bianca - 175 - amor bandido - susanna firth

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A A m m o o r r b b a a n n d d i i d d o o Susanna Firth Digitalização e revisão: Tina Título original: The Overlord (1982) Coleção: Bianca 175 (1983) Protagonistas: Lorena Williams & Ramón Vance "Sua moleca irresponsável! Isso é hora de chegar?" O rosto de Ramón estava cheio de raiva, e ele parecia a ponto de esganar Lorena. Era o homem mais detestável, prepotente e mal-educado do mundo!, pensou ela. Mesmo assim, estava louca por ele. Seria

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Livro romance policial

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  • AAmmoorr

    bbaannddiiddoo Susanna Firth

    Digitalizao e reviso:

    Tina

    Ttulo original: The Overlord (1982)

    Coleo: Bianca 175 (1983)

    Protagonistas: Lorena Williams & Ramn

    Vance

    "Sua moleca irresponsvel! Isso hora de

    chegar?" O rosto de Ramn estava cheio de raiva, e

    ele parecia a ponto de esganar Lorena. Era o homem

    mais detestvel, prepotente e mal-educado do mundo!,

    pensou ela. Mesmo assim, estava louca por ele. Seria

  • possvel amar e odiar algum ao mesmo tempo?

    Apertou contra o peito o pacote com o vestido novo

    que tinha acabado de comprar; o vestido sensual, que

    acreditava capaz de realizar o milagre de fazer Ramn

    perceber que ela era uma mulher atraente, e no uma

    adolescente idiota. Que iluso! Nunca poderiam

    chegar perto um do outro sem brigar. Para ele, Lorena

    era um aborrecimento. No passava de uma simples e

    incompetente empregada, naquela fazenda onde ele

    dava as ordens.

    Copyright: Susanna Firth

    Ttulo original: "The Overlord"

    Publicado originalmente em 1982 pela

    Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra

    Traduo: Everlyn Kay Massaro

    Copyright para a lngua portuguesa: 1983

    Abril S.A. Cultural So Paulo

    Esta obra foi integralmente composta e

    impressa na Diviso Grfica da Editora Abril S. A.

    Foto da capa: Abril Press

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 3

    CCAAPPTTUULLOO II

    Papai, quero falar com voc.

    Lorena serviu-se de um pouco mais de caf e sentou-se

    com a xcara entre as mos, imaginando qual seria o melhor

    meio de abordar o que a estava preocupando. Tentara diferentes

    maneiras de tocar no assunto nos ltimos dias. mas nenhuma

    delas dera resultado. Talvez tivesse chegado a hora de falar

    claro.

    Olhou para seu pai, sentado do outro lado da mesa de

    jantar. O prato havia sido afastado para o outro lado e ele estava

    absorto na leitura de uma carta. Apesar de a estncia ficar

    bastante longe da cidade mais prxima, costumavam receber a

    visita do carteiro trs vezes por semana, e o ritual de abertura da

    correspondncia, noite, era uma tradio de que se lembrava

    desde que se conhecia por gente.

    Papai? repetiu, ansiosa.

    Mark Williams levantou a cabea.

    Desculpe, querida, no estava prestando, ateno. Acho

    que tenho estado sozinho por tanto tempo que me tornei um

    pouco anti-social. Deu uma risadinha. Veja s, voc volta

    para casa depois de todos esses meses, e seu nico parente vivo

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 4

    praticamente a ignora! Ser que um dia poder me perdoar por

    isso?

    No seja bobo. Lorena olhou-o, com carinho. Sei

    que tem estado muito ocupado. Quando foi que no esteve?

    Deve ser muito aborrecido ficar sozinha o dia inteiro, e

    sei que no sou a mais interessante das companhias noite. No

    quer mudar de idia sobre aquele convite de sua coleguinha que

    mora em Crdoba? Vou ver se consigo algum para lev -la.

    Infelizmente, no posso deixar o carro com voc porque...

    No, papai.

    Isso me pareceu muito definitivo.

    E foi. Ela mexeu na colherinha de caf com dedos

    nervosos e depois deixou-a cair sobre o pires. No sou uma

    criana que precisa ser distrada o dia todo. J estou bem

    crescidinha.

    Dezoito anos.

    Vou fazer dezenove no ms que vem.

    J est quase na idade de se aposentar!

    No brinque, papai. Estou tentando falar srio.

    Por qu? Deixe isso para os velhos. Voc no tem nada

    com que se preocupar.

    No, mesmo? falou, quase com rispidez.

    O que est querendo dizer? Mark franziu a testa.

    Se sobre a universidade, creio que j ficou tudo acertado.

    Concordamos que voc s ir para a Inglaterra no ano que vem.

    Ainda muito jovem, e eu no teria sossego em deix -la sozinha

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 5

    em Londres. At l, ter tempo para se tornar mais adulta e

    adquirir mais experincia de vida. Olhe, querida, eu tinha

    dezesseis anos quando vim para a Argentina e, acredite -me, sei

    como difcil comear a vida num pas estranho, mesmo tendo

    bons amigos.

    No isso disse Lorena.

    Ento, o que ?

    Papai, h alguma coisa errada, no? Bem, finalmente

    estava falando s claras. Lorena deu um suspiro de alvio.

    O pai tentou rir.

    Est sonhando!

    No, no estou. No incio, pensei que pudesse ser minha

    imaginao, mas j estou aqui h uma semana e agora tenho

    certeza de que existe algo esquisito no ar. Estudou o rosto do

    pai, tentando encontrar uma resposta, mas em vo.

    Mal tivemos oportunidade de conversar desde que voc

    chegou...

    Sei disso, e um dos motivos para minha preocupao.

    Voc sempre trabalhou duro, enfrentando qualquer desafio na

    administrao, mas encontrava tempo para relaxar. Agora, de

    repente, tem trabalhado sem descanso, mal parando para comer.

    E anda calado, nervoso, como se tentasse resolver algum

    problema insolvel.

    Mark Williams deu um suspiro e passou a mo pelos

    cabelos, que tinham ficado bem mais cinzentos desde que Lorena

    esteve em casa pela ltima -vez. E as rugas da testa pareciam

    mais tensas e acentuadas. Estava envelhecido, pensou ela,

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 6

    sentindo um aperto no corao. No era justo. Seu pai tinha

    pouco mais de quarenta anos e, apesar de trabalhar duro, levava

    uma vida saudvel, ao ar livre. Era a preocupao que havia

    causado isso.

    No sei o que dizer disse ele, finalmente.

    Por que no tenta a verdade?

    Mark deu um suspiro.

    No sei...

    Papai, no me deixe de fora. Fomos sempre muito

    unidos, temos enfrentado muitas adversidades juntos.

    Sim. Acho que tenho me apoiado muito em voc desde

    que sua me morreu. Voc tem sido um grande conforto para

    mim, Lorena.

    Ela sentiu os olhos se encherem de lgrimas. Ann Williams

    morrera de cncer h quatro anos, mas a perda parecia muito

    recente e sabia que o pai ainda estava inconformado. Piscou com

    fora e tentou aparentar calma.

    Ento, por que no posso ajudar?

    Duvido que algum possa.

    Fazia muito tempo que no via o pai to desanimado, e

    uma sensao de medo a fez estremecer. Seria to mau assim?

    Por favor, papai, conte-me o que est acontecendo de

    errado.

    Mark levantou-se e foi at a grande escrivaninha de

    carvalho que ficava do outro lado da sala. Remexeu numa pilha

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 7

    de pastas e papis, encontrou o que procurava e voltou para a

    mesa.

    Leia isto disse, dando-lhe uma folha datilografada.

    Pode explicar tudo melhor do que eu.

    Lorena leu a carta atentamente. No era longa, mas a

    linguagem no deixava margem para dvidas. A assinatura quase

    ilegvel parecia pr um ponto final a uma srie de desaforos.

    Problemas concordou. Agora estou entendendo.

    Oh, papai, por que no me contou antes?

    No quis aborrecer voc. Acho que fiquei esperando por

    algum milagre, mas...

    verdade.

    Mark encolheu os ombros num gesto de desnimo.

    . Ele est certo... claro que est certo. Eu devia ter

    enfrentado os fatos h muito tempo. tudo culpa minha.

    Isso bobagem, papai, nem preciso lhe dizer

    protestou Lorena. com veemncia. Voc sempre conseguiu

    cuidar de tudo com uma mo nas costas.

    Obrigado pela confiana, querida, mas no bem assim.

    Talvez tenha conseguido fazer um bom trabalho quando sua me

    ainda estava viva e com sade. Acho que perdi o nimo quando

    ela morreu. No sei, parece que tudo ficou diferente... O fato

    que as coisas tm ido por gua abaixo e no me empenhei o

    suficiente para resolver a situao.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 8

    Mas ele est insinuando que voc um preguioso.

    Lorena apontava as frases com gestos irritados. Um molenga,

    um vagabundo incompetente que deixou as coisas virarem uma

    baguna!

    E esto mesmo uma baguna. Com essa inflao

    desenfreada que o pas est enfrentando, os tempos tm sido

    duros. No consegui juntar dinheiro para substituir o

    equipamento como costumava fazer antes. Tive que despedir

    muitos empregados porque no tinha como enfrentar os

    aumentos de salrio. Alm disso, a mo-de-obra rural anda

    escassa, o pessoal tem procurado as cidades para conseguir

    empregos melhores na indstria. Bem. o caso que. com tudo

    isso. a qualidade da nossa carne no mais a mesma e o mercado

    internacional est difcil.

    Ento, por que esse... esse... Lorena pegou a carta e

    tentou decifrar a assinatura. Esse tal de R. Vance no levou

    tudo isso em conta, antes de pr toda a culpa em voc?

    No assim to simples, meu bem. Proprietrios de

    fazendas de gado no pagam um administrador para ouvir

    desculpas sobre problemas causados pela economia de um pas.

    Esperam que saiba tomar as atitudes corretas para enfrentar a

    situao. Foi onde falhei. Perdi o controle. Algumas vezes, acho

    que s um milagre far as coisas retomarem o equilbrio. No sei

    nem por onde comear a consert-las.

    E o que vai acontecer?

    Agora no depende mais de mim.. J recebi muitas

    cartas me advertindo sobre a situao e consegui dar algumas

    explicaes, mas acho que cheguei ao fim da linha. Voc sabe

    que o proprietrio dessa estncia um consrcio que tem muitos

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 9

    outros interesses financeiros. Durante algum tempo, pude ir

    levando as coisas porque o agente encarregado do negcio de

    gado estava ficando velho e querendo se aposentar, sem se

    empenhar muito no trabalho. Bem, h uns dois meses, fui

    informado de que agora h uma outra pessoa em seu lugar. Sabe

    como , meu bem: esse novo agente quer mostrar servio para

    justificar a contratao.

    E voc vai fazer o que ele est pedindo?

    No tenho escolha: tenho que preparar um relatrio

    detalhado sobre nossa situao financeira. Acho que chegou a

    hora da verdade.

    E o que vai acontecer?

    Os nmeros confirmaro a suspeita de que h algo de

    muito errado. Que o rancho no mais um bom negcio. Por

    minha causa.

    E ento?

    Vou ter que enfrentar o inevitvel. Serei despedido e

    terei que procurar outro emprego. S Deus sabe onde vou

    conseguir um na minha idade e com a situao que o pas est

    atravessando.

    Lorena ficou chocada. Imaginava que havia problemas,

    mas no estava preparada para o que acabava de ouvir. Era

    assustadora a possibilidade de ter que deixar o lugar em que

    nascera, a casa que sua me havia transformado com tanto

    esforo num lar acolhedor, as pastagens onde cavalgava desde

    menina... O pior era o efeito que uma coisa dessas causaria no

    pai, que chegara ali com pouco mais de vinte anos, recm-

    casado. Tinha trabalhado duro para conseguir o cargo de

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 10

    administrador. Era uma posio de confiana, conquistada com

    suor e dedicao.

    Inclinou-se sobre a mesa e apertou a mo do pai, tentando

    confort-lo.

    No se preocupe, vamos dar um jeito. Vai ver como, no

    fim, tudo dar certo. Palavras, simples palavras, do mesmo

    tipo que ele costumava usar quando ela era menina, procurando

    consolo para seus pequenos problemas infantis.

    Estou muito mais preocupado por sua causa, querida.

    Temos que pensar na sua carreira, no seu futuro. No consegui

    economizar muito durante todos esses anos. Se no arranjar um

    bom emprego, no teremos o suficiente para pagar seus estudos

    na universidade; muito menos para sua estada na Inglaterra. Nem

    sei se poderei lhe dar um teto aqui mesmo. O rosto do pai

    estava sombrio. Lorena, ser que pode me perdoar por eu ter

    deixado as coisas chegarem a esse ponto?

    Tambm tenho minha parcela de culpa. Devia ter notado

    como estava a situao h mais tempo. Podia ter feito alguma

    coisa para ajudar... sair da escola, vir trabalhar aqui... seria mais

    um par de mos. Se tivesse me contado... Parou, desanimada.

    Era tarde demais para recriminaes. Agora, precisava ser

    prtica e positiva. Olhe, papai, possvel que voc esteja sendo

    pessimista demais. Talvez o novo agente no seja to ruim como

    parece pela carta. Afinal, ele no sabe todos detalhes. possvel

    que esteja s querendo demonstrar que est por cima.

    uma carta muito positiva para algum que apenas

    analisa uma situao. Mark Williams falava com amargura.

    O homem parece ter um quadro bem claro e s querer confirmar

    sua opinio, antes de agir.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

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    Mas ele no o conhece, nunca esteve aqui em Vista

    Hermosa.

    Isso no importante, meu bem. Ele tem os nmeros e

    os proprietrios querem saber de lucros.

    No justo! Aposto que esse homem nunca saiu de

    Buenos Aires. O que pode saber dos problemas que voc est

    enfrentando? Garanto que igualzinho ao outro agente, um

    careca barrigudo que nunca viu uma vaca na vida e que sairia

    gritando por socorro, se topasse com uma!

    Talvez disse Mark, com um sorriso. Se ele for

    mesmo igual ao sr. Holmes, possvel que acabe nos deixando

    em paz.

    Mesmo se no for, por que a ltima palavra tem que ser

    a dele? E os donos? Por que voc no vai falar direta mente com

    eles? Talvez concordem em fazer novos investimentos aqui.

    No assim to simples, querida. Antigamente, quando

    o proprietrio era uma s pessoa, podia haver essa

    possibilidade. Hoje, porm, Vista Hermosa apenas mais uma

    propriedade de um imenso conglomerado financeiro. Encarregam

    tipos como esse tal de Vance de cuidar de seus interesses e no

    se incomodam com o que ele faz, desde, que tenham bons lucros.

    Ento.,.

    No podemos fazer mais nada. O homem tem toda a

    autoridade Amanh vou lhe enviar a papelada que est pedindo e

    depois ficaremos aguardando os acontecimentos. Forou um

    sorriso. Pode ser que voc esteja certa: talvez seja s uma

    tempestade num copo d'gua.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 12

    Claro que ! Lorena procurou colocar o mximo de

    confiana na voz. Daqui a alguns anos, olharemos para trs e

    nem vamos acreditar que pudemos ficar to preocupados.

    Porm, mais tarde, quando se aprontava para ir dormir,

    sentia-se muito incerta quanto ao futuro. Tinha procurado

    demonstrar otimismo para alegrar o pai, mas sabia que estavam

    diante de uma incgnita. O agente tinha plenos poderes e estava

    a quilmetros de distncia. E se decidisse que seria melhor

    substituir seu pai por algum mais jovem, cheio de energia e

    idias modernas?

    Lorena conhecia um pouco sobre o mundo dos grandes

    negcios para ter conscincia de que ningum se importava com

    as pessoas, quando se tratava de finanas. Naquele mundo, to

    distante da tranqila Vista Hermosa, quem no produzisse

    resultados era eliminado como erva daninha. Um arrepio a f ez

    estremecer. A imaginao comeou a falar mais alto. E se

    tivessem que viver de esmolas, como tantos estavam fazendo

    naquele pas supostamente to rico? Quantas e quantas vezes

    havia sido abordada por velhos, mulheres e crianas, implorando

    por alguns pesos para comprarem comida?

    Sacudiu a cabea, afastando essa idia. Que bobagem!

    Estava se deixando levar pela autopiedade. Era jovem, forte e

    ativa. Mesmo que o pai tivesse dificuldade para encontrar uma

    colocao, nunca passariam fome. Procuraria um emprego como

    balconista, camareira, qualquer coisa. Era pena no estar

    qualificada para exercer uma profisso, apesar de ter

    freqentado o melhor colgio da regio.

    As freiras sempre diziam que era tima aluna e que devia

    prosseguir os estudos, tornando-se advogada, jornalista ou

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 13

    professora universitria. Seu pai, um homem atualizado, insistia

    em que seguisse uma carreira. Apesar de a esposa ter vivido

    satisfeita cuidando da casa, ele achava que a mulher moderna

    devia aspirar a muito mais do que isso.

    O que no significa que no tenho esperanas de que

    voc encontre o homem certo e faa de mim um av dizia,

    com uma risada.

    Voc est longe de ter cara de av brincava Lorena.

    Bonito como , seus netos vo cham-lo de titio, e olhe l.

    Vamos esperar at voc estar com os cabelos todos brancos e

    com um andar pesado!

    E era assim que ele estava agora. A preocupao destrua

    mais do que os anos. Os cabelos castanho-avermelhados tinham

    adquirido uma tonalidade cinzenta, quase sem vida, e parecia

    no haver mais o mesmo vigor em seu corpo magro.

    Lorena sorriu ao se lembrar dos comentrios da me pelo

    fato dela ser to parecida com o pai, e foi se olhar no espelho.

    Sim, tinham a mesma cor de olhos e cabelos, o mesmo corpo alto

    e esguio. Examinou-se com um ar crtico. Seu rosto, antes

    ossudo e infantil, agora mostrava linhas bem marcadas, como via

    nas mulheres das fotos de revistas de modas, e que poderiam

    passar por beleza, se no fossem acompanhadas por um nariz

    arrebitado e boca larga demais. E o resto! Fez uma carinha de

    desgosto. Os homens argentinos gostavam de corpos mais

    arredondados nos lugares certos. Ningum, em s conscincia,

    lhe daria um segundo olhar. Talvez na Inglaterra ainda

    conseguisse encontrar algum que se interessasse por tantos

    ossos. No, ia acabar mesmo uma solteirona.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 14

    Quando finalmente conseguiu pegar no sono, sonhou que

    estava sendo perseguida por um velho que lhe dizia, com voz

    trmula: "Case comigo. sua ltima oportunidade". Enquanto o

    empurrava com repulsa, viu um nome escrito na lapela: R.

    Vance.

    Pelo resto da semana, ela e o pai mantiveram suas

    conversas em assuntos neutros, evitando tocar naquilo que

    estava sempre presente em seus pensamentos. Mark Williams

    gastou duas noites preparando o relatrio sobre a situao

    financeira da estncia e Lorena ajudou-o o melhor que pde,

    secretamente horrorizada com a baguna em que se encontrava a

    contabilidade. Ela mesma foi despachar o pacote no correio em

    Campo Verde, a cidade mais prxima do rancho.

    Depois, comeou a espera. Um dia para a correspondncia

    chegar a Buenos Aires, talvez dois ou trs, se houvesse algum

    problema. Ento, o homem teria que ter tempo para estudar o

    relatrio e os livros, antes de se decidir, o que levaria no mnimo

    uma semana. Isso significava que no receberiam uma re sposta

    antes de uns dez dias, ou at mais, se o agente no tivesse algo

    mais urgente para fazer. Um homem como aquele, pensava

    Lorena, interessado apenas em nmeros e lucros, nunca se

    apressaria, imaginando que podia haver pessoas morrendo de

    ansiedade para saber qual seria sua deciso.

    Mark Williams adotou uma atitude fatalista. Agora que no

    precisava mais esconder sua preocupao da filha, parecia

    aliviado e quase feliz. Voltou a cuidar do rancho com um

    entusiasmo que Lorena no via h muito tempo, empenhando-se

    em organizar a lavagem do gado com pesticida, um programa

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 15

    que acontecia vrias vezes por ano, como parte da preveno

    contra doenas.

    Seu pai nunca seria um administrador perfeito, pensou

    Lorena, vendo-o se afastar, cavalgando ao lado de dois pees,

    gachos dos pampas, srios e incrivelmente competentes no trato

    do gado. Gostava demais de tudo aquilo, era gentil e cheio de

    considerao com os empregados, vendo-se como mais um deles.

    Nada lhe dava mais satisfao do que passar um dia inteiro na

    sela, cuidando dos animais.

    Era um mundo de homens, e Lorena aceitava esse fato com

    naturalidade. O machismo latino impedia qualquer interferncia

    das mulheres nas atividades de uma estncia, e os pees ficariam

    chocados se ela tentasse invadir seu territrio. Para um gacho,

    uma mulher tinha outros usos.

    O dia estava bonito e ensolarado. Uma brisa agradvel,

    ainda que um pouquinho fria, soprava por entre os perfumados

    eucaliptos que ladeavam a estradinha que levava ao ptio em

    frente da casa. Lorena ficou vendo os homens se afastarem, at

    no serem mais do que pontos na distncia, e depois entrou, com

    um suspiro. Daria tudo para poder selar seu cavalo e passar o dia

    cavalgando.. Num rancho do tamanho de Vista Hermosa, era

    possvel percorrer quilmetros e quilmetros sem se ver uma

    nica pessoa- e sem nem mesmo se avistar os limites da

    propriedade.

    Porm, havia muito servio a ser feito dentro de casa.

    Encolhendo os ombros, foi para a cozinha, onde pegou o

    material de limpeza. Sempre que voltava do colgio interno,

    assumia a responsabilidade de fazer uma boa faxina na casa. O

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 16

    pai se esforava para manter razoavelmente limpos e arrumados

    os aposentos que usava, mas sempre havia muito a ser feito.

    Essa vez no era exceo. Seu quarto, a cozinha e a sala

    dos fundos, onde passava a maior parte do tempo, usando-a para

    comer, fazer a contabilidade e ouvir rdio noite, estavam

    bastante limpos, mas o resto dos cmodos era uma verdadeira

    lstima. Ao voltar do colgio, Lorena decidira que, nesse ano

    que ficaria em casa, se encarregaria de fazer Vista Hermosa

    voltar a ser o lar que havia sido, quando sua me ainda estava

    viva.

    No desistiria dos seus planos, s por causa daquele

    velhote de Buenos Aires que podia despej -los a qualquer

    instante. Foi para a sala de visitas, o cmodo mais bonito da

    casa, onde sua me, nos velhos tempos, costumava receber as

    amigas e visitantes de outros ranchos e mesmo de outras cidades.

    Os mveis e tapetes estavam cobertos de poeira. Pouco

    depois, atacando a sujeira com todo o vigor, Lorena tos sia e

    espirrava, dando graas por estar com um leno amarrado nos

    cabelos e um vestido velho e confortvel. Ao passar a flanela

    pelo grande espelho de parede, decidiu que estava em piores

    condies do que a sala, mas continuou com o trabalho, sabendo

    que atualmente no corria o risco de receber uma visita

    inesperada.

    Foi ento que ouviu o automvel. Correu para a janela e

    deu uma espiada. Tinha que ser um alarme falso. No estavam

    esperando ningum. Exceto... no... seria impossvel. O tal sr.

    Vance ainda no teria tido tempo para mandar algum para fazer

    uma vistoria na estncia.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 17

    Mas um carro entrava mesmo em Vista Hermosa. Lorena

    viu a caminhonete vindo pelo caminho asfaltado, deixando atrs

    de si uma nuvem de poeira que levantara ao atravessar a estrada

    de terra que levava aos currais. Em poucos momentos,

    estacionava em frente do jardim abandonado, que um dia havia

    sido a alegria e o orgulho de sua me. Quando o motor foi

    desligado, um estranho desceu e andou rapidamente em direo

    aos degraus da porta de entrada.

    Lorena no sabia muito sobre os homens, mas logo

    percebeu que esse era um daqueles que significavam problema.

    Problema de um tipo que sua vida curta e at agora protegida

    no a preparara para enfrentar. Porm, os acontecimentos dos

    ltimos dias j lhe haviam ensinado alguma coisa sobre as

    surpresas que o mundo pode oferecer.

    Ele era alto, alto demais para os padres argentinos, e seu

    corpo firme e pele queimada de sol sugeriam que estava

    acostumado a uma vida ativa, ao ar livre, apesar do terno esc uro,

    camisa branca, sapatos de cromo e relgio de ouro deixarem

    claro que no se tratava de nenhum peo, mas de um homem de

    posio. Ainda no devia ter trinta anos, pensou Lorena. mas a

    postura arrogante d sua cabea, o queixo quadrado e a linha

    fina dos lbios denunciavam maturidade e lhe disseram com

    mais clareza do que simples palavras que esse estranho nunca

    aceitaria qualquer oposio sua autoridade.

    Ouviu seus passos na varanda, surpreendentemente leves

    para uma pessoa do seu tamanho, e logo em seguida uma batida

    decidida na porta da frente. Foi tomada por uma onda de pnico

    e hesitou em atender, sentindo uma estranha relutncia em

    enfrentar o visitante. Talvez fosse embora, se ela ficasse bem

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 18

    quieta. Algo no fundo do seu ser, parecia lhe avisar qu e esse

    estranho ia fazer sua vidinha pacata virar de pernas para o ar, e

    Lorena no gostou da perspectiva.

    Claro, devia ter percebido que ele no desistiria. Esperou

    alguns instantes e depois bateu de novo, com mais fora. Houve

    uma pausa, e nova batida, como se estivesse perdendo a

    pacincia. Ento a maaneta foi girada e ele entrou. Lorena

    nunca poderia esperar uma coisa dessas. Ficou parada, imvel,

    como paralisada pelo raio de luz que atravessou o vestbulo,

    querendo fugir, mas no conseguindo dar nem um nico passo.

    Ah, ento h algum em casa. Voc levou um bocado de

    tempo para atender. Era uma voz fria, acostumada a mandar.

    Quero falar com o seor Williams. Ele est aqui, ou cuidando

    do gado?

    Ele a confundira com uma empregada. No era de admira r,

    pensou Lorena, segurando o espanador contra o peito, como se

    fosse uma arma para se defender.

    E ento? O tom brusco a fez estremecer. No tem

    lngua? Onde est o seor Williams?

    Ela comeou a responder com uma vozinha fraca, como se

    fosse um autmato.

    Ele no est. Foi... O homem era impressionante

    demais para algum se sentir confortvel a seu lado. As palavras

    pareciam presas em sua garganta seca.

    Claro que no est interrompeu o estranho, com

    impacincia. Qualquer homem razovel j estaria trabalhando

    h muito tempo. Estou perguntando onde posso encontr -lo. Vai

    voltar para o almoo, ou costuma vir s na hora do jantar? Onde

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 19

    est? Com o gado? Perto da casa? H algum que possa ir

    cham-lo, ou voc est sozinha?

    As perguntas saam rpidas como uma rajada de

    metralhadora e Lorena se esforava para responder.

    Sim... no... isto , no tenho certeza... no h ningum

    em casa, s eu... sabe. ele...

    Santo Deus, voc nunca venceria um concurso de

    inteligncia disse o estranho entredentes. Lorena estremeceu

    com a observao e ele percebeu. Ah, isso voc entendeu, no

    foi?

    No se dignou a pedir desculpas. Tambm, no teria

    motivos. Afinal, ela estava mesmo se comportando como se

    fosse uma retardada. Mas ele a pegara to de surpresa, que ne m

    estava conseguindo raciocinar direito.

    O que quer com o seor Williams? perguntou, as

    palavras saindo num tom muito mais beligerante do que

    pretendia.

    O homem levantou uma sobrancelha, intrigado com a

    reao.

    Acho que no da sua conta. Agora, pela ltima vez,

    onde est ele?

    V procur-lo voc mesmo, se quiser! explodiu

    Lorena. Afinal, quem era esse estranho prepotente e que direito

    tinha de interpel-la desse jeito em sua prpria casa? No ia

    agentar tanta grosseria. Virou-se de costas para ele e comeou a

    andar, no sabendo para onde ia, s querendo se afastar, antes de

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 20

    fazer alguma coisa realmente desastrosa, como esbofetear aquele

    rosto bonito.

    Ele deu dois passos e agarrou-a pelo brao, obrigando-a a

    virar-se.

    Olhe aqui, menina, estou pedindo uma informao e vou

    conseguir. nem que tenha que apelar para a violncia.

    Lorena sentiu um arrepio gelado na espinha. O que ele ia

    fazer? Por que havia sido to idiota, dizendo-lhe que estava

    sozinha em casa?

    E ento? Os olhos escuros pareciam ser feitos de

    gelo. ameaando hipnotiz-la. Sacudiu-a, com impacincia.

    Estou esperando uma resposta, sua pateta! Diga-me onde est o

    seor Williams. Quero falar com ele.

    E da? Quem voc para vir me gritando ordens?

    perguntou, furiosa.

    Os dedos magros e compridos apertaram seu brao com

    uma fora quase insuportvel, e ela podia sentir a raiva

    controlada vibrando dentro daquele homem.

    Meu nome Vance.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 21

    CCAAPPTTUULLOO IIII

    Vance? Lorena estava chocada e seu rosto

    demonstrava isso claramente. Voc R. Vance? Esse

    pedao de virilidade, agressivo e vital, seria mesmo o agente dos

    proprietrios? Impossvel! Era completamente diferente do tipo

    de pessoa que costumava representar as multinacionais,

    geralmente europeus plidos, falando a lngua com gran de

    dificuldade.

    Ramn Vance.

    Ramn. Sim, isso explicava o tipo moreno, a altura

    incomum e o espanhol perfeito. Devia ser argentino, descendente

    de ingleses ou americanos.

    Voc parece surpresa disse ele, secamente. Soltou-

    lhe o brao, e ela se afastou, esfregando o lugar dolorido.

    E estou. Voc no nada do que imaginei ao ler sua

    carta.

    Ele levantou as sobrancelhas.

    No pensei que Mark Williams tivesse o hbito de

    mostrar a correspondncia particular aos empregados.

    Era melhor se apresentar logo, pensou Lorena.

    No, sr. Vance, eu...

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 22

    Ah, tem uma posio mais privilegiada, no?

    Examinou-a com um leve ar de desdm. Sim, estou sabendo

    que a seora Williams faleceu h algum tempo. Fez uma

    pausa significativa.

    O que aquele homem estava insinuando? Que ela... que seu

    pai teria...

    Como se atreve? Sou a filha de Mark Williams!

    Furiosa, Lorena apertou as mos para no esbofete -lo. Seu

    sujo... seu...

    melhor parar com isso. O tom era calmo, mas

    terrivelmente ameaador.

    Nunca fui to insultada na vida!

    Voc ainda no viveu muito. Se isso o pior que j

    ouviu, tem muita sorte. A voz continuava calma e inalterada.

    Foi um engano bastante compreensvel, nas circunstncias.

    Cavalheiros no cometem enganos desse tipo.

    Ele deu uma risada spera.

    No se iluda: no sou nenhum cavalheiro.

    Isso j ficou bem claro! E, pelo que vejo, tambm no

    vai me pedir desculpas.

    No tenho o hbito de me desculpar. Alm disso, ainda

    nem sei seu nome.

    Lorena fumegava de raiva, mas no havia nada que pudesse

    fazer. Gostaria de enfrent-lo, mas sabia que seria como uma

    mosca batendo numa parede de ao.

    Sou Lorena Williams disse, emburrada.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 23

    Muito bem. Agora que foram cumpridas as

    formalidades, que tal sairmos aqui da porta?

    Ele parecia ter o dom de deix-la em m situao. Sentiu-

    se como uma criana de seis anos, sendo censurada por sua falta

    de educao.

    Sim, claro. Entre, por favor.

    Uma manh de faxina no havia feito nada para melhorar

    o, aspecto da sala de visitas. Ao contrrio, os mveis afa stados

    do lugar, tapetes enrolados, vassouras e panos espalhados s

    contribuam para que parecesse ainda pior.

    No h outro lugar? perguntou ele. com um ar de

    desagrado.

    Costumamos usar a sala dos fundos disse Lorena,

    encolhendo os ombros.

    No pode ser pior do que isso. Vamos para l.

    Est bem. No ia discutir. Pelo menos, a sala dos

    fundos estava limpa e razoavelmente em ordem. Tinha feito a

    faxina no dia anterior, apesar dos protestos do pai. que

    reclamava que nunca mais ia encontrar nada do que costumava

    deixar l. Indicou o caminho.

    A expresso de Ramn Vance no demonstrou se estava

    mais satisfeito com esse cmodo. Deu-lhe outro daqueles olhares

    penetrantes que j estava comeando a associar a ele e depois

    virou-se para ela.

    Gostaria de uma xcara de caf e alguma coisa para

    comer. Foi uma ordem, no um pedido, e Lorena recuou

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 24

    instintivamente. No tive tempo para fazer uma refeio mais

    substancial essa manh.

    Ela sentiu vontade de dizer: "Lamento. No por isso que

    vou aliment-lo". Porm, teve a sensao de que ele lhe daria

    umas palmadas, se falasse algo parecido.

    Vou ver o que posso arranjar disse, com maus modos,

    e dirigiu-se para a cozinha, consciente do olhar que a

    acompanhava.

    No levou muito tempo para fazer um bule de caf e

    preparar um prato cheio de sanduches. Se o sujeito esperava

    algo sado de um livro de culinria francesa, azar dele, pensou,

    furiosa. Voltou para a sala e colocou a bandeja em cima da mesa,

    sem qualquer cerimnia.

    Ramn Vance estava de costas para ela, olhando o

    panorama que se descortinava da janela. Ao ouvir o tilintar da

    loua, virou-se e, sem esperar convite, sentou-se no lugar

    favorito de seu pai, uma poltrona de couro bastante velha, mas

    muito confortvel.

    Pode pr a bandeja aqui ordenou, indicando uma

    mesinha a seu lado.

    Falou como se ela fosse mesmo, uma empregada. Lorena

    engoliu o desaforo que ia escapando de seus lbios e pde

    perceber, pelo brilho que viu nos olhos castanhos, que ele sabia

    exatamente o que ela estava sentindo. Maldito ho mem, nada lhe

    escapava! Pegou a bandeja e praticamente atirou -a sobre a

    mesinha.

    Obrigado. J ouvi falar muito na extraordinria

    hospitalidade dos moradores dos pampas. bom v-la em ao.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 25

    Lorena ficou vermelha com o tom de zombaria. Olhou para

    a porta, desejando poder escapar para ter tempo de recuperar a

    compostura. Seria muito bom se ele quisesse comer sozinho.

    Voc j almoou? A voz dele interrompeu os

    pensamentos de Lorena.

    No estou com fome. A idia de compartilhar uma

    refeio com aquele grosseiro a revoltava. Porm, como se

    protestasse contra a mentira, seu estmago roncou, reclamando

    por comida.

    Como quiser. Ento, pode se sentar enquanto como.

    Eu preferia...

    No estou interessado nas suas preferncias disse

    ele, suavemente, olhando-a direto nos olhos. Sente-se.

    Voc no tem o direito de me dar ordens!

    Tenho todos os direitos do mundo. Agora, vai se sentar

    ou terei que obrig-la?

    Ele falava srio. Lorena podia perceber isso pelo seu tom,

    apesar de no ter levantado a voz. No precisava. Obedeceu,

    sentando-se toda rgida numa cadeira dura, com as mos

    cruzadas no colo, feito uma menininha. Afinal, no adiantava

    agir de outro modo: era assim que ele a estava tratando.

    Quer um pouco? perguntou Ramn Vance, servindo-

    se de uma xcara de caf.

    No, obrigada.

    Ele comeu um sanduche e deu uma mordida num outro.

    Esto muito bons.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 26

    Procuramos agradar. Lorena no ia aceitar qualquer

    oferenda de paz, se era isso que ele planejava. Por acaso, achava

    que ia ado-la com comentrios desse tipo?

    Ainda bem. Devo dizer que at agora no tinha notado

    muita evidncia do seu desejo de agradar. Diga -me, voc

    sempre assim azeda com as visitas, ou tem algo de especial

    contra mim?

    O que acha? perguntou Lorena, num tom provocador.

    Sabia que era idiotice tentar enfrent-lo, mas alguma coisa

    parecia impeli-la a isso.

    Acho que vai acabar numa tremenda encrenca, se no

    tomar mais cuidado.

    Pare de falar comigo como se eu fosse uma criana!

    Ento, pare de agir como uma. Levantou-se, e Lorena

    ficou tensa. O que ia fazer? No, ele no se atreveria a tocar um

    dedo nela. No mesmo? Voc no to valente como quer

    aparentar disse ele, com uma risada desagradvel. Tirou

    metade dos sanduches do prato e deu o resto para ela. Coma.

    J lhe disse que...

    Vai comer, quer queira ou no. E vai buscar uma xcara

    para tomar caf tambm. J me fez perder muito tempo.

    Antes mesmo que percebesse, Lorena viu -se obedecendo

    humildemente. No tinha recuado na batalha, pensou, enquanto

    mordia um sanduche avidamente. Era s que no adiantava

    discutir por algo sem muita importncia. Quando seus olhares se

    encontraram, viu aquele brilho de zombaria e imaginou a quem

    estava tentando enganar. Claro que no era a ele.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 27

    Bem, agora podemos conversar disse Vance, quando

    terminaram de comer.

    Sobre o qu? No tenho nada a lhe dizer.

    Claro que tem. s querer. Afinal, o que est fazendo

    aqui? Pensei que estivesse na escola.

    Vejo que muito bem informado!

    Tenho que ser, para poder executar bem o meu trabalho.

    Voltei para c na semana passada. J terminei meus

    estudos explicou Lorena, de m vontade, depois de uma

    pausa.

    Estamos em janeiro, o ano letivo terminou em

    novembro. O que esteve fazendo nesse intervalo?

    Um curso de etiqueta numa academia de Crdoba.

    Aprendemos boas maneiras, postura, como servir uma mesa,

    como receber convidados...

    Esquea os detalhes. Conheo esse tipo de coisa

    disse Ramn Vance, com uma careta. No parece ter

    aproveitado muito desse tal curso acrescentou.

    No sei por que acha que devia ser recebido com um

    tapete vermelho. A voz de Lorena mostrava seu

    ressentimento. No uma visita bem-vinda.

    Foi o que pensei. Diga-me, o antigo agente tambm

    recebia esse tipo de tratamento?

    Ele nunca esteve em Vista Hermosa. Ficava em Buenos

    Aires e no metia o nariz onde no era chamado.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 28

    Ah, sim, e voc deve ter apreciado muito essa atitude.

    Enquanto isso, a estncia continuava seu caminho para a runa.

    Mas claro que voc no deu a mnima para isso, no?

    Eu no sabia de nada!

    No? Ah, mesmo. Estava na escola e fazendo cursos

    de etiqueta. Muito conveniente! Pois eu estou sabendo de tudo.

    Estive trabalhando, estudando a situao, e no estou nada

    satisfeito com o que anda acontecendo por aqui. Por acaso, voc

    se interessou em saber como estavam os negcios, depois que

    seu pai lhe mostrou minha carta?

    Ele me disse que havia problemas. Achei que no devia

    ser nada de muito grave, que no pudesse ser resolvido com

    facilidade. Lorena tentou fingir uma atitude digna.

    Voc entende alguma coisa sobre a administrao de

    uma estncia?

    No. Confio no julgamento do meu pai disse, com

    altivez.

    Estou contente por ver que h algum que tem f nele.

    Quer dizer que no tem?

    No ponha palavras na minha boca disse Ramn

    Vance, num tom irritado e autoritrio.

    verdade, no? perguntou Lorena. com amargura.

    Deixou tudo bem claro na sua carta: no tem a mnima confiana

    nele, no ?

    No conheo seu pai; portanto no posso julg-lo.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 29

    No, claro que no conhece. Ento, deixe-me dizer-lhe,

    sr. Vance: ele vale dez de voc! um homem honesto, esforado,

    trabalhador e...

    Talvez seja mesmo tudo isso. Se for, ter que haver

    outra explicao para a estncia estar indo por gua abaixo. Seja

    qual for, estou aqui para descobrir o motivo desse fracasso. Com

    sua permisso, claro.

    Monstro sarcstico! Lorena nunca antipatizara tanto com

    algum.

    E o que um bicho da cidade como voc pode saber sobre

    a administrao de um lugar como este? Por acaso, j viu alguma

    estncia de gado fora das revistas ou das telas de cinema?

    perguntou, com desdm.

    Sei o suficiente respondeu Vance, parecendo pouco

    inclinado a ampliar a resposta.

    No estvamos esperando sua visita.

    Foi o que percebi. E no sei por qu. Afinal, era a nic a

    atitude que eu poderia tomar. Mas no preciso se desculpar.

    Seu tom era o de um rei concedendo perdo e Lorena levantou o

    queixo num gesto de desafio.

    No estou me desculpando. S quis...

    Sim?

    Explicar por que fiquei surpresa em v-lo. Sei que meu

    pai teria ficado em casa, se tivesse sido avisado de que voc

    estava para chegar. Mas acho que isso foi proposital.

    possvel. Talvez seja mais um exemplo da minha

    natureza mesquinha, que voc acha to diferente da do seu pai.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 30

    Vai ver que estou certa quando conhec-lo disse

    Lorena, confiante.

    E quando vou ficar conhecendo esse paradigma de

    virtudes? No vim para c para discutir com voc. Pelo que me

    lembro, perguntei pelo seu pai alguns segundos depois de nos

    vermos. Consultou o relgio. Isso foi h quase quarenta e

    cinco minutos, e ainda no fui informado do seu paradeiro.

    Lorena desistiu. No adiantava mais tentar ganhar tempo.

    Quanto mais cedo os dois homens se encontrassem, mais cedo

    esse estranho arrogante teria oportunidade de rever sua opinio.

    Papai foi buscar um lote de gado que est perto da

    fronteira com Los Molinos. Saiu bem cedo, mas acho que ainda

    vai levar algum tempo para voltar. Estudou o visitante com

    um ar de dvida. Sabe montar? Eu poderia ir com voc para

    tentar procur-lo, mas no sei que caminho papai vai pegar para

    voltar. Sabe, aqui no o Parque Palermo de Buenos Aires, onde

    h caminhos especiais para cavaleiros. um lugar imenso, e

    algum no familiarizado com os marcos poderia se perder com

    facilidade.

    Estou certo de que voc choraria lgrimas amargas, se

    isso acontecesse comigo caoou Ramn. Quando acha que

    ele vai estar aqui?

    Em duas horas, talvez trs, depende. Penso que hoje vai

    querer chegar mais cedo para deixar tudo preparado para a

    lavagem com pesticida amanh.

    Entendo. Ento, no adianta eu ir at l. Ele deve estar

    muito ocupado e no vai me agradecer por interferir numa hora

    como essa.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 31

    Lorena no acreditava que o pai gostaria daquela

    interferncia em qualquer hora, mas no disse nada. Ans iosa

    para se afastar um pouco daquele homem, sugeriu, esperanosa:

    Por que no descansa um pouco? Fez uma viagem longa.

    Quando os olhos escuros a examinaram cheios de

    zombaria, ficou imaginando se esse Ramn Vance tambm era

    um telepata. Parecia ler seus pensamentos com a maior

    facilidade.

    Lamento desapont-la, mas no estou cansado. Um vo

    de hora e meia num avio confortvel e uma viagem

    relativamente curta por estradas razoveis no so suficientes

    para me afetar. Lanou-lhe um olhar malicioso. Se bem

    que tenho que admitir que essa ltima hora foi um pouco difcil.

    No ia lhe dar o gostinho de responder, pensou Lorena,

    decidida a tomar uma atitude gelada e polida que talvez surtisse

    mais efeito com ele.

    O que gostaria de fazer, sr. Vance?

    Est me dando carta branca?

    Parece que no tenho escolha.

    Tem razo. Ento, mostre-me a casa. Quero ver cada

    parte dela, desde o telhado at o poro, se tiver. Entendeu?

    Perfeitamente respondeu Lorena, entredentes.

    Duas horas depois teve que acreditar que o homem no

    sabia o que era cansao. Tinham feito uma excurso completa

    pela casa subindo at em escadas para inspecionar tetos e

    telhados. Ele no deixara nem mesmo de examinar cada canteiro

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 32

    do jardim e da horta. E, enquanto andavam, fazia perguntas,

    muitas das quais ela havia sido incapaz de responder.

    O homem no deixava passar nada. H quanto tempo

    tinham feito a ltima reviso do telhado? E do encanamento?

    Que mveis e utenslios tinham sido substitudos por seu pai e o

    que o antigo ocupante da casa levara, h quase vinte anos? Os

    quartos de hspedes costumavam ser arejados com freqncia?

    Tinham o hbito de receber visitas? Que tipo de verdura

    plantavam? Seria possvel se conseguir uma quantidade

    suficiente para ser vendida a outros consumidores?

    Voltaram sala dos fundos onde tinha se iniciado a

    maratona, e Lorena no se preocupou em esconder seu cansao,

    quando afundou numa poltrona.

    Exausta? perguntou ele, sem demonstrar qualquer

    compreenso. Fui demais para voc?

    O que adiantava responder? Ela suspeitava de que Ramn

    Vance tinha se divertido muito em v-la se atrapalhar nas

    respostas ao seu interrogatrio. O pior que sabia que se sara

    muito mal naquela prova.

    Imaginou o que ele ia inventar agora. Normalmente, a essa

    hora, j estaria pensando nos preparativos para o jantar. Gostava

    muito de cozinhar e tinha prazer em fazer pratos gostosos para o

    pai, que, quando estava sozinho, no variava muito sua dieta,

    comendo sempre carne, preparada sem muita imaginao.

    Parece que s um terremoto conseguiria arranc-la

    dessa poltrona disse Vance, num tom enganosamente suave.

    E da?

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 33

    No acha que est na hora de cuidar do jantar?

    O maldito parecia mesmo ter o dom de ler seus

    pensamentos. Apesar de saber que, se tivesse um pingo de juzo,

    devia desaparecer em direo da cozinha, Lorena no conseguiu

    controlar o mau humor.

    Estou cansada.

    Seu maravilhoso pai no merece encontrar uma refeio

    decente depois de passar um dia inteiro na sela?

    Ele vai entender.

    mesmo? Bem, pode ser que ele esteja acostumado com

    suas malcriaes, mas eu no gosto disso.

    Se est preocupado com o jantar, por que no toma uma

    providncia?

    exatamente o que vou fazer.

    Antes mesmo que ela percebesse o que estava acontecendo,

    viu-se arrancada da poltrona e empurrada para dentro da

    cozinha.

    Me largue, seu porco! Lutou, conseguindo muito

    pouco contra aqueles braos de ao, chutando as pernas

    compridas numa v tentativa de escapar. Podia ter economizado

    energias. Seus esforos no resultaram em nada.

    Foi isso que lhe ensinaram na escola de etiqueta?

    perguntou Ramn Vance, depois de conseguir sua rendio com

    um simples torcer de pulso.

    Seu miservel! gritou Lorena, ofegante, forada a se

    apoiar naquele corpo magro e forte, completamente exausta para

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 34

    tentar continuar lutando. O maldito no estava nem mesmo

    respirando mais rpido.

    E ento. Vai cuidar do jantar agora?

    Vou. Sabia quando estava derrotada.

    A que horas vocs costumam comer?

    L pelas sete. Sei que muito cedo pelos padres de

    Buenos Aires, mas somos pessoas simples e trabalhadoras que

    dormem cedo e acordam cedo. No temos tempo para uma vida

    de elegncia.

    Ele ignorou a observao.

    Est bem. s sete, ento. Sabe cozinhar?

    Vai ter que esperar para ver. possvel que fique

    decepcionado. Na certa, as mulheres com quem voc anda so

    mestras na cozinha francesa.

    Nem todas disse ele, num tom ligeiramente divertido.

    De modo geral, no escolho minhas companhias por seus

    talentos culinrios.

    Claro que no, pensou Lorena. Seriam peritas e m outras

    coisas. Se esse sujeito estava tentando deix-la embaraada, no

    ia conseguir. Podia no ter muita experincia com homens, mas

    no era boba e sabia muito bem do que ele falava. No ia nem

    lhe dar o gostinho de ficar corada.

    Ramn Vance agora estava a meio metro dela, encostado

    no batente da porta. Mas, ainda assim, parecia perto demais. Sua

    proximidade a afligia de um modo estranho, e Lorena quis se

    afastar para fugir desse efeito. Deu uns passos para dentro da

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 35

    cozinha e estremeceu ligeiramente. Por que ele tinha que ser

    assim to... to fsico?

    Eu a machuquei?

    O que acha? Vou estar toda roxa amanh disse, cheia

    de ressentimento.

    A culpa s sua. Talvez as manchas sirvam para

    lembr-la de que no se deve lutar contra o inevitvel.

    Oh, claro! Sim, seor Vance. No, seor Vance. Como

    quiser, seor Vance. assim que gostaria que fosse?

    Seria uma agradvel surpresa, vinda de algum como

    voc.

    Talvez seja esse o tipo de tratamento que encontra com

    as suas mulheres, mas comigo diferente!

    Veremos.

    E mesmo? desafiou Lorena. No sei, no.

    Ele encolheu os ombros. Parecia no estar disposto a

    comear uma nova discusso. Graas Deus, pensou ela. Vendo

    que a observava, como se a estudasse nos mnimos detalhes e a

    comparasse com as mulheres que conhecia, no conseguiu evitar

    uma pontada de orgulho feminino ferido. Sabia que devia estar

    horrvel, com os cabelos escondidos pelo leno e usando um

    vestido velho e disforme. Ainda por cima, suja de p e vermelha

    de raiva! Claro que no era uma dessas bonecas de cidade, que

    passam dias nos institutos de beleza e ficam apavoradas quando

    um vento desmancha seu penteado, mas sabia se arrumar e

    sempre conseguia dar uma boa impresso. Quando queria,

    pensou, furiosa.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 36

    Bem, vou deix-la sozinha para produzir o jantar do

    sculo disse Ramn Vance, afastando-se.

    O que vai fazer? Com certeza; ia sair pela casa,

    procurando outros motivos para acusar a famlia Williams de

    molenga e preguiosa.

    Quer que eu fique lhe fazendo companhia? Ele estava

    caoando dela. No sei bem por qu, mas achei que gostaria

    de me ver pelas costas por alguns momentos.

    E acertou. Mas...

    Mas no quer me ver xeretando por a, descobrindo

    outras falhas do seu querido pai, certo?

    Ele podia ler sua mente como um livro aber to, pensou

    Lorena, querendo sapatear de raiva como uma criana frustrada.

    Era esperto demais. Por que tinha que ser algum como ele? Por

    que o agente no era um velhote com um certo gosto por

    mocinhas bonitas? Assim, poderia tentar fazer alguma coisa para

    melhorar sua disposio quanto situao da estncia. Porm,

    que mulher conseguiria enfrentar Ramn Vance?

    Vou dar uma volta l fora informou ele. Acho que

    assim no causarei nenhum mal.

    Faa o que quiser. Pode ir para o inferno; seria at

    melhor. Lorena no estava mais preocupada com o que ele

    pensasse. Se quisesse xeretar, que fosse. No havia mesmo jeito

    de impedi-lo.

    Vance deu uma risada, e o som foi vibrante e

    inesperadamente atraente.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 37

    Vou tentar no chegar atrasado para o jantar. Ah,

    Lorena...

    Era a primeira vez que dizia seu nome, e ela ficou tensa.

    Sim? perguntou, com maus modos.O que agora?

    melhor voc se arrumar um pouco.

    E mesmo?

    Sim. Sempre posso desculpar desastres culinrios de

    uma mulher que se esfora para agradar e m outros aspectos.

    Voc est horrvel no momento, mas acredito que pode ser at

    apresentvel, quando quer.

    No lhe dando oportunidade de uma resposta custica

    quela provocao, Ramn Vance desapareceu em direo do

    jardim, no deixando qualquer consolo para Lorena, seno bater

    as panelas, furiosa por no poder atir -las na cabea dele.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 38

    CCAAPPTTUULLOO

    IIIIII

    Enquanto preparava a comida, Lorena mantinha a ateno

    voltada para o ptio, na esperana de conseguir avisar o pai

    sobre o visitante, antes de serem feitas as apresentaes formais.

    Porm, ao perceber que ele ia mesmo chegar atrasado, foi

    forada a abandonar a idia e ir para o quarto, que ficava numa

    das alas laterais, para se arrumar.

    Tomou uma ducha rpida no banheiro antiquado, um dos

    quatro da casa e o nico em perfeito estado de funcionamento, e

    depois foi inspecionar seu guarda-roupa para escolher algo

    adequado. Fez uma careta ao ver o que tinha sua disposio.

    Alm dos uniformes do colgio, sobrevivia praticamente custa

    de jeans e camisetas, mais alguns vestidinhos de algodo, na

    maioria feitos por ela mesma na velha mquina de costura da

    me. No tinha uma nica pea altura dos padres de um

    homem como Ramn Vance.

    Tocou um dos vestidos de tecido xadrezinho que faziam

    parte do seu uniforme de vero no colgio interno. Era pouco

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 39

    mais do que um guarda-p, abotoado na frente, com pregas na

    saia e golinha redonda. Por que no? Afinal, ele a tratava corno

    uma menininha. Depois de se vestir, prendeu os cabelos em duas

    trancas. Olhou-se no espelho, analisando o resultado. Com uma

    risadinha, percebeu que parecia ter uns doze anos. Bem feito!

    Ele estava acostumado com mulheres que se esforavam por

    agrad-lo e que, com certeza, passavam o tempo todo pensando

    nos trajes elegantes que usariam nos encontros. Pois bem, aqui

    estava uma qu no tinha a mnima inteno de fazer nada

    parecido e que no se incomodava em alardear isso em alto e

    bom som.

    Olhou para o relgio. Seis e meia, e ele havia dito que

    jantariam s sete. Em ponto, se j sabia alguma coisa sobre

    aquele homem. Lorena esperou que o pai no se atrasasse

    demais. A idia de comer sozinha com Ramn Vance no era

    exatamente agradvel. Enquanto se dirigia para a ala principal da

    casa, ouviu a voz do pai e deu um suspiro de alvio. Suas preces

    tinham sido atendidas!

    Papai! Finalmente voc voltou, graas a Deus!

    Aconteceu uma coisa horrvel... Parou, completamente sem

    jeito, quando viu que Mark Williams no estava falando com um

    dos empregados, como pensava, mas com Ramn Vance.

    Os dois homens se viraram para ela, que engoliu o resto

    das palavras apressadamente.

    Lorena! A expresso de surpresa e desaprovao do

    pai no deixou dvida do que tinha achado de sua falta de

    modos. Lanou um olhar para o homem a seu lado, como que

    pedindo desculpas. Sinto muito, seor Vance. Minha filha tem

    a tendncia de falar sem pensar...

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 40

    Eu j tinha notado. tpico dos muito jovens, no? A

    discrio vem com a maturidade. Os olhos escuros a

    examinaram com um leve ar de desagrado por sua nova

    aparncia.

    Voc devia ter levado o seor Vance ao quarto de

    hspedes. Lorena. Por que no faz isso agora? Talvez ele queira

    trocar de roupa para o jantar. Olhou para as prprias roupas,

    empoeiradas e cheirando a cavalo, que contrastavam

    violentamente com a aparncia imaculada do visitante. Com

    licena. Vou deix-lo aos cuidados de Lorena enquanto me lavo.

    O olhar que lanou filha no deixava dvida de que haveria

    encrenca, se ela no tratasse o hspede com o mximo de

    cortesia. Ela pode ser uma anfitri perfeita, quando se

    empenha.

    S que agora no est se empenhando, no ?

    perguntou Ramn, quando ficaram sozinhos. Imagino que isso

    indicou seu vestido seja s para me provocar, no?

    E provoca? perguntou Lorena, docemente.

    No do modo que imagina. O olhar percorreu sua

    figura, fazendo-a ficar subitamente consciente, de que o

    uniforme do ano passado estava um pouco justo demais. Seus

    seios firmes e cheios foravam os botes e a saia revelava mais

    das suas pernas bem feitas do que seria aceitvel pela moda ou

    mesmo pela decncia.

    No olhe para mim desse jeito.

    Se pretende andar por a parecendo uma menina

    prodgio que no quer aceitar a idade, melhor ir se

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 41

    acostumando que olhem para voc. Ramn riu. No sou o

    nico homem que vai reagir assim.

    Seu monstro!

    J ouvi isso, e no foi s uma vez. Agora, que tal

    obedecer seu pai como uma boa menina deve fazer e me mostrar

    o meu quarto?

    Por aqui disse Lorena, entrando na ala de onde sara

    e seguindo em frente, sem se dignar a ver se ele a seguia.

    No percebera antes como o quarto parecia feio e

    abandonado. Era usado to raramente, que ningum se

    preocupava em lhe dar uma pintura nova ou trocar as cortinas

    desbotadas. Um ou outro representante de firmas de produtos

    qumicos ou agropecurios, algumas amiguinhas suas que tinham

    vindo para um fim de semana haviam dormido ali, mas, na

    maioria do tempo, o quarto permanecia fechado e esquecido.

    Ramn Vance entrou na frente.

    Que aposento encantador! Combina muito bem com o

    resto da casa comentou, secamente, enquanto passava a ponta

    do dedo pela camiseira empoeirada.

    No tenho tempo para cuidar de tudo disse Lorena,

    defendendo-se. A casa grande demais. H vinte anos,

    quando meu pai veio para c, havia quarenta empregados para

    cuidar da estncia. Pode imaginar que quatro homens

    trabalhavam em tempo integral nos jardins? Havia uma

    governanta e um exrcito de camareiras para fazer a limpeza.

    Os tempos mudam. Ramn testou a cama com uma

    das mos e as molas do colcho rangeram em protesto.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 42

    E nem sempre para melhor. Antigamente, os donos das

    fazendas se preocupavam com suas propriedades, mesmo que no

    vivessem nelas. Agora, fica tudo nas mos de pessoas como

    voc.

    Est dizendo que no me importo? Ora, se no me

    importasse, no estaria aqui para descobrir por que o lugar no

    est rendendo o que deve.

    Lucros! Dinheiro! s nisso que pessoas como voc

    pensam! Pois saiba que h coisas mais importantes na vida.

    Nem tantas disse Ramn, calmamente. O que

    pagou sua escola gr-fina? O que que a alimenta, veste e lhe d

    oportunidade de ser alguma coisa? Palavras so muito bonitas,

    mas no substituem o dinheiro.

    No adianta falar com voc. No entenderia, mesmo.

    Talvez no. Sou um bruto insensvel, no?

    Foi voc quem disse.

    Quando me conhecer melhor...

    No tenho vontade de conhec-lo melhor, seor Vance.

    Ele ignorou a grosseria.

    Vai descobrir que tenho sentimentos muito fortes sobre

    certas coisas. E oua-me: se continuar insistindo em implicar

    comigo, vai acabar recebendo mais do que pediu. Lembre-se de

    que s vezes o touro acaba levando a melhor numa tourada.

    No tenho medo disse Lorena, num desafio.

    Mas, por dentro, sentiu um estremecimento de puro pnico.

    Apesar de no querer reconhecer, sentia -se inquieta, sem saber

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 43

    como lidar com esse homem. Nunca havia encontrado algum to

    msculo, to cheio de confiana. Era astuto, tambm. At agora,

    tinha estado brincando com ela, sabia disso. Se realmente se

    empenhassem numa batalha de vontades, Lorena suspeitava de

    que seria a perdedora, e no estava gostando da idia.

    bom saber que no sente medo de mim disse ele,

    num tom agradvel. Isso far com que a vida por aqui se torne

    um pouco mais interessante, mesmo se voc acabar capitulando

    no final.

    Quem est falando em capitulao? perguntou ela,

    com atrevimento.

    Eu.

    J sabia que ele podia se movimentar com incrvel rapidez;

    ainda assim, pegou-a to de surpresa, que no teve tempo de

    reagir. Um brao j estava em torno dela, antes que percebesse o

    que acontecia, uma mo agarrava a sua nas costas, enquanto

    outra puxava-a para muito perto dele.

    Lorena estremeceu com uma excitao sbita e

    desconhecida. Havia algo naquele homem que despertava seus

    sentidos de uma forma completamente estranha.

    Eu avisei disse Ramn, tenso. Voc no quis me

    escutar, no ? Pensei que fosse mais esperta. Bem, se no

    entende a voz da razo, vamos ver se esse mtodo tem melhores

    resultados.

    Sua boca caiu sobre a dela com uma insistncia que no

    permitiu qualquer tentativa de fuga. Depois de alguns segundo s

    de uma sensao intensa, que quase fez seu corao parar,

    Lorena no tinha mais certeza se realmente gostaria de escapar.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 44

    Seus lbios se entreabriram instintivamente sob os dele e seus

    sentidos imaturos comearam a reagir quele assalto experiente.

    Uma parte do seu ser gritava que no devia se render, que seria

    humilhante demais. Porm, era tarde para gritos de alerta. Estava

    sendo levada por uma onda de prazer.

    Ramn soltou-a de repente e afastou-se, deixando-a meio

    tonta, quase cambaleante com a rapidez da ao.

    Talvez seja esse o melhor meio de se lidar com voc

    disse, pensativo. Pelo menos, fica de boca fechada. No teve

    muita experincia com homens, no , Lorena?

    Ela jamais admitiria isso. Encolheu os ombros.

    Por acaso, esperava que eu correspondesse com

    entusiasmo'? Ora, eu nem mesmo gosto de voc!

    No gostou nem um pouco do sorriso que ele lhe deu.

    No achei que faltava entusiasmo; s prtica.

    Ora, seu... seu...

    Sim?

    Lorena no conseguia fazer o insulto sair da garganta

    apertada. Quis lhe dar uma bofetada, mas sabia que a punio

    viria na mesma hora. Em vez disso, passou a mo pelos lbios,

    para deixar bem claro que tinha achada aquele beijo repugnante.

    Fique longe de mim, seor Vance disse, recuando

    para a porta.

    melhor me chamar de Ramn. Os olhos escuros

    brilhavam, como se um diabinho danasse dentro deles.

    Afinal, j nos beijamos.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 45

    Esse foi o primeiro e ltimo beijo que ter de mim!

    Uma pena. Com um pouco de prtica, voc poderia ser

    at razovel.

    Voc tambm. bom comear aprendendo um pouco de

    bons modos! Com essas palavras, Lorena fugiu para seu

    quarto, trancando a porta como se temesse uma perseguio. No

    precisava ter se preocupado. O corredor continuou em silncio e

    ela pde respirar de novo.

    Sentia o corpo queimar, s em pensar no incidente. Como

    ele pde agir daquele modo? E, mais importante, como pde ela

    se entregar? Tinha sido mesmo Lorena Williams quem havia

    provocado um homem at aquele ponto e que gostara... sim,

    gostara do que aconteceu depois? O que havia em Ramn Vance

    que a fazia reagir assim?

    O pai notou que havia algo de errado com ela. Seguiu -a at

    a cozinha, quando foi fazer o caf depois do jantar.

    O que est havendo com voc perguntou, depois de

    fechar a porta para o visitante no ouvir.

    A comida no estava boa? Fiz o melhor possvel, papai

    respondeu, fingindo ignorncia.

    O jantar estava excelente e voc sabe. Sempre foi uma

    mestra no preparo das empanadas e do arroz com frango. Estou

    falando do modo como est agindo.

    No entendi.

    Lorena, estou decepcionado com voc. Mal conversou

    com o seor Vance, e, nas poucas vezes que falou, comportou -se

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 46

    como uma criana mimada. No sei o que ele est pensando de

    voc!

    E que me importa? Ora, vamos, papai. Ele no

    nenhum bobo. Sabe muito bem que no devia esperar outro tipo

    de tratamento. Afinal, no bem-vindo aqui.

    Olhe, filha, a posio dele to difcil como a nossa.

    Mas voc no ajuda em nada. Se est se comportando desse jeito

    por lealdade a mim, esquea, querida.

    Eu simplesmente no gosto dele.

    No gosta dele? No seja tola! Mal o conhece, como

    pode dizer se gosta ou no do homem? Ele me parece at

    agradvel.

    Lorena encolheu os ombros. Sabia que no estava mesmo

    fazendo nada para ajudar,

    Desculpe, papai. No consigo evitar. Acho que foi um

    caso de antipatia primeira vista. s vezes acontece.

    Bem, no quero que acontea agora o pai falou, com

    uma firmeza inesperada. No podemos fazer dele um inimigo.

    Dependemos demais do relatrio que vai apresentar a nosso

    respeito.

    No me obrigue a bancar a hipcrita, papai. No saberia

    fingir que gosto dele.

    No isso que quero que faa. S espero que trate o

    seor Vance com a cortesia devida a um hspede. Mark

    suspirou. No piore as coisas, Lorena, por favor. Ele vai ficar

    aqui por algum tempo, inspecionando tudo. No ser um mar de

    rosas para mim. No agradvel trabalhar sabendo que estou

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 47

    sendo observado e criticado a cada movimento em falso. Se est

    decidida a antagonizar o homem, a vida no ser fcil para

    nenhum de ns nas prximas semanas.

    Prximas semanas?! Ele vai ficar aqui todo esse tempo?

    o que parece.

    Lorena teve vontade de gritar. Como suportaria sua

    presena por tanto tempo?.

    Vou fazer o possvel, papai disse, sabendo que tinha

    que se esforar. Mas no espere milagres, viu?

    Agora est falando como minha filhinha! Mark deu

    um sorriso e voltou para a sala, parecendo bastante aliviado.

    O hspede notou os sbitos esforos de Lorena para ser

    agradvel. Ela percebeu isso pelo brilho matreiro nos olhos

    escuros, apesar de ele dirigir a conversa quase que s a seu pai.

    Claro que estava se divertindo em v-la rastejar, pensou, furiosa.

    Na manh seguinte, Lorena levantou-se la cama com um

    suspiro. Seu dia j estava estragado, s de pensar que teria que

    ver Ramn Vance novamente. Vestiu-se devagar, querendo adiar

    aquele momento. Quando olhou para o relgio, franziu a testa. J

    eram quase seis e meia! Ia se atrasar com o caf da manh, se

    no se apressasse. O pai j devia estar acordado e impaciente

    para sair para o trabalho. Naturalmente, o hspede ainda estaria

    dormindo. Um executivo de Buenos Aires nunca aparecia no

    escritrio antes das nove.

    Buenos dias, seorita. A voz vinda da porta da

    cozinha quase a fez deixar cair a loua.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 48

    Buenos dias respondeu, tensa, colocando os pratos

    em cima da mesa e tentando aparentar uma calma que no sentia.

    Ramn Vance deu uma olhada significativa para o relgio

    de pulso.

    Seu pai me disse que voc geralmente costuma estar de

    p bem antes disso. Estava imaginando se tinha perdido a hora.

    E ia me tirar da cama?

    Pensei em lhe dar mais cinco minutos disse,

    calmamente. Depois... quem sabe? Doenas desesperadas

    exigem remdios desesperados.

    E est desesperado pela minha companhia, seor Vance?

    No. S pela comida. Tenho um dia de trabalho duro

    minha frente.

    Ah, sim. Na certa, pretende ensinar uma ou duas

    coisinhas aos gachos.

    Lorena lanou-lhe um olhar de desdm, mas, no ntimo,

    no conseguiu deixar de admirar a figura mscula sua frente.

    Ramn Vance havia trocado o terno escuro por jeans desbotado,

    botas e uma camisa de algodo aberta no peito, que o faziam

    parecer muito diferente de um executivo de Buenos Aires. Tinha

    um aspecto duro e perigoso. Porm, a aparncia no era

    suficiente nos pampas. Um homem tinha que provar que era

    homem por suas aes, no por seus trajes.

    Virou-se de costas para ele e comeou a preparar o

    desjejum. Quanto mais cedo comessem, mais cedo se livraria

    daquele homem irritante. Em tempo recorde, serviu a costumeira

    refeio matinal dos pampas: bife a cavalo e uma montanha de

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 49

    torradas acompanhadas de caf forte. Ficou satisfeita em ver o

    pai comer com gosto, tal como o visitante. Apesar de estar

    preocupado, ia precisar de todas as energias para o trabalho duro

    que o esperava. No era fcil conduzir animais assustados para

    dentro das calhas cheias de gua misturada com pesticida para a

    lavagem.

    Lorena sorriu consigo mesma, ao ver os homens se

    afastando. Ramn Vance era uns bons quinze centmetros mais

    alto do que seu pai e tinha uma figura muito mais imponente,

    mas ela sabia muito bem a quem os gachos iriam obedecer.

    Mark Williams sempre trabalhara baseado no princpio de nunca

    pedir a um empregado para fazer algo que ele mesmo no

    pudesse executar Por isso, os homens o respeitavam tanto. S

    queria ver como Ramn ia se sair com eles; principalmente

    adotando aquela atitude de dono da verdade!

    Lavou a loua e comeou a cuidar da arrumao da casa.

    Um sorriso aparecia em seus lbios, sempre que pensava como

    aquele bicho da cidade estaria se sa indo com os vaqueiros.

    Quando Mark Williams trabalhava longe de casa,

    costumava levar alguma coisa para comer no almoo, ou ento

    compartilhava de um assado com os homens. Mas, se ficava por

    perto, Lorena lhe levava uma cesta com a refeio.

    De acordo com o hbito, ela preparou uma montanha de

    sanduches e completou a cesta com frutas, queijo e algumas

    garrafas de cerveja gelada. Tinha certeza de que os homens

    apreciariam. At super-homens como Ramn Vance precisavam

    de combustvel, pensou, com azedume.

    O calor atingiu-a como uma muralha slida, quando saiu da

    casa em direo da rea da lavagem. Em poucos minutos, j

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 50

    estava suada e a cesta parecia muito pesada. Logo comeou a

    ouvir os gritos dos pees incitando o gado a entrar no corredor

    que levava aos cochos de lavagem. Essa era uma operao-que

    devia ser feita vrias vezes por ano para manter os animais livres

    de doena. No entanto, o gado nunca conseguia se acostumar a

    isso e o trabalho era duro e perigoso.

    Lorena fez uma parada, bem fora do caminho da ao.

    Conhecia o suficiente dessa operao para ter cincia dos

    perigos que podiam correr os pouco cautelosos. Uma patada era

    capaz de deixar um homem inconsciente, e, se ele casse no meio

    dos animais assustados, suas chances de sobrevivncia seriam

    nulas. Encostou-se na cerca, admirando mais uma vez a

    habilidade com que os pees a cavalo conduziam o gado,

    ajudados por seus cachorros feios, mas incrivelmente eficientes.

    Lorena olhou para onde estava Ramn Vance e imaginou

    como se sentiria no meio de toda essa atividade. Mesmo um

    completo ignorante das coisas que se passavam numa fazenda de

    gado no podia deixar de apreciar tal exibio de percia. Um

    sorrisinho de desdm passou por seus lbios. Ele continuava

    bancando o vaqueiro, pensou, fingindo que estava vontade e

    carregando um longo chicote.

    Como percebendo que estava sendo observado, ele virou -se

    de costas para os animais e olhou para ela. Seus olhos se

    mantiveram fixos um no outro por um longo momento. Lorena

    foi a primeira a desviar o olhar. Maldito homem. Ser que tinha

    que fazer isso toda vez?

    O ltimo lote de vacas foi conduzido pelo corredor e,

    pouco depois, seus corpos molhados e brilhantes ressurgiram no

    cercado, onde eram reunidas para serem levadas de volta

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 51

    pastagem. Toda a operao parecia ter sido realizada com o

    maior sucesso. O pai devia estar aliviado, pensou Lorena,

    satisfeita, enquanto acenava para ele e pegava a cesta para lev -

    la ao galpo.

    Havia uma enorme quantidade de poeira no ar. Se no

    fosse por isso, ela teria percebido o perigo. Quando notou o

    corpo fino e enrolado, quase da mesma cor do cho, a cobra j se

    preparava para o bote.

    Culebral gritou um dos pees. Cuidado,nia!

    Culebra! Comeou a correr para ela, mas estava a mais de

    cinqenta metros de distncia.

    Lorena ficou imvel, como paralisada, esperando pelo

    ataque. Mas ele no veio. Um chicote, cortando o ar com a

    mesma rapidez do bote da cobra, impediu o ataque. No instante

    seguinte, Lorena era agarrada pela cintura e arrastada para longe

    do perigo.

    Sua idiota! resmungou uma voz em seu ouvido.

    Por que no olha por onde anda?

    Com um esforo, ela se virou para olhar para seu salvador.

    Percebeu vagamente que um dos homens matava a cobra.

    Era venenosa? perguntou, trmula.

    Mesmo que no fosse, voc ia levar uma picada feia que

    a deixaria fora de ao por um bom tempo disse Ramn.

    Eu simplesmente no a vi. A voz de Lorena estava

    fraca. Agora que o perigo tinha passado, sentia -se entorpecida.

    Tudo tinha acontecido com tanta rapidez! Suas pernas

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 52

    comearam a dobrar, mas antes que casse ele a segurou, quase

    com brutalidade.

    Voc no vai desmaiar! Vamos, Lorena, controle -se! O

    perigo j passou.

    Ela sabia disso, mas no estava conseguindo assimilar tudo

    que acontecera e seu nico desejo era explodir em lgrima s.

    Porm, aquelas palavras duras a foraram a recobrar as foras,

    afastando-se daquele corpo firme em que se amparava.

    Lorena, voc est bem? Mark Williams estava plido

    quando se aproximou deles. Ela chegou a picar?

    No, no. Quase pisei na cobra, mas ela nem chegou a

    completar o bote. Seja quem for que usou o chicote, foi mais

    rpido do que o vento.

    Graas a Deus! Foi um golpe magnfico, Vance.

    Obrigado. Mark sorriu para o salvador da filha. Onde

    aprendeu a fazer isso? No circo?

    Foi pura sorte, s isso disse Ramn, encolhendo os

    ombros. Qualquer outro teria feito o mesmo. Eu que estava

    mais perto. No houve nada de herico.

    Voc? perguntou Lorena, incrdula. Foi voc

    quem deu a chicotada? Mas como...

    Com licena, preciso ir falar com os homens. Oh,

    Williams...

    Sim?

    Cuide dela. melhor lev-la de volta para casa. Levou

    um bom susto e vai precisar algum tempo para se recuperar.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 53

    Com um aceno de cabea, Ramn afastou-se em direo dos

    pees que estavam parados num grupo, comentando o acidente.

    Vamos, mocinha, para casa. Pode andar?

    Estou bem, papai. No preciso fazer drama. Estou

    tima. Tudo o que preciso agora ...

    De uma boa cama. Vance tem razo: voc levou um

    choque e tanto.

    Ainda protestando sem muito empenho, Lorena deixou-se

    conduzir pela mo do pai. Suas pernas estavam fracas e a cabea

    girava. No queria desmaiar. No podia desmaiar. Mas, de

    repente, o cho comeou a ondular sob seus ps. Antes de ser

    envolvida pela escurido, teve certeza de ouvir novamente a

    ordem de Ramn Vance, mandando-a se controlar, mas dessa vez

    seus esforos foram inteis.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 54

    CCAAPPTTUULLOO

    IIVV

    Ramn ainda estava dando ordens, quando Lorena acordou.

    Primeiro, pensou que continuava dormindo e sonhando. Se no

    fosse assim, como se explicava que estivesse na cama, de

    camisola, com o sol da tarde ainda alto no cu? Ento, lembrou -

    se.

    Eu lhe disse que no devia desmaiar falou Ramn

    Vance, num tom acusador. Estava sentado numa poltrona ao lado

    da cama e sua figura poderosa dominava o cmodo.

    Parece que, pelo menos uma vez, algum o

    desobedeceu. Lorena respondeu, com uma vozinha fraca. O

    que est fazendo aqui?

    Bancando a bab. O brilho em seus olhos indicou que

    no apreciava a experincia.

    Oh... Ela registrou a informao com alguma

    dificuldade. Sua cabea ainda estava confusa. Cad papai?

    Voltou ao trabalho.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 55

    Quero ver papai disse, como uma criana

    desamparada.

    No vai dar. Ele tem coisas mais importantes a fazer do

    que ficar refrescando sua testa febril.

    Voc o fez voltar, no ? Sei que ele no queria sair do

    meu lado.

    Ficou mesmo um pouco preocupado. Voc apagou sem

    mais nem menos, dando-lhe o maior susto. Mas eu lhe disse que

    no devia dar muita importncia.

    E claro que papai ficou tranqilo disse Lorena, com

    ironia.

    Naturalmente. Ainda mais quando me ofereci para ficar

    com voc at ter certeza de que estava bem.

    E estou? Diga-me, doutor.

    Pelo jeito, est se recuperando rapidamente. Ramn

    falou num tom seco, e pegou seu pulso. O contato fez os sentidos

    de Lorena se excitarem involuntariamente. Sua pulsao ainda

    no est totalmente normal.

    Voc no tem um efeito exatamente calmante sobre

    mim. Para falar a verdade, faz meu sangue ferver a maior parte

    do tempo.

    Parece que no consigo fazer nada direito, no que se

    refere a voc, no ? No parecia muito preocupado.

    isso mesmo. Ento, Lorena lembrou-se do

    acontecido. Oh, desculpe. No lhe agradeci por me salvar da

    cobra.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 56

    J era tempo.

    Ele no fazia nada para melhorar as coisas.

    Estou muito grata.

    No precisa se esforar. Posso sobreviver sem discursos

    bonitos, se acha to difcil faz-los. Continuo dizendo que voc

    no aproveitou muito o tal curso de etiqueta.

    No sou muito boa em agradecer foi o melhor que ela

    encontrou como desculpa. Alm disso, como que se

    agradece a algum que salvou nossa vida? Parece um pouco

    melodramtico, no?

    Ramn deu uma risadinha.

    Ah, sim, a famosa discrio inglesa... o certo receio de

    deixar as pessoas embaraadas. No precisa se preocupar com

    isso. No tenho nada de ingls e ser preciso muito mais do que

    um agradecimento para me fazer corar.

    Ela bem podia imaginar. Quantos homens conseguiriam

    estar sentados no quarto de uma moa que mal conheciam,

    parecendo to vontade e conversando despreocupadamen te,

    como se fizessem isso todos os dias?

    Ele ainda no tinha terminado de atorment -la.

    Claro, se voc acha que simples palavras no so

    capazes de expressar seus agradecimentos, podia tentar as aes

    disse, com um ar malicioso. Dizem que elas surtem melhor

    efeito.

    , bem que podia. Tentou enfrentar seu tom casual

    no mesmo nvel.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 57

    Mas no vai, no ?

    No diga que est desapontado. Por acaso, valoriza

    tanto assim os meus beijos?

    Tenho que reconhecer que tm uma certa qualidade, mas

    no vou morrer sem eles. Estudou-a por um instante, seu

    olhar to penetrante que Lorena mexeu-se, inquieta. S

    imagino o que seria preciso para voc perder a cabea por um

    homem.

    Muito mais do que voc tem a oferecer!

    No faa declaraes impensadas, ou posso ficar

    tentado a provar o quanto est errada.

    Isso uma ameaa ou uma promessa? Ficou surpresa

    com seu prprio atrevimento. O que havia nesse homem que a

    fazia esquecer toda a cautela? No entanto, esse duelo de palavras

    era excitante e convidava a um perigo com que antes nunca teria

    sonhado.

    Digamos que estou fazendo uma declarao de

    intenes respondeu Ramn. Enquanto isso, vou lhe dar

    alguma coisa por conta, s para provar meu interesse.

    Inclinou-se sobre a cama e deslizou os braos em torno

    dela, puxando-a para perto. Seus lbios queimaram uma trilha

    sensual de pequenos beijos em seu pescoo e face, antes de

    alcanarem a boca. Como na primeira vez, os lbios de Lorena

    se entreabriram, como se tivessem vontade prpria.

    Era loucura, e ela sabia disso. Mas no se importou. Seus

    braos o envolveram, puxando-o para ainda mais perto. Nunca

    tinha estado assim to junto de um homem, mas um instinto

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 58

    primitivo a guiava, enquanto sensaes desconhecidas pulsavam

    dentro de seu corpo, tornando-a consciente de apetites que nunca

    imaginara existir.

    Todo seu ser estava vivo, como um instrumento de cordas

    respondendo ao toque de um artista talentoso. No ofereceu

    qualquer resistncia, quando Ramn a fez deitar e comeou a

    puxar a camisola com movimentos lentos e embriagadores,

    expondo seu corpo quente s carcias das suas mos experientes,

    levando-a a um auge de desejo que gritava por uma satisfao

    que s ele poderia proporcionar. Com um movimento gil,

    Ramn cobriu-a com seu corpo firme.

    E ento? Isso prova alguma coisa? A voz dele soou

    como vinda de muito longe.

    O qu? perguntou Lorena, confusa. Um segundo

    antes, parecia que no podia haver mais nada entre eles, seno a

    mais ntima das experincias. Agora, Ramn estava se

    levantando como se nada tivesse acontecido. A desiluso caiu

    sobre ela como uma onda avassaladora. Seu sujo!

    Por qu? Por ter recusado o que voc estava me

    oferecendo com tanta ansiedade? Com gestos descuidados,

    indiferentes, ele passou a mo pelos cabelos despenteados e

    abotoou a camisa. Ou est brava por eu ter parado justamente

    quando as coisas estavam ficando interessantes?

    Como se atreve a sugerir que eu estava... que eu ia...

    Lorena no encontrou palavras para expressar sua indignao.

    Que queria que eu fizesse amor com voc? Acho que seu

    comportamento no deixou margem para dvida. No notei

    nenhuma tentativa de lutar contra mim.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 59

    Lorena ficou em silncio, morta de vergonha. Depois,

    conseguiu juntar alguns restos de dignidade.

    Voc se aproveitou de mim. Nenhum homem decente

    teria se comportado desse modo.

    Ser mesmo? No sabe nada sobre homens, decentes ou

    no; melhor se convencer disso. D graas a Deus por ter se

    sado dessa sem se queimar. Talvez no tenha tanta sorte na

    prxima vez.

    No haver uma prxima vez.

    Veremos. Ramn encolheu os ombros e enfiou a

    camisa dentro da cala, tomando a direo da porta.

    Se voc se atrever a pr um s dedo em mim, contarei a

    meu pai!

    Ele parou.

    Por acaso, espera que eu trema de medo s em pensar

    nisso? O que acha que seu pai faria? Me daria uma surra? Ora,

    Lorena, cresa! Voc vive dizendo que no mais criana, mas

    no perde oportunidade para agir como se fosse. Um brilho

    cnico surgiu nos olhos castanhos. Ser adulta significa andar

    sobre seus prprios ps; no sair correndo para o papai, pedindo

    socorro, sempre que as coisas saem diferente do que planejou.

    Voc o dr. Sabe-Tudo, no?

    Acho que sou, sim. Portanto, agora voc j sabe quem

    deve procurar, se precisar de ajuda para melhorar as falhas de

    sua educao. Parece que os cursos que fez no surtiram muito

    efeito.

    Saia! Saia daqui! E saia da minha vista!

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 60

    Com o maior prazer. Prometi ao seu pai que ficaria ao

    seu lado at estar recuperada. Pelo jeito, j voltou ao mau humor

    habitual. Ramn abriu a porta e preparou-se para sair. Ah,

    e no precisa se preocupar com o jantar. Eu e seu pai iremos

    cidade essa noite. Ele vai me apresentar a algumas pessoas, e

    teremos um jantar de negcios num restaurante qualquer.

    mesmo? E o que o dr. Sabe-Tudo quer que eu faa,

    enquanto vocs saem para se divertir?

    Seria bom aproveitar a oportunidade para esfriar esse

    mau gnio. No haver ningum em casa para ser vtima dessa

    sua lngua afiada. Quanto a mim, ser um sossego ficar livre da

    sua encantadora companhia por algumas horas.

    Ora, seu... seu...

    Ramn fechou a porta, tornando qualquer improprio

    intil. Furiosa, Lorena comeou a socar o travesseiro, desejando

    que fosse aquela cabea, arrogante. Jurou um dia se vingar

    daquele homem prepotente, fazendo-o pagar por toda a

    humilhao que a estava fazendo sofrer. Deixou-se cair de

    costas, exausta, e sonhou com os piores mtodos de vingana,

    um sorriso encurvando seus lbios.

    Quando abriu os olhos, j eram quase seis horas. Sentia -se

    cansada, deprimida, no sabendo se a causa daquilo tudo era a

    cobra ou Ramn Vance.

    Estava com fome. Lembrou-se de que nem mesmo tinha

    almoado. Espreguiou-se, e estava se preparando para sair da

    cama, quando uma batida na porta a fez agarrar os lenis numa

    atitude de defesa.

    Relaxou ao ver que o visitante era o pai.

  • Amor bandido Susanna Firth Bianca 175

    Projeto Revisoras 61

    Como est se sentindo, querida? Parecia a