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Bocage - A Virtude Laureada

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A virtude laureada

Manuel Maria de Barbosa du Bocage

A virtude laureada

Ttulo: A virtude laureada

Drama Recitado no Teatro do Salitre

Autor: Manoel Maria de Barbosa du Bocage

Composto, e Dirigido ao Reverendssimo Padre Mestre Fr. Jos Mariano Da Conceio Veloso,

Administrador da Impresso Regia, e Deputado da Junta Econmica, Administrativa, e Literria da mesma Impresso, etc. etc.

http://groups.google.com/group/digitalsource

Por seu muito devedor, e amigo

Manoel Maria de Barbosa du Bocage

Lisboa,

Na Impresso Regia

Ano M.DCCC.V.

Por ordem superior.

ADVERTNCIA.

Seria injustia exigir o desempenho de todos os Preceitos Dramaticais numa composio deste gnero, cujo mrito essencial aprazer aos olhos por meio do espectculo, e variedade das Cenas.

Nudo... occurrit, per se pulcherrima, Virtus.

Cardos. Cant. de Tripol.

Ao Reverendssimo Padre Mestre e Senhor Fr. Jos Mariano da Conceio Veloso.

EPSTOLA.

Qual dentre as rotas, nufragas cavernas

Do lenho que se abriu, desfez nas rochas,

Colhe afanoso, deplorvel Nauta

Relquias tnues, com que a vida est,

Em erma, ignota praia, a que aboiaram,

E onde a custo o remio propcia antena:

Tal eu, que da Existncia o Pego, o Abismo,

(De que assumam, rebentam, rugem, fervem

Rochedos, Escarcos, Tufes, e Raios)

Tal eu, que da Existncia o Mar sanhudo

Vi romper meu Baixel, e arremessar-me

A inspitos montes de estranha rea,

Triste recolho os mseros sobejos,

Com que esvado alento instaure, esforce,

E avive os dias, que amorteo em mgoas.

Em ti, constante, desvelado Amigo,

Demando contra a Sorte asilo, e sombra;

Oh das Musas Fautor, de Flora Aluno!

(Rasgado o vu da Alegoria) estende

Ao Metro, que desvale, a Mo, que presta.

Se azas lhe deres, em suave adejo

De Lsia ao seio, que a Virtude amima,

Dela Cultores, voaro meus Versos,

E o Ptrio, doce Amor ser-lhe- piedoso.

Bocage

ACTORES.

A Cincia.

A Hospitalidade.

A Indigncia.

A Polcia.

A Libertinagem.

O Gnio Lusitano.

ACTO NICO

Praa magnfica sobre as Margens do Tejo.

CENA I

A Cincia por um lado, e a Indigncia por outro, com a Hospitalidade.

Cincia

Eu, que elevo os Mortais, e os esclareo,

Que meo a Lua, o Sol, que o Mundo abranjo,

Que da vetusta Idade aclaro as sombras,

Que entro por seus arcanos, e revoco

Dentre o p, dentre a cinza, dentre o Nada

Ao Sculo vivente as Eras mortas;

Que dcil fiz o indmito Oceano,

Abismo de pavor, de bojo imenso,

Que s por alta Lei no sorve a Terra;

Eu, do gro Jove, Confidente e Imagem,

Que do Fado os Mistrios desarreigo,

E com a Moral dos Cus cultivo o Globo;

Eu, a Cincia, eu Fonte, eu Me das Artes,

Que sei desirmanar na Inteligncia

Entes, na forma iguais, na espcie os mesmos,

Tornando-os entre si to desconformes,

Qual dista do Selvagem bruto, e fero,

Macio Cidado, que as Leis poliro,

Ah! no posso impetrar, colher dos Numes

Para os Alunos meus pavs sagrado

A teus golpes, Fortuna, inteiro, ileso!

Sem que benigna mo lhe adoce os Fados,

Sem que escassa piedade o chame vida,

De viglias mirrado o Sbio morre.

Almas corrompe do Egosmo a peste;

Cames, Homeros na penria cantam:

Ei-los com a glria temperando a sorte;

Soam prodgios de hum, prodgios de outro;

Frrea Caterva os ouve: admira, e foge.

S quando o Vate cinza, o muito nada,

Por eles se interessa o Mundo ingrato;

Na gloria estril de Epitfio triste

Slidos bens o Brbaro compensa:

Contraditria Umanidade insana!

No insensvel sepulcro os Sbios honra,

E os Sbios no remio na desventura!

Quais eles foram diz, no diz, qual fora:

Nas almas frias o remorso mudo.

Ai dos Alunos meus! Socorre-os, Fado,

Risca do Livro eterno o duro artigo,

Que ao Mrito, ao Saber seus prmios veda;

Aquece os Coraes no ardor da Glria,

Fraterniza os Mortais; onde suspiram,

Os poucos Filhos meus com a Me prosperem,

E onde com seus inmeros sequazes

Colhe triunfos, a Ignorncia gema.

Indigncia

Me venervel, teu queixume ouvindo.

Amarga-me da vida o fel em dobro.

A filha tua, a msera Indigncia,

Que muda te escutou piedosas mgoas,

Contigo vem gemer, carpir contigo

A moral corrupo, que empesta o Globo.

Plagas e Plagas, entre as Scias minhas,

Entre as mansas Virtudes, hei vagado.

Pela voz da Pureza (a que de todas

A mais formosa) deprequei o auxlio

De inchado Corteso, que um Deus se cria.

Melindre, Candidez, virgnea Graa

(Qual flor, em que era orvalho o doce pranto)

Aos olhos do Soberbo exps seus males.

De gesto aceso, ovante, ele a contempla,

Nem um momento dor constrange o vicio:

Em vil proposio, que as Frias ditam,

Profana da Inocncia o casto ouvido,

E em cambio da virtude exige o crime.

Cincia

Cus! Que infmia! Que horror! Prossegue, Filha,

Sucumbiu a Inocncia vil proposta?

Indigncia

No, que nos olhos meus velavam Deuses,

Fautores da Virtude: escuta e folga.

O celeste rubor, que tinge a Aurora,

Sobe face gentil, e as rosas brilham,

Mas sbito tremor branqueei-as logo;

Ei-la, de olhos no Cu, recua e geme:

Eu, porm, que no efeito observo a causa,

Ao sedutor pestfero arrebato

O objecto divinal, que o torna um Monstro.

Cincia

Olha o Cu na Inocncia a imagem sua.

Indigncia

Murchas no horror do abominvel caso,

Inda contudo as esperanas minhas

Levei de lar em lar; devendo a poucos

Piedade acidental, bati cem vezes

s surdas portas de sumido Avaro,

(Sumido em subterrneo abismo de oiro)

Falara o Monstro, se falasse a Morte,

O silencio dos tmulos o abrange

Ante o metal (seu Deus), que em frreos Cofres

Com a vista faminta o Vil devora

Servos dele (o poder tal do exemplo!)

Depois de longo espao, e vs instncias,

Com um desabrido - No - me afugentaram.

Cincia

De tudo ha Monstros mil na Espcie humana,

Mas todos vence da Avareza o Monstro.

Indigncia

Atende ao mais, e adoars teu pranto.

Do centro da Impiedade em fim retiro

Os fatigados ps, e os guio aos Campos,

Absorta nas imagens carinhosas,

Com que afagais a ideia, oh ureos Tempos.

Cincia

Se ali no ha Virtude, onde que existe!

Indigncia

Pobre choupana, que forravam colmos,

Humildes lares, que zelava um Nume,

Atraem meus olhos, e meu passo animam.

Chego, e curvo Ancio, que ali repousa,

Grande em seu nada, na indigncia rico,

Sorrindo-se, me acolhe, amima, e nutre.

Santa Hospitalidade! Eras a Deusa,

Que o rugoso Varo, madura Esposa,

E imberbe Prole sua, abenoava!

Com milagrosas mos os parcos frutos

Nas arvores fadadas avultando,

Para os errantes, plidos Mesquinhos,

Que eterna Providencia l dirige,

Leda colhias saboroso alento,

E qual outrora a um Deus, incluso no Homem,

Muito do pouco a teu querer surgia.

Hospitalidade

Conferiu-me esse dom quem t no insecto

Prov, do que lhe cumpre, a tnue vida.

Deixando influxos meus no casto albergue,

Onde Beneficncia e Paz convivem,

Acompanhar-te quis ao vasto Emprio

De Lsia, do Universo, Gro Cidade,

Que espelha os Torrees no vtreo Tejo,

Donde sagradas Leis despede ao Ganges.

O Globo puro aqui, e aqui parece

Estar inda na Infncia a Natureza,

Bela, serena, cndida, inocente:

Prncipe amado, imitador dos Numes,

Ao Pblico Baixel meneia o leme;

Numera os dias seus por Dons, por Graas,

E o Mrito sem susto encara o Trono:

Se o gravame do ceptro acaso inclina,

sobre os ombros de Ministros puros,

Dignos do alto esplendor, que sai da escolha.

Um deles, cujo nome caro aos justos,

Que tem, que exerce o Ministrio santo

De velar sobre o pblico Repouso,

Que encarcera, agrilhoa, oprime o vicio,

O contagio dos mos aos bons evita,

E em piedoso Recinto abriga, instrui

A Puercia, que em flor dispe ao fruto,

Luceno, o Zelador dos sos costumes,

Pai do Infortnio, da Cincia amigo,

Guarida vos promete, exponde, exponde

Ao Ministro exemplar, meu claro Aluno,

A vossa condio: vereis descer-lhe

Dos olhos Paternais amvel pranto,

Proveitoso, eficaz, no pranto estril,

Que momentneas sensaes produzem,

E o Mrito infeliz, qual viram, deixam.

Em Luceno o favor segue a piedade,

Mortal, que os Imortais sem custo imita,

E o bem, s porque bem, desenha, opera.

Eia, vinde: eu vos guio aos bem fazejos

Lares seus, Lares meus; sereis ditosas,

Oh Cincia! Oh Penria: os Cus o ordenam.

CENA II

O Gnio da Nao, e as mesmas.

O Gnio da Nao.

Os Cus o ordenam, sim, vai, guia, oh Deusa,

Essa ilustre Infeliz, e a mesma Prole

Ao Magistrado exmio, ao Grande, ao Justo;

Cessem queixumes, esperanas folguem.

Ide, o Gnio de Lsia, eu que dos Deuses

Tive alta comisso de olhar por ela,

De engrandecer-lhe, de afinar-lhe a Glria,

E honr-la de opulncia incorruptvel;

Eu, que espontneo dera o gro de Nume

Por este, que exercito, augusto emprego

De escudar Lsia com pavs dos Fados,

Oh Penria! oh Cincia! Eu vos abono

Do Ministro sem par, favor, e asilo.

Cincia

O Cu por ti se exprime: o Cu no mente;

Orculo de Jove, eu te obedeo:

Vejo sorrir-se ao longe amigos Fados;

Guia-me, Deusa.

Hospitalidade

Guio-te ventura. (vo-se.)

CENA III

O Gnio s.

Tereis o galardo, tereis o loiro

Que virtude compete, imota, ilesa

Entre os duros vaivns de inqua, sorte:

Desgraado o Mortal, se o cho no trilha

Por onde a mo de Jove arreiga espinhos,

Que sbito depois converte em flores!...

Mas que ufano Baixel retalha o Tejo! [1]

Brincam no tope flmulas cambiantes,

E cambiante bandeira as ondas varre:

Eis voa, eis se aproxima!.. Um quase monstro,

De aspecto feminil, tigrinas garras,

De traje multicor, lhe volve o leme!

Que Turba enorme sua voz mareia!

E o ferro curvo, e negro ao fundo arroja!

Desce a vaso menor a horrvel Fria,

Reconheo-lhe o rosto, os fins lhe alcano....

L vem, l toca sobre a rea e salta.

Inimiga dos Cus![2] s tu, profana!

Sacrlega, falas, blasfemadora,

Peste dos Coraes, rgo do Averno!

Vens tambm macular com teus venenos,

Com hlito infernal, e atroz sistema

Campos, que meu bafejo Elsios torna!

[1] Aparece um Baixel, donde pouco depois desembarca a Libertinagem com squito numeroso.

[2] Corre para ela.Libertinagem

rgo no sou do Averno, o Averno sonho [1]Para mim, para os meus, no sofro o jugo,

Que sobre Coraes to frreo pesa.

Fantsticos Deveres no me iludem;

O sensvel me atrai, do ideal no curo,

S de palpveis bens fecundo a mente;

O Bando, que alicio, e que prspero,

Vive em prazeres, em prazeres morre.

Compleio dos Cates, Moral de ferro,

Fria, Libertinagem me nomeia;

Mas o carcter meu destroe meu nome.

Delicias ao teu seio, Lsia, trago,

No cruas opresses, nem agros males,

Que o Fantasma Razo produz, maquina;

Eu sou a Natureza: ela no manda,

Que o gosto oprimas, que os desejos toras;

As paixes contentar, no loucura:

Prestar-lhe ateno, vontade, assenso,

lei, necessidade, e jus dos Entes.

Olha: com ceptro de oiro impero, Lsia;

Franqueia o pensamento a meu sistema,

Despe imagens quimricas e aprova,

Que a posse do Universo em ti remate.

[1] Sentimentos abominosos da Libertinagem, refutados vigorosamente pelo Gnio da Nao.

Gnio

Enganas-te, Perversa, os Cus a escudam;

De Lsia puro Incenso aos Numes sobe,

arde em virtude, inflama-se na Glria;

Moral, Religio, saudvel Jugo,

Que pesa aos mpios, que aos Inquos pesa,

Nunca foi grave a Lsia, Heri supremo,

Que na Terra, o que Jpiter no Olimpo,

Aqui, no com violncia, e no com arte,

Mas pelo exemplo morgera os Lusos,

S menos, que as Deidades, venturosos.

No manches estes Cus, Tartreo Monstro,

Onde jaz da Virtude o trilho impresso.

Eco da Majestade, a voz te aterre

Do zeloso Ministro infatigvel,

Luceno, ao Trono, s Leis, aos Deuses curvo,

Que, em vnculo fraterno atando os Pvos,

Os v curvos ao Trono, s Leis, aos Deuses.

Negreja, a teu pesar, o horror, que doiras,

O Inferno, que no crs, de ti fumega,

E o Remorso tenaz te ri por dentro.

Este Povo de Heris, de Irmos, de Justos,

Teu carcter maldiz, teu nome odeia.

Aparta-te daqui... mas tu repugnas!

Guerreiros da Virtude, e flor da Ptria, [1]Que limpais a Moral de intrusa escria,

Eia, apurai o ardor contra esse Monstro;

A vosso invicto Esforo a Fria ceda,

Do Grmio da Inocncia o Vicio fuja.

[1] Sai Tropa armada, que trava peleja com os sequazes da Libertinagem, e os vai destroando.

Libertinagem

No se alcana de mim vitria fcil.

Gnio

Satlites da Glria: Avante, avante:

A Prfida franqueia, a Palma vossa.

Libertinagem

Colheste contra mim Triunfo intil:

Lsia perdi, mas senhoreio o Mundo. [1][1] Embarcam-se tumultuosamente, sempre acossados pela Tropa.

CENA IV

O Gnio, e Tropa.

Graas, Numes, sucumbiu a infame.

Heris, eu vos bendigo o Mrcio fogo,

O rpido valor, que num momento

A melhor das Naes salvou do estrago... [1]Mas, Deuses, sofrereis, que noutro clima,

Talvez infmia sua ignoto ainda,

Sobre o lenho orgulhoso aporte a Fera,

E txico respire, e peste exale:

O sacri1egio pune; um raio, Jove,

Um raio a torne cinza, um raio abisme

O lneo Torreo no equreo centro [2]Anuiste-me, oh Deus: E chamas todo!

L cabe, l se desfaz, e o Tejo o sorve.

Vai, Monstro , vai saber, desesperado,

Se fantasma a Razo, se sonho o Inferno,

Vai no horrendo tropel dos teus sequazes

De momentnea flama flama eterna;

E eu, ministro dos Cus, submisso aos Fados,

Vou por mo de um Mortal encher seus planos. [3][1] Vai-se a Tropa.

[2] Cai o raio sobre o Baixel da Libertinagem, e o abrasa.

[3] Vai-se.CENA V

Crcere subterrneo, onde estaro os Vcios, e os Crimes agrilhoados, exprimindo variamente nos gestos a sua desesperao.

A Polcia com Guardas.

Contra os Vcios comuns, que pouco empecem,

Exercer correces no s me dado.

Velai, Guardas fieis, sobre os Perversos,

Que a Polcia comete ao zelo vosso,

At que o raio Nmesis dispare

Com a frrea voz de Tribunal supremo.

Eu dos crimes terror, dos crimes freio,

A suplicio exemplar, que sare a Ptria

De mpia contagiam, reservo aquele

De todos o mais duro, o mais funesto,

Que, instrumento servil de atroz vingana,

Tingiu vendida mo no sangue alheio.

Ao cutelo de Astra em vo furtaste

Colo rebelde s Leis, tu, cruento,

Lobo nocturno, que, vibrando as garras,

A mansos Cidados oiro, existncia

De mistura usurpavas, sem que ao menos

Tremesse o corao, e as mos tremessem.

Estes, mais que nenhuns, velar se devem,

Estes nas feias, subterrneas sombras

Para o pavor da Morte a mente ensaiem.

Eu, Luz do bom Luceno, eu Alma, eu Tudo,

Corro, entretanto, a sugerir-lhe ideias,

Com que os pblicos Bens floresam, medrem.

A Cincia, e Penria, antigas Scias,

Em seus Lares por ele ha pouco ouvidas,

O frtil patrocnio lhe imploraram.

Em lagrimas lhes deu penhor singelo

De firme proteco: vs, Indigentes,

Seus efeitos vereis, vereis, Sbios,

Que a Mente, e o Corao por vs divido. [1][1] Vai-se.

CENA VI

Salo Majestoso da Polcia, adornado das Esttuas de vrias Virtudes.

O Gnio, e a Hospitalidade.

Eis-me na Estncia da Polcia Augusta,

Cultora da Razo, das Leis, do Slio,

A fitubante, a pvida Indigncia,

Que j dos males seus alivio goza,

Por mo do Benfeitor, que os Cus inspiram,

Vem com a Sabedoria honrar seu nome,

De interna Gratido, sagrar-lhe os cultos;

Mas profundo respeito os ps lhe tolhe,

E o Salo venerando entrar no ouso.

CENA LTIMA

Os ditos, e a Polcia, que, ouvindo as ultimas palavras, sai de repente.

Polcia

Foi sempre este lugar franco Virtude,

Entrai. [1][1] Entram as duas.

Hospitalidade

Longe de vs um vo receio.

Polcia

Cumpri vosso dever, tecei contentes

De Luceno o louvor. Matria suma

As Virtudes vos do, que resplandecem

Em brilhantes Estatuas majestosas

Neste brilhante, Majestoso Alcar.

Aquela, que risonha os olhos firma,

Como que rosto splice atentando,

a Benevolncia, e diz no afago,

Que alguns, havendo a honra em mais que os lucros,

Ante duro Ministro enfreiam preces,

E s do Compassivo, e s do Afvel

A presena demandam, que os conforte,

Que ao rogo num sorriso o efeito augure,

E no de altiva injria avilte o rogo.

Esta Exemplo, estoutra a Inteireza;

Ali Fidelidade o jaspe anima;

Desinteresse alm reluz, e avulta;

Mais perto voluntria Obedincia

Curva o dcil joelho: eis as Virtudes,

Que formam, bom Luceno, o teu caracter,

Todas egrgias, necessrias todas.

Cincia

Verdade, e Gratido nos lbios nossos,

Aprovam quanto soa em honra dele.

Indigncia

Oh Reinante feliz com tais Vassalos!

Polcia

Folga, Cincia, e tu, Penria, folga:

Dado me recrear-vos, ser-vos guia

Ao Prncipe imortal, de quem reflectem

Raios de luz para o Ministro excelso,

Que o seu mor prmio tem na Rgia Glria.

Curvai-vos, e admirai o Heri sublime,

Que Lsia adora, e que adorara o Mundo,

Se o Mundo todo merecesse olh-lo. [1]Vde a seus ps o Magistrado insigne,

Que nele se rev, que a bem da Ptria

A Grandeza Real submisso implora.

[1] Abre-se o fundo do Teatro, aparece o Retrato do Prncipe R. com o Magistrado a seus ps, oferecendo-lhe os Votos mais puros da Nao.

Hospitalidade

Quanto a Virtude alteia a Dignidade.

Cincia.

Oh Jbilo: Oh Ventura!

Indigncia

Eu pasmo, eu tremo.

Gnio (Dirigindo-se para o retrato do Prncipe R.)Heri, sacro aos Mortais, aceito aos Numes,

Olmpico Fulgor compe teus dias;

Os Cus na minha voz mil dons te abonam,

Com meus olhos teu Povo os Cus vigiam,

O Comrcio por ti de f se nutre;

As Artes, a Virtude, as Leis triunfam;

No Slio, no Poder tens base eterna;

Tua alma sobressai aos teus Destinos;

E de teu puro arbtrio esse rgo puro,

digna escolha tua, aos Astros v-a

No rasto de oiro, com que o Plo esmaltas.

Sbditos de JOO, rendei mil cultos

Ao gro Regente, ao nclito Carcter,

Que nele diviniza a espcie humana:

A voz da Gratido se alongue em Vivas,

E cordial ternura os lbios honre.

(CORO)

Oh Luso Heri! Baixaste

Da Estncia divinal!

Tu s um Deus visvel,

Oh Prncipe imortal!

FIM.

SONETO

Meu ser evaporei na lida insana

Do tropel de paixes, que me arrastava,

Ah! cego eu cria, ah! msero eu sonhava

Em mim, quaseimortal, a essncia humana:

De que inmeros sis a mente ufana

Existncia falaz me no doirava!

Mas eis sucumbe a Natureza escrava,

Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, scios meus, e meus tiranos,

Esta alma, que sedenta em si no coube,

No abismo vos sumiu dos Desenganos.

Deos... oh Deus! quando a morte a luz me roube,

Ganhe um momento o que perderam anos,

Saiba morrer o que viver no soube.

Bocage.

SONETO

De peito impenetrvel sempre ao susto,

Ledo entre as armas, a folfar no p'rigo,

Frana, teu magnnimo inimigo,

Por timbre teu no triunfou sem custo.

Ardendo em gloria o corao robusto,

Onde teve o trofeu, teve o jazigo:

Nelson venceu, venceu por uso antigo;

Mas da vitria foi desconto injusto.

Bem que nadante a Glia em rubro lago,

(Domando a morte quem seus brios doma)

Cr reparar com isto imenso estrago!

Ah! donde um Nelson cai, logo outro assoma,

Assim, de Heris privando-te Cartago,

Heris ferviam no teu seio, Roma.

Bocage.

SONETO

Me de Chefes Heris, de Heris soldados

A Galia herdou de Roma o gnio, a sorte;

Seus filhos no gneo jogo da Mavorte

Viro Mrcios Lees tremer curvados.

Mas alta Lei dos Penetrais Sagrados

Baixou, que o fatal mpeto reporte:

Fervendo em raios no Oceano a morte,

Te obedece, Britnia, ao mando, aos Fados.

No Continente o Galo Deus da guerra;

O Anglo audaz sobre o plago iracundo

Da vitria os pendes, troando, aferra...

Ah! nutram sempre assim rancor profundo.

Um triunfa no mar, outro na terra:

Se as mos se derem, que ser do Mundo!

Bocage.

SONETO

C'um Diadema de luz no Elsio entrava

Envolto Nelson em sanguneo manto!

Lavrou nos Manes desusado espanto,

E a turba dos Heris o rodeava.

Grita Alexandre (e nele os olhos crava)

Quem s, que entre imortaes fulguras tanto?

Sou (lhes diz) quem remio de vil quebranto

Europa curva, opressa, e quase escrava.

Deixei de sangue o pego rubicundo;

Trofeus em meu sepulcro a Ptria arvora;

Raio ardi sobre o Galo furibundo...

Nisto de novo o Macednio chora:

O que imensa extenso venceu do Mundo,

Quem vencera um s povo inveja agora.

Bocage.

Memria de Ulmia.

SONETO

Quando meu corao de Amor vivia,

Ufana a liberdade em ver-se escrava,

E quando para mim se variava

O Cu num riso, o Cu num ai de Ulmia!

Das escuras Irms a mais sombria,

E que mais com seu peso o Mundo agrava,

Na vista divinal, que me encantava,

Roubou luz minha alma, e luz ao dia.

No mais, Dor, Fado meu, Dor, meu costume,

Cedo a paz gozarei, que o peito anela,

Nos olhos do meu Bem, do Cu j lume;

Junto Ninfa imortal, na Estncia bela,

Os dias perenais, que vive um Nume,

Irei (Nume em ser seu) viver com Ela.

Bocage.

SONETO

Il n'est de malheureux que les coeurs dtromps.

Voltaire. Merop. Trag.

Em vo, para tecer-me um ledo engano,

Filosofo ostentoso industrias cansa;

Diz-me em vo, que exalando-se a esperana,

Repousa na apatia o peito humano.

O nauta a soobrar no Pego insano

V rir ao longe a crula bonana;

A mente esperanosa enfreia, amansa

Os roncos, e as bravezas do Oceano.

Se nos mseros cai da mo dos Fados

O negro desengano, ei-los ansiosos,

E desesperao, e fria dados.

Doirai-nos o porvir, oh Cus piedosos!

Justos Cus! dem sequer jardins sonhados

As flores da ventura aos desditosos.

Bocage.

Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, por ocasio de se ter dito,

que recebera o Sagrado Vitico.SONETO

Depois que a teus ouvidos grata voa

Mensagem pura, que ante os Cus te expia,

Por mil Sis, Urbes mil, por Lctea Via

Jove ao prprio teu lar desce em pessoa: [1]Colquio amigo, que entre os Dois ressoa,

Par no sofre em ternura, em energia,

dum Cisne expirante a melodia,

a frase eficaz dum Deus, que troa:

Consagrados eis so Mortal, e Imenso;

Fogem sbito ao pacto renovado

V lida, torpe inveja, e morbo intenso!

Rasgou-se o vu do nbilo teu Fado;

Ds frgil mirra por eterno incenso,

D'Home s Nume, de Vate s invocado.

De Santos e Silva.

[1] Contraco de Jehova.

Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto.

SONETO

A Musa, que bebeu contigo alento,

Que ao lado teu paixes comerciava,

Os sons, que alegre outrora derramava,

So ais vivos, que dirige ao vento.

Dentre meus braos te apertar sedento,

Por vingar o intervalo soluava,

Que a mal firme existncia me embargava,

Sem que pudesse olhar-te um s momento.

Se no pude fartar voraz saudade,

Inda mdida a face, enternecida

Chora males do amigo em soledade.

Minha alma em tua dor toda embebida,

Implora em ais, em pranto aos Cus piedade,

Ama doirar-te a tenebrosa vida.

De Pedro Jos Constncio.

Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage.

SONETO

Entre as flores, que as Graas bafejaram,

Curvas de Elmano prepotente Lira,

Vnus brincando com Adnis gora,

Dando-se beijos, que em rosais cevaram.

Assim contentes horas deslizaro,

Ao som canoro, que o prazer inspira:

O Cu pendente extasiado admira!..

T que os Numes de inveja ao som raivaro.

Dedos torpecem!.. arrebentam cordas!..

Cumpriu-se a voz de um Deus, cumpriu-se a Sorte,

Em quanto, Eco chorosa, os tons recordas.

C'roai-o, Ninfas, pranteai-lhe a morte:

E ao menos, Jove, que em prazer transbordas,

Deixa v-lo de c na etrea Corte.

Do mesmo.

SONETO

Pungido pela dor, banhado em pranto,

Desato, Elmano, minha voz truncada,

Que de gemer, de suspirar cansada,

Acha o rouquejo no lugar do canto.

Debalde em pragas mil a voz levanto

Contra o Cipreste, lgubre morada,

Que de funreas Aves carregada,

Te condensa o pavor, o susto, o espanto.

Para baldar o agoiro, em vo tentara

Loiros disps em mimo esperanoso,

Que na aridez no vinga a tnue vara.

Rouba-me embora, Fado rigoroso,

Esse que Lsia, o Mundo assoberbara,

Que o pranto meu, prantearei saudoso.

Do mesmo.

Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage.

SONETO

Embebido na slida Verdade,

Zombas dos mpios, que sem pejo ou medo,

Decifram de Mistrios o segredo;

Trevas a ns, e Luz Eternidade:

Adoras a Suprema Divindade,

(Teu futuro Juiz ou tarde ou cedo)

Na f se adoa teu remorso azedo,

Esp'rando a divinal Tranquilidade.

Loucas Paixes, que fomentaste outrora,

(Feiticeiro Manjar dos flreos anos,

Que o Juzo maduro no vigora)

Esses gostos fatais, gostos mundanos,

Expiando na dor, que te devora,

Ganhas um Deus, e choras os Profanos.

Joaquim Antnio Soares de Carvalho.

ELOGIO AO PBLICO

Em nome de uma Actriz da Rua dos Condes.

A Musa, que nas Cenas de Ulisseia,

No sem gloria, ajustava o mtro Lira,

De Elmano o s tesoiro (a Scia mesta

Da quase muda cinza, area sombra)

Inda um salv tremente luz envia,

E d versos Ptria, ou d suspiros,

Da nobre Gratido pelo rgo puro.

Oh Lsia! Escuta os sons, talvez extremos;

Que do seio afanoso, a custo, exala:

(O Cisne diviniza os sons da Morte)

Ouve, em metro no baixo, ouve alto afecto,

Que me honra o corao, na voz me ferve,

E no Ptrio favor a ardncia nutre.

Recente Arvorezinha em cho bravio,

De humor celeste definhando mingua,

(E mimosa jamais de um Sol fagueiro)

Eu para a Terra, para a Mi pendia,

Que os sucos mesquinhava ao tenro Arbusto,

Talvez de produzi-lo arrependida.

Eis brao, a que apiedou meu ser j murcho,

Me extrai, propicio, do Terreno avaro,

E em liberal torro me pe, me arreiga.

Sbito esperta, sbito enverdece

A Planta moribunda, e qual s, Lethes,

Aferrasse a raiz nas margens tuas,

Que das Frias o bafo esteriliza.

Influxo animador me alteia, e folha;

Hlito ameno de vivaz Favnio

Com macios vaivns me embala os ramos,

Flores me adornam, frutos me ataviam:

Os sorrisos da Ptria, os mimos dela

Estas boninas so, so estes frutos.

Das trevas, e da Morte as Aves feias,

(De atra voz, em que o Fado s vezes soa)

Fogem d'entorno a mim, carpindo agouros,

Nas agras, negras furnas vo sumir-se;

E na coma lou gorjeia encantos

Teu Cantor, Primavera, o vosso, Amores.

Quanto sou, quanto valho, Lsia devo,

E Lsia o corao na voz consagro.

Acolhe com ternura, acolhe, Ptria,

As Oferendas por mim do triste Vate,

Que para te cantar surgiu da Morte,

E em nsias balbucia o tom dos Numes:

Honra deste ao Cantor, d honra ao canto.

Bocage

ODE

Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage.

Do boto engenho a sequido, e a mingua

Supri, vs Amizade, e sentimento,

E a frase ingnua, a Candidez saudosa,

Tebeus tesouros valham.

Tinta sempre de negro a Fantasia,

Em vo tacteia o vio dos Prazeres;

As sombras medram, desaparece o esmalte

Dos Parnsidos sonhos.

Ansiado o corao, palpita, e pede

Amenos quadros, que o vigor lhe abonem;

Mas, o seu opressor, o Pensamento,

Se produz, produz luto,

E como afugentar, banir-lhe as trevas

Se de hum, se de outro lado eu sinto, eu vejo

Duros arremesses, pendentes golpes

Do meu verdugo, o Fado.

Daqui me aponta a plida Amizade,

O Amigo, o Vate, o Pensador, o Tudo

(Scio nas ditas, e nas mgoas scio)

Desviado, e penando.

Dali me punge o indmito Destino:

Novo Tntalo eu sou! Vejo a Ventura,

Cresce o desejo, esforos se redobram,

Mas no posso abrang-la.

Impertinentes, fceis Conselheiros,

Sisudo Aristocrata me pretendem

Sistema, e Gnio me proidem; sofro

Afanoso contraste.

Nos grilhes de um dever, que me flagela,

Nem do meu corao disponho livre!

Quantas vezes me vs, Amor, oh quantas!

Cobiar-te, e fugir-te

Na varia compresso, no cerco infando

De Pesar, e Pesar conheo o pouco,

Que resiste a Razo, e quanto, e quanto

Filosofia ftil!

A Sensao desptica ensurdece

Da s Prudncia ao madurado Aviso,

E contra a inata propenso dos Entes

Poltica o que avulta?

Mente quem me disser, que em homens cabe

No gemer, se Aflio irrita, e lacera:

No mais pode o Atilado, o Sapiente,

Que evitar-se ao naufrgio.

Eu, que desde a bem-vinda Primavera,

Em que a Luz da Razo dourou meu clima,

Tive sempre comigo, e meus Destinos

Atinada peleja.

Votado desde ento a Amor, e s Musas,

Filosofo, os espinhos acamando,

Horas tenho, assim mesmo, em que a meus olhos

A existncia negreja.

Ditoso tempo aquele, Elmano, o caro,

Que em amiga unio (volvendo a teia

Do Porvir, do passado, e do presente,)

Nos dvamos constncia!

Ento (oh! tempos, que valeis saudades)

Amizade interesses enlaando,

Delicias extraia s mos da sorte,

Que trovejava intil.

Ento as Ninfas do Pierio esquivo,

Com teus Olmpios sons extasiadas,

Folgavam de me ver medrado Aluno,

Rastear-te, e com gloria.

Ah! bem que nos separa oculta fora,

Inda te segue o scio Pensamento:[1]

Se Poder, e Vontade condissessem,

Moniz fora contigo.

Menos agros talvez teus dias foram,

E os turvos dias meus, que enlutam mgoas,

Com doce languidez amenizara

O Prazer fugidio.

Matiz equivalente a Parasos,

Variado entre Amor, entre Amizade,

Me enchera o vcuo da existncia ensossa,

Que se definha inerte.

Eu amo, eu sou amado, eu lucro, eu gozo;

Mas, a! que a um dia de prazer sucedem

Dias, e dias de Aflio teimosa,

Que o corao me azedam.

Amas, como eu tambm, tambm amado,

Mas avesso Poder te engelha os frutos,

Que j colheste em tempos fortunosos

De perptua lembrana!

Cumpria, que a Amizade supridora

Instantes afagasse amargurados,

Mesmo dentre os negrumes do Destino

Tirasse um riso a furto.

Infelizes de ns, se no restasse

No fundo d'alma, de sofrer cansada,

Divino no sei que, que aos males todos

Nos torna sobranceiros.

Eia, pois ao porvir se apele, Elmano,

Fonte de gostos, ideais amenos,

O Flego alargando ao sofrimento,

Leda Esperana ondeia.

Ela espinhos cruis em flores torna,

Sustenta o fio, e d sabor vida;

Retm suicidas mos, angustias doura, [2]

Deve ser nosso Numen.

Se dize com Ovdio: Eu perdi foras, [3]

Perdi cor, e mal cobre a pele o osso,

Tambm com ele eu digo: Imensos males [4]

A velhice me avanam.

A Aurora do Prazer talvez que enflore,

Ermo invernoso da existncia nossa,

Fama vividoura, assombros novos

Na Lira ento daremos.

Por Nuno Alvares Pereira Moniz.

[1] Afectus que animi, qui fuit ante manet. Ovid. Trist. lib. 5. Eleg. 2.

[2] Me quoque conantem gladio finire dolorem,

Arguit, injectas continuit que manus. Ovid. de Pont. lib. I. Eleg. 6.

[3] Nam neque sunt vires, nec qui color ante solebat,

Vixque habeo tenuem, quae tegat ossa, cutem. Ovid. Tris. lib. 4. Eleg. 6.

[4] Me quaque debilisat series immensa laborum,

Ante meum tempus, cogor et esse senex. Ovid. de Pont.

Carminibus quaero miserarum oblivia rerum.

Ovid.

ODE

Ao Senhor Nuno Alvares Pereira Moniz

J meu estro, Moniz, apenas solta

Desmaiadas fascas;

Em que as frouxas ideias mas se aquecem;

Elmano do que ha sido

Qual no gesto desdiz, desdiz na mente;

Distole tardia

J da fonte vital me esparge a custo

O licor circulante,

Que rosa entre os jasmins de virgem Face,

Que outr'ora esperto, aceso

De santa Agitao, de Ardor sagrado,

No crebro em tumulto

(Estncia ento de um Deus!) me borbulhava.

Respirao Divina,

Entusiasmo augusto, alma do Vate!

Que rpidos portentos,

Portentos em tropel, no deste Fama,

No deste Natureza,

Ptria, ao Mundo, a Amor na voz de Elmano!

Ora, aplanando os sulcos,

Com que a Saturnia mo semblantes lavra,

A Razo pensadora

Erguia aos graves sons o grave aspecto:

Ora ao ver-se anteposto

Por deleitosa insnia, a Ela, a Tudo,

O grato, Ciprio Nume,

Fadava docemente o doce canto

No Corao de Anlia.

Oh xtase! oh relmpagos da Glria!

Faustos momentos de ouro,

Com que meu gro comprei na Eternidade!

Do Tempo meu voando,

Do Tempo que anuviam negros Males,

Brilhais inda em minha alma,

Entre sombrias, ridas Ideias,

Qual entre Aves escuras,

(rgos do Agouro, Interpretes da Morte)

Requebros anulando,

Das Aves de Citra o coro alveja...!

Mas ah, saudosos Dias,

Vs sois memria s, no sois influxo!

No me reluz convosco

O Espirito, abismado em funda trevas,

Com gasto, dbil fio

Prezo Matria vil, que ralam Dores!

Ante meus olhos tristes,

(Que j d'amiga luz se despediram)

Sai de eterna Voragem

Vapor funreo, que exalais, oh Fados!

Eis meu termo negreja,

Eis no Marco fatal meu fim terreno!...

Mas surgirei nos Astros

Para nunca morrer: com riso impune

L zombarei da sorte.

Moniz! oh puro Amigo: oh Scio! oh Parte

Do j ditoso Elmano!

s Musas, como a mim, suave, e caro!

De lgrimas, e flores

Honra-me a cinza, o tmulo me adorna,

No s longa Amizade,

Novo Sacro Dever te exige extremos:

Da Lira minha herdeiro

Menu Nume Febo, e teu te constitui;

Febo aps mim te augura

Vasto renome, que sobeje[1] aos Evos:

( dos Anos vantagem,

No vantagem do Engenho a precedncia)

Teu metro majestoso,

Que j, todo fulgor, zoilos deslumbra,

Teu metro cintilante,

Das virtudes mimoso, aceito s Graas,

Turvem saudades: canta

Alguma vez de Elmano, e chora-o sempre,

E Amor, e Anlia o chorem:

Amor, e Anlia, meus piedosos Numes.

Sem, por mim suspirem.

Bocage

[1] Em Lucena, e em outros Quinhentistas de sumo apreo, vem sobejar por exceder.

Por largo campo, indmito, e fremente,

Corre o Nilo espumoso:

Feroz alaga a rpida corrente

O Egipto fabuloso:

Mas se na gr carreira, s ondas grato,

Tributo de caudais rios aceita,

Soberbo no rejeita

Pobre feudo de incgnito regato.

Diniz. Ode I.

ODE

Por ocasio da noticia, que grassou no Porto, das melhoras do Senhor Bocage.

Cisne de imenso voo! ave, que roja,

A medo se abalana aos teus louvores.

Dentre a que, eterna, l no abismo estala

Imensa chama, que acendeu o Imenso,

Torva ululando, regio do dia

Surge a mirrada Inveja.

Seu hlito empestado a luz sufoca,

E seca, e mirra as arvores, as flores;

Drago, de lnguas trs, na dextra arrocha,

Ala na outra o facho.

Silvam-lhe horrendas na tostada fronte

Vboras crespas, de que est coalhada;

Nutre nos peitos vida serpente,

De insacivel fome.

Atro veneno a lngua lhe destila,

A lngua, que de vbora parece:

Vs Grgonas, vs Frias, tu Medusa,

No sois mais horrorosas.

De espao meneando as azas longas,

Demanda vagarosa a Estgia margem;

E ali, prendendo o voo, descendo terra,

Que, ao senti-la, estremece.

Ali em subterrnea, em ampla furna,

Desde a infncia dos sculos formada,

Dura, imutvel lei impondo a tudo,

Reside a Morte horrenda.

Monto enorme de esbulhados ossos,

De crnios secos lhe compem o trono,

Assoma no alto o descarnado Monstro,

A frrea fouce em punho.

Voam-lhe em roda Lmures, Espectros,

Jazem-lhe aos ps as lvidas Doenas:

O silencio, o pavor, a escuridade

Ali, perenes, moram.

Nos quatro cantos de horrorosa estancia

Quatro ciprestes lgubres se elevam;

Aves sinistras, rouquejando agouros,

Entre os ramos se aninham.

Para aqui se encaminha a Inveja torpe:

Tremendo, aos ps do trono se apresenta;

Frio terror os membros lhe entorpece

Ao encarar o Nume:

Mas, assanhando a roedora serpe,

Que no peito lhe pasce, a dor veemente

Lhe esperta o corao, lhe volve o acordo;

E assim troveja a Fria:

Deusa, dominadora do Universo,

Cujo imprio vastssimo confina

Co'a muralha da imensa Eternidade:

Branda meu rogo afaga.

J vezes mil o ttrico veneno

Das serpes, que me toucam, que alimento,

Fez em teus lares borbulhar o sangue

De vitimas sem conto,

Servio no vulgar, que te hei prestado,

Jus me confere a no vulgar indulto:

Vinga-me, Deusa, de um Mortal soberbo,

Que ousa afrontar-me impune.

Elmano, o caro a Febo, e caro a Lsia,

C'roado ha muito de imurchvel louro,

Sobre o ludibrio meus alou ufano

Trofeu de eterna dura.

Com p robusto esmigalhou valente

(Da peonha mortal nem foi tocado)

Vboras, que arranquei da trana horrenda,

Para arrojar-lhe ao seio.

Tentei vmente enegrecer-lhe a Fama,

Que nvea, e pura os Orbes divagava!

Meus baldados projectos s serviro

De aviventar-lhe o lustre.

Chusmas de Zoilos, meus fieis Ministros,

Em vo em meu favor as armas tomam:

Relampagueia o Vate, e nos abismos

Baqueiam, aterrados.

Mirrada de pesar, baixei ao Orco,

E ali fui prantear a injria minha:

Gritos, que ento soltei de dor, de raiva,

Inda nele retumbam.

Foi-me contudo blsamo suave

dor cruel, que me ralava o peito,

O grato anncio, de que o Vate odioso

Roava o ponto extremo.

Mortfero aneurisma prometia

Romper-lhe antes de muito os ns da vida!

Meu corao folgou, desafrontado,

Co'a prxima ventura.

J com sfregas mos, tintas em sangue,

No Bratro compunha atroz peonha,

Para ensopar-lhe as sossegadas cinzas

No tcito jazigo.

Porm, Deusa, se, exercendo a Fouce,

O demorado golpe no desfechas,

As, que alimento, gratas esperanas,

Qual fumo, se esvaecem.

Sim, s contnuas splicas de Lsia,

Como que o Fado a fronte desenruga;

Brado, macio j, como que intenta

Deferir-lhe propicio.

Ah! e quanto, inda assim opresso, enfermo,

Quando me afronta, me assoberba Elmano!

Seu Estro sempre o mesmo, sempre em chamas,

Raios me vibra intensos.

Todos de Lsia abalizados Cisnes

Melfluo canto em seu louvor modulam;

Roto ao porvir (merc de Apolo) o seio,

Vida fadam-lhe eterna.

E serei, ai de mim! assim calcada,

Sem que possa vingar-me!.. Aqui lhe brotam

As lgrimas em fio, entre soluos

Sufocada, emudece.

Depois de curto espao, a Morte horrenda,

A fronte definada meneando,

Ala a medonha voz, e assim responde

consternada Fria:

No te desdenho, Filha: do meu trono

Tu s robusto apoio; os teus servios

A obrigao me impe de ser-te grata:

Morrer quem te afronta

Disse; e nastea da Fouce o corpo firma,

Ergue-se, e ensaia para o voo as azas:

Nos cantos da caverna os negros Mochos

Soltam da morte o grito.

Eis que estranho claro, rompendo as trevas,

Sbito inunda a lbrega morada;

Eis aparece (mortal raio Inveja)

Em branca nuvem Lsia.

Brando sorriso esmalta-lhe o semblante,

Nos olhos o prazer lhe reverbera,

Luz-lhe na dextra lmina de bronze,

Qual astro, fulgurosa.

Com garbo majestoso a vestidura

Sobraa roagante; e assim que arrosta

O Nume aterrador, na voz suave

Tais expresses lhe envia:

Chorosa, amargurada, longo tempo

Curva ante o Slio do adorvel Fado,

Ferventes rogos, hmidos de pranto,

Fiz subir-lhe presena.

De Elmano, do meu Vate a vida em risco:

Meu corao materno consternava:

Ele era a gloria minha; ela morrera,

Se morresse o meu Vate.

Rejeitado, porm, no foi meu rogo:

O Fado para mim sempre benigno,

Risonho me outorgou (merc no tnue)

O suspirado indulto.

Eis o Decreto seu: (e entrega ao Monstro

A lmina de bronze.) Ao v-lo a Parca,

Depondo a curva Fouce, inclina a frente,

E reverente o beija.

Cumpre-se, Lsia, (diz) a Lei do Fado.

Exulta Lsia, e pressurosa surge

Da habitao medonha: opacas sombras

De novo ali se espessam.

Oh que horrendo espectculo no era

A Inveja furiosa, ardendo em raiva!

Da dextra, da sinistra a serpe, o facho

Arremessa convulsa.

As melenas, frenticas, arrepela,

E de spides alastra o pavimento;

Na boca, onde as espumas so veneno,

As maldies lhe fervem.

Torcendo, e retorcendo os vesgos olhos,

Vagueia delirante a vasta furna:

A Morte, a prpria Morte, ao ver-lhe as frias,

Treme no trono horrendo.

O Fado, contra quem vomita o Monstro

Negra turma de pragas, indignado

Manda ronque o trovo, fuzile o raio,

E sobre ela desabe.

A Fria, remordendo-se, baqueia,

E no bojo inflamado o Inferno a sorve.

Em tanto a grande Lsia, exultadora

Voa a abraar seu Filho.

EPSTOLA

Feita no julgado ltimo perodo de vida do Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage.

EPGRAFE

Rebus angustis animosus as que

Fortis apare.

Horat. Od. 7. liv. 2.

Se pode um mocho, piador nas selvas

Brancas plumas cobrar, surgir de noite,

E dos pios colher vozes sonoras,

Tendo assumpto sem par, Heris cantando!

No sou ave infeliz, odeio as trevas;

Minha essncia mudei; encaro o dia,

O dia, que nasceu na luz d'Elmano.

tu Dominador, de quem domina

No medonho poder d'escuro pego,

Onde morre o Vulgar, existe o Grande;

Em que ufana de Ti a Eternidade,

Dos limites saiu, mandou soberba

Aos Futuros pasmar, tremer aos Fados;

E nos Livros ao tempo sobranceiros

O teu nome esculpir, dar vida s letras;

Que sedentas t'li de iguais talentos,

Sem a mira lanar a mais, ou tanto,

Novo campo no do a novo entalhe.

Acolhe os versos meus, os meus louvores,

Que o pejo sufocou; mas cede o pejo

voz da Gratido, que em mim ressoa.

Que inaudito prazer me surge n'alma!..

Elmano, Elmano meu, do Mundo gloria,

Quando penso que os sons adormecidos

Da Lira (que em temor cede vontade)

Vo dos Astros romper luzente Espao,

Indo aos Numes levaro, que dos Numes

Esta empresa, que os Cus no seio acolhem,

De que s justo credor, que humilde of'reo,

H-de a Jove aprazer, durar em Jove.

Se ao jugo dos Mortais, se ao Fado, Morte

Inda liga tua alma a trrea massa,

Se em tormentos, se em ais, se em dor, se em pranto

A substncia languesce, que te anima,

E de humano a penso (dever custoso)

No continuo pular do sangue ardente [1]Encaras com temor; temor no tenhas!

A morte para o Sbio gosto, vida.

Assim o gro Cames, de Lsia esmalte,

E das grandes Naes portento, espanto,

Na desgraa morre, viveu na morte!

E o Nume atroador de Plo a Plo,

Por cem ureos canais fendendo os ares,

Inda o nome do Heri espalha ufano,

Inda alentos lhe d, vida mais nobre.

Quebradas as prises aos ser terreno,

Que te veda subir de Vate a Nume,

H-de os tubos encher com sopro estranho,

E teus versos mandar ao Cu da Glria.

No julgues, que se, Heri, zombas da morte,

Encarando teu mal desdenho o pranto

H-de Lsia chorar, daro os Lusos

Do pranto, que a razo sanar no sabe,

Grossas guas ao Tejo caudaloso,

Que dos limites seus fugindo irado,

V ao Ganges levar, levar ao Nilo

A noticia cruel, que humanos punge:

E Josino (que a vida assaz molesta

Nos ombros lhe sopesa alonga os dias

Que, d'Elmano vivendo assim distante,

Ho-de o manto roubar noite escura!)

A tristeza dar da morte o prmio.

Revive, Elmano, pois no Etreo Reino;

Que eu, em quanto tiver vitais alentos,

Hei-de em ti prantear d'Amigo a falta,

E de Vate, e de Heri ceder ao pasmo.

Jos Joaquim Gerardo de Sampaio.

[1] Aludo ao aneurisma, uma das principais molstias, que o atormentam.

Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto.

EPSTOLA

O Sbio no vai todo sepultura,

Na memria dos homens brilha, e dura.Rim. du Bocag. T. a.

Um triste, um infeliz, da Sorte avessa

Tragando o fel dos ais, o fel da vida,

Sada um triste, que abraar no pode,

Penhora em letras, mensageiras d'alma,

Os eflvios da cndida amizade,

Os saudosos gemidos, que te envia,

Elmano, que em soluos te evaporas,

Que atropelado pela dor intensa,

Soltas dos lumes teus acerbo pranto,

Que em vo te banha as faces enlutadas,

Que tenta em vo desenrugar teus Fados.

Mas ah! cobra valor; constncia, Amigo:

Esforada razo represe as mgoas,

Que a horrenda fantasia, nebulosa

Avulta em quadros, em que tudo negro.

Se ela d brilho, se a existncia afaga,

Debuxando na ideia deleitosa

Glrias, prazeres, jbilos, encantos;

Tambm nos males nos acurva a mente

Com duplicados, hrridos pavores.

Baldar o sentimento ao corpo aflito

No quero, Elmano, que tambm sou homem.

Se Zeno, se Plato sorrindo em nsias,

No mostraram na face a cor do medo,

Que eram diremos coraes de bronze?

Sentiro, que a desgraa a todos punge;

Porm sofreram com tenaz constncia,

Engolfados na s Filosofia.

Se qual viveram, tal morreram ledos;

Porque no seguiremos os seus passos?

Foram doutra matria, que no somos?

Forram doutro talento, que no tenhas?

Quem da convulsa natureza, opressa

Falseia em parte os hrridos embates,

sobranceiro morte em gloria firme:

Se tu com ela nos degraus luzentes,

Librado sobre os extasis divinos,

Nctar libaste na Apolnea Mesa;

Porque tremes das sfregas voragens,

Em que se abisma a Natureza toda?

Que saudades do Mundo te acompanham?

Por quantos males se no compram ditas,

Que bem qual o relmpago se esvaem!

Que te valeu na Ptria modulando,

Da boca deslizar tesouros d'alma;

Ora cantando de Marlia a face,

Aonde se remoa a flrea Gnido;

Ora abrasado em ralador cime,

Praguejando o rival de teus amores;

Detestando a cruel, a fementida;

Ora carpindo a [1] flor cortada em breve,

Que acordava o boto medrando em risos;

Enriquecendo em fim a Ptria, o Mundo

Nos vivos quadros da Moral prestante?

Se horrorosos baldes o prmio foram;

Se isto se diz viver... se o Mundo isto...

No tens que suspirar; esquece a Terra!

No sucumbas ao peso da desgraa:

Se te borbulha um Deus na mente acesa,

Quem 'sta cheio dum Deus no teme a Morte.

De Pedro Jos Constncio.

[1] Aludo ao Idlio da Saudade Materna, feito pelo Senhor Bocage.

Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage.

Tu ne cede malis; sed contra audentior ito,

Quam tua te Fortuna sinet......

neid. 6. vers. 95.

nos revezes que aparece o Sbio,

Que dum peito atravs, que a Dor crucia,

Reluz um corao, virtudes todo:

Nunca de Atenas o lustroso esmalte,

O Mestre da Moral, o Deus dos Sbios,

D'alma herica mostrou mais nobres rasgos,

Que ao entrar na priso com rosto alegre,

E ao beber a cicuta airoso, e forte.

De Roma nos Anais, que o Mundo assombram,

No teve cabimento Heri mais claro,

Que um Sneca, fiel s leis sagradas

Da Virtude, e Dever , aos ps calcando

Cruas perseguies, desterro inquo,

Sobranceiro ao rigor dos Cus, da Terra.

Nem somente entre as hrridas refregas

Do proceloso mar, ou nos combates

D'alma forte ressumbra ardor valente:

Da virtude tambm teatro o leito;

Neste mais de uma vez provou-se o Sbio:

Encara com desdm o Sbio a morte,

Certo que a preo tal se merca a vida.

Temos mui nobre, e remontada Essncia,

Viemos povoar Terrqueo Globo

De mui alto lugar; e a prova, Elmano,

Em ns mesmos se d, julgando escassa

Humilde habitao, d'arte os portentos,

De Arquitectura, e luxo assombros claros,

Que um leve sopro esboroa, esmaga, e prostra;

No temendo largar to baixa esfera.

das dores cruis o termo a morte!

Entre desgraas mil sempre vagando,

De molstias sem fim alvos constantes;

Bem como acontecer deve aos que aberram

Do seu clima natal, e estranho habitam.

S depois de existir puras substancias,

Despidas do grosseiro, e trreo manto,

Gostaremos prazer sadio, estreme.

Filosofia, s tu, quem ds ao Homem

Do sepulcro despir-lhe o medo, o tdio;

Por ti (qual destro nauta exp'rimentado,

Que rasgado o velame, os mastros rotos,

Co'as runas da no prossegue a rota),

No sucumbe o Mortal da morte face,

No lhe desbota do semblante as cores,

Da constncia o vigor no lhe entorpece

Budo ferro, que centelhas vibra;

Da vida o termo com sorriso encara,

Como se alheio fosse, e no seu termo.

Gnios transcendentais, que o mundo honraram,

No temero largar barrenta capa,

Que mesquinha entorpece os voos d'alma:

Do divino Plato, o Sol da Grcia,

Ouve atento o clamor, no peito o encerra:

O espirito do Sbio anela a morte,

Nela medita, e a quer: sempre que tende

Fora de si; tais so seus apetites. [1]Quanto ao sumo chegou do fim jaz perto:

Fruto, que sazonou co'a Primavera,

Do Outono na estao no orna as mesas!

Quanto mais clara resplandece a chama,

Tanto mais pronta afraca, e se amortece:

Tais os Engenhos; quanto mais sublimes,

Tanto mais breves so; que perto o Ocaso,

Donde falta o lugar ao crescimento.

E pois, Elmano, te guindas-te ao cume

Do Horizonte, onde s Sol de Lsia aos Vates,

Cujas centelhas do calor aos Gnios,

Do brio, do vigor para ir gloria,

Postergando montes de vis insectos

De efemrico ser, d'aspecto ingrato;

No deves estranhar, que Atropos dura

Se antecipe a cortar-te o fio vida;

Ela, que sem respeito ao Moo, ao Velho,

Se apraz de encher de luto, e pranto o Mundo.

Ah! Se a vozes de dor se move a Parca,

Se do Destino as leis transtornos sofrem,

Vers, Elmano, decorrer teus dias

A par dos de Nestor, Tu, que o semelhas

No mel, que vertem teus divinos lbios.

Lsia, desfeita em ais, banhada em pranto,

Ante as aras de um Deus mil preces solta

Pela conservao do seu esmalte,

Do seu Gnio melhor, da Glria sua,

E aos de Lsia Filinto une os seus votos.

Fr. Francisco Freire.

[1] Sapientes animum tetum in mortem prominere, hoc vele, hoc

meditari, hoc semper cupidine ferri in exteriora tendentem.Senec. Consol. ad Marciam.

Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage.

EPSTOLA

Ruindo l do Bratro medonho

Lgubre som, motivador do pranto,

Que as faces molha de enlutada Lsia,

De ti, Vate, reclamava o feudo;

J l do Abismo horrendo as frias torpes,

Por ordem de Pluto na terra surgem;

Da vil matria, do que p, que nada,

Opaco manto de endeusados gnios,

Rabidas rompem o ordenado todo.

Murchas esp'ranas mais a mais fraquejem,

Sentimento mortal, tristeza baa

Nos Lusos coraes a dor espalhe;

Apenas cinza, o que j foi Elmano.

Esta do Averno a voz, a lei da Morte,

Que s funerais Irms o Monstro intima!

Do Sena pelas margens saborosas,

Pelas praias do Ganges, do ureo Tejo,

Assustadas de horror as Ninfas clamam;

A lei maldizem, que lhes rouba a gloria,

Carpindo o mimo, que as honrava tanto.

Os alunos de Apolo ao nume enviam

Entre cortados ais, sentidas vozes,

Votos provindos do profundo d'alma,

Quais os da Gratido, e os da Verdade:

Co'as mentes cheias de saudade infinda,

Teu nome, caro Elmano, a Jove lembram;

No fogo ardente de sonoros Hinos,

Escudados da cndida amizade,

Da justia, dever, da gloria Tua,

Um Nume Criador, que uniu os Entes,

Um Deus, um justo Deus piedoso dobro.

Eis de repente na brilhante Esfera

Risonho assoma o dia, a noite foge;

Raia alegre o prazer, somem-se as trevas;

Abrem-se as portas do sulfreo Averno,

E feia escurido as Frias tornam.

Esfora-se a razo, estudo, e arte

Das garras a salvar a preza excelsa:

Anglico tropel ao leito adeja;

Da Sacra Regio baixando os voos

Do Vate aos lares, a melhora guia.

No Olimpo os Numes a harmonia prezam,

Afeitos a escutar da terra os Vates.

Oh como de prazer exulta o peito!

E mano, Elmano vive, oh Cus, oh dita!

Por ele a gloria, e honra em Lsia abundam;

Cisne do Tejo, que trespassa a meta,

Licita a raros de adejar cansados.

Fadem teus dias fortunosos lances.

Praza aos Cus compassivos, que inda eu possa

Ver-te imune ao mal, que te consterna;

Porque possas tambm dar vida Fama

De deslizado Heri, que a cobardia

Pendura nos portais do Esquecimento;

E as azas desprender em canto altivo,

(Dos Voltaires, Cames, dos Tassos digno)

Em lustres de Varo, que imortalizes.

Virente louro no me cinge a frente;

Tolhem meus gressos as varedas nvias

Ao bipartido Cume, ao sacro asilo

Dos almos Gnios, onde entrar no posso:

A ser-me dado, intrpido verias

Em durvel engaste, em Padro d'oiro

Ir assomar teu nome alm dos Evos;

A ardentes Vates, que o Porvir esconde,

Engenhos como Tu, mover-lhes pasmo;

Mostrar-te como exemplo s Plagas Lusas,

Disparando o trovo, vibrando os raios,

Imagens vivas, que do alma s pedras;

Em quanto as graas em Gertruria bela

Com os doces folgazes amores brincam;

Quando surge da Estncia a torva inveja,

Ou trilhas sem desdouro o Lcio augusto:

Do filho de Sulmona unindo a cinza,

Fazendo-o reviver com pompa egrgia

Em veste alheia; mas to nobre, e rica,

Que equivale ao valor dos prprios trajes.

Quisera agora ter o dom de Elpino,

Invadir com teu nome a Eternidade......

Mas ah que delirei: oh mente louca!

No precisas de quem de ti precisa:

Ri-te, ri-te de mim, grande Elmano

Mas dos desejos no, dos sos desejos.

De Joo Galvo Mexia de Sousa Mascarenhas.

Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage.

EPSTOLA

Vate, que adoro, portentoso Elmano,

Imagem do Saber, do Pindo gloria,

Apolneo Cantor, Cantor divino

Dos Jardins, onde impera a Natureza;

Escuta os versos meus, escuta os versos,

Que dita o corao, dita a amizade.

Depois, com que pesar o pronuncio!

Que entrei na estancia triste, onde sucumbe,

Aos impulsos da Dor, Razo, Constncia, [1]Diluvio amargo de saudoso pranto,

Me inunda as faces, me consterna o rosto.

J mais um s instante, caro Elmano,

Se minora a tristeza, que me oprime;

Meu activo pesar, minha amargura,

Bem no podem narrar toscas palavras:

Excede a dor humano sofrimento!

Saudades que a minha alma aflita sente,

Podem-se imaginar; mas no dizer-se.

Ah quando penso em ti, eu me arrebato:

Futuras produes imaginando,

No cesso de chorar a falta, a perda,

Que as Belas Letras, Sculos vindouros

Choraro, como eu, se a morte horrvel

Inda em flor decepar teus caros dias.

Deste asilo da lgubre Tristeza,

Onde os dias, s noites semelhantes,

Eu passo envolto em luto, envolto em pranto, [2]Te envio tristes ais, ternas lembranas,

Que meu peito fiel a ti consagra;

Escuta-as, se possvel, (pois o triste,

Com as queixas do triste se consola,)

No meigo corao grato as acolhe;

E conhecendo a dor, que assim me fere,

Pondera as mgoas, que suporta, e sente

Falmeno, que sem ti vive morrendo.

Sujeito ao mando teu por lei, por gosto,

Te envio (como amargo talvez til)

O Folheto de meus insulsos versos:

Quem quer escravo ser de teus preceitos,

Sem j mais hesitar, deve cumpri-los

Embora o Zoilo vil louco me chame,

E pura sujeio julgue vaidade. [3]Adeus, meu caro Elmano, adeus amigo,

Os teus ais, aos meus ais unidos sejam;

Unidos vo soar na azul esfera,

Augurando amizade alm da morte.

[1] Aludindo exasperao em que o vi lutando, na ocasio em que excessivas dores muito o atenuavam.

[2] A grave molstia do Amigo, e o prximo falecimento da minha Me, me inspirou os trs versos acima, em tudo conformes aos meus sentimentos.

[3] J mais me atrevera a enviar o Folheto dos meus inspidos versos a to abalizado Mestre, se a sua determinao me no obrigasse a tanto: as desculpas que exijo, e as causas que alego no Prlogo do dito Folheto, no basto a evitar a critica, que na verdade merece a publicidade de semelhantes Poesias, s quais ao presente no dou valor algum.SONETO

Nesta horrvel morada da saudade,

Onde choro, e lamento o teu Destino,

Dirijo preces mil ao Ser Divino,

Que dita o corao, dita a amizade.

Fiel inclinao, pura verdade

Repete ardentes votos de contino:

Tranquilo suportara o mal ferino,

Se pudesse escusar-te a Enfermidade.

Quanto fora feliz, meu caro Elmano,

Se a vida, que te oferto, vida escura,

Em teu lugar sofrera o cruel dano;

Ento com gosto olhara a sepultura;

E resgatando o Heri, alegre, e ufano,

Meus dias entregara Morte dura. [1] Por Felisberto Ignacio Janurio Cordeiro.

[1] Se os versos dos dois tercetos parecerem afectados, e excessivos; para se pensar de modo contrario, baste a lembrana, de que o homem verdadeiramente Filosofo, que tem uma existncia triste, e pouco interessante, no ter nunca dvida (sendo possvel) em sacrificar a sua vida durao da dos homens sbios, teis, e necessrios Republica das Letras, e Sociedade Civil.

FIM.

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