bioengenharia - manejo biotecnico de cursos de agua

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  • Bioengenharia

    Manejo Biotcnico de Cursos de gua

  • Ao meu filho Izaner Durlo

    Ao meu av Guilherme Sutili

  • Miguel A. Durlo Fabrcio J. Sutili

    Bioengenharia

    Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    2 Edio

    Santa Maria

    Edio do Autor

    2012

  • Dos autores

    Edio Digital: 2012

    Reproduo e distribuio liberada pelos Autores.

    Capa:

    Parede vegetada de madeira no

    Arroio Grande-Mor. Fotografia: Fabrcio Sutili.

    S966m Durlo, Miguel Anto ; Sutili, Fabrcio Jaques

    Bioengenharia: Manejo Biotcnico de Cursos de gua / Miguel Anto Durlo ; Fa-

    brcio Jaques Sutili. Santa Maria: Edio do Autor, 2012. 189 p. : il.

    ISBN: 978-85-913475-0-6

    1. Cursos de gua. 2. Taludes fluviais. 3. Vegetao refila. 4. Biotcnicas. 5.

    Bioengenharia. 6. Engenharia Florestal. I. Sutili, Fabrcio Jaques. II. Ttulo.

    CDU : 556.51:630.23

  • SUMRIO

    PREFCIO ...................................................................................................... 9

    APRESENTAO........................................................................................ 11

    INTEMPERISMO E EROSO ..................................................................... 13

    1.1 Introduo ............................................................................................. 13 1.2 Intemperismo ........................................................................................ 16 1.3 Denudao ............................................................................................ 17 Bibliografia .................................................................................................... 19

    O CURSO DE GUA ................................................................................... 21

    2.1 Introduo ............................................................................................. 21 2.2 Fisiografia fluvial ................................................................................. 22 2.2.1 Rede de drenagem ............................................................................. 22 2.2.2 Canal .................................................................................................. 24 2.2.3 Leito .................................................................................................. 26 Bibliografia .................................................................................................... 28

    PROCESSOS FLUVIAIS .............................................................................. 31

    3.1 Introduo ............................................................................................. 31 3.2 Velocidade da gua .............................................................................. 32 3.3 Estabilidade de materiais fluviais ......................................................... 36 3.3.1 Materiais dissolvidos ......................................................................... 36 3.3.2 Materiais sobrenadantes .................................................................... 37 3.3.3 Materiais em suspenso ..................................................................... 37 3.4 Transporte fracionado e transporte em massa ...................................... 41 3.5 Movimentao de materiais coesos ...................................................... 42 3.6 Movimentao de materiais singulares ................................................ 46 3.7 Formas de interferir no transporte de materiais ................................... 50 3.7.1 Saturao ........................................................................................... 50 3.7.2 Perfil de compensao ....................................................................... 50 Bibliografia .................................................................................................... 53

  • ESTABILIDADE DE TALUDES ................................................................. 55

    4.1 Introduo ............................................................................................. 55 4.2 Classificao dos movimentos de massas ............................................ 56 4.2.1 Escoamento ....................................................................................... 56 4.2.2 Deslizamento ..................................................................................... 58 4.2.3 Desmoronamento ............................................................................... 60 4.2.4 Movimentos complexos .................................................................... 61 4.3 Causas dos movimentos de massa ........................................................ 64 4.3.1 Causas externas ................................................................................. 65 4.3.2 Causas internas .................................................................................. 70 Bibliografia .................................................................................................... 71

    AS PROPRIEDADES TCNICAS DA VEGETAO ............................... 73

    5.1 Introduo ............................................................................................. 73 5.2 Efeitos da vegetao sobre taludes (fluviais) ....................................... 74 5.3 Eleio de espcies ............................................................................... 77 5.3.1 Critrio sociolgico da vegetao ..................................................... 77 5.3.2 Critrio ecolgico .............................................................................. 77 5.3.3 Aspectos reprodutivos ....................................................................... 78 5.3.4 Aptido biotcnica............................................................................. 78 5.4 Descrio de algumas espcies potenciais ........................................... 79 5.5 Experimentos ........................................................................................ 85 5.6 Canteiro experimental padro .............................................................. 88 5.6.1 Instalao do experimento e coleta de dados .................................... 89 5.6.2 Anlise preliminar de um canteiro experimental padro .................. 90

    Bibliografia .................................................................................................... 96

    MANEJO DE CURSOS DE GUA ............................................................. 99

    6.1 Introduo ............................................................................................. 99 6.2 Ferramentas para o manejo de cursos de gua. .................................. 100 6.3 Manejo passivo de cursos de gua ..................................................... 102 6.3.1 Isolamento de faixa marginal .......................................................... 103 6.3.2 Proteo da regenerao natural ...................................................... 104 6.4 Manejo ativo de cursos de gua ......................................................... 106 6.4.1 Limpeza ........................................................................................... 106 6.4.2 Recapeamento vegetal das margens ................................................ 108 6.4.3 Bioengenharia .................................................................................. 110 Bibliografia .................................................................................................. 111

  • BIOENGENHARIA .................................................................................... 113

    7.1 Introduo ........................................................................................... 113 7.1.1 Definio ......................................................................................... 113 7.1.2 Histrico e benefcios ...................................................................... 114 7.2 Aes e ferramentas no manejo de cursos de gua ............................ 115 7.3 Tipologia e funo das obras de bioengenharia ................................. 119 7.4 Aes preparatrias, preventivas e emergenciais ............................... 119 7.5 Obras longitudinais ............................................................................ 121 7.5.1 Rmprolas ou espiges transversais ................................................ 122 7.5.2 Rmprolas longitudinais .................................................................. 126 7.5.3 Revestimentos do leito .................................................................... 127 7.6 Obras transversais .............................................................................. 138 7.6.1 Obras transversais de consolidao ................................................. 138 7.6.2 Determinao da posio das barragens .......................................... 144 7.6.3 Obras transversais de reteno ........................................................ 148 7.7 Dimensionamento de obras biotcnicas ............................................. 150 Bibliografia .................................................................................................. 152

    ESTUDO DE CASO: O ARROIO GUARDA-MOR .................................. 155

    8.1 Introduo ........................................................................................... 155 8.2 Caracterizao geral da rea ............................................................... 155 8.2.1 Localizao e hidrografia ................................................................ 155 8.2.2 Clima ............................................................................................... 156 8.2.3 Geomorfologia, geologia e solos ..................................................... 157 8.2.4 Vegetao original ........................................................................... 159 8.2.5 Vegetao atual e usos da terra ....................................................... 161 8.3 O Arroio Guarda-Mor ........................................................................ 162 8.3.1 Fisiografia fluvial ............................................................................ 162 8.3.2 Processos fluviais ............................................................................ 164 8.4 Obras de bioengenharia no Arroio Guarda-Mor ................................ 171 8.4.1 Parede vegetada de madeira (Parede Krainer) ................................ 172 8.4.2 Esteira viva ...................................................................................... 182 8.5 Concluses finais................................................................................ 187 Bibliografia .................................................................................................. 188

  • Prefcio 9

    PREFCIO

    Vivemos todos em poca marcada pela forte idia de representao. Im-

    portam pouco ou quase nada, o contedo, a substncia, a essncia, a trajet-

    ria, a coerncia. Trata-se da velha disputa entre invlucro e contedo, resol-

    vida, em nosso tempo, em favor do aparente, do efmero, do apego s luzes.

    Os temas relacionados ao meio ambiente sempre capazes de despertar amplo interesse e, portanto, passveis de usos e abusos diversos , se prestam sobremaneira ao exerccio da representao. Basta observar que a cada novo

    modismo ecolgico surgem especialistas propondo dossis, relatrios ou

    projetos salvadores sobre o assunto em voga na pauta ambiental planetria.

    o caso da gua, lquido precioso que vemos escorrer entre as mos. De

    acordo com as previses mais otimistas, estaremos todos mortos (de sede) l

    por 2050, quem sabe 2053, a no ser que especialistas de planto arrumem

    uma sada estratgica.... Ora, o exame da situao de recursos naturais como

    a gua, considerando escalas espaciais to vastas, recomenda, no mnimo,

    certa parcimnia no anncio da catstrofe que nos espera ali adiante, na pr-

    xima esquina. Isso, por bvio, no significa desconhecer os mltiplos pro-

    blemas associados aos j naturalmente valiosos recursos hdricos.

    A obra aqui apresentada Bioengenharia: manejo biotcnico de cur-sos de gua , seja pela qualidade e seriedade dos seus autores, os engenhei-ros florestais Miguel Durlo e Fabrcio Sutili, seja pela novidade (ao menos

    no Brasil) e oportunidade do seu contedo, certamente passa ao largo do

    esprito ligeiro que domina a cena contempornea. Entre as questes suscitadas ao longo do texto, uma delas bem que pode-

    ria ser assim expressa: os cursos de gua que apresentam problemas em suas

    margens, em seus leitos ou mesmo em suas configuraes geogrficas so

    recuperveis? Em consonncia com a contribuio dos dois estudiosos, a

    resposta sim. Nos ensinam os autores que, com o uso de tcnicas e obras

    relativamente simples, oriundas da bioengenharia (aqui entendida como

    campo cientfico e no como novo modismo), possvel proceder recom-

    posio e recuperao de trechos ou mesmo da totalidade de certos corpos

    de gua. (Convm referir aqui o privilgio que tive de comprovar in loco o

    potencial dessas tcnicas de manejo, ao acompanhar parte dos trabalhos ex-

    perimentais desenvolvidos no Arroio Guarda-Mor, na regio central do Rio

    Grande do Sul).

  • 10 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    A bioengenharia avana tambm por um terreno que nos caro, qual se-

    ja, o do uso de espcies vegetais para auxiliar na estabilizao de taludes

    fluviais. Nesse sentido, asseguram Durlo e Sutili, h ainda, por trilhar, um

    longo e delicado caminho de seleo e teste de espcies. Tambm impor-

    tante destacar a referncia presente no livro, por todos os ttulos apropriada,

    no sentido de que nem sempre a vegetao o remdio para todos os males.

    Em certas circunstncias, a vegetao inclusive pode ser parte do problema

    de desestabilizao das margens de cursos de gua.

    Enfim, os estudiosos da rea e demais interessados passam a dispor ago-

    ra de uma obra de referncia, absolutamente indispensvel para quem

    quer ir alm do rtulo e mergulhar nas guas da cincia e da boa tcnica, cu-

    jo objetivo, em ltima anlise, o de melhorar as condies de vida das co-

    munidades, garantindo, entre outros aspectos, a estabilidade ecolgica do

    meio em que vivem.

    Delmar Bressan

    Professor do Departamento de Cincias Florestais/UFSM

  • Apresentao 11

    APRESENTAO DA EDIO IMPRESSA

    Dividido em oito captulos ordenados em uma seqncia lgica, que

    abrangem desde a coleta de dados at a seleo e construo de obras con-

    cretas, o livro leva o leitor a ter uma noo geral da bioengenharia.

    Nos primeiros quatro captulos, so expostas informaes prvias, ne-

    cessrias aos trabalhos prticos, e esclarecidos importantes conceitos sobre a

    fisiografia fluvial, processos fluviais e estabilidade de taludes, indispens-

    veis para o manejo biotcnico de cursos de gua.

    No captulo 5, so tratados os efeitos da vegetao sobre a estabilidade

    de taludes fluviais. Neste captulo foi includa tambm a descrio botnica

    de espcies, tidas na literatura como potencialmente aptas para a bioenge-

    nharia e sugerida uma forma prtica de experimento para estudar diversas

    caractersticas biotcnicas de vegetao refila.

    Os captulos seguintes (6 e 7), adentram as formas e tcnicas disponveis

    para o manejo prtico dos cursos de gua, dando especial ateno s obras de

    bioengenharia.

    O ultimo captulo um guia para reconhecer e classificar os problemas

    decorrentes de processos fluviais, levantar informaes, decidir sobre as

    formas de ao, implantar e acompanhar os tratamentos selecionados. Para

    demonstrar esta seqncia, apresentado um estudo de caso O Arroio Guarda-Mor descrevendo os diversos passos para a soluo de dois pro-blemas concretos.

    Santa Maria, dezembro de 2004.

  • Apresentao 11

    APRESENTAO DA EDIO DIGITAL

    Em virtude do esgotamento da verso impressa e com o objetivo de

    facilitar e ampliar o acesso, os autores do livro Bioengenharia: Manejo

    biotcnico de cursos de gua esto disponibilizando ao pblico uma ver-

    so digital da obra.

    Este material de modo algum esgota o tema, ao contrrio, guarda a

    tmida pretenso de ter sido o primeiro passo. Essa verso digital corres-

    ponde exatamente edio impressa de 2005, apenas foram corrigidos

    alguns pequenos enganos e descuidos gramaticais.

    Desde a publicao da primeira edio desta obra pela editora EST

    em 2005, muito foi feito no pas para desenvolvimento da bioengenharia,

    ou como mais conhecida hoje: a Engenharia Natural. Desde ento uma

    srie de pesquisas acadmicas foram concludas pela Universidade Fede-

    ral de Santa Maria e por outras instituies nacionais de ensino e pesqui-

    sa. Essas novas informaes disponveis sero brevemente reunidas em

    uma nova obra.

    Santa Maria, fevereiro de 2012.

  • Intemperismo e eroso 13

    CAPTULO 1

    INTEMPERISMO E EROSO

    1.1 Introduo

    Os processos geomorfolgicos esto constantemente em ao, dando

    paisagem um carter temporrio e varivel. As diferentes paisagens atuais

    so resultados da manifestao pregressa de agentes modeladores que, com

    interaes, intensidades e capacidades de modificao variveis no tempo e

    no espao, causam uma paulatina, embora constante, transformao do rele-

    vo, conforme esquema mostrado na Figura 1.1.

    Figura 1.1: Desenho esquemtico da transformao da paisagem;

    foras e processos envolvidos (Cassetti, 1994).

    As irregularidades na superfcie do planeta so resultados da constante interao e busca de equilbrio entre as foras de soerguimento (predominan-temente endgenas) e de denudao (exgenas).

  • 14 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Em um sentido, agem foras endgenas como movimentos da crosta,

    arqueamentos, isostasias, terremotos e atividades vulcnicas, capazes de criar de-

    sigualdades na superfcie terrestre. No sentido oposto, agem foras exgenas

    capazes de causar processos erosivos que, atravs dos seus agentes princi-

    pais, a gua e o vento, condicionados pela gravidade, transportam e deposi-

    tam os produtos do intemperismo. Foras de intemperismo e eroso podem

    ser exercidas pelas oscilaes da temperatura, pela gua, pelo vento, pela

    gravidade, pelos animais e pelo homem. Estes agentes, apesar de possurem

    origens independentes, influenciam-se mutuamente e tambm so, em parte,

    manifestaes resultantes do prprio relevo que moldam (Figura 1.2).

    Figura 1.2: Classificao dos processos envolvidos na geomorfologia

    (modificado de Cassetti, 1994).

    Penha (2001) reporta que, se apenas as foras externas atuassem sobre

    a superfcie slida, caso no existisse uma dinmica interna, ter-se-ia o pla-

    neta coberto por um nico oceano cuja profundidade deveria ser de aproxi-

    madamente 2,6 km. Como se sabe isto no ocorre, pois a superfcie do globo

  • Intemperismo e eroso 15

    possui grandes irregularidades, representadas por profundidades que chegam

    a mais de 11.000 metros, como na fossa Challenger, nas Marianas a sudoeste

    do Pacfico, e por altitudes de quase 9.000 metros como as verificadas na

    cordilheira do Himalaia (Nepal), resultando em desnveis de aproximada-

    mente 20 km.

    A gua o mais importante agente processual, modelador exgeno do

    relevo. Seu efeito de intemperismo ocorre em vrios nveis e locais, de vrias

    formas fsicas e qumicas, compreendendo todo o seu ciclo natural. Do seu

    escoamento superficial, principalmente nos cursos de gua, resultam impor-

    tantes efeitos na construo da paisagem, na medida em que escava e/ou

    transporta materiais das reas mais elevadas, para as cotas mais baixas.

    A gua, de um modo geral, est ligada aos processos de eroso, bem como

    tem influncia decisiva na estabilidade das encostas.

    Como processos de carter exclusivamente fluvial entendem-se a ero-

    so, o transporte e a sedimentao, tanto dos materiais providenciados pelo

    prprio trabalho de corroso das margens e escavao do leito, como de to-

    dos os produtos do intemperismo que alcanam o fluxo de gua. A compre-

    enso dos processos geomorfolgicos, principalmente os de carter fluvial

    (geomorfologia fluvial) , portanto, imprescindvel para o manejo de cursos

    de gua.

    Dentro de certos limites, o homem, por interesse ou de maneira invo-

    luntria, pode interferir, positiva ou negativamente, sobre esta dinmica, que

    resulta da interao de foras naturais. As foras endgenas fogem quase que

    completamente, ao controle do homem. Entre as exgenas, encontra-se um

    conjunto de fatores processuais que no podem ser facilmente influenciados,

    a curto ou mdio prazo, e outros que, de maneira mais fcil, podem ser ma-

    nipulados pelas aes humanas. Os primeiros so simplesmente condicionan-

    tes das aes; os ltimos, tanto so condicionantes como podem ser instru-

    mentos para o controle dos processos fluviais e, conseqentemente, da pai-

    sagem.

    Em curto prazo no se consegue, por exemplo, modificar o clima ou a

    geologia de um local, mas possvel fazer com que certas caractersticas lo-

    cais sejam influenciadas ou controladas pelo uso objetivo da vegetao. Pe-

    quenas intervenes fsicas no leito e canal, apoiadas ou no por medidas

    vegetativas, podem alterar caractersticas como a velocidade da gua e a ten-

    so de eroso suportada pelo leito, controlando-se processos fluviais.

    O conhecimento das causas, das formas de ao e das conseqncias

    dos processos que modelam a paisagem pr-requisito fundamental para es-

    timar os eventuais problemas a eles ligados e para propor medidas preventi-

    vas, mitigadoras ou corretivas adequadas a cada caso. neste contexto, por-

    tanto, que a ao humana compreendida como agente exgeno que pode in-

  • 16 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    terferir, positiva ou negativamente, na formao do relevo. O homem no

    tem poder sobre os movimentos endgenos, mas um dos agentes capazes

    de interagir com os fatores processuais e de resposta (Figura 1.2), que so

    tecnicamente influenciveis e, portanto, ferramentas para o manejo de cursos

    de gua.

    1.2 Intemperismo

    O intemperismo um processo natural de fragmentao, desintegrao

    e degradao lenta e contnua das rochas superficiais ou prximas superf-

    cie, atravs de foras externas. A forma e a intensidade do intemperismo de-

    pendem do tipo de rocha, isto , de sua composio qumica, estrutura, poro-

    sidade, dureza e diaclasamento como tambm dos fatores atuantes, isto , das

    intempries. O intemperismo pode ser causado por processos fsicos, como a

    fragmentao pelo calor, pelo frio, pela cristalizao de sais e pela ao fsi-

    ca da gua, ou ento, por processos qumicos, desencadeados igualmente pe-

    lo calor, pela gua ou por cidos. Alguns autores ainda destacam a ao

    de agentes biolgicos, como plantas e animais, que no deixam tambm de

    produzir aes fsicas ou qumicas. Na natureza, os processos fsicos e qu-

    micos ocorrem, em geral, de forma concomitante, freqentemente, porm,

    com visvel predominncia de um deles.

    O intemperismo classificado como superficial, quando ocorre nas

    primeiras camadas do material ou em pequenas profundidades. ocasionado

    geralmente pela ao isolada ou conjunta da temperatura, da hidratao, da

    hidrlise, da oxidao, mas tambm pela ao das razes das plantas ou pela

    atividade da fauna do solo. J o intemperismo profundo corresponde de-

    gradao de rochas profundas, pela ao de cidos ou sais dissolvidos na

    gua, ou pela lavagem de componentes das rochas.

    O tipo e a intensidade do intemperismo esto estreitamente relaciona-

    dos com o clima (Tabela 1.1).

    Tabela 1.1: Regies climticas, tipo e intensidade do intemperismo,

    (Weinmeister 1994).

    Profundo Superficial

    Polar baixo alto

    Quente e seco baixo alto

    Quente e mido mdio mdio

    Chuvosa sazonal mdio baixo

    Chuvosa constante (tropical) alto alto

    INTEMPERISMOREGIO CLIMTICA

  • Intemperismo e eroso 17

    Um mesmo tipo de rocha pode ter diferente susceptibilidade aos fatores

    do intemperismo, na dependncia do clima dominante. O granito, por exem-

    plo, uma rocha morfologicamente muito dura em regies secas mas, em

    condies tropicais, sob ao do intemperismo profundo (predominantemen-

    te qumico), considerada uma rocha branda.

    Os produtos do intemperismo so rochas de granulometria menor que a

    original, chegando a dimenses bastante pequenas. Quando atingem dimen-

    ses inferiores a 2 mm passam a ser reconhecidas como fraes do solo: areia,

    silte e argila.

    A presena de materiais (rochas) de dimenses maiores como cascalhos,

    calhaus ou mataces, bem como a proporo com que cada frao (areia, silte e

    argila) contribui para a formao do solo, ir determinar grande parte das suas

    caractersticas fsicas particulares. Estas caractersticas, importantes nos pro-

    cessos de eroso e transformao da paisagem, sero discutidas mais adiante.

    O intemperismo, seja ele mecnico ou qumico , portanto, o processo

    que prepara e disponibiliza materiais que, ento, podem ser movimentados.

    O movimento do material pode ocorrer de diversas formas, que vo des-

    de a eroso superficial de uma encosta desprotegida, aos catastrficos mo-

    vimentos de massa, como os deslizamentos e os desmoronamentos. Tanto a

    eroso superficial do solo, como o desmoronamento repentino de uma encos-

    ta ou margem de rio, acaba por produzir materiais passveis de serem trans-

    portados e sedimentados mais adiante.

    1.3 Denudao

    Por denudao entende-se a eroso e o transporte de materiais nas en-

    costas dos talvegues. A denudao engloba as diversas formas de eroso su-

    perficial dos interflvios e os movimentos de massa.

    No contexto deste livro, so importantes os processos de desgaste da

    superfcie terrestre (rebaixamento e escavao), que podem, didaticamente,

    ser divididos em eroso superficial e movimentos de massas. No se tem a

    pretenso de discutir conceitos relativos a terminologia tcnica, que ainda

    provoca controvrsias na literatura especializada. Para os movimentos de

    massa, os autores sugerem, no Captulo 4, uma classificao que serve como

    organizao para o entendimento dos fenmenos de interesse.

    O principal agente de denudao a gua, embora, em certas regies,

    especialmente naquelas desprovidas de vegetao, o vento tambm possa ser

    um agente de importncia. Os pr-requisitos para a eroso hdrica superficial

    so o intemperismo e o aprofundamento das incises dos entalhes, que au-

    mentam a declividade das encostas. O processo de eroso superficial pode

    ser compreendido observando-se a Figura 1.3. A queda de uma gota de gua

  • 18 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    sobre um solo nu e perfeitamente horizontal, produz uma pequena cratera,

    espalhando os materiais resultantes para todas as direes e a uma determi-

    nada distncia (Figura 1.3 a). Se a superfcie do solo for inclinada, o movi-

    mento das partculas ser nitidamente direcionado no sentido do declive,

    como mostrado na Figura 1.3 b.

    medida que a precipitao prossegue, as gotas de chuva se juntam e

    transformam-se em um filme de gua, que flui de forma laminar, com peque-

    na capacidade de transporte. Com o tempo, o filme de gua torna-se mais es-

    pesso e, medida que se movimenta, encontra pequenos canalculos natu-

    rais, pelos quais escoa, entrando em turbilhonamento e aumentando sua ca-

    pacidade erosiva e de transporte. Os canalculos juntam-se seqencialmente,

    originando canais permanentes, dando incio corroso fluvial e ao entalha-

    mento.

    A eroso superficial disponibiliza grande parte dos materiais que che-

    gam aos cursos de gua, que so ento transportados e depositados mais

    adiante.

    Figura 1.3: Resultado do impacto de uma gota sobre uma superfcie erodvel,

    plana (a) e inclinada (b) adaptado de Hillel (1998).

    Apesar de no ser inicialmente um evento perigoso e catastrfico, co-

    mo muitas vezes podem ser os movimentos de massa, a eroso superficial do

    solo traz igualmente grandes prejuzos financeiros. justamente a lentido

    que, quando comparada a um deslizamento ou entalhamento do solo, faz da

    eroso superficial um problema que, na maioria das vezes, s notado quan-

    do as perdas de solo j foram significativas.

  • Intemperismo e eroso 19

    Embora o processo seja lento, existem algumas evidncias que podem

    denunciar a presena do fenmeno em uma rea como, por exemplo, o apa-

    recimento superficial das razes das rvores, o afloramento de palanques de

    cercas e pedras, ou a exposio da fundao de construes existentes na

    rea.

    Os movimentos de massa, por sua vez, englobam uma srie de fenme-

    nos erosionais diferentes dos ocasionados pelo escoamento superficial. Os

    materiais transportados no so grnulos singulares, mas uma determinada

    massa terrosa e/ou rochosa que deslocada em um nico ou em poucos

    eventos.

    A compreenso dos requisitos, processos e causas envolvidos nos mo-

    vimentos de massa so fundamentais, quando se deseja reconhecer as possi-

    bilidades de controle.

    Na literatura existem diversas classificaes que usam diferentes crit-

    rios para a segregao dos fenmenos. O critrio do comportamento da mas-

    sa em movimento, por exemplo, permite distinguir os escoamentos (massa

    com comportamento fludico) dos deslizamentos ou escorregamentos. Utili-

    zando-se o critrio velocidade do movimento massal pode-se subdividir os

    escorregamentos em fluxos (rpidos) e rastejo (lentos).

    Outros critrios como superfcies, formas e, especialmente, causas dos

    movimentos de massa proporcionam uma segregao cada vez mais acurada

    dos fenmenos singulares de movimentao e permitem, at mesmo, a com-

    preenso dos movimentos complexos, em que muitas variveis so envolvi-

    das no processo.

    De um modo geral, a gua est sempre ligada aos processos de eroso,

    bem como tem influncia decisiva na estabilidade das encostas, dando ori-

    gem a movimentos de massa muito freqentes em ambientes fluviais. Os fe-

    nmenos relacionados a estabilidade dos taludes fluviais recebe especial

    ateno no quarto captulo deste livro.

    Bibliografia

    CASSETTI, V. Elementos de geomorfologia. Gois: Editora UFG, 1994.

    HILLEL, D. Environmental Soil Physics. San Diego Academic Press, 1998.

    PENHA, H. M. Processos Endogenticos na Formao do Relevo. In: GUERRA, A. J. T. &

    CUNHA, S. B. Geomorfologia uma atualizao de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Ber-trand Brasil, 2001. p. 51-92.

    WEINMEISTER, H. W. Vorlesung Wildbachkunde - Skriptum, vorlufige Ausgabe. Wien:

    Institut fr Wildbach und Lawinenschutz. Universitt fr Bodenkultur, 1994.

  • O curso de gua 21

    CAPTULO 2

    O CURSO DE GUA

    2.1 Introduo

    Este captulo tem como objetivo revisar alguns conceitos da fisiografia

    fluvial, destacar os de maior valor para o manejo de cursos de gua e con-

    vencionar terminologias de interesse compreenso dos processos fluviais

    de eroso, transporte e sedimentao.

    Wolle (1980) apud Pinheiro (2000) considera a gua e o vento, sob a

    condicionante bsica da gravidade, como sendo capazes de causar processos

    erosivos, de transporte e deposio, com uma permanente tendncia pene-

    planizao.

    A gua um dos agentes modeladores exgenos do relevo mais impor-

    tantes na construo e composio da paisagem terrestre. Est ligada aos

    processos de eroso e sua influncia sobre a estabilidade de encostas e talu-

    des fluviais decisiva. Do seu escoamento nos cursos de gua resultam pro-

    cessos fluviais que participam da constante esculturao das formas de rele-

    vo e correlacionam-se, de forma dinmica, a toda sorte de aspectos ecolgi-

    cos, econmicos e sociais.

    medida que aumenta a velocidade do escoamento de um curso de

    gua, este passa a adquirir um comportamento torrencial que pode acelerar a

    dinmica processual de uma rede de drenagem, ocasionando prejuzos de ca-

    rter econmico e ambiental, merecendo ateno especial.

    Valendo-se da contribuio de diversos autores como Thiry (1891),

    Strele (1934), Scipion Gras apud Mayer (1941) e Aulitzky (1978), poss-

    vel reconhecer dois tipos de torrentes: as de montanha e as de plancie. As

    primeiras so caracterizadas pelas cheias sbitas e violentas, pelo declive

    acentuado e irregular e pela capacidade de transportar grande quantidade de

    materiais grosseiros (de maior granulometria). As de plancie, por sua vez, se

    caracterizam por percorrer terrenos menos declivosos, por apresentar um ca-

    nal tipicamente mendrico com eroso nos raios externos e deposio nos

  • 22 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    raios internos de suas curvas. Um curso de gua nem sempre apresenta com-

    portamento torrencial, mas pode assumi-lo em perodos em que a precipita-

    o seja de maior intensidade. Por outro lado, um mesmo curso de gua, com

    freqncia, pode ainda apresentar comportamento torrencial de montanha e

    de plancie simultaneamente em diferentes trechos de seu curso.

    2.2 Fisiografia fluvial

    A fisiografia fluvial retrata basicamente um conjunto de parmetros

    como reas, comprimentos, declividades, padres e ndices, que expressam

    as caractersticas fluviais e podem ser observadas e medidas a campo, ou ex-

    tradas de mapas, fotografias areas ou imagens de satlites (Silveira, 1993).

    O reconhecimento de alguns destes aspectos importante para a com-

    preenso dos processos fluviais e para a adoo adequada de tcnicas de cor-

    reo e estabilizao.

    De forma genrica a fisiografia fluvial pode ser entendida sob os pon-

    tos de vista de rede de drenagem, de canal e de leito (Cunha, 2001). Entre-

    tanto, maior destaque deve merecer o perfil longitudinal do leito, dada sua

    importncia para a compreenso dos fenmenos que interessam ao manejo

    biotcnico dos cursos de gua.

    2.2.1 Rede de drenagem

    Ao conjunto de canais que se interligam, escoando em uma determina-

    da direo, d-se o nome de rede de drenagem fluvial. A rea drenada por

    essa rede denominada de bacia hidrogrfica ou bacia de drenagem. No

    conceito de Netto (2001) uma bacia de drenagem corresponde a uma rea da

    superfcie terrestre que drena gua, sedimentos e materiais dissolvidos para

    uma sada comum, em um determinado ponto de um canal fluvial.

    Cunha (2001) lembra que a rede de drenagem pode exibir diferentes

    padres de drenagem, possibilitando classificaes que levam em conta a

    forma de escoamento, a gnese e a geometria dos canais.

    Esses padres resultam de um grande nmero de caractersticas do am-

    biente local, tanto geolgicas quanto climticas, com quem se relacionam.

    Interpretando-se o padro de drenagem, a forma do escoamento e a gnese

    da sua rede de drenagem, possvel pressupor algumas das caractersticas do

    ambiente.

    De acordo com o escoamento, as redes de drenagem so classificadas

    como exorricas, quando a drenagem se dirige para o mar, e em endorricas,

    quando a drenagem se dirige para uma depresso interna do continente.

  • O curso de gua 23

    Uma classificao gentica foi proposta por Horton em 1945, conside-

    rando os cursos de gua em relao inclinao das camadas geolgicas. Por

    este critrio, os rios foram classificados em cinco padres: conseqente, sub-

    seqente, obseqente, resseqente e inseqente. O rio conseqente deter-

    minado pela inclinao do terreno e coincide, em geral, com o mergulho das

    camadas, originando um curso retilneo e paralelo. O rio subseqente con-

    trolado pela estrutura rochosa e acompanha as linhas de fraqueza (falha, jun-

    ta, diclase). Nas reas sedimentares, corre perpendicular inclinao das

    camadas. Quando o curso de gua se dirige em sentido inverso inclinao

    das camadas, descendo das escarpas, classificado como rio obseqente,

    formando um canal de pequena extenso. O rio resseqente corre na mesma

    direo dos rios conseqentes, porm, nasce em nvel topogrfico mais bai-

    xo, no reverso das escarpas. O rio inseqente corre de acordo com a morfo-

    logia do terreno e em direo variada, sem nenhum controle geolgico apa-

    rente (reas planas ou de rocha homognea).

    A classificao dos padres de drenagem, com base na geometria dos

    seus canais, apresenta os seguintes tipos fundamentais: dendrtico, paralelo,

    retangular, radial, anelar, trelia e irregular (Figura 2.1).

    Uma bacia hidrogrfica pode englobar diferentes padres geomtricos

    para seus rios e mesmo uma gama de subtipos (Bigarella et al., 1979).

    Figura 2.1: Alguns padres geomtricos de drenagem

    (adaptado de FISRWG, 1998 e Cunha, 2001).

  • 24 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Alm do padro de drenagem, para a comparao entre diferentes ba-

    cias, importante a densidade da rede de drenagem. A densidade determi-

    nada pela relao entre o somatrio do comprimento dos cursos de gua e a

    rea da bacia hidrogrfica. Sousa (1977) considera alto o valor da densidade

    quando for superior a 4,1 km/km2; mdio, quando varia entre 2,1 a 4,0

    km/km2; e baixo, quando inferior a 2,0 km/km

    2.

    Outro dado de fcil visualizao e til para situar (posicionar) o curso

    de gua, dentro de sua rede de drenagem ou esta ltima em relao s outras,

    a determinao da hierarquia fluvial. Para isso, pode-se seguir um sistema

    igualmente proposto por Horton em 1945 e modificado por Strahler em

    1952, conforme explicado por Silveira (1993) e Cunha (2001): os canais de

    1 ordem so os que no possuem tributrios, estendendo-se desde a nascente

    at a primeira confluncia; os de 2 ordem resultam da confluncia de dois

    canais de 1 ordem; os canais de 3 ordem so formados pela confluncia de

    dois canais de 2 ordem; os de 4 ordem surgem da confluncia de dois ca-

    nais de 3 ordem, recebendo afluentes das ordens anteriores; e assim sucessi-

    vamente.

    2.2.2 Canal

    A fisionomia exibida por um curso de gua ao longo do seu desenvol-

    vimento longitudinal, sob a perspectiva de vista superior, descrita como re-

    tilnea, mendrica ou anastomosada (Christofoletti, 1974 e 1981), como

    exemplificado na Figura 2.2.

    Figura 2.2: Tipos de padres de canais.

    Segundo Christofoletti (1981), esses padres resultam do ajuste do ca-

    nal sua seo transversal. Da mesma maneira que para a seo transversal,

    o padro fisionmico longitudinal assumido pelo canal, tambm fica na de-

    pendncia das caractersticas de cada trecho do curso de gua, podendo, um

    mesmo rio, demonstrar, em pontos distintos, as trs fisionomias ou mesmo

  • O curso de gua 25

    uma certa combinao entre elas. Para Schumm (1972), essa caracterstica

    determinada principalmente pelo tipo de carga detrtica, que corresponde

    granulometria e quantidade do material transportado pelo curso de gua em

    um determinado trecho. Assim, a fisionomia pode ser bastante varivel tanto

    no espao como no tempo, para um mesmo curso de gua. jusante, os cur-

    sos de gua tendem a assumir um padro tipicamente meandrante, o que ca-

    racteriza as chamadas torrentes de plancie.

    O reconhecimento de um trecho com comportamento anastomosado,

    mesmo sendo baseado simplesmente na observao visual, parece bastante

    seguro. O limite que distingue um trecho como meandrante ou retilneo, en-

    tretanto, pode ser mais subjetivo. Por isso, para distingu-los, pode-se valer

    da proposta de Schumm (1972), que considera um trecho como meandrante

    quando seu ndice de sinuosidade (Tabela 2.1), dado pela relao entre o

    comprimento do canal e o comprimento do vale (Christofoletti, 1974 e 1981)

    for superior a 1,3.

    Tabela 2.1: Diviso dos padres fluviais, em funo do ndice de sinuosidade.

    Tipos ndice de Sinuosidade

    A) Meandrantes

    a) tortuosos 2,3

    b) irregulares 1,8

    c) meandros regulares 1,7

    B) Transicional 1,3

    C) Retos 1,1

    Este ndice presta-se para distinguir trechos retilneos e sinuosos, po-

    dendo ser usado como fator de comparao entre estes. No entanto, para que

    seja possvel a comparao entre os cursos de gua preciso que o valor de

    sinuosidade seja expresso como porcentagem em relao aos seus respecti-

    vos comprimentos, conforme salienta Mansikkaniemi (1972) apud Christofo-

    letti (1981).

    Outro aspecto importante dos canais o seu regime de escoamento. As-

    sim, distinguem-se os canais perenes, os intermitentes e os efmeros. Canais

    perenes so os que possuem escoamento permanente, independente das esta-

    es do ano, perodos ou regimes de precipitao. J os cursos de gua in-

    termitentes possuem um regime de escoamento que s ocorre em determina-

    das pocas do ano. Os canais efmeros apresentam escoamento apenas du-

    rante as maiores precipitaes, cessando seu fluxo pouco tempo aps as chu-

    vas.

  • 26 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    2.2.3 Leito

    2.2.3.1 Perfil transversal

    Como leito fluvial entende-se o espao ocupado pelo escoamento das

    guas. Esse espao varia com a freqncia e com o volume das descargas e

    de um setor a outro do mesmo curso de gua, em decorrncia das caracters-

    ticas particulares do trecho, principalmente da topografia (inclinao do lei-

    to). Uma classificao do leito pode ser feita segundo as indicaes de Chris-

    tofoletti (1981) e da Federal Interagency Stream Restoration Working Group (FISRWG), 1998, que distinguem o leito de vazante, o leito menor, o leito maior e o maior excepcional (Figura 2.3).

    Figura 2.3: Tipos distintos de leito

    (adaptado de Christofoletti, 1981 e FISRWG, 1998).

    O leito menor e o de vazante correspondem parte ocupada pelas

    guas, cuja freqncia de ocupao impede o surgimento de vegetao. O

    leito de vazante marcado pela linha de mxima profundidade ao longo do

    canal, o talvegue. O leito maior de ocupao sazonal, durante as cheias, e o

    maior excepcional, somente durante as grandes enchentes (Cunha, 2001).

    O reconhecimento do perfil transversal com seus diferentes leitos e seu

    regime de ocupao pelas guas (freqncia e durao) um aspecto impor-

    tante e constitui pr-requisito para o emprego da bioengenharia no manejo de

    cursos de gua, tendo-se em vista que a vegetao uma de suas principais

    ferramentas.

    2.2.3.2 Perfil longitudinal

    O perfil longitudinal de um curso de gua mostra a variao da sua de-

    clividade ou gradiente ao longo de seu desenvolvimento, para diversos pon-

    tos situados entre a nascente e a foz. Trata-se tambm, de uma informao

    fisiogrfica, especialmente importante para a compreenso e o controle dos

    processos fluviais (Christofoletti, 1981).

  • O curso de gua 27

    A forma do perfil longitudinal de um curso de gua correlaciona-se, se-

    guramente, com suas demais caractersticas fisiogrficas e hidrulicas e,

    conseqentemente, relaciona-se com os processos fluviais.

    As configuraes longitudinais de um rio e a velocidade de suas guas

    dependem de diversos fatores, tais como do regime pluvial da rea de drena-

    gem, da constituio litolgica do substrato e da topografia, que intervm na

    declividade do canal. Conforme a regio percorrida, um rio pode possuir um

    gradiente heterogneo durante seu percurso, isto , a velocidade e, por con-

    seqncia, outras caractersticas, podem variar com a maior ou menor incli-

    nao do leito (Leinz & Amaral, 1978).

    A representao grfica do perfil longitudinal de um curso de gua

    simples e resulta na demonstrao do percurso, visto de uma perspectiva em

    corte longitudinal. A altitude demonstrada no eixo das ordenadas, com lei-

    turas que podem ser fixadas de acordo com a notao das curvas de nvel de

    que se dispe e, no eixo das abscissas, colocado o somatrio das distncias

    percorridas pelo curso de gua entre cada cota. A escala da altitude pode

    ser exagerada em relao ao percurso normalmente dez vezes com obje-

    tivo de tornar mais evidente as caractersticas do perfil.

    A FISRWG (1998) faz uma srie de correlaes lgicas, mas conve-

    nientemente elucidativas do comportamento de um curso de gua quando

    observado ao longo do desenvolvimento do seu perfil longitudinal (Figura

    2.4).

    Christofoletti (1981) afirma que um formato cncavo do perfil longitu-

    dinal reflete a maturidade do curso e o estabelecimento de um equilbrio en-

    tre os processos de eroso, transporte e depsito dos sedimentos, que ocor-

    rem, em regra, obedecendo ao tpico desenvolvimento longitudinal do curso

    de gua.

    Na primeira poro do perfil longitudinal os cursos de gua possuem

    grande capacidade de escavao, com uma poro intermediria de trans-

    porte e, ao final de sedimentao. Este comportamento se relaciona com a

    velocidade da gua, por sua vez governada (principalmente) pela declividade

    do leito que expressa pelo perfil longitudinal.

    Observando-se a Figura 2.4, percebe-se que, enquanto a profundidade e

    a largura do canal aumentam, aumentando a vazo, a velocidade mdia da

    gua e a ocorrncia de deslizamentos diminuem. O decrscimo na granulo-

    metria do material transportado est relacionado ao alcance das velocidades

    limites (crticas) de transporte correspondentes granulometria e densida-

    de de cada material, medida que a velocidade da gua diminui.

  • 28 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Figura 2.4: Mudana das caractersticas de um curso de gua

    ao longo do seu perfil longitudinal (FISRWG, 1998).

    Bibliografia

    AULITZKY, H.; FIEBIGER, G. U.; DIERA, N. Grundlagen der Wildbach und Lawinen-

    verbauung Volufige Studienbltter. Wien: Institut fr Wildbach und Lawinenverbauung. Univesitt fr Bodenkultur, 1990.

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    _____. Geomorfologia Fluvial o canal fluvial. So Paulo: Edgard Blcher, 1981.

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    morfologia uma atualizao de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 211-252.

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    nal, 1978.

  • O curso de gua 29

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    cher, 1982.

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    PINHEIRO, R. J. B. Estudo de Alguns Casos de Instabilidade da Encosta da Serra Geral no

    Estado do Rio Grande do Sul. 2000. Tese (Doutorado em Engenharia) - Universidade Federal

    do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.

    SCHUMM, S. A. River Morphology. Pennsylvania: DH&R, 1972.

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    drologia - cincia e aplicao. Porto Alegre: UFRGS Editora da Univ., ABRH, EDUSP, 1993.

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    mapeamento de Solos Ocorrentes na Depresso Central do Rio Grande do Sul. 1977, Disser-

    tao (Mestrado em Engenharia Rural) Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1977.

    STRELA, G. Grundriss der Wildbachverbauung. Wien, 1934.

    THIRY, E. Restauration des montagnes. Correction des torrents. Paris: Reboisements,

    1891.

  • Processos fluviais 31

    CAPTULO 3

    PROCESSOS FLUVIAIS

    3.1 Introduo

    O transporte de materiais slidos um dos aspectos mais importantes

    dos cursos de gua, especialmente daqueles com caractersticas torrenciais.

    Assim, as redes hidrogrficas so as principais vias para o transporte de pro-

    dutos elaborados pelo intemperismo.

    A movimentao de corpos slidos pela gua est relacionada com o

    comportamento de seu fluxo. Por um lado, enquanto o fluxo for normal, a

    movimentao pode se expressar em forma de eroses e transportes conside-

    rados normais ou, pelo menos temporariamente, inofensivos. Por outro lado,

    quando ocorrem vazes maiores, os movimentos podem incluir deslizamen-

    tos e desmoronamentos catastrficos, com transporte de grandes quantidades

    de materiais, constituindo problemas ecolgicos e tornando-se, muitas vezes,

    economicamente prejudiciais e perigosos. Como conseqncia, so comuns

    as deposies de materiais em reas indesejadas, os entupimentos de leitos

    naturais ou escoadouros artificiais, com diversas influncias danosas sobre o

    meio ambiente e economia.

    A compreenso dos mecanismos que determinam a estabilidade ou, ao

    contrrio, a movimentao de corpos slidos em um meio lquido um dos

    fundamentos para o manejo de cursos de gua. com base neste conheci-

    mento que se podem compreender os fenmenos e selecionar as tcnicas

    apropriadas para contornar ou minimizar os eventos considerados prejudici-

    ais. Para tanto, necessrio que sejam conhecidas as formas de transporte, as

    caractersticas de cada material e seus respectivos comportamentos ao serem

    carreados. Precisam-se compreender tambm os conceitos de velocidade li-

    mite de transporte, de tenso limite de eroso, de profundidade e declividade

    limites.

  • 32 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    3.2 Velocidade da gua

    A velocidade do fluxo depende, basicamente, da inclinao do leito.

    Quanto maior a inclinao do leito, maior ser a velocidade da gua e, por-

    tanto, maior ser sua capacidade de transporte de materiais. Isso torna a an-

    lise do perfil longitudinal de um curso de gua uma importante ferramenta

    para a compreenso dos fenmenos e processos fluviais (Aulitzky et al.,

    1990).

    No curso superior de um rio, isto , nas regies prximas das cabecei-

    ras, onde predomina a atividade erosiva e transportadora (Figura 2.4), h

    grande quantidade de detritos fornecidos pela eroso e por movimentos de

    massa das encostas, que se somam aos detritos originados da atividade erosi-

    va do prprio curso de gua. Nestas condies, o rio aumenta a profundidade

    de seu leito, determinando uma forma de vale em V. Em sua poro mdia, graas menor inclinao e velocidade das guas, o curso de gua diminui

    seu poder transportador, permitindo a deposio dos fragmentos maiores,

    que vo agora proteger seu fundo contra o trabalho erosivo. Com o aumento

    da deposio de detritos nas regies de menor velocidade, verifica-se uma

    mudana na configurao do leito (vale), que passar a ter a forma de um

    U bastante aberto e com base muitas vezes maior que a altura. A eroso, que antes era em profundidade (escavao do fundo), agora passa a ser, pre-

    dominantemente, lateral (Sawyer, 1975; Leinz & Amaral, 1978; Bordas &

    Semmelmann, 1993).

    No entanto, a velocidade da gua em seu curso, altera-se no s com a

    variao da declividade, mas, como demonstram Netto & Alvarez (1982),

    tambm no sentido transversal e longitudinal do leito e canal. De um modo

    geral, a velocidade da gua de um canal aberto diminui da superfcie para o

    fundo e do centro para as margens, como resultado da resistncia oferecida

    pelas paredes (margens) e pelo fundo (Figura 3.1). Na superfcie livre, a re-

    sistncia oferecida pela atmosfera e pelos ventos tambm influencia a velo-

    cidade.

    Figura 3.1: Variao da velocidade de um curso de gua.

  • Processos fluviais 33

    Verticalmente, a velocidade mxima ser encontrada em um ponto um

    pouco abaixo da superfcie. A velocidade mdia localiza-se aproximadamen-

    te a 0,6 da profundidade, a contar da superfcie, podendo ser melhor deter-

    minada atravs da mdia das velocidades obtidas a 0,2 e 0,8 da profundidade

    (Figura 3.2).

    Em uma perspectiva transversal ao curso de gua, a distribuio das ve-

    locidades fortemente influenciada pela geometria do canal (Bandini, 1956

    e Felkel, 1960). Devido ao atrito com o permetro molhado, formas com

    maior raio hidrulico (R) relao entre a rea da seo transversal e o pe-rmetro molhado tendem a ter menor perda de velocidade, conforme es-quema mostrado na Figura 3.3.

    Figura 3.2: Variao vertical da velocidade de um curso de gua

    (Netto & Alvarez, 1982).

    Nos canais naturais (assimtricos), as velocidades respeitam o padro

    geral da forma geomtrica aproximada, mas a zona de mxima velocidade

    deslocada do centro para o ponto de maior profundidade.

    A perda ou a transferncia de velocidade tambm se d com a existn-

    cia de quedas e/ou sobressaltos e com as mudanas no desenvolvimento ho-

    rizontal do curso. Nos canais meandrantes, as curvas causam uma resistncia

    adicional ao movimento do lquido (Figura 3.4), e a zona de maior velocida-

    de desloca-se, por fora inercial, para o raio externo das mesmas, com res-

    pectiva perda de velocidade no raio interno. Devido fora centrfuga pro-

    vocada pelo movimento da gua no trecho curvo, verifica-se uma sobreleva-

    o de nvel na parte externa da curva (Netto & Alvarez, 1982) e, segundo

  • 34 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Leinz & Amaral (1978), um deslocamento do eixo do rio, ou seja, da zona de

    maior velocidade, nesta mesma direo.

    Figura 3.3: Distribuio das velocidades da gua, em funo da geometria

    da seo transversal do canal (Lame, 1937 apud Christofoletti, 1981).

    Acompanhando o eixo do curso de gua, est maior fora erosiva e de

    transporte. O deslocamento do potencial de eroso e da capacidade de trans-

    porte, do centro para o raio externo da curva, causa a corroso da margem e

    o aprofundamento do leito, neste ponto. Esse aumento de profundidade pro-

    duz novo acrscimo na velocidade, deslocando ainda mais o eixo e cor-

    roendo novamente a margem em um processo contnuo e interativo.

    A linha pontilhada na Figura 3.4 mostra o deslocamento da zona de

    maior velocidade. V-se, nos perfis transversais I e III, situados em trechos

    retilneos, que a velocidade da gua tem distribuio simtrica e relativamen-

    te pequena prximo s margens. Ao contrrio, os perfis II e IV mostram

    grande velocidade da gua prximo ao raio externo das respectivas curvas.

    Como conseqncia ocorre a corroso da margem que, por si s, j

    fonte de sedimentos. E, como resultado do processo inicial de corroso, o

    problema se agrava ao surgirem os escorregamentos providenciados pelo

    desconfinamento da base do talude fluvial que forma a margem (Wolle,

    1988).

  • Processos fluviais 35

    Figura 3.4: Distribuio da velocidade da gua em pontos caractersticos

    de um curso mendrico (Weinmeister, 1994).

    As corroses e deslizamentos nos raios externos produzem os sedimen-

    tos que se depositam no raio interno das curvas seguintes. Com a ocorrncia

    sucessiva de deslizamentos e sedimentaes, durante um longo perodo de

    tempo, o canal pode tornar-se de tal maneira alargado e os meandros de tal

    forma complicados que deslocam o canal e suprimem trechos curvos, for-

    mando, assim, vrios braos mortos denominados paleomeandros (Figura

    3.5). Os paleomeandros, com as sucessivas enchentes, so lentamente entu-

    lhados por sedimentos finos (Sawyer, 1975; Leinz & Amaral, 1978).

    Figura 3.5: Seqncia da formao e supresso de um trecho curvo,

    at a formao de um paleomeandro (Campos, 1912).

  • 36 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Esta dinmica de agradao e degradao contnua caracterizam os tre-

    chos mendricos, dos cursos de gua de plancie.

    A formao de taludes fluviais instveis e, portanto, sujeitos movi-

    mentao, caracterstica dos raios externos dos trechos curvos, onde a ve-

    locidade da gua maior, mas no exclusiva destes. A presena de rvores

    ou touceiras de taquara cadas, pedras de grandes dimenses e depsitos de

    seixos no leito dos cursos de gua pode, de diversas maneiras, desviar a for-

    a da gua para as margens e iniciar a corroso, provocando a instabilidade

    do talude e diversas formas de deslizamento.

    3.3 Estabilidade de materiais fluviais

    A eroso provocada por um curso de gua resulta da escavao do seu

    prprio leito, fundo e margens, devido s constantes foras de cisalhamento,

    de trao, de toro e de compresso, exercidas, principalmente, pela turbu-

    lncia da gua. Essas foras hidrodinmicas, em um dado momento, podem

    superar as de resistncia (coeso e/ou peso das partculas), romperem agre-

    gados e incorporar partculas ao fluxo, disponibilizando-as ao transporte.

    Nesse processo, no apenas partculas individuais como areia, silte, argila,

    cascalho, seixos, etc., podem ser incorporadas ao fluxo, mas tambm peque-

    nas pores de agregados (Bordas & Semmelmann, 1993).

    Os materiais maiores, como areias, seixos e cascalhos (Tabela 3.1), no

    possuem coeso e, portanto, sua resistncia ao deslocamento funo apenas

    de seus respectivos pesos (densidade e volume). J a resistncia ao desloca-

    mento dos agregados de partculas finas como silte e argila , por excelncia,

    a fora de coeso (Tabela 3.2). De acordo com Morisawa (1968), a fora de

    cisalhamento provocada pela gua, decisiva para desagregar e iniciar o mo-

    vimento de partculas pequenas, enquanto a velocidade do fluxo, a varivel

    mais importante para iniciar o movimento das partculas maiores.

    Uma vez que os materiais estejam disponveis, eles podem ser transpor-

    tados, basicamente, de trs formas: dissolvidos na gua, como sobrenadantes

    ou em suspenso (Weinmeister, 1994).

    3.3.1 Materiais dissolvidos

    Os materiais em soluo na gua tm origem na dissoluo de sais en-

    contrados nas rochas e no solo. O transporte de materiais dissolvidos tem im-

    portncia relativamente pequena para o manejo de cursos de gua, quando o

    objetivo o escoamento sem causar danos. Sua ao, entretanto, pode-se fa-

    zer sentir na degradao das rochas ou do terreno na bacia de recepo. Por

    este ponto de vista, os materiais que se dissolvem com a gua podem ser

  • Processos fluviais 37

    considerados precursores da movimentao de materiais, por deix-los mais

    friveis e disponveis para o transporte.

    3.3.2 Materiais sobrenadantes

    Durante o perodo seco, muitos materiais (folhas, galhos, madeira, lixo,

    etc.) so acumulados prximos aos cursos de gua. Por ocasio das enchen-

    tes, as margens so inundadas, podendo recolher grandes quantidades deste

    tipo de material, que , ento, transportado boiando na superfcie. Tais mate-

    riais so depositados em outros locais, podendo causar vrios problemas que

    vo desde aspectos higinicos at entupimentos e conseqente desvios do

    leito normal.

    3.3.3 Materiais em suspenso

    O grupo mais importante de materiais transportados pelos cursos de

    gua so aqueles em suspenso. Este grupo pode ser subdividido em dois

    subgrupos:

    Materiais em suspenso propriamente ditos. Materiais em arraste e saltao.

    No primeiro subgrupo, enquadram-se as partculas que, oriundas da

    eroso ou do desgaste dos prprios materiais em transporte, se movimentam

    por longos trechos suspensos na massa de gua. Estes materiais depositam-se

    somente aps acentuada reduo da velocidade, ocasionada pelo alcance de

    trechos menos declivosos ou mais largos. Assim, enquanto houver fora para

    conservar as partculas acima da superfcie do leito, h o transporte atravs

    da suspenso.

    No segundo subgrupo, classificam-se os detritos que se movimentam desli-

    zando e rolando no leito do curso de gua ou dando pequenos saltos sobre o

    mesmo. Quando a partcula movimentada, h um soerguimento em relao

    superfcie do leito e ela se incorpora ao fluxo do fluido. A fora de soerguimento,

    porm, diminui rapidamente, desaparecendo quase por completo distncia de

    2,5cm do leito (Carson, 1971). Havendo diminuio da fora de soerguimento, se

    no houver fora de turbulncia suficiente para manter as partculas suspensas e

    integradas no fluxo, estas tendem a se depositar. Ao atingirem as proximidades

    do fundo, novamente podem ser movimentadas pela fora de soerguimento

    (Christofoletti, 1981), de forma que o movimento se d atravs de arraste e/ou

    saltao ao longo do escoamento do curso de gua.

    As razes para um ou outro comportamento so basicamente a dimen-

    so e o peso especfico dos detritos e a velocidade da gua. A Figura 3.6

  • 38 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    mostra a linha limite para o comportamento de um material em transporte.

    Abaixo da curva, o transporte ocorre em suspenso, enquanto que acima da

    mesma, em arraste.

    Uma partcula de 1 cm de dimetro, por exemplo, transportada em

    suspenso quando a velocidade da gua for superior a 6 m/s e, em arraste, se

    a velocidade for abaixo deste valor.

    Leinz & Amaral (1978), referindo-se ao assunto esclareceram que as

    rochas maiores so empurradas e freqentemente tombam, enquanto que sei-

    xos menores rolam e pulam num movimento desordenado, obedecendo s ir-

    regularidades do movimento turbilhonar, conseqncia das caractersticas do

    leito, da velocidade e viscosidade (densidade) da gua.

    Figura 3.6: Comportamento de material transportado, em funo de sua dimenso

    e da velocidade da gua (Weinmeister, 1994 modificado).

    Hjulstrom (1935) apud Christofoletti (1974, 1981) tambm relaciona a

    eroso e a deposio dos detritos em funo do dimetro das partculas e da

    velocidade da gua (Figura 3.7). O mesmo autor lembra, corretamente, que

    as linhas demarcatrias da Figura 3.7, devem ser entendidas como faixas,

    porque as velocidades variam tambm conforme outras caractersticas da

    gua e das partculas. Sobre este aspecto, importante o trabalho de Mayer

    (1941), que descreve matematicamente estas relaes (Item 3.5, Frmulas

    3.6 a 3.11).

    Desta maneira, o enquadramento de uma partcula slida como material

    em suspenso ou em arraste, pode ser alterado, quando ocorrer modificao

    na velocidade da gua.

    No caso dos processos fluviais, e com vistas estabilizao dos cursos

    de gua, a forma mais importante de transporte a de suspenso, incluindo

  • Processos fluviais 39

    neste conceito os dois subgrupos definidos por Weinmeister (1994): suspen-

    so propriamente dita arraste e/ou saltao.

    Mesmo que outras variveis influenciem na movimentao, entende-se

    como suficiente a relao existente entre o dimetro da partcula transporta-

    da e a velocidade da gua. Assim, o grfico de Hjulstrom presta-se para evi-

    denciar que as foras de resistncia eroso e ao transporte so de origens

    diferentes para as partculas finas (coloidais) e para os materiais maiores. A

    anlise da Figura 3.7 mostra claramente que, abaixo de 0,3 mm, quanto mais

    finas as partculas, maior ser a velocidade da gua necessria para desagre-

    g-las e p-las em transporte. Tratando-se de substratos constitudos por par-

    tculas coloidais, a resistncia eroso se manifesta devido s suas foras de

    coeso, relacionando-se, portanto, de maneira inversa ao seu dimetro, desde

    que se desconsidere a natureza mineralgica das partculas, que pode confe-

    rir caractersticas coesivas diferentes para materiais de dimenses similares.

    Na parte central do grfico de Hjulstrom, esto as partculas que corres-

    pondem ao dimetro mdio das areias e dos cascalhos finos, onde a velocida-

    de necessria para movimentao baixa. Esses materiais no possuem coe-

    so e nem peso suficiente para oferecer maior resistncia ao transporte. No

    entanto, medida que o tamanho dos materiais aumenta, comea a surgir o

    efeito, agora direto, do peso da partcula na resistncia ao movimento, e a ve-

    locidade necessria para provocar eroso e transporte comea a crescer no-

    vamente. Conforme Leinz & Amaral (1978), o dimetro dos materiais mais

    grosseiros (com mesma densidade), transportados pela corrente, varia apro-

    ximadamente com o quadrado da velocidade. Assim, se a velocidade apenas

    dobrar, a gua poder transportar partculas com dimetro quatro vezes maior.

    Outra importante constatao evidenciada na Figura 3.7 a grande di-

    ferena especialmente para as partculas menores entre a velocidade ne-cessria para a eroso e transporte (linhas cheias) e para a deposio (linha

    pontilhada) de um mesmo material. Para a eroso de uma partcula de 0,1mm,

    por exemplo, a velocidade da gua deve estar em torno de 30cm/segundo,

    enquanto que, para sua deposio ela precisa baixar para menos de 1cm/se-

    gundo.

    Para as partculas coloidais nem mesmo ocorre a deposio efetiva; isso

    deve-se ao fato de que essas partculas no possuem o tamanho e a densidade

    suficientes para romperem a resistncia do meio fluido em que esto envol-

    tas, o que impede ou refreia sua queda para o fundo. Tal fato oportuniza que

    as mesmas sejam novamente colocadas em movimento, sobretudo pelo efeito

    de turbulncia prximo ao fundo. Por isso, so importantes os estudos de

    Bordas & Semmelmann (1993), pois, alm de reconhecerem os fenmenos

    de eroso e transporte, segregam a sedimentao em decantao, depsito e

    consolidao. Os dois primeiros termos, normalmente se confundem; decan-

  • 40 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    tao, no entanto, designa o momento no qual as partculas mais finas, trans-

    portadas em suspenso, param e tendem a restabelecer contato com o fundo.

    A deposio propriamente dita s ocorre quando a partcula realmente alcan-

    a o fundo e a permanece at ser novamente movimentada ou, finalmente,

    consolidada pelo efeito da presso hidrosttica ou qualquer outro fenmeno

    que venha a aumentar a densidade dos depsitos.

    Figura 3.7: Relao entre a velocidade da gua, tamanho das partculas e

    processos fluviais (Hjulstrom, 1935 modificado).

    A velocidade necessria para romper as eventuais foras coesivas dos

    materiais coloidais, soerguer e manter a partcula incorporada ao fluxo , de

    maneira evidente, maior que a necessria para que (somente) seja mantido

    este ltimo estgio. J para as partculas maiores, a velocidade necessria pa-

    ra coloc-las em movimento e para mant-las neste estado muito parecida.

    Assim, a velocidade limite de transporte pode ser compreendida como a ve-

    locidade necessria para colocar materiais em movimento ou, ento, para

    mant-los em movimento.

    Tendo em vista estes aspectos, Morisawa (1968) explica:

  • Processos fluviais 41

    a) areias so erodidas mais facilmente, enquanto siltes, argilas e casca-

    lhos so mais resistentes. Os gros mais finos so resistentes em virtude das

    foras coesivas de ajustagem e da fraca rugosidade que costumam conferir

    ao leito, enquanto que os cascalhos so difceis de serem movimentados em

    virtude do seu tamanho e peso;

    b) desde que os siltes e argilas sejam erodidos (movimentados), essas

    partculas podem ser transportadas sob velocidades muito baixas. Partculas

    de 0,01 mm de dimetro, por exemplo, comeam a ser movimentadas sob ve-

    locidades crticas de aproximadamente 60 cm/s, mas conservam-se em mo-

    vimento at sob velocidades inferiores a 0,1 cm/s.

    3.4 Transporte fracionado e transporte em massa

    Em razo das caractersticas dos cursos de gua, os materiais carreados

    podem apresentar diversas dimenses e se comportar de diferentes formas.

    De conformidade com o processo, pode-se diferenciar o transporte parcial,

    tambm dito transporte fracionado, e o transporte em massa.

    Devido s diferentes velocidades limites de transporte de cada material,

    resulta que estes podem, freqentemente, ser transportados com velocidades

    diferentes, segundo o seu peso e dimenses: os menores mais rapidamente e

    os maiores de forma mais lenta. Os menores percorrem grandes trechos em

    suspenso, enquanto que os maiores, em arraste ou saltao. Quando assim

    ocorre, o transporte dito parcial ou fracionado.

    O transporte parcial proporciona o sortimento de partculas quando

    ocorre a sedimentao: na montante depositam-se os materiais maiores, en-

    quanto que os de menor granulometria so depositados em trechos situados

    mais abaixo (Figura 3.8).

    Existem muitas ocasies, em que os materiais so transportados em

    conjunto, apresentando a mesma velocidade. Nestes casos diz-se que h

    transporte em massa. Este tipo de transporte caracterstico das torrentes de

    lama, que ocorrem quando h enchentes muito grandes, em locais de alta de-

    clividade. No transporte em massa, os movimentos individuais, independen-

    temente do tamanho dos materiais, so impedidos pelos materiais vizinhos e

    todos assumem uma velocidade mdia, praticamente comum.

    Quando ocorre um transporte em massa o sortimento de partculas tpi-

    co do transporte fracionado no pode ser identificado. Em alguns casos, po-

    de-se at observar um sortimento contrrio: os menores materiais, com me-

    nor quantidade de movimento, podem depositar-se antes que os maiores.

  • 42 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Figura 3.8: Deposio (ilhas) de diferentes materiais no Arroio Guarda-Mor,

    ao longo de seu perfil longitudinal - Faxinal do Soturno, RS.

    Com base na forma de transporte de materiais, Thiery (1891) prope

    uma classificao do regime de uma torrente:

    Regime normal Perodo de estabilidade Cheia moderada Perodo de transporte parcial Cheia grande Perodo de transporte em massa Cheia excessiva Formao de fluxos de lamas.

    3.5 Movimentao de materiais coesos

    Enquanto que, para os materiais desagregados, no coesos, o fator de-

    terminante da movimentao o tamanho (peso) das partculas, em materiais

    coesos os componentes mantm-se unidos por foras eletrostticas. Para de-

    sagregar e movimentar os materiais com coeso necessrio o rompimento

    das foras eletrostticas, que se contrapem s foras de eroso.

    Por um lado, a eroso hdrica de material coeso determinada pela sua

    composio mineralgica, umidade, porosidade e pelas caractersticas da

    gua, que provoca o fenmeno. A capacidade de coeso de um agregado

    tanto maior, quanto menores forem as partculas que o compem. A alta re-

    sistncia de um solo argiloso seco, por exemplo, deve-se ao grande nmero

    de ligaes entre as partculas. Entretanto, em razo de sua polaridade, a

    gua tem grande afinidade com outros materiais igualmente polares e pode,

    ao ser incorporada, diminuir o nmero de ligaes entre as partculas e, con-

    seqentemente, a resistncia do agregado.

    Por outro lado, no fundo de um leito, so constantemente exercidas for-

    as de cisalhamento, de trao, de toro e de compresso, devido turbu-

  • Processos fluviais 43

    lncia da gua. Estas foras, em um dado momento, podem superar as foras

    de coeso, romper o agregado e transportar suas partculas. Para cada tipo de

    substrato existe, portanto, uma tenso de cisalhamento, a partir da qual, o

    material at ento estvel, entra em movimento. Esta tenso, caracterstica de

    cada substrato, conhecida como tenso limite de eroso, e corresponde ao

    componente do peso da gua, paralelo ao fundo do leito (Du Boys, 1879),

    (Figura 3.9).

    Figura 3.9: Deduo grfica da tenso de eroso ().

    Formalmente, a tenso de eroso exercida no fundo de um curso de

    gua pode ser descrita por (Du Boys, 1879):

    Ipg (3.1)

    onde:

    = tenso de eroso (kg/m2) = peso especfico da gua (kg/m3) g = acelerao da gravidade (9,81 m/s

    2)

    p = profundidade da gua (m)

    I = inclinao do leito (tg )

    A tenso de eroso tanto maior, quanto maior for a profundidade, o

    peso especfico da gua e a sua velocidade, representada indiretamente na

    frmula, pela inclinao do leito.

  • 44 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    A Frmula 3.1 tem validade quando a relao entre a largura e profun-

    didade do leito superior a 30. Quando esta relao for inferior a este valor,

    no lugar da profundidade (p) utiliza-se o raio hidrulico R = A / U (A = rea

    da seo dividida por U = permetro molhado).

    A frmula tambm diferente para a estimativa da tenso de eroso nas

    margens. Os tratamentos nas margens, muitas vezes, no so feitos da mes-

    ma forma at o fundo do leito, ficando acima deste. Assim, a profundidade a

    considerar para o clculo da tenso nas margens, no corresponde profun-

    didade total do leito (p), mas apenas quela que se encontra sob tratamento

    (p1) (Figura 3.10).

    Figura 3.10: Desenho esquemtico de uma seo de vazo,

    evidenciando a profundidade total (p) e a de tratamento (p1).

    Para a relao largura/profundidade (l/p) 30, a tenso existente nas margens pode ser calculada por:

    Ipg 1 (3.2)

    e, para relao largura/profundidade (l/p) 30, por:

    Ip

    pg 1 (3.3)

    onde:

    p1 = profundidade do tratamento (vide Figura 3.10)

    demais variveis idem Frmula 3.1.

    A partir do clculo da tenso de eroso existente (ou esperada para de-

    terminadas magnitudes de cheias) tem-se um dado que pode ser comparado

    com a tenso permitida por diferentes substratos (Tabelas 3.1 e 3.2) permi-

    tindo prever o comportamento do fundo e das margens.

  • Processos fluviais 45

    As duas tabelas seguintes foram retiradas da norma alem (DIN 19

    661), citada por Weinmeister (1994), e estabelecem a tenso de eroso per-

    mitida para substratos sem coeso (Tabela 3.1) e com coeso (Tabela 3.2).

    Tabela 3.1: Tenso de eroso permitida

    para diferentes substratos desagregados (DIN 19 661).

    SUBSTRATO (sem coeso) Granulometria (mm) (mx.) (N/m2)

    Areia fina 0,06 a 0,02 1,0

    Areia mdia 0,2 a 0,6 2,0

    Areia grossa 0,6 a 1,0 3,0

    Areia muito grossa 1,0 a 2,0 4,0

    Areia e cascalho sob longa submerso 0,6 a 6,3 9,0

    Areia e cascalho sob curta submerso 0,6 a 6,3 12,0

    Cascalho mdio 6,3 a 20,0 15,0

    Cascalho grosso 20,0 a 63,0 45,0

    Sedimento achatado (1-2 x 4-6 cm) 50,0

    Tabela 3.2: Tenso de eroso permitida

    para diferentes substratos com coeso (DIN 19 661).

    SUBSTRATO (com coeso) (mx.) (N/m2)

    Areno-argiloso 2,0

    Deposies argilosas 2,5

    Argila firme 12,0

    Cascalho e argila sob longa submerso 15,0

    Cascalho e argila sob curta submerso 20,0

    Ao confrontar a tenso de eroso existente (calculada pelas Frmulas

    3.1, 3.2 ou 3.3) com a tenso de eroso mxima permitida (Tabelas 3.1 e

    3.2), alm de se averiguar a estabilidade do trecho em questo, pode-se, in-

    versamente, determinar a profundidade limite e a declividade limite de ero-

    so, pressupondo-se que seja conhecido o tipo de substrato.

    Para uma tenso limite de eroso conhecida, fixando-se ou tendo limi-

    tao de valores para a profundidade (p), pode-se deduzir a declividade limi-

    te (I), pela inverso da Frmula 3.1.

    pg

    I

    (3.4)

  • 46 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    De maneira similar, se o fator limitante for a declividade pode-se cal-

    cular a profundidade limite por:

    Ig

    p

    (3.5)

    3.6 Movimentao de materiais singulares

    Em conseqncia da desagregao das rochas na bacia de recepo e da

    eroso do fundo e das margens do leito, acumulam-se nos cursos de gua

    materiais de diversas dimenses. Quando sobrevm uma cheia suficiente-

    mente grande, muitos materiais, dependendo de sua granulometria, forma e

    peso especfico, podero entrar em movimento.

    Quando a gua com uma velocidade qualquer, se choca com um slido

    totalmente imerso e apoiado no fundo do leito, exercem-se sobre este foras

    dinmicas, tanto na sua face montante, como nas suas laterais e na face

    jusante. Assim, para cada slido, existe uma velocidade da gua, a partir da

    qual este sai de seu estado de repouso e entra em movimento. A Figura 3.11

    representa um slido qualquer, imerso no fundo do leito, com gua fluindo

    em certa velocidade.

    Figura 3.11: Esquema de um slido submetido fora de impulso da gua.

    A fora de impulso exercida pela gua sobre o corpo representado na

    Figura 3.11 expressa pela frmula da impulso hidrulica de Newton:

    2g

    vAF

    2

    (3.6)

    onde:

    F = fora de impulso (g)

    = peso especfico da gua (g/cm3) A = rea da face de encontro (a c) (cm2)

  • Processos fluviais 47

    v2/2g = altura geratriz da velocidade (m)

    v = velocidade da gua (m/s)

    g = fora de gravidade (m/s2)

    = coeficiente para forma do corpo 1,46 para corpos angulosos e

    0,79 para corpos arredondados

    Por outro lado, o corpo apoiado no fundo do leito possui um peso total

    P. Seu peso normal, portanto, dado por:

    P cos (3.7)

    e oferece uma resistncia (R) movimentao cuja magnitude proporcional

    ao seu coeficiente de atrito (f).

    R = f P cos (3.8)

    Mas, como o corpo est submerso, seu peso dentro da gua igual ao

    seu volume, multiplicado pela diferena de seu peso especfico prprio (1) e o peso especfico da gua (). O valor de P pode, ento, ser substitudo por abc (1).

    Assim, a resistncia do corpo ao movimento (R), pode ser descrita por:

    coscbafR1

    (3.9)

    onde:

    R = fora de resistncia (g)

    1 = peso especfico do corpo slido (g/cm3)

    = peso especfico da gua (g/cm3) = ngulo de inclinao do leito f = coeficiente de atrito entre o slido e o leito (mdio 0,76)

    a, b, c = dimenses do corpo slido (cm)

    Haver equilbrio quando a fora de atrito (R) for maior ou, no mnimo,

    igual a fora de arraste (F).

    F R

    coscba)( f2g

    vca 1

    2

    (3.10)

  • 48 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    Estabelecido o equilbrio, qualquer aumento nos termos do lado es-

    querdo da equao, ou qualquer diminuio dos valores das variveis do lado

    direito da mesma, proporcionar um desequilbrio e o corpo poder entrar

    em movimento. Pela transformao da igualdade anterior ocorrer equi-

    lbrio, exatamente quando a velocidade da gua (agora representada por W)

    for (Mayer):

    cosbf2gW 1

    (3.11)

    velocidade (W), descrita pela frmula anterior, d-se o nome de ve-

    locidade limite de transporte do slido considerado (Tabela 3.3). Qualquer

    aumento da velocidade W provocar um estado de desequilbrio e o slido

    entrar em movimento. Como j comentado, existem duas formas de inter-

    pretar a velocidade limite de transporte. A primeira delas a define como a ve-

    locidade necessria para colocar materiais em movimento, ao passo que a

    segunda, a entende como a velocidade necessria para a deposio de mate-

    riais.

    A Tabela 3.3 apresenta valores de velocidade limite de transporte para

    materiais de diferentes dimenses (Mayer, 1941). Du Boys mediu a veloci-

    dade mnima para manter materiais em movimento, ao passo que autores

    alemes, no Rio Reno, e Telford apresentam a velocidade mnima para colo-

    car em movimento materiais que se encontravam em repouso. A diferena

    entre os valores pode ser atribuda ao emprego de conceito e metodologia di-

    ferentes. A ltima coluna formada pelo emprego da Frmula 3.11, simpli-

    ficada ao se desprezar a influncia do cos por ter valor prximo a 1 e ao assumir-se valores constantes para o peso especfico da gua (1000 kg/m

    3) e

    dos sedimentos (2400 kg/m3), para o coeficiente de atrito (0,76) e para mate-

    rial anguloso (coeficiente de forma: 1,46).

    Com estas simplificaes, a velocidade limite de transporte pode ser

    descrita por:

    14.bW (3.12)

    A Frmula 3.11 mostra claramente que, para cada slido, em cada si-

    tuao de declividade e de peso especfico da gua, existe uma velocidade

    limite de transporte particular. Assim, por exemplo, slidos de pequenas di-

    menses e baixo peso especfico, entram em movimento mais facilmente, is-

    to , tem velocidade limite de transporte menor do que os maiores e mais

    densos.

    Observando-se os termos da Frmula 3.10, constata-se que o equilbrio,

    ou seja, a estabilidade dos materiais, depende de dois grupos distintos de fa-

  • Processos fluviais 49

    tores. De uma parte, o equilbrio depende de um conjunto de caractersticas

    intrnsecas do material em questo como: sua forma, dimenso, peso espec-

    fico e coeficiente de atrito. De outra parte, o equilbrio influenciado pelas

    caractersticas da gua, isto , seu peso especfico (viscosidade) e velocida-

    de, expressa pelo ngulo de inclinao do curso de gua.

    Tabela 3.3: Velocidade limite de transporte para materiais de diferentes dimenses.

    Na ltima coluna W foi calculado pela Frmula 3.12

    Du Boys Rio Reno Telford W

    0,05 0,081 0,152 0,026

    0,10 0,108 0,037

    0,20 0,162 0,053

    0,25 0,305 0,059

    0,50 0,216 0,084

    4,00 0,750 0,609 0,235

    8,00 0,325 0,900 0,333

    25,0 0,650 0,914 0,590

    50,0 0,975 0,820

    75,0 1,590 1,025

    100,0 1,800 1,182

    Velocidade limite de transporte (m/s)b (mm)

    O coeficiente de atrito, a forma, assim como a dimenso b do material,

    podem ser modificados com vistas estabilizao. Pela anlise da Figura

    3.11, verifica-se que a dimenso b do material, isto , aquela que se encontra

    paralela ao sentido do fluxo da gua, determinante para a velocidade limite

    de transporte. Quanto maior o valor de b, tanto maior dever ser a velocidade

    da gua, para causar movimentao. Esta constatao pode ser usada para es-

    tabilizao, arranjando os materiais com sua maior dimenso posicionada no

    sentido da corrente. Por outro lado consegue-se modificar simultaneamente,

    a forma, a dimenso b e o coeficiente de atrito, na medida em que seja poss-

    vel a unio dos diversos materiais do leito, de maneira a obrig-los ao traba-

    lho solidrio. Esta unio pode ser de diversas formas, como ser visto mais

    adiante, no Captulo 7.

    Pela observao da Frmula 3.10 depreende-se, ainda, que o equilbrio

    funo da velocidade limite de transporte e do peso especfico da gua.

    guas barrentas ou transportando outros materiais em suspenso conseguem,

    portanto, colocar em movimento materiais, cuja velocidade limite de trans-

    porte s seria alcanada com maior velocidade, se as guas fossem limpas.

    Este fato no pode ser usado diretamente no controle dos cursos de gua, to-

  • 50 Miguel A. Durlo e Fabrcio J. Sutili | Bioengenharia Manejo Biotcnico de Cursos de gua

    davia seu conhecimento alerta para a necessidade de cuidados especiais para

    a estabilizao.

    Por outro lado, a velocidade limite de transporte depende da inclinao

    do leito, expressa pelo cos . Assim, quanto maior a inclinao do leito, maior ser a velocidade da gua e, portanto, maior ser sua capacidade de transpor-

    te de materiais. medida que a declividade aumenta, maiores materiais te-

    ro sua velocidade limite de transporte alcanada. Com base neste fato, fo-

    ram desenvolvidos mtodos de controle de cursos de gua (especialmente

    para os de comportamento torrencial), que tem como objetivo primrio a di-

    minuio da velocidade da gua.

    3.7 Formas de interferir no transporte de materiais

    3.7.1 Saturao

    A saturao de um curso de gua corresponde a uma situao que,

    menor adio de carga, isto , de materiais slidos, provoca-se uma deposi-

    o simultnea (Mayer, 1941).

    Quando em guas lmpidas, com velocidade v1 qualquer, adiciona-se

    partculas slidas, a quantidade de movimento no mudar, mas a velocidade

    ir diminuir de v1 para v. A saturao ser atingida quando v1 for diminuda

    para v, e esta for igual velocidade limite de transporte (W) para um deter-

    minado material que est sendo transportado. Assim, pode-se compreender

    que um curso de gua, que est provocando eroso, estar simultaneamente

    depositando materiais.

    3.7.2 Perfil de compensao

    Um curso de gua com caractersticas torrenciais est, freqentemente

    escavando seu leito ou suas margens, devido ao poder erosivo de suas guas,