relao s quantidades de loua encontradas num
mesmo cemitrio ou aldeiamento antigo so excepcionais e raras (3).
No caminho de Belterra, depois da chamada zona colonial de Santa-
rm
, fiz uma vez, em 1947, penosa viagem em companhia do meu ami-
go Silvio Braga para examinar uma terra-preta que um cabcclo me
indicara como possuindo tanta panela de indio que le mal podia tra-
balhar o roado, pois em toda parte onde metia a enxada topava com
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INST. DEANTR. E ETNOLOGIADOPAR - PUBL.
N0. Z
FIG.
3 -
Fragm~tos de valas de Orizimin (Trombetas).- De-
senhadOI por Ano Nogueira Perres, detenhllta-chefe do Instituto Agro-
nmico do Norte. - Coleo do cutor,
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A ARTE OL'EIRA
DOS
TAPAJO -FRED'ERICO
BARATA
FIG. 4 - Dois vaias .de gargalo> (2.0 upe ) , com penas Introdu-
zidGl nOI furos da aba mostrando como possivelmente faziam os
Tapaj a ornamenlao plumria da cermica de cerimonial. (ver
ligo. 26 e 28) - Coieo Iloberl Bro n, na Fund. BrasU CeDlrDl. lUa
d Janeiro.
montes de cacos. A verdade no
fra
muito exagerada. Mas os cacos
eram lisos, excessivamente midos e quase nenhum apresentava orna-
mentao, embora fossem de oermca velha.
E' a loua rica, de esmerada confeco, a que notabilisa determina-
das civliizaes artsticas indigenas. E se certo que no pela cermica
ordinria, mas pelo trabalho de exceo das suas oleiras, que se iden-
tifica a cermica dos ''mound-builders'' de Maraj, deve ser justo, do .
mesmo modo, que para a identificao da civilizao artstca dos Ta
paj se procure o que de melhor, mais tplco e mais original produzi-
ram. E o seu ponto alto e inconfundvel foi atingido, no h dvida,
nesses vasos que denominei de gargalo e de carrttdes , ricos de ror-
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DO PAR - PUBL. NO . 2
FIG. 5 - Outro vaso de gargalo 2 0 ttpo). tombem enfeitado
com penas. Desenhado pelo pintor Manoel Pasta na, mostra uma rica
decorao pictrlca e na projeo ao lodo.
forma da tartaruga que
a oleira representou com exatido. Coleo de Robert Brown. na
Fundao Brasil Centrol, Rio de J.meiro.
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A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
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FIG. 6 - P d~ voso (trlpode), apresentando nude manifestao
de edual1smo cara antropomorfo permanece figurada quer na po
slo normal 16 esquerda), quer na Inverso da pea (6 direita). _
Altura 7 cms, - Coleo Robert Brown, na Fundao Brasil Central,
Rio de Janeiro.
ma e exuberantemente enfetadcs com figurinhas e relevos zoomorfos
ou antropomorfos, por vezes de surpreendente realismo e apendculados
ao todo com majesto.sa pompa.
Pcder-se- dizer que as formas de alguns vasos se repetem dema-
siado, emprestando-Ihes uma certa monotonia. A repetio, entretanto,
unicamente de estilo e cada vaso diferente de outro quanto aos de-
talhes, quanto aos tamanhos, quanto ao nmero de ornatos e quanto s
estilizaes laterais, escultricas e predominantes.
No tm razo, assim, os que teimam em afirmar ter sido a cer-
mica dos Tapaj feita em srie e em frmas ou por molde (4).
J houve quem a comparasse a um catalogo zcol g co (5), tama-
nha a quantidade de representaes zoomorfas com que a ornamen-
tavam , Em verdade essas representaes no so s de animais, mas
tambm antropomorfas ou esquisitamente estilizadas. Por isso, quan-
do nos habituamos ao convvio frequente com a cermica antiga dos
Tapaj
sentimo-Ia como uma linguagem, s vezes bem expressiva, que
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FIG. 7 - Cabea de carittde antrcpcmorfe ou smesca, com a
mesma manifestao de dualtsmo conservando a representao
de-
selada tanto na posio normal
(
esquerda) como na pea Invertida
(_ direita ). -Al tura: 3, 5 cms.-Coleo do autor.
FIG, 8 - Ornato de vaso com outra curiosa manilestao de
.duaUsmo . Representao slmlelca, de mascara ou possivelmente sn-
tropomorla. Invertida a pea
(
direita), muda-se 4 expresso Isoac-
mlc. mas a representao perdura, com
01
olhos erguidos e a bca
aumentada.-Altura: 7,5 cms. - Coleo do autor.
nos vai contando hbitos, crenas, gostos, lendas, preferncias e costu-
mes desse povo extinto.
Os fragmentos da loua tapajnica podem at permitir-nos, com
um pouco de pacincia e capacidade interpretativa, reconsttur o tipo
dos indgenas sua indumentria e modo de usar os atavios. Por les
sabemos como penteavam os cabelos; como eram os seus cocares e tan-
gas; que usavam pulseiras nos braos e nas pernas, estas ltimas or-
namentadas e apertadissimas, provocando deformaes; que deforma-
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A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FIG. 9- Fragmentos de VasOI -de earttdes, antropo-zcomorfos.
Elementos ornamentais compostos de duas cabeas num mesmo
corpo,
uma z oomorfa e outra antropomorfa O primeiro fragmento
esquer
d. e ao alto, com 6,5 cms. de altura, tem vestlglos de tintas amarela e
vermelha, mostrando que o vaso era pintado. - Desenhos de Pel ter
Paul Hi lbert , etnologo do Museu Goeldl. - Coleo do autor.
vam tambm as orelhas, para o uso de enormes brincos, em forma de
discos, feitos de barro ou provavelmente de madeira; que se tatuavam;
embora no com a frequncia de outras tribos, e que andavam completa-
mente desnudos. Muitos dos seus costumes identificamos tambm atra-
vs da cermica, associando as suas estilizaes s narrativas
lacneas
dos cronistas que dles foram contempneos ou lhes recolheram tradi-
es orais ainda bem vivas. As caritides de certos vasos tpicos, com
figuras antropomorfas de sexo' feminino definido, que tapam os olhos
com as mos, confirmam-nos que s mulheres era vedado tomarem parte
em certas cerimnias que nem podiam ver e eram privativas dos ho-
mens (6).
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FIG, 10- Pedil e Ieee de dois fragmentos de vasos de carttt-
des, antr vpo-zcomcrfos. Elementos ornamentais simples e componentes
de uma srie evolutiva que se complete com os da Fig. 11. Vistos de
perfil esses ornatos so zoomorfos e de frente antropomorfos. As asas
vo se unindo progressivamente s costas da ave. a t que. na viso
frontal
ficam com mos unidas. em representao antropomorfa. Al
tura do fragmento superior: 6 ems; do inferior: 8 ems. Desenhos de
Pel ter Paul Hilbert. etnologo do Museu Goeldi.-Coleo do autor.
Outros fragmentos falam-rios da delicadeza de alguns sentimentos,
ccmo do amor filial, pela abundncia da fixao dos mesmos observados
na natureza animal circundante, o que parece denotar uma identidade
com o prprio carter (7). Assim vemos copiosas reprodues zoomorfas
ou antropomorfas, como demonstraes de apreo ao amor materno, seja
quando reproduzem a ona lambendo uma das crias enquanto outra
brinca a cavalo na cauda do felino; seja quando reproduzem o sapo ten-
do s costas o filhote; seja quando mostram a prpria mulher amamen-
tando o filho ao seio. Esse apreo pela infncia, ou amor filial,
evi-
dente ainda na quantidade de vasos minsculos, miniaturas delicadas
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A ARTE OLEIRA DOS 'rAPAJ'- FREDERICO BARATA
FlG. II - PerUI e face de dois outros fragmentos antecpo-zee,
morfos de vasos de carltides vendose no de baixo as asas
uni
das penultima etapa da. srie evoluttva que culmina na Fig. 12 com
a criao da carl.lIde antropomorfa. de mos unldas.-Altura do frag.
mento superior: 6.5 cms; do Inferior: 5. 5 cml.-Desenhos de Pelter Paul
Hlberr, etnologo do Museu Goeldl. - Coleo do autor.
e perfe:tas dos grandes (8), que tudo indica terem sido feitos para brin-
co dos filhos, ou talvez, quando mais rsticos, pelas crianas imitando
as mes oleiras (9). Em nossa mente, graas a esses vasnhcs podemos
evocar uma cena familiar da vida trbal: a olera, empenhada em seu
trabalho e cercada da prole, qual entretinha deixando que manipulasse
tambm o barro para distrair-se e, ao mesmo tempo, exercitar-se para
os misteres da idade adulta Da mesma maneira quer-me parecer que
muitas das figurinhas antrcpomorfas que conhecemos e so chamadas
de idolitos, bem como
0 .5 1
apitos variadissimos, que to belos silvos pro-
duzem, eram antes bonecas (como as to populares dos
Caraj)
ou brin-
quedos que as mes fabricavam para
gudo
dos filhinhos, com objetivo
idntico ao dc:s pais quando confeccionavam os arcos pequenos com os
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A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA DO PAR - PUBL. N.o 2
quas os curumins deviam, brincando, treinar desde os primeiros anos
para as lides futuras da caa e da guerra.
Toda a cermica dos Tapaj assim. Fala. Esclarece como uma
linguagem a quem com ela se habita e com suas variadissimas repre-
sentaes se familiarisa. E' a nica escrita que nos legaram e, para de-
cifr-Ia, todas as conjeturas que tenham base acetavel, comparativa ou
dedutiva, nos devem ser permitidas.
A cermica dos Tapaj era to pouco conhecida, mesmo em tem-
pos recentes, que at 1923no se tinha a menor idia da forma comple-
ta de qualquer dos seus vasos tpicos.
O VoI. VI dos Anais do Museu Nacional (1895), quase todo dedi-
cado cermica amaznica, pauprrimo de informaes sobre a de
Santarm, qual fazem vagas referncias apenas Hartt, que a deno-
mina loua de Taperinha ou dos moradores do alto (10), Ferreira Pe-
na e Ladislu Neto, este ltimo reproduzindo equivocadamente um
fragmento santarenense que descreve e classifica como de Maraj (11).
A coleo Rhame, incorporada ao Museu Nacional,
fraquissima e mal
d uma noo da monumental variedade e das formas da loua dos Ta-
pai, pois no possue uma nica pea inteira caracterstica.
Foi em 1923 que Curt Nmuendaj, trabalhando para o Museu de
Ootteborg , revelou ao mundo centifco, coletando peas completas e
grandes fragmentos, o neditsmo e a beleza dessa soberba arte primitiva.
Helen Palmatary (12), repetindo Linn (13), descreve a descoberta
da cermica de Santa:rm por Nimuendaj como meramente casual
Segundo esses autores, em censequncia de um temporal, a gua da
chuva, com forte poder erosivo, deixou a descoberto
considervel
poro
de terrenos altos, pondo mostra fragmentos estilizados e s vezes lin-
damente desenhados. Afortunadamente - acrescentam - estava em
Santarm, no momento, Curt Nimuendaj e, graas aos seus esforos,
muito desse material foi salvo.
Tal verso no rigorosamente exata. Desmentiu-a, em palestra
comigo, em agosto de 1945,no Rio de Janeiro ,o prprio Curt Nimuenda-
j. Tivera le noticia, por um padre alemo seu amigo (do qual infeliz-
mente no guardei o nome), de que em Santarm as crianas apare-
ciam frequentemente brincando com pelaos de cermica Indgena, aos
quais chamavam caretas e que encontravam na cidade. Ficou inte-
ressado e logo que lhe foi possvel drgu-se a Santarm, especialmente
para estudar a cermica que lhe fra descrita como orgnalssma e di-
ferente de todas as conhecidas. Verificou logo a sua importncia e ini-
ciou pesquisas para as quas, entretanto, no encontrou o menor apoio.
FIG. 12- esquerda, uma carltlde pura-
mente antropomorfa. de mos unidas [evcluc
da Idia primitiva de csos], que se cpresento
como lt ima etapa da Irle. despresodo pela
olei ro o perfU zoomorfo por ter l og rado obter
uma torma nova qual aquela interpretao
se tornou desnecessria. Na figura direita j
no se trata de carltlde, mos de um boneco
ou Idolo, bolado, em que a nova forma criada
se reproduz e vai assim se fixando como um
padro cultural. - Altura de cada pea: 6,5
cms, - Cal. do autor e cal. Mario Barato, Rio
de Janeiro.
Contou-me na mesma ocasio Curt Nimuendaj que certo dia ten-
do localizado na Aldeia um terreno cheio de fragmentoa, comeou' uma
excavao e achou indcios de ba cermica. Na manh imediata, vol-
tando ao local para prosseguir no trabalhe, encontrou l um portugus,
residente nas vizinhanas, que tudo inutilizra cavando ativamente. Ir-
ritado, perguntou-lhe porque estava fazendo aquilo e obteve esta respos-
ta: estou procurando o tesouro; se o sr. pde ach-Io eu tambm pos-
so . O buraco estava enorme e a cermica perdida. Com esse exemplo
quiz Nimuendaj demonstrar-me o quanto difcil preservar as nossas
riquezas arqueolgicas, dada a incompreenso absoluta do homem do in-
terior, que ou tem medo dos objetos dos indios e os destre, ou por eles
tem desprezo.
O padre Ives d'Evreux, falando sobre os pequenos dolos de for-
mas humanas, des Tupinamb, e descrevendo a ao dos pags, que cha-
ma de feiticeiros, diz que eles enfeitavam esses dolos com penas (14).
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Estou convencido de que os Tapaj faziam o mesmo com
ll.
cer-
mica de cerimonial e de fundo mstico ornamentando de penas, talvez
nos dias festivos, no s os idoIas como certos vasos.
Chamou-me sempre a ateno, ao examinar fragmentes e peas
tapajnicas, o aparecimento de pequenos furos, em posies mais ou me-
nos regulares, e para os quais, a principio, no achava uma [usti rcatva
acetavel . Apesar de tanto cs dolos como os vasos dos Tapaj possui-
rem bases planas, que lhes permitem perfeita estabilidade quando pou-
sados no cho ou em qualquer superfcie, acho provavel que em algu-
mas peas fossem esses furos feitos para suspenso. Objetos delcadcs,
admissvel que no pudessem ser guardados nos giros comuns ou dei~
xados no slo, ao alcance dos. animais e, portanto, que tivessem de ser
suspensos, pendurados nas cabanas, afim de assegurar-Ihes uma pro-
teo mais conveniente.
Furos h, contudo, que no podiam ter essa finalidade, como os
que esto simetricamente dispostos nos gargalos dos vasos (FIGS 4 e 5)
e que so por vezes at seis, nmero demasiado para receber cordes
ou fibras de suspenso. Do mesmo modo no parece que teriam esse
destino osque se vem junto ao pavilho auricular dos dolos, bem como
em inumeras outras posies nos variados ornamentos zoomcrfos ou an-
tropomorfos que se apendiculavam s peas e, assim, no ofereciam
firmeza para, suspensos, aguentarem o peso do conjunto.
A explicao mais plausivel que encontro para les que realmen-
te foram destinados introduo de decorao plumria, como Nimuen-
daj constatou razerem ainda hoje os indios Palikour (15).
No raro as cabeas de dolos possuem apenas um furo later aI, nas
proximidades de cada orelha. Isso, nas peas cas, parece se conciliar
de preferncia cem a primeira hiptese, tanto mais que bem estranhos
ncaram esses objetos se em cada orifcio se introduzisse horizontalmen-
te uma pena, com um resultado que foge harmonia costumeira da de-
corao indigena. J no acontece assim quando as peas so macias,
pois no h comunicao entre um e outro orifcio. Tenho motivos para
julgar que esses furos se destinavam a receber as extremidades de pe-
quenos cocares de plumria, em arco, especialmente contecconados pa-
ra os dolos e que, imitando os usados pelos Tapaj, complementariam
com mais realismo a representao humana. As belas penas de arra
e outr:as aves, possivelmente, s enfeitavam os vasos em cujos furos po-
diam entrar verticalmente, nessa posio se consorciando admiravel-
mente com o todo, como se pde ver nas FIGS. 4 e 5.
H cabeas de dolos, todavia, que na parte superior (ou posterior,
quando as cabeas so chatas), possuem um terceiro furo, alm dos
dois laterais referidos, os quais recebendo uma ou mais penas em posi-
o vertcal ainda melhor reproduziriam o cocar que quase sempre, entre
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0 1
A ARTE OLElRA nos TAPAJ - FREDERIcoBARATA
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FIG. 13 - Uma srie de carilides antropamorfas, mostrando a
moreho da Idia evolutlva. partindo das asas do perfil zoomorfo j
abandonado asas que sto ainda clararnente sugeridos nas primeiros
(comparar com as Flgs. 10 e 11). at que adquirindo a olelra l iber-
dade
interpreta Uva.
j nas ltimas as transformou em membros huma
nos.-Desenhos de PellK Paul Hilbert. etnologo do Museu Goeldl-Co-
leo do autor.
os indigenas amaznicos, tem atrs, nessa posio vertical, longas e vis-
tosas penas de arra.
De qualquer maneira, o que se pode assegurar que os furos das
cabeas de dolos, como tambm os de muitos tipos de vasos, no podtarn
ser para suspenso, pois nos blocos macios de barro no atravessam de
lado a lado e, portanto, no dariam passagem ao cordel.
Estou certo, outrossim, de que a cermica dos Tapaj no W em
muitos casos se enfeitava com penas, como era em geral pintada. A
cr,
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INST.
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fosse das penas ornamentais, fosse das tintas, casando-se com as for-
mas esqustas e rebuscadas, dava-lhe a aparncia de estranha beleza
que vvamente despertou a ateno dos cronistas.
E' verdade que os vasos tpicos, de caritides ou de gargalo.
surgem aos nossos olhos, nas colees particulares e nos Museus, sem
pintura alguma. Posso, porm, muitos fragmentos colhidos por mim
em Santarm e limpos com pacincia, em que so ainda bem ntidos os
vestgios da pintura (ou decorao pintada), com participao do ver-
melho, do amarelo, do branco e do preto. Esses fragmentos so tantos
que no deixam dvida quanto
frequnca
de tal prtica. Idoles e ou-
tros tipos de vasos se encontram, inteiros ou fragmentados, com a pin-
tura perfeitamente conservada, como alguns que fiz desenhar da cole-
o Robert Brown (hoje da Fundao Brasil Oentral) e outros que tenho
em meu poder. Que usavam os Tapaj dolos pintados foi constatado
por Mauricio de Heriarte, que os visitou em 1662 (16). Por analogia,
como procediam os Maraj, temos de admitir que pintavam tambm
Vasos.
Deduzo, da observao do vasto material que me tem passado pelas
mos, que muitos vasos que comumente vemos lisos e na
cr
natural do
barro, foram coloridos depois do cosimento, com uruc e outras tintas
leves e vegetais, e por isso, tratando-se de cermica de superfcie, no
resistiram lavagem secular pelas guas das chuvas torrenciais de in-
verno, quase dirias, que erosam violentamente o slo de Santarm e
adjacncias. E' comum, em fragmentos dos quais se retire com cuidados
especiais a terra preta aderente, e que se apresentam depois C'Omesse
aspecto de barro lavado e limpo, descobrirem-se traos de desenho a
cres ou pintura em pontos mais protegidos, como sob os braos dos
dolos.
Alguns desses fragmentos tive
ocasio
de mostrar aqui em Belm,
recentemente, a um amigo, o arquelogo norte-americano Clifford Evans
Junior, da Universidade de Columba, que os fotografou em tecncolor ,
Naturalmente que esses elementos no bastam, por si ss, paro.
provar que toda a cermica dos
Tapaj
fosse pintada. Mas provam,
sem dvida, que pelo menos o era em grande proporo.
A
ao
das guas pluviais sobre a cermica to forte que no s
os ornatos pintados a fresco dela desaparecem. A prpria camada de
verniz, to caracterstica em certas peas e muito mais fixa, tambm
ordnr.amente se destre, apesar de cosida ao fogo, e no so pou-
cos os rragmentos que tenho visto e posso onde o barro est spero
como uma lixa, na cr natural, apenas em um ponto e outro mostrando,
pela permanncia ocasional da camada vitrificada de verniz, que a pea
inteira fra originariamente com ela reeoberta e pintada.
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A ARTE OLEIRA DOS TAl'AJ- FREDERICO BARATA
Nos fragmentos de dolos a ornamentao pictrica feita geome-
trcam~nte, numa perfeita imitao de tatuagens e indicando, desse mo-
do, que os Tapaj cobriam o corpo todo com elas, a exemplo -tos seus
vizinhos Munduruc.
Chama a ateno, cutrosstm, ao estudioso da cermica dos Tap'a-
J,
o constante aparecmento de ornamentos escultricos que mudados
de posio eontrnuam a 'representar a mesma figurao, antropomorra
ou zoomorfa. Esse fenmeno, que se
pde
denomtnar dualismo, no
sei que explicao ter. Por isso apenas o assinalo. As FIas 6, 7 e 8
mostram exemplos de trs desses ornamentos que, invertidos, mantm
a mesma representao. Um um p de vaso Itrpodej , onde a figu-
-rao antropomcrra feita de modo a perdurar quando se o vire de
cabea para baixo. Outro , nas mesmas condies, uma cabea antro-
'Pomorfa ou simiesca, com tipo de cartde . O terceiro uma cara re-
donda estilizada, de smo, de gente ou simples mascara, que na posio
normal dr-se-:a silnbolisar a tristeza cem a sua bca pequena e sobran-
celhas cadas. Quando se inverte exibe um ricto de alegria,
-
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIADOPAR -
PUBL. N. 2
~
~
~
j
FlG. 14 - Vaso -de earlUdes'. Santa rem, Aldeia - Altura. 20
cms: largura,
8
em. - Coleo Museu Goeldl, Belem, Par.
incises geomtricas, contudo, nunca chegam parte inferior da baca
que sempre lisa e na qual se encaixam as cabeas das caritides, que
so rgurnhas antropomorfas sentadas na borda do carretel.
As caritides so sempre trs em cada vaso, todas tendo comumen-
te o sexo marcado por uma inciso ou pequeno buraco que as identifica
como femininas, ou pelas duas coisas simultaneamente, o pequeno bura-
co em cima, representando o umbigo, e a inciso em baixo, marcando o
sexo. As vezes h omisso completa dessa identificao, mas nunca se
encontrou uma cartde com o falo ou qualquer indicao do sexo mas-
culno , A representao do corpo quase inexistente. Pode-se dizer que
s possuem cabea e braos, cem o tronco diminuto e os membros in-
feriores apenas sugeridos. A cabea, grande e desproporcionada, tem
olhos, nariz e
bca
perfeitamente marcados e as orelhas so formadas
de dois lbulcs superpostos mostrando a existncia de uma deformao
causada pelo uso de pendentes ou brincos no lbulo inferior, uso que
-24-
A ARTE OLElRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FIG. 15 - Vaso .de ar l tlde . Santarem, Aldeill. - Altura mil-
Ima: 19 ems: largura, 24 cms: dlamelro de be8' U em. - Col. Re-
ber t Brown, na Fundao Bras il Cenlral, Rio de Janeiro.
atravs de toda a cermica se verifica ter sido comum entre os Ta-
paj
(17),
As caritides de um vaso diferenciam-se sempre das de outro. Mas
num s vaso as trs so iguais, mantendo as mesmas atitudes.
A representao dos membros superiores varia extremamente. Ora
a figurinha tem as duas mos vedando os olhos (18), ora tapando a
bca,
ora estendidas para baixo e repousando nos membros inferiores; ora
e
uma s das mos que ccbre um dos olhos enquanto a outra fica sobre o
joelho, ora uma s que tapa a bca. Mas, sem exceo, num mesmo
vaso, as cart.des so trs e todas trs idnticas e rigorosamente na
mesma postura.
Na baca, pelo lado externo, so justapostos numerosos elementos
ornamentais. em relevo, fixados exatamente na parte em que se inicia
-25-
-
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INST:
DE NTR.
] ;
ETNbLOGI DO PAR - PUBL. NO. 2
FlG. 16 - Vaso de caritides>. Santarem. Lavras. - Al t'Ura, I : ?
cms: largura maximde ornato a ornat
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DOPAR- PuBL. NO . 2
partindo de formas singelas e passando gradatvamente a outras at
gerar uma representao nova. Pode-se dispr uma srie de fragmen-
tos de cermica tapajnca em linha horzotal, na qual cada um re-
vela semelhanas e identidades com o vizinho mas vai sofrendo modi-
ficaes tais que, ao chegar ao ltimo, se apresenta uma forma inteira-
mente nova e na qual seria impossvel reconhecer, sem a srie evolu-
tva assim disposta, a influncia do padro ou ponto de partida.
E' esse um fenmeno que, de resto, tem sido assinalado por nume-
tosos autores, chamado de desenvolvimento da fo.rma por F. Ward
Putnam, ao estudar certas manifestaes oleiras de Costa Rica, e de
relaes por William Holmes, ao descrever os vasos de Chiriqui. Onde,
porm, o encontrei melhor exposto foi em Franz Boas, que dir-se-ia es-
tar se referindo cermica dos Tapaj quando analisa o significado do
ornamento primitivo (19).
, Com essas figurinhas simples ou isoladas, dos vasos de cartdes
'~'~os Tapaj, formei uma srie evolutiva em que partindo da represen-
h .
o de uma ave (FIG. 10), a oleira chegou confeco da prpria
caritide, ou figura puramente antropomorfa, daquela originada
(FIG. 12).
Posso outros fragmentos, de tipos diferentes de vasos, que da mes-
ma maneira permitem a formao de sries evolutivas. A representao
realstca final decorre sempre de formas singelas anteriores, cuja per-
manncia se torna irreconhecivel, na ltima etapa, se no tivermos
vista a escala inteira ou as diferentes gradaes ou transformaes.
Observando os desenhos das FIGS. 10 e 11, podemos ver como os
perfis zoomorfos comeam sem sugerir, ou sugerindo quase impercepti-
velmente, se vistos de frente, as representaes antropomorfas, que se
vo acentuando lentamente com o alongamento e a unio gradativos
das asas, at que estas se transformam, na viso frontal, em membro-s
superiores humanos. A oleira, partindo de uma representao zoomor-
fa, chega assim a uma outra puramente antropomorfa (FIG, 12), em
que foi desprezado o perfil zoomorfo por se ter tornado desnecessria essa
interpretao, criada que j est uma forma nova, de finalidade tam-
bm nova que a caritide.
,
O emprego da figurao mxta, antropo-zoomorfa, que caritide
deu origem porm, perdura no mesmo vaso, associando-se na ornamen-
tao plstica os dois elementos, o originrio e o transformado. Parece
isso indicar que havia uma conveniencia ou imperativo, de significao
totemsta ou mstica, pana que permanecesse a representao primitiva
ou antropo-zoomorfa.
Nos desenhos de carttdes, reproduzidos na FIG. 13, pode-se ob-
servar, ainda, como no incio da srie flagrante a incapacidade da ole-
ra para
modfcar
a idia de asas, que permanece fiel ao padro, at que,
-28-
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FlG. 18 - Vaso de caritldes
.
Santarem, Aldeia. Encontrado
perto do antigo Curro e ofertado em 1939, pelo sr. Paulo Rodrigues
dos
Santos, coleo do Museu Goeldt. - A ltura:
10 cms:
largura:
16 ems,
finalmente, adquirindo liberdade interpretativa ou tcnica, as trans-
forma em braos e mos, ao mesmo tempo que indica as pernas e o sexo
para completar a caracterzao antropomorfa.
Deduzo da que a oleira devia ser impotente para suprimir a repre-
sentao antropo-zoomorfa, originria, por ser esta um padro cultu-
ral, de cuja influncia ela prpria no se podia eximir como membro da
comunidade, e que tinha a
obrigao
de fazer figurar nos vasos que
confeccionava com finalidades de cerimonial e, portanto, msticas.
Se como penso a deduo cabvel, grande mportnca assumir
a identificao, na maior escala possvel, dessas sries evolutivas na re-
presentao grfica ou plstica da antiga cermica indgena visando
isolar os padres primitivos cuja sobrevivncia, em fcrmas posteriores,
se tornar altamente elucdatva para certos problemas de identidades
e flaes ou correlaes' de cultura entre diferentes tribos. Ladislo
Nto, alis, teve a percepo dessas questes, ligadas representao
-29-
-
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DO PAR - PUBL. N0. 2
:
~,
~
FlG. 19 - Vaso de gargalo, 1.0 tipo. Santarem. Aldeia. Molar
largura de ornalo a ornato: 23 cms: altura, 15,5 ems. - Cal. Ilobert
Brown, na Fundao Brasil Central, Rto de Janeiro.
antropo-zoomorfa, tambm na cermica de Maraj, ao estud-Ia em
1896 (20).
Concluindo a descrio dos vasos de caritides . quero salientar
que em todos les, na linha de ligao entre a baca e a bca, algumas
vezes logo abaixo dos ornatos escultricos compostos e outras nas ime-
diaes, h sempre quatro furos, em distncias iguais um do outro.
Como os vasos, graas ao suporte em forma de carretel, onde esto sen-
tadas as caritides, tm uma estabilidade garantida, no me parece que
esses furos fossem para a introduo de fios, afim de manter a pea em
suspenso. Acho mais
acetavel,
como j disse, que se destinassem are-
ceber as' penas vistosas e coloridas com que, possivelmente, eram os va-
sos enfeitados nos dias festivos.
VASOS DE GARGALO
Os vasos de gargalo so os mais belos e mais ricos de sugestes
entre quantos produziu a arte aleira dos Tapaj. E' to grande neles
-30
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FlG.
20 -
Vaso de gargalo., 1.0 tipo. Santa rem. Aldeia. - Al-
tura, 16 cms: molar largura de ornato o ornato: 28 ems. - Col. Ro-
bort Brown. no Fundao Brasil Central. Rio de Janeiro.
a variedade de ornatos esculpidos, em combinao com gravados (estes
em nmero muito menor), que poderiam servir para atestar a exatido
do conceito de Joyce, relativo ao horror ao vasio (21) de certas culturas
artsticas indigenas. Esse conceito, que a sra. Heloisa Alberto Torres
j relacionou com justeza cermica de Maraj (22), aplica-se do mes-
mo modo dos Tapaj, com a nica diferena de que naquela os va-
sos
se preenchiam com desenhos
geomtricos
ou
estilzados,
pintados
ou gravados em champ lev, equanto que nesta aos relevos escult-
ricos que cabe evitar os espaos sem ornamentao ou aproveitamento.
Da a riqueza e originalidade dos vasos de gargalo de Santarm,
dos quais nos estamos ocupando e que so de dois tipos bem definidos. O
primeiro tipo (FIGS. 19 a 23), sobresi pela conformao extica de
tampada votiva que lhe dada pelas duas asas, alongadas para os
lados e formadas por complicadas estilizaes de cabeas de crocodilo
(FIGS. 19, 20, 21, 23 e 24) ou, menos ameudadamente, de cabeas de
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-
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INST . DE ANTR. E ETNOLOGIA DO PAR - PUBL.
N. 2
FlG. 21 - Vaso ,de gargalo>, 1,0 tlpo. Santarem. - Altura, 14
em. - Col. Robert Brown, na Fundao Brasil Central, Rio de Janeiro.
aves (FIGS. 22 e 25), dificilmente reconheciveis, e que tanto podem ser
de mutum como de urub-rei.
O corpo central do vaso, se despido de todos
eIS
ornatos, tem a for-
ma-de um fruto com quatro ou mais gomos, sempre pares e pouco pro-
nunc ados, sobre cada um dos quas se destacam os principais apendices
ornamentais que, vis--vis, so infalivelmente duas rs e as duas gran-
des asas estilizadas laterais.
As duas rs, figuradas com bastante realismo, erguem-se sobre as
quatro pernas e rxam-se no corpo do vaso apenas pelos ps. O campo
intermedirio, entre cada r e as estilizaes de crocodilo ou de aves
(asas), ocupado por. cabecinhas antropomorfas (FIG. 19), por cobras
estiLzadas (FIG. 2) ou por cabecinhas zoomorfas (FIG. 24).
Quando as asas so formadas por cabeas de jacar estilizadas, na
mandbula superior est quase sempre fixado um' quadrupede, com as-
pecto perfeito de um canideo, erguido como as rs e como elas s fixado
-32-
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FlG.22 - Vaso .de gargalo, 1.0 tlpo, Monte Alegre. - Com-
primento maximo: 26 crns: altura total: l\l em . - Coleo do autor.
ao todo pelos ps. No ponto em que a mandbula superior se curva para
baixo, logo acma do canideo, ou h cabeas antropomorfas (FIG. 19)
ou um passro pousado, da familia dos papagios (FIG. 20). Nos vascs
em que as asas so estilizaes de cabeas de grandes aves, h geralmen-
te um
passro
de asas abertas sobre o bico de cada uma (FIG. 22).
substituindo o cosinho. Na parte descendente da mandbula superior
tambm se rxam, no 'raro, outras representaes zoomorfas, aparente-
mente de lagartos (FIG. 19).
. O gargalo o elemento caracterstico e permanente. Nos vasos
do primeiro tipo acha-se colocado, como se fra um chapo, sobre uma
cabea antropomorfa que, mas dilatada, serve de ligao entre le e o
corpo central, como est bem visvel nas FIGS. 20 e 24. Nem sempre,
porm, essa dilatao intermediria tem uma figurao antropomorfa.
As vezes ornamentada com estilizaes caprichosas de rs ou cobras,
em relevo, ou ainda com simples incises. Nesses casos a representao
antropomorfa de estilo idntico, se transfere para a base ou suporte
do vaso (FIOS. 21 e 22), mas sem que isso constitua uma regra geral,
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DO PAR - PUBL. NO . 2
FIG. 23 - Vaso de garqaloR, 1.0 tipo. Sontarm. - Compri-
mento de bico a bico, 19cms: largura de r a r. 14cms: altura, 13
ems. - Coleo Museu Goeldi, Bel em, Par.
pois vasos h em que no aparece e tanto o gargalo, como a dilatao
intermediria e a base ou suporte, apresentam apenas decoraes nc-
sas e geomtricas ou em baixo-relevo (FIG. 23).
Os
suportes tm comumente a forma de um prato invertido, com
ornamentao de incises ou em baixo-relevo, e variam na altura. Em
alguns vasos, duas caritides zoomorfas repousando sobre o suporte
que sustentam a pea inteira (FIG. 19), e em outros o suporte supri-
mido e substtudo por um animal, como no vaso da FIG. 24, em que a
olera figurou um jabot ou tartaruga carregando a pea s costas.
Os gargalos no so nunca iguais, havendo-os com uma s aba
(FIOS. 20 e 22), com duas (FIGS. 19 e 24) e at com mais. SUladeco-
rao de desenhos geomtricos incisos, salpicados de pequenos pontos,
como de resto acontece na maioria dos suportes e bcas, no s dos vasos
de gargalo como dos de caritides.
Apesar de toda a multipliC'idade representativa que acabo de des-
crever, posuem os vasos de gargalo uma unidade de estlo realmente
surpreendente. A primeira vista todos se assemelham e talvez da de-
corra a lenda de ter sido a cermica dos Tapaj feita por modes ou em
frmas. Em verdade, mo grado a unidade de estlo e de tcnica, cada
-34-
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FlG. 24 - Vaso de gargalo 1.0 tipo. Santarm. - Maior lar-
gu ra de ornato a ornato, 26
cmsr
altura, 21em. - Cal. Robert Brown,
na Fundao Brasil Central, Rio de Janeiro.
vaso diferente dos demais. Comparem-se, por exemplo, os das FIGS.
19 e 20, que so, apesar da manifesta identidade do estlo, um simtrico
e o outro assmtrico .
A semelhana, assim, unicamente de forma, decorrente da posi-
o sempre mantida dos elementos caractersticos: as duas rs erguidas
sobre as pernas, as asas altamente estil izadias e o gargalo que emerge
de entre elas, ao centro do vaso.
No segundo tipo de vasos de gargalo s este elemento perma-
nente (FIGS. 26a29) e a oleira abandonou a mltpla representao
zoomorfa,
tctmca
ou distintiva do cl, para ilustrar, visivelmente,
mitos, lendas e crenas tribais.
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DO P AR - PUBL. NO . 2
FIG. 25 - Vaso de gargalo., 1. tipo, Sanlarm, - Altura, 12
ems, - CoI. Robert Brown, na Fundao Brasil Central. Rio de Janeiro.
o
admravel vaso reproduzido
FIG. 26, por exemplo, em que apa-
rece uma cna comendo um jabot pelo rabo, deve ser a fixao, na ce-
rmica, de uma dessas muitas lendas da literatura indigena do Vale,
em que os dois animais aparecem inseparveis e como personagens prin-
cipas (23).
Nas FIGS, 28 e 29 vemos um precioso par de vasos em que dois
bichos, um macho e outro fmea, com os sexos definidos e fazendo
pendant , possuem cabeas humanas denttcves pelos brincos nas
orelhas. Possvelmente mostram, plsticamente, que os Tapaj parti-
lhavam da crena to difundida entre as tribos amaznicas, e
qual j
me referi anteriormente, da simbiose de origem e de destino do homem
e do animal (24).
Indubitavelmente de um animal com cabea de gente, provida tam-
bm de brincos nas orelhas, a figura modelada no vaso da FIG.
2T
Na cermica dos Tapaj s as cabeas antropomorfas mostram-se com
brincos e nunca v uma zoomorfa com esse adorno. E que se trata do
corpo de um animal verifica-se ainda pelas pernas, que no so feitas
com a tcnica usada para representar os membros superiores ou inferio-
res humanos.
-36-
A ARTE OLElRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
FIG, 26 - Vaso de gargalo., 2,0 tlpo. Santarm, Ald lo,- Al -
tura, 19,5 cms: largura, 14 cms. - CoI, Robert Brown, na Fundado
'Brasl \ Central , R io de Janeiro.
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lNST. DE A~TR. E ETNbLOGIA DO-PAR - PUB-L. NO. 2
o
vaso da FIG. 5 reproduz, com aprecavel realismo, uma tartaru-
ga, e
notvel
pelo estado em que se encontra a ornamentao pictrica.
pennitindo uma ntida viso das cres e do desenho. Os
quelnos
ti-o
nham por certo um importante papel alimentar na vida dos Tapaj, e.
por isso mesmo, no podiam deixar (te estar presentes nos mitos e en-
das da tribo. Sua pescaria, para enclausuramento nos currais de abas-
tecmento, come era comum entre tantos ndios da Amaznia, possvel-
mente inspirava festas invocativas de proteo, e perfeitamente lgi-
co deduzir que para elas fossem confeccionadas as peas de cerimonial,
como a citada. Posso um grande vaso, no pertencente
srie dos que
aqui estou descrevendo, que representa uma tartaruga de cabea para
baixo, com a inteno clara de evocar o episdio culminante da sua.
pesca, que a virao ou inverso do animal, nos taboleiros ou praias
de desova, para mpossblt-Io de Iccomover-se ,
Os suportes dos vasos de gargalo do segundo tipo tm frequente-
mente, como os do tipo anterior, a rorma de um prato invertido (FIGS.
26, 27e 28), mas s vezes a representao do animal se ccmpleta com as
patas e so estas que servem de base pea (FIG. 29/
Os gargalos tm sempre uma s aba, com a beirada recortada em
ptalas (seis ou oito), cada uma das quais exibe um, furo ao centro. Esses
furos, nitidamente visiveis nas FIGS. 26 a 29, no podem ter sido feitos
seno para. que nles se introduzissem penas ornamentais. Os furos na
aba dos gargalos s aparecem nos vasos do segundo tipo e so nles,
portanto, um elemento permanente e diferenciador. E' bem provavel que
nos gargalos do tipo anterior, por se acharem os vasos extremamente
enfeitados pelos apendices escultrcos, a decorao plumrta fosse dis-
posta de outra maneiro, ou at mesmo no se usasse, pois os furos esto
colocados nas asas, sob os olhos dos crocdilos estilizados, ou, se a est-
Lizao de ave, nesse local e ainda no tpo da cabea (FIG. 22).
A muitos, talvez, possa parecer demasiado prolixa e detalhada a
descrio aqui feita dos vasos que reputo como os mais representativos da
cultura artstica dos Tapaj .
Tenho para mim, porm, que uma descrio minuciosa das peas
de cermica, acompanhada de reprodues fotogrficas, ser sempre de
real valia para proporcionar aos estudiosos comparaes indispensveis
e provocar novas e orientadoras interpretaes.
Nesse ponto estou inteiramente de acrdo com a tese desenvolvida
por Claude Levi-Strauss, de que essas interpretaes podem ser sugeri-
das ao arquelogo por uma comparao com o que revelam os trabalhos
-38-
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ -FREDERIcoBARATA
FlG. 27 - Vaso de gargalo>, 2.0 tlpo. Santarm - Altura:
18,5 cms, largura: 15 ems. - Cal. Rabert Brown. na Fundao Brasil
Central. Rio de Janeiro.
-39-
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rNST. DE ANTR. E ETNOLOGI DOPAR -
PUBL. NO.
Z
FIG. 28 - Vaso de gargalo>, 2 o tipo. Santarm, AldeIa. - AI
1vra: 12 cms: largura: 20 cms, - Animal de sexo feminino iormQ um
.pendanh pelo, estilo fi pela ornamentao dnttc os, com o da Flg.
Z9r-Cole9o R.obertllroWn, Da F\Rldao Bra.tI Central. RIode Junelro.
etnolgcos, facilitando-se o acesso aos mistrios do passado graas ao
conhecimento de um presente cheio ainda, pela fora da tradio oral,
de sobrevivncias de mitos e legendas das antigas culturas
(25).
Filiei os vasos de gargalo, sobretudo os do
1.
0
tipo, s manresta-
es de horror ao vaso. Toda a carregada e pomposa ornamentao
esculturada tapajnc, porm, no deve resultar exclusvamente desse
sentimento d
obia,.
1
lgico que reflete tambm outras preocupaes
da oleira e cada motivo, esculpidO com mais ou menos realismo, h de
t'star relaconado cem os mitos ou crenas
trbas,
dando margem a um
sem nmero de dedues.
fitnd qu a estas no tios devemos furtar, quando nos possamos
basear em observaes honestas
afastadas d campo puramente .mag-
nativo ou Iterro ,
E como so prdigos em sugestes os vasos dos Ta.pajl
Parece-me fr de dvida, por exemplo, que Os ornatos dos vasos
de gargalo, quase todos zoomorfos, raramente antropomorfos, sejam
-40-
A ARTE OLElRA DOS TAPAJ
FREDERICO BARATA
FIG. 29 - Vaso .de gargalo>, 2.0 tipo. Santarm. _ AnImal de
sexo masculino definIdo - Altura, 12,5 cms: largura, 19 ems, _ Col.
Robert Brown, na Fundao BrasU Central, RIo de JaneIro.
verdadeiros brazes familiares, ligados intimamente ao totemismo e
diviso em cls.
A medida que formos avanando no pesquisamento da Amaznia e
no desvendamento dos mistrios que ainda encerram a arqueologia e a
etnologia destes trs milhes semi-virgens de quilometros quadrados, te-
nho a certeza de que esses e outros problemas se esclarecero.
-41-
: t
-
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INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA DO PAR - PUBL. N.O 2
Por enquanto, sugerindo-os apenas, no desejo avanar concluses
que seriam apressadas e para as quas no possuimos seno vagos e es-
parsos elementos comprobatrios.
Aquilo que no presente mera especulao terica, todavia, se
transformar em concluses definitivas, quando maior conhecimento
arquelogico tivermos da imensa rea de influncia dos Tapaj e de di-
ferentes tribos amaznicas, estabelecendo correlaes de estilo e de cul-
tura com as demais civilizaes indgenas que vicejaram ao norte.
E no foi seno pelo desejo de contribuir, com parcela mnma que
seja, para facilitar a ampliao desse conhecimento, que me aventurei
a este trabalho de divulgao, primeiro de uma srie que o Instituto de
Antropologia e Etnologia do Par editar, sobre a arte oleira dos Tapaj.
,
-42-
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
NOTAS
(1) -
A semelhana da
eermca
de Santarm com a do Trombetas
(Ortximin
o
ant.go
nome indgena do rio), j foi
assinalada
por Derby e Freitas, na sua viagem de
1876,
segundo o depoi-
mento de Hartt. (Arch. do Museu Nacional, VoI. VI, pgina 62).
(2) - MAURICIO DE HERIARTE. Descrpo do Estado do Mara-
nho,
Par, Corup e
Rio
das Amazonas , Vienna d'Austria
edio p. c. do Baro de Porto Seguro,
1874, pginas 36
e
37:
Quando morre algum d'estes Indios, o deitam em uma rede, e
lhe poem aos ps todos os bens que possui a na vida, e na ca-
bea a figura do Diabo feita a seu modo, lavrada de agulha
como meia, e assim cs poem em umas casas que tem feitas s
para elles, aonde esto a mirrar e a consumir a carne; e os
ossos moidos os botam em vinho, e seus parentes e mais povos
o
bebem.
(3) - NIMUENDAJ. Os Tapaj , BoI. do l'4us. Goeldi, VoI. X, 1948,
pgina 105: Mas a grande maioria provem de peas lisas e' os
ornamentos so, como em toda parte, em numero muito inferior .
4) -
Essa afirmao roi prmeiramente difundida pela ilustre diretora
do Museu Nacional, sra. Heloisa Alberto Torres, numa confe-
rncia que fez em 1929, na Escola Nacional de Belas-Artes do
Rio de Janeiro, depois publicada em livro. Dise ela: Sobrepuja
a Maraj, quanto fabricao, a olaria da civilizao Tapajs-
Trombetas, conhecida crm o nome de Santarm. Acredito fos-
se esta posterior ao apogeu da civilizao de Maraj. De nvel
artistico muito inferior ao da ilha, possue, em respeito
tcnica
de fabricao e na Quantidade de produo,
j
industrializada,
um desenvolvimento consideravel. Em Santarm se encontram
as frmas que se empregavam na Amrica Central e na cord-
lheira para a fabricao da cermica. Manai, centro essencial-
mente artstico, trabalhava a mo livre, tendo por s mvel a
mentalidade firme que a educao tcnica rlgida lhe assegurava .
Dada a justa autoridade que tem a diretora do Museu Na-
cional, numerosos tm sido eIS autores que, dai para c, no Bra-
sil e no estrangeiro, vm repetindo esse equivoco, divulgando-o
j at sem citar a fonte. O ltimo que o faz Gasto Oruls, em
sua suntuosa Hilia Amaznica , Declara le, referindo-se ce-
rmica de Santarm: Basta considerar que a maioria daquelas
peas se muito complicadas, se manto dificeis, seria frequente-
mente feita em srie, por meio de moldes que repetiam, sem er-
ros nem desvios, no s, talvez, o corpo principal dos objetos
como, certamente, todos os adornos que lhe iam fazer depois a
decorao .
E' esse um erro ou equvoco que se vai repetindo indefini-
damente e sem base. Nunca a cermica primitiva de Santarm
-43-
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INST. DE ANTR. E ETNOLOGIA DOPAR - PUBL.
NO .
foi feita em frmas ou por moldes. Nunca se encontraram mol-
des ou frmas. em todo o vale tapajnco, correspondendo ao
periodo pr-cabralno ou contemporneo do descobrimento.
Tenho visto e examinado mais de vinte mil fragmentos e peas
inteiras da velha cermica dos Tapaj e jamais encontrei ao
menos dois pedacinhos exatamente iguais ou qualquer coisa que
se parecesse com trma ou molde.
(5) - S. LINN. Les Recherches Archeologlques de Nmuendad au
Brsl,
Journal de Ia Societ des
Amrcanstes
de Paris: C'est
un vritable catalogue de toute Ia faune du bassn amazonique.
(6) - L-se na Informao do capito Antonio Pires de Campos. so-
bre os indios Parecs, em 1723. publcada na Rev. Trim. do Inst.
Bras., Tomo XXV, pgina 443: ... e tambem usam estes n-
dios de idolos; estes taes tm uma casa separada com muitas
figuras de varios feitios em que s permitido entrarem os ho-
mens; as taes figuras so mui medonhas, e cada uma tem sua
buzina de cabaa que dizem os ditos gentios, serem de figuras.
e o mulherio observa lei tal, que nem olhar para taes cousas
usam e s os homens se acham nelas rr aqueles dias de galho-
ras, e determinados por eles em que fazem suas danas e se ves-
tem ricamente.
Betendorf, na Crnica , narra costume idntico entre os
Tapaj e, comentando essa narrativa, Nimuendaj atribue a
isso a posio das cartdes femininas tapando os olhos, no que
chama certos vasos sacrais de Santarm. (Vol , X. do BoI.
do Mus. Ooeldi, Os Tapaj, pg.
101).
(7) - A Laureano da Cruz no passou despercebido o grande amor
que os indios da Amaznia dedicavam aos filhos. Falando da
provncia dos Encabelados, pcr exemplo, diz: Quierem muchs-
simo a sus hijos, cuya causa se criam con mucha libertad y de-
senvoltura . (Pg. 41).
(8) - IVES D'EVREUX. Viagem ao norte do Brasil (1613-1614): -
As raparigas se empregam em ajudar suas mes, fiando algo-
do como podem, e fazendo uma espece de redzinha como cos-
tumam por brinquedo, e amassando o barro com que imitam as
mais habeis no fabrico de potes e panelas .
(9) -
EVERARD F. 1M THURN. Among the Indians of Guyana ,
London, 1883: Another significant facts is that, while the In-
dian women of Guyana are shapng the clay, their children,
mtatmg them, make small pots and goglets. Many of these
toy vessels may be seen in and about almost every Indian house.
The large number of vessels too small for prat.cal use wnich
. occur in the American Mounda, and the object of which has long
been a question, were, judging by analogy, probably made by
children of the mound-makers .
(10) - .CARLOS FREDERICO HARTT - Contribuies para a Etno-
lbgia do Vale do Amazonas, Archvos do Museu Nacional, Vol.
VI, pg , 50.
(11) - LADISLAO NETO. Investigaes sobre a Archeologia Brasilei-
ra . Anais do Museu Nacional, Vol. VI. - A figura 3 da Es-
tampa XVII assim descrita: Grandeza natural. Amuleto or-
namental de um vaso de Maraj representando uma mulher
acocorada sobre a borda de um vaso. E' uma figura expresiva,
-44-
:ti
ARTE OLElRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
na atitude do pranto e da dr. Tem sobre a cabea um barre-
te de forma moderna. que lhe oculta todo o crneo: a mo es-
querda est apoiada sobre o lado correspondente da face co-
brindo-lhe o olho deste lado; a boca meio aberta exprime que
aquele pranto no mudo .' ,
Trata-se de um equivoco que resulta do pouco conheci-
mento que se tinha, poca em que isso escreveu o ento di-
retor do Museu Nacional, da cermica dos Tapaj. Essa rgur-
nha,
reproduzia
em outra posio
pg , 326
uma cartde
dos vasos tpicos de Santarm e nada tem de comum com Maraj.
(12) - HELEN PALMATARY. Tapaj Pottery em Etnologiska stu-
dies , Gotteborg, 1939, pg , 3. '
(13) - SIGVALD LINN. Les Recherches de Curt Nimuendaj au
Brsil, em Journal de Ia Societ des Arnricanistes de Paris
Nouvelle Srie, tome XX, trad. do suco por Eva Mtraux.
(14) -
IVO D'EVREUX. Viagem ao Norte do Brasil
(1613-1614). -
Falando dos pequenos idolos, de formas humanas, e descreven-
do a ao dos feiticeiros, diz: ... avec les plumes ils paroient
l'idole ...
(15) - NORDENSKIOLD. Ars Americana , Paris, 1930 p.g . 28:
D'aprs
Nimuendaj, on y introduisait probablement un orne-
ment en plumes, l'ocasion des ftes, ccrnme le font encore les
Indiens Palikour ...
(16) ~ MAURICIO DE HERIARTE. Ob.
ct.,
pgina 36: Teem idolos
pintados em que adoram, e a quem pagam dizimo das semen-
teras ...
(17) -
NIMUENDAJ. BoI. Mus. Goeldi, VoI. X,
pg ,
101. -
Descre-
vendo cs Tapaj baseado nas indicaes da cermica, diz:
Nos lbulos das' orelhas usavam rodelas de medianas dimen-
ses. talvez de uma polegada, mais ou menos .
- HARTT. Idolos dos Moradores do Alto , Anais do Mus.
Nac., Vol. VI) pg. 51: O lbulo da orelha tem sempre um or-
nato caracterstico em forma de boto na frente e a cabea
furada atrs da orelha .
(18) - NIMUEND'AJ. Ob. ct , Ver referncia da nota anterior n.
o
1).
(19) --. FRANZ BOAS. EI Arte Primitivo , Fondo de Cultura Econo-
mico, Mexico-Buenos Aires: - ... podemos passar gradual-
mente a formas mais e mais convencionais, cada uma das quas
apresenta uma clara semelhana com a que a precede, mas ter-
mina em um desenho geometrco puramente convencional no
qual dificilmente se pode reconhecer a etapa inicial.
(20) - LADISLAO NETO. Investigaes scbre a archeologia brasilei-
na , Anais do Mus. Nac., Vol. VI. - As cabeas de idolos que
reproduz, de Maraj, e que classifica como representando sa-
crifices ou chefes de alta gerarchia , individuos ornados de
elevadas mtras ou taras orientais , so apenas, a meu-ver, ma-
nifestaes de antropo-zoomorr.smo idnticas s que assinalo
nos ornatos dos vasos de caritides de Santarm. Nas figs.,
reprcduzdas s pginas 322 e 323, o que Ladislo Neto chama
de parte superior do thorax so os bordos dos vasos em que
se implantam essas cabeas de duplo sentido representativo,
melhor visiveis ainda em muitas das figs. das Estampas I e IV.
Refere-se ele ainda, pg .
383
e seguintes, ao que denomina
-45-
t
-
7/23/2019 Barata 1950
23/23
INST. DE ANTR. E ETNOLOGIADOPAR- PUBL.
N0. 2
A ARTE OLEIRA DOS TAPAJ - FREDERICO BARATA
-46-
-47-
1
I
(24)
de amphibomorphia da cermica de Maraj. E' uma obser-
vao interessante que revela uma prescincia do antropo-zoo-
morfismo: ... todas essas cabeas em que temos visto a dupla
feo
antropo-zoomorpha mais ou menos manifesta.
Como no relacionou imediatamente Lasdislo Neto essa
descoberta com as cabeas de dolos que classificou como de
chefes ou sacrifices? E' notavel o exemplo da fg , reproduzi-
da
pg ,
384, cabo de terrina , representando ao mesmo tem-
po um surio e, vista de topo, um animal que Ladislo Neto
chama de classe diferente mas que , evidentemente. uma ca-
ra humana assemelhada a muitas da cermica de Santarm,
inclusive pelo prolongamento do nariz pela cabea acima.
Outros exemplos de dolos de Maraj so citados e repro-
duzidos nas figs.
6
e
21
da Est. III do fim do VoI. VI e na figo
da
pg .
403, em torno da qual divaga o autor vendo nela afin.-
dades com a deusa Hera dos antgcs gregos. Esta ltima no
um dolo. porm pois dolo se considera objeto isolado e esse
.nitidamente, fr,agmento da borda de um vaso do PacovaI. Seus
dois aparentes tcos de braos muito se parecem, todavia, como
ocorre em certos estgios das sries evolutvas de Santarm,
com vestgios de asas que ainda sobrevivem do padro inicial, ou
seja mais uma possvel manifestao de antropo-zoomorfismo
dos marajoaras. Isso, de resto, tambm verificavel na fig. 21
da
R'lt. nr.
~ JOYCE. Maya and Mexican Art , Londres, 1927. - Estudando
cs estilos escultricos mexicanos, caracteriza-os pela sobrecar-
ga ornamental e profuso de detalhes, que se explica pelo
horror ao vasio .
--- HELOISA ALBERTO TORRES. Cermica de Maraj , Rio,
1929: - ...
importa realar que Maraj tem horror ao vaso,
Todo o campo sempre CObertode decoraes.
- Como o Jabuti matou duas Onas , Como um Jabuti matou
uma Ona e fez uma gaita de um dos seus ossos e O Jabuti
engana a Ona - lendas descritas por Ch. Frederico Hartt em
M;ythologia dos Indos do Amazonas , Arch. do Mus , Nac.,
VaI. VI.
- Jabota, anta e ona , lenda caxinau da regio do alto Ju-
ru, verso livre de Herbert Baldus, em Lendas dos Indios do
Brasil , baseada na traduo literal de Capistrano de AbI'2u
publicada em A Lingua dos Caxinaus , Rio:
1914.
- Histria do Jaboti do Macaco e da Onca lenda narrada
por Carlos Estevo de' Oliveira, em Os Apinags do Alto-To-
cantns , BoI. do Mus. Nac., Junho, 1930.
- O jabuti e a ona, texto original em nhehengat, apre-
sentado pelo general Couto de Magalhes, em O Selvagem ,
Brasiliana, VoI.
52,
srie
5. a.
- EURICO FERNANDES. Crenas Zoomorfas e Zoomorfismo en-
tre alguns indios do Brasil : ... Interpretando as crenas zoo-
morras como manifestaco de zoomorfismo e este como culto
no qual dada a forma de animal
divindade, ou o sentido di-
vino a este ou aquele animal, quer por um princpio totmico,
quer por simples anmsmo, uma vez que o animal considera-
do como portador de uma alma imortal, quer ainda baseado na
presena da possibilidade de transformao dos homens em
animais ...
(25) - CLAUDE LEV-STRAUSS. Le Serpent au corps rempli de pois-
sons , em Actes du XXVIII Congrs International des Amer-
canlstes ,
Paris,
1947, pg . 636:
Mais surtout il parait
certan
que, dans ces regions de l'Amrique du Sud o hautes et basses
cultures ont entretenu des contacts rguliers ou intermittents
pendant une priode prolonge, l'etnographe' et l'archeologu
peuvent se prter concours pour elucicter des problmes com-
muns. Le serptent au corps rempli de poissons
n'est qu'un
thme, parmi les ceritanes dont Ia cramique pruvienne, au
Nord et au SUd, a multipli, presque
l'infini l'illustration.
Comment douter que Ia clef de l'nterprtation de tant de mo-
tifs encere hermtques ne se trouve, notre dspositn et mm-
diatement accessible, dans des mythes et des contes toujours
vivants? On aurait tort de ngliger ces mthodes, o le present
permet d'acceder au pass . (Comentando Mtraux, sobre a re-
presentao, na cermica antiga, de mitos e lendas das regies
andinas, que sobrevivem na tradio oral).
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