boletim paulista de geografia

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIAISSN 0006-6079

O Boletim Paulista de Geografia é editado pela Associação dosGeógrafos Brasileiros - Seção Local São Paulo.

Os trabalhos exprimem as opiniões dos respectivos autores e nãonecessariamente da AGB-SP ou dos editores do BPG.

Editores: Carolina Massuia de Paula, Elisa Favaro Verdi, FernandaPinheiro da Silva, Léa Lameirinhas Malina, Maíra Bueno Pinheiro, PauloMiranda Favero e Sonia Maria Vanzella Castellar.

Conselho Editorial: Alvanir de Figueiredo, Ana Fani Alessandri Carlos,Ana Maria Marques Camargo Marangoni, Ariovaldo Umbelino de Oliveira,Armen Mamigonian, Eva Alterman Blay, Gil Sodero de Toledo, João JoséBigarella, José Pereira de Queiroz Neto, José Santiago Rivera, José deSouza Martins, Juergen Richard Langenbuch, Luis Augusto de QueirozAblas, Lylian Coltrinari, Manoel Fernando Gonçalves Seabra, MarceloMartinelli, Pasquale Petrone e Sonia Maria Vanzella Castellar.

Diretoria da AGB-SP (2006-2008): Regina Célia Bega dos Santos (dire-tora); Leandro Evangelista Martins (vice-diretor); Tiago de Castro (1º se-cretário); Luís Fernando de Freitas Camargo (2º secretário); André Luizde Carvalho (1º tesoureiro); Vicente Eudes Lemos Alves (2º tesoureiro);Sonia Maria Vanzella Castellar (coordenadora de publicações); Léa Lamei-rinhas Malina (coordenadora de biblioteca); Maíra Bueno Pinheiro (co-ordenadora de intercâmbio); Eliane de Mello Garcia (coordenadora dedivulgação); Carlos Henrique da Silva, Elaine Cristina Mineiro e FernandaPinheiro da Silva (bolsistas).

Os artigos publicados no Boletim Paulista de Geografia são indexadospor: Geo abstracts, Sumários Correntes Brasileiros e Geodados: http://www.dge.uem.br/geodados.

Pede-se permuta – On demande l’échange – We ask for exchangePiedese canje - Man bittet um Austausch - Si richiede lo scambio

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação vigente.Dezembro de 2007

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 88, p. 7-40, 2008

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ENTREVISTAS

Copyright 2008 – Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

É proibida a reprodução parcial ou integral,sem autorização prévia dos detentores do copyright

Boletim Paulista de Geografia / Seção São Paulo - Associação dos Geógrafos Brasileiros. - nº 1 (1949) - São Paulo: AGB, 1949.

Irregular

Continuação de: Boletim da Associação dos Geógrafos Brasileiros

ISSN 0006-6079

1. Geografia 2. Espaço Geográfico 3. História do Pensamento Geográfico. I. Associação dos Geógrafos Brasileiros. Seção São Paulo.

CDD 910

Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/USPFicha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608

Editoração eletrônica e impressão:Xamã Editora

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BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, SÃO PAULO, nº 88, p. 7-40, 2008BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIANÚMERO 88 SÃO PAULO – SP JUL. 2008

EDITORIAL ............................................................5

ENTREVISTAS

ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA............................. 7

JOSÉ BUENO CONTI............................................... 17

ARMEN MAMIGONIAN............................................. 27

DOUGLAS SANTOS................................................. 31

ARTIGOS

Paulo Cesar Scarim................................................. 41

A CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA ACADÊMICA NO BRASIL

Charlles da França Antunes; Manoel Fernandes deSousa Neto ....................................................... 73

OS ESTUDANTES, A ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS(AGB) E O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO CRÍTICA DA GEOGRAFIABRASILEIRA

Diamantino Alves Correia Pereira .................................. 89

A AGB, OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A GEOGRAFIA: UPEGE,AGB E MOVIMENTO ESTUDANTIL NO FINAL DA DÉCADA DE 70

Ruy Moreira........................................................... 97

AS TRÊS GEOGRAFIAS: REFLETINDO PELO RETROVISORSOBRE OS PROBLEMAS DE TODA MUDANÇA

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ENTREVISTASPaulo Miranda Favero ................................................ 115

POR UMA GEOGRAFIA SUBVERSIVA

José Pereira de Queiroz Neto........................................ 127

ADQUIRIR CONHECIMENTO: O PAPEL DA PESQUISA, O TGI, APÓS-GRADUAÇÃO E OUTRAS HISTÓRIAS

Breno Viotto Pedrosa................................................. 145

MEMORIALISMO, RÓTULOS E COLONIALISMO: IMPRESSÕESSOBRE O I COLÓQUIO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO PENSA-MENTO GEOGRÁFICO

INSTRUÇÕES E NORMAS PARA ELABORAÇÃO DE ORIGINAIS.......................................................................157

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EDITORIAL

Esse é um daqueles BPGs que dá orgulho de fazer. Não só pelosautores, mas também pelas histórias contadas, opiniões e pontos devista. A edição 88 do Boletim Paulista de Geografia faz um balanço dos 30anos do movimento de 1978, que transformou a AGB e a Geografiabrasileira.

A primeira parte desta publicação tem quatro entrevistas, comAriovaldo Umbelino de Oliveira, Armen Mamigonian, José Bueno Conti eDouglas Santos. A intenção foi fazer quase que as mesmas perguntaspara todos eles, pois assim poderíamos ter como comparar as visões sobreaquele momento do final da década de 70.

Mas este BPG tem ainda alguns artigos que tratam desde o começoda Associação dos Geógrafos Brasileiros até perspectivas para o futuro.A publicação também retrata a relação dos estudantes com a entidade evice-versa.

Mais do que uma lembrança saudosista do movimento de 1978 naGeografia, este BPG procura fazer um balaço daquele período – sem querercontemplar todos os pontos de vista – e deixar para que cada um tiresuas conclusões. É uma publicação que serve de memória de um momentoimportante e apresenta o movimento da Geografia neste período.

Finalmente, recorremos a um texto antigo da AGB-Niterói, que diziaem uma de suas publicações que fazia referência ao 5º Encontro Nacionalde Geógrafos: “Modo de usar: leia, procure um grupo de interessados ediscuta o que leu, sem o que pouco valerá. É no diálogo que se constrói.Procure a AGB e publique suas conclusões pois este caderno não é sódos figurões”.

Nós também sonhamos com essa discussão. Esperamos que estapublicação consiga abrir o debate e ajude a pensar os rumos da AGB e daGeografia. Que reflexões sejam feitas e a partir disso gerem outros textose outros debates. E que, cada um ao seu modo de usar, tire o máximo deproveito.

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ENTREVISTAS

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ENTREVISTAS

ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA*

Como foi sua participação no Movimento de 78 da Geografia?Bem, em primeiro lugar é preciso dizer que eu não estive no Encontro

Nacional de Fortaleza. Na realidade, eu fazia parte de um conjunto deestudantes de pós-graduação que atuava na AGB-São Paulo, e atravésdela nós começamos um processo, primeiro de alteração do BoletimPaulista de Geografia – de suas edições, formato e do logotipo da entidade-, que passava a ter como objetivo a produção e publicação de artigoscríticos sobre a sociedade e a Geografia em geral. Essa mudança começoua se dar a partir do número 52 do BPG, salvo engano da minha parte, edepois o número 54 se constituiu como uma espécie de marco, ícone,uma vez que trazia um artigo importante, entre vários outros, do ManoelCorreia de Andrade, de crítica a várias correntes da Geografia brasileira.E é, ao mesmo tempo, com o BPG e textos avulsos que a AGB-São Paulopublicava através da Seleção de Textos, que começavam a ser publicadosos textos do professor Milton Santos, aos quais, até então, poucostinham acesso aqui no Brasil.

Assim, foi esse trabalho, feito em São Paulo, que funcionou comouma espécie de back ground a partir do qual foram possíveis as mudançasque começaram a ocorrer a partir de Fortaleza. Isso do ponto de vista daGeografia e da contribuição dos que estudam Geografia à Geografia.

Do ponto de vista político, as mudanças na AGB já tinham começadoaqui, na antiga Seção Regional de São Paulo, a qual já tinha aberto apossibilidade não só da participação dos estudantes na Associação, comotambém da participação, do exercício da democracia direta, na eleiçãopara a entidade aqui de São Paulo. Isso ainda não ocorria na AGB Nacional,uma vez que havia uma distinção entre os sócios chamados titulares eos chamados colaboradores: estes últimos, evidentemente, podiam votar,mas não podiam “ser votados”.

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP. Entrevista realizadaem 13 de junho de 2008.

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Então, na realidade, minha participação foi restrita a esse grupoque em São Paulo promoveu ou participou da promoção desse conjuntode mudanças.

Quais foram os erros e os acertos daquele movimento?Do ponto de vista histórico, é preciso dizer que na raiz desse movi-

mento havia duas perspectivas que eu penso fundamentais. A primeiradiz respeito a um processo de política interna da entidade AGB, no senti-do da sua efetiva democratização, já que a sociedade brasileira vivia oprocesso de redemocratização, com o início da própria abertura política.Ao mesmo tempo, do ponto de vista teórico e metodológico, houve aabertura da perspectiva das pesquisas na Geografia sob a ótica marxista.

Assim, esses foram os dois pontos principais. Se foram acertos ouerros, isso depende da contribuição que o conjunto dos que participa-ram desse processo deixaram. Minha avaliação inicial é de que não setrata de acerto ou erro. A perspectiva marxista na Geografia brasileira éuma realidade, tornou-se uma realidade a partir desse processo, e vemse tornando uma realidade: hoje ela é uma corrente de pensamento queproduz conhecimento na Geografia, e conhecimento de qualidade e pa-drão internacional.

Qual a importância da Upege nesse processo?Bem, a Upege tem uma história curiosa, porque ela reunia os estu-

dantes dos cursos de Geografia do Estado de São Paulo, mas tambémnunca teve uma participação de natureza política efetiva. Na realidadeela funcionava como uma espécie de grande encontro dos estudantesde Geografia, em diferentes cidades do interior de São Paulo, junto comuma parcela infelizmente reduzida de professores que estimulavam es-ses encontros estudantis.

A Upege não tinha o caráter de uma organização estudantil, comba-tiva etc. Na realidade, ela se constituía como uma entidade de finalida-de mais cultural e científica: como a AGB não acolhia os estudantes, elesapresentavam os trabalhos de seus inícios de pesquisa exatamente noseventos da Upege, que funcionava como uma parte dos eventos da AGB,embora não houvesse vinculação das duas entidades. Justamente profes-sores que eram da AGB coordenavam uma parte dos trabalhos acadêmi-cos na Upege.

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Eu participei de quatro eventos da Upege, e não me lembro de ne-nhum em que tenha havido discussão de natureza política, mesmo quenós estivéssemos sob a ditadura, naquele período em que cursei a Uni-versidade de São Paulo, entre 1967 e 1970. Entretanto lá se discutiam asdiferentes correntes de pensamento da Geografia brasileira, e eu melembro que Pierre George e a sua Geografia historicista era a vanguardados debates acadêmicos nos encontro da Upege.

Foi no final dos anos 70, que a Upege ganhou um caráter maispolítico, isso já em decorrência da participação de gerações mais jovens,que foram para a Upege e fizeram, também no seu interior, uma trans-formação de natureza política, tornando-a uma entidade mais combativa,mais representativa. Inclusive que teve na sua história a publicação deduas pequenas revistas, dois números de uma revista chamada TerritórioLivre.

Como ficou a AGB nas décadas seguintes?É preciso dizer que o Encontro de Fortaleza, em 78, ainda que tenha

sido um momento de ruptura, tratou-se de fato de uma ruptura mais doponto de vista acadêmico e, portanto, teórico-metodológico, do quepolítico. Porque a chapa vencedora das eleições no Encontro de 1978era composta por professores que há tempos participavam da AGB, enos marcos do estatuto que ela possuía naquele momento, um estatutoprofundamente antidemocrático.

Porém essa diretoria teve de assumir publicamente, em Fortaleza, ocompromisso de convocar uma assembléia de reforma dos estatutos daAGB. Foi nessa assembléia, em 1979, no anfiteatro de Geografia da USP,que ocorreu a ruptura político-institucional na entidade, uma vez que adiretoria abriu a assembléia e pediu sua demissão coletiva. Ou seja, emplena assembléia a entidade fica acéfala, coisa que teve de ser resolvidarapidamente pelos participantes da mesma, os quais criaram uma comis-são coordenadora que levou a entidade até o Encontro de 1980 na PUCdo Rio de Janeiro.

Bem, nessa assembléia de 79 foi eliminada a separação entre sóciostitulares e colaboradores, o que garantiu o direito de participação dosestudantes na entidade, e realizou a possibilidade da sua efetiva demo-cratização. Esse processo foi bastante delicado e, durante o ano de 79,essa comissão organizadora - formada pelos professores Ruy Moreira, Carlos

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ENTREVISTAS

Walter Porto Gonçalves, José Marinho Gusmão e eu - teve o cuidado denão tomar decisão alguma que pudesse abrir qualquer possibilidade decontestação de caráter jurídico com relação à entidade.

Mas é um fato que essa ruptura de 79, quer dizer, essa combinação78-79, abriu a possibilidade para que uma parte dos sócios da AGB queevidentemente não concordavam com esse processo democrático e comessa participação de pessoas vinculadas a um pensamento marxista naGeografia passassem a boicotar a entidade. E outros, a irem na direçãode compor outras entidades, nas quais pudessem continuar sua partici-pação acadêmica desvinculada da AGB. Entre esses grupos é preciso ci-tar, de um lado, o que passou a formar o Encontro Nacional de GeografiaAgrária e, de outro, o que formou o Encontro de Geografia Física Aplica-da. Foram grupos que romperam naquele período, com a AGB.

No entanto a ruptura mais grave se deu no seio dos representan-tes da AGB que trabalhavam no IBGE, os quais deram um golpe, crian-do, no Rio de Janeiro, uma entidade chamada Comissão Nacional daUnião Geográfica Internacional, que passou a representar a Geografiabrasileira na União Geográfica Internacional, tirando da AGB essa pos-sibilidade. E, conseguiram inclusive, que o IBGE tirasse o apoio à reali-zação do IV Encontro na Universidade Federal do Rio de Janeiro, apoioque tinha sido decidido em Fortaleza. Ao mesmo tempo, os professo-res da própria Universidade Federal do Rio de Janeiro também retira-ram o apoio para a realização do Encontro Nacional naquela universida-de. Isso deixou a comissão coordenadora “dos quatro” numa situaçãomuito difícil, que só foi contornada pelo papel fundamental do profes-sor Orlando Valverde, professor da PUC do Rio que, numa conversa di-reta com o reitor da PUC na época, conseguiu fazer com que reitoriada PUC compreendesse o momento político que a AGB estava vivendo,e, assim a PUC cedeu gratuitamente suas instalações para a realizaçãodo Encontro do Rio de Janeiro.

Esse Encontro felizmente reuniu 1.600 pessoas, sacramentando as-sim, de forma definitiva, a democratização no interior da AGB. E, aomesmo tempo, trazendo para os debates no interior da entidade a pers-pectiva marxista, que sempre foi, de certo modo isolada no interior daantiga AGB, com exceção do professor Armem Mamigonian, que sempreparticipou de forma ativa, aberta e franca, como é do seu modo de ser.Na AGB, até então, havia certa restrição ao marxismo, já que prevalecia

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o pensamento de que a perspectiva marxista era ideologia, não era ci-ência, não podia fazer ciência, e, portanto na AGB, uma entidade cul-tural e científica, não cabia acolher essa corrente de pensamento. Éevidente que ela existiu por parte de outros professores, mas de fatohavia uma certa segregação. Além disso, havia uma certa posição dosgeógrafos do IBGE, geógrafos de um aparelho do Estado, no sentido degarantir que a Geografia que se produzisse no Brasil fosse uma Geogra-fia a serviço do Estado.

Como uma Geografia oficial?Não, na verdade eu prefiro do Estado. Uma Geografia oficial nunca

existiu no Brasil, no meu modo de entender, embora colegas dêem essadenominação. Na realidade uma Geografia oficial só existiria se o Estadotivesse, por si, uma proposta, como existiu no Nazismo na Alemanha.

Do ponto de vista ainda da seqüência da vida da AGB na década de 80,a consolidação da entidade vai se dar em 1982, no Encontro de PortoAlegre, quando ocorre a participação internacional de vários represen-tantes da Geografia da Europa e da América Latina. E com isso pratica-mente a AGB resolve seus problemas voltados para a democratização. Mas,por outro lado, a década de 80 foi o período de radicalização do ponto devista da saída de uma parte dos sócios da AGB da entidade, uma vez queeles evidentemente não concordavam com esse processo.

Bem, é óbvio que nesse processo todo houve radicalizações levan-do a situações que não foram agradáveis. Muitos desses professores quetinham deixado a entidade, com o calor do debate, sobretudo estudan-til, em que palavras mais radicais eram ditas, e, como nem todo acadê-mico tem estrutura emocional para enfrentar uma crítica radical, senti-am-se muitas vezes ofendidos pessoalmente. O que na realidade eu pensoque nunca existiu; o que existiu foram situações de radicalidade mes-mo, nas quais inclusive as posições enunciadas no calor do debate nemsempre tinham correspondência com a prática e com a vida cotidianados estudantes que radicalizavam.

Mas de qualquer forma foi inegável que o movimento de democra-tização trouxe não só uma participação massiva dos estudantes na enti-dade como trouxe a participação massiva dos professores da rede públi-ca nos eventos da entidade. E, isso oxigenou a AGB de modo que elaganhasse um espaço de debate que fez com que as diretorias da década

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ENTREVISTAS

de 80 tivessem de criar um Encontro particular voltado para o ensino daGeografia, o que mostra uma vitalidade e uma força que evidentementenão pode ser menosprezada.

Então, a década de 80 foi uma década que eu chamaria de radi-calização, mas ao mesmo tempo de consolidação do processo democrá-tico e de consolidação do avanço do marxismo no pensamento geográfi-co brasileiro.

Muitos se afastaram da AGB após 78, por quê?Eu penso que o afastamento ocorreu muito mais em função do fato

de que esses professores não concordavam com a perspectiva marxistana Geografia do que por qualquer outra razão. Porque de fato nuncaninguém foi proibido de participar dos eventos da AGB, e nunca a enti-dade que se democratizou deixou inclusive de fazer convite a muitosdesses professores, que na grande maioria das vezes diziam não. Entãoeu penso que a atitude de radicalização foi muito maior da parte deles,dos que se afastaram, do que daqueles que estavam no comando daentidade. E, por discordância político-ideológica, é preciso de formadefinitiva que isto fique claramente colocado.

Quando a assembléia em 1979 foi aberta e a diretoria renunciou, etambém se afastou, foi porque ela sabia que a reforma dos estatutos iase fazer em São Paulo. Aqueles que defendiam a democratização da AGBtinham uma sólida base de participação significativa aqui em São Paulo,e a assembléia da AGB tinha que ser feita na sede da entidade e a sedeera São Paulo. Então, a diretoria sabia que ela não conseguiria frear areforma dos estatutos porque a participação na assembléia era maciça-mente de pessoas favoráveis à democratização. Foi uma articulação denatureza política.

Houve alguma contribuição teórico-metodológica do movimentode 78 para a Geografia?

Eu penso ser inegável que a Geografia brasileira que passou a serproduzida, sobretudo nas múltiplas perspectivas chamadas críticas, nopós-78, colocou a produção acadêmica nacional em igualdade de con-dições em relação à produção internacional.

De qualquer maneira, é preciso dizer que evidentemente há dife-renças, e as diferenças teórico-metodológicas passaram a ocorrer no

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seio da própria Geografia que comandava esse movimento a qual euvou chamar de influência marxista. O professor Armando Correia daSilva, num artigo publicado no BPG, deixou muito claro as diferençasentre Geografia Crítica e Geografia Radical. Ou seja, entre uma Geografiacomprometida apenas com o debate intelectual, acadêmico, dialéticoetc., e uma Geografia que se envolvia com os movimentos sociais, comos partidos políticos, e passava a lutar por avanço na democratizaçãoda nossa sociedade.

É evidente que essas diferenças foram crescendo. Outras correntesforam aparecendo e ganhando corpo, por exemplo, as de naturezafenomenológica, algumas numa fenomenologia nitidamente historicista,outras numa fenomenologia que incorpora também de certo modo umacrítica da sociedade. Eu penso que esse movimento da Geografia coinci-de, é bom lembrar, com a ampliação dos cursos de Pós-Graduação emGeografia e com o aumento da produção intelectual na Geografia, porconta deles. E, também com uma queda da importância do IBGE comocentro de produção do conhecimento geográfico no país. Foi essa con-tradição que fez com que esses centros de Pós-Graduação que foramnascendo começassem a incorporar alunos, num primeiro momento, edepois professores, pesquisando e ensinando a partir dessa perspectivamais crítica, conseqüentemente consolidando a influência marxista e aperspectiva crítica na produção acadêmica da Geografia brasileira.

Como esse movimento reverbera hoje?Bem, é preciso dizer que esse movimento também sofreu mudanças

no final dos anos 80 e começo dos anos 90, como tudo no mundo daquelaépoca, em função da crise do socialismo e do fim da União Soviética e dosocialismo dos países do Leste Europeu. Isso fez com que uma partedesse pensamento de influência marxista fosse na direção do que euchamo de um neo-historicismo de diferentes matrizes. Alguns de matrizclaramente apenas historicista, outros de matrizes fenomenológicas.Assim, foram se instalando em vários centros de Pós-Graduação da Geo-grafia do Brasil, e fazendo uma Geografia descomprometida com os pro-cessos de transformação social.

É evidentemente que aquele grupo que restou, que abraçava essaperspectiva de uma produção da Geografia engajada socialmente, vai decerto modo perdendo quadros e tendo diminuído de fato seu número

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ENTREVISTAS

de pesquisadores, vamos dizer assim, genuinamente marxistas na pro-dução do conhecimento geográfico.

De outro lado, essa crise também abriu perspectiva para uma críticaradical a esse marxismo que se tinha incorporado à Geografia, verifican-do-se assim uma divisão entre os marxistas. Mais ou menos seguindo aproposta feita por Michael Löwy, nós vamos ter no marxismo basicamentetrês correntes: uma de caráter mais estruturalista, e com forte viés eco-nomicista; uma de caráter historicista, sobretudo de influênciagramsciniana; uma leninista, também radicalmente defensora da cen-tralidade do trabalho na lógica do desenvolvimento social no mundo capi-talista; e uma outra mais ligada à perspectiva lefebvriana de fazer a críticado marxismo e voltar à releitura das obras de Marx, procurando encontraraí novos rumos e novos caminhos. Evidentemente, também essas corren-tes vão se dividir entre aquelas que privilegiam a prática e aquelas queprivilegiam a teoria e o avanço da teoria.

Enfim, hoje só há uma conclusão: essa chamada corrente de origemcrítica na Geografia está muito dividida em múltiplas vertentes de pen-samento.

Após 30 anos, há algum arrependimento?Nenhum. A resposta deveria ser só essa, mas acho que é interessan-

te essa pergunta porque sempre que a história se faz, há a possibilidadeda reflexão sobre esse processo todo do qual eu tive a chance de parti-cipar. É preciso dizer que a história que nós pudemos viver foi a provainequívoca de que havia razão entre aqueles que participaram dessemovimento de 78. Porque se não houvesse, não teríamos conseguidoconquistar uma importância na produção acadêmica da Geografia, quehoje é uma área do conhecimento reconhecida de forma plena no mun-do acadêmico.

Como você analisa o atual momento da AGB e da Geografia?Bem, eu gostaria de fazer uma pequena digressão sobre a AGB.Eu penso que todos nós que participamos desse processo cujo mar-

co é 78 podemos fazer a reflexão por dentro da entidade, em função dasmúltiplas experiências que a entidade viveu nesse período. Eu chego auma conclusão apenas, a de que a AGB não é uma organização, na reali-dade ela é um movimento, um movimento que se reúne e que independe

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das estruturas organizativas existentes, oficiais ou não, da entidade.Ela se reúne nos eventos, nos encontros e congressos, e eles se tornamum congraçamento de um número tão espetacular de participantes quenem mesmo nós, que vivemos a entidade, conseguimos explicar essefenômeno.

Então, eu penso que o caráter de movimento é muito mais flexível emostra que a entidade não ficou amarrada aos seus ranços estruturais eorganizativos e, ao contrário, foi na realidade a convicção dos que par-ticipam que fez dela uma entidade forte como é nos eventos, ainda quetodos aqueles que participem dela acabem chegando à conclusão deque ela não tem a força que os eventos mostram.

Quais as perspectivas da Geografia e da AGB para os próximos 30anos?

Eu penso que a AGB, se conseguir continuar sendo esse movimentoa que eu fiz referência na questão anterior, terá vida longa. E essa vidalonga virá agora em função do papel cada vez mais importante que aGeografia está adquirindo na produção do conhecimento e nas análisesinterpretativas sobre a realidade que vivemos.

Então é esse o papel intelectual que poderá dar à AGB uma forteparticipação durante os próximos 30 anos, mas há que se garantir oespaço democrático conquistado, ou seja, ela tem que continuar sen-do uma entidade que congrega pesquisadores, professores e estudan-tes. Essa é a condição, penso eu, fundamental para que os próximos 30anos sejam muito mais frutíferos do que puderam ser os 30 anos que sepassaram.

Como você vê o surgimento da Anpege e sua relação com a AGB?Bem, a Anpege e seu nascimento têm um pouco da mesma história

dos outros movimentos divisionistas que aconteceram no interior daAGB. O grupo que desde o início sempre quis criar a Anpege era umgrupo que participava dos Encontros Nacionais de Geografia Agrária, li-derado, sobretudo pelo professor Alexandre Filizola Diniz, de Sergipe, epor outros colegas do Rio de Janeiro.

Na realidade, enquanto a Anpege teve esse caráter, esse grupo nãoconseguiu criar a entidade. Só depois que no interior da AGB foi sendoamadurecida a possibilidade do nascimento de eventos temáticos parti-

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ENTREVISTAS

culares - o de ensino foi um deles, mas o nascimento do Simpósio deGeografia Urbana também tem essa característica -, é que foi possívelque a Anpege nascesse como uma entidade.

Além disso, haviam já se passado quase 20 anos e, evidentemente,uma parte expressiva dos professores que tinham deixado a AGB já tinhavoltado a participar da entidade. Então na realidade o nascimento daAnpege não representava uma ação política de divisão no interior daAGB. E por isso a Anpege nasceu e continua sua existência.

Eu penso que apenas o Encontro Nacional de Geografia Agrária aindacontinua sendo um encontro, dependendo da faculdade que é sua sede,que não estabelece diálogo com a AGB, ao contrário, às vezes até tomaatitudes radicais com relação à AGB. Mas de qualquer maneira ele tambémjá não tem mais a força intelectual e acadêmica que teve no passado.

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JOSÉ BUENO CONTI*

Como foi sua participação no movimento de 1978 da Geografia?Eu era secretário-geral da AGB no momento em que aconteceu a

reunião de Fortaleza de 78, então participei intensamente, fazendo parteda mesa que presidia diversos trabalhos.

Na sessão final daquele encontro, quando a diretoria da AGB deviaeleger a diretoria para o biênio seguinte, começaram as manifestações,digamos assim, do público, da massa presente no auditório do TeatroJosé de Alencar. Esse grupo, que era dominado pelos estudantes, exigiaparticipação nas eleições, o que não era possível porque só sócios efe-tivos podiam participar. E eles diziam: “Esse é um procedimento elitista,coisa de uma aristocracia, nós queremos participar”. Eu, que era secre-tário, disse: “Não, acho que isso tem de ser pensado duas vezes, por-que não podemos desobedecer ao estatuto”.

Havia dois candidatos à presidência – nesse ano houve uma espéciede disputa. Eram o professor Casimiro Medeiro de Jacobs, do Rio Grandedo Sul, e o professor Marcos Alegre, daqui de Presidente Prudente, emSão Paulo. E o público lá presente dizia: “Nós queremos que os dois seapresentem aqui e digam qual é seu projeto de governo, de um e deoutro”. Todo mundo estava de acordo com isso, inclusive os próprioscandidatos. Mas eu pedi a palavra e disse: “Não, não acho que isso temde ser feito porque não são vocês que vão votar, apenas os sóciosefetivos, e seria uma comédia: um deles chega aqui e fala o que pretendefazer, o outro também fala o que pretende fazer, depois vocês vão emborae quem vota é um outro colégio eleitoral – é como se o candidato agovernador de São Paulo fosse fazer comício no Rio de Janeiro, emMaceió. De maneira que eu não estou de acordo, eles não têm nada oque falar pro grande público aqui”. Eu fui vaiado, né?

Tinha muita gente?Tinha, nossa, estava superlotado o teatro... E eles acharam que se

tratava de uma posição elitista, aristocrática. Eu neguei isso: “Estou

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da USP. Entrevista realizadaem 13 de junho de 2008.

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falando estatutariamente”. Meu pronunciamento foi absolutamente des-considerado, porque os dois candidatos estavam de fato dispostos aapresentar seu programa para aquele público, e isso foi feito, eles apre-sentaram. Depois o público saiu, reuniram-se os sócios efetivos e ele-geram o Marcos Alegre.

Isso mostra como eu estava presente em 78, e como já começou umconfronto entre a minha posição e a posição que estava crescendo, e queseria dominante no ano seguinte... Decidiu-se então fazer no ano se-guinte uma assembléia para a reforma dos estatutos, uma assembléia ex-traordinária, já que elas só ocorriam de dois em dois anos, mas teria dehaver uma no ano seguinte, para mudar os estatutos. Para acabar com ossócios efetivos, para acabar com as Seções Regionais e criar a GestãoColetiva. Então se fez um amplo projeto de um novo estatuto da AGB,mais ou menos nessa linha, e houve a reunião de 79, uma continuação doque houve em 78. E ainda no ano de 79, aqui em São Paulo, isso foi votado,foi voto vitorioso, e a AGB mudou em termos de estatutos.

Após 30 anos, algum arrependimento?Eu acho que o arrependimento foi só um. No primeiro dia dessa as-

sembléia de São Paulo, quando ia começar o processo de discussão sobreo novo projeto de estatuto, acho que o professor Ruy Moreira e o CarlosWalter, que lideraram o movimento, levantaram e disseram: “Não, nósqueremos que o voto não seja feito apenas pelos sócios efetivos”, queocupavam só um terço da sala. O professor Ariovaldo, por exemplo, erasócio efetivo e estava presente. E eu, o professor Araújo Filho, o profes-sor Manuel Correia de Andrade. Lá atrás, no meio de uma multidão dealunos, o professor Carlos Walter e outros: “Não, a votação não vai serassim pelos sócios efetivos, vai ser por todos aqui presentes.” E entãovárias colocações foram feitas: “Mas estudante não tem direito a voto,não pode ser, eles não podem votar”; “Então vamos fazer uma solução decompromisso: o artigo é posto em votação, primeiro pelo grupo maior,pelo plenário completo, e depois o mesmo artigo vai ser votado só pelossócios efetivos ali presentes”. Eu então disse: “Não concordo com isso,é um projeto de coação: esse grupo todo vai manifestar sua opinião enós vamos ser coagidos...”. Nós saímos, nos retiramos da sala. Eu, o Ara-újo, o Manuel Correia de Andrade e o Gervásio Rodrigues Neves. E eudisse: “Não volto mais pra sala, porque não concordo absolutamente; se

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o presidente, o Marcos Alegre, que tinha sido eleito em Fortaleza, queestava presidindo os trabalhos, concordar com esse procedimento, en-tão ele que entregue pra esse grupo majoritário essa plenária, porqueeu não vou mais votar”. E o Araújo também, o Manuel Correia de Andradetambém, todos no pátio aqui fora. Veio o Gervásio e nos disse, e tam-bém a outros que estavam ali: “Vocês estão sendo muito radicais,” – oGervásio também era sócio efetivo – “não tem importância nenhumaque eles votem antes de nós, vamos voltar pra sala e seguir o processo”.E disto eu me arrependo: o Araújo disse “Vamos voltar, sim”, e eu voltei– disso eu me arrependo. Só eu, porque os outros dois, o Araújo e oManuel Correia, não.

Eu não devia ter voltado, devia ter ficado do lado de fora, porquemeu ponto de vista era esse, e nós fomos objeto de apupos lá dentro,quando votaram pela extinção do sócio efetivo, dizendo que era umacoisa antidemocrática, uma postura aristocrática. Então eu levantei edisse “Não, ser sócio efetivo não é direito de sangue, como na aristo-cracia, na Inglaterra, é uma conquista de mérito. Para você ser sócioefetivo, é preciso demonstrar uma folha de serviço, demonstrar quetem artigo publicado, conferência, tudo isso; então a gente gostava detrabalhar, escrever, produzir, porque depois se candidatava a sócio efe-tivo como quem vai se candidatar à Academia Brasileira de Letras, erauma conquista de mérito que estava aberta a qualquer um”. E quandofoi posta em votação a extinção do sócio efetivo, só eu me levanteicomo voto contrário, e eu fui vaiado por todo mundo. E assim tudodecorreu, de maneira que a única coisa de que eu me arrependi foi deter voltado para lá, porque o Araújo disse “Não, se a gente não for, nãovai participar de nada, eles vão fazer o que querem”. E eu me convencide que deveria voltar, mas não deveria, porque eles fizeram mesmo oque quiseram...

Depois pedi demissão do quadro de sócios da AGB, mas não logo emseguida, no dia seguinte, apenas em 81, porque eu fiquei olhando paraver como a coisa ficaria... Quando vi que se consolidou o novo modelo,quando achei que não tinha mais volta, então eu escrevi uma carta pe-dindo demissão do quadro social, a qual imediatamente foi concedida.Por isso eu disse depois, numa declaração, que estava evidente que omomento não era para pluralismo de opinião, mas para imperar uma só, eo discordante podia se retirar. Disso eu não gostei, e nos anos seguin-

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tes, até o ano 2000... Quanto tempo depois, quanto tempo depois! Euainda falava sobre o assunto, dizendo que o que foi feito tinha sido umerro, uma violência, que não respeitaram as minorias, não deram direitode opinião às minorias, e isso viciou essa reforma da AGB...

Eu posso falar que não foi um procedimento democrático, foi um pro-cedimento de força. No momento de encerrar a assembléia, o plenárioqueria eleger um novo presidente e a eleição tinha de ser feita pelossócios, ainda. O Marcos Alegre, que estava presidindo, disse: “Nesse casoeu peço demissão do cargo de presidente”, e pelo estatuto deveria assu-mir o vice-presidente, que era o Manuel Correia de Andrade. Mas a assem-bléia aclamou: “Não! Agora temos um novo presidente, temos uma novaAGB. E o Presidente vai ser o Armen Mamigonian”, e o Armen assumiu amesa. E eu falei: “Isso foi um golpe de força, vocês vão me perdoar, masvocês rasgaram o estatuto, e assumiram o poder por um golpe de força”. Eisso eu falei ao longo dos anos, até o ano 2000, e eu falava porque achavaque era o que tinha acontecido.

De maneira que até 2000, infelizmente eu não era mais sócio daAGB, meu currículo ficou mais empobrecido, porque eu não pertenciamais à AGB, mas não pertencia por conta de tudo que aconteceu. Issofoi até 2000. Apesar de eles saberem do que tinha ocorrido, diziam:“Esse professor Conti tem uma obsessão, né, ele podia ter virado a páginae esquecido”, como todos os outros fizeram, o Manoel Correia, o Araújo,todos os outros – os caras viviam o passado e depois esqueceram o quetinha acontecido. Eu não.

Mas em 2002 eu fui surpreendido com uma indicação de que eu tinhasido colocado entre os homenageados no ENG de João Pessoa. Um moçoveio aqui na minha sala e disse: “O senhor tem uma passagem pra JoãoPessoa”. “Mas eu não vou participar do ENG”. “Mas o senhor vai lá paraser homenageado”. Decidiram homenagear nove nomes da Geografia bra-sileira, e consideraram seus nomes mais destacados: o Milton Santos, oCarlos Augusto Figueiredo Monteiro, o Roberto Lobato Corrêa, o OrlandoValverde, e eu no meio deles... Então eu me senti realmente gratificado,porque eles fizeram isso de forma espontânea, sabiam que tinha havidoessa ruptura em 78, e que eu tinha mantido aquela posição, e des-consideraram isso, e me homenagearam. Isso significa que eles tinhamuma outra cabeça, que achavam que nós tínhamos de homenagear aque-les que devem ser homenageados, e não porque pensam dessa maneira ou

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daquela outra. Eu achei isso muito bonito, eu até disse: “Mas tem genteque merece mais que eu, o próprio professor Armen, tenho certeza deque ele merece mais do que eu, e não está entre esses nove; mas emtodo caso o critério de vocês, eu não vou discutir, eu só tenho que agra-decer”. Fui a João Pessoa, recebi essa homenagem, e imediatamente che-guei aqui e escrevi uma carta para o presidente da AGB, que era o Bernardo,pedindo minha reintegração, pois eu achava que tinha sido um gesto degrandeza da entidade, e que eu queria muito voltar a ser participante. Efoi um final feliz, voltei para a entidade.

Muitos se afastaram da AGB após 1978. Por quê?Pelo procedimento, que eu acho que não respeitou as opiniões di-

ferentes, foi uma espécie de rolo compressor. Isso foi um dos motivos.Um outro foi a introdução da Geografia Crítica como hegemônica naGeografia brasileira, naquele momento. E eu, bem, eu nunca achei im-portante a Geografia Crítica, e cada um pode ter o seu ponto de vista,claro, e pode debater, de maneira acadêmica, mas lá não: a GeografiaCrítica veio de uma forma esmagadora, de maneira que excluiu a Geogra-fia Física e a Cartografia, porque não havia lugar na Geografia Críticapara o estudo do relevo apalachiano, o clima da média latitude... Entãoexcluíram a Geografia Física do debate geográfico, e acho que isso foimuito grave, porque empobreceu, mutilou a Geografia. Depois isso pas-sou, essa marola passou, e hoje não é mais assim. Esse foi o outro moti-vo pelo qual eu discordei dos acontecimentos de Fortaleza.

Como ficou a AGB nas décadas seguintes?Tenho pouco a dizer porque eu me afastei completamente, não par-

ticipei, não recebia mais o Boletim Paulista, não participei mais dosENGs... Eu sabia de ouvir falar o que estava acontecendo lá. Fiquei sa-bendo que nos primeiros encontros, logo depois dos acontecimentos deFortaleza, a Geografia Física e a Cartografia nem participaram como te-mas. E depois começaram a voltar. Mas não posso fazer um depoimentosobre essa fase, de 21 anos, porque fiquei afastado da entidade.

Quais foram os erros e acertos daquele movimento?Eu acho que o movimento foi bom, no sentido de que era necessá-

rio mudar aquela estrutura. Quando eu não era sócio efetivo, quando

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era sócio cooperador, eu também me sentia incomodado quando, noúltimo dia, reuniam-se numa sala para eleger a diretoria e nós não éra-mos nem considerados, ficávamos de fora. Eu entrei na AGB em 57, e sófui ser sócio efetivo em 71 – de quantas assembléias eu participei (cha-mava assembléia naquele tempo) em que na hora de votar eu ficava defora, com outros, e ficava incomodado com isso. De maneira que a rigoreu não sou contra que hoje isso não seja mais assim, hoje não, desde79, que todo mundo tenha o mesmo direito político, acho uma coisapositiva. Mas acho que o erro foi a introdução, de uma forma que euchamo de imposta e hegemônica, da Geografia Crítica, porque empo-breceu o debate metodológico.

Houve alguma grande contribuição teórico-metodológica do movi-mento de 1978 para a Geografia?

Para os que são entusiasmados com a Geografia Crítica, eu acho quefoi um avanço muito grande, porque o modo de ver, de entender, deinterpretar foi muito influenciado por esse viés. É uma Geografiafundamentalmente marxista, e para os que se alinharam com essa visãofoi um grande avanço. Eu estava fora disso, só reivindicava o direito dediscordar, só isso.

Como esse movimento reverbera hoje?Eu acho que hoje ele já ficou uma coisa do passado, chegou a um

ponto de equilíbrio. É bom que continue a Geografia Crítica aí, mas essamoda, essa proposta de interpretar os fatos da Geografia hoje convivecom outras propostas. Por exemplo, a questão ambiental hoje tem umespaço importante na Geografia, voltou a prestigiar a Geografia da natu-reza. Então hoje estamos numa situação mais plural, coisa que não hou-ve em 79. Eu fiquei acusando dali para frente que achei que não houvepluralismo lá, mas hoje não, hoje a situação é mais rica, é mais genuina-mente democrática, e faz bem para a Geografia essa diversidade.

Como você analisa o atual momento da AGB e da Geografia?A AGB hoje é uma entidade da maior relevância. Sempre foi impor-

tante, mas hoje é muito mais ainda, por isso tem reconhecimento nacio-nal. E quanto à Geografia, eu vejo isso que acabei de dizer: os pratican-tes da Geografia hoje têm uma cabeça mais variada, mais plural, e é isso

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que eu acho que há de bom na situação atual da Geografia. Por exemplo,a questão das preocupações com o meio ambiente. Mas o meio ambien-te foi sempre objeto da Geografia, que é a relação da sociedade com anatureza: a ocupação predatória, que traz essas conseqüências todas, eo aquecimento global, que é o assunto mais importante. A Geografiaestá presente em tudo isso, porque hoje a coisa é mais aberta, muitospodem comparecer às mesas de discussão e colocar suas opiniões comouma contribuição. É assim que eu vejo, e é uma visão otimista, umavisão que eu acho boa. Como eu estou no final, já até me aposentei, eufico feliz, chamo isso de final feliz (risos) pra minha trajetória. Outroscontinuam aí. Fico feliz que na minha trajetória tenha chegado essemomento, que eu já tinha perdido a esperança de que chegasse, depoisdo que houve em 79, mas não foi assim, a coisa evoluiu depois numsentido mais positivo.

Quais as perspectivas da geografia e da AGB para os próximos 30anos?

A Geografia tem de continuar desempenhando o seu papel de ser ointérprete do espaço, que entende de como o espaço se organiza. Por-que a Geografia não é nada mais do que o estudo dos arranjos espaciaisque estão aí, e que resultam desse processo interativo entre a socieda-de e a natureza. A história cuida disso também... Mas é o geógrafo ogrande expert para interpretar isso, porque tem uma visão abrangente,uma visão de conjunto, que no entanto entende as partes. Isso fala aoutros estudiosos, que precisam ser assessorados. Por exemplo, ogeólogo, que entende do subsolo mas não entende nada da organiza-ção do espaço, das questões urbanas, da questão industrial, e o geógrafoentende disso tudo, não de uma maneira enciclopédica, mas no espa-ço, que é o objeto de interpretação de estudo. Por isso o geógrafo éútil para trabalhos de planejamento, para administração pública, porisso tem agora sua profissão regulamentada, desde o final dos anos 70.É bom que tenha. Eu acho que a presença dele, principalmente nosórgãos de governo, vai ser sempre solicitada, porque cada vez que ogeógrafo participa de uma equipe na qual há arquiteto, meteorologista,geólogo, sociólogo, esses outros estudiosos sentem a importância dogeógrafo. Eu já participei de equipes assim, e depois eles dizem: “Nos-sa, mas como é interessante a contribuição do geógrafo”. Não é minha,

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é do geógrafo. Eles acham interessante porque é uma visão diferenteda deles.

Como você vê o surgimento da Anpege e sua relação com a AGB?Eu participei várias vezes de encontros da Anpege, pois ela veio

depois de 1970, quando se criou o novo modelo de Pós-Graduação, quenós temos hoje. E a Anpege é importante, claro; nas relações com aCapes, por exemplo, a Anpege já tem desempenhado um papel significa-tivo para colocar a Geografia em uma posição da relevância que mereceter. Acho que principalmente nessa ponte entre o mundo acadêmico e aCapes a Anpege desempenha um papel que eu acho essencial.

E no caso da Upege, você nunca chegou a se envolver com o movi-mento estudantil?

Não. Se eu tenho uma falha, se quiser considerar assim, eu nuncafui participante de movimento estudantil. Desde meu primeiro ano dealuno, eu passava de costas lá no grêmio, na rua Maria Antonia. E haviamovimento, passeatas, mas eu nunca participei, nunca fui apaixonadopor isso, por movimento nessa linha. Então quando se criou a União, aUpege, que era uma coisa de estudante, eu achei que ia ter meio esseviés. E não participei...

Mas eu vou dizer por quê: porque eu vim do interior, sou de Atibaia,e meus pais tinham dificuldade de manter dois filhos estudando no cur-so superior aqui em São Paulo. Embora fosse universidade pública, e elesnão pagassem, tinham os filhos fora de casa. Mas eles disseram: “Vocêsnão vão trabalhar fora”. Meu irmão foi estudar Medicina, e eu Geografia.Medicina não tinha opção, mas Geografia podia fazer o curso noturno,trabalhar de bancário para se sustentar, e mesmo assim meu pai disse:“Não, você vai ser sustentado por nós, mas queremos que você faça ocurso diurno mesmo, para não ser sacrificado e ter de estudar ao mesmotempo em que trabalha”. Tanto que eu pude estudar jornalismo, o quefoi muito bom também. E então eu achava que tinha de estudar comseriedade, terminar em quatro anos, não perder nada, porque meu paiestava me sustentando, aliás meus pais, porque minha mãe era profes-sora e também tinha salário. E por isso eu achava que não podia perdertempo em reunião de estudante, tinha de ficar na biblioteca estudan-do. Quando me diziam que eu era “caxias” e não participava de movi-

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mento político, eu falava que queria terminar o curso em quatro anos.Não sei se eu estou certo ou não, mas era isso que me fazia ocupar otempo todo, realmente estudando; minha função era de estudante, só,e eu não participava do grêmio porque achava que isso iria desviar omeu esforço. Eu pensava na minha família que estava me sustentandocomo um privilegiado. Até hoje eu digo isto: quem faz o curso diurno éum privilegiado, e eu fui esse privilegiado. Tanto que eu pude fazer umsegundo curso. Mas por isso eu achei que eu tinha de estudar, e nuncaparticipei de movimento estudantil. Acho também que o meu perfil nãodá pra isso. Pode ser também...

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ARMEN MAMIGONIAN*

Como foi sua participação no movimento de 1978 da Geografia?Provavelmente eu tenha sido o participante mais decidido do movi-

mento nascido na AGB de Fortaleza, dando novo rumo à Associação. Naverdade, como em outras oportunidades, me atirei de corpo e alma nocombate, pois tinha consciência do empobrecimento cultural que a AGBvivia a partir dos fins dos anos 60. Esse empobrecimento teve váriascausas: 1) enquanto na ditadura Vargas tanto o governo quanto na soci-edade havia muito interesse pela geografia, na ditadura pós-1964 a geo-grafia foi sendo marginalizada em favor da economia (o IBGE é o exemplomais escandaloso); 2) os dirigentes da AGB foram perdendo vitalidade,como na passividade frente à novidade quantitativista (Pasquale Petrone,por exemplo); 3) os geógrafos em grande maioria foram perdendo o espí-rito crítico e o hábito do debate, que havia dado tanto vigor à AGB dosanos 50 e 60 etc. Como enfatizei, tive um grande deslumbramento emRibeirão Preto (1954) como participante da equipe de pesquisa sob lide-rança de Aziz Ab’Sáber e R. Maack e quando assisti aos debates entreAziz e J. Dias da Silveira, P. Monbeig e A. França. Vários eventos pos-teriores da AGB me ajudaram e a outros iniciantes a se apaixonarem pelaGeografia e a sentirem sua importância explicativa da natureza e da so-ciedade. Assim sendo, era natural que eu assumisse a rebelião estudan-til na AGB de Fortaleza e estranhasse a reprimenda que me quis passar, àboca pequena, L. Goldstein, inutilmente, por debater com J. Cezar Ma-galhães a proposta de mudança dos estatutos.

Quais foram os erros e acertos daquele movimento?A rebeldia estudantil foi excessivamente infanto-juvenil, embora

sincera, pois os cursos de geografia deixavam muito a desejar, em SãoPaulo e em outros lugares. Mas a grande maioria dos estudantes nãotinha militância na geografia e menos ainda na AGB e sim nos grupelhosdogmatizados (MEP, Libelu, PCdoB etc.), que não viam mais possibilida-de de derrubar a ditadura militar, em processo de abertura “lenta, gra-

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP. Entrevista feitapor e-mail em junho de 2008.

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dual e segura” e procuravam novo campo para sua militância messiânica.Por outro lado, a renovação da AGB-São Paulo e do Boletim Paulista deGeografia sob a direção de Gusmão Pinto e da produção intelectual deMilton Santos não tinha força suficiente (e talvez vontade, pois a AGB-São Paulo estava enfeudada pelo Departamento de Geografia da USP,como hoje) para conduzir o processo de ruptura. Coincidentemente,nem o movimento estudantil nem a AGB-São Paulo apresentaram pro-postas de mudança de estatutos, o que foi feito pelas AGB-PresidentePrudente e AGB-Rio.

Assim sendo, a AGB acabou caindo nas mãos do movimento estudan-til, sob liderança de Ruy Moreira, que assumiu pose messiânica eendeusava os estudantes como “filhos da história” (imaginaram?). Ooligopólio da AGB pré-1978 (Rio + São Paulo + periferia) foi substituídopelo monopólio de 1980-86, quando voltou às mãos da AGB-São Paulo,em 86.

A Upege teve importância nesse processo?A Upege teve importância conjuntural: após 1978, os estudantes da

USP, mais subordinados na época a Ruy do que a Ariovaldo, trataram detomar a entidade, como ocorreu em Presidente Prudente, e organiza-ram reuniões em Niterói e outros lugares, com publicação de debates.Mas a entidade logo desapareceu, quando o movimento estudantil assu-miu o poder na AGB (1980).

Como ficou a AGB nas décadas seguintes?Houve, nos primeiros anos (1978-1983), efervescência intelectual

decorrente da liberdade momentânea, mas esta efervescência teve asascurtas, pois a maioria da “jovem guarda” (Ruy, Carlos Walter, Ariovaldo,Antônio Carlos e outros) não aprofundou a proposta de intersecção ge-ografia-marxismo, jogando excessivamente para a platéia e apoiando-seem autores que visivelmente se afastavam do marxismo (H. Lefévre, Y.Lacoste, J. S. Martins e muitos outros), freqüentemente descartando ageografia feita anteriormente, sem realizar uma superação dialética, comose eles estivessem fundando a verdadeira geografia. Por conseqüência,a AGB foi se dogmatizando com o monopólio de 1980-86 (Ruy Moreira) ouo oligopólio pós-1986 (AGB-São Paulo) que em Goiânia (2004) foi tão arro-gante que obrigou alguns sócios a organizarem sessões independentes

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para discutir Josué de Castro e a China. Outro pecado capital é quedesde 1980 o trabalho de campo passou a ser desprezado na AGB, emfavor da “teoria”, além do desprezo pela Geografia física.

Muitos se afastaram da AGB após 1978. Por quê?Na verdade, a AGB dos “filhos da história” excluiu os antigos sócios.

Milton Santos e Manoel Correia não eram convidados para nada, nemmesmo para a AGB-Salvador, realizada na PUC, onde Milton Santos ini-ciou sua carreira. Aziz e Carlos Augusto, nem pensar, pois geografia físi-ca não era Geografia, além do que faziam sombra... É chocante o fato deque passados tantos anos os maiores geógrafos brasileiros continuemsendo formados pela AGB anterior a 1978 e talvez por isto mesmo quan-do se organizou uma Geografia do Brasil (EDUSP, 1996), a bibliografia deGeomorfologia e Climatologia tenha excluído Aziz e Carlos Augusto.

Houve alguma grande contribuição teórico-metodológica do movi-mento de 1978 para a Geografia?

Creio que as grandes contribuições da geografia brasileira tenhamsido as idéias de formação sócio-espacial, desenvolvida por Milton San-tos, de geo-sistemas, desenvolvida por Carlos Augusto e a teoria dosrefúgios de Aziz. Na verdade, a efervescência de 1978-83 criou muitoruído e pouca luz.

Como esse movimento reverbera hoje?A grande reverberação foi o estímulo à procura independente dos

caminhos, mais freqüentemente com resultados precários. Compare-sea magnífica obra sobre São Paulo sob direção de Aroldo de Azevedo e acolcha de retalhos sobre São Paulo publicada recentemente. Mas o piorpara a AGB foi sua perda de importância e independência frente à novaelite de geógrafos que se foi constituindo nos anos 90 junto aos órgãosde financiamento (Capes, CNPq, Fapesp etc.), valorizando o produti-vismo, impedindo linhas de pesquisa e se subordinando à geografiaeuropéia e norte-americana, num processo de recolonização pernicioso.A primeira colonização (P. Defontaines, P. Monbeig e outros) alavancou ageografia brasileira a níveis internacionais, enquanto a atual apequenaos novos geógrafos. Está sendo criada uma aliança tácita e subalterna aCapel, Levy, Quaini e outros, ex-marxistas que fazem propaganda

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neoliberal, e esta nova elite exerce um poder perigoso, como no casodas três visitadoras da Capes aos programas de pós-graduação que tiveramos seus promovidos. Esta nova elite é negativa para o pensamentobrasileiro, tanto na Geografia como nas outras áreas do conhecimento.

Após 30 anos, algum arrependimento?A história é um processo que não deve dar lugar a arrependimentos

pois erros e acertos devem servir de lições. É necessário seguir os exem-plos dos mestres Aziz, Carlos Augusto, Milton Santos e Manoel Correiade Andrade, entre outros, que nunca se aposentaram da produção inte-lectual e do combate pela nacionalidade e pelo povo.

Como você analisa o atual momento da AGB e da Geografia?A AGB e a Geografia correm sérios riscos. Em João Pessoa, a “home-

nagem” a Armando Correia da Silva e a Milton Santos se resumiu à proje-ção de imagens eletrônicas, próprias à sociedade do espetáculo, e HorácioCapel, pela enésima vez, elogiou o caminho neoliberal. A nova elite fogedo debate intelectual como o diabo da cruz e se alia, a pretexto deintercâmbio científico, ao que há de pior no exterior.

Quais as perspectivas da geografia e da AGB para os próximos 30anos?

No passado, o eixo geográfico Rio-São Paulo foi fundamental para oavanço da Geografia brasileira. Aroldo de Azevedo, por exemplo, apadri-nhou e estimulou Aziz e Milton, que, aliás, se apoiou no estudo de NiceL. Müller sobre o centro da cidade de São Paulo. Hoje o eixo Rio-SãoPaulo é o principal estruturador da “nova elite” feudal e decadente,realizando um sistema de cooptação e corrupção à escala nacional. Tra-ta-se, portanto, de retomar o caminho que levou à antiga grandeza daAGB: estímulo ao debate e à independência intelectual que nos estásendo roubada.

Como você vê o surgimento da Anpege e sua relação com a AGB?A Anpege respondeu a uma necessidade, mas tanto quanto a AGB

está enfeudada às pós-graduações e aos órgãos governamentais de fi-nanciamento. Os verdadeiros poderes, lamentavelmente.

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DOUGLAS SANTOS*

Como foi sua participação no movimento de 1978 da Geografia?É preciso lembrar, primeiramente, que não estive no Encontro de

Fortaleza. Aquele (1978) foi meu primeiro ano como estudante de Geogra-fia e não consegui me organizar financeiramente para poder participardaquela viagem. Outro aspecto importante, que pode ajudar no entendi-mento de minha participação naquele período, é lembrar que entrei naUSP para participar do movimento estudantil e não exatamente para serum geógrafo (ou filósofo, na medida em que essa foi a minha primeiraopção no vestibular). Na época eu militava em uma organização clandesti-na chamada Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP) e, sebem me lembro, no primeiro semestre daquele ano tive muita dificuldadeem identificar e me reunir com meus companheiros. Quando o Congressode Fortaleza aconteceu, ficou impossível a minha participação.

Por outro lado, muito rapidamente conseguimos (eu e meuscompanheiros) participar das direções da União Paulista de Estudantesde Geografia, do Centro Acadêmico Capistrano de Abreu (ou Cege-USPcomo é mais conhecido) e da comissão nacional para a efetivação doprimeiro Encontro Nacional de Estudantes (realizado em Goiânia em1979). Lembro-me, ainda, que em julho de 1979, nas dependências daFFLCH da USP – mais especificamente no Anfiteatro de Geografia – tivemosa assembléia para mudança estatutária. Creio que foi ali que o encontrode Fortaleza terminou de fato. Estudantes das principais universidadesdo país estiveram presentes e exigiram (e conquistamos) o direito devoz e voto. Com o final da assembléia já tínhamos uma nova diretorianacional numa gestão tampão (até dezembro do mesmo ano). Iniciamosali o doloroso caminho de construir e realizar o encontro do Rio deJaneiro. Por fim, na assembléia de dezembro, realizada em Goiânia paraaproveitar a presença maciça de estudantes, fui, pela primeira vez,membro da DEN. Na época, Carlos Walter Porto Gonçalves substituiu RuyMoreira como presidente da entidade.

* Professor do Departamento de Geografia da PUC-SP. Entrevista feita por e-mail em junhode 2008.

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Quais foram os erros e os acertos daquele movimento?A pergunta, colocada 30 anos depois, nos levaria a construir refle-

xões incabíveis para aquele momento. Muitos foram os atores daqueleprocesso. Alguns procurando evitar que ele se realizasse, outros procu-rando acelerá-lo a todo custo. Creio que, ao invés de falarmos de erros eacertos seria mais interessante avaliar os interesses, expectativas e ca-pacidades de realização política de cada um daqueles grupos.

Onde se encontrava o impasse? Ora, tal como o movimento pela anistiae pelas liberdades democráticas, o congresso de Fortaleza uniu um am-plo espectro de sujeitos políticos, com posicionamentos e perspectivasmuito diferentes. Unimo-nos em torno de uma bandeira comum que foise tornando cada vez mais palatável para a sociedade brasileira como umtodo: era necessário superar a era militar, tínhamos de acabar com aditadura. Alguns viam nisso um retorno puro e simples à democracia, nosmoldes em que ela havia sido suprimida na época Goulart. Outros queri-am menos, considerando o final da ditadura uma maneira de evitar que oacúmulo de problemas políticos e econômicos acabasse levando a umarevolução socialista. Havia, ainda, aqueles que acreditavam que estáva-mos dando passos importantes rumo a esta tal “revolução socialista”.Não nos esqueçamos, ainda, dos que apostavam na necessidade de man-ter os militares no poder e, por fim, uma imensa quantidade de pessoasque pouco ou nada compreendiam ou participavam de todo o processoe suas dissensões.

As fissuras e dificuldades comuns a toda a sociedade brasileira, deuma maneira ou de outra, se expressavam no interior da comunidade degeógrafos. Não eram poucos os geógrafos que olhavam com muita des-confiança a idéia de se colocar o conhecimento geográfico “a serviçodos interesses dos trabalhadores e do povo oprimido”. Somos umacorporação (e não estamos sozinhos nisso) com raízes positivistas ab-solutamente profundas. A noção de neutralidade do sujeito sempre sus-tentou as forças de direita (nos seus diversos matizes) e as reivindica-ções nascidas no interior dos movimentos populares, no contexto dessecampo ideológico, nem de perto poderiam ser parâmetro para identifi-car ou projetar os caminhos da construção do conhecimento científico.

Por outro lado, quando pensamos nos diversos sujeitos que compu-nham a “esquerda”, não podemos afirmar com tranqüilidade que tínha-mos em mente muito mais que o simples desejo de fazer, do conheci-

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mento geográfico, mais uma ferramenta para o combate ideológico e,das instituições universitárias, um grande laboratório de militância polí-tica. Isto é, no momento do congresso de Fortaleza, mesmo que pese aía presença do “Por uma Geografia Nova” de Milton Santos, ainda estáva-mos fazendo longos e enfadonhos balanços do passado e passando dire-tamente para uma prática geográfica que deveria se constituir no futu-ro, sem que se esclarecesse como o caminho entre um ponto e outroseria percorrido. Um exemplo interessante foi o livro de Yves Lacoste –“A Geografia, isso serve, antes de mais nada, para fazer a Guerra” – quepoderia ser identificado mais como um panfleto de caráter denunciati-vo, que uma proposta de geografia e que, mesmo assim, foi sucessoentre muitos dos estudantes e geógrafos de esquerda daquela época.

De qualquer maneira, a fragilidade que nos identificava, longe deesvaziar rapidamente o conjunto de proposições colocadas em pauta,exigiu de todos nós um esforço de entendimento e sistematização queresultou na geografia que hoje somos capazes de produzir.

Tratou-se, na verdade, de uma apropriação coletiva da AGB, e dasentidades estudantis, com o objetivo de colocar as discussões da geo-grafia como ponto central de uma pauta que tinha, subliminarmente, aação política contra da Ditadura Militar e a superação do “modus vivendi”capitalista como objetivos a serem conquistado.

Creio que tal aspecto é o mais importante de todo o processo. Nãohavia dúvidas, por parte dos militantes (nos seus diversos níveis e objeti-vos), que a legitimação das nossas ações políticas passava pelo domíniode nosso campo de saber e pela explicitação do significado e das possibi-lidades do discurso geográfico enquanto ferramenta de ação política.

Qual a importância da Upege nesse processo?Considerando que o movimento estudantil foi decisivo na tomada

de decisões e na definição de quais geógrafos, com que perspectivaspolíticas, seriam colocados na linha de frente do processo e, conside-rando ainda, que a Upege representou a entidade de maior espectro(atingíamos todos os cursos de graduação de geografia do Estado de SãoPaulo) político e, mais que isso, que conseguiu se legitimar frente aosdemais estudantes do país, a importância dessa entidade é inegável.

Lembremos que as relações da Upege com os estudantes da Unesp(Rio Claro e Presidente Prudente) foram sendo intensificadas na medida

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em que a entidade conseguiu ser a mediadora entre as novas liderançasdo pensamento geográfico e o movimento estudantil. Além disso, duasoutras ações foram de fundamental importância: o “Projeto Ensino” e arevista “Território Livre”.

O “Projeto Ensino” foi um esforço conjunto entre a Upege, AGB-SP eApeoesp para reunir professores do ensino básico em torno de discussõessobre os conteúdos básicos da geografia. Foi, na verdade, o embrião doFala Professor, realizado pela primeira vez em 1987 na Universidade deBrasília. Lembremos que algumas das intervenções realizadas no interiordesse projeto resultaram em publicações que, com o formato de panfle-tos, foram oferecidas aos professores e estudantes da época.

A revista Território Livre, apesar de ter sido publicada somente doisnúmeros, representou a capacidade de mobilização e organização dosestudantes. Divulgando autores como Ruy Moreira, Milton Santos, Anto-nio Carlos Robert de Morais e Ariovaldo Umbelino de Oliveira, a revistadeixou claro a todos quem e o que importava ao movimento estudantil equais seriam os temas que queríamos discutir.

Como ficou a AGB nas décadas seguintes?Nos limites dados pelos movimentos que provocaram as mudanças

de 78/79, a AGB conseguiu realizar a maior parte do que havia sido pro-jetado. A “gestão coletiva”, a participação maciça de estudantes degraduação e de professores do ensino básico e a capacidade de mobili-zar “corações e mentes” em, praticamente, todo o território brasileiro,mobilizando milhares de pessoas no interior de estruturas acadêmicasesclerosadas, provocando questionamentos, desequilíbrios, subversões.Por outro lado a entidade continua escorregadia o suficiente para nãoter se tornado base de apoio de nenhum partido político específico, oque não a impede de ser caixa de ressonância de reivindicações impor-tantes de alguns movimentos populares. Outro aspecto ainda deve serrealçado: a AGB continua sendo o lócus privilegiado do que se pensa ouainda haverá de se pensar sobre geografia ou, num outro ângulo de re-flexão, do que se pensa ou se haverá de pensar geograficamente sobre omundo e, portanto, o lócus de aprendizagem das velhas e das novasgerações. Um campo para além dos limites da academia sem perder acapacidade de precisar e ordenar a construção da reflexão geográfica.Assim vejo a AGB hoje. Mesmo com suas crises crônicas, seu caráter

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amadorístico, sua incapacidade de verticalizar discussões corporativase sua insistência em garantir no seu interior a presença de grupos queconsidero politicamente reacionários, não há nada que seja capaz desubstituí-la ou superá-la.

Muitos se afastaram da AGB após 1978. Por quê?Especular sobre esse processo é relativamente fácil. Em meio ao

embate político que naquela época se realizou, muitas foram as acusa-ções e, não se deve esquecer, muitos de nós chegamos a festejar oafastamento de algumas figuras que, no jargão da época, representavama direita mais empedernida.

De qualquer maneira, duas respostas podem ser construídas sem que,necessariamente, se eliminem: uma primeira teria de levar em conside-ração que parte considerável dos militantes da AGB, daquela época, pos-suía raízes profundas no pensamento funcionalista e dificilmente admi-tiria que o conhecimento científico poderia ser produzido tendo comoreferência explícita a defesa de classes sociais específicas e, mais queisso, que tais classes e tais conhecimentos advogassem algum estatutode verdade. Um segundo aspecto, talvez menos nobre, envolvia o credode muitos desses senhores de que, com seus afastamentos, iríamos co-locar a entidade a perder e, assim, na pior das hipóteses ela desaparece-ria e eles construiriam outra ou, na melhor das hipóteses, os chamaría-mos de volta para salvar o que porventura houvesse restado.

Creio que os últimos 30 anos foram suficientes para mostrar que oprojeto de AGB esboçado em 78/79 sobreviveu e se fortaleceu nos seusaspectos mais importantes, obrigando muitos dos que se foram (e ou-tros tantos dos que ficaram ou entraram na entidade naquele período) aum aprendizado de convivência.

Houve alguma grande contribuição teórico-metodológica do movi-mento de 1978 para a Geografia?

Muitas e imensas. Evidentemente que citar nomes não significa, deforma direta e objetiva, identificar contribuições teórico-metodológicas.Acontece que não estou conseguindo responder à questão sem iniciarpor uma listagem que, certamente, será negada por alguns (na medida emque tais geógrafos já possuíam um reconhecimento no interior da comu-nidade geográfica que antecede ao movimento de 78/79). Na minha leitu-

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ra, no entanto, independentemente dos acontecimentos pregressos e,mesmo, da vontade pessoal de qualquer um de nós, o movimento redefiniuas forças políticas e o formato da realização do diálogo entre os acadêmi-cos e os diferentes públicos externos que, de uma maneira ou de outra,vão ter contato com a produção do discurso geográfico em todo esseperíodo (isto é, daquela época até os dias de hoje). Assim, figuras comoManoel Seabra, Gil Sodero de Toledo, Armando Corrêa da Silva, Milton San-tos, Ruy Moreira, Carlos Walter Porto Gonçalves, Roberto Lobato Corrêa,Bertha Becker, Manoel Correia de Andrade, Antonio Christofoletti, AriovaldoUmbelino de Oliveira, Maria Elena Simielli, Beatriz Soares Pontes, ArmenMamigonian, Antonio Carlos Robert Moraes, Carlos Augusto FigueiredoMonteiro, Aziz Ab’Sáber e tantas outras mais que, ou passaram a acessarum público em escala nacional ou, se já tivessem esse acesso, passaram afazê-lo sob novas mediações políticas.

A entrada de novos sujeitos e o reposicionamento daqueles que járepresentavam a produção geográfica em escala nacional obrigou àefetivação de diálogos que, até aquele momento, sequer tinham sidopensados, à elaboração de respostas a perguntas que ainda não haviamsido formuladas e, de forma geral, obrigou a explicitações que resultaramnuma nova dinâmica da discussão sobre a qualificação do discursogeográfico produzido entre nós. Só isso, em si mesmo, já teria sidosuficiente para marcar definitivamente os ritmos e rumos da nossaprodução.

Acontece, no entanto, que tais reposicionamentos foram somenteum dos ângulos que pode nos permitir a compreensão do processo e suaavaliação. Há, além disso tudo, uma consigna a ser considerada: a daGeografia Crítica.

Falar da Geografia Crítica me obriga a iniciar pela negatividade: o temanão nos leva a nenhum tipo de identidade de caráter teórico metodológico.Não existe uma Geografia Crítica enquanto uma forma específica de ver omundo e a ele se referir. O que existiu foi um movimento, criado quaseque espontaneamente, que mobilizou – em diferentes escalas e com dife-rentes posicionamentos – os geógrafos que listei acima e tantos outrosque ficaria impossível construir qualquer listagem, com o objetivo explíci-to de provocar mudanças (ou impedir que acontecessem) que reverberas-sem no interior da sociedade brasileira, tanto no que se refere aos funda-mentos de nossa formação econômica e social, quanto à expressão mate-

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rializada da violência política da ditadura de plantão (naquela época, comprofundas raízes na caserna). O final dos anos 1970 e o início dos 1980viram consolidar-se desde movimentos como o “da Anistia” até os de cons-trução de novos partidos, reunindo, sob uma mesma bandeira, represen-tantes de posicionamentos políticos muito diversos. Assim foi na AGB e,igualmente, no movimento que veio a ser identificado como “GeografiaCrítica”. Assim, para que possamos entrar no essencial da discussão, ficao registro de que o uso da expressão “Geografia Crítica” acabou por pos-suir um sentido mercadológico sem que jamais tenha conseguido identifi-car uma escola.

Pois bem, voltemos aos geógrafos e suas idéias.A princípio, ainda nos idos dos anos 70 temos de nos lembrar de um

pequeno livro didático, lançado em 1973 pela Editora Moderna, chama-do “Estudos de Geografia”, de Melhen Adas. Quase como uma transposi-ção do “Geografia do Subdesenvolvimento” e “Os Países Subdesenvolvi-dos” de Lacoste e já “capturando” as discussões que davam sentido aogrupo de geógrafos liderados por Pierre George e Jean Tricard, o livro deAdas antecipa uma discussão que só se tornará cotidiana em escala naci-onal depois do Congresso de Fortaleza (digo assim porque o livro de Adasse dirigiu a um público não acadêmico, isto é, aos professores do EnsinoMédio). Dessa maneira, as discussões que se projetaram mais fortemen-te depois de Fortaleza e que foram tomando as características dos movi-mentos políticos que definiam as oposições mais organizadas terão deassumir uma firme inflexão no interior das diversas tradições do pensa-mento marxista. Em linhas gerais, e sem que isso possa ser provado numaentrevista, a influência do pensamento althusseriano foi extremamenteimportante (Thompson e Lefebvre surgirão, para os geógrafos, no trans-correr dos anos 80) e isso permitiu que não marxistas fizessem uso dasclássicas categorias elaboradas por Marx no interior do debate de sua“crítica da economia política”. Se minha memória não falha é ArmandoCorrêa da Silva que chamará tal geografia de “radical”.

Esse diálogo com alguns dos fundamentos do pensamento marxistae, nesse contexto, com o assumir das reivindicações e necessidades dosmovimentos populares, influenciará todo o embate e dará as caracterís-ticas básicas ao que, anos depois, terá suas raízes firmemente fincadasna tradição estruturalista (inclusive nas suas variantes hurssenianas).

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Como esse movimento reverbera hoje?Ruy Moreira, há 20 anos, escreveu um texto que ainda circula entre

estudantes que ele intitulou de “E assim se passaram dez anos”. Suapergunta, a princípio, nos levaria a construir aqui um “E assim se passa-ram trinta anos”. Considerando que Ruy é o nosso convidado para fazera abertura do Encontro Nacional de Geógrafos, creio que seria mais in-teressante que deixássemos uma tarefa de tal envergadura para que eledê conta. Isso, no entanto, não me permite imaginar que a pergunta foifeita ao Ruy e não a mim e, dessa forma, vou tentar dar conta, rapida-mente, da tarefa.

Tal como em todos os âmbitos da discussão acadêmica, também nageografia a crise do pensamento stalinista permitiu que as diversascorrentes de pensamento pudessem se expressar sem que tivessem defazer citações ou grandes digressões com as obras mais clássicas domarxismo e, mesmo assim, sem deixar de lado suas preocupações com asreivindicações e/ou necessidades dos movimentos populares (lembremosque tais leituras também se espalharam no interior dos própriosmovimentos populares), no limite do entendimento que cada correntede pensamento se dispõe a construir.

Dito assim, podemos afirmar que do interior do movimento que foiidentificado como “geografia crítica” duas grandes correntes desponta-ram e se consolidaram como legítimas no interior de todo o debate: aprimeira, ainda a mais importante, procurando suas raízes no campo dafenomenologia hursseniana e a segunda no estruturalismo na sua versãomoriniana. Tais movimentos vieram se somar aos grupos que se mantive-ram nos clássicos campos do funcionalismo e do neo-positivismo e queainda preenchem grande parte da discussão geográfica nos livros didáti-cos e das publicações de Estado e daqueles que ainda convivem com opensamento enraizado no Materialismo Dialético e no Estruturalismoweberiano. Para os limites de uma entrevista, creio, não caberia multi-plicar exemplos, mas, somente, identificar o quão rico é o debate e aprodução contemporânea dos geógrafos brasileiros.

Tal riqueza, no entanto, também pagou e paga o seu preço. Aindaestamos muito distantes de um diálogo efetivo com os diversos entendi-mentos que possuímos sobre os possíveis significados de natureza, so-ciedade, lugar, paisagem, território, região, espaço e tantas outras ca-tegorias que nos são absolutamente caras. Mais que isso, ainda tatea-

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mos a possibilidade de colocar a cartografia a serviço dos temas que nossão caros e os tratamentos que a eles temos dedicado. Um dos sintomasmais evidente do problema é a extensa bibliografia que temos acumula-do sobre o significado de espaço, sem que nem ao menos cite ou evi-dencie a necessidade de construirmos ferramentas que permitam tratardo tema para além dos limites impostos pelas linguagens verbais, isto é,pelas linguagens que se fundam na dinâmica da temporalidade.

Tudo isso, mesmo que possa, num primeiro momento, nos dar a sen-sação vertiginosa de que continuamos perdidos é, na verdade, nossariqueza atual. Quando os sujeitos dos debates se identificam e deixamde se esconder por trás de palavras mágicas como “geografia crítica”, sótemos a ganhar, pois nos obrigaremos a explicitar posições e avançar nasnossas proposições.

Após 30 anos, algum arrependimento?Absolutamente nenhum.

Quais as perspectivas da Geografia e da AGB para os próximos 30anos?

Para que eu possa responder mais livremente esta pergunta, se mepermitem, vou reformulá-la. Seria algo como “o que eu desejaria quefosse a Geografia e a AGB dentro e no transcorrer dos próximos 30 anos”.Faço tal mudança porque não creio que tenha a imaginação fértil o sufi-ciente para imaginar a Geografia e a AGB dentro de tanto tempo. Tenteipensar se em 1978 eu tinha alguma idéia do que seria 2008 e, realmente,só pude lembrar quais eram os meus desejos e nada além disso.

Pois bem, pensando na atual conjuntura gostaria que dedicássemosos próximos 30 anos a desenvolver ferramentas analíticas mais eviden-tes para nosso campo de conhecimento, onde a dimensão espacial davida se torne uma inflexão corriqueira para nossas reflexões. Nesse con-texto fica, também, o desejo de ver a sociedade que vivemos tornandomais reais aquelas relações sociais que, hoje, ainda se encontram na Ilhade Utopia e, portanto, em lugar algum que não seja nosso próprio dese-jo. Isso, em poucas palavras, significaria a superação dos nossos ideaisiluministas e, com ela, a nossa noção do significado de conhecimento eda identidade daqueles que possuiriam cultura (ou a norma culta). As-sim, fica a discussão sobre o sentido de alienação e a possibilidade de

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deixarmos de lado a fantasia de que a construção do comunismo passapela construção de uma classe média planetária. Assim, sonharia comorganizações populares mais fortalecidas que possam dialogar em escalaplanetária e agir localmente sem que seus militantes tenham de, neces-sariamente, se tornar funcionários de confiança de algum partido nointerior da máquina de Estado. E a AGB? Ora, gostaria que nossa gestãocoletiva se tornasse exemplo para tantas outras organizações...

Como você vê o surgimento da Anpege e sua relação com a AGB?Trata-se de um aprendizado para nós, os agebeanos. É preciso en-

tender que uma entidade como a nossa jamais poderá dar conta de to-das as questões colocadas pelos geógrafos e imaginar que a AGB deveser a única entidade que nos congregue é reivindicar um controle cen-tralizado da diversidade política que somos. Isso só pode levar a AGB auma espécie de endurecimento político em nome de uma hegemoniaque ela nunca teve e jamais terá.

A existência da Anpege, bem como de todas as demais entidades degeografia, só pode ser bem vinda, independente da possibilidade deseus dirigentes poderem advogar causas e procedimentos políticos quepossamos abominar. Denunciemos as práticas, coloquemos em evidên-cia as idéias, façamos do debate nossa melhor arma. A certeza que te-mos na justeza de nossas idéias não nos dá o direito de imaginar quenossa certeza seria mais certa se não tivesse de entrar em debate comoutras tantas certezas.

Acho que assim poderemos continuar avançando nos próximos 30anos.

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ARTIGOS

A CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA ACADÊMICA NOBRASIL

Paulo Cesar Scarim*

Em 1934, com criação, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras daUniversidade de São Paulo, da cadeira de Geografia, para qual foi convi-dado o francês Pierre Deffontaines, em 1935 com criação de uma cáte-dra similar na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, paraonde se dirige no ano seguinte Deffontaines, em 1935 com criação daAssociação dos Geógrafos Brasileiros primeiramente em São Paulo e em1937 com criação do sistema IBGE-CNG. no Rio de Janeiro: esses são osmarcos indicativos da institucionalização da geografia acadêmica no Brasil.

Mas, anteriormente a esse período, outro período de institucio-nalização da disciplina é encontrado, derivado dos acontecimentos po-líticos pós-independência:

• quebra do centralismo imperial• tentativa de organizar o Brasil de forma federal• hegemonia dos estados que tiveram êxito do ponto de vista eco-

nômico, ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.Mas o movimento na república velha, apesar da construção do dis-

curso disciplinar e do reconhecimento como ciência natural pela legi-timação científica derivado do interesse pelo estudo da região e da pai-sagem, não desembocou na institucionalização universitária e somenteefetivou a formação de alguns cursos destinados à capacitação de do-centes e de classes dirigentes.

A Revolução de 1930 reformula o projeto de unidade nacional, dan-do-lhe agora ares de estado modernizado, burocrático e hierárquico. ARevolução constitucionalista de 1932 demonstra a intenção paulista denão perder o controle da locomotiva do país. A criação de uma universi-

* Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo.

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dade como um centro de excelência acadêmica internacional é uma dasatividades para esse fim.

Assim localizamos a primeira geração de geógrafos no Brasil:Deffontaines, DeMartonne e Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Mariada Conceição Vicente Carvalho (a primeira pessoa que se doutorou emGeografia no Brasil), João Dias da Silveira, Ary França, Antonio RochaPenteado, José Ribeiro de Araújo Filho, Pasquale Petrone, Léa Golden-stein, Nice Lecocq Müller, Aziz Ab’Sáber, em São Paulo; Carlos AugustoFigueiredo Monteiro, Orlando Valverde, Maria Therezinha de SegadasSoares, Nilo Bernardes e Lysia Maria Cavalcanti Bernardes, no Rio de Ja-neiro; Manuel Correia de Andrade (Pernambuco), Milton Almeida dos San-tos (Bahia), Caio Prado Júnior (São Paulo), Victor A. Peluso Júnior (SantaCatarina), Mário Lacerda de Melo (Pernambuco), Odilon Nogueira de Matos(São Paulo), Dirceu Lino de Matos (São Paulo), Pedro Pinchas Geiger (Riode Janeiro), Gilberto Freire (Pernambuco), Josué de Castro (Pernambuco),Anna Dias S. Carvalho (Bahia), Everaldo Backheuser (Rio de Janeiro),entre outros.

Delgado de Carvalho já havia introduzido o pensamento francês (oumelhor, lablachiano) na geografia brasileira 25 anos antes, pois data de1910 a publicação de Le Brésil Meridional e sua luta contra o ensinodescritivo e enciclopédico.

O IX Congresso Brasileiro de Geografia, reunido em Florianópolis em1940, patrocinado da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e doConselho Nacional de Geografia, é um marco no qual os primeiros resul-tados da nova postura introduzida por Deffontaines, DeMartonne eMonbeig já aparecem.

Assim a Associação dos Geógrafos Brasileiros, criada, em 1935, por umgrupo de discípulos de Pierre Deffontaines, entre eles Caio Prado Jr., AgenorMachado e Rubem Borda de Moraes, o IBGE, que até 1973-74 se caracteri-za por ser um órgão de estatística, geografia, geodésia e cartografia. OCNG, junto com Conselho Nacional de Estatística e com o Serviço Nacionalde Recenseamento, passa desde o início a integrar estudantes como es-tagiários. Entre 1943-1947, o CNG abrigava reuniões periódicas, nas quaisos membros apresentavam seus resultados de pesquisa de campo.

Foi um período em que os seus membros geógrafos sempre partici-param da AGB e davam muitos cursos de aperfeiçoamento. A AGB do Riode Janeiro, por outro lado, não tinha nada a ver com a de São Paulo, pois

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Deffontaines queria fundar núcleos de estudos geográficos, e para essefim convidava muitos geógrafos a realizar conferências, entre eles Josuéde Castro, Silvio Fróes de Araújo, o próprio Deffontaines, Preston James,entre outros.

Mas por mais que os elementos do tripé constituído tenham sido cri-ados conjuntamente e centralizados no eixo Rio-São Paulo, a comunica-ção e interligação entre os dois centros e destes com o resto do país nãofoi simultânea. Somente em 1943, quando Pierre Monbeig, substituindoDeffontaines, combinou com o grupo do Rio de Janeiro fazer uma assem-bléia conjunta1, elaborou-se um estatuto que unificava a entidade.

Surgem então as seções regionais, inicialmente apenas as de SãoPaulo e do Rio de Janeiro. De 1946 a 1969, as assembléias passaram a seranuais, com muita riqueza de atividades, debates, leituras e discussões.Os trabalhos eram discutidos, criticados por todos, realizavam-se excur-sões em conjunto que resultavam em relatórios riquíssimos, muitos de-les publicados. Foi um período de fortalecimento da AGB, com assem-bléias de pequeno porte, diferentemente da década de 1970, quandohouve um boom e os encontros chegaram a ter 1500 participantes.

Entre a década de 1940 e o início da década de 1970, a AGB vai deixan-do progressivamente de ser uma entidade paulista para tornar-se umaentidade nacional, guardadas as proporções da geografia brasileira nesseperíodo. Houve uma transferência do papel e do desempenho da universi-dade para a AGB, de acordo com a qual os sócios efetivos formavam umacategoria de professores que, por sua vez, controlavam o acesso à insti-tuição, compunham a diretoria e chefiavam os grupos de trabalho.

Tomando como referência os presidentes da associação registra-seuma segunda fase, iniciada em 1952, em Campina Grande, numa disputaentre Rio de Janeiro e São Paulo, protagonizada por José Veríssimo eDirceu Lino de Matos, em que José Veríssimo venceu por um voto. EmCuiabá, 1953, venceu Dirceu Lino, e combinou-se que daí em diante have-ria um acordo prévio para apresentação de candidatos, por revezamento:um ano seria indicado por São Paulo, o outro pelo Rio de Janeiro e, emseguida, pelos outros estados, na proporção de 1/3, 1/3 e 1/3, ou seja, naproporção aproximada dos números de sócios.

1 Na cidade de Lorena, em 1946, a meio caminho entre São Paulo e o Rio de Janeiro.

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Em 1961, Manuel Correia de Andrade sucedeu Pasquale Petrone, deSão Paulo, mas era vez do Rio de Janeiro, portanto não houve consensoquanto à indicação. Em 1962, assume Milton Santos, da Bahia; em 1963,um paulista; em 1964, um carioca; em 1965, um catarinense; e em 1966,novamente um paulista, sendo que esta conciliação perdura até 1979.2

Ainda na segunda fase, as assembléias reuniam no máximo 200participantes, pois não havia muitos cursos e alunos. O encontro tinha aduração de uma semana, sendo os primeiros dias para as comunicações depesquisa e teses selecionadas, sem separação temática: todos assistiam atodos. Depois havia três dias de trabalho de campo, sempre coordenadospor um pesquisador experiente, em equipes. Por fim, um ou dois dias degabinete cuidavam da apresentação do resultado no final3.

Nessa fase, o recém-formado em geografia, ou mesmo o estudante,que ia às assembléias anuais da AGB, entrava em contato com as principaispersonagens da geografia brasileira, ouvia teses e comunicações queeram debatidas e avaliadas. Ele tinha a oportunidade de participar detrabalhos de campo e da elaboração dos relatórios que eram em seguidaapresentados e debatidos. Em certas situações, as críticas feitas aostrabalhos eram muito fortes e provocavam a reação dos que apresentavamsuas teses, o que criava oportunidades de contextualização científica emetodológica.

A década de 1950 já apresenta alguns indícios da quebra dascaracterísticas desse período. O retorno de Waibel, Monbeig e Ruellanaos seus países de origem e a participação do Brasil em congressosinternacionais marcam a maturidade da geografia brasileira. No CongressoInternacional de Geografia em Washington (1952) os geógrafos já se

2 ANDRADE, Manuel Correia de; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, nº 6, 1988.3 Excetuando-se a assembléia de São Paulo, em 1945, destinada à mudança de estatuto, e a

do Rio de Janeiro, em 1956, de pauta administrativa, todas as demais desse período (ouseja, Lorena, em 1946; Rio de Janeiro, em 1947; Goiânia, em 1948; Belo Horizonte, em1949; Nova Friburgo, em 1950; Campina Grande, em 1952; Cuiabá, em 1953; RibeirãoPreto, em 1954; Garanhuns, em 1955; Colatina, em 1957; Santa Maria, em 1958; Viçosa,em 1959; Mossoró, em 1960; Londrina, em 1961; Penedo, em 1962; Jequié, em 1963; Poçosde Caldas, em 1964; Rio de Janeiro, em 1965; Blumenau, em 1966; Franca, em 1967;Montes Claros, em 1968; e Vitória, em 1969) tiveram trabalho de campo, beneficiando ageografia brasileira com uma grande quantidade de estudos sobre diversas áreas. Grandeparte desses estudos continua inédita.

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fizeram presentes em grande número, o que possibilitou constar apretensão de sediar o congresso seguinte no Rio de Janeiro. Em 1956realizou-se, então, o XVIII Congresso Internacional de Geografia, oprimeiro no hemisfério sul, assinalando uma fase de afirmação da geografiabrasileira, mas também uma abertura maior para novos ares, propiciadapelo contato com pesquisadores estrangeiros4.

A autoconfiança se materializa já na assembléia seguinte da AGB,em Colatina, em 1957, caracterizada pela realização de um simpósiotemático (sobre “habitat rural”), mas também é significativo o fato deesse mesmo ano ser o da separação do curso de Geografia do de Histó-ria, na USP. A assembléia de Colatina também deixa perceber sinais deinsatisfação e desejo de mudança epistemológica. Logo depois, em Vi-çosa, acontece um forte debate metodológico. Acentua-se, então, abusca teórica e a manifestação de várias concepções, várias influênciase várias tentativas de construção acadêmica.

Não podemos esquecer também que data desse período a criação daSudene (1959) e a inauguração de Brasília (1960), fato que alimenta odebate desenvolvimentista e integracionista sobre o território brasilei-ro, repercutindo fortemente na produção geográfica. Vejam-se, porexemplo, o Atlas do Brasil (1959) e o primeiro tomo de Geografia Regio-nal do Brasil (1963), publicados pelo IBGE-CNG, e A terra e o Homem noNordeste (1963), de Manuel Correia de Andrade. É do período, também,o fortalecimento da discussão sobre a questão agrária e sobre ametropolização no Brasil.

Do mesmo modo que a geografia começa a ganhar contornos eabrangência nacional, as instituições mais tradicionais vão-se fortale-cendo e diversificando seus campos de atuação. Houve então a criaçãodo Instituto de Geografia, em 1961, por Aroldo de Azevedo, que junta-mente com o Departamento de Geografia da USP foi instalado no novoprédio da Cidade Universitária, seguindo-se a criação de vários laborató-rios de pesquisa. Com a criação de novos cursos no interior do estado deSão Paulo e em outros estados, jovens docentes formados nessa univer-sidade irradiaram sua formação pelo território brasileiro.

4 A influência de JeanTricart na geomorfologia brasileira vem desse período.

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Nesse momento temos o “encontro” de duas gerações, o que produzuma riqueza de pensamento e pesquisa: em São Paulo a primeira geração(de Aziz Ab’Sáber, Nice Lecocq Müller, Renato Mendes, Antonio RochaPenteado, José Ribeiro de Araújo Filho, Carlos Augusto FigueiredoMonteiro, Pasquale Petrone, Léa Goldenstein, Ary França, Renato SilveiraMendes, João Dias da Silveira, entre outros) trava contato com a segunda(de Manoel F. Gonçalves Seabra, Vincenzo R. Bochicchio, Gil Sodero Toledo,Judith de La Corte, Rosa Ester Rossini, Nelson Lacorte, José Pereira deQueiroz Neto, Maria Cecilia França e Armem Mamigonian5). Já no Rio deJaneiro, a primeira geração encontra um novo grupo (Roberto LobatoCorrêa6, Speridião Faissol, Fanny Davidovitch, Antônio Teixeira Guerra,Bertha Becker, Therezinha de Castro, Aluizio Capteville Duarte, Maria doCarmo Corrêa Galvão, entre outros).

5 Armem Mamigonian também pode ser considerado como pertencente a essa geração.Nascido em São Paulo em 1935, mudou-se para Campo Grande, mas retornou para SãoPaulo em 1951, tendo estudado no colégio Mackenzie. Logo em seguida, entra na Faculdadede Filosofia, numa época de intensa agitação com professores e alunos de vários cursos,assistindo a teses, excursões promovidas pelo Centro de Estudos Capistrano de Abreu,teatros, museus, participação em movimentos estudantis de várias correntes, nacampanha do petróleo. No quarto ano, foi indicado por Aziz Ab’Sáber para uma vaga comoprofessor no Departamento de Geografia da USP, mas recebeu veto de Aroldo de Azevedo,por razões políticas. Em 1957 passa num concurso para o magistério secundário doestado de São Paulo e começa a cursar uma especialização na USP, única pós-graduaçãoque existia. Quando surgiu uma vaga na Faculdade Catarinense de Filosofia, foi indicadoe a ocupou, sempre participando das assembléias anuais da AGB e apresentando trabalhosde pesquisa. Vai à França em 1960-61, com bolsa do governo francês com a intenção deaprimorar estudos em geografia industrial, em Estrasburgo, onde estava Milton Santos,que o estimulou a preparar um doutorado com o professor Juillard. Volta à França em1962, com materiais coletados em Blumenau, redige e defende Estudos Geográfico dasIndústrias em Blumenau. MAMIGONIAN, Armen; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC,Florianópolis, nº 3, 1987.

6 Este também é representante do primeiro grupo de geógrafos formados no Rio de Janeiro.Nascido em 1939, ingressou em geografia em 1958, na Faculdade Nacional de Filosofia,atual UFRJ, numa turma pouco numerosa. Em 1959 entra para o Conselho Nacional deGeografia, como estagiário. Em 1960 presta concurso para se efetivar no CNG No cursode geografia reinava então o conservadorismo, e a participação cultural e política dava-se fora da geografia. A escola de pensamento predominante, nesse momento, era a escolada paisagem, baseada em Vidal de La Blache e Carl Sauer, representada no Brasil porHilgard Stenberg. No CNG recebeu a influência de Leo Waibel, Pierre George e MichelRochefort, através de Nilo e Lysia Bernardes. A conclusão de seu curso acontece em1961; em 1964 vai para Estrasburgo, pesquisar, com Etienne Julliard, principalmente arelação cidade-campo, mantendo contato com as obras de Dugrand, Kayser e Labasse.

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O momento marca também a significativa passagem das publicaçõesdos setores de geografia física para o de humana, e dentro deste a pas-sagem da geografia agrária para a urbana. Como a construção de umaciência não é homogênea, nem espacial nem temporalmente, tais obser-vações não devem ser entendidas como absolutas e, por mais que nãofaçamos aqui um mapeamento de diferenças por todo o Brasil, é possívelconsiderar sua existência.

No final da década de 1960, começa a ser mais nitidamente percebi-das as mudanças no seio da geografia, isso no contexto da ditadura, darepressão, do milagre econômico, da geografia quantitativa e da amplia-ção dos cursos de geografia de graduação e de pós-graduação. Na assem-bléia da AGB em Vitória (1969) temos uma reformulação com sessões sepa-radas de geografia física e geografia humana. A partir daí os encontros sãocada vez maiores, necessitando de cidades maiores, em metrópoles, comsessões especializadas e simultâneas; passam a ter 1.000 participantes,depois 1.500, e depois mais de 2 mil participantes; finalmente, tornam-sebianuais porque a organização tornou-se muito grande.

A AGB, até então uma instituição centralizada (fato que não se pode-ria justificar com o argumento das “pequenas dimensões”), era gerida poruma dezena de associados efetivos. Quanto aos sócios cooperadores, estesatuavam exclusivamente nas regiões e municípios: vários jovens buscam

De 1965 a 1970 tenta aplicar esse conhecimento ao Brasil. Desse modo, sua formaçãodeu-se em três eixos: a geografia tradicional francesa, a nova geografia e a geografiamarxista, afinal “não se muda de concepção como se muda de roupa, sempre algopermanece”. Fica explícito o reconhecimento de que a passagem pelas duas primeirassão extremamente úteis, contribuindo para a superação de alguns defeitos, ou seja, aingenuidade da francesa, a ideologia da New e a tradicional rejeição do espaço pelomarxismo. A partir de 1978, participa da nova fase da geografia brasileira, com o encontroda AGB em Fortaleza e o retorno de Milton Santos. Passados, em 1986, mais de 15 anos dastécnicas estatísticas, tenta uma avaliação da metodologia, apontando seus limites emrelação à explicação sobre a organização espacial, pois tratava-se, antes, de umafragmentação da realidade, incapaz de compreender que um fenômeno socialmenteproduzido não pode ser apreendido a partir de esquemas fundamentados em processosaleatórios. Em 1972, Lobato apresenta um trabalho sobre o método estatístico de definiçãode hierarquia urbana, no ENG Em 1973, como “prêmio” pelo interesse pela nova geografia,ganha um mestrado na Universidade de Chicago, sob orientação de Brian Berry, sobre arelação entre a rede de localidades centrais e densidade e renda da população. Oenvolvimento maior com essa tendência se deu entre 1969 e 1976, com artigos e tese,período que marcou o apogeu da Revista Brasileira de Geografia. CORRÊA, Roberto Lobato;ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, Nº 1, 1986.

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projeção, multiplica-se o número de participantes e de trabalhos apresen-tados, o que será um dos fatores desencadeadores da pressão por mudan-ças hierárquicas e rituais. Na assembléia de Montes Claros, em 1968, dirigidapor Ney Strauch, decide-se pela reformulação dos estatutos, o que acon-tece em uma reunião no estado de São Paulo: desaparece a figura do“sócio efetivo” e passam à condição de “sócio titular” todos os profissio-nais, professores e planejadores; permanecem como “sócios colaborado-res” os estudantes e os não-geógrafos interessados em geografia.

As reuniões passam a ser bianuais, o mesmo acontecendo com osmandatos. Assim, Araújo Filho, com o mandato de 1970 a 1972, organizao congresso de Presidente Prudente; Lysia Bernardes (1972-1974) orga-niza o de Belém; David Márcio (1974-1976) organiza o de Belo Horizonte;José Cezar Magalhães (1976-1978) organiza o de Fortaleza; Marcos Ale-gre, que assumiu em Fortaleza em 1978, renunciou em 1979 com toda adiretoria, quando, na fala de Manuel Correia de Andrade, um “novo gru-po tomou o poder” e propôs outro estatuto.7

As mudanças de estatutos da AGB, na busca de sua democratização,começam no dia 10 de julho de 1970, quando se reuniu em São Paulo aAssembléia Geral da AGB, em caráter extraordinário, para reformular osestatutos da Associação. O artigo 3º estabelecia que a entidade

“[...] compreenderá sócios de quatro categorias, Titulares (ter grauuniversitário em geografia, pertencer há pelo menos dois anos a uma seçãolocal e ter participado pelo menos uma vez de um encontro nacional e fazerpesquisa em geografia), Honorários (por ser considerado benemérito àgeografia, indicado por cinco sócios e aprovado pela maioria), Cooperadores(que se interessa pela geografia) e Correspondentes (residentes no interior,que estejam vinculados à geografia, ser indicado por cinco sócios titularese aprovado por três quartos de uma assembléia geral).”

Nesse momento, que se inicia em 1970, a AGB toma uma atitudedemocratizante, ao estender a condição de sócio titular a todos os pro-

7 A crise da AGB. coincidia com uma conjuntura de radicalização do movimento estudantil epermitiu o movimento de renovação da entidade a partir de Fortaleza. Na assembléia demudança de estatuto em São Paulo, em 1979, somente Presidente Prudente e Rio deJaneiro tinham propostas. Manuel Correia de Andrade foi vice nas gestões de Araújo,David, José Cezar e de Marcos Alegre, tendo renunciado também em 1979. ANDRADE,Manuel Correia de; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, Nº 6, 1988.

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fissionais, o que poupou os jovens formados de passar por uma barreiraque só pode ser entendida por um viés ritualístico ou, no pior dos casos,burocrática. Ao mesmo tempo, a AGB vai perdendo o caráter de institui-ção que ministrava cursos, que formava geógrafos, em primeiro lugarporque não podia concorrer com os cursos de pós-graduação; e em se-gundo, porque a participação de centenas ou de milhares de pessoasinviabilizava aquele modelo, com os grupos de pesquisa de campo, rela-tórios etc. (por exemplo, já em Presidente Prudente houve aproximada-mente 1.000 participantes). O crescimento da base provoca contínuasinquietações no seio da AGB ao longo da década de 1970.

Nos começos dos anos 70, o IBGE é transformado em fundação: oseconomistas passam a dominá-lo e alguns geógrafos passam a defenderque os cursos devem ser atribuições das universidades, com a expansãodestas. Começa aí o declínio do prestígio do IBGE, com o desman-telamento do sistema de planejamento, com as aposentadorias sem re-posição, com trabalhos engavetados e com a diminuição dos recursos.Além disso, os métodos quantitativistas chegaram como um turbilhão,provocando uma obsessão pelo cálculo, agora facilitado pela computa-ção eletrônica.

As formulações teóricas, contudo, malgrado a aparência moderna erevolucionária, continham muito de arcaico, constituindo aspectos linea-res e mecanicistas. Paradoxalmente, esse movimento permitiu a mani-festação de uma outra corrente ideológica, a marxista, dado que o con-flito entre as tradições francesa e quantitativa provocava imobilismo e,por conseqüência, a permanência dos problemas existentes.

O processo de mudança, ocorrido entre 1969 e 1970, atinge o IBGEde forma intensa, pois os geógrafos rompem com o segmento da geogra-fia francesa – base histórica da geografia acadêmica no Brasil – interes-sando-se pela geografia teorética, que se apresenta como uma grandemoda. A influência começa em 1966, com a difusão/criação do sistemade planejamento territorial, no qual o IBGE estava envolvido diretamen-te, participando de pesquisas sobre região polarizadas, homogêneas,pólos de desenvolvimento e áreas programas. A percepção geral era,então, que a geografia francesa não dava conta da demanda de planeja-mento, e que não havia mais necessidade de trabalho de campo, deobservação de paisagem, dos estudos agora taxados como “acadêmi-cos”. Assim verifica-se, no IBGE, uma mudança na geografia oficial e na

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esfera de poder institucional, na qual os geógrafos que tinham contatocom os níveis hierárquicos superiores alcançavam o poder interno.8

Com a mudança, alguns geógrafos passaram a conhecer outras técni-cas e, por meio do contato com o Serviço Federal de Habitação e Urba-nismo do BNH (Serfhau), conheceram Brian Berry e Jonh Colle, que naprática introduziram a geografia teorética-quantitativa, principalmenteno Rio de Janeiro e em Rio Claro. Era vista na “Nova Geografia” a possi-bilidade de afirmar socialmente a geografia recorrendo a “métodos pre-cisos, do emprego da matemática e de teorias”, o que implicava estudarmatemática, inglês, estatística, teoria neopositivista; essa necessidadeafastou muitos, embora alguns tenham se afastado por razões meto-dológicas e políticas, enquanto outros a tenham adotado como meio deafirmação política ou reacionarismo. Não tendo a mesma “utilidade” que,por exemplo, a engenharia e a economia, a geografia viu-se reduzida,pela ditadura, a simples instrumento de propaganda.9

É importante ressaltar que no final da década de 1960 e durante adécada de 1970 um novo perfil de geógrafo começou a surgir no Brasil.Ele veio a somar forças na busca da construção de uma geografia mais

8 Para Valverde, com o golpe de 64 começa no IBGE o que ele denomina de “vícios” dageografia quantitativa, que permanecem até 1978. Segundo ele, em 1978 um grupo crioua chamada geografia “radical” ou “crítica”, marxista, alegando que a geografia era umaciência social, e que não deveria abarcar campos como a geomorfologia, a climatologia,etc., o que seria prejudicial para a geografia, pois eliminar os estudos referentes aomeio ambiente das diversas regiões equivale a presumir que a terra seja uma bola debilhar, toda igualzinha. Então, só os fenômenos sociais têm significação? Contudo, taisidéias se difundiram muito entre os professores de geografia que não eram realmentepesquisadores. Em conseqüência dessa atitude, os adeptos dessa corrente se tornaramincapazes de fazer um Planejamento Regional, pois além dos problemas sociais, elesprecisavam conhecer os recursos naturais da área em estudo, para que pudessedesenvolver harmonicamente.

9 Mas no momento em que a nova geografia chega ao Brasil (1968/1969), nos EUA e naInglaterra já começava a sua crítica, fenômeno que indica que na verdade o Brasilestava recebendo uma “sucata teórica”. Quando Lobato esteve em Chicago, soube,através da aula de William Pattinson, de uma “tal de geografia radical”, que queriamostrar o outro lado da sociedade, e que a New justificava a prática dominante, o que foiuma grande surpresa, principalmente por perceber que marxismo e geografia não eramopostos. Assim, os anos de 1975, 76 e 77 foram “dramáticos”, pois havia sido feito umenorme investimento intelectual em algo que já não se podia aceitar na íntegra. Apóstoda a dificuldade para assimilar a visão positivista, tornou-se necessário incorporar avisão dialética.

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ativa, o que fez com que a AGB vivesse um período de desestruturaçãode uma estrutura sedimentada e um repensar sobre novas bases, principal-mente até 1984, até adaptar-se ao novo sistema de poder, e uma rees-truturação e sedimentação a partir de 1986.

Nessa década começaram a surgir indícios de questionamento dasidéias aceitas pela comunidade científica, como por exemplo o livro In-trodução à geografia, de Nelson Werneck Sodré10, de 1976, mas tambéma coleção Seleção de Textos, da AGB-SP (iniciada em 1976), que pela suafórmula dinâmica, barata, começa a pôr em circulação textos que pro-põem uma linha de análise mais crítica11.

Milton Santos, em O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo, escritoem 1968, publicado na França em 1971 e no Brasil em 1978, fala da neces-sidade de mudança na maneira de interpretação da realidade pela geogra-fia a partir de uma atitude dinâmica. “Essa necessidade”, diz ele,

[...] surgiu com bastante clareza desde a Segunda Guerra. O aménagementda superfície terrestre passou por uma verdadeira revolução. Tal revoluçãofoi bastante sensível no que respeita aos dados com os quais o geógrafotem o hábito e a necessidade de trabalhar, porquanto nem as paisagensnem as suas articulações permanecem as mesmas. O número de dadoscresceu enormemente, e suas interpretações tornaram-se ainda maiscomplexas, sobretudo no que se refere às cidades. O objeto de nossoestudo, portanto, mudou. Manter a mesma metodologia significa expor-se a um trabalho de Sísifo, quando não um genocídio. Com efeito, analisarum fenômeno novo com uma metodologia ultrapassada equivale a deformara realidade, e isso não conduz a parte alguma. Para não incorrer emsemelhante impasse, não se deve recear o uso da imaginação e da criaçãocomo parte de um novo esforço de concentração. Do mesmo modo, aproposição de uma nova metodologia representa a conquista de novostemas de pesquisa.12

10 Com resenha de Armando Corrêa da Silva, no BPG nº 52, de 1976.11 Como no artigo “Relações Espaço-Temporais no Mundo Subdesenvolvido”, de Milton Santos,

no número um, em 1976; “As Relações de Produção na Agricultura”, de Octavio Ianni, nonúmero dois, de 1977; “A Questão Urbana”, de Manuel Castells, no número três, também de1977; “Espaço e Dominação”, de Milton Santos, no número quatro, de 1978, lançado próximoao encontro de Fortaleza; “Primeiras Reflexões sobre a Geografia do Imperialismo”, deSteen Folke, no número cinco, também de 1978; e “Teoria Marxista do Conhecimento eMétodo Dialético Materialista”, de Caio Prado Júnior, no número seis, de 1979.

12 SANTOS, Milton. O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo. 4ª Edição. São Paulo: Hucitec,1996, p. 2.

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A postura do lance de visada sobre seu próprio passado, confrontan-do-o com a realidade dinâmica e com a consideração de que o arcabouçoteórico metodológico disciplinar não daria conta da explicação científi-ca da realidade, é um dos componentes fundamentais do indício da pos-tura renovadora da disciplina. É uma brusca parada na linearidade, éuma dobra, um olhar sobre si.

Buscando construir uma perspectiva crítica, no sentindo de umaavaliação, julgamento (não como exposição simples dos erros ou defeitos,mas como tentativa de descoberta de condições, alcance e limites dasnossas capacidades intelectuais e práticas), Armando Corrêa da Silva,em “Uma proposição Teórica em geografia”, de 1976, afirma que “muitosgeógrafos brasileiros da mais recente geração estão abrindo um antigodebate que diz respeito aos resultados possíveis de serem obtidos emgeografia”13. O autor comenta a seguinte questão: cabe à geografiaelaborar leis científicas ou apenas o estudo de casos individuais? Eleconsidera que há três tipos de geógrafos: os que privilegiam a natureza,os que insistem na interação homem-meio (natural) e os que tentampropô-la como uma ciência social. Lembra que o debate recente julgouobter respostas fugindo da questão do objeto e refugiando-se na questãodo método, surgindo por parte de alguns geógrafos a intenção de dotá-la de instrumentos lógicos de análise a partir da utilização de métodosmatemáticos. Resgata a proposição de Pierre George, de captar a dialéticado processo histórico na sua dimensão espacial e, portanto, geográfica,abordagem que coincidiria com a concepção de Karl Manheim, segundoa qual à geografia cabe o estudo dos fatores externos. O espaço possuiria,segundo Armando Corrêa, gênese, estrutura, característica, processose funções, e um significado para a consciência humana não apenaspsicológico14.

Todas essas considerações são feitas a propósito de tese de dou-toramento, através de um procedimento empírico-indutivo, no qual “ten-tou-se a construção de categorias lógico-históricas de explicação geo-gráfica capazes de apreender a gênese e a evolução da região, entendi-

13 SILVA, Armando Corrêa da. Métodos em Questão. São Paulo: Universidade de São Paulo/Instituto de Geografia, p. 1

14 Idem, p. 6.

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da esta como unidade básica, objetiva e material, do espaço geográfi-co”. O interessante é que já estamos em 1976, mas o autor, um dosprincipais formuladores de geografia crítica pós-1978, não cita em ne-nhum momento autores clássicos do marxismo.

Contudo, os argumentos vão-se tornando quase banais. Milton San-tos, em Por Uma Geografia Nova, de 1978, percebia a constituição deuma fase em que as significações das coisas experimentavam uma mu-dança praticamente revolucionária: quando as condições gerais de rea-lização da vida sobre a terra modificam-se, as disciplinas são obrigadas aalinhar-se para poder exprimir em termos de presente aquela parcela darealidade total que lhes cabe explicar.

Enquanto outras disciplinas se aperceberam dessas mudanças quali-tativas e as incorporaram ao seu acervo, a geografia continuava anali-sando suas categorias segundo uma concepção ultrapassada, impossibi-litando uma análise coerente. E como cabe a cada disciplina a elabora-ção de sua epistemologia, criando seu sistema próprio de pensar umaparte da realidade, a geografia neste momento necessitava descobrir onovo. O novo se impunha como uma determinação apriorística a todamudança.

No texto, Milton Santos reconhece que a tarefa de renovar as for-mas de pensar da sociedade encontra muitos obstáculos, difíceis de trans-por quando surgidos no próprio ambiente da profissão, tanto por causado selo do saber oficial que esta carrega, como pelo risco que as mudan-ças possuem de ferir suscetibilidades entre companheiros. Dessa forma,é muito importante o comportamento da coletividade científica na di-fusão de uma nova idéia, principalmente entre os profissionais já expe-rientes, levando-se em conta também que as novas idéias são em gran-de parte desconhecidas, normalmente ainda em processo de formula-ção, inacabadas.15

Valendo-se de Kuhn (1962), Milton Santos põe em questão o dadode que a geografia não poderia escapar às enormes transformações ocor-ridas em todos os domínios científicos após a Segunda Guerra, contribu-indo para isso a mudança dos suportes do trabalho científicos (a auto-

15 SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova (1978). 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986 [1978],p. 1-9.

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mação, principalmente), a mudança nas necessidades dos utilizadores ea modificação no objeto da atividade científica16. Essa transformaçãofez com que na geografia os defensores da nova linha buscassem deixarclara sua distância em relação a uma geografia considerada não só ultra-passada, mas, sobretudo, uma “não geografia”.

A idéia era sobrepor-se aos exclusivismos locais, manifestando-sepor intermédio de organizações e publicações próprias e buscar difusãoem congressos, colóquios e intercâmbios de professores, o que justifi-caria a escolha, nada ingênua, da denominação “New Geography”, queapontava uma preocupação de afirmar não somente o valor do “novo”,mas também o do “único”, provocando a separação em dois pólos, os “afavor” e “os contra”, entre quantitativistas e qualitativistas, encon-trando um contrapeso importante na França, numa vocação mais espe-culativa e social, a partir das preocupações de Maurice Le Lannou, Maxi-milien Sorre, Pierre George. No confronto com a “New”, esta última ten-dência ganhou nova energia.17

As críticas mais sérias à “New” seriam, segundo Milton Santos, as deque ela não é um paradigma, como se intitula, mas apenas uma meto-dologia; ele considera ser difícil separar “paradigma” de “método”, masreconhece que o privilégio dado aos métodos e técnicas é uma das princi-pais fraquezas desta geografia: a quantificação seria somente um instru-mento, seu maior pecado seria o desconhecimento do tempo e de suasqualidades essenciais18. Considerando a importância da análise de siste-mas na geografia, problematiza: 1) sua associação à quantificação, poisesta consideraria as partes em relação umas com as outras, como se essemovimento não interessasse à totalidade das partes, mas somente àque-las que estão em relação; 2) os métodos matemáticos, pois, principalmen-te quando se referem ao espaço, sofrem da fraqueza fundamental quevem da incapacidade de apreender o tempo no seu movimento19.

Considerando também a importância da construção de modelos,Milton Santos argumenta que na geografia os maiores equívocos vêm

16 Idem, p. 39.17 Idem, p. 41.18 Idem, p. 45-53.19 Idem, p. 61.

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das práticas mecânicas, que não levam em conta a necessidade de revere refazer os conceitos e os modelos derivados do processo real de trans-formação, pois a partir do momento em que “se aplica modelo congelado,para explicar uma realidade em movimento, trata-se de uma violênciametodológica pura e simples”.20

A “New” seria, então, uma exaltação da tendência positivista quesempre influenciou a geografia, apoiando-se na revolução tec-nocientífica, nos progressos obtidos pelas ciências exatas durante aGuerra, na nova organização da economia, no pós-guerra, na nova fasedo capitalismo internacional (que nos EUA coincidia com a implantaçãode um “verdadeiro terror na vida cultural e política”) na aceitação deum novo modelo de utilização dos recursos que dependia da aceitaçãoda noção de crescimento econômico e na submissão a um novo modelode consumo.

Nesse momento, a geografia acolheu como palavra de ordem amodernização, transformando-se num instrumento de planificação:justificava necessidades definidas a priori, recebia da matematização aaparência de cientificidade. O resultado desse posicionamento era nãoa adoção de um método de análise rigoroso, mas uma “venda por atacadode processos estatísticos”, uma espécie de cientificismo que resultavaem mitificação, ignorando as estruturas, os processos e as desigualdadessociais, transformando a geografia numa “viúva do espaço”.21

Assim, tanto quanto a “New” valeu-se das transformações ocorridasem todos os domínios científicos e da nova organização da economia

20 Idem, p. 66.21 “A teoria da difusão das inovações, introduzidas na geografia por Hagerstrand, tornou-

se rapidamente um instrumento de marketing, através do uso indiscriminado de modelosquantitativos arbitrários” (Idem, p. 73-81). “No caso da geografia, a crise tornou-semais grave porque a cumulação de equívocos cristalizou o erro e cada progresso aparenteera, na verdade, um passo gigantesco para trás. Foi assim que a geografia pode serdefinida, desde a sua fundação, mas sobretudo depois da segunda guerra mundial, por umconjunto de postulados que, ao invés de ajudar a descoberta do real, contribuía paraescondê-lo. Como essa postulação se abrigava em uma retórica cientifista, em uma faseda história em que a ciência considerada como estudo de fenômenos, isto é de aparências,se impunha à consideração da realidade em si mesma - e isso como uma necessidadeprópria à expansão, sem peias, do sistema capitalista - tal cientifismo despreocupadocom a essência das coisas era, ao mesmo tempo, o estímulo para uma geografia empíricae sua justificação. Isso era uma espécie de biombo para a crise.” (Idem, p. 93).

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para justificar-se como novo “paradigma”, a nova geografia também osassumiria como argumentos. Para Milton Santos, o ano de 1978

[...] foi a eclosão de um movimento que vinha se gestando há mais tempoe que havia uma fermentação extremamente bem orquestrada. Não foiobra do acaso nem foi erupção espontânea. Não houve apenas gratuidade.Havia um grupo de geógrafos brasileiros preocupados com a geografiabrasileira dispostos a mudar seu rumo no sentido acadêmico, na construçãode uma nova teoria geográfica, uma nova posição que fosse também aomesmo tempo, política e acadêmica, dentro da geografia [...]. Eu fuiinstrumental a esse movimento [...].22

Que grupo é esse? A orquestração aludida constituiu-se realmentede acordo com essa imagem? Afinal, a compreensão de que uma discipli-na científica constrói-se por atos pensados, organizados, orquestrados,pré-elaborados, é um dos principais mitos da modernidade. O olhar ex-terno sobre o passado de uma disciplina, cujos registros podem parecerdesconexos, reelaborados ao sabor de um novo tempo ou de intençõesvariadas, tende a povoar-se de mistérios e aventuras (a história comouma guerra ilustre, como quer Ortega y Gasset, ou o encontro secreto,marcado entre as gerações precedentes e a nossa, no qual o passadonos dirige um apelo, como quer Walter Benjamin, são imagens que per-mitem estabelecer modos de recuperar o passado).

José Willian Vesentini, na apresentação de A Geografia, isso serve,em primeiro lugar, para fazer a guerra23, comenta que em 1976 a Inicia-tivas Editoriais de Lisboa adquiriu os direitos autorais para a língua por-tuguesa da obra e a publicou numa tiragem de três mil exemplares emfevereiro de 1977. A edição esgotou-se rapidamente, havendo até algu-ma comercialização no Brasil, mas a empresa faliu pouco depois e osdireitos de publicação em língua portuguesa ficaram dez anos bloquea-dos na editora falida. Em 1978 surgiu uma edição pirata, além de seremnotórias as cópias xerografadas. Ainda assim, a obra não teve a circula-ção merecida. Pela importância da obra, cabe a pergunta: quantos, queme como foi lido esse livro? No caso de Yves Lacoste, um texto anterior,

22 SANTOS, Milton; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, nº 7, 1989, p. 142.23 VESENTINI, José Willian. A Geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.

São Paulo: Papirus, 1988. 4ª Ed., 1997.

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intitulado A Geografia, teve abrangência de leitura superior ao livro,embora seja este que após a década de 1980 ganha o glamour nas cita-ções e nas falas. O mesmo acontece, também, com o livro de Santos, secomparado ao texto Espaço e Dominação. A ciência não escapa, pelosimples fato de ser ciência, às imagens distorcidas de si mesma.

No contexto do fim de década de 1970 o termo comum no ambientegeográfico brasileiro era o de crise. Seu uso estabelecia vínculos imedi-atos com os acontecimentos da geografia mundial, com o momento po-lítico e econômico brasileiro e também com o momento próprio da co-munidade geográfica brasileira. O termo largo emprego tanto na geogra-fia francesa quanto na americana, chegando ao Brasil pela via de algunstextos, entre os quais encontramos os de Yves Lacoste, como o artigo AGeografia e o livro acima citado.

A posição assumida por Ruy Moreira, à época, era de que a

[...] crise dos fundamentos do saber geográfico (tradicionais, novos enovíssimos) e o movimento (raramente sério) de sua reformulação coincidemjustamente com o mais novo momento histórico de ‘revisão’ do marxismo.A constatação e mapeamento dessa coincidência, que já ocorrera nos finaisdo século XIX, quando pela primeira vez o marxismo é objeto derevisionismo, tem sua importância derivada do fato de que este momentoatual é o da ‘descoberta’, afinal, do marxismo pelos geógrafos. Últimobaluarte do positivismo, hoje a geografia se engravida de marxismo emtodo o mundo, não havendo um departamento universitário em que amaldição não tenha sido substituída pelo flerte. Como diria Machado deAssis, mudou o peru ou o Natal? Que ou qual marxismo [...] a geografiaestá assimilando numa época de ‘revisão’? 24

O autor localiza três momentos de revisão do marxismo. O primeiroocorrido na última década do século XIX (em torno de 1890), no âmbitodos partidos operários da II Internacional (chamados na época social-democratas) e envolvendo a terceira geração de marxistas25, com epi-centro na social-democracia alemã. Eduard Bernstein, dirigente social-democrata alemão, faz coro ao movimento ‘retorno a Kant’ que se de-senvolve no seio da intelectualidade alemã e abre o paradigma neo-

24 MOREIRA, Ruy. Seleção de Textos, 14 , AGB-SP, Teoria e Método.25 A primeira sendo a do próprio Marx, que morrera em 1883, e a de Engels, que morrerá no

auge do revisionismo, em 1895.

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kantiano nas ciências26, propondo uma revisão do marxismo à luz do neo-kantismo. O segundo momento de ‘revisão’ tem ainda lugar no seio da IIInternacional e da terceira geração de marxistas, mas com epicentro nasocial-democracia russa, na primeira década do século XX (por volta de1908), tendo por base da ‘revisão’ o positivismo empiriocriticista (idea-lista) de Mach (físico) e Avenarios (filósofo).

No terceiro momento, o atual, o revisionismo vem de diferentesfontes filosóficas, ocorrendo sobretudo na universidade, a qual,

[...] capturando a exclusividade da produção científica a partir da segundagrande guerra e com isto sobrepondo aos espaços da sociedade civil nosquais a intelectualidade produzia obras comprometidas com os partidos esindicatos operários, se torna, sob a égide e como extensão do estado, ocentro da difusão de idéias filosóficas que substanciam a ‘revisão’, desdeo estruturalismo até o ecologismo-autonomismo, cujo traço comum é oidealismo disfarçado e a ‘condenação’ do marxismo como uma filosofiapositivista (!), e constituem o amplo espectro de paradigmas das ciênciase da geografia (incluindo-se a chamada ‘Geografia Crítica’, um rótulo sobo qual se evita esclarecer o que criticam ‘os geógrafos críticos’).27

Assim, o posicionamento de Moreira lança o debate para uma esferade tal amplitude que ultrapassa tanto o local quanto o disciplinar. Isso,por um lado, torna-o generalizante; por outro, fortalece o uso da teoria,marcando-se principalmente pelo embate marxista. O padrão da interven-ção, ao tornar-se hegemônico, induz outros a agir da mesma maneira,demarcando um novo perfil do geógrafo brasileiro na década seguinte.

Na AGB a busca de transformação é cada vez mais forte, até que em1978 “grupos de jovens” fizeram grandes contestações a seus estatu-tos. Várias pessoas, principalmente estudantes, recorda Manuel Correiade Andrade, agitaram o cenário movidos pela necessidade de reforma noestatuto, provocando a convocação de uma assembléia geral específicaem São Paulo, em 1979, no Departamento de Geografia da USP.

Em 1978 houve dois candidatos, Marcos Alegre, de Presidente Pru-dente, e Cassemiro Jacob, do Rio Grande do Sul, o que não foi possívelconciliar. Marcos Alegre vence, mas não propicia condições para manter

26 Que na geografia será personalizado por Alfred Hettner (na Alemanha) e Richard Hartshorne(nos Estados Unidos).

27 Idem, pág. 2.

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a AGB na linha de reformulações e de ampliação que vinha sendo traçada.Em 1979, recorda Andrade, “os sócios cooperadores conseguiram, comapoio de alguns sócios efetivos, controlar a assembléia, em grande parteformada por estudantes, provocando uma ruptura e a transformação daAGB em uma sociedade em que os estudantes passaram a ter verdadeirocontrole dos destinos da mesma.”

Manuel chama a pressão aos poucos sócios titulares presentes de“golpe de força”, pois a diretoria viu-se numa difícil situação: ou re-nunciava ou entrava na Justiça. A decisão foi pela renúncia e entregada AGB aos “revolucionários”, que elegeram Armen Mamigonian comopresidente28.

É possível identificar traços fundamentais nesse embate. Em pri-meiro lugar, há duas gerações que se identificam como distintas, contra-ditórias e opositoras, constituindo a comunidade geográfica, envolvidasnuma discussão que gira em torno do estatuto da AGB. Em segundo,aparece a generalização proposta pelos “revolucionários”, também pre-sente na distinção entre as gerações, no que diz respeito a atitudes eestratégias. Mas tanto em um traço como no outro há um duplo sentido,na medida em que não somente os “antigos” os identificam, mas tam-bém os discursos dos “novos” marcam regularmente as idéias de “novo”e de “revolucionário”.

A conciliação entre Rio de Janeiro e São Paulo e as outras seções,tradição na AGB desde a década de 1940, apresentava-se também em rela-ção às tendências teóricas dentro da geografia, pois uma cúpula que pre-tende manter-se no poder por muito tempo precisa fazer concessões.Quando a conciliação política começa a ser rompida, na década de 1970, ateórica também passa por alguns golpes. A tentativa de domínio da geo-grafia quantitativa, não somente na AGB mas em toda a geografia brasilei-ra, não conseguiu unanimidade, mesmo em Rio Claro e no IBGE.

A grande batalha com os quantitativistas deu-se em 1972, em Presi-dente Prudente, e nas reuniões de Belém, em 1974, e Belo horizonte,em 1976. Mas essa luta ocorreu paralelamente a outra, esta contra adependência brasileira dos cânones estrangeiros: se por um lado a “geo-

28 ANDRADE, Manuel Correia de; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, nº 6, 1988,pág. 123-119.

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grafia quantitativa”, ao questionar a “geografia tradicional”, abre a pers-pectiva de mudança, por outro as críticas aos cânones estrangeiros jogasobre a “geografia quantitativa” uma pesada crítica.

Entre os quantitativistas brasileiros destacam-se como principaisRoberto Lobato Corrêa, Felizola Diniz, Antônio Christofoletti, Ceron,Speridião Faissol e Pedro Geiger, que chegaram a escrever artigos sobre opoder nacional na linha do governo Médici, publicados na Revista Brasilei-ra de Geografia. Mas com o enfraquecimento do regime militar e com odesmoronamento do “milagre econômico”, muitos quantitativistas muda-ram de posição, alguns por novas reflexões, outros por oportunismo.

O contexto de mudança abre espaço também para o debate sobreo ensino de geografia no Ensino Fundamental. Durante toda a décadade 1970, a AGB teve o importante papel de frear as tentativas de im-plantação dos Estudos Sociais em lugar da Geografia e da História. Ma-nuel F. G. Seabra lembra que veio à tona em 1980 um projeto de autoriado conselheiro professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, que propu-nha a implantação em todo o território nacional da Licenciatura Plenaem Estudos Sociais, estruturada com um núcleo de matérias comuns aque se seguiam matérias específicas e matérias pedagógicas (decor-rentes de um processo de discussão que se iniciou em 1971, com a Lei5.692 e o parecer 853).

Para a geografia, especificamente, o projeto pressupõe a separaçãoradical entre licenciatura e bacharelado, questão que será palco de de-bates em julho de 1981, em Salvador, na 33ª Reunião Anual da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, da qual a AGB é associada.Nesse momento estava em debate também a regulamentação da profis-são de geógrafo, principalmente as medidas restritivas ao licenciado emGeografia dada pela resolução 271/81 do Conselho Federal de Engenha-ria, Arquitetura e Agronomia (Confea), derivadas da interpretação doDecreto nº 85.138, de 15 de novembro de 1980, que regulamenta a Lei nº6.664, de 26 de julho de 197929.

Tais discussões, em conjunto com a série anterior que aqui busca-mos elencar, contribuem para o repensar do perfil do geógrafo: o que é

29 In: Estudos Sociais e Vulgarização do Magistério e do Ensino de 1º e 2º Graus. BoletimPaulista de Geografia, 58, AGB-SP, 1981.

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a Geografia? Para que serve ela? A quem serve? Questões como essaspovoaram o imaginário coletivo da comunidade geográfica brasileira (masnão só) no final da década de 1970.

Além da mudança na prática geográfica, no ensino, na profissão,explicita-se também a necessidade de mudanças epistemológicas. AnaFani Alessandri Carlos comenta que

[...] a geografia crítica se propõe a pensar o fenômeno para além de seuaspecto formal, ultrapassar o nível fenomênico, e entender a realidadecomo articulação dialética entre forma/essência. Deste modo aborda oprocesso de produção do conhecimento geográfico numa nova perspectiva.Rompe-se com a postura positivista do ‘mistério da origem’ (Conti); oumesmo da idéia de correspondência e solidariedade entre fenômenosdesenvolvida por Vidal de La Blache. O materialismo dialético estrutura abase do conhecimento enquanto adequação do pensamento e do ser; umconhecimento que não se reduz ao pensamento e que envolve a dimensãoda prática social enquanto conteúdo do real. Coloca-se a compreensão doespaço na perspectiva do movimento das coisas e das coisas emmovimento, levando à compreensão do caráter contraditório das relaçõesque produzem o espaço geográfico, que permite orientar o pensamentopara a ação, num esforço de compreender o conteúdo teórico da sociedadeem seu processo contraditório de humanização/desumanização do homemem suas condições concretas de existência.30

Tal postura, de forma similar a inúmeras outras, começa a ganharliberdade no final da década de 1970. A abertura política brasileira, oquestionamento da hegemonia capitalista, o re-surgimento dos movi-mentos sociais, a mudança na AGB, a aceitação do marxismo na geogra-fia, todos esses fatos significavam, enfim, que as portas estavam escan-caradas para a mudança. E, como a geografia é o que os geógrafos fazemdela, resta saber quais mudanças foram feitas.

Na perspectiva da construção de um arcabouço teórico-metodológicocomo uma construção coletiva, constituída em debates, várias tentati-vas foram realizadas no início da década de 1980: assim foi com o semi-nário “Filosofia e Geografia”, organizado por Armando Corrêa da Silva,no Rio de Janeiro, em 1983, e em textos publicados (como a coleção oBorrador, editada pela AGB-SP, de 1980; um número especial da Revista

30 Os caminhos da geografia humana no Brasil. BPG n. 71, 1992, 129- 142

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de Cultura Vozes, organizado por Ruy Moreira, de 1980; o livro Geogra-fia: Teoria e Crítica; O saber posto em questão, organizado por Ruy Mo-reira, de 1982; e Novos Rumos da Geografia Brasileira, organizado porMilton Santos, de 1982).

Mas será que essas mudanças se concretizaram na década de 1980?Milton Santos considerou, já em 1989, que a Geografia Brasileira estavaprecisando de uma nova reviravolta, mais difícil porque a Geografia insti-tucionalizou-se mais fortemente nesse período, e boa parte dos res-ponsáveis pelo debate da década de 1970 já estava aceitando o statusquo. Para Santos, faltava produção acadêmica, sobretudo “por estas tesestodas”, pois a geografia tornou-se “algo vendável” nas prateleiras daslivrarias, uma produção de divulgação, muito grande, vulgarizadora, istoé, uma produção diversa da de quem divulga.

Milton Santos considera que na maior parte as teses do período nãosão de natureza acadêmica, e sim “gastrointestinal”, resultantes da von-tade de poder ou de uma posição melhor na carreira, reduzida pela faltade objetivo, manifestação de oportunismo, redução do nível de caráterdas pessoas. A vida acadêmica tornava-se regra, imposição, não haven-do por isso um projeto geográfico brasileiro. Tratava-se de produçãoburocrática, feita para cumprir regulamento.

O fato refletia-se nas crises das revistas, que não encontravam arti-gos de qualidade para publicar; na incapacidade físico-intelectual de seproduzirem sínteses, necessárias; na forma como o tempo dos professo-res era organizado, com a multiplicação de reuniões que consumiam umtempo enorme com questões que poderiam ser decididas por um “cole-ga responsável”, gerando uma perda inaceitável na vida acadêmica; numahierarquia de valores de importância que colocava a vida acadêmica emum patamar muito baixo, sob o peso do poder (não o de formular umprojeto para a Geografia, para o departamento, mas simplesmente opoder pelo poder31).

(Questionar esse estado de coisas requer primeiramente um comen-tário. Não é possível generalizar todas as críticas. Dizer que as teses nãosão acadêmicas e sim “gastrointestinais” pode significar um modelo ide-alizado de academia; acaso a academia não inclui o conjunto de ativida-

31 SANTOS, Milton; ENTREVISTA. Rev. Geosul, UFSC, Florianópolis, n. 7, 1989, pág.144 – 146.

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des burocráticas – gastrointestinais, por que não? – prazos, rituais, re-gras? Considerar a produção acadêmica como “nula” é um exagero, poisrestaria a pergunta: sob que parâmetro? Basta investigar a produção aca-dêmica geográfica brasileira ao longo da década de 1980, em todas assuas áreas, para constatar a ampliação da produção.

O próprio Milton Santos é um exímio representante da produção aca-dêmica “legítima”, assim como seus orientandos e o laboratório que fazparte, mas também ajudou a constituir a geografia “vendável”. Oquestionamento serve, neste instante, para ressaltar que existem váriosníveis de mudanças, articulados entre si: a mudança do mundo, a mudan-ça paradigmática, a mudança teórico-epistemológica disciplinar, a mudan-ça da estrutura acadêmica, a mudança do perfil sociológico da comunida-de científica, a mudança de postura e de interesses; enfim, cabe dizerque uma mudança não implica necessariamente efeitos em todas as ins-tâncias de um sistema. O movimento produz contradições, pois há desi-gualdades nos ritmos das mudanças. Por exemplo, uma crítica teórica podejustificar e encobrir interesses políticos ou pessoais.)

Consonantes com a reorganização dos movimentos sociais ocorridosno período, vários trabalhos de pesquisa no final da década de 1970 eprincipalmente ao longo da década de 1980 procuraram construir umanova síntese. Eles incorporavam outra ordem de elementos à análise,formando uma nova visão geral da estrutura e dos processos sociais, queem grande medida partem dos processos econômicos, discutindo a na-tureza do Estado no capitalismo monopolista. Apontavam para o sur-gimento de novas contradições, sobre as quais fundavam-se manifesta-ções coletivas não-institucionalizadas que marcavam, na prática, umaruptura com o populismo.

Do mesmo modo, punham-se como sujeitos políticos, não somentecomo resultado – também como libertos – do processo. Isso resultou numatransformação das bases para a análise dos movimentos, invertendo osentido da análise: ao invés de partir do Estado e da estrutura econômi-ca, elegem como tema a organização social, dada pela forma diversificadade organização dos próprios movimentos populares, iniciando então aformulação de uma geografia dos movimentos populares no Brasil.

Assim, em conjunto com a superação na prática política, foi neces-sária uma ruptura teórica com os velhos paradigmas populistas centradosna ação do Estado e na economia, pois agora era possível considerar os

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movimentos como produtores de espaço, com direito a uma concepçãoe a uma percepção particular, além de suas próprias contradições emrelação a esse elemento. Ocorre uma redefinição do termo “popula-ção”, que ultrapassa a noção “abstrata” ou “passiva” no processo eco-nômico, assumindo o status de fator de diferenciação e formador decontradições.

Seguem-se profundas transformações nos modos de pensar e fazer ageografia, passando pela incorporação de novas categorias, caminhandoda noção de organização para a de produção social do espaço. São pro-fundas as mudanças bibliográficas: o referencial torna-se mais interdis-ciplinar, os autores clássicos tornam-se secundários, o objeto central daanálise passa a ser o homem como sujeito da história e o espaço comoproduto da atividade humana.32

A estrutura construtiva de ligação da geografia com o mundo realleva a um acompanhamento de vários movimentos sociais que eclodemno período, entre eles o movimento indigenista, dos sem-terra rurais eurbanos, dos seringueiros, dos ribeirinhos, além da questão ecológica eoperária. Essa perspectiva começa aparecer primeiramente em textosesparsos, como na Seleção de Texto, no Boletim Paulista de Geografia,na revista Terra Livre33 etc.

Os movimentos estruturaram-se em função da busca de uma mudan-ça estrutural no caminho da democracia, organizando-se para a partici-pação popular na Constituinte de 1988 e nas eleições gerais de 1989. Em1988 grandes avanços foram conseguidos no texto da Constituição Fede-ral, nos vários capítulos considerados de importância pelos movimen-

32 Sobre a transformação do foco da pesquisa em geografia urbana no Brasil, ver: Oscaminhos da reflexão sobre a cidade e o urbano, resultado de um balanço coletivo produtodo I Simpósio Nacional de Geografia Urbana, em 1989. O livro foi organizado por Ana FaniAlessandri Carlos, a qual diz à página 179: “Os traços marcantes da realidade urbanaentram na análise geográfica: a pobreza, as diferenciações e a segregação espacial, osmovimentos sociais urbanos em todas as suas dimensões; a utopia, os projetos, a questãoda cidadania e o direito à cidade. Não há distanciamento entre a realidade urbana e omodo de entendê-la, o que representa um caminho para a elaboração teórica sobre ourbano pela perspectiva geográfica”.

33 Pode-se citar como exemplo o número 64, de 1986, em que os textos giram em torno daquestão da habitação, dos movimentos sociais urbanos, da indústria da construção e dopapel do Estado. Além da revista Terra Livre, número 6, e do Boletim Paulista de Geografia,número 66, ambos de 1988.

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tos. Em 1989 estivemos perto de ter uma candidatura apoiada pelosmovimentos populares na presidência da República.

A perspectiva de inserção da Geografia nos movimentos sociais nãoatinge somente os temas e a metodologia da pesquisa, mas também aprópria organização da comunidade geográfica. Em 1986, na 34ª Assem-bléia Ordinária da AGB, realizada durante o VI Encontro Nacional deGeógrafos (em Campo Grande), deliberou-se sobre a necessidade depromoção de reuniões freqüentes da entidade para dar vazão à discus-são de assuntos urgentes ou temáticos, de interesse geral da categoria.A deliberação sugeria a realização de reuniões nacionais intercaladasaos encontros bianuais.

A situação do ensino de Geografia no país, que exigia conhecimentomais aprofundado e questionamentos melhor fundamentados, foi à épo-ca eleita como prioritária. O resultado foi o I Encontro Nacional de Ensi-no de Geografia, realizado em julho de 1987, em Brasília. Reuniram-secerca de 2 mil pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, um marco para acategoria. As resoluções deste encontro foram, quanto à educação emgeral, que a AGB lutasse por uma escola de tempo integral e professoresem tempo integral; pela integração entre professores de 1ª a 8ª série;por grades curriculares com três aulas semanais de Geografia no primeiroe segundo graus; por propostas alternativas de avaliação; e pela elabora-ção de programas a partir da realidade do aluno e pela desmitificação doespaço ideológico da sala de aula, criando um espaço de convivênciapara a produção coletiva de conhecimento.

Quanto ao ensino de Geografia e à divulgação de experiências alter-nativas no ensino da disciplina, houve a discussão dos programas deCartografia nos currículos de terceiro grau. A intenção era provocar umamelhoria recorrendo:

a) a cursos de reciclagem e a troca de experiência constituída noespaço vivido no programa de todas as séries do primeiro grau;

b) a um intercâmbio mais permanente com trabalhadores de Cuba;c) à elaboração, por parte das AGBs e professores, de propostas

curriculares e grades que pudessem ser encaminhadas aos órgãos oficiais;d) aos documentos produzidos pelos trabalhadores, que poderiam

também ser utilizados como material didático;e) à inclusão no currículo de Geografia do estudo das correntes

filosóficas e da evolução do pensamento geográfico;

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f) à publicação de experiências alternativas no ensino da Geogra-fia, de forma sistematizada, a fim de tornar conhecidas as metodologiasaplicadas e as circunstâncias de seu desenvolvimento.

Quanto ao encaminhamento político da AGB, a sugestão era pelapromoção de encontros regionais e locais que:

a) discutissem as propostas curriculares existentes;b) elaborassem e encaminhassem textos às seções locais para dis-

cussão sobre grades e propostas curriculares;c) reivindicassem assento junto aos órgãos financiadores de pes-

quisa;d) funcionassem como agente de estímulo, acompanhando a avalia-

ção dos cursos de pós-graduação lato sensu;e) lutassem pela introdução dos cursos de Antropologia Social, Filo-

sofia e Sociologia nos currículos de Geografia em nível de terceiro grau;f) promovessem maior intercâmbio com outras entidades de repre-

sentação de classe;g) incentivassem a participação dos profissionais nas entidades sin-

dicais de forma organizada;h) participassem de todos os movimentos referentes à ocupação do

solo e do subsolo do país;i) lutassem pela alteração da lei 6.664 e do decreto 85.138;j) incentivassem cursos de âmbito nacional sobre “O papel do Bra-

sil na economia capitalista”;k) proporcionassem maior engajamento dos profissionais de geogra-

fia nas lutas do povo brasileiro.34

A proposta de realização de simpósios temáticos no intervalo entreos encontros bianuais, somada à necessidade de se fazer uma avaliaçãocrítica da produção geográfica brasileira sobre a cidade e o urbano, le-vou, durante o ENG. de 1988, à aprovação da proposta de realização doSimpósio Nacional de geografia Urbana. O evento foi realizado no depar-tamento de Geografia da USP, com apoio da AGB e do departamento dePlanejamento Urbano da Unesp de Rio Claro, em novembro de 1989. Em1991 acontece o segundo Simpósio, em Rio Claro; o terceiro aconteceu

34 Anais do VI Encontro Nacional dos Geógrafos, pág. 6-9.

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no Rio de janeiro, em 1993; o quarto em Fortaleza, em 1995, o quinto emSalvador, em 1997; e o sexto em Presidente Prudente, em 1999.

Estes simpósios, por reunirem um número menor de participantes,a maioria pesquisadores da área, contribuem para o pensar e o repensarda Geografia Brasileira. Por outro lado, podem ser entendidos como umnítido reflexo da especialização e fragmentação da Geografia, como é ocaso dos Encontros de Geografia Agrária, anterior ao de Urbana, o En-contro de Geografia Física Aplicada, o Encontro de Geografia do Turismoe o Encontro de Geografia Cultural.

No início da década de 1990, houve um refluxo dos movimentos so-ciais no Brasil, com o fim do processo constituinte em 1988 e a derrotada candidatura popular-democrática em 1989. Contudo, outros elemen-tos contribuíram para a formação de um momento de colocação do am-plo espectro popular, que atribuía a setores da Geografia a legitimidadeda fala, ainda que na defensiva. Alguns deles surgiram em escala global,com a derrocada do comunismo no leste europeu.

O surgimento de uma “nova ordem mundial” traz em seu bojo novasquestões para a Geografia. O reflexo não foi nem imediato nem totalizanteou homogeneizado, pois o ritmo próprio dos temas e das perspectivas depesquisa, aliado a um debate rico e diversificado sobre a própria “ordemmundial” definiu o diálogo travado na academia, sendo que logo no inícioda década de 1990 surgiram indícios da mudança de cenário.35

Quanto à comunidade geográfica brasileira, a questão mais premen-te ainda é a do ensino, que entra pela porta da frente com as mudançasestruturais da AGB no fim da década de 1970. O tema traz um universode questões, derivadas em grande parte da ampliação mesma da base deensino no Brasil, da distância entre as formulações dos grandes centrosde pesquisa geográfica de expressão nacional e o conteúdo ensinadonas escolas de ensino fundamental.

Outro ponto a ser ressaltado é que a ampliação dos cursos de tercei-ro grau no Brasil não foi acompanhada por um “controle de qualidade”.

35 A discussão sobre a revolução tecnológica, marcada pela noção de meio técnico-científico-informacional, dos novos blocos econômicos, da globalização da economia, do fim docomunismo, passa a compor os temas do debate geográfico. Um outro fato que impõenovos debates é a normalização da questão ambiental, transformada em fóruminternacional pela Rio-92. Este cenário pode ser visualizado pela revista Terra Livre,número 9, de 1992, e a número 11-12, de 1996.

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Além disso, houve uma proliferação dos cursos de licenciatura curta, osEstudos Sociais, somada à explosão do mercado editorial de livros didá-ticos, que passaram a funcionar como “muleta” para os profissionais malqualificados que entravam no sistema de ensino de geografia e à péssi-ma qualidade de boa parte desse material didático.

Procurando atender à demanda de “aprofundamento” do debateacerca do ensino de Geografia (no qual os profissionais de Ensino Funda-mental passam a ser o público majoritário dos encontros de classe, emconjunto com os estudantes, que também em grande parte serão pro-fessores de Geografia no Ensino Fundamental e Médio), vários encon-tros e publicações propuseram-se a debater a questão.

O II Encontro Nacional de Ensino de Geografia, o Fala Professor II,organizado pela AGB e realizado em São Paulo, na USP, em julho de 1991,com certeza é um marco, tanto do refluxo dos movimentos sociais quan-to do amadurecimento do debate interno da Geografia. A principal dife-rença que podemos aferir em relação aos dois primeiros encontros resi-de na mudança do perfil temático. Enquanto o primeiro tinha um cará-ter de mobilização política da entidade e dos profissionais, o segundotraria mais as experiências acumuladas no período, tanto das disserta-ções e teses desenvolvidas, dos escritores de livros didáticos, como dosprofessores nas suas salas de aula.36

O tema da globalização ganha cada vez mais peso ao longo da décadade 1990, ganhando amplitude sobretudo com as obras de Milton Santose tendo como ponto marcante a realização, em 1992, no departamentode Geografia da USP, o Encontro Internacional “O Novo Mapa Do Mun-do”. Dele resultou a publicação de uma série de livros com os textosapresentados e a posterior popularização do tema em publicações eencontros acontecidos ao longo da década.

A posição privilegiada de Milton Santos em relação à questão podeser observada em diversas outras situações, além do encontro citado:vejam-se, a esse respeito, os anais do Seminário Território e Fragmen-tação, em 1993; do Encontro Internacional “Lugar, Formação Sócio Espa-

36 O Boletim Paulista de Geografia, número 70, de 1992, a Revista Geografia e Ensino, doDepartamento de Geografia da UFMG, e a Revista Orientação, do Departamento de Geografiada USP, em seus vários números, são exemplos dessas publicações específicas.

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cial, Mundo”, em 1994; do Encontro Nacional “Globalização e TerritórioBrasileiro”, em 1996; e, por fim, do Encontro Internacional “O Mundodo Cidadão - Um Cidadão do Mundo”, em 1996, este último tematizandosua vida e obra37.

Quanto às novas linhas teóricas assumidas com maior ênfase no de-correr da década de 1990, derivadas em grande parte do refluxo do mar-xismo, podemos destacar a da pós-modernidade, a da geografia cultural,humanista, e a introdução de “novos” autores na Geografia, como MichelFoucault e Henri Lefebvre, além da renovação da discussão sobre a “na-tureza” pela via ecológica.

Findo este percurso pela construção da geografia acadêmica brasi-leira (um tanto, digamos, linear), convém articular algumas reflexões fi-nais. Se procurássemos dividir o percurso realizado em períodos, tería-mos cinco escalas básicas. A primeira buscaria o entendimento das esco-las de pensamento hegemônicas em cada período, fornecendo uma pri-meira classificação em quatro grandes períodos, iniciando-se em 1934: oprimeiro período iria de 1934 até a década de 1960, com hegemonia daescola francesa; outro poderia ser estabelecido entre a década de 1960e 1970, com a disputa entre a escola francesa e a quantitativista, comganho de terreno para a segunda; um terceiro momento poderia serpercebido no final da década de 1970, estendendo-se até o início dadécada de 1990, com hegemonia da tendência marxista; e, por fim, apósa década de 1990 manifesta-se um pluralismo com retornos, descober-tas, recuos e novas descobertas.

Por outro lado, se procurássemos uma periodização que levasse emconsideração a política acadêmica, centrada na AGB, teríamos três gran-des períodos. O primeiro abarca o intervalo que vai de sua criação até oano de 1946, e sua marca é essencialmente paulista; o segundo, compre-endido entre 1946 e 1978/79, busca a construção de uma entidade nacio-nal, mas concentrado nos catedráticos que se revezam entre Rio deJaneiro e São Paulo; e, por fim, o terceiro, a partir de 1978/79, não mais

37 A questão das novas relações entre o global e o local também é o tema central doEncontro Nacional dos Geógrafos realizado em Recife, em 1996, intitulado Espacialidadee Territorialidade: Limites da Simulação. Uma publicação importante para acompanha-mento dessa questão das novas territorialidades é a Revista Território, publicada peloLaget/UFRJ.

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caracterizado pelo perfil catedrático/regional, mas sim pelo perfil teóri-co/ideológico de feições marxistas.

Uma terceira possibilidade poderia buscar uma classificação vinculadaao perfil dominante do pesquisador e nos daria dois grandes períodos:um que vai até a década de 1970, marcado pelo pesquisador de campo,descritivo e regionalizador; e outro, que vai da década de 1970 até osdias de hoje, marcado pelo perfil teórico-metodológico.

A quarta hipótese buscaria as perspectivas da comunidadeacadêmica, demarcando-se em seis períodos, que se iniciam em 1934. Oprimeiro, de 1934 a 1956, seria marcado pela difusão da geografiaacadêmica; o segundo, de 1956 a 1970, apontaria o período de afirmaçãoda Geografia Brasileira; o terceiro, a partir da década de 1970, seriaidentificado com a expansão rápida dos cursos de Geografia e o aumentoda comunidade geográfica; o quarto, ao longo da década de 1970, seriapercebido pela sensação de crise política e epistemológica da disciplina;o quinto, de 1978 a 1986, seria identificado pelo repensar radical dasbases da disciplina; e, por fim, dos fins da década de 1980 até os diasatuais, seria possível perceber a busca pela diversificação das perspectivastemáticas, práticas e teóricas.

A quinta alternativa poderia organizar-se a partir das gerações, enos daria cinco fases, em boa parte coincidentes com o postulado deOrtega y Gasset, que sugeria gerações de 15 anos. A primeira iria de 1934a 1949, marcada pela influência quase total da geografia francesa, pelaconstrução do tripé universidade-AGB-IBGE., centrada no eixo RJ-SP, epela difusão da concepção de geografia moderna; a segunda geração, de1949 a 1964, seria marcada pela perspectiva de integração do territóriobrasileiro, pelo desenvolvimentismo, pela construção de um conheci-mento do território brasileiro promovido pelos encontros anuais da AGBem vários pontos do território nacional e pela iniciativa de intercâmbiocom centros de pesquisa na Europa e EUA (principalmente França e EUA);a terceira geração, de 1964 a 1979, seria identificada pelo embate com aditadura militar, a influência marcante da geografia quantitativa, princi-palmente no IBGE e na Unesp de Rio Claro, e no refluxo da geografiafrancesa, com um racha na comunidade caracterizado pelo ques-tionamento da hegemonia norte-americana que é transvasada para es-ses centros, e o questionamento do autoritarismo político é incorpora-do à crítica à cátedra e à elite da AGB; a quarta geração, de 1979 a 1994,

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seria aquela que se inicia com um discurso de crise, que vive a constru-ção de uma perspectiva crítica para a geografia brasileira, marcada pelahegemonia do marxismo, com ampla participação dos estudantes e pro-fessores do ensino médio e fundamental nos encontros da AGB, comgrande perspectiva de transformação social no Brasil, mas que assiste avários rachas internos, fragmentações temáticas e grande expansão domercado editorial e assiste à construção de nosso maior nome nacionale internacional da geografia, Milton Santos; a quinta geração seria aque-la que adentra a geografia após 1994, sentindo apenas levemente a in-fluência do clima revolucionário efervescente da década de 1980, e pre-sencia já um debate desconexo entre inúmeras perspectivas e váriosencontros temáticos, uma AGB. existente em todo o estado nacionalcom inúmeras seções locais ativas, encontros nacionais com mais de 3mil participantes, mas também um sentimento de crise, derivado da cri-se do emprego, do sucateamento das universidades, da aposentadoriaou morte de grandes nomes da geografia brasileira, tendo que entrar nomercado de trabalho já nos primeiros períodos do curso, com a possibi-lidade (mas também a pressão) para continuar longos anos de estudos naetapa da pós-graduação.

Neste trabalho não escolhemos de nenhuma dessas periodizações,pois entendemos que todas são parciais. Mas ao buscar entender o mo-vimento de renovação da Geografia Brasileira, deparamo-nos com o fatode que os participantes vinham de vários caminhos, escolas, gerações,momentos, perspectivas, mas que ao mesmo tempo havia algo em co-mum. Esse cruzamento foi sua riqueza; a busca de construção conjuntade uma proposta radical, seu desafio. A esse conjunto de pessoas deno-minamos coetâneos.

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OS ESTUDANTES, A ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOSBRASILEIROS (AGB) E O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃOCRÍTICA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA

THE STUDENTS, THE BRAZILIAN GEOGRAPHERSASSOCIATION (AGB) AND THE RENOVATION CRITICMOVEMENT IN BRAZILIAN GEOGRAPHY

Charlles da França Antunes *

Manoel Fernandes de Sousa Neto **

Resumo: O movimento de renovação da Geografia brasileira e asmudanças na estruturação da Associação dos Geógrafos Brasileiros, quese deram no final dos anos 70, têm no Movimento Estudantil um agentefundamental para a efetivação dessas transformações. O presente tra-balho tem como objetivo central apresentar uma discussão/análise so-bre a importância dos estudantes e do Movimento Estudantil de Geo-grafia no processo recente de construção da Geografia Brasileira.

Abstract: The renovation movement in Brazilian Geography and thechanges in the structure of AGB (Association of Brazilian Geographers),which happened in the seventies, have both in the students movement,a fundamental agent of transformation. This paperwork has a centralobjective to present a discussion/ analysis about the importance ofstudents movement in the recent process of constructing brazilianGeography.

Os movimentos sociais são agentes históricos que expressam, emcada momento, as formas históricas de opressão, de miséria, de injusti-ça, de desigualdade, etc., mas expressam também muito mais do que

* Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/Uerj).

** Professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.

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isto, pois expressam o devir, através de sua crítica, de suas formas decontestação, de suas lutas na busca de novas alternativas, para o co-mando de uma nova historicidade. (SCHERER-WARREN, 1987)

Qual a importância da participação dos estudantes na construçãohistórica da Geografia no Brasil após 1970? Quais os efeitos do Movimen-to Estudantil sobre a renovação da Geografia e sobre a Associação dosGeógrafos Brasileiros (AGB)? Eis algumas questões que ganham entre nóssignificado especial, dada a presença marcante desse movimento na his-tória recente de rupturas na Geografia brasileira.

Respostas a essas questões resultam, entretanto, daquilo que a pró-pria história recente da Geografia nos legou – a imensa proximidade entreo Movimento Estudantil de Geografia e as transformações percebidas nosanos posteriores a 1978. A teia que se foi urdindo, como podemos perce-ber entre os discursos que habitaram os eventos da Associação dos Geó-grafos Brasileiros (AGB) e os fóruns dos estudantes, reclama uma investi-gação, uma vez que, depois daquela Fortaleza de julho, os estudantespassaram a ser considerados como profissionais em formação.

Os intensos movimentos executados pela ciência geográfica no per-curso de sua renovação a partir da década de 1970 floresceram comocrítica e renovação internas ao campo científico. Como afirma Moreira,“a renovação de uma ciência está em linha de relação direta com a cons-ciência que têm os seus intelectuais das questões que a história a elaestá pondo, colocando-a em crise” (MOREIRA, 1982, p. 5).

Nessa perspectiva, consideramos fundamental para a compreensãoda dinâmica assumida pela ciência geográfica no Brasil, nas últimas déca-das, o entendimento da intervenção do Movimento Estudantil de Geo-grafia, num espectro científico e político. Os estudantes que viam nachamada “Geografia Crítica” alguma forma de instrumentalização, umacerta base teórica para poder fazer a sua militância política, não maisconcebiam uma Geografia descolada da análise da realidade, de acordocom a qual, segundo Armando Corrêa da Silva: “A Geografia não tem porque continuar a ser um ‘pequeno mundo’ no qual vivem apenas profes-sores, geógrafos profissionais e estudantes, olhando circunspectos eorgulhosos do seu próprio umbigo” (SILVA, 1983, p. 134).

A necessidade de democratização da AGB e, conseqüentemente, dareformulação de seus estatutos, que previam uma participação diferen-ciada no quadro de possíveis associados – aqueles que de alguma forma

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tinham um envolvimento com a Geografia, profissionais ou estudantes –,marcou-se por importante episódio da vida dos estudantes de Geografiae, por razão direta, de sua organização. Nesse período compreendidoentre os anos de 1978 e 1979, apesar de estarmos vivendo sob armas eamarras impostas pelo regime autoritário que as elites brasileiras nosimpunham sob guarda dos militares, os estudantes de todo o país, aindaque de maneira tímida, davam sinais de organização e reivindicação. Erao início de uma nova etapa na organização estudantil.

Nesse processo que, de alguma maneira, colaborou na criação dascondições favoráveis para que se acelerassem os debates sobre os ru-mos e a natureza dos discursos geográficos no Brasil, merecem destaqueo Movimento Estudantil e os geógrafos que militaram no âmbito da AGB.Não abandonando o conteúdo e o fio condutor do movimento, ativaramno âmbito geográfico a busca de maior espaço de atuação no interior deseus órgãos representativos, como a AGB, as próprias salas de aulas eoutros locais, que, no cômputo geral, pudessem garantir a exposição edebates das questões pertinentes à ciência geográfica. Nessa direção,os estudantes começaram, com outros profissionais descontentes comos rumos da Geografia, a tomar posições estratégicas que ampliassem oslocais de atuação. Dentro dessa conjuntura, vamos identificar a ocor-rência de acontecimentos e sujeitos históricos que se tornaram os im-pulsionadores e, em parte, os responsáveis pelas metamorfoses que seiniciaram no interior dos discursos dessa ciência, no final dos anos de1970 e início dos de 1980. Isso propõe que o caminho a percorrer em umainvestigação sobre o Movimento Estudantil é fundamentalmente o daação política mais geral, nomeadamente e conjunturalmente situada den-tro de um processo social maior.

Os tênues ventos da abertura política que, de certa maneira, come-çaram a se fazer sentir em 1978, revigoraram mais um pouco o MovimentoEstudantil, que já vinha numa ascendência em termos de fortalecimentoe defesa de bandeiras de luta importantes. Esse ano simboliza um mo-mento em que a sociedade civil brasileira passou a conviver, de formaum pouco mais intensa, com uma série de movimentos sociais repre-sentativos de vários setores que ganharam as ruas, forçando o alargamentodo processo de redemocratização. Quando as condições objetivas per-mitiram maiores movimentações, esses sujeitos históricos aos poucostrilharam um caminho de verdadeira apropriação do seu espaço. O res-

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surgimento do Movimento Estudantil em 1975 e seu revigoramento em1977 incrementaram a perspectiva de introdução, em sala de aula, dasquestões mais gerais da luta política que incendiavam o país e, de certamaneira, abriram alguns hiatos num importante fórum de discussão: apossibilidade de se ampliar a prática política que estava sendo reprimidapela Ditadura Militar. Por esses motivos, de forma hegemônica no interiordesse campo institucional, o primeiro momento foi aquele em que váriasquestões que envolviam a sociedade civil brasileira foram carregadas paradentro das discussões, envolvendo os estudantes.

Situação reveladora do surgimento de novos espaços de politizaçãomais setorizados, isto é, a organização da luta política, configurava-secom a articulação de novas áreas, avanços que, de certa maneira, possi-bilitaram a algumas partes do Movimento Estudantil a compreensão deque uma problematização mais específica estava diante de suas mãos: adiscussão sobre o Estado e suas políticas educacionais. Nesse sentido,o Movimento Estudantil cumpriu papel preponderante no processo, por-que, dentro dessa discussão, a aproximação com problemas relativos àsquestões políticas envolvendo os discursos científicos e com problemasefetivos de ordem epistêmica foi uma questão de tempo.

O Movimento de Renovação pelo qual passou a Geografia é, comcerteza, singular no conjunto das ciências no Brasil. E de onde vemesta singularidade? Podemos dizer que vem do olhar histórico do pro-cesso, um olhar que envolve os diversos sujeitos/atores que fazemparte dessa história. Duas características são fundamentais para o en-tendimento da singularidade da renovação recente da Geografia. A pri-meira refere-se à forma/processo, que tem no ano de 1978 sua refe-rência emblemática. Essa renovação é ao mesmo tempo epistemológicae política. As críticas que eram feitas e as insatisfações que acabarampor gerar a ruptura eram não apenas sobre qual estatuto epistemológicoa Geografia deveria ser produzida nas universidades e nas escolas, re-metendo a um olhar científico, mas também sobre qual e para quemseria produzida a Geografia, completando um claro projeto de socieda-de, do qual a Geografia deveria participar. A segunda característica re-fere-se aos agentes dessa renovação. Diferentemente de outras ciên-cias no Brasil, a Geografia teve não nos acadêmicos os principais ato-res da transformação científica. A Geografia é talvez a única ciênciaque, no Brasil, em sua história recente, passou por um processo tão

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radical de transformação do pensar/produzir sem a direção exclusiva,ou mesmo principal, da Academia.

Para a Geografia, o processo de renovação teve início e meio naintervenção daqueles que estavam fora da Academia – os professores doentão de 1º e 2º graus –, e naqueles que estavam nas Universidades eque eram tratados como espectadores – os estudantes. Foi a união des-ses dois segmentos que garantiu o processo de renovação. Ao mesmotempo, estudantes e professores, que estavam fora da Academia, e tam-bém aqueles poucos que, mesmo na Academia, conseguiam realizar acrítica, mostravam sua insatisfação com as bases teóricas que funda-mentavam o pensar geográfico, mostravam também sua preocupação como fazer geográfico, ou seja, a serviço de que projeto de sociedade esta-ria essa ciência, os intelectuais e suas instituições.

O Movimento Estudantil teve participação fundamental no processode renovação da Geografia brasileira. O Movimento Estudantil garantiu,através da possibilidade de intervenção comprometida com um projetode mudança e, ao mesmo tempo, descomprometida com as estruturaspolítico-administrativas dos Departamentos formadores, as reformascurriculares e a democratização das estruturas internas da Universida-de. Foram os estudantes que, literalmente, “colocaram na parede” os“donos das verdades” geográficas de outrora. A ação direta do movi-mento, que estava a se nutrir dos novos rumos, daqueles professoresque apresentavam um novo pensar geográfico, questionando e forçan-do mudanças curriculares ou de natureza das políticas departamentais,acabou por detonar as transformações.

OS ESTUDANTES E A TRANSFORMAÇÃO DA AGB: O MOVIMENTO TAMBÉM SERENOVA

A análise objetiva da Geografia brasileira e da AGB do presente nãopode prescindir da determinação precisa do significado da participaçãodos estudantes no processo de renovação científica e de transformaçãoda Associação. Nela estão contidas algumas das orientações básicas quedirigem o curso desse processo. Sua atuação só adquire expressão reno-vadora quando associada a outras forças de renovação; sua força só ga-nha vitalidade quando integrada a um processo já desencadeado.

Não obstante, é preciso compreender sua luta, esclarecer sua pre-mente necessidade de encontrar um campo de ação. E, mais do que

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isso, é indispensável elucidar sua importância como força no processode renovação da Geografia.

O Movimento Estudantil marcou sua presença no cenário políticobrasileiro desde o início do século. Alguns dirigentes políticos que fize-ram a história recente do Brasil à frente de movimentos políticos come-çaram sua experiência política como dirigentes estudantis. Alguns dosprincipais profissionais que produzem a Geografia nestas últimas déca-das e que exercem forte influência sobre o que é pensado e produzidonas Universidades e nos fóruns da AGB fizeram parte do Movimento Es-tudantil de Geografia.

O engajamento dos estudantes adquire uma conotação criadora.Converte-os num dos agentes da práxis que intenta dinamizar o sistemaatravés da implantação de uma nova ordem social que supere, em defi-nitivo, o status quo. Cabe, todavia, averiguar os caminhos dessa práxise o significado de que ela deverá revestir-se na transformação da Geo-grafia brasileira.

A identidade, portanto, de um dado movimento de área tem comoâncora a disciplina que lhe dá suporte. Logo, o fortalecimento do Movi-mento Estudantil de Geografia depende da renovação e fortalecimentoda própria ciência epistemológica e, socialmente, depende dorobustecimento da comunidade de geógrafos e da consolidação das insti-tuições que o fazem ser o que é. A crítica dos fundamentos epistemológicosé outro passo fundamental, porquanto a simples proclamação não torna aGeografia uma “práxis” social transformadora, ou um instrumento dessa“práxis”, se os termos são assim mais corretos. Desenvolvê-la implica res-ponder no plano teórico às três questões gerais, postas pela epistemologiaàs ciências: a Geografia, “o que é”, “para que serve” e “para quem serve”(MOREIRA, 1980, p. 21). Não se pode fazer movimento estudantil em Geo-grafia se não se faz ciência geográfica. Essa é a condição sine qua nonpara a existência desse movimento: conhecer e produzir, profundamen-te, a ciência mesma que o faz historicamente ser. Não há movimentoestudantil de Geografia sem produção geográfica feita por estudantes. Seé preciso produzir ciência, não como estudantes isolados, mas por dentrodo Movimento Estudantil de Geografia, então é necessário que a estrutu-ra organizativa interna do movimento permita esse fenômeno. Permita,em suma, organizar os estudantes, com vistas a fazer uso da ciência geo-gráfica em torno das ações que tenham como fundamento a ciência.

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Dois eram os lugares possíveis de fazer ecoar os sons da mudança:os Departamentos de Geografia e os fóruns da AGB. O primeiro estavacontrolado, em sua maioria, por setores conservadores, os quantitati-vos e os positivistas; o segundo, pelos mesmos grupos que formavam aoligarquia dos Departamentos. Não restava muito a fazer, se a ação sedesse apenas no âmbito do científico. Nesse sentido, as mudanças teri-am que se dar tanto no âmbito científico como no político. Podemos atéarriscar a dizer que as mudanças políticas, naquele momento, poderiamser mais importantes. O Movimento Estudantil é o agente que vai pro-porcionar as transformações nesses dois lugares: na AGB, após a inter-venção no III Encontro Nacional de Geografia (ENG), e, posteriormente,na Plenária Estatutária de 1979; nos Departamentos, com as denúncias elutas diárias pela democratização. Foram os estudantes que levaram parao interior da Academia, por meio de seus encontros, semanas de Geo-grafia, palestras e publicações, o pensamento daqueles que estavampropondo esse novo pensar/fazer geográfico.

A democratização da AGB, que se agitava desde o início dos anos de1970, e que culminou em 1978, permitiu que aqueles que estavam forada Academia e, portanto, fora do eixo mais direto da AGB, pudessemocupar os seus fóruns de debates para divulgar as idéias da Geografiarenovada. O cotidiano das seções locais foi fundamental para esse pro-cesso, cotidiano agora permitido pela entrada dos estudantes e profes-sores do então 1º e 2º graus.

Alfredo Bosi ensina que datas são pontas de icebergs, servem ape-nas para nos fazer sobreviver a um possível naufrágio. Como uma sériede números dispostos em uma certa ordem, as datas servem menos parafechar possibilidades do que para abri-las e colocá-las sob a chama deuma profunda iluminação histórica:

Mas de onde vêm a força e a resistência dessas combinações de algarismos?1492, 1792, 1822, 1922... Vêm daquelas massas ocultas de que as datassão índices. Vêm da relação inextricável entre o acontecimento, que elasfixam com a sua simplicidade aritmética, e a polifonia do tempo social,do tempo cultural, do tempo corporal, que pulsa sob a linha de superfíciedos eventos. (BOSI, 1992, p. 19).

Por isso, entre datas, muitas, 1978 talvez seja uma daquelas quemais marcaram e marcam a Geografia brasileira dos últimos decênios desteséculo. Entretanto, esse conjunto de algarismos, coincidentemente, gira

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em torno de outros acontecimentos importantíssimos para a históriarecente da ciência geográfica no Brasil. Mas, se 1978 aparece como umagrande data, a discussão já vinha sendo feita: as grandes rupturas sepreparavam. Aqui e ali, geógrafos descontentes, sobretudo os mais jo-vens, mas também os menos jovens, reuniam-se para falar dos novosrumos. A aglutinação, em nível nacional, foi possível graças exatamenteaos encontros e publicações promovidos pela AGB e pelos estudantes. Arazão dessa importância está na conjuntura vivida à época. Vivíamos noperíodo a ascensão dos movimentos sociais operários, a reconstruçãodo Movimento Estudantil, a véspera da anistia aos exilados e o surgimentode um sem número de organizações que consubstanciariam a fundaçãoposterior do Partido dos Trabalhadores, o PT.

A importância de 1978 está naquilo que antes já acontecera, a as-censão de uma forte institucionalidade geográfica ligada aos ditames doregime de chumbo; uma Geografia aplicada, voltada para o planejamen-to, baseada em teorias sistêmicas e locacionais e com fortes ligaçõescom os interesses daqueles que faziam acontecer o milagre brasileiro.Assim, seria necessário um breve retrospecto, inclusive para compreen-der, a partir de certos currículos, a forte matematização e tecnificaçãodo discurso, combatido de modo veemente por aqueles que se propuse-ram uma verdadeira guerrilha epistemológica. Os traços desse debateencontram rastro no balanço realizado por Carlos Augusto FigueiredoMonteiro, que localiza, já em 1972, possibilidades de uma transformaçãoque vingaria depois de pouco mais de meia década. Não se trata, claro,de uma caça aos nomes simplesmente, mas de uma compreensão ao quese pensava e às ações que faziam implementar os círculos de afinidade,dentro das instituições geográficas, e mais, no interior de uma extensateia de poder político, dentro daquela sociedade. Havia, nos anos queantecederam Fortaleza, uma espécie de guerra surda no interior da Ge-ografia brasileira, guerra que exprimia a luta duríssima realizada naqueleestado de exceção e de Atos Institucionais.

Caso consideremos muitos dos processos em sua inteira significa-ção, perceberemos que 1978 refletiu, dentro da Geografia, as lutas soci-ais que se realizavam fora dela, representando uma clara opção contra oregime à época constituído e um front de disputa política.

Nas palavras de jovens autores como Ruy Moreira, Carlos Walter Por-to Gonçalves, Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Antonio Carlos Robert

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Moraes, era preciso colocar a Geografia a serviço da luta por uma novasociedade.

A busca de uma Geografia crítica e atuante deve confundir-se com aslutas sociais voltadas para a transformação da sociedade. Deve serorgânica desses movimentos sociais, ao mesmo tempo produto einstrumento deles. O encontro de uma ‘Geografia Nova’ só pode vir daluta por um espaço novo numa sociedade nova. (MOREIRA, 1980, p. 24).

A Geografia Crítica manifesta-se como a da perspectiva de oposição auma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo doconhecimento geográfico uma arma de combate à situação instituída(MORAES, 1982, p. 42).

Esse compromisso com a transformação da sociedade reserva-nos,certamente, um papel importante junto aos trabalhadores noesclarecimento das muitas formas (espaciais) que a burguesia utiliza paraaumentar a sua exploração (OLIVEIRA, 1980, p. 17).

Claro que, como campo, já àquela época havia dissensões, que nãoeram pequenas, entre aqueles que conformaram esse campo da Geo-grafia Crítica. Entretanto, pouco se sabe quais eram os embates políti-cos e intelectuais entre aqueles que consolidaram a Geografia Críticacomo campo, segundo define Moraes (1982, p. 43): “uma espécie de‘frente ética’”.

Hoje, passados 30 anos, é possível ver quais eram as diferenças e noque elas se constituíram, no âmbito institucional e político. Uma dasrazões advém das transformações sofridas no interior desse mundo ra-pidamente mutante, na opção por novas abordagens teóricas, na alian-ça com novos compromissos políticos e, por fim, é claro, na depuraçãodo campo que foi a Geografia Crítica.

O episódio do III ENG, em 1978, em Fortaleza, vem expressar na ver-dade um processo que já vinha tomando corpo na sociedade brasileira,que, a bem da verdade, nunca o abandonou – a busca pela garantia dosdireitos democráticos. O III ENG foi rigorosamente um encontro, nãoapenas no sentido formal dos profissionais de Geografia, mas tambémde experiências que vinham se desenvolvendo em todo o Brasil, em di-ferentes lugares, por diferentes pessoas, dentro de uma perspectivacrítica. Um encontro que aconteceu num momento em que a sociedadebrasileira passava por grandes transformações, com o reaparecimentode importantes agentes sociais, como o Movimento Operário e o Movi-

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mento Estudantil. Esses desdobramentos que se desencadearam, de for-ma pública e mais intensa, a partir do III ENG, na verdade foram resulta-dos de um longo período de maturação. Esse evento que, no fundo, setornou um clássico divisor de águas, refletiu os processos relacionadosàs insatisfações e preocupações, que já resplandeciam tenuamente so-bre os rumos dessa ciência no país. No ano de 1978, na verdade, o queexistiu foi um encontro dessas coisas que vinham desenvolvendo-se e, apartir dali, pode-se dizer que se construiu um movimento com algumnível de articulação. O ano de 1978 é, assim, conforme Armando Corrêada Silva, uma ruptura:

Como não ocorria a ruptura política, a ruptura teórica descansava noleito da indiferença oficial. No entanto, ambas ocorreram no mesmo anode 1978, como mudança de poder na Associação dos Geógrafos Brasileirose como irrupção do debate intelectual para além dos muros das Academiase Institutos, através do livro de Milton Santos, “Por uma Geografia Nova”(SILVA, 1983, p. 76).

Ou ainda, como afirma Moraes

O Encontro da AGB de 78 é um marco. Tem gente até que minimiza isso,mas eu arriscaria dizer que quem o minimiza como marco é porque nãoesteve lá. É muito rápida essa hegemonia. Parece que você tem um diquecontendo, na hora que abre... [...] Foi muito rápido o processo e é oprocesso de uma geração. De certo modo, a hegemonia cumpre o objetivoinicial que se desenhou em 75/76/77. O objetivo era esse: renovar. Renovou,agora é tocar para frente... (MORAES, apud SCARIM, 2001, p. 154).

Essa produção do novo, crítico e elaborado a partir de outros e ino-vadores pressupostos teóricos, em especial, no Brasil, não encontrou,em princípio, no ambiente da universidade, campo fértil para sua cons-trução. Os Departamentos de Geografia das universidades brasileiras,em sua grande parte com posturas conservadoras e autoritárias, só bemmais tarde vão incorporar em sua agenda o debate sobre os novos rumosque se seguiam na Geografia brasileira e, a partir disso, materializar,através de seus currículos e publicações, a produção dessa Geografia,que ganhou a marca de crítica.

No entanto, através dos congressos, encontros e publicações orga-nizados pela AGB e dos encontros organizados pelos estudantes, o em-bate científico se fez mais intensamente polêmico e, dessa forma, arenovação ganhou dimensão nacional, e profissionais e estudantes que

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produziam, de forma ainda marginal, no Brasil, tornaram-se referênciasimportantes desse processo, conforme avalia Moreira:

[...] o terceiro encontro da AGB foi aquele do marco de mudança da Geo-grafia no Brasil. Os vários grupos, até então clandestinos na Geografia,análogo aos grupos clandestinos na política e na sociedade brasileira,saíam da clandestinidade, com a sociedade abrindo-se um pouco maisdemocraticamente. Assim, eles vieram à tona, se apresentaram e dis-seram: “aqui estamos nós”, e então, vamos começar a fazer uma dis-cussão juntos. A força do Encontro de 1978, em Fortaleza, veio exatamentedesta movimentação, deste rio subterrâneo, e não das academias, tantoque quando nos encontramos em 1979, na Assembléia para mudar oestatuto da AGB, mudamos com aquela radicalidade toda, porque nãoforam os professores universitários que criaram a realidade de 1978(MOREIRA, apud SCARIM, 2001, p. 107).

Muitos dos geógrafos que tanta influência teórica ou política tiveramno Movimento de Renovação da Geografia não estavam nas univer-sidades, que se afirmavam em sua postura conservadora. Eles estavamnas escolas de 1º e 2º graus, nos cursinhos pré-vestibulares ou, ainda,nos cursos de graduação.

Ao fim de mais de 30 anos, a renovação que, gestada nos Congressose Reuniões da AGB e nos encontros de estudantes, começou a se firmarcomo renovação que tentava alcançar a ciência geográfica em todas assuas dimensões e manifestações, desde a pesquisa pura até o ensinonos diversos graus, representou uma busca profunda de novos fun-damentos teóricos.

Estudantes de Geografia com militância mais consistente, insatisfeitoscom os encaminhamentos oficialescos da sua ciência, criaram, com osprofissionais mais experientes, importante movimento de pressão.

Além das discussões que ocorriam em algumas salas de aula dos cen-tros produtores do conhecimento geográfico, a partir da fundamentaçãopolítica mais ampla, e dos textos que circulavam, inoculando uma sériede novas inquietações, o movimento foi se organizando no sentido defazer parte de órgãos representativos relacionados à difusão da Geografia,como a AGB, instituição que, avaliada na perspectiva estudantil, poderiaser mais bem articulada, transformando-se num condutor a mais para aampliação dos espaços de problematização tão almejados pelos respon-sáveis pelo movimento de politização do setor.

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Dentro desse quadro mais geral, as ações da militância estudantil e deprofissionais em torno da Geografia começaram a apresentar debates rela-cionados ao contexto político mais geral da sociedade brasileira, mas numaescala mais próxima às problematizações específicas dessa ciência.

Exatamente no momento em que a excitação das discussões sobreos projetos políticos referentes ao caráter da abertura política alcançougraus elevados de temperatura, ocorreu o III ENG, fórum que repercutiuos rumores das ruas. Nesse evento, além das perspectivas mais internassobre os rumos da Geografia, deram-se as discussões sobre o papel polí-tico que a AGB deveria desempenhar.

Modificar inicialmente a natureza da AGB, para consubstanciar umaentidade democrática e resgatar um canal de expressão dirigido para asquestões da produção do saber geográfico no plano acadêmico e do en-sino no País, esse era o objetivo; em suma, transformar a entidade numainstância aglutinadora dos que fazem do saber geográfico o seu pontode incursão na sociedade:

A interlocução que tivemos foi essa, a possível, da academia, afinal decontas, o que a AGB reunia? Academia. O que a Geografia reunia? Acade-mia. Quando, dentro da AGB, nós percebemos isso, rapidamente parti-mos para botar os professores de 1º e 2º graus dentro dela, isso foi nofinalzinho de 1980, começo de 1981, porque o que nós queríamos para aGeografia, depois quisemos para a AGB – uma entidade da sociedadecivil, envolvida na mesma luta geral da sociedade brasileira, uma socie-dade diferente etc. e tal! Então, olhando para o espectro do segmento daGeografia e mapeando as suas movimentações, na época, percebemosque só haviam dois segmentos que estavam nesta perspectiva deenvolvimento geral, no movimento de mudança da sociedade brasileira,os professores do 1º e 2º graus e os estudantes universitários. Desloca-mos a AGB para uma espécie de concentração nos professores do 1º e 2ºgraus, mas não é uma massa que tenha, como os professores universitá-rios, a mesma presença (MOREIRA, apud SCARIM, 2001, p. 111).

Esse fato foi concretizado no ano seguinte (1979), quando, em reu-nião extraordinária, em São Paulo, se desencadeou a mudança no regu-lamento interno da AGB. O resultado dessa reorganização no plano admi-nistrativo-político permitiu, finalmente, a participação de estudantes ede outros geógrafos que, até então, não tinham sido contemplados coma adesão. Um dos saldos, talvez o mais positivo, provocado pelo fluxo demudanças iniciadas em Fortaleza, de certa maneira, foi o fortalecimento

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do processo de intervenção estudantil nas discussões da Geografia. Es-ses jovens não tomaram à força a AGB de 1934, como muitos, que aban-donaram a Associação após as mudanças, ainda hoje querem fazer crer.Fizeram também por sua disposição intelectual, por suas experiênciasexternas à Geografia, por suas perspectivas políticas. A busca do enten-dimento do papel dos estudantes e de seus movimentos serve para re-velar até onde, e de que modo, a plenária de 1978 foi sacudida por aque-la onda de novos sócios da AGB.

Ao tentar construir uma idéia quanto à importância e à participaçãodo movimento estudantil de Geografia nas últimas décadas, podemosfazê-lo através das intervenções realizadas por esse movimento dentrodos limites da organização que o mesmo vem desenhando desde 1978,quando da retomada democrática da União Paulista dos Estudantes deGeografia (UPEGE) pelos estudantes de esquerda; da realização do I En-contro Nacional de Estudantes de Geografia (ENEG), em 1979, e tambémda realização da Assembléia Geral Extraordinária da AGB para fins dereformulação de seus estatutos.

O cenário que se configurava no Brasil contagiou o ambiente daAGB e principalmente o dos estudantes de Geografia. Os estudantes,sobretudo os de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Goiás, apresentavamsinais de organização através de entidades que, de maneira ainda dis-creta, iam dando conta das políticas que, apresentadas pelo discursoda ciência geográfica, estavam na ordem do dia numa sociedade re-primida. A Geografia, em particular, viveu um estado de efervescência.Em várias partes do país, surgiram movimentos de crítica e renovaçãoque impulsionaram a ciência no caminho de sua redescoberta. Os es-tudantes tiveram um papel muito importante nesse momento, questio-nando a ordem autoritária vigente na sociedade brasileira e na AGB.Então a AGB, de certa forma, sofreu a crítica de todo um autoritarismona forma de aceitação dos sócios. Ela levava a uma crítica pertinente àssuas estruturas internas, mas essa crítica veio no bojo geral de todas asformas autoritárias.

Há uma diferença porque na década de 70 queríamos fazer política, eranecessário fazer política. Na década de 80 queríamos fazer política, mascom o mínimo de sustentação na epistemologia, já que não nos bastavaapenas fazer política, queríamos que a política fosse instrumentada porum discurso com o mínimo de rigor teórico conceitual aceitável, com um

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mínimo de fundamentação ontológica e epistemológica...(MOREIRA, apudSCARIM, 2001, p. 115-116).

A mudança política, a que se refere Ruy Moreira, foi acompanhada deuma ação de ruptura com a antiga forma de produção do saber em Geogra-fia no Brasil, o que, em outras palavras, quer dizer também uma rupturaepistemológica. Um ‘corte epistemológico’ só se opera radicalmente emuma ciência se emerge de fundo mergulho crítico nos próprios fundamen-tos em que a ciência está apoiada (MOREIRA, 1980, p. 21).

Depois, a AGB, por muitos anos nesse processo, sustentou-se gra-ças à ação dos estudantes e, de certo modo, foi para muitos uma grandeescola. Por isso, aí entram algumas questões: Por que os estudantes queconseguiram mudar a AGB precisavam de um movimento estudantil?

Qual a diferença de qualidade, em termos de formação política ecientífica, oferecida pela AGB e pelo Movimento Estudantil de área? Emoutras palavras: o que os estudantes aprenderam e aprenderiam no Mo-vimento Estudantil que não era oferecido na AGB? Uma das possíveisrespostas é que, no Movimento Estudantil, os estudantes eram deten-tores de maior autonomia para formular política cientificamente. Alémdisso, o Movimento Estudantil possibilitava uma ação política direta,sem restrições, sem limites – se na AGB os estudantes faziam a políticapela ciência, no caso do Movimento Estudantil de área os estudantesfaziam política e depois buscavam formas de consolidar sua atuação coma produção intelectual específica.

O Movimento de renovação crítica, seus modos, meios e processosconstituíram um destacado papel no seio dessa comunidade científicano Brasil, o que pode ser comprovado a partir da análise de documentose textos referentes aos encontros e congressos nacionais na área, nadécada de 1980, nos quais se percebe expressivo aumento da discussãodos fundamentos da Geografia e de seu papel na sociedade, no ensino eem outras instituições sociais.

A compreensão desse processo faz-se plena a partir do entendimen-to das medidas e das maneiras pelas quais o Movimento Estudantil emGeografia foi responsável para consolidação do campo epistemológicoda Geografia Crítica no Brasil. Essa construção epistemológica, que foidepois abrigar-se até nas páginas dos livros didáticos, entrar nos circui-tos mais conservadores, fazer escola enfim, foi em grande parte consti-tuída por um bando de jovens de poucas peias institucionais e às vezes

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muito cabelo, muitos recém-egressos dos movimentos sociais, grandeparte deles com fortes ligações com a esquerda que arrastou a Ditadura,reconstruindo a UNE, fundando a CUT, mudando os rumos da AGB. Porisso, vez ou outra vão se cruzar os caminhos entrelaçados da AGB e dosestudantes, de uma AGB que, a partir de 1979, passou a contar em seuquadro de sócios com estudantes de graduação, agora considerados pro-fissionais em formação. É possível até afirmar, com algum risco, que semo Movimento Estudantil de Geografia, a história da Geografia Crítica noBrasil teria sido outra, como outra foi a AGB pós-1978.

REFERÊNCIAS

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MORAES, A. C. R. Em Busca da Ontologia do Espaço. In: MOREIRA, R. (Org.). Geogra-fia, teoria e crítica: o saber posto em questão. Petrópolis: Vozes, 1982. p. 65-74.

MOREIRA, R. A geografia serve para desvendar máscaras sociais. In: MOREIRA, R.(Org.). Geografia, teoria e crítica: o saber posto em questão. Petrópolis: Vozes,1982. p. 33-63.

MOREIRA, R. Geografia e Práxis. Geografia e Sociedade: os novos rumos do pensa-mento geográfico. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 19-30.

OLIVEIRA. A. U. É Possível uma “Geografia Libertadora”? Geografia e Sociedade: osnovos rumos do pensamento geográfico. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 13-18.

SCARIM, P. C. Coetâneos da crítica: uma contribuição ao estudo do movimento derenovação da geografia brasileira. 2001. 343 f. Dissertação (Mestrado em Geogra-fia) – Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo, SP, 2001.

SCHERER-WARREN, I. Movimentos sociais. Florianópolis: Edufsc, 1987.

SILVA, A. C. A Renovação Geográfica no Brasil – 1976-1983: As Geografias Radical eCrítica na Perspectiva Teórica. Boletim Paulista de Geografia, n. 60. São Paulo:AGB-São Paulo, 1983.

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A AGB, OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A GEOGRAFIA:UPEGE, AGB E MOVIMENTO ESTUDANTIL NO FINALDA DÉCADA DE 70

AGB, SOCIAL MOVEMENTS AND GEOGRAPHY: UPEGE,AGB AND STUDENTS MOVEMENT IN THE END OF THEDECADE OF 70

Diamantino Alves Correia Pereira*

Resumo: Este artigo baseou-se em acontecimentos que transcor-reram em meados da década de 70 envolvendo os atores citados no título.O relato dos fatos ocorridos objetivou, além da ampliação do conheci-mento desse processo, uma reflexão a respeito da realidade em queestavam inseridos que acabou proporcionando o ambiente para o en-cadeamento de fatos e suas conseqüências.

Abstract: This article was based on events that had occurred inmiddle of the decade of 70 involving the actors cited in the heading.The story of the occurred facts objectified, beyond the magnifying ofthe knowledge of this process, a reflection regarding the reality wherethey were inserted that it finished providing to the environment forthe chaining of facts and its consequences.

Muitas das estruturas e concepções que animam o movimento da Geo-grafia e de suas entidades foram construídas e formuladas em meados dadécada de 70, período de intensa atividade dos movimentos sociais.

Estes vinhas ascendentes, reconstruindo suas entidades que tinhamsido reprimidas durante o período mais duro da ditadura, e essa es-truturação vinha passando por uma escala que se ampliava a cada mo-mento. Assim, fizemos na USP a abertura efetiva dos Centros Acadêmicose estes se tornaram pólos importantes da luta democrática. Em um

* Professor da EACH-USP. [email protected]

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processo crescente, organizamos o Diretório Central dos Estudantes, aUnião Estadual dos Estudantes de São Paulo e em seguida chegou a vezda UNE.

Ao mesmo tempo, o movimento operário começava a se manifestarde forma independente, rompendo o silêncio imposto pela repressão etambém pelo peleguismo que tinha se apossado das organizaçõessindicais.

A luta do movimento estudantil era centrada num combate direto efrontal contra a ditadura, pela conquista das liberdades democráticas, ebuscava viabilizar projetos mais audaciosos de construção do socialismoatravés de diversas tendências que nele militavam.

Que a luta democrática e política era uma centralidade ninguém seatrevia a negar. Porém o que os estudantes da Geografia da USP quemilitavam no Centro Acadêmico da época perceberam era que essa lutafazia com que grande parte das lideranças mais militantes praticamentedeixasse de ser estudante, apareciam muito pouco nas salas de aula equando o faziam não tinham a mínima idéia do que ali era desenvolvido,utilizando-se de expedientes para conseguir as notas e serem aprovadosnas disciplinas.

O efeito colateral desse tipo de militância era que eles deixavam deser reconhecidos como pares pelos estudantes e a sua representatividadepassava a ser cada vez mais questionada, desgastando assim a luta políticaque era o objetivo central.

Refletindo sobre isso e tomando como referência a representa-tividade das lideranças operárias independentes, consideramos que, paraque a luta política pudesse ser encaminhada com eficiência, os militantesdeveriam ser reconhecidos como colegas que enfrentavam os mesmosproblemas do dia-a-dia e, portanto, apresentavam consciência de suaexistência, além de serem elementos de convivência do grupo.

No caso dos estudantes, e particularmente no nosso caso de estu-dantes de Geografia, essa perspectiva colocava-se no sentido de queseria importante que, ao mesmo tempo em que encaminhávamos a lutapolítica, estivéssemos presentes nas salas de aula e nele fôssemos senão os melhores, pelo menos bons estudantes e nos envolvêssemos comas discussões de cada disciplina, mesmo que fosse para questionar práticaspedagógicas ou enfoques de conteúdos de que discordávamos. Masquando esse questionamento passou a acontecer ele tinha um novo con-

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teúdo, pois era gerado na inserção dos estudantes enquanto estudantespropriamente ditos.

Passamos então a estudar, discutir e militar em torno da Geografia eos nossos professores passaram a ter uma vida mais agitada na sala deaula em função desse nosso novo comportamento.

É importante destacar que essa nova estratégia de luta política nãoteve origem em orientações partidárias ou organizações de luta contraa ditadura, mas foi forjada na prática de nossa militância estudantil. Anossa nova postura exigia a presença constante junto ao conjunto dosestudantes e quando isso entrava em choque com as prioridades daluta partidária, então o conflito acontecia necessariamente,principalmente porque a democracia não era uma palavra muito bemvista nesse tipo de relações.

Claro, quando a estratégia que colocamos em prática apresentouseus resultados em relação à nossa penetração no conjunto dos estu-dantes e à aglutinação de militantes junto à linha política que de-fendíamos, isso foi aceito de bom grado. Mas a prioridade era lutar contraa ditadura e pelo socialismo, e o agente dessas transformações deveriaser o movimento operário. Nós estávamos para abrir o caminho para aderrubada da ditadura e dotar o movimento operário de coerência políticae ideológica (a pretensão era incomensurável). Gastar o nosso tempocom aspectos específicos das práticas do movimento estudantil não eralá considerado uma prioridade.

Mas o que a militância política nos ensinou foi que não deveríamosabrir mão da luta pelas idéias nas quais acreditávamos. Para nós, a inserçãonas lutas específicas dos estudantes de Geografia e na própria Geografiacomo ciência e prática pedagógica era sim uma luta política fundamentalinseparável da luta democrática mais ampla e não considerávamos umavolta à abordagem dualista comum no movimento.

ORGANIZAÇÃO ESTADUAL: A UPEGE

Na medida em que eram reconstruídas as organizações mais geraisdo movimento estudantil, considerávamos que talvez pudéssemos ampliara nossa escala de atuação mesmo inseridos em nosso campo de atuaçãoespecífico. Tínhamos a informação de que existia há tempos uma orga-nização estadual dos estudantes de Geografia que não tinha nos inte-ressado anteriormente porque afinal só discutia Geografia.

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Quando começamos a procurar por essa entidade, chegou às nossasmãos um convite para participarmos de um congresso da Upege que seriarealizado na Unesp de Presidente Prudente, organizado por algunsprofessores vinculados à AGB, dos quais destaco a Beatriz Maria SoaresPontes e Armen Mamigonian. Tinham achado a Upege e o congressosignificava que ela estaria de volta à sua prática como entidade. Quedirecionamento ela adotaria, bem, isso era uma coisa para decidirmosno próprio congresso.

O que importava em termos de estratégia política era que um grupode professores mais progressistas da Unesp de Presidente Prudentevinculados à AGB tinha sentido a necessidade de atrair os estudantespara as discussões que se colocavam para a Geografia, para a AGB e paraa sociedade como um todo. Importância fundamental no processo, porexemplo, de discussão dos novos estatutos da AGB que teve um de seuspré-projetos oriundos justamente de Presidente Prudente.

Durante o congresso soubemos que a Upege estava há alguns anossem exercer nenhuma atividade e a sua tradição, assim como a da AGBantigamente, era a de vincular a realização de suas reuniões com o estudodos lugares onde estas se realizavam, buscando quase sempre umaaproximação com os governos locais. Estava claro que o nosso objetivoera muito diferente.

Como já tínhamos um objetivo bem definido em relação à nossaestratégia política envolvendo a Geografia e considerávamos que a Upegenos proporcionaria uma dimensão maior para a nossa prática, fomo parao congresso decididos a nos incorporar à entidade. Ao final, conseguimostudo o que queríamos e voltamos para São Paulo com os principais cargosda entidade e com a tarefa de colocá-la em funcionamento.

Paralelamente a esse movimento, a AGB-SP também começava umcaminho de renovação e logo se deu a aproximação entre o CA da USP, aUpege e a AGB-SP no sentido de ampliação da participação estudantil naentidade e também de promoção de atividades conjuntas e de extensãode facilidades como, por exemplo, o contato com professores e geógrafosde outros Estados.

Um dos empreendimentos que alcançou grande sucesso em termosde participação estudantil foram os cursos de férias que passamos apromover em janeiro e em julho e que se tratavam, na verdade desemanas de debates e mesas redondas a respeito dos temas mais con-

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tundentes da Geografia e de sua renovação. Note-se, por exemplo, quea primeira vez em que Milton Santos fez uma palestra na USP depois quevoltou do exílio foi por intermédio dessa organização estudantil quetrouxe outros geógrafos não menos importantes, como Ruy Moreira, CarlosWalter Porto Gonçalves. Com esses nomes e muitos outros a discussãoda Geografia entrava em um processo de intensa agitação e todos essesdebates nos municiavam em relação à nossa atuação em sala de aula,pois o que queríamos era uma Geografia atinada com a realidade em quevivíamos e não alienada da realidade.

Essa prática de cursos de férias e congressos da AGB propiciou aaglutinação estudantil sobretudo de Presidente Prudente e também deRio Claro, além de outros cursos de geografia de São Paulo. Na esteiradesse processo de reorganização do movimento estudantil a que já nosreferimos, conseguimos nos articular para a realização do 1º EncontroNacional dos Estudantes de Geografia em Goiânia e que tinha como palavrade ordem principal a não participação das grandes estrelas oficiais daGeografia brasileira. Em outras palavras, considerávamos que poderíamosempreender um congresso sem a necessidade de pessoas famosas paraatrair o publico e que em plenárias e grupos conseguiríamos aprofundaras discussões que nos interessavam. As nossas perspectivas foram maisdo que superadas e conseguimos realizar um encontro nacional compresença significativa de estudantes de várias partes do país, con-solidando relações que viriam a se tornar importantes para o desenrolardo movimento.

FORTALEZA 1978, SÃO PAULO 1979

O encontro da AGB de Fortaleza em 1978 foi um momento importantepara a transformação da AGB e para a participação dos estudantes nadecisão sobre os rumos da entidade. Em pauta estava a modificação deseus estatutos cujo aspecto principal era o controle da admissão denovos associados e o direito a voto nas decisões da entidade. Segundoas regras vigentes até então, para se associar à AGB era necessário serformado, e a admissão na entidade só poderia ser feita medianteaprovação em assembléia, necessitando da indicação de algum membroefetivo. O direito a voto era restrito a esses membros, embora se ad-mitisse a participação de não formados e não admitidos nas atividadesgerais da entidade.

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Com essa estrutura de funcionamento, é claro que havia um controlebem estabelecido em relação às decisões tomadas pela entidade queeram concentradas nas mãos de poucas pessoas. Esse aspecto con-trastava com a participação crescente dos associados não efetivos nostrabalhos da entidade e também com o clima de conquista de liberdadese ampliação da democracia que os movimentos sociais vinham con-seguindo através de suas lutas e mobilizações. A Geografia não ficariade fora desse processo.

No encontro de Fortaleza conseguimos a aprovação de uma as-sembléia para a mudança dos estatutos a ser realizada no ano seguintena USP. Em função disso, a Upege marcou seu congresso para os dias queantecediam essa assembléia, colocando em discussão temas da Geografiaem sua relação com a sociedade e, evidentemente, o desenrolar dareunião de reforma dos estatutos da AGB. Além de divulgar esse eventoentre os estudantes do Estado, estendemos o convite para os estudantesde outros Estados, sendo importante a participação de delegações deNiterói, Salvador e Porto Alegre, entre outras que se concentraramnaqueles dias decisivos para transformação da AGB em aspectos que emgrande parte seriam mantidos até os dias atuais.

Na assembléia de alteração dos estatutos da AGB tivemos uma mostrado impasse a ser superado: os estudantes tinham presença maciça, mas,juntamente com os associados não efetivos não tinham poder de votoconforme o estatuto ainda em vigor. Os que dispunham do poder devoto não estavam muito inclinados a abrir a entidade para a participaçãomais ampliada, principalmente por parte dos estudantes e eram eles quedecidiriam sobre isso.

Como os estudantes tinham aprofundado suas discussões nos diasanteriores e chagado a um consenso sobre as prioridades a seremdefendidas, tivemos a possibilidade de nos posicionar de forma muitoincisiva e até mesmo inflexível em alguns momentos.

Para começar exigimos a participação de um representante dosestudantes na mesa dirigente da assembléia, o que foi contestado peladireção da entidade já que enquanto estudantes não éramos membrosefetivos da entidade. Como não abríamos mão dessa participação, apósintensas negociações e considerações um representante dos estudantesfoi aceito na mesa.

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A questão que se colocou a seguir foi sobre o processo de votação eapós grande polêmica ficou decidido que o plenário inteiro votaria cadaum dos itens a ser considerado e que em seguida votariam os membrosefetivos, pois somente esses detinham o poder estatutário para exerceresse poder. Apesar de não haver nenhuma garantia de que os efetivosseguiriam o voto da plenária, tal fato se concretizou, pois a pressãoexercida pela plenária era esmagadora e os motivos e argumentos apon-tavam sempre para a ampliação da entidade e de participação na suadinâmica.

Ao final tínhamos uma AGB aberta para os geógrafos, licenciados,estudantes e até mesmo para os que simplesmente se interessavam pelaGeografia.

O efeito colateral dessa abertura democrática foi que a diretoria daentidade se demitiu e tivemos que eleger uma diretoria tampão com atarefa de consolidar a abertura e efetivar o Encontro Nacional de Geó-grafos de 1980 na PUC-RJ, esvaziado dos geógrafos que até então do-minavam todo esse processo, numa clara estratégia de boicote.

Para o sucesso dessa empreitada e para a consolidação dessa aberturafoi fundamental a proposta de estruturação da direção nacional da en-tidade através do processo de “Gestão Coletiva” onde as decisões pas-saram a ser tomadas com a participação das Seções Locais além daDiretoria Nacional. Esse processo, apesar de trabalhoso, desgastante edemorado, além de oneroso, pois grande parte das vezes os deslo-camentos eram custeados pelos próprios participantes, foi fundamentalpara o envolvimento de uma parcela significativamente maior de pessoasnas decisões e nas responsabilidades advindas dessas decisões e no meuentender foi isso que possibilitou a realização com sucesso do EncontroNacional de Geógrafos de 1980 com pouquíssimos recursos e num quadrode boicote de geógrafos consagrados.

Instrumentalizando esse debate e discussão no interior da geografia,a Upege lançou a sua revista que significativamente ganhou o nome deTerritório Livre, cujo primeiro número continha artigos de Ruy Moreira,Milton Santos, Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Antonio Carlos Robertde Moraes, todos eles relacionados com as novas correntes do pen-samento geográfico. No editorial que abre a publicação identificamos osnossos objetivos com a publicação: “Lutamos por abrir um ‘TerritórioLivre’ dentro do campo minado da ‘Geografia Oficial’ vinculada às es-

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truturas de poder, criando toda uma gama de empecilhos para a divulgaçãoe discussão da Geografia vinculada com as questões sociais.”

Paralelamente a isso, lançamos o “Projeto Ensino” em parceria coma AGB. Para o lançamento desse projeto partimos da constatação que asnovas discussões a respeito da Geografia, críticas em relação à dita Geo-grafia tradicional de ênfase descritiva, já caminhavam celeremente nomeio acadêmico, mas atingiam de forma muito precária o ensino básicoé médio. Mais que isso, na verdade as discussões acadêmicas não che-gavam ao ponto de produção de textos que abordassem diretamente ostemas trabalhados pelos professores no ensino básico e médio. Assim,passamos a promover palestras sobre esses temas, tais como população,agricultura, fontes de energia etc., sendo que alguns desses materiaisforam transcritos e editados.

Esse projeto foi objeto de comunicação no Encontro da AGB do Riode Janeiro e além do seu conteúdo tinha também o significado de colocarem discussão nos encontros da entidade os temas relativos ao ensino deGeografia que tinham ficado durante muito tempo ausentes desse pro-cesso de discussão. A consciência a respeito dessa temática frutificou echegou até o ponto de termos periodicamente a promoção de encontrosdirecionados especificamente para a discussão dessa temática.

Esses relatos sobre momentos da Upege, AGB e do movimentoestudantil, mais do que informar a respeito dos fatos ocorridos, podemnos estimular a questionar os motivos de tal encadeamento de ações terocorrido naquele preciso momento e para não fuçarmos na evocação detempos passados é fundamental que possamos resgatar aquilo quepodemos considerar como boas práticas, sem esquecer entretanto queas condições sociais, políticas e ideológicas que animavam aquele períodoestão totalmente transformadas na atualidade. Isso não nos impede detraçarmos os nossos objetivos e a nossa luta, mas esta deve ser instru-mentalizada com os olhos bem focados no presente, e claro, sem esquecero passado pois ele pode nos trazer lições valiosas.

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AS TRÊS GEOGRAFIAS: REFLETINDO PELORETROVISOR SOBRE OS PROBLEMAS DETODA MUDANÇA

THE THREE GEOGRAPHIES: GEOGRAPHY RENEW ANDITS PROBLEMS

Ruy Moreira*

Resumo: Há três formas de geografia: a real, a teórica e a institucio-nal. A primeira muda rapidamente, a segunda busca acompanhá-la emsua mudança e a terceira tende a agir como freio às mudanças da segun-da. Na evolução da geografia no Brasil nestes últimos trinta anos é o queconstatamos.

Abstract: There are three forms of geography: the real geography,de theoretical geography and de institutional geography. The institutionalgeography is the most conservative form of geographies. This textanalyses its characteristics and its relations with first and second geo-graphies in Brazil.

Três são as geografias: a real do nosso entorno empírico, a teórico-conceitual de nossos discursos e a de nossos hábitos, costumes, mentali-dades e vivências institucionais. As duas primeiras formam entre si umacontraposição que reciprocamente as empurra uma à outra para frenteconstantemente. A terceira tem a ver com a mentalização dos nossoshábitos e costumes materializados em nossas práticas e instituições,num compartilhamento de fronteiras com a segunda, e com isso defini-da como uma espécie de poder de força que pode se interpor comofreio ou arranco no encontro recíproco e no destino da segunda emrelação à primeira. Estas três geografias não evoluem por igual.

* Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em geografia da Universidade FederalFluminense.

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RUY MOREIRA

A geografia real vive já há 30 anos um período de intensa recon-figuração dos termos de ordenamento do seu arranjo de espaço. E osinal disso é a profusão de leis e debates de regulação do meio ambientecom o significado de reorientação do ordenamento dos territórios, quejá dura pelo menos três décadas, todas estas leis e debates voltadospara o fim de disciplinar e apontar no sentido do rumo novo esse orde-namento. A geografia teórico-conceitual vive também nesse entretempoum enorme esforço de mudança, visando atingir a correspondência in-telectual necessária que clarifique e acompanhe os momentos e movi-mentos de transformação da primeira. Já a geografia da mentalidade,dos hábitos e costumes, ao contrário, pouco tem mudado na sua essên-cia conservadora, arrastando-se com seu peso de ferro anos a fio nomesmo formato. Mas sendo essa terceira uma intermediária no vaivémde mudanças e recuos dos encontros de correspondência da segundacom a primeira, aquela em seu esforço de entender e acompanhar asmudanças desta numa relação de permanência, acaba por receber osinfluxos de mudança destas.

Creio poder resumir nestes termos a situação do geógrafo e da geo-grafia nesta fase da história em que pela primeira vez a geografia brasi-leira se encontra numa sintonia e mesmo dianteira frente à geografiamundial. Temos, então, muito que comemorar. Mas também muito queavaliar projetivamente face aos momentos que vêm à frente. Há que seindagar se estamos preparados para o futuro que os próximos anos nosreserva. O que pede um balanço de nosso atual momento. E, assim, umareflexão sobre as mudanças e dificuldades de consonância entre as esfe-ras das três geografias no passado recente.

A PRIMEIRA GEOGRAFIA

O estado atual da organização espacial das sociedades já foi bastan-te analisado (MOREIRA, 2006; WALLERSTEIN, 2006; e MÉSZÁROS, 2007).Podemos sistematizá-lo em três aspectos essenciais: a recentração dasrelações de classes, a recriação dos formatos do espaço e a comple-xificação das escalas.

Até os anos 1970 as relações de classes eram aquelas emanadas ouderivadas das relações fabris. A acumulação do capital se fazia com baseessencialmente na produção-expropriação da mais-valia saída do traba-

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lho do operariado fabril. O capital hegemônico, o financeiro, era um mixde capital bancário e industrial com forte raiz nas relações de produçãofabril, por onde o valor tinha que passar obrigatoriamente no seu circui-to reprodutivo. Vem daí que as classes sociais fundamentais eram aque-las diretamente integradas a esta centralidade da fábrica na vida socialglobal: o operariado e a burguesia fabris.

Isto determinava uma ordem espacial também centrada na fábrica. Alocalização da fábrica, formando uma rede de montante-jusante entrefornecedores de matérias-primas (relação de montante) e consumidoresde seus produtos (relação de jusante), orientava a configuração geral doespaço no sentido de arrumá-lo numa estrutura que combinava, a um sótempo, uma localização pontual, cada fábrica tomando um ponto locali-zado no espaço nacional como referência de sua organização, e um ar-ranjo em rede, cada fábrica tendo sua rede de montante-jusante, oconjunto das redes se entrecruzando, na medida em que cada fábricamantinha uma relação de montante-jusante com a outra, para formar notodo da configuração uma divisão territorial comum de trabalho de tro-cas com topo na ação gestora do Estado.

Esta ordem espacial muda a partir dos anos 1970, quando o centroda hegemonia se desloca do capital industrial-bancário para a fraçãorentista do capital financeiro, a cujo mando e ao sabor de cujas neces-sidades o espaço geográfico passa a se organizar. Um conjunto de trans-formações de natureza produtiva permite este novo quadro.

A primeira se dá no sistema de máquinas-ferramentas, que conheceuma grande mudança com o surgimento da máquina orientada natecnologia da informática. A natureza sistêmica da tecnologia do com-putador propicia uma interação mais integrativa entre as próprias má-quinas e assim ao todo do sistema da produção, cada setor da indústriasendo gerido por um terminal de computadores que no conjunto orien-tam o encadeamento produtivo a partir de um centro único de coman-do, o que facilita a substituição do modo rígido e fortemente hierar-quizado da organização taylor-fordista pelo mais flexível e mais simplifi-cado de gestão da produção e do trabalho e da própria integração pro-dução-mercado do sistema toyotista.

A segunda se dá na organização geral das empresas. Cada indústriapassa a pertencer agora a uma rede articulada não mais pelas necessida-des da acumulação industrial, mas pelas do capital rentista, que recria

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em seu deslocamento para o centro todo o formato da divisão do traba-lho e das trocas até antes prevalecente. Marcado pelo financiamento doconsumo, o capital rentista aglutina sob seu cetro a produção, a venda eo crédito, criando um modelo novo de integração entre os setores decada empresa em que a indústria continua a estar na base, mas o capitalrentista se desloca para o epicentro e o comando do todo. Um complexoem rede passa a ser a forma espacial de cada empresa assim estruturadacom base na indústria, em que o espectro de montante-jusante destase aproxima ao máximo em termos orgânicos, e o topo no financiamentorentista, o conjunto total das empresas passando a configurar-se numcomplexo de complexos.

Um modo de ser global do espaço real assim nasce e se desenvolve apartir dos anos 1970, cuja principal característica é o permanente vir-a-ser, uma vez que, à diferença da configuração rígida e fragmentária dopassado, o espaço é agora fluido, liso e móvel. E uma reestruturaçãoespacial tem assim lugar, de modo a se organizar a passagem e a transfor-mação da configuração velha na nova. O modus operandi dessa passa-gem é a eliminação das fronteiras que dividiam e separavam em diferen-tes recortes de espaço a inscrição fabril do passado. Se a geografia in-dustrial implicava a fragmentação, dado sua organização na forma deredes particulares, cada relação de montante e jusante de cada fábricasendo uma rede e a vida geográfica de cada fábrica sendo um múltiplode redes locais entrecruzadas, o que supunha inscrições territoriais demando a um só tempo específicas e superpostas, daí o permanente con-flito de territorialidades, a geografia do rentismo implica em um espaçoorganizado em rede global, por isso aberto e sem barreiras, livre à mobi-lidade territorial de que este necessita.

De imediato, some, assim, a fronteira campo-cidade que antes deli-mitava o âmbito de inserção territorial da indústria, historicamente nas-cida e localizada na cidade, e da agricultura e pecuária, historicamentereduzidas e restringidas a localizar-se no campo, o comércio e os servi-ços do terciário agindo como uma correia de transmissão e de organiza-ção da divisão territorial do trabalho nos termos de uma integraçãoterritorial nacional das trocas. A reconfiguração da localização geográfi-ca da indústria, migrando da cidade para o campo, é o veículo da fusãoque ocorre. A indústria se desloca da cidade para ir integrar-se no campocom as atividades da lavoura e criação, assim nascendo o agrobusiness

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nos anos 1950 nos Estados Unidos, um complexo agroindustrial que apartir dos anos 1970 se generaliza pelo mundo, numa clara eliminaçãotambém da divisão do trabalho que separava as atividades econômicasem setores primário, secundário, terciário e quaternário como âmbitosdistintos e especializados territorial e setorialmente, agora reunidos eorganicamente fundidos numa estrutura empresarial e espacial única.

Some, a seguir, a fronteira cidade-cidade que antes integrava numahierarquia de mandos espaciais das cidades as regiões segundo as res-pectivas inscrições de polaridades urbanas, substituída agora pelaintegração em rede que transforma as cidades em nós de interligaçãodos espaços numa estrutura mundial em rede global, tudo propiciadopela mesma rede de informática que unifica as relações produtivas e dotrabalho no interior das fábricas e integra estas às lojas locais no sistemado just-in-time (JIT) ao tempo que extrapola a relação fábrica-loja parao plano dos mercados globais.

Some, assim, também, a fronteira região-região que antes arrumavaa produção e as trocas no âmbito do território dos Estados, dividindo oespaço nacional num plano de domínio territorial da produção e de mer-cado das empresas, hoje substituída por uma forma nova de territoria-lidade, a que acompanha e organiza as ações do capital rentista pordetrás das redes de complexidades empresariais.

Por fim, some a fronteira dos Estados Nacionais que antes punha oEstado na função dupla de organizar o espaço na forma do espaço inter-no, em face dos interesses das suas empresas, ao tempo que do espaçoexterno, como filtro de seleção das relações vindas de fora e de orienta-ção das ações para fora onde as empresas e capitais nacionais e estran-geiros se inter-relacionavam, o Estado retraindo-se agora de todas asfunções que não seja a da criação e gestão das condições gerais dofuncionamento do sistema, num retorno às funções do período do libe-ralismo (daí dizer-se de neoliberal ao conjunto de reestruturações queacompanha o nascimento, organização e funcionamento do modo deprodução rentista).

A segunda ordem de transformações se dá no âmbito geral do pró-prio paradigma tecnológico das forças produtivas existentes, na formada biorrevolução, uma vez que, a rigor, é a própria base infra-estruturaldo capitalismo industrial como um todo que, no interesse do capitalrentista, está se refazendo.

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O primeiro sintoma de esgotamento dessa infra-estrutura é a denún-cia da validade histórica da matriz energética baseada nos combustíveisfósseis, com que o capitalismo lançara suas bases tecno-econômicas apartir da primeira revolução industrial nos meados do século XVIII na Ingla-terra, de parte do movimento ambientalista. O carvão mineral e a seguir opetróleo foram a base de montagem de todo um sistema de produção quepor mais de dois séculos fez do subsolo mineral o alicerce da civilizaçãocapitalista, uma civilização apoiada em recursos de baixos custos eesgotáveis, até que nos anos 1970 esta base deixa às claras seus limites. Équando a engenharia genética e seu subproduto, a energia da biomassa,surgem e com elas os sinais da hora de troca de paradigmas.

A engenharia genética é uma tecnologia baseada na técnica do DNArecombinante. Mediante a manipulação genética, formas novas de com-binação podem ser feitas em plantas e animais, predispondo-as a se trans-formarem em novas formas de matérias-primas e materiais para uso in-dustrial. Assim, a engenharia genética abre para um espectro de açõesde valor econômico que vai da geração de novos tipos de matérias-pri-mas e novos tipos de materiais, com a possibilidade de substituição dasmatérias-primas e tipos de materiais de origem mineral atuais, à extra-ção da energia da biomassa, e assim abre para a era de uma nova revolu-ção industrial.

O exemplo mais conhecido dos efeitos industriais da engenhariagenética é o complexo agroindustrial – fonte geradora de diferentes ti-pos de commodities, em particular o biocombustível –, tudo indicandoser a base de transição de uma civilização geológica, em que aindaestamos, para uma civilização bioengenheirial, para a qual se caminha, abioenergia servindo de seu veículo principal.

Com a biorrevolução completa-se o circuito da eliminação das fron-teiras do anterior regime de produção e acumulação capitalista, dissol-vendo-se agora as fronteiras existentes no campo da relação dos sabe-res. A partir do próprio conceito de vida como sendo um fenômenobiogeoquímico, tal como desenvolve a teoria Gaia, de James Lovelock eLynn Margulis, inspirada na teoria da “sopa química” do naturalistaucraniano-soviético V. I. Vernadsky (1863-1945), em que a biologia, ageologia, a química e a física se fundem numa só forma de conhecimen-to, e ainda como a desenvolve a teoria da complexidade, de E. Morin,Ilya Prigogine e H. Atlan, o primeiro dos quais vê a vida humana como um

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fenômeno bioantropológico, dessa vez fundindo biologia, história e an-tropologia, a velha teia de fronteira entre as ciências vai desaparecendopor fusões e recriações, tal como vemos acontecer no âmbito físico-territorial com as fronteiras entre cidade e campo, região e região, eentre os Estados nacionais.

Toda essa multiplicidade de transformações converge então para umareconfiguração geral dos espaços, através do que podemos chamar debioespaço, visível nas paisagens criadas pela intervenção técnica daengenharia genética que chamaríamos biopaisagens (MOREIRA, 2006).

Uma similitude pode ser percebida aqui, embora enquanto tendên-cia, das formas dos espaços futuros com as formas dos espaços de antesda revolução industrial, em que os arranjos do espaço eram consonantescom os recortes traçados pelos biomas e que a literatura geográfica clássi-ca designa de regiões homogêneas. Um tema analisado por Vidal de LaBlache por intermédio do conceito de gênero de vida, a cujo centro estáo de meio geográfico. Também os bioespaços tendem a assemelhar-se aomodelo de configuração dos biomas, seus arranjos geográficos se apoian-do em biopaisagens, espaço e paisagens produzidos por uma era técnicabioengenheirial, assim como os de hoje o são pelo que Milton Santos de-signa de meio técnico-científico informacional.

Uma divisão territorial de trabalho e de trocas apoiada na configura-ção de um arranjo em que os espaços se diferenciam pelas redes doscomplexos empresariais, a do complexo agroindustrial e a do complexode produção-venda-financiamento-do-consumo servindo de exemplos,todos apoiados na bioenergia e no comando do capital rentista, tende asubstituir a antiga, em que espaços, técnicas e saberes andavam sepa-rados e segmentados em suas formas de assentamentos na paisagem.Tudo isto significando a um só tempo uma base nova de forças produti-vas e de relações de produção, forças e relações de produção se rees-truturando e em sua relação recíproca espacialmente se readequandoem função da reestruturação capitalista.

Com isto, uma grande transformação se dá no âmbito da teoria dovalor e das classes sociais que lhes correspondem, alterando a naturezadas relações de classes. A forma do excedente que serve ao capital rentistaem sua ânsia de acumular se diversifica para abranger, ao lado da mais valiafabril calcada no valor-trabalho, uma multiplicidade de formas de exce-dente identificadas com o valor vinculado ao uso da terra como meio de

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produção, a renda fundiária, a exemplo daquelas provindas das diferentescomunidades rurais que se imaginava extintas e abandonadas pelo pró-prio interesse do capital industrial e que agora aparecem com seus modosde vida, territorialidades e culturas diante da abolição das fronteiras queas escondia e sufocava dentro das formas de regulação do espaço indus-trial, a que o capital rentista acrescenta a própria transformação e expro-priação de parcelas dos salários dos trabalhadores urbanos, transformadosem fontes de excedente para acumulação rentista por intermédio domecanismo do crédito de financiamento do consumo. Isto torna o âmbitoda acumulação capitalista territorialmente mais polimorfo e múltiplo, des-locando o centro de gravidade do conflito capital-trabalho para além doâmbito fabril, ao incorporar e pôr como sujeitos antagonistas do capitalrentista novos segmentos sociais da sociedade moderna (seria, por isso,pós-industrial e pós-moderna?), abrindo com eles novas frentes e formasde conflitamento, mas criando também maior poder de mobilidade dentrodos conflitos de parte do capital.

A SEGUNDA GEOGRAFIA

A década de 1970 já anuncia, com grande evidência e ao menos emalguns de seus traços fundamentais, esta tendência de nova configura-ção da primeira geografia. O debate e a denúncia da falência do paradigmade relação homem-meio centrada no interesse da indústria pelo movi-mento ambientalista, a desconstrução do discurso de natureza e dehomem da ciência e da filosofia emanadas da ilustração oitocentista e oanúncio da necessidade da mudança nas regras institucionais de gerên-cia das relações do capitalismo desde a relação técnica-natureza no âm-bito geral dos espaços até a relação produtiva e do trabalho no âmbitointerno das empresas, com passagem necessária pelo modo de presençado Estado frente à economia e os embates políticos e de classes nointerior da sociedade, prenunciando a emergência do neoliberalismo,do pós-modernismo e pós-fordismo, têm quase o significado de um es-pelho exposto à transparência.

E este quadro de época é direta e imediatamente captado no âmbitoda segunda e terceira geografia seja na forma da insatisfação estudantilcom os cursos de graduação que lhe eram oferecidos (LACOSTE, 1988), eseja na forma da busca de uma forma nova de fazer geografia estampada

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na ação de seus intelectuais, de que a “New Geography” é o melhor exem-plo, mas sem que se tivesse a lúcida e transparente clareza de que acon-tecia (SANTOS, 1978). Falava-se da necessidade de uma revolução, a “quan-titativa”, por exemplo, tudo indicando É, assim, que a segunda e terceirageografia se transformam no fórum de um imenso debate por mudança:aqui chamada de “revolução quantitativa”, ali de “geografia radical”, aco-lá de “revolução perceptiva”. Tudo parecia indicar a confirmação do vati-cínio do fim do capitalismo. E nada parecia indicar mais um salto de gatoda intervenção do capital na história. E já se estava nos anos 1980 quandoa palavra reestruturação vem se somar, e mesmo substituir, em grandeparte do mundo acadêmico, revolução e mudança, palavras que comanda-vam as ações de militância de esquerda até a década dos anos 1970, apon-tando para maior transparência de compreensão do que nos anos 1970 seapresentava como tendência.

Entretanto, da direita à esquerda, cedo percebeu-se estabelecer-se no âmbito da segunda geografia um impasse da teoria frente a umarealidade espacial que se transformava, a uma velocidade mais e maisacelerada, alterando o campo da primeira. Tanto no âmbito da “Geogra-fia Teorética e Quantitativa”, quanto das geografias “radical” e “críti-ca”, e das geografias da percepção, histórica, cultural ou humanística,tem-se esta percepção.

Por isso, talvez, o centro de referência do debate das mudanças vaise concentrar na questão do espaço. Porque nele é onde a crise do real-existente mais direta e claramente se manifesta, por ser onde as formasnovas do real vão ter de materializar-se à medida que surgem. Da “NewGeography” à “geografia radical-crítica” e às múltiplas formas subje-tivistas, que aqui e ali vão vindo de volta do passado dos anos 1920, porisso mesmo o espaço é o tema. Não é de estranhar que, apresentadascomo os opostos, tão diferentes formas de segunda geografia se encon-trem nesse ponto. E não estranha que tanto na “New Geography” quan-to na “geografia “radical-crítica” a teoria econômica se apresente comocentro de referência, a primeira na forma da economia neo-marginalista,onde daqui há pouco irá vicejar o neo-liberalismo, e a segunda na daeconomia política marxista, onde desde os anos 1950 se manifestam plei-tos de mudança como a “Geografia Ativa”, de Pierre George, e a “Geo-grafia Aplicada” de Jean Tricart, dois geógrafos egressos do marxismofrancês, o primeiro remetendo o olhar da geografia para o campo das

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determinações espaciais da existência, e o segundo para o das inter-venções políticas do meio ambiente pelos grandes arranjos espaciais deordenamento. E que as correntes do subjetivismo se refugiem no cam-po das manifestações simbólicas. Em todos estes campos emerge a per-cepção da necessidade de rever-se os parâmetros teóricos de compre-ensão da primeira geografia. De que real e mente se encontrem.

Assim, a própria natureza ampla da transformação da primeira fazemergir na segunda a consciência da necessidade de nela forjar-se umanova teoria geral para a geografia. Eis porque a década de 1970 é marcadapor essa busca de uma teoria geral para a geografia. Buscam-na Chorley eBerry, na “New Geography”, Milton Santos e Harvey, na “geografia radical-crítica”, George e Tricart, na geografia clássica, e Tuan e Relph, nasgeografias subjetivistas, para ficarmos em exemplos das tendênciasdiversas que nesta década se manifestam claramente pela busca de uma“geografia nova”, capaz de oferecer uma nova forma global decompreender e explicar o real da primeira e dar poder de fogo àintervenção da segunda.

A TERCEIRA GEOGRAFIA

Há que se mexer, entende-se, então, no contexto da terceirageografia. Mudar os hábitos e costumes historicamente mentalizados navisão pontual do pequeno. Tocar no jogo conjuntural dos interesses.Colocar as mentalidades na consonância de uma realidade que agoratranspira para além da velha aparência. Saber lidar com a inércia dasinstituições.

Daí que o debate se desloque, e num tom de agressiva combatividade,do foco da teoria, para o dos currículos e departamentos das universidades.Foi um grande equívoco. Sobretudo por entender-se estar aí o “lócus” dereação à geografia trocada. Levou-se tempo para se perceber que os hábitosarraigados, que são o que de fato reage ao imperativo das novasnecessidades de mudança, eram coisas da segunda geografia. Portanto,um dado do âmbito da segunda, não da terceira, embora nesta se invistade um enorme aparato de institucionalidade. Isto por faltar nos entãoanos 1970 a percepção da natureza desses hábitos.

Foi este fato, o do equívoco do centro do foco, que defasou o en-contro da concomitância de uma segunda geografia em relação a uma

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primeira, que acelerava em sua mudança e cujos passos devia acompa-nhar, mas o fazia aos passos lentos e pesados de um cágado, porque opasso “natural” da terceira.

São os hábitos e costumes mentalizados, próprios da esfera da se-gunda, mais que as próprias estruturas institucionais com que se mani-festam na terceira, os elementos que condicionam e, se deixados aosseus encargos, governam os movimentos de mudanças no mundo dopensamento, seja da filosofia e seja da ciência, as artes se apresentan-do como um campo por natureza aberto a mudanças mais constantes,bloqueando seu andamento. Um problema localizado no âmbito da se-gunda geografia, pois, não da terceira, embora, por tradição, manifestee ancore seus interesses nas instituições (grades curriculares, departa-mentos etc.) do âmbito desta.

Que hábitos, costumes e mentalidades são esses?É sabido que a geografia cristalizou-se, desde os meados do século

XIX, quando o positivismo se torna seu campo de assentamento, comoum saber devotado ao estudo do pontual. Centramo-nos detidamenteno estudo aqui de um recorte de área e acolá de um recorte de um planosetorial, deixando do lado de fora o quadro global da configuração doespaço dentro do que este ou aquele recorte se manifesta como parti-cularidade ou forma singular de existência. Como, todavia, sem uma re-ferência de totalidade a análise do pontual é impossível, isto significan-do a necessidade de uma teoria geral de geografia consonante com umateoria geral do real, buscamos, então, a teoria geral que não temos noâmbito do saber onde a similaridade do tema de estudo mais indicapresumivelmente podermos encontrá-la. Assim a geomorfologia se tornaum êmulo da geologia, a geografia urbana da sociologia, a geografia agrá-ria da economia ou da agronomia, a geografia do subjetivo na antropolo-gia ou na teoria da arte. Isto embora nos incomode o fato de estessaberes não nos fornecerem uma teoria geral de traço geográfico – sejauma abordagem espacial ou outra de uma referência teórico-conceitualque se possa dizer geográfica – induzindo-nos a fazer obras – méritos àparte – de geólogo, sociólogo, economista ou antropólogo, que levouYves Lacoste à crítica acerba de sermos um péssimo economista e umgeólogo medíocre. É esta cultura do pontual que reage agora, diante datarefa de encontrar o referente geral dentro de si mesmo.

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UM BALANÇO DA MUDANÇA

A característica maior da geografia dos últimos 30 anos (falo aqui dasegunda geografia) é, assim, a busca por uma teoria geral que fizesse apro-ximar e por numa contemporaneidade crítico-permanente (daí a confusãode uma geografia crítica) as três geografias em total relação de correspon-dência. Mas perdeu-se muito tempo, tinta e papel achando-se ser âmbitode realização da mudança a esfera institucional da terceira, quando ocampo certo do embate eram os hábitos, costumes e mentalizações, pró-prias do âmbito da segunda, de modo a levar-se a avançar, na forma de umolhar conceitual do geral-real, o que, vistos aos olhos de hoje, a própriadécada já amadurecera e oferecia de alternativas efetivas de teoria. Nocampo dos hábitos e costumes, pois, mas a partir da segunda geografia,mais que no das suas investiduras institucionais situados na terceira, aírealizando-se, dentro da esfera da segunda, o contraponto das idéias in-ternas, sem dar-se à terceira geografia – na medida que foi neste terreno,e não no da segunda em sua relação imediata com a primeira, que se pôsa primazia dos embates por mudança –, a oportunidade de levar as açõespara o seu terreno de domínio e assim o privilégio de definir a forma, oslimites e o conteúdo dos embates, e assim determinar respectivamentecomo conteúdo e comando das ações os temas e atores institucionaisque são seus, e por este fato, ao fim, como decorrência faça ainda maisreforçar a ideologia conservadora do tema do pequeno dominante na ge-ografia. Pois foi o que aconteceu.

É uma constatação fácil de fazer que a busca da teoria geral é oescopo da década de 1970. Bastaria consultar os livros de referênciaque, dentro e fora da geografia brasileira, se multiplicam nesta e nastrês décadas subseqüentes. Assim, já nos idos de 1970 e 1980 se tinhano âmbito da segunda geografia a possibilidade de nela e a partir delafazer a unidade entre ela, a terceira e a primeira e numa forma de cons-ciência crítica.

Mas deu-se à esfera mais renitente na resistência à mudança a prima-zia do comando da relação entre as três, acabando por fazer-se a segundaprisioneira das idiossincrasias da terceira, enquanto a primeira mudava ese afastava da segunda aceleradamente. Os hábitos, costumes e mentali-dades do pontual da segunda assim mais se reforçaram e real e menteentão não convergiram em sua real e integral escala de necessidade.

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Creio situar-se aqui o solo epistemológico do casamento, em partenada surpreendente e inesperado, entre a segunda e a terceira geogra-fias que então hoje temos. Da razão da capacidade desta de reforçar osvícios e limitações da segunda, e assim criar um fosso crescente entreesta e a primeira, mesmo quando as condições do encontro entre ambashá tempo já existem efetivamente.

E, em face disso, a necessidade político-ideológico de centrar-sena segunda, não na terceira, o foco da continuidade da mudança, inver-tendo com isso a relação tornada caudatária, de modo a que a própriamudança da segunda modifique por si a terceira. Significa isto fazer ocontraponto dos hábitos avançar na segunda geografia, até recriá-los,enraizando-o na tradição de uma teoria geral das totalidades.

Penso estar nesse formato a possibilidade de resolver-se o proble-ma intelectual-acadêmico da necessidade urgente, ainda presente naesfera da segunda, de uma teoria geral que já esteja coadunada comuma teoria geral do real em geografia, e igualmente, por tabela, tambémo institucional dos imbróglios existentes na geografia da universidade.

A condição-refém da teoria geral à tradição de estudos tópicos-pon-tuais deve-se, sem dúvida, à sua relação de cotidiano com o saber univer-sitário, via grades e modos de execução dos currículos. Isto porque somosformados nessa institucionalidade. Mas porque por faltar aí, a teoria geralviradora da tradição. Assim, somos levados a nos formar na perspectiva datradição do estudo do pequeno pedaço de espaço e/ou tema setorialatravés o viés institucional e universitário do campo estrito em que nosespecializamos, os hábitos dominantes da segunda se reproduzindo e sereforçando na reprodução da terceira. Sabe-se hoje que não se pode criaruma teoria avançada no âmbito da terceira geografia e levá-la a atuar noâmbito da segunda. Antes, deve-se criar esta teoria no âmbito da segun-da e levá-la a transformar a terceira. Aí, então, a terceira, ganhandoconcomitância com a segunda, mesmo que por obrigação de segui-la, abrepara um ainda maior avanço da teoria avançada, contribuindo para queatravés das suas regras a terceira geografia amarre o perfil da nossa forma-ção profissional num quadro em que não ata, antes solta nossos pés paraandarmos não à retaguarda, mas sim à frente da reflexão crítica das con-cepções de vida e de mundo em vivemos.

Mas de onde pode provir uma teoria geral da geografia? De uma res-posta de ordem também geral de explicação que se dê à totalidade real

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existente. É o que me parece. No caso, da construção de uma teoriageográfica geral para a realidade global brasileira. A questão, pois, é nosindagarmos no âmbito da segunda sobre o que temos dito e a dizer se equando somos colocados diante da sociedade total ou do mundo porinteiro na tarefa de dar explicação ao que temos à nossa frente. Envol-vidos pelo estratagema da terceira geografia de realçar a tradição domuito pequeno dominante na segunda, pouco temos em verdade ofere-cido de uma teoria geral concreta do espaço-total, chame-se ele Brasilou mundo. É fácil constatar essa afirmativa respondendo à indagaçãoque neste sentido é a indagação emblemática: o que há entre nós emobras e com as armas de nossa ciência de respostas à pergunta “o Brasil,o que é isto?” Cada um pode fazer-se esta pergunta: basta colocar oBrasil diante de si e ver o que tem a dizer como geógrafo sobre o tema.Pergunta fácil de ser respondida pelos historiadores, antropólogos, econo-mistas, em cujos âmbitos os livros estão disponíveis. E com uma incríveldiversidade de alternativas de entendimento. Mas com sabor do aindaindizível para a geografia/geógrafos brasileiros. Faltam obras de teoriageográfica geral e por isso sobre o real-total do Brasil. Uma falta ao mes-mo tempo de origem e simultaneidade.

Mas foi este o projeto que embalou a geografia brasileira desde osanos 1970. Duas lições se podem extrair do que vimos.

Uma primeira é que nossos problemas, se nela se expressam, en-tretanto não estão nos currículos, professores tradicionais e nos de-partamentos da terceira geografia, mas nos hábitos e costumes men-tais que governam nossas práticas intelectuais e acadêmicas. Pode-seconfirmar o que se disse observando-se a multiplicação, cada vez maisfragmentadora, de realização de encontros, estudos e ações de geo-grafias setoriais. Aqui, as disciplinas do currículo, levadas pelas mãosda academia, saem do papel para realçar o hábito setorial/areal da pró-pria academia no âmbito da segunda. A segunda geografia sai da cum-plicidade formal da terceira para transformar-se em evento nacional.Prática que tem por conseqüência ainda mais afastar a geografia brasi-leira da possibilidade de ver sair da esfera da segunda uma teoria geraldas totalidades para a geografia, acabando por ser hoje o fato quemais responde pelo reforço da natureza restritiva e conservadora doque há na segunda de parte da terceira geografia.

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Uma segunda é percebermos que é no âmbito da segunda em suarelação com a primeira, mas através uma teoria geral das totalidades nageografia que instrumente e conjumine com uma teoria geral da geogra-fia das totalidades reais, a exemplo da totalidade do Brasil, que temos oque nestes 30 anos realmente avançamos. Sabidamente é onde temosavançado e que continuar a avançar, levados pela simples consciência deque é no plano de uma teoria geral das totalidades, e só aí, que o pontu-al, areal e/ou setorial pode ser explicado, tendo em vista que todo pon-tual só existe na medida em que seja forma de ser particular da totalida-de. Então, tanto fará se formos do pontual para o geral ou se do geralpara o pontual, já que o pressuposto, a existência de uma teoria geralda totalidade real em geografia, estaria satisfeito.

Sem dúvida muito tivemos de avanço nestes 30 anos frente ao pro-jeto de sairmos da escala do tema pontual e específico, seja o areal ou osetorial, e seja dos espaços-de-ambiências como os encontros, aulas,obras escritas, currículos e departamentos, para o plano geral de umateoria de geografia das totalidades. Mas isto porque, a rigor, e apesardos erros, avançamos. Avançamos onde, entretanto, fizemos a teoriaavançar: no âmbito da segunda geografia, em sua relação concreta coma primeira. Fora, pois, e para além, das prisões e estratégias dos costu-mes, hábitos e mentalidades institucionais da terceira.

Há, então, que concentrar nessa esfera os esforços do avanço atéonde não chegamos: a uma teoria geral para a geografia que já nasçacasada com uma teoria geográfica geral da totalidade brasileira.

E, assim, por fim, sair da tradição da explicação dos pequenos peda-ços, para enraizá-la na de uma explicação das totalidades, onde, e sóonde, os pedaços deixam de ser pedaços e, podem traduzir-se comofenômenos de um todo, totalidades realizadas na forma de existênciada particularidade. Então, fazer prevalecer na geografia a teoriaaristotélica de que sendo a totalidade o ser real, o pontual é sua formaparticular de existência. Criar a teoria do espaço-total em cujo âmbito opontual, enfim, possa passar a existir como pontual de alguma coisa ge-ral. E poder “explicar na linha de pedras do barranco a evolução do pla-neta”, no dizer de Aziz Ab’Sáber em sua teoria dos refúgios.

Até porque é também preciso solver o problema correlato que opontual traz junto a si do risco histórico do tecnicismo. Porque na geo-grafia o tecnocrático se nutre do pontual. É fácil perceber que toda vez

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que na história vem um, o outro vem junto. Historicamente, o enfoquetópico-setorial é o elo que alimenta – e retro-alimenta a si mesma nessarelação funesta – a mentalidade tecnicista, havendo uma correlação his-tórica entre ambas as práticas: toda época de auge de estudo tópico-pontual é também o de uma entranhada mentalidade tecnicista.

Foi o que ocorreu nos anos 1960-1970 com a geografia quantitativa eocorre hoje de novo com a “geografia geoprocessista”. Uma época emque uma insiste em renascer na forma e por intermédio da outra. E comela a alienação do geógrafo e do seu saber que disto decorre. Alienaçãodo real e de si mesmo como sujeito. Assim na década de 1970 deixamo-nos substituir pelo computador e modelos quantitativos, e hoje estamosnos deixando substituir agora pelo computador e programas degeoprocessamento. Porque assim como se fazia com os modelos quanti-tativos, faz-se hoje com o programa de informática: pensa-se que é oprograma de geoprocessamento que processa o geo (afinal, fala-se deum programa geo-referenciado!) e não nossa inteligência teoricamenteinformada. Erro igual ao que cometemos nos anos 1940-1960, com aaerofotogrametria. É um movimento cíclico.

Penso que este é um fenômeno acadêmico que ocorre de 15 em 15anos. De período em período de 15 anos há um quadro de alternânciasde momentos do primado geral do pensamento (a teoria geral) e mo-mentos do primado do pontual-tecnocrático (a teoria do pequeno). E énos períodos de ciclo do pontual-tecnicismo que se gesta os momentosde crise da geografia. De 15 em 15 anos, de pontualismo em pontualismo,de tecnicismo em tecnicismo, abre-se um período de caça ao crédito eao valor de prestabilidade da teoria na geografia. Então, a própria técni-ca é proclamada conteúdo. São momentos de declínio ou quase paralisiada inteligência e de alçamento ao topo das idiossincrasias do pensamen-to pequeno. Como na situação que hoje vivemos. Mas, então, vem asensação de insatisfação generalizada. O estado do cada um salve-secomo puder. Porque, contraditoriamente, a falta de substância cedorevela a descoberta do próprio vazio do tecnicismo pontualista. Comofoi em 1970 com os modelos quantitativos, e hoje está sendo com ogeoprocessamento. E assim esteriliza-se e lança-se na descrença a pró-pria validade dos instrumentos que com tanto reboliço fora alçado aovalor de caução de verdade e conteúdo. Desbarata-se a teoria e depoisos próprios meios técnicos de identidade e trabalho da segunda e da

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terceira geografias. Como aconteceu nos anos 1970 com a estatística eas técnicas quantitativas, e hoje tende a fazer-se com os programas degeoprocessamento. Porque tudo é escondido na insistência da verdadeda geografia sem teoria.

Assim é preciso ver-se o fluxo-refluxo como espécie de lei de movi-mento do pensamento. Que, assim sendo, é necessário se compreenderpara saber administrar em vista de evitar a esterilidade do período dorefluxo. Ao tempo que, num sentido contrário, saber-se preparar o pen-samento para a nova fase de inteligência que cedo virá na subseqüência.

A década de 1970 foi um ciclo de mudanças teórico-globais na esferada segunda, em correspondência com as exigências das mudanças reaisocorridas na primeira. Fato que se prenuncia nos movimentos de maiode 1968. E, por isso, um ciclo de atitude crítica e de formação teórica. Aatual tem-se mostrado um ciclo de despolitização da própria política (noBrasil e no mundo). E por isso de emergência de pontualismo e exegesedo tecnicismo. E tudo indica que a segunda década do terceiro milêniotraz consigo um novo ciclo de transformação e por isso de pensamento.E com intensa força. As lutas contra os efeitos de um bioespaço, que sóagrava os problemas adiados e não resolvidos da antiga configuração doespaço industrial, como o recrudescimento do desemprego e da fome,são os sinais no horizonte. Tudo assim clama por uma teoria geral urgen-te e renovada no campo da segunda geografia.

REFERÊNCIAS

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SANTOS, Boaventura de Souza. Renovar a teoria crítica e reinventara emancipação social. Boitempo Editorial: São Paulo, 2007.

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RUY MOREIRA

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia auma geografia crítica. Editora Hucitec/Edusp: São Paulo, 1978.

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POR UMA GEOGRAFIA SUBVERSIVA

FOR A SUBVERSIVE GEOGRAPHY

Paulo Miranda Favero*

Geografia é amor1

Resumo: O presente artigo tenta analisar o atual momento da AGB eda Geografia. Parte de angústias e inquietações presentes em váriosmomentos da vida acadêmica e, apesar de individual, faz parte de umavivência coletiva. Não traz soluções, mas não desiste de encontrá-las.

Abstract: This article tries to analyze the current moment of theAGB and Geography. It comes from afflicions and fidgets that appears atsome moments of the academic life and, although individual, are part ofa collective experience. It does not bring solutions, but it does not giveup to find them.

Tenho a impressão de que a Geografia está cada vez mais reacionária.Mesmo com todo o movimento que traz 1978 como data emblemática –mas que começou a ser potencializado um pouco antes –, os anos se pas-saram e parece que temos uma volta ao passado conservador. Fico imagi-nando se não tivéssemos tido aquele movimento... Talvez a Geografiativesse virado qualquer coisa menos ciência. A adoção do marxismo comoteoria e prática teve um efeito devastador – no bom sentido – em umaciência conservadora. Mas agora parece que a Geografia perdeu um pou-co do fôlego da transformação. A teoria é trocada pela técnica, as divi-sões da ciência são cada vez mais fragmentadas e a relação de poder quefoi questionada pelos estudantes ainda impera na academia. “À medida

* Estudante de Pós-Graduação em Geografia Humana na FFLCH/USP. E-mail:[email protected].

1 Lema que muitos estudantes de Geografia cantam em seus encontros, criado por umgrupo de São Paulo intitulado MACD.

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que o homem desenvolve sua capacidade de argumentar, ele se volta qua-se imediatamente contra a autoridade e assim surge o protesto, a deso-bediência e finalmente a revolta.”2 (WOODCOCK, 1983, p. 100).

Claro que temos ótimos trabalhos e pessoas sérias no meio geográfi-co. Mas talvez seja necessário um novo choque, mais forte e profundodo que o de 1978. Anselm Jappe coloca que “o sentido da provocação ésuperar o princípio da passividade do espectador” (1999, p. 72). E éexatamente esta a idéia deste artigo. Polemizar no sentido de abrir odebate, de fazer uma discussão sobre os rumos da Geografia. Trinta anosse passaram desde 1978 e muita coisa mudou, mas outras permaneceramintactas. A intenção é colocar dúvidas e questionamentos para pensar-mos em conjunto nossos rumos.

Talvez o primeiro ponto de decadência da Geografia seja o fim dosdebates – ou embates, como preferirem. Faz tempo que não se podediscordar na academia, que se ensina a passar a mão na cabeça dooutro mesmo que não se concorde com ele. Temos muito a aprendercom Guy Debord: “O espectador é suposto ignorante de tudo, nãomerecedor de nada. Quem fica sempre olhando, para saber o que vemdepois, nunca age: assim deve ser o bom espectador” (1997, p. 183).Ele continua, em outro momento: “A preguiça do espectador é a mes-ma de qualquer intelectual, do especialista formado às pressas, quevai sempre tentar esconder os limites restritos de seus conhecimentosatravés da repetição dogmática de algum ilógico argumento de autori-dade” (DEBORD, 1997, p. 189).

A chance de transformação social volta a ficar mais distante e a Ge-ografia está apenas reproduzindo o que já existe e não se confrontandocom a realidade. É preciso uma Geografia que subverta a ordem das coi-sas, que pule o muro da universidade, que extrapole as fronteiras dosEstados e que seja crítica diante das corporações predatórias.

APROPRIAÇÃO X CONSUMO DA AGB

Recentemente, um movimento de estudantes decidiu novamentediscutir as estruturas da AGB e a relação entre os associados. Chamado de

2 Citação que se refere ao pensamento de Proudhon.

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“AGB pra Quem?”, ele surgiu no 53º Conselho Nacional das Entidades deEstudantes de Geografia3, o Conegeo, numa tentativa de politizar aindamais o debate do “Movimento Sem Crachá” feito no Encontro Nacional deGeógrafos de 2002, em João Pessoa. Aliás, o 53º Conegeo foi realizado emGoiânia com a presença de oito escolas (UEG, UFG, UNB, PUC-SP, USP, UFF,UFV, FFP-UERJ e UCSAL), sendo que boa parte dos estudantes do Sudesteforam de Kombi até Goiânia. Já no percurso entre São Paulo e Goiás, mui-ta coisa foi sendo pensada e gestada. Mas a discussão em torno do “AGBpra Quem?” surgiu após um debate4, no conselho, sobre os rumos queestavam sendo tomados para a realização do VI Congresso Brasileiro deGeógrafos, que seria na mesma Goiânia semanas depois.

No ponto de pauta sobre o VI CBG, a discussão foi no sentido depensar qual a necessidade de existir uma AGB. Era mais ou menos o“AGB Pra Quê?”. Mas a partir disso, e da convicção de todos os presen-tes da real necessidade desta associação, de caráter técnico, científi-co, cultural e acadêmico, a pergunta tomou outro formato: “AGB praQuem?”. A angústia girava em torno de questões como o alto preço dainscrição no encontro, a terceirização na organização do evento, o com-promisso político dos convidados em relação à AGB e a função social daentidade. Foi feito também um mea culpa dos estudantes em relação àsua participação na entidade – que parecia claro naquele momento queera aberta a todos.

É preciso que os estudantes participem mais deste movimento culturalque se chama AGB. Que preencham todos os espaços e participem dasseções locais, RGC’s, encontros, congressos e do futuro da entidade.(...) Pra quem é uma AGB que terceiriza parte dos serviços de organiza-ção de um encontro porque sabe que não poderá contar com pessoassuficientes para ajudá-la? Pra quem é um encontro que custa valores forada realidade econômica brasileira (...)? Por que o estudante não se senteidentificado com a entidade?5

3 O 53º Conegeo foi realizado de 11 a 13 de junho de 2004.4 A discussão em torno dos rumos do encontro já havia sido discutida preliminarmente em

algumas escolas, como a UFF, PUC-SP, USP e UERJ-FFP, que trouxeram elementos de seusestudantes para o aprofundamento da discussão no Conselho.

5 Trecho do Manifesto do Movimento AGB Pra Quem?.

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A intenção do “AGB pra Quem?” foi, enfim, tentar buscar uma supe-ração do “Movimento Sem Crachá” e aproximar os estudantes da estru-tura da entidade, buscando uma maior identificação com a AGB, queresultasse em maior participação. A idéia era, através da crítica, colocarem crise a entidade e tentar construir uma outra AGB, com maior possi-bilidade de ação de um lado em relação ao outro. O movimento “AGB praQuem?” lançou dois manifestos polêmicos no VI CBG, circulou adesivosconfeccionados pelos próprios estudantes através da Coneeg (Confedera-ção Nacional das Entidades de Estudantes de Geografia) e ainda se de-bruçou sobre a discussão estatutária para ter argumentos sólidos nesseembate6. Acredito que este movimento tenha sido fundamental parauma pequena renovação da AGB e para a revitalização da identificaçãodos estudantes com a entidade. Depois do VI CBG, muitos alunos degraduação e pós-graduação se aproximaram de suas seções locais e seapropriaram desse espaço.

A intenção deste manifesto é fazer refletir sobre que tipo de encontro énecessário. E para quem... Talvez as questões não sejam fáceis de seremrespondidas. Mas o único fato é que é preciso repensar os rumos da entida-de. Talvez uma outra AGB seja possível. Uma que tenha mais compromissocom a sociedade do que com órgãos profissionais. Que valorize aquelescom compromisso político com a entidade e não os medalhões do ensino.Que escolha o caminho da construção coletiva e promoção do conhecimen-to científico e não o da produtividade e eficiência. E com tudo isso, a realparticipação dos estudantes se torna imprescindível.7

É cedo para analisar com mais profundidade o impacto do “AGB praQuem?” no cotidiano da entidade, mas percebe-se uma significativa di-ferença entre aqueles que querem se apropriar da AGB e aqueles quequerem apenas consumi-la. Esse consumo da entidade também pode serconfundido com apropriação: uma pessoa usa a entidade para seautopromover, para ganhar benefícios, para sobressair academicamen-te... E isso não deixa de ser consumo. Outro ponto que depois muitosestudantes perceberam é que, nas seções locais, no discurso todos sãoiguais, mas na prática alguns são mais iguais que os outros, desviando

6 Tendo inclusive conduzido um mini-curso sobre esta temática.7 Trecho do Manifesto do Movimento AGB Pra Quem?.

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um termo cunhado por George Orwell em A Revolução dos Bichos. A pos-sibilidade de participação em algumas seções locais da AGB não estádada e é preciso conquistar isso com outro pé na porta, como ocorreuno final da década de 1970. Infelizmente, ainda impera uma estrutura depoder que impossibilita o acesso de muitos.

Ilustração 1. Adesivo do Movimento AGB Pra Quem? que circulou no VI CBG.

TRANSFORMAÇÃO PELA VIA ACADÊMICA

Para que a Geografia possa propor transformações, é necessário tam-bém pensar em subversões no ensino, pesquisa e extensão nas universi-dades brasileiras. Atualmente, percebe-se um ensino que fragmenta cadavez mais a interpretação do real, com disciplinas superespecializadas erestritas. A pesquisa também é feita às pressas, com o tempo de dura-ção de mestrado e doutorado seguindo o ritmo empresarial, com tesestornando-se mercadorias e com cursos de graduação à distância ou quetêm a função de “jogar” para o mercado de trabalho pessoas despre-paradas, tendo como um dos objetivos mais esdrúxulos melhorar as es-tatísticas de nível superior no Brasil. Já a extensão praticamente nãoexiste, já que em uma “fábrica” – como pode ser considerada a maioriadas universidades – isso não tem muito sentido.

Talvez essas tenham sido as aflições que levaram o geógrafo WilliamBunge a buscar novas metodologias de investigação. Em plena décadade 1960, ele criou a Expedição Geográfica de Detroit (DGE).

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Partindo de sua experiência como morador no bairro, predominantementenegro, de Fitzgerald, em Detroit, um bairro em processo de “guetização”,com forte especulação imobiliária e alta repressão social, Bunge procurouaplicar seus conhecimentos geográficos a serviço da comunidade. Assim,ele se colocou primeiramente à disposição das organizações comunitáriasjá existentes, tratando de ganhar sua confiança, averiguando quais eramsuas prioridades e problemas sobressalentes e procurando logo encontrarformas de resolvê-los ou de lutar contra eles utilizando as ferramentas desua profissão. Logo ele se deu conta de que seus vizinhos sabiam muitomais que ele sobre o bairro e passou a coletar informações, a reconstruir ahistória do bairro e foi até a direção da comunidade, utilizando e desenvol-vendo este conhecimento coletivo. Começou a ensinar a esses geógrafospopulares e espontâneos, de maneira informal, certos métodos geográfi-cos e como utilizá-los na luta pela conservação e proteção do bairro, queestava à mercê dos urbanistas e proprietários (MATTSON, 1978).

Este trabalho de campo que usava a pesquisa participativa tinha umduplo enfoque, pois ao mesmo tempo em que os jovens locais queriamaprender com Bill Bunge, eles também tinham muito a ensinar para o“professor”. E ainda poderiam usar as coisas que aprendiam em sua pró-pria comunidade, até como defesa. Em um primeiro momento a Univer-sidade de Michigan apoiou o projeto, inclusive financeiramente. Masdepois, quando o projeto contava com a participação militante de ou-tros professores e havia um intercâmbio de informações, com alunos dauniversidade indo para os guetos aprender com os moradores locais, auniversidade retirou o apoio e deu um ultimato a Bunge. Mas o geógrafoignorou a ordem e manteve sua prática, que condizia com sua teoria.Acabou sendo expulso da universidade, ficou por um tempo fazendogrupos de estudos na porta do estabelecimento de ensino, até que semudou para o Canadá e virou taxista. Até deu aulas em algumas universi-dades canadenses, mas dizia que a profissão de taxista era excelentepara o geógrafo conhecer o espaço.

Jane Jacobs, que previu a crise das cidades americanas, teve de deixar oseu país para poder viver e trabalhar. Um outro, preocupado pelas quali-dades inatas do homem, sofrido pelas tricas e intrigas de que a Universi-dade infelizmente estão cheias, quase perde a razão. William Bunge, oprimeiro dos filósofos-geógrafos desde o pós-Guerra, dirige táxis na ci-dade de Toronto porque nenhuma Universidade lhe oferece um lugar paratrabalhar. Ele pensou que era lícito defender uma nova aurora para ascrianças dos bairros pobres, os homens dos guetos, os pobres de toda

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cor, mas sobretudo, os negros. Foi abatido pelos seus próprios colegas(SANTOS, 1979, p. 48).

A experiência de Bunge mostra como é possível unir o trinômio en-sino-pesquisa-extensão na Geografia. Mas ela também coloca em dúvidaaté que ponto se pode buscar uma Geografia subversiva por dentro dauniversidade. Mais do que exemplos, ele também mostra os limites deuma pesquisa participativa, que não pode se transformar em atividadespaternalistas, turísticas ou de vanguardismo político.

Se dentro da universidade esse tipo de exercício da profissão degeógrafo se torna complicado, talvez possa ocorrer através da AGB e desuas seções locais. É dessa forma que a Geografia tem de ir para as ruas,ocupar os becos, invadir as empresas. Tem de ser irreverente, contestaros governos e não ser servil ao Estado. Atualmente, o produtivismo ditao ritmo da ciência. As pessoas querem publicar, mas não querem discu-tir. Às vezes parece que ninguém está preocupado com os rumos daGeografia, com sua fragmentação, com seu tecnicismo sem embasamentoteórico. É preciso, pelo menos, perturbar o que já existe e criou raízesprofundas dentro da ciência geográfica. É necessário revolver toda aciência geográfica, de baixo para cima, para que uma revolução no co-nhecimento se concretize. “Se falsifica tudo, o espetáculo falsifica tam-bém a crítica social chegando até mesmo a encorajar a elaboração deuma ‘crítica social domesticada’, fornecendo, aos que não se conten-tam com explicações habituais, informações reservadas às quais semprefaltará o essencial” (JAPPE, 1999, p. 155).

Uma das principais tarefas dos geógrafos neste mundo regido peloespetáculo é procurar a radicalidade da crítica, pois só assim não ficare-mos parados no meio do caminho. Tem de ser uma tarefa cotidiana. Ossituacionistas perceberam desde cedo que as técnicas produziam for-mas de alienação. Então, traçaram como objetivo apoderar-se da técni-ca para buscar a transformação. A cartografia seria uma ótima forma deutilização das técnicas, por ser uma linguagem acessível e reveladora.

O geógrafo Daison da Paz, em sua monografia de conclusão de curso,procurou mapear os imóveis desocupados na região central de PortoAlegre. Além das poucas informações conseguidas no governo do muni-cípio, buscou alternativas para fazer o mapeamento, usando critérioscomo: fornecimento de água e luz, estado de conservação, pichações egrafitagem, anúncios de aluguel e venda, estado do jardim, caixa de

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correspondência cheia, informações dos vizinhos, entre outros. Comesse incrível trabalho de campo, ele conseguiu criar um mapa sobre adensidade de imóveis desocupados e suas respectivas localizações. “[...]Faz-se necessário tecer propostas com o intuito de minimizar os pro-blemas de falta de moradia em Porto Alegre. Não recorrendo à boa vontadeda iniciativa privada nem da morosidade das políticas públicas governa-mentais, mas sim na capacidade política e de organização das classesdiretamente afetadas pelo déficit de moradia: ocupantes de áreas derisco ou sobre ecossistemas frágeis, moradores de cortiços e favelas espa-lhados pela cidade, dependentes da casa da mamãe e moradores de rua.Oferecendo a estes possibilidades estratégicas de ação para a conquistada moradia decente e bem localizada” (PAZ, 2004, p. 7).

Esse é um bom exemplo de pesquisa que pode ser usada para a trans-formação social e felizmente não é único. Mas infelizmente, em ummundo cada vez mais sem trabalho, boa parte dos geógrafos procura seadequar às exigências de um mercado de trabalho em extinção e realizatrabalhos que não questionam a nossa realidade. “[...] O desemprego éreal e, ao mesmo tempo, aparência, de um fenômeno ainda mais amplo,a crise do trabalho, de modo geral. Trata-se de uma crise de empregoreveladora de que o processo do capital inclui, junto com a necessidadedo trabalho, a sua destituição, negação” (2006, p. 3).

Diante das necessidades mercadológicas, muitos pensadores setransformam em especialistas e rumam para um tecnicismo exacerbado.“Temos de contribuir para a sociedade, não para o mercado de trabalho...A principal causa não resolvida são os currículos. De modo geral, os nossosestudantes entram na faculdade para serem deformados e completamosa deformação na carreira docente”, disse Milton Santos, em uma entrevis-ta para Paulo César Scarim no anexo da dissertação Coetâneos da Crítica(2000, p. 295).

Ninguém quer, com isso, descartar a necessidade de trabalhar. Masseria hipocrisia dizer que qualquer curso ou qualquer currículo garantiráemprego no futuro para o geógrafo ou que ele será bem preparado parao mercado de trabalho. Para isso existem os cursos profissionalizantes,que preferem a ilusão de que podem garantir emprego para o futuro daspessoas. Anselm Jappe vai além em sua crítica: “Quando se está cercadopor milhões de desempregados, poder permanecer na cadeia de monta-gem torna-se uma bênção; e, em semelhante situação, nunca é difícil

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encontrar pelegos” (1999, p. 185). Assim como Guy Debord: “Quando atodo-poderosa economia enlouqueceu – e os tempos espetaculares sãoexatamente isso –, ela suprimiu os últimos vestígios da autonomia cientí-fica, tanto no plano metodológico quanto no plano das condições práti-cas das atividades dos “pesquisadores”. Já não se pede à ciência quecompreenda o mundo ou o torne melhor. Pede-se que ela justifique ins-tantaneamente tudo o que é feito” (1997, p. 197-198).

30 ANOS DEPOIS...

O movimento de 1978 na Geografia foi fundamental para a transforma-ção da ciência, mas ela precisa de um novo combustível. É necessário seapropriar das pesquisas para ir contra a reprodução deste mundo desi-gual. Proudhon, quando foi eleito parlamentar, confessou tempos depoisque sofreu muito por ter perdido o contato com as massas. Lamentou tersido absorvido em seu trabalho e perdeu de vista os acontecimentos.Bakunin, ainda no século XIX, percebeu que a relação de poder criava asdesigualdades sociais e buscava métodos para se contrapor às injustiças:“O mundo inteiro entendeu que a liberdade não passa de uma mentira,quando a grande maioria da população está condenada a viver na pobrezae quando, privada de educação, lazer e pão, seu destino é servir de de-grau para os ricos e poderosos” (WOODCOCK, 1983, p. 136).

A academia também apresenta seus degraus e muitos se engal-finham para chegar mais alto, mesmo que isso faça com que outrossirvam de degraus. Essa lógica começa na graduação e é reforçada napós-graduação. As “exigências” da vida acadêmica são as desculpas dafalta de ética, da falta de consideração com o próximo, da preguiçaintelectual e da exaltação do produtivismo. Talvez haja um limite parabuscar mudanças pela via acadêmica. Ou esse limite precisa ser rompi-do na construção de um outro “mundo acadêmico”. Se o projeto “desuperar a economia e de apossar-se da história precisa conhecer – etrazer para si – a ciência da sociedade, ele não pode ser em si científi-co. Neste último movimento que acreditou dominar a história atual porum conhecimento científico, o ponto de vista revolucionário perma-neceu burguês” (DEBORD, 1997, p. 54).

A AGB pode vir a ter todas as condições para exercer um papel pre-ponderante nesta lógica, mas muito precisa ser mudado. Pode fazer umdiálogo subversivo com a Academia, tentando colocar em crise os limites

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de atuação estabelecidos. Infelizmente, muitas vezes a AGB é instru-mentalizada para a lógica do produtivismo e temos de rejeitar isso. Alémdisso, a entidade dos geógrafos deve também repensar seus encontros,que são momentos de potencialização das atividades realizadas ou porrealizar. Houve um processo de inversão e ela acabou se tornando seuspróprios encontros.

De acordo com o que se espera de um evento democrático e com-prometido com uma reflexão profunda e complexa a respeito da realida-de – e que não se transfigure em apenas uma oportunidade de engordarcurrículos –, os Encontros Nacionais de Geógrafos devem se configurarcomo espaços abertos à discussão ampla e efetiva dos temas que impor-tam à Associação dos Geógrafos Brasileiros tanto em sentido mais restri-to, como em relação às diretrizes e ao funcionamento da entidade, quantoem sentido mais amplo, como no que se refere à reflexão sobre a socie-dade em que vivemos e a que queremos construir – reflexão sem a qual,importa dizer, torna-se impossível traçar os rumos da entidade com algu-ma coerência.

No objetivo amplo da AGB de produzir e fomentar a reflexão acadê-mico-cultural e a crítica à sociedade, é inconcebível que se adotem pos-turas impostas por uma realidade mercadológica – à qual ela deve fazer acrítica, e não se submeter. Uma associação do caráter da AGB é, e devecontinuar sendo, um espaço (um dos poucos espaços, aliás, ao lado dauniversidade pública) onde seja possível praticar minimamente a críticae o pensamento livre.

Em 1978, os estudantes, muitos dos quais são hoje nossos professo-res, usaram o Encontro para transformar a AGB e a Geografia brasileira.Algumas estruturas de poder da AGB foram mudadas e o marxismo, en-fim, conseguiu entrar na Geografia. Talvez agora possamos ir além, trans-formando mais ainda a AGB, a Geografia e, por conseqüência, o mundo anossa volta. É necessário uma outra relação com a nossa Associação,para que ela não seja usada apenas para consumo e para a realização deencontros-espetáculo. O encontro tem de servir de estopim para trans-formações maiores e ao mesmo tempo ser um aglutinador das discussõesque são feitas antes de sua realização. Acho que um pouco de subversãonão faz mal a ninguém. Muito menos à Geografia.

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REFERÊNCIAS

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DEBORD, Guy. Sociedade do Espetáculo. Comentários Sobre a Socie-dade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.

JAPPE, Anselm. Guy Debord. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.MATTSON, Kirk. Una Introduccion a la Geografía Radical. Cuadernos

Críticos de Geografía Humana. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1978.PAZ, Daison da. Território e movimentos sociais: a luta por moradia

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SANTOS, Milton. A responsabilidade social dos geógrafos. In: Territó-rio Livre. Upege, São Paulo, 1979, p. 41-49, nº 1.

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WOODCOCK, George. Anarquismo – Uma história das idéias e movi-mentos libertários. Porto Alegre: L&PM Editores, 1983, vol. I.

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ADQUIRIR CONHECIMENTO: O PAPEL DA PESQUISA,O TGI, A PÓS-GRADUAÇÃO E OUTRAS HISTÓRIAS

José Pereira de Queiroz Neto*

PESQUISA: O QUE SERIA?

Quando recebi o e-mail do Paulo Miranda Favero com o convite (maisintimação que convite) para “escrever um ensaio teórico, artigo, depoi-mento ou relato de experiência para compor” a edição do Boletim Paulistade Geografia que propõe a discussão “do papel da AGB pós-1978 e fazerum balanço da Geografia nesse período”, confesso que tremi nas bases.Isso porque nunca foi de meu feitio buscar pensamentos muito profundos,teóricos, conceituais, metodológicos. De modo muito mais prosaico, sem-pre corri atrás para saber como foram e são feitas as coisas deste mundo,para que servem, desvendar o que é preciso fazer para conhecê-las.

Desse modo, aquele convite deixou-me bastante preocupado: aprimeira reação foi de responder exatamente isso: não é bem meudepartamento. Deixei passar uns dias e deixei o travesseiro falar: deinício este começou a me recriminar. Como é que você não tem nadapara falar, afinal foram 33 anos (até a aposentadoria) de convivência comos colegas, estudantes, enfim, com a comunidade geográfica? Deixe delado a preguiça, você tem que dizer qualquer coisa.

Mas isso é coisa do diabo: onde é que eu vou desenterrar uma teoriaqualquer que sirva para meus colegas geógrafos discutirem? E dizeremse aprovam ou não o meu pensar? É essa a intimação do Paulo. E aí meveio ao espírito (bendito travesseiro) falar de alguma coisa que fiz durantemais de 50 anos: pesquisar. Para isso, vou partir do que me parece o maissimples: saber como a palavra pesquisa é definida, na linguagem corrente.

Na Enciclopédia Larousse, encontro o que segue:Pesquisa s.f.1. Ato ou efeito de pesquisar;2. Busca, investigação, recolhimento de dados;

* Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da USP.

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3. Conjunto de atividades que têm por finalidade a descoberta deconhecimentos novos no domínio científico, artístico, literário.

4. Exame de laboratório.(com exemplos) Pesquisa de campo; Pesquisa de mercado; Pesquisa

mineral; (seguido de) Tecnol. Pesquisa e desenvolvimento, binômio queprocura caracterizar o nível de investigação, experimentação e sistema-tização de resultados tecnicamente aproveitáveis para o crescimento emescala nacional das atividades produtivas. (O binômio envolve, portanto,o desdobramento dos resultados obtidos em projetos específicos des-tinados à produção industrial ou agrícola e mesmo à administração de sis-temas produtivos, incluindo um setor de serviços).

Percebemos que a palavra pesquisa serve para muita coisa: o IBGE fazpesquisas sobre população, sobre seu consumo, da mesma forma que osCeasas fazem pesquisa de proveniência e qualidade de produtos agrícolas.A Fundação Getúlio Vargas, o IBGE e as centrais sindicais fazem pesquisade preços de atacado e varejo, para acompanhar o custo de vida e o valordo salário mínimo. Empresas fazem pesquisa de mercado consumidorpotencial, com um exemplo que às vezes parece insólito: mercado imo-biliário que, ao mesmo tempo, aponta o que está disponível e onde e oque é melhor construir hoje ou, simplesmente, aplicar dinheiro. Tudo issodiz respeito a indagações que são feitas sobre um ou outro aspecto denossas sociedades. É interessante assinalar que o conceito de tecnologiada enciclopédia trata desses aspectos.

Não é dessas pesquisas que iremos falar, mas sim da pesquisa de-nominada científica e/ou acadêmica (porque realizada nas academias).

Se pesquisa é o ato de pesquisar, segundo a mesma fonte:Pesquisar v.t.1. Buscar, investigar, inquirir;2. Investigar com a finalidade de descobrir conhecimentos novos;3. Recolher elementos para o estudo de algo;4. Indagar, devassar.Assim, a palavra pesquisa tal como aparece no dicionário se aplica a

buscar, investigar, inquirir, indagar, devassar na descoberta de novosconhecimentos: vamos andar um pouco por esses caminhos.

PORQUE ADQUIRIR NOVOS CONHECIMENTOS?

Em primeiríssimo lugar, a busca de novos conhecimentos tem comoimpulsor a preocupação que temos em conhecer a terra onde vivemos;

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depois vem saber o que somos e por que aqui estamos; finalmente, paraonde vamos, se é que vamos. Saber tudo isso significa adquirir novosconhecimentos: como foram e são adquiridos?

Essas preocupações constituem uma constante para os homens: pode-se indagar se o Homo habilis, há 2 ou 3 milhões de anos atrás, já eraperseguido pela obsessão de conhecer a terra em que vivia? Ou será queessa preocupação só teria aparecido com o Homus erectus, há poucomais de 1 milhão de anos atrás? Ou foi preciso esperar pelo Homus sapiensnos últimos 100 mil anos para que isso ocorresse?

Lembro que essas preocupações só ocorrem nas cabeças dos sereshumanos e não nas de outros animais. Refletir sobre isso é caminhar umpouco pela história do conhecimento.

Há alguns fatos no desenvolvimento do homem que podem ser to-mados como exemplos dessa preocupação: a conquista do fogo, que per-mitiu um avanço tecnológico considerável, de tal modo que o fogo virousagrado (o mistério do fogo só seria desvendado muitos séculos depois).Será que nessa época os homens teriam percebido que o controle dofogo conferiria um considerável poder adicional sobre a natureza, porexemplo permitindo mais facilmente derrotar a floresta amazônica? Essareflexão é interessante porque, se a resposta for afirmativa, significaque o homem já era capaz de projetar algo para seu futuro.

Outro exemplo interessante é a introdução do plantio: teria sido aobservação de que sementes eram capazes de germinar, principalmenteaquelas que comiam e eram jogadas fora (ou caíam das mãos ou de algumoutro lugar do corpo humano)? Ou teria sido a percepção de que as plantasque forneciam alimento (por exemplo grãos) produziam periodicamentena mesma época? De qualquer modo, isso requeria um esforço de memóriae, paralelamente, perceber que semear/plantar iria facilitar a vida indi-vidual e coletiva. Esse fato foi importante marcando que o Homus sapienssapiens era capaz de planejar para o futuro (mas não o futuro, pois nãoera Deus), prevendo a colheita do grão plantado.

É interessante pensar que a partir do momento em que ocorre apercepção da relação entre plantar e colher, surgirão outras preocupaçõesnecessitando outros planejamentos: procurar/buscar onde haveria se-mentes/plantas capazes de produzir colheitas; onde seria melhor plantar:perto da água ou longe dela? E quando seria melhor plantar: com chuvaou sem ela? No inverno ou no verão? E assim por diante, o homem foi

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elaborando indagações e obtendo respostas è adquiria conhecimento. Eo conhecimento que ia sendo adquirido era passado de boca em boca eera conservado. Parece claro que os sentidos dados pelo dicionário àpalavra pesquisa se aplicam aqui: recolher elementos para o estudo dealgo e investigar com a finalidade de descobrir conhecimentos novos:esses nossos antepassados faziam pesquisa e não sabiam!

As respostas dadas historicamente às questões levantadas peloshomens percorreram vasto trajeto: na cabeça dos homens passaram aser incorporadas na forma de associação de idéias. O fogo queima, me-nino não ponha a mão no fogão, mas o menino só vai aprender quandoqueimar a mão no fogo.

Foram desde a crença de que há um ou vários entes supremos, quecomandam tudo e somente eles sabem das coisas, até a busca constantedos conhecimentos fora dessas crenças, que permitiriam obter asrespostas.

Na civilização ocidental, a fantástica mitologia greco-romana e suasentidades superiores e imortais representam respostas às indagaçõessobre os mistérios da natureza e da vida: Zeus/Jupiter, com sua corte,comanda tudo do alto do Olimpo: Demeter/Ceres a agricultura, Ártemis/Diana a caça, Atena/Minerva a sabedoria, Afrodite/Venus a beleza,Hefesto/Vulcano os vulcões, Poseidon/Netuno os mares, Ares/Marte aguerra. Num nível pouco abaixo Gaia/Caos a Terra, Eros/Erebo o amor,os Titãs, o Dia e a Noite e mais Dionisio/Baco, além de divindades siderais,o Sol, a Lua, a Aurora e inúmeras outras. Tudo isso foi caindo por terrana medida em que o conhecimento avançou, subsistindo como memóriacultural da civilização ocidental.

Essas coisas não são estranhas entre nós, pois desde a pré-históriaos indígenas elegeram divindades que alcançaram nossos dias: deAnhangá a Currupira e Iara, passando pelo Sacy; identificavam fenômenosnaturais cujas causas e conseqüências eram desconhecidas por eles.Mas por estranho que pareça, há mitos e lendas que persistem até hojenos cultos afro-brasileiros, resultantes do sincretismo religioso/cultural:Iemanjá/Nossa Senhora, Oxossi/S. Sebastião, Oxalá/Bom Jesus, Ogum/São Jorge e outros, que representam também fenômenos naturais oudivindades especiais.

O avanço do conhecimento através da observação, da inquirição,da investigação, enfim, da busca de respostas às indagações, permitiu

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chegar onde estamos afastando grande parte dessas idéias, mitos, di-vindades.

Vamos dar um salto na história do desenvolvimento do conhecimento,começando por uma experiência paradigmática que ilustra essaspreocupações. Lá por voltas de 1630, o médico, alquimista e químicobelga Jan Baptist Van Helmont foi contratado pela Academia Real deCiências da Inglaterra para pesquisar os “princípios da vida”. Revestiuseu experimento de todos os cuidados: um vaso com terra pesando exatos100 kg, contendo uma pequena planta, foi colocado numa redoma devidro para evitar contaminações, mas de tal modo que não sufocasse aplanta. Regou com água de chuva (considerada pura) e 5 anos depois,em 1635, retirou a planta que pesou 90 kg; pesou o vaso com terra everificou que perdera 50 a 60 g.

Concluiu que o ganho de peso da planta foi devido à água e ao ar e àflogística, fluido que ocorreria em todos os seres vivos e que, com amorte, seria consumido pela combustão; a diminuição do peso da terra,no entanto, seria devida a erros na pesagem. Em relação à importânciado ar e da água Van Helmont estava certo, mas não com a flogística nemcom os eventuais erros de pesagem.

Somente um século mais tarde a flogística foi “destituída” por IngenHousz, que “descobre” a fotossíntese, e pouco depois por Lavoisier,que “descobriu” a presença de oxigênio e nitrogênio na atmosfera, alémde finalmente demonstrar que a combustão é uma reação química, ondeo oxigênio tem um papel fundamental.

A questão colocada há mais de 10 mil anos atrás foi finalmente res-pondida. Por essa época, foi demonstrado que as plantas respiravamoxigênio, que a água era absorvida pelas raízes, servindo ainda de agen-te de transporte dos nutrientes do solo que abastecem as plantas...Pobre Van Helmont, se tivesse esse conhecimento naquela época!

A experiência referida é interessante porque mostra que no cre-púsculo todos os gatos são pardos ou que nem tudo que reluz é ouro: abusca é fundamental para o esclarecimento do desconhecido, mas eladeve ser realizada com cuidado porque as aparências podem enganar.

Será que tudo isso permite dizer que a pesquisa é responsável peloavanço do conhecimento?

No século XIX, por alguns chamado de novo século das luzes, começama ocorrer buscas sistemáticas de novos conhecimentos e sua racio-

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nalização. No primeiro quartel do século XIX foram implantadas parcelasexperimentais para conhecer o comportamento das plantas cultivadas(remember Van Helmont e sua busca), em duas localidades: Rothamstedna Inglaterra e Grignon na França. Iniciavam-se assim as investigaçõesagronômicas sistemáticas que, nessas estações prosseguem até hoje.Além de buscar o entendimento do comportamento das plantas cul-tivadas, por esse caminho procurava-se saber o que seria preciso paraaumentar os rendimentos das culturas. O homem planeja suas ações, deum lado na busca da sobrevivência e, de outro lado, na busca do co-nhecimento novo: como as plantas se alimentam?

Na Geografia temos um exemplo notável de planejamento em buscade conhecimento: o alemão Alexander Von Humboldt faz uma viagemfantástica pelo norte da América do Sul, porque queria ver um vulcãonos Andes, a famosa indistinção da drenagem Orenoco/rio Negro, enfim,como era a Amazônia além de outras coisas. Estava também preocupadoem saber como viviam os povos nessas plagas, tanto os indígenas quantoos brancos (e os mestiços). Fez observações minuciosas e sistemáticase, mais tarde, escreveu sua obra fundamental, o Kosmos: nascia aGeografia moderna? Teria havido uma Geografia antiga?

Naquele século das luzes o conhecimento vai avançar celeremente:além do citado Von Humboldt, apareceram Lyell na Geologia, Darwin naevolução das espécies, Pasteur na microbiologia, Dokutchaev na Pedo-logia, Davis na Geomorfologia, Marx e Engels na sociologia/política/economia/história, enfim, o conhecimento deu um salto de qualidadefantástico. Mais para o final do século, a pesquisa agronômica “inventou”a estatística, que iria revolucionar o avanço das investigações das pes-quisas nas Ciências.

Por tudo isso diz-se que o século XIX viu nascer a busca organizada esistemática de novos conhecimentos, isto é, a pesquisa verdadeiramentecientífica.

O avanço da pesquisa é tão rápido no século XX que é difícil fazerum relato, nem que seja reduzidíssimo: de Einstein ao vôo tripulado danave com Gagarin, que só se tornou possível porque um brasileiro baixi-nho resolveu tornar realizável o sonho de Icaro. O inimaginável tornou-se realidade, permite falar com alguém do outro lado do planeta olhandosua imagem.

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Mas a busca para saber nos dá um exemplo notável de um salto nabusca da compreensão da terra onde vivemos. Alfred Wegener, em 1915,levantou uma hipótese/teoria de que os continentes teriam se separa-do: primeiro, porque eles pareciam se ajustar qual peças de um quebracabeças gigante. Segundo, porque os atuais continentes continham fós-seis comuns separados, no entanto, por enormes oceanos. Nascia a te-oria da deriva continental, que levou quase 50 anos para ser uni-versalmente aceita, depois da “descoberta” da teoria da tectônica deplacas: hoje as duas caminham juntas.

Pensar que José Saramago previu fenômeno análogo ao “inventar” aruptura da Europa e da Península Ibérica, que passou a navegar peloAtlântico como Jangada de Pedra. Será que ele já sabia?

COMO É FEITA A BUSCA DE NOVOS CONHECIMENTOS – A PESQUISA

Recorro novamente à Enciclopédia: Ciência (do latim scientia = co-nhecimento, arte, habilidade) s.f.:

1. Conjunto organizado de conhecimentos relativos à determinadaárea do saber, caracterizado por metodologia específica.

2. Saber, conhecimento.É isso aí: assim podemos entender que o que se faz hoje em dia

empregando a palavra pesquisa, que tem um significado específico:corresponde à busca sistemática e organizada do conhecimento. É por aíque ela faz parte da outra palavra mágica a Ciência, que corresponde aoconjunto organizado de conhecimentos. A busca do conhecimento, deforma sistemática e organizada, com emprego de metodologia específica,representa a pesquisa científica. É possível perceber como a pesquisa =busca do conhecimento + a investigação do desconhecido foi importantepara as sociedades humanas desde o início, mas vai ser acelerada enorme-mente no século XX: a pesquisa científica passa a exercer um papel fun-damental na evolução das sociedades através dos conhecimentos adqui-ridos. Mas o caminho foi longo e difícil, ainda é!

Não esquecer que o Homus há muito tempo já havia incorporado aarte de planejar sua tentativa de domínio do planeta: acrescentado oplanejar à pesquisa, completa-se o ciclo para alcançar o nível da pesqui-sa científica. É curioso observar que a maior parte dos sábios do séculoXiX fazia suas pesquisas em casa: o cinema mostra Frankenstein sendo

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criado num porão de residência da mesma forma como o Monstro doMédico. Um investigador criminalista não trabalhava nem na nem para aPolícia, que o diga o Sherlock! Mas onde trabalhava Pasteur? Este “fabri-cou” seu próprio laboratório em sua casa; quando os resultados de suaspesquisas tornaram-se do interesse da sociedade francesa e depois mun-dial, laboratórios foram organizados e não por acaso tem seu nome: asede do Instituto Pasteur em São Paulo está na avenida Paulista. Marx eEngels trabalhavam em casa, sem maior estrutura de apoio, assim comooutros grandes pesquisadores da natureza e da sociedade.

O exemplo de Pasteur é interessante porque mostra que quando associedades percebem que o domínio do conhecimento lhes dá um poderadicional não negligenciável, passam a apoiar o modo de adquiri-lo. Éimportante assinalar que ao lado da Liberté, Egalité, Fraternité, NapoleãoBonaparte divulgou pela Europa a Escola Para Todos. Foi no início de seureinado que as escolas públicas foram criadas na França: o ensino virouprioridade de Estado, a democratização da sociedade passa por aí.

Mas é no século XX que as universidades vão ser ampliadas para al-bergar as pessoas que produzem conhecimentos, suas instalações sãomelhoradas e laboratórios são instalados etc. Leia-se que em alguns ca-sos, como na Europa, foram os Estados que tomaram a peito financiartudo isso; em outros casos alguns setores da sociedade, como nos EUA,perceberam o interesse desse aperfeiçoamento das condições de pes-quisa para si próprios. É o caso de grandes empresas que mantêm, juntoàs suas fábricas, o que denominam Casa dos Loucos, onde reúnem cien-tistas que nem sempre trabalhavam diretamente com o que as fábricasproduzem: dão-lhes autonomia para que, sabe-se lá, eles possam “in-ventar” alguma coisa que tenha alguma utilidade.

A instituição do prêmio Nobel faz parte desse quadro do reconheci-mento, pela sociedade, da importância da aquisição de conhecimento.Seu exemplo multiplicou-se e hoje, nos diferentes países, várias associ-ações, sociedades científicas e entidades estabeleceram láureas de na-turezas e origens variadas para premiar cientistas que se destacam porseus trabalhos.

Mas por onde começa a pesquisa? É óbvio que é a partir de algumproblema detectado pelos próprios pesquisadores ou por entidades queos alberga, sejam públicas sejam privadas. Vamos entrar um pouco nesseterreno.

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Para iniciar um projeto é necessário conhecer o objeto a ser pes-quisado e seus contornos. Nas ciências físicas e naturais e nas ciênciashumanas, os objetos fazem parte de uma realidade que precisa ser co-nhecida e que representa seus contornos/entornos. Então, num pri-meiro momento, é preciso realizar uma prospecção no campo/levan-tamento (pesquisa empírica), isto é, procurar estabelecer quais são ascondições reais de existência do(s) objeto(s) e quais as característicasreais de seu(s) entorno(s). Essa etapa inicial pode ser auxiliada pela pes-quisa em biblioteca.

Para conhecer o(s) objeto(s) real e seus contornos, as prospecçõesou levantamentos de campo (“surveys”) são fundamentais, constituema única maneira de obter respostas a questões importantes: como énosso objeto de pesquisa? do que é composto? Quais as circunstânciasde ocorrência? como é composto?

Hoje em dia há pelo menos duas maneiras de realizar uma prospecçãoou survey: a que chamamos artesanal e a institucional/organizacional(QUEIROZ NETO, 1993).

A prospecção artesanal apresenta dois aspectos fundamentais:primeiro obriga o contato direto do pesquisador com seu objeto depesquisa, permite a observação direta. Em segundo lugar, o principalfator produtivo é o uso do tempo do pesquisador. Isso tudo só aumentaa importância dos resultados.

Nessa maneira de pesquisar, as prospecções iniciais e sua continuida-de, a coleta de amostras, quando necessárias, as análises de laboratório,os trabalhos de gabinete, são da responsabilidade direta do pesquisador.Pode-se pensar na participação de outras pessoas como técnicos de labo-ratório e gabinete, especialistas em informática/teledetecção, estatísti-cos, técnicos de administração, desenhista (?), motorista, isto é, mesmoa pesquisa artesanal necessita hoje em dia de uma certa infra-estrutura.Desenhista? Sim, porque antes da era do computador, nem todos os pes-quisadores se chamavam Aziz Ab’Sáber ou João José Bigarella, excepcio-nais desenhistas.

Podemos chamar essa infra-estrutura e seu pessoal de assistentes,porque eles não fazem mais do que assistir, sob o comando direto dopesquisador.

Esse modo de trabalho pressupõe que o pesquisador participe detodas as etapas das investigações, desde as atividades de campo até as

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de gabinete ou laboratório, quando for o caso. É interessante observarque a pesquisa artesanal é uma etapa essencial, permitindo ao pesqui-sador o controle integral do conhecimento do(s) objeto(s). Essa manei-ra de trabalhar é fundamental, pois partindo de hipóteses iniciais con-sistentes, obriga o pesquisador a manter um diálogo constante com o(s)objeto(s) pesquisado(s). Mas, ao mesmo tempo, deve manter o espíritoaberto de tal modo que, com o impacto de novas idéias geradas no per-curso, as hipóteses possam ser reformuladas.

Na pesquisa instituciona/organizacional as atividades envolvem aparticipação de outras pessoas, cada qual exercendo uma tarefa especí-fica e pressupõem também a existência de infra-estrutura importante(salas, laboratórios, equipamentos etc.). Continuamos a falar de pros-pecção/survey da qual outras pessoas participam de alguma etapa dapesquisa, da obtenção e coleta de dados, das análises, do seu tratamen-to etc.: são técnicos como os citados anteriormente na pesquisa arte-sanal. Por exemplo, a boa capacitação de técnico de laboratório permitea obtenção de resultados de análise de primeira qualidade, essenciaispara a realização da boa pesquisa: mas o técnico é o responsável pelosresultados, inclusive sua interpretação. Um exemplo interessante é arealização de análise mineralógica por difração de raios X: o técnico dolaboratório responsabiliza-se pela interpretação dos difratogramas. Tam-bém são assistentes, porém com funções mais importantes do que sim-plesmente assistir, porque tornam-se também participantes de parte dasinterpretações dos resultados.

Os assistentes, apesar de estarem sob o comando do pesquisadorprincipal, apesar de auxiliarem para que os trabalhos sejam realizados damelhor forma possível e em menor espaço de tempo, quando for o caso,causam o afastamento do pesquisador de alguma etapa do conhecimen-to do seu objeto. A participação destes assistentes acaba afastando opesquisador de seu objeto de pesquisa, a relação deixa de ser diretaporque realizada através de uma pessoa interposta. Esta não tem ne-nhuma responsabilidade sobre a totalidade da pesquisa, apenas pela parteda qual participou.

Mas há também colaboradores que participam na pesquisa de corpoe alma: eles vão aparecer nos créditos, quando o trabalho é publicado. Ocolaborador tanto participa de pesquisa artesanal quanto institucional/organizacional. Participa de todas as etapas da pesquisa, discute com o

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pesquisador principal desde o planejamento até a elaboração das con-clusões. Na realidade, esse colaborador pode entrar em diferentes eta-pas da pesquisa, a chamado do pesquisador principal, colaborando/auxi-liando para que os trabalhos sejam realizados da melhor forma possível eem menor espaço de tempo, quando for o caso.

Alguns exemplos esclarecem melhor essas maneiras de pesquisar,como os dos sensores remotos.

Na prospecção, as fotografias aéreas podem substituir parcialmenteo contato direto do pesquisador com seu objeto. Trata-se de técnicasem controle efetivo deste, uma vez que quem determina o tipo defilme, o papel, a escala etc. não é ele. Ao mesmo tempo, é preciso lem-brar que as fotografias aéreas não substituem as observações diretas decampo. Elas permitem ver apenas e parcialmente o relevo (dependendoda escala), mas não reconhecem as rochas ou os solos e até mesmo asespécies vegetais. Reconhecem os telhados dos edifícios, as vias de cir-culação, porém não reconhecem plenamente suas identidades e fun-ções. Só a pesquisa de campo permite reconhecer na sua integralidadeos objetos registrados pelas fotos. É importante assinalar que a fotogra-fia aérea permite alcançar maior rapidez na obtenção dos resultados,sendo inclusive um auxiliar extremamente eficiente para os mapea-mentos. Sob esse aspecto, é interessante observar que a foto-interpre-tação é, ao mesmo tempo, um procedimento indutivo e dedutivo. Ape-sar da obtenção da fotografia aérea escapar do domínio do pesquisador,a foto-interpretação torna-se um excelente companheiro de trabalhoda pesquisa artesanal.

A comparação com as imagens satelitárias é interessante: suaobtenção escapa mais ainda do controle do pesquisador. As imagensobtidas representam registros de comprimentos de luz não visíveis edissociados, cada registro (canal) representando uma gama de com-primentos de onda. O pesquisador na identificação de seu objeto depesquisa passa por vários filtros que vão desde os equipamentos para aobtenção das imagens, que decidem os canais/comprimentos de onda aregistrar e chegam ao tratamento dos resultados obtidos. Tudo isso éfeito totalmente fora do controle do pesquisador. O papel do pesquisadorrestringe-se aos ensaios de reconhecimento de campo dos objetosregistrados pelos sensores, que só assim podem ser utilizados. O

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pesquisador perde o contato direto com seu objeto de pesquisa, quepassa a ser realizado através de vários intermediários.

GRADUAÇÃO, PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

A pós-graduação no Brasil foi instituída oficialmente em 1970, duran-te o regime militar. Veio no bojo de três estudos sobre a crise da univer-sidade brasileira para propor o que fazer no sentido de melhorá-la: o pro-jeto Atcon, pedagogo americano importado pelo MEC, o relatório MeiraMatos, produzido pelo então coronel de mesmo nome, relatório do acor-do MEC-Usaid, que dispensa maiores ou menores comentários.

De forma simplificada, os relatórios mostravam que haveria de serencarada a urgência da ampliação da capacidade das universidades emreceber estudantes, os “excedentes”, um dos estopins da crise. Seriapreciso transformar a entrada de uma pequena parcela, dita privilegia-da, para um recrutamento de massa, criando muitas vagas.

As autoridades reconheciam que havia algumas universidades queeram de excelente qualidade, principalmente pelo quadro de seus do-centes e instalações: elas deveriam ser mantidas. Para aumentar rapida-mente o número de vagas, propunha-se a ampliação/criação de novasunidades privadas de ensino, portanto implantando um sistema de uni-versidades de duas categorias: os centros de excelência, algumas uni-versidades públicas mais capacitadas e onde seria desenvolvida a pós-graduação, e as outras periféricas, que poderiam ser privadas ou públi-cas. Sistemas de bolsas de estudo seriam criados para possibilitar cana-lizar para as periféricas o excedente de estudantes.

Dessa forma, o MEC instituiu em 1970 o plano nacional da educaçãode nível superior, na realidade um sistema baseado naqueles estudosfeitos. O novo sistema foi implantado com grande sucesso, perdurandoaté agora: aos poucos emergiram grandes conglomerados de faculdades,mais tarde transformados em universidades. Mas o sistema ia mais longeporque obrigava as universidades a seguirem um novo padrão. Paraatender esse padrão, a USP fragmentou a Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras em uma dezena de institutos: Matemática, Física, Química,Pedagogia, Psicologia, Geociências, Biologia, ficando as Ciências Humanase as Letras na FFLCH atual, junto com a Geografia. As chamadas insti-tuições profissionalizantes (Medicina, Direito, Poli, Veterinária, Farmácia,Esalq etc.) não foram afetadas.

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Na pós-graduação o sistema implantado procurava seguir um modeloamericano, instituindo os dois níveis de mestrado e doutorado. O cursode pós-graduação deveria ser montado com um conjunto de disciplinasobrigatórias que acompanharia a dissertação de mestrado ou a tese dedoutoramento.

Apesar da presença de um coronel de plantão junto à reitoria, a USPseguiu apenas parcialmente o modelo. Na graduação não instituiu o ci-clo ou os cursos básicos (pensava-se que seria apenas a repetição doensino anterior) e na pós-graduação foi dada alguma liberdade para quecada departamento, instituto ou faculdade se organizasse.

Não se trata, aqui, de discutir esse modelo: é suficiente saber queele existe, norteando as linhas gerais da pós-graduação uspiana. Gosta-ria apenas de ressaltar a importância para o Brasil desse caminho, quepermitiu que em pouco mais de 30 anos o país se tornasse auto-suficien-te e autônomo na produção de quadros pós-graduados, como havíamosassinalado (QUEIROZ NETO, 1984). Além disso, dados da Capes indicamque cerca de 90% do conhecimento gerado anualmente no Brasil provémde trabalhos de pós-graduandos.

O Departamento de Geografia, assim como outras unidades da USP,tinha experiência nos concursos de doutoramento: faltava apenas omestrado. O pequeno colegiado da pós-graduação do Departamento daépoca decidiu que o eixo central da pós-graduação seria a pesquisa nosdois níveis. As disciplinas seriam de livre formulação pelos docentescredenciados, pensando que provavelmente representariam suas dire-ções de pesquisa. Essa decisão foi mantida até hoje, de tal forma que oconjunto de disciplinas ficou bastante desconexo desde o início. Outrasunidades e cursos de pós-graduação da própria USP seguiram outra ori-entação. Finalmente, foi mantida a norma anterior de que a inscriçãoseria realizada com a indicação do orientador pretendido, o que perduraaté agora. A grande novidade, instituída há relativamente pouco tempo,é a entrada de uma prova seletiva de língua estrangeira, como condiçãobásica para a admissão do estudante. Além de ser uma exigência esdrúxulaem si, hoje em dia face ao enorme avanço editorial brasileiro tornamo-nos bastante suficientes em textos básicos, o que não era verdade háanos atrás. Essa questão não tem sido devidamente discutida, não ape-nas na Geografia, mas em toda a USP.

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A Geografia teve condições de iniciar a pós-graduação de imediato,por ter no seu quadro o número mínimo de docentes doutores necessá-rios. Dois aspectos sofreram modificações com o passar dos anos. Até1970 não havia nenhum prazo para a realização do doutorado, o que deinício foi passado para os novos mestrado e doutorado. Aos poucos oMEC/Capes foi restringindo os prazos até chegar ao que é hoje. Essaausência de prazo era acompanhada pela ausência de limitação de vagaspor orientador. Assim, houve casos de orientador que chegava a ter, aomesmo tempo, mais de 20 estudantes, entre mestrandos e doutoran-dos, tal como Pasquale Petrone, muito requisitado pelos estudantes.Por exigência da Capes, a limitação de vagas por orientador foi sendoimplantada aos poucos até chegar ao que é hoje.

Esse histórico é necessário para mostrar que “está tudo como dan-tes na casa do Marques de Abrantes”, isto é, a pós-graduação é herdeiradireta de um modelo implantado em 1970, sem ter sofrido modificações.O modelo, hoje, só é discutido em relação a coisas menores, como oprazo. Há questões que permanecem sem nunca terem sido discutidas:esse modelo é bom ou mau? É o melhor ou é um atraso? Poderia haveralguma alternativa B?

Decidida a questão do conceito geral que presidiria a pós-graduaçãoda Geografia, que deveria ser construída em torno da pesquisa, era pre-ciso resolver o problema de definir o que seriam o mestrado e o douto-rado. Em relação ao doutorado, a questão parecia ser mais simples: ba-seado na experiência anterior, era consenso que a pesquisa teria de seroriginal e deveria demonstrar uma tese ou uma hipótese. Mais simples-mente, deveria representar algo novo, nova proposição teórica ou novoprincípio ou descoberta da natureza. E coerente com o principio geralda pós-graduação, o peso no cômputo geral de eventuais disciplinasdeveria ser pequeno.

E o mestrado? Pesquisa de que? É preciso lembrar que admitia-se naépoca que um trabalho de pesquisa bibliográfica poderia ser aceito comodissertação de mestrado mas não de doutoramento: isso poderia serimportante para as Letras, História, Ciências Sociais, Filosofia, as co-irmãs da Faculdade; porque não para a Geografia?

Mas o que diferenciaria o mestrado do doutorado? Seria uma questãode nível? Ou de dimensão? Ou de que? O que seria o nível ou a dimensãoda pesquisa de mestrado?

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Em primeiro lugar, era preciso saber para que serviria a pós-gradua-ção. Parecia claro que a formação do professor de Geografia do ensinofundamental e médio (os nomes eram outros) era de responsabilidadeda graduação: naquele tempo não havia outro caminho para os estudan-tes. A pós-graduação colocava-se em nível superior, deveria formar habi-litações para carreiras de pesquisa e docência universitária: era um ca-minho muito mais estreito, nossa sociedade não oferecia ainda grandeschances de atividade profissional para os geógrafos fora disso.

Por outro lado, havia a percepção que o estudante saía da gradua-ção sem conhecer as técnicas usuais de pesquisa. Por mais que tivés-semos instalado, por exemplo, disciplinas de orientação à pesquisa comcarga horária pesada, mais tarde de fotointerpretação e de técnicasde análise de solos, mas em caráter optativo, aquele desconhecimentoera real. Assim, tudo indicava que o mestrado, primeiro degrau da pós-graduação, deveria servir para que o estudante tivesse esse contatocom as técnicas de pesquisa. Basicamente, na dissertação o estudantedeveria mostrar não apenas conhecimento das técnicas e procedimen-tos de pesquisa, mas e principalmente como aplicá-las no reconheci-mento e definição de uma questão qualquer, fosse de Geografia Física,fosse de Humana.

Dessa maneira, isso permitiu diferenciar o mestrado do doutorado:aqui o estudante entraria no campo dos conceitos e teorias, procuran-do os caminhos para a demonstração de hipóteses bem fundamentadas.Como assinalamos acima, a pesquisa deve ter como característica funda-mental ser um trabalho original, quer dizer, que nunca havia sido feito,observado, estudado anteriormente.

Em linhas gerais a pós-graduação que temos é a que está aí. Boa oumá, acho importante assinalar que a distinção feita entre mestrado edoutorado nunca chegou a ser contestada: continua válida?

Em anos mais recentes nossos estudantes de graduação em Geografiareceberam mais uma tarefa: elaborar um TGI para poder diplomar-se. Issotrouxe alguns problemas dos quais, por exemplo, os orientadores de TGIhoje são os mesmos da pós-graduação: passam assim a dividir suas ativida-des no atendimento de pós-graduandos e pré-graduados. Isso tambémconcorreu para o alongamento do prazo do término da graduação.

Mas a introdução do TGI trouxe um problema basilar: trata-se de umtrabalho de pesquisa que entra em choque com a pós-graduação. Qual o

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nível da pesquisa? Qual seria a importância para o professor do ensinomédio e fundamental? Teria sido introduzido por terem os docentes per-cebido que aquela antiga disciplina Orientação à Pesquisa, tal como pro-posta em 1970, tinha sentido? Em outros termos, seria preciso, na gra-duação em Geografia, passar aos estudantes noções de como se proce-de para obter e analisar resultados?

TODA FÁBULA TEM UMA MORAL

1 Do fabulário exposto é possível tirar alguma máximas (ou míni-mas?):

• O conhecimento é conseqüência da prática da observação de fa-tos de qualquer natureza. Novas “descobertas” e novos caminhos advêmda acumulação de conhecimentos que, via de regra por associação deidéias, abrem novos caminhos para novos conhecimentos.

• Intuição é difícil de entender: como eu não acredito nem na maçãque caiu no cocoruto da sinagoga de Newton nem no estalo na cabeçado Padre Vieira aos pés do altar da Virgem, preciso explicar intuiçãodentro do processo de avanço do conhecimento. Newton teve a compa-nhia de um time considerável: Kepler, Galileu e outros. O conhecimentose acumulava, tudo levava para superar a física aristotélica e esse passofoi dado por Newton: ele não seguiu os cânones clássicos.

• Enfim, hoje em dia fala-se bastante na necessidade de padroniza-ção ou uniformização. Os exemplos de Newton e de Einstein são inte-ressantes: se eles não tivessem fugido da padronização e/ou uniformi-zação nós ainda estaríamos sob a égide da física aristotélica.

• Mas fala-se também na necessidade de padronizar as técnicas deanálise, para tornar os resultados comparativos com outros a fim de ge-neralizá-los. Mas são justamente os resultados que não conferem com asmédias que permitem o avanço do conhecimento. Mais uma vez voubuscar o exemplo de Newton: ele fugiu dos padrões imperantes.

2 Algumas questões que estão em aberto na Geografia:• Para que serve a pós-graduação?• O velho modelo de pós-graduação, em funcionamento na Geogra-

fia, ainda é bom?• O que diferencia mestrado de doutorado?• Em que nível (graduação ou pós-graduação) o conhecimento de

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técnicas e procedimentos de pesquisa pode ou deve ser implantado?• Finalmente, pesquisa artesanal ou organizacional/institucional na

formação do novo pesquisador?

TEXTOS ONDE HÁ DISCUSSÃO DESSAS QUESTÕES

QUEIROZ NETO, J. P. Pós-graduação no Brasil: implantação, cresci-mento e crise. Anais do 1º Encontro Nac. Pós-Grad. em Geografia, 1984,p. 26-33.

QUEIROZ NETO, J. P. A questão pedagógica e outras questões. Riode Janeiro, Anais 2º Encontro Nac. Pós Grad. em Geografia, 1986.

QUEIROZ NETO, J. P. Ensino na Universidade: um alerta. BoletimPaulista de Geografia. 1991, nº 70, p. 35-43.

QUEIROZ NETO, J. P. Os desafios da pesquisa: geografia dos ricos oudos pobres? In Novo mapa do mundo (org. M. A. Souza; M. Santos; F. C.Scarlato, M. Arroyo). S. Paulo, Hucitec e Ass. Nac. Pós-grad. Pesq. Planej.Urb. Reg., 1993, p. 36-41.

QUEIROZ NETO, J. P. Formação de pesquisadores nos países do 3ºMundo da América Latina. Boletim Paulista de Geografia, 1994, nº 73, p.17-34.

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MEMORIALISMO, RÓTULOS E COLONIALISMO:IMPRESSÕES SOBRE O I COLÓQUIO BRASILEIRO DEHISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO*

Breno Viotto Pedrosa**

O presente ensaio tem como objetivo avaliar alguns aspectos do IColóquio Brasileiro de História do Pensamento Geográfico, realizado naUniversidade Federal de Uberlândia, durante os dias 27 e 30 de abril de2008.

O Colóquio foi organizado para que houvesse mesas redondas ouconferências na parte da manhã e à noite. No período da tarde haveriagrupos de trabalhos organizados nos seguintes eixos: Geografia e Pen-samento Social Brasileiro, História da Geografia Escolar, Espaços Ins-titucionais do Saber Geográfico, Epistemologia e Historiografia do Pen-samento Geográfico, Matrizes do Pensamento Geográfico e Conceitos eTécnicas da Pesquisa Geográfica. Participei neste último grupo com umtrabalho intitulado “Paisagem, Técnica e Gênero de vida: reflexões so-bre a Geografia de Max Sorre” 1. De uma forma geral cada grupo contavacom cerca de oito ou nove trabalhos para serem discutidos em duastardes. No último dia de colóquio, após as discussões, cada coordenadorde mesa deveria preparar um relatório que seria apresentado oralmentea todos participantes.

Buscaremos, com base no que foi observado e na nossa experiênciade pesquisa nesse campo, apontar três problemáticas fundamentaismuito presentes em todo o transcurso do colóquio. São elas: (1) a ques-tão do memorialismo em geografia, (2) o problema dos rótulos e (3) opós-colonialismo. A primeira problemática se refere ao fato de que mui-

* Agradeço imensamente Perla Zusman, Ana Pereira, Aline Santos, Marina G. Henriques eRafael M. Pacchiega, que contribuíram para a formulação das reflexões apresentadasneste texto.

** Geógrafo pela Universidade de São Paulo. [email protected] Os anais do colóquio, bem como a programação completa, estão disponíveis no site http:/

/www.ig.ufu.br/coloquio/index.htm.

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tos geógrafos foram para o encontro contar suas histórias e isso me re-meteu a uma indagação maior no tocante à metodologia de pesquisa eaos procedimentos de coleta de tratamento de dados. O segundo temase refere aos rótulos e penso que devemos repensá-los, de um lado noque se refere aos seus conteúdos e em outro aos seus recortes ouperiodizações. E finalmente apresentarei a questão do colonialismo in-telectual e o debate acerca das contribuições que as geografias pós-coloniais poderiam eventualmente nos oferecer.

A QUESTÃO DO MEMORIALISMO EM GEOGRAFIA

Em diversos momentos de minha curta jornada de pesquisa na áreade história do pensamento geográfico, me haviam contado que uma fasememorialista da história da geografia brasileira havia terminado. Ou seja,a história contada através dos relatos das histórias vividas de algunsintelectuais havia se acabado. Entretanto, ao ir para Uberlândia, pensoque não foi isso que pude avaliar. Uma série de mesas contou com aexposição memorialista de alguns geógrafos, que nos contaram o pro-cesso de consolidação de determinados aportes teóricos e metodológicosda geografia, seja ela neopositivista ou humanística.

Nos contaram quais eram as relações da geografia brasileira com ageografia feita em outros países, suas experiências profissionais, quantose quais eram seus orientandos, onde estavam atualmente, suas dificul-dades e angústias frente a todo tipo de preconceito e resistência dageografia dita tradicional e seu status quo com os pés bem cravados nasbases burocráticas e institucionais da academia.

Como bem nos apontou Manoel Fernandes Sousa Neto, no eventode encerramento do colóquio, atualmente existe uma tendência, ou umprojeto para que se faça uma sociologia do conhecimento e da ciência,antes, depois e durante sua institucionalização ou seu abandono. O queobviamente representa um brutal enriquecimento e ampliação do esco-po de estudo no campo da história do pensamento geográfico. Alémdisso, sua perspectiva inovadora nos oferta um maior arsenal de refe-rências bibliográficas e autores que vão da história da ciência no Brasil,até aqueles que escrevem sobre filosofia da ciência. Porém, como res-saltamos anteriormente o testemunho dos diversos geógrafos ainda per-sistiram fortemente durante todo o encontro. Então, o que fazer comestes relatos?

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Nossa proposição diante desse fato é a utilização desse tipo detestemunho como documento histórico de investigação dos percalçosde nossa disciplina. Devemos encará-las como se fossem uma espéciede fonte primária, salvo as devidas proporções. Ou seja, não podemser a única fonte de pesquisa, devemos atentar para o anacronismo enão poderemos ser unilaterais quanto às considerações feitas atravésdos relatos.

Aliás, cremos que o desperdício da publicação de tais conferênciasnos faz refletir que talvez a geografia brasileira careça de alguma obra quese refira à documentação, aos procedimentos e às teorias sobre sua pró-pria história. No que diz respeito à metodologia, penso que a troca deexperiências com colegas durante o colóquio foi muito rica, principalmen-te no tocante aos processos de pesquisa, já que havia grande diversidadedo ponto de vista dos procedimentos e no tocante a esboços de teorização.Tal debate poderia evitar que a história do pensamento se torne indepen-dente da geografia, além de exigir considerações sobre a relação entregeografia histórica e história da geografia.

Manoel Fernandes de Sousa Neto, também no referido encerramen-to, propõe uma certa divisão no campo da história da geografia: de umlado teríamos estudos sobre os movimentos epistemológicos da geogra-fia e de outro teríamos a história das instituições e dos usos sociais dageografia. Os dois campos propostos não poderiam abrir mão de umacerta visão sociológica, seja através de figuras mais iconoclastas que sedestacam frente à produção do conhecimento geográfico, ou seja, pormeio dos grupos que consolidam uma espécie de agenda de pesquisa emconjunto. Entretanto, penso que mesmo dessa perspectiva a históriado pensamento geográfico não pode abrir mão de sua metodologia geo-gráfica, como por exemplo, trabalhos de campo, entrevistas, levanta-mento de documentação etc. Muito menos de seus conceitos próprios,como território, região, paisagem, técnica etc. Pois uma exacerbaçãode alguns procedimentos próprios da História pode fazer com que nós,geógrafos, nos tornemos historiadores incompletos e que o campo dehistória do pensamento geográfico produza uma série de estudos desco-lados do corpo principal da sua disciplina matriz.

Em suma, o que vem sendo chamado de história do pensamentogeográfico não pode ser reduzido na história da formação territorial bra-sileira, ou em uma história das instituições, pois os movimentos epis-

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temológicos têm fundamental importância para compreendermos a geo-grafia que fazemos hoje. E ao dizer isso, não quero fazer apologia a umaespecialização nas idéias dos outros, nem à criação do geógrafo especi-alista em método. O projeto que me parece fundamental é oferecer atodos um material que permita a percepção de uma dimensão históricada disciplina, que relacione a história da ciência e de seus usos sociais,muitas vezes obscurecidos pelo tempo e pela falta de memória dos bra-sileiros. E para isso o que importa é a relevância dos temas tout court enão a simples exaustão de apenas uma frente de pesquisa.

Concordamos que a história da geografia e a geografia histórica seimbricam, mas têm suas diferenças e particularidades. Nos remontamosaqui às reflexões feitas por Carl Sauer, em seu texto “Foreword to historicalgeography”2, um texto antigo, porém essencial nesse debate. No ditoartigo, Sauer nos mostra sua concepção de que é possível se utilizar dométodo geográfico para reconstituir e analisar uma paisagem ou região dopassado. Teríamos então uma tentativa de síntese geográfica de uma re-gião em um momento passado. Por mais abrangente que hoje em dia sejaa formulação do termo de “pensamento geográfico”, é evidente que es-sas diferenciações entre história da geografia e geografia histórica aindase fazem necessárias.

No tocante a uma produção específica da história da geografia bra-sileira, após o processo de fundação da geografia na Universidade deSão Paulo, sabemos que existem algumas lacunas3 no que se refere aalguns geógrafos ou momentos-chave de transformação dos processosde produção do conhecimento. E de fato o que preenche essas lacunassão justamente os relatos memorialistas de alguns geógrafos que não seimportam de contar suas histórias. A conseqüência dessas lacunas denossa história é uma falta de esclarecimento, nos cursos de graduação,acerca da geografia no Brasil e suas atuais perspectivas. Se pensarmos

2 Carl Sauer, em seu texto “Foreword to historical geography”, Annals, Assoc. Amer.Geogr., v. 31, p. 1-24, 1941.

3 No entanto, não podemos nos esquecer dos avanços teóricos e empíricos que surgiram nocampo da história do pensamento geográfico desde a década de 1980, no núcleo depesquisadores aglutinados no periódico Terra Brasilis e em um eixo de debate ao redor dahistória do pensamento geográfico. Talvez durante o colóquio as reflexões feitas por essespesquisadores foram contempladas apenas parcialmente ou de maneira muito tênue.

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em obras de síntese, os grandes manuais de história do pensamentogeográfico vêm de fora do país, e apesar de alguns esforços não existemuito mais do que algumas traduções ou resumos que têm sua resoluçãoanalítica turvada. Se nós não seguirmos a frase do velho filósofo, conhe-ce a ti mesmo, estaremos fadados a descobrir a roda todo ano, ou seja,faremos incessantemente o trabalho de Sísifo e nos depararemos comidéias antigas travestidas de novas.

Portanto, se ninguém se dedica a estudar as especificidades de al-guns grupos de pesquisa ou a obra de geógrafos eminentes, estaremospara sempre condenados aos rótulos cochos. Por exemplo, Ary França uti-liza em parte significativa de sua obra o pensamento do geógrafo francêsMax. Sorre. Um pensamento simplista nos levaria a concluir que Françaapenas reproduziu Sorre, aceitando os postulados de sua geografia semavançar ou retroceder, se dedicando a estudos de caso. Esse mesmo pen-samento simplista ainda classificaria a geografia de Max. Sorre comopositivista, organicista, despolitizada e ultrapassada. Já um pensamentoinvestigativo e sério busca os autores em sua especificidade para fazeruma síntese competente da totalidade do movimento histórico. Buscaainda averiguar até que ponto o pensamento de Sorre foi uma inspiração,um terreno fértil, que permitiu o florescimento de uma geografia originalpara além dos estereótipos. Escolher autores ou grupos de pensadoresmuito importantes que repercutiram largamente na geografia, nos enca-minha a uma melhor compreensão do “espírito da época” e conseqüente-mente uma melhor síntese da história da disciplina. Como aponta DavidLivingstone4 existe a forte presença de uma micro-história no pensamen-to geográfico de uma forma geral, e esta micro-história às vezes esclarecesobre pontos de menor pertinência e abrangência. Passaremos então paranosso próximo problema, o dos rótulos.

OS RÓTULOS

O colóquio realizado em Uberlândia foi organizado de modo a existiruma mesa para cada uma das abordagens em geografia, ou seja, umamesa seria dedicada à abertura do evento, em seguida uma para geogra-fia neopositivista, uma para geografia física, uma para a fenomenologia

4 LIVINGSTONE, David. “The Geographical Tradition”. Oxford: Blackwell Publishers, 1992.

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e outra para a geografia crítica. A idéia inicial é que se explanasse sobreas perspectivas, sendo que, no título de algumas das mesas as reflexõesdeveriam girar em torno do Brasil. Certamente que os organizadores doevento tiveram uma boa intenção ao dividir as mesas assim, entretanto,pudemos notar que algumas pessoas trataram essas divisões – o termomais adequado deveria ser periodizações – de maneira rígida e linear, oque pode significar um empobrecimento.

Em certa altura do evento, tivemos uma mesa e alguns grupos detrabalho que falaram sobre a geografia tradicional. Alguns dessesgeógrafos, analisando os postulados do positivismo, concluíram que ageografia francesa tinha uma fonte eminentemente nessa linha de pen-samento, sem nenhuma ligação com o historicismo, que por sua vez temorigem no romantismo alemão. Ora, para uma análise mais acurada nãopodemos generalizar. Além disso, como discutir o momento delicado deafirmação da fundação da geografia francesa, sem se referir à antológicaquerela entre a morfologia social e a geografia? Morfologia esta, provin-da da sociologia francesa que como seu mestre Durkheim era positivista.Se ambos eram positivistas, qual seria o motivo de tanta discórdia? Seráapenas a disputa por um campo de estudo?

Independentemente disso, um dos temas da agenda de pesquisa so-bre a história do pensamento geográfico deveria se dedicar em repensaresse rótulo que condensa e homogeneíza mais de 70 anos de produção deconhecimento geográfico em uma pasta amorfa de trabalhos e geógrafos,ligados às palavras, positivismo, empirismo, descrição, geografia setoriale inércia. Como colocar em um mesmo grupo, geógrafos como Ratzel eMackinder, ou então Carl Sauer e A. Demangeon. Suas geografias se tocamem alguns pontos, mas são completamente opostas em outros. Essesgeógrafos não responderam às demandas sociais de suas épocas? O queaconteceu com as velhas escolas nacionais? Como sabemos há muito tem-po elas não existem mais, porém não seria proveitoso que a geografiabrasileira partisse dessas divisões espaço-temporais para pensar algumasmatrizes do pensamento geográfico? Por exemplo, é inegável que a idéiade geografia como diferenciação de áreas, surgiu do pensamento kantiano,principalmente na Alemanha. Talvez essa idéia das escolas ainda nos valhaalguma coisa para estudar a história de nossa disciplina e repensar o rótu-lo estéril de “geografia tradicional”. Ou talvez seja mais proveitoso pen-sar em uma nova periodização para esses anos de edificação da geografia.

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O que não pode é permanecer apenas a geografia tradicional seguido daspalavrinhas, sendo que o mais engraçado é que dessa massa amorfa degente ultrapassada só se salvam os heróis de uma revolução que aconte-cerá em um futuro distante, como um Eric Dardel ou um Élisée Reclus. Nãoqueremos que haja uma revalorização ou uma retomada, no sentido es-treito do termo, mas sim que possamos ver com mais cuidado tudo o quese passou. Só um grande domínio do passado nos permitirá não cair oucriar novas armadilhas. Portanto esse período é essencial para uma geo-grafia consciente de si.

Passemos então para outra fase do desenvolvimento da geografia.Saí do colóquio com a impressão de que houve a geografia tradicional -de que já falamos - depois a nova geografia, mas daí veio a geografiacrítica, que criticava tudo isto; depois veio a geografia humanística ehoje em dia, após muitos tiros trocados nas trincheiras da disputa poruma certa hegemonia, todo mundo conversa “numa boa”. O que não foidito é que aconteceu tudo junto ao mesmo tempo e que ao invés deuma história estanque temos uma dinâmica onde um rótulo desembocano outro, em um movimento confuso cheio de avanços, recuos e desen-volvimentos paralelos. E o que talvez não se tenha refletido é: será queapenas esses três tipos de geografia servem para pensar a produção ge-ográfica brasileira atualmente? Não são rótulos “estrangeiros”?

Foi muito curioso que esporadicamente surgiam algumas explicaçõesnos moldes de Kuhn onde, como numa apresentação de dança, os diver-sos paradigmas entravam e saíam da luz dos holofotes e não existia nadamais na penumbra. Não foi dito, por exemplo, que no período da novageografia, geógrafos como Carl Sauer, Max. Sorre, Pierre Monbeig e atémesmo Richard Hartshorne tinham posições claras sobre a quantificaçãoem geografia e já indicavam as distorções dos exageros na utilização detécnicas matemáticas e estatísticas.

O que não podemos esquecer, e que certamente descarta completa-mente a idéia dos rótulos, é que no Brasil muitos dos geógrafos quan-titativistas se tornaram geógrafos críticos. Mesmo alguns daqueles quese enquadrariam na famigerada classe dos tradicionais se tornaram críti-cos. De modo desafiador, os mais diversos geógrafos brasileiros trespas-sam as divisões dos rótulos, ora assumindo uma etiqueta de cientistados números, ora usufruindo a etiqueta de revolucionário contra umregime opressor. E essa história linear por rótulos dá conta de explicar

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essa geração de grandes modificações e trocas? Penso que não. Talvez,esse esquema de rótulos explique somente algum tipo de disputa ideo-lógica de maneira simplificada.

O que se faz necessário é uma nova periodização da geografia brasi-leira, e como foi apontado no último dia, não podemos tratar a históriada geografia nacional como um capítulo de outras geografias, do centrodo sistema. Apesar disso, é inegável, por exemplo, que várias tendênci-as da geografia vieram impostas de fora. O que importa é como a geogra-fia mundial reverberou na geografia brasileira e se ela deu margem parainovação e a criação de projetos científicos independentes. Agora, oque temos que atentar é que talvez nos falte uma periodização maisacurada. Um fato que marca essa problemática é que em uma das mesasalguém perguntou sobre o período da nova geografia no Brasil e os inte-grantes não apresentaram um consenso, seja no tocante ao intervalo detempo, seja no que diz respeito aos acontecimentos que eventualmen-te poderiam marcar um ganho ou perda de evidência científica.

Nesse contexto, os vetores que vêm de fora, e que por vezes aca-bam sufocando a produção científica interna, podem ser um tema im-portante. Outro tema que poderia ser de grande importância – e de cer-ta forma ligado ao anterior - é o problema do “atraso” na renovaçãoteórica. É interessante também se pensar em alguns artifícios e peripé-cias que podem eventualmente amenizar esse atraso e facilitar o pro-cesso de “colonização” intelectual. Ou seja, quando uma teoria ou novaperspectiva é lançada no centro do sistema, pode ser que demore umtempo para chegar na periferia. E com isto, chegamos ao nosso últimoassunto, as geografias pós-coloniais.

O PÓS-COLONIALISMO

Novamente, no último dia do colóquio, na mesa sobre a geografiacrítica, nos foi chamada atenção para a importância dos estudos pós-coloniais. Os autores que compõem esse grupo de estudos pós-coloniaisformam sua unidade somente por alguns temas que os unem, pois comofoi dito na mesa, estes pensadores recorrem a arranjos metodológicosque combinam uma heterodoxia de fontes. Além disso, o que algunsdesses pensadores têm em comum é uma série de abandonos: abandonoda idéia de totalidade, do cientificismo, e da idéia de lei. A nova leiagora é que existe um certo relativismo doce, entre os povos, ou entre

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os oprimidos e opressores, entre centro e periferia. O conhecimento éum produto social e não existem mais certos ou errados, ou seja, o co-nhecimento se torna uma prática social que deve ser discutida. A totali-dade, por sua vez, é posta de lado devido à dificuldade de se pensar omundo contemporâneo “complexo”. Sendo assim, existe um processode colonização e ocidentalização dos povos através do conhecimento.Após a exposição dessas idéias o debate se centrou na questão da colo-nização do conhecimento, na possibilidade real de sermos cientistascolonizados pelo que vem de fora e nos pressupostos pós-coloniais comouma possível oferta de emancipação.

No entanto, antes de prosseguir, é interessante notar que o temado imperialismo e os estudos pós-coloniais, de uma forma geral, são aponta de lança da agenda de pesquisa da geografia em todo mundo anglo-saxão. Isso se torna evidente ao folhear uma obra de síntese de umprojeto maior de pesquisa como a organizada por James Duncan, “ACompanion to Cultural Geography”5. Seria interessante até mesmo umareflexão de por que o centro do sistema está interessado no imperialis-mo cultural. No tocante aos precursores desses estudos subalternos,cabe ressaltar que um intelectual como Edward Said, palestino de nasci-mento, teve parte significativa de sua formação fora de sua terra natal.Cursou escola preparatória em Massachusetts, nos EUA, foi estudar nauniversidade de Princeton e ainda fez pós-doutorado em Havard. É inte-ressante ressaltar também que o estudo pioneiro e célebre Orientalismo,de 1978, vai se tornar vedete da geografia muito tempo depois de seulançamento. Penso que essa obra célebre dispensa apresentações. Va-mos então acompanhar o desenvolvimento de uma das obras de HomiBhabha, um outro autor do grupo o qual estamos nos referindo.

Homi Bhabha gasta uma boa parte da introdução do seu livro “O localda cultura”6 para agradecer a seus colegas, todos professores ou estu-dantes de universidades bem distantes da Índia, sua terra natal. Vamostangenciar um pouco mais essa sua obra. Em “O local da cultura” Bhabhaescolhe um arranjo metodológico que beira a incoerência e dificulta muito

5 James Duncan, Nuala Johnson, Richard Schein “A Companion to Cultural Geography” s. l.:Blackwell Publishing, 2005 (2004).

6 BHABHA, Homi. “O local da cultura”. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998 (1994).

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a compreensão. O autor trata principalmente do caso da Índia (seu nacio-nalismo, sua colonização), do processo de opressão dos negros dos EUAe por vezes aborda casos nos países árabes. Através de obras literárias,Bhabha tenta esclarecer quais são as táticas, os processos e o choqueentre as culturas do primeiro mundo e do terceiro mundo. Nesse senti-do analisa a formação da nação, o mimetismo cultural, as trocas culturaise o processo subversivo de assimilação de ambas as partes, o que geral-mente ocasiona conflitos explícitos ou velados (caso dos hindus vedasque absorvem a filosofia do cristianismo sem se submeterem à igreja ouserem batizados). A obra segue abordando os temas da associação dedeterminadas idéias a determinados grupos, estereótipos, o nonsensecultural e a repulsa dos colonizadores. O estudo se pauta na obra deFreud e Lacan, utilizando a psicanálise e a teoria literária na óptica daobra de F. Fanon, para compreender quais são as relações culturais exis-tentes em dominador e dominado. Como vimos, durante seu texto tor-tuoso e labiríntico, nos deparamos a cada passo com reflexões de críti-cos literários sobre poetas norte-americanos desconhecidos, considera-ções sobre eventos pouco discutidos sobre a história da Índia, para citaralgumas das complicações dessa obra complexa. Aliás, às vezes fica difí-cil saber o que é mais complexo, a realidade ou o arranjo metodológicoescolhido para a análise de Bhabha.

Não se pode dizer isso de todas as geografias pós-coloniais, porém,por vezes se tem a impressão de que este tipo de conhecimento queantes era subversivo e crítico passou por um processo de domesticaçãoe se tornou um transviado comportado. Esse processo de elaboração,feito quando o centro do sistema absorve alguma insurgência cultural émuito comum, e o que ocorre de praxe é se colocar os rebeldes comomercadoria nas prateleiras nos supermercados de todo o mundo. O fatoé que, apesar desses intelectuais falarem sobre a periferia, alguns o fa-zem confortavelmente do centro.

Independentemente desse fato, no final das contas, o que temossão temas. Temos uma tentativa de nos enxergarmos através dos olhosdos colonizadores e tentarmos identificar todas as atrocidades come-tidas. Acho que já sabíamos disso, antes de estourarem as geografiaspós-coloniais. Já sabíamos, por exemplo, que os modelos interpretativosda periferia não são aceitos no centro do sistema e que algumas tenta-tivas de alçar vôos independentes foram boicotadas. Sabemos também

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todos os problemas que acarretam substituir o objeto e a atualizaçãodas categorias geográficas por temas (vide Pierre George, “Os métodosda geografia”7). Será que ao observar o colonialismo nos moldes pós-coloniais não correremos o risco de vê-lo como um fenômeno isolado edistante de uma dinâmica mais ampla? Ao observar somente as relaçõespolíticas e culturais do colonialismo não se poderia “desmaterializar” asrelações como já nos apontou Boaventura Santos8? O imperialismo atual-mente se manifesta nos moldes coloniais do passado? Qual o papel daciência e da técnica no novo imperialismo? Certamente é central.

Por esses motivos e por outros é que não podemos jogar fora a idéiade totalidade, pois somente ela nos permitirá apreender o movimentomais geral da história e compreender, através de uma visão conjunturalas diferentes formações sócio-espaciais. Essa totalidade não seriam todasas coisas do mundo, somente as mais importantes, ou seja, as variáveisestratégicas que abrangem a dinâmica de grande parte dos lugares. Comtoda certeza o imperialismo cultural, vinculado diretamente com o impe-rialismo econômico, é uma dessas características estratégicas. Certa-mente, com a imposição de um “mundo complexo” temos uma maiordificuldade de identificar as categorias estratégicas, o que não significaque não devamos tentar. As obras desses autores são de fato importantese inovadoras, mas o mimetismo não tem razão de ser, já que temosriquezas nacionais ainda não “exploradas” no que tange à ciênciageográfica.

Dentro do debate da descolonização do conhecimento se faz ne-cessário discutir seriamente o período da geografia crítica, e mais preci-samente os fins do século XX. Nesse período um jogo de força entreinterno e externo se intensifica e a história da geografia brasileira conhe-ce fenômenos dantes inexistentes. Talvez esse seja o período de efer-vescência em que surgiram várias correntes independentes, ou que con-seguiram construir um projeto autônomo para o Brasil. A incógnita dessefim de século teve por conseqüência, durante todo o colóquio, a falta

7 GEORGE, Pierre. “Métodos da geografia” São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.8 SANTOS, Boaventura de Sousa. “Do pós-moderno ao pós-colonial e para além de um e de

outro”. Conferência de abertura do VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais,realizado em Coimbra, de 16 a 18 de Setembro de 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial.pdf>, acessado 18 de junho de 2008.

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BRENO VIOTTO PEDROSA

de um real balanço da geografia brasileira hoje. Quais suas tendências,seus grupos, para onde se dirige sua produção, qual sua inserção em umprojeto nacional? Onde se inserem as produções baseadas no pós-mo-dernismo, ou o grupo de pesquisadores aglutinados ao redor de grandesmestres como Milton Santos ou Aziz Ab’Sáber? Aliás, se falou muito so-bre a descolonização-colonização do conhecimento científico, mas nãose tratou dos motivos pelos quais alguns dos geógrafos críticos ou mar-xistas tiveram, sistematicamente, sua entrada recusada no departamentode geografia da Universidade de São Paulo. Não podemos substituir areal compreensão de uma história recente por soluções miraculosas.

Sabemos que a geografia crítica se institucionalizou. Ou seja, a par-tir da mitológica “revolução” de 1978 (sic) ela conseguiu fincar os pés naacademia. Entretanto, o que aconteceu com os movimentos políticosdentro da disciplina? Será que a falta de um objetivo claro – a derrubadada ditadura – desarticulou a luta pela democratização ou pela mudançasocial? O que aconteceu com toda a relativa liberdade acadêmica daque-le período? Onde estão os textos clássicos daqueles geógrafos? Às vezesé difícil de encontrá-los nas bibliotecas ou nas bibliografias dos cursosem que tive a oportunidade de acompanhar. Cabe finalmente perguntarse não existe uma colonização e uma ossificação da estrutura acadêmi-ca, fruto do temor de que novas revoluções venham dar voz àqueles queestão na margem.

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INSTRUÇÕES E NORMAS PARA ELABORAÇÃO DEORIGINAIS

O BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA publica trabalhos de pesquisaoriginais e inéditos, de preferência escritos em português, sobre as-suntos de interesse científico e geográfico, sejam ou não autores mem-bros da Associação dos Geógrafos Brasileiros, e obedecidas as seguintesnormas:

1 O BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA publica artigos científicoscom até 65.000 caracteres (sem contar os espaços), notas que apresentamresultados preliminares de pesquisas, comunicações curtas ou outraspequenas contribuições informativas com até 32.000 caracteres e re-senhas bibliográficas com até 10.000 caracteres.

2 O trabalho deve ser enviado em disquete (Word for Windows oucompatível) juntamente com cópia impressa, os quais devem seguir oseguinte roteiro: I) papel A4, margens 2,2 cm cada, fonte Times NewRoman, corpo 12 e espaçamento duplo; II) na primeira folha constarapenas: título do trabalho, nome do(s) autor(es), endereço, telefone(s),endereço eletrônico, atividade profissional e instituição a que estávinculado; III) iniciar o texto na segunda folha repetindo apenas o títulodo trabalho.

3 Os artigos dvem apresentar em português e em uma línguaestrangeira (inglês ou francês): título, resumo (máximo 700 caracteres)e palavras-chave (máximo de cinco). Os resumos e as palavras-chave de-vem ser incluídos no início do trabalho (folha 2), logo após o título.

4 As ilustrações (mapas, desenhos, gráficos, fotografia em preto ebranco etc.) devem constar com a denominação “figura” e ser numeradoscom algarismos arábicos tanto no corpo do texto como na legenda. Osoriginais das ilustrações e tabelas (papel e arquivo) com os respectivostítulos e legendas devem ser enviados separados do texto em papelvegetal ou em papel branco e ter dimensões máxima de 11 x 17 cm. Não

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PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZserão aceitas cópias xerográficas. Indicar no texto a posição de inserçãodas ilustrações e tabelas.

5 Solicitamos a seguinte forma para a bibliografia:BIONDI, J. C. Kimberlitos. In: CONGRESSO BRAS. GEOLOGIA. 32. Sal-

vador, 1982. Anais... Salvador: SBG, 1982. v.2, p. 452-464.LACOSTE, A.; SALANON, R. Biogeografia. 2. ed. Barcelona: Dikos/

Tau, S.A. Ediciones, 1973. 271 p.SÃO PAULO, Instituto Geográfico e Geológico. Mapa Geológico do

Estado de São Paulo - escala 1:1.000.000. São Paulo: Secretaria da Agri-cultura, 1975.

SCARIN, Paulo Cesar. Crítica à apologia dos objetos. In: Geousp, Es-paço e Tempo. revista de pós-graduação do Departamento de Geografia,FFLCH-USP São Paulo, n. 5, p. 57-60. 1999.

Isto permite a referência bibliográfica e a indicação da fonte decitação ao longo do texto, na seguinte forma: (BIONDI, 1982, p. 457) ou(LACOSTE; SALONON, 1973, p. 86).

6 Os trabalhos para publicação deverão ser remetidos à:

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS - Seção São PauloA/C Coordenação de Publicações - Boletim Paulista de Geografia. Caixa

Postal 64.525 – CEP 05402-970, ou pelo e-mail [email protected].

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PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ

Impresso porXamã VM Editora e Gráfica Ltda.Rua Itaoca, 130 - Chácara InglesaCEP 04140-090 - São Paulo (SP) - BrasilTel.: (011) 5072-4872 Tel./Fax: (011) 2276-0895www.xamaeditora.com.br [email protected]

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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

A AGB tem por objetivo:• Promover o desenvolvimento da Geografia, pesquisando e divulgando

assuntos geográficos, principalmente brasileiros;• Estimular o estudo e o ensino da Geografia, propondo medidas para o seu

aperfeiçoamento;• Promover e manter publicações de interesse geográfico, periódicas ou não;• Manter intercâmbio e colaboração com outras entidades dedicadas à

pesquisa geográfica ou de interesse correlato, ou ainda à sua aplicação,visando ao conhecimento da realidade brasileira;

• Organizar e manter atualizado um cadastro de seus associados, com seuscurrículos e realizações no âmbito da ciência geográfica;

• Propugnar pela maior compreensão e mais estrita colaboração com osprofissionais e estudantes de disciplinas afins;

• Analisar atos dos setores públicos ou privados que interessam e envolvama ciência geográfica, os geógrafos e as instituições de ensino e pesquisade Geografia, e manifestar-se a respeito;

• Congregar os geógrafos, professores, estudantes de Geografia e demaisinteressados, para defesa e prestígio da classe e da profissão;

• Promover encontros, congressos, exposições, conferências, simpósios,cursos e debates, bem como o intercâmbio profissional, mantendo contatocom entidades congêneres e afins, no Brasil e no exterior, de modo afavorecer a troca de observações e experiências entre seus associados;

• Representar o pensamento de seus sócios junto aos poderes públicos e àsentidades de classe, culturais ou técnicas.

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