bonina - revelando mistÉrios

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A história da brasileira mais inteligente do mundo."Assim como o oxigênio é alento para o corpo físico, ler, é alimento que vivifica a alma".O autor

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O autorAssim como o oxigênio é alento para o corpo físico, ler, é alimento que vivifica a alma.

BONINAA BRASILEIRINHA MAIS INTELIGENTE DO MUNDO

Revelando Mistérios

Índices para Catálogo Sistemático.

1 – Literatura infanto-juvenil.2 – Literatura juvenil.

ISBN: 978-85-98630-08-3

Pereira, Jeovane, 1968 –Bonina – Revelando Mistérios/Jeovane Pereira. 2 ediçãoRolim de Moura: Dpress Editora Gráfica Ltda. – Publicação independente.1 – Literatura infanto-juvenil.

CATÁLOGO INTERNACIONAL DA PUBLICAÇÃO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de setembro de 1998.Todos os direitos reservados ao autor.

JEOVANE PEREIRA

2ª EDIÇÃO

A BRASILEIRINHA MAIS INTELIGENTE DO MUNDOBONINBONINBONINBONINBONINAAAAARRRRReeeeevvvvvelando Mistérioselando Mistérioselando Mistérioselando Mistérioselando Mistérios

Agradeço em especial ao jornalista Daniel Oliveira da Paixão,que foi responsável pela publicação da edição deste livro na versãoeletrônica.

AGRADECIMENTOS

"Quem mente rouba, é ladrão e é o cão! Não é paizinho?"Ao bom entendedor, com o ensinamento acima, é possível descobrir

o valor da virtude e que minha família desempenha na criação de suasproles. Quando criança eu me habituei ouvir esse princípio de outrogarotinho, que aprendeu com meu avô. No mês de julho do ano 2006, emUberlândia, no estado de Minas Gerais, uma fatalidade ceifou a vida deValdemar Aires Filho, aquele menino que foi meu companheiro everdadeiro amigo, nos momentos mais felizes da minha infância ejuventude. Para os íntimos, carinhosamente o chamávamos de "Demar".É em memória a esse meu tio que, especialmente, homenageio com adedicatória desta obra literária.

O Demar tem minha idade! Porque nas minhas lembranças elevive e viverá eternamente.

Dedico este livro para meus filhosRafael, Douglas, Juliana, Paola, e por meiodeles, que esta homenagem se estenda a todasas crianças e jovens do mundo;

Para meus pais Joaquim Alves eJecilda Pereira, juntamente com meus irmãosJeová, Sandra, Silvia, Cristiane, e atravésdeles, para meus familiares em vida e aos quejá "partiram".

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................... 11

INTRODUÇÃO.........................................................................13

CAPÍTULO ISALVA MILAGROSAMENTE...................................................15

CAPÍTULO IICONHECENDO O MUNDO AMAZÔNICO.............................27

CAPÍTULO IIIENCANTANDO-SE COM O PANTANAL................................45

CAPÍTULO IVPRIMEIRA VIAGEM AO EXTERIOR.......................................61

CAPÍTULO VMARAVILHANDO-SE COM O NORDESTE BRASILEIRO.. 77

CAPÍTULO VIENCONTRANDO ALGO MUITO VALIOSO...........................93

BIOGRAFIA.............................................................................105

O que conheço do autor e sua obra, tenho a dizer: o escritorJeovane Pereira é um homem simples. Não é dotado de qualquerdom especial que lhe credencie o tratamento "Admirável" ou algumoutro título pomposo. Possui sim, uma intuição doce e aguçada;um forte desejo de despertar o sublime do ser humano que existeem cada pessoa. Essas são duas das suas qualidades facilmenteperceptíveis, através de seus escritos.

Neste seu livro, a ficção funde-se com a realidade e liberta,conduz o leitor ao mundo inimaginável: onde os humanos, simplesmortais, são dotados de infinita capacidade de absorverconhecimento.

Bonina, a personagem central deste livro, quando recémnascida foi abandonada numa cesta de lixo; criada no orfanatoaprendeu cedo, com sua ama-de-leite, a despertar a curiosidadee desenvolver o raciocínio. A garota Bonina é igual a qualquercriança, porém, algo a torna especial; esse diferencial faz dapersonagem principal uma garotinha extraordinária. Além disso,a leitura deste livro não se restringe ao requisito da faixa etária e édesnecessário o nível cultural. É para os leitores crianças, jovense adultos.

Esta é uma obra literária recomendada para todas asfamílias. "Um convite para uma viagem fascinante!" Assim podeser definido este livro em poucas palavras. Acrescentar mais umingrediente de estimulo nesta apresentação, é o mesmo queseparar o leitor dos encantos que estão a lhe aguardar.

Carmem Catarina Galiano FernandesProfessora e Representante de Ensino da SEDUC no município de Cacoal

APRESENTAÇÃO

Diferentemente das pessoas que presumem a existênciade um milagre apenas nos acontecimentos extraordinários, nãoexplicáveis pelas leis da natureza, todavia acredito que o simplesato de respirar, acordar todas as manhãs, ouvir uma bela canção,recitar uma poesia, a fotossíntese, as órbitas dos planetas, omundo invisível dos microrganismos, a natureza, o canto dospássaros... Tudo que nos torna felizes é um milagre que nosacontece.

Despindo-me da pretensão vaidosa e revestindo-me dasincera simplicidade, ainda que ousada, atribuo ao conteúdo destelivro um ato místico. Uma experiência sobrenatural queexperimentei! Digo isso porque, à medida que pesquisava paramelhor redigir um roteiro atraente para este folhoso, passei avivenciar, mesmo que no imaginário, sensações fascinantes. Seo leitor desta obra literária sentir estas mesmas emoções, nãoencontro outras palavras para definir o que irá experimentar quenão estas: "O ledor vivenciará acontecimentos divinais!".

A mágica da leitura que nos faz emocionar, presenciarmomentos magníficos, mesmo que num mundo só nosso, nosdevaneios de nossas fantasias e que nos elevam o espírito. Aquise encontra o real objetivo para o qual este livro foi escrito: "Nostornar pessoas infinitamente melhores!". Eu sei, algumas pessoasdirão: "Exagerado!" Não tenha dúvida de que esta "ambição" éalgo de grande valor para este humilde escritor, amante das belas-letras. Se ao menos um dos meus leitores sentir as prodigiosassensações pelas quais fui encantado ao escrever este livro, medou por satisfeito, o objetivo foi alcançado.

Apenas me acompanha uma desconfiança: se o que maisencantará o leitor são os fatos reais aqui descritos, ou o mundode ficção da garotinha chamada Bonina.

Quando decidi me aventurar na realização desta obraliterária, fui guiado pelos meus critérios de escolha a agregar cincopreceitos fundamentais: uma criança genial, comum e ao mesmo

INTRODUÇÃO

tempo desamparada; o fascínio do poder da mente de acumularconhecimentos; a amabilidade aos livros, que transforma vidas;a grandiosidade dos recursos físicos e naturais do territóriobrasileiro, aliados à miscigenação do seu povo; e o enaltecimentodo primoroso vínculo social chamado família.

No início, me julguei incapaz de realizar esta tarefa. Foi umacentelha de um prodígio que me iluminou e passei a inflar-me deuma autoconfiança nunca existente na minha alma:"Acontecimento inexplicável!" muitas pessoas afirmaram.

Se calhar, eu asseguro que escrever livros é uma missãoespiritual e a transmutação na conquista de quem lê com paixão,um mistério da vida.

Deixemos que este livro fale por si só!

Cacoal, 20 de novembro de 2006.Jeovane Pereira do Nascimento

CAPÍTULO I

SALVA MILAGROSAMENTE

Naquela manhã o sol não foi visto. A poluição das indústriasnas proximidades e as queimadas no campo criavam densasnuvens, encobrindo a pequena cidade. O astro-rei permaneceuencoberto o dia inteiro. No crepúsculo vespertino daquele dia, umachuva rápida trouxe consigo a lua-cheia que apontou no horizonteimensa, iluminando a escuridão da noite fria que já se anunciava.Na praça, os namorados abraçados aqueciam-se no calor dapaixão. Um beco, no meio do condomínio, recusou o clarão doluar. Os garis cantarolavam, assoviavam, ao mesmo tempo emque retiravam a sujeira das ruas.

Aproximou-se o alvorecer do novo dia. A garotinha que podiater sido esmagada pela prensa do carro de lixo ou até mesmomorrer sufocada, como que adivinhando, reuniu suas forças e

chorou baixinho: seu último apelo. Um gari ouviu os gemidosabafados e ficou assustado.

No dia seguinte, um jornal destaca na sua primeira página -RECÉM-NASCIDA FOI ABANDONADA NA CESTA DE LIXO. Nonoticiário da tevê, o apresentador informou o grave estado de saúdeda garotinha que tinha sido salva milagrosamente. Uma imagemda enfermeira que fez os primeiros socorros, abraçandocarinhosamente a criancinha, comoveu os telespectadores. Nãofoi descoberto quem abandonou a pequenina. Ninguém soube oque levou a mãe a fazer uma coisa dessas. Magricela que eranão encontrou alguém para adotá-la. No orfanato, deram-lhe onome de Bonina.

Desse modo Bonina, ainda muito pequena, tornou-se umasobrevivente.

Uma ama-de-leite apaixonada por livros alimentou agarotinha nos primeiros meses de vida. Noites após noites, comsua voz aveludada, contava histórias até Bonina dormir. Nos doisprimeiros anos a menina resistiu a graves momentos na saúde,acometida por uma ou outra enfermidade que sempre lhe deixavaentre a vida e a morte. Essa fase crítica na saúde ela tambémsuperou, mais uma vez resistiu bravamente, foi mais forte quetudo. Repentinamente, contrariando a natureza dosacontecimentos anteriores, restabeleceu o pleno vigor físico.Aprendeu desde cedo a ler e a escrever.

Sua ama-de-leite tornou-se sua melhor amiga, sempreencontrou tempo para lhe contar histórias que contém nos livros.Bonina ouvia atentamente todas; uma ou outra vez se deixavaconduzir pela curiosidade fazendo perguntas. Com os amiguinhosdo orfanato brincava de tudo, mas o que mais gostava, era debrincar com os jogos de montagens e ler livros.

Todos no orfanato conheciam quando Bonina estava triste -eram obrigados a ouvi-la recitar aquele monólogo da formigapessimista. Quando se aproximou seu quinto aniversário, ficouabatida por uma tristeza profunda pela falta de uma família.Questionou a todos sobre o porquê dos acontecimentos com seuspais, e, como ficou insatisfeita com as respostas, passou a frasear

aos quatro cantos aquele seu solilóquio.A FORMIGA PESSIMISTA

Depois do trabalho, vou tirar um pouco do tempo do meutempo da folga, e pensar sobre qual é minha importância no vastouniverso. Aqui na Amazônia, salvei-me dos pássaros e tamanduásfamintos. É por milagre que eu estou aqui, sendo tão fraca,sobreviver a este mundo selvagem. Mas se de algum modocontinuo a viver, é porque existe algo importante e que eu tenhopara realizar. Mas o que será? Realmente, não consigocompreender plenamente. Será que existe mesmo algo valorosoque eu possa executar? Talvez esses pensamentos, essasdúvidas, sejam apenas maluquices dessa minha cabeça ôca. Ouvai ver até existe algo oculto. Mas o quê? Tenho que colocar minhamente para matutar. E minhas incertezas, as respostas encontrar.Quem sabe foi aquele tombo, aquele de dois dias atrás, quandoeu bati com minha cabeça naquela pedra. Talvez seja esse omotivo dessas loucuras que penso. Não, não existe nada deextraordinário e que eu possa efetivar! Isso é tudo esquisitice destaminha cabeça-de-vento. É isso mesmo! Eu não sirvo para nada.Por isso vivo nesse sofrimento todo. Quem sabe eu seja umainútil! O muito que posso servir é para adubo orgânico. Enfim,não tenho utilidade alguma no vasto universo. Sou tão pequena!Talvez nem para adubo eu sirva, de tão minúscula que sou. Euvou é parar de pensar! Eu só penso essas bobagens. Nunca chegoa lugar algum. Bom para mim é voltar a trabalhar e nunca maispensar. Trabalhando, me sinto de alguma forma útil. É issomesmo! Mesmo que seja apenas carregando folhas, o trabalhome dignifica.

Impulsionada pela comoção de vê-la tão triste, sua ama-de-leite presenteou-lhe com um jornal amarelado pelo tempo erecomendou-a que lesse o conteúdo principal da primeira página.Depois de ler atentamente, olhou tristemente para sua ama-de-leite e perguntou-lhe:

- Essa garotinha que foi encontrada na cesta de lixo sou eu?A resposta da ama-de-leite foi uma afirmativa. Desse modo, Boninaficou sabendo por que não tinha pai e mãe. Agradeceu sua ama-

de-leite por ter lhe mostrado a verdade sobre sua origem. Passoua entender o porquê de morar no orfanato. Guardou aquele jornalcomo se fosse seu bem mais precioso e retomou a alegria deantes, como se nada soubesse dos pais, e voltou a se divertircom seus amiguinhos do orfanato. Tornou-se uma especialistanos jogos de montagens e passou a gostar cada vez mais doslivros. Logo foi notada sua imensa capacidade de absorverconhecimento. Se alguém se admirava com as lindas cores daspaisagens nas telas, penduradas nas paredes, Bonina cuidavade fazer seus comentários:

- São das três cores primárias que se reproduzem todasas outras cores secundárias; da mesma forma são dos númerosde zero a nove que surgem todos os números existentes; sãodas vinte e seis letras do abecedário que os poetas rimam belaspoesias e os escritores registram todas as histórias bonitas oufeias; também é assim com as notas musicais: DÓ - RÉ - MI- FÁ- SOL - LÁ - SI, são por meio delas que uma orquestra nosproporciona um belo concerto musical e se compõem músicasque falam de amor e amizade, nos falam de tudo, embelezandonossas vidas.

Quando Bonina se encontrava nas praças ou fazendocompras nas feiras, era sempre rodeada por pessoas, admiradascom sua desmedida inteligência. Numa dessas ocasiões, umhomem idoso quis saber:

- Quem e quando governou o primeiro presidente do Brasil?Bonina pensou um pouco, mexeu seus graúdos olhos para cima,para baixo, e em seguida respondeu:

- Foi Manoel Deodoro da Fonseca!E acrescentou:- Governou provisoriamente de 15 de novembro de 1889 a

25 de fevereiro de 1891. Assim se deu, pois ao invés de assinarum termo de posse nos moldes que se tornariam padrão naRepública, publicou se uma Ata de Proclamação e o Decreto nº.1, onde se estabeleceu as normas governamentais quepassariam a vigorar. O Livro de Posse só se inaugura em 1891,meses antes do término do seu mandato foi quando Deodoro da

Fonseca tornou-se categoricamente, o primeiro presidenterepublicano do Brasil.

Um homem magricela, com um grande bigode, é quem agorafaz pergunta:

- Quantas e quais foram as cidades capitais brasileira?Uma voz angelical ressoa:- Salvador, tornou-se capital do território tordesilhano de

Portugal em 1549, depois do Vice-reino até 1763; Rio de Janeiro,capital do Vice-reino de 1763 a 1822, daí então, sede do Impérioaos 1889 e depois capital da República até 1960; e atualmente éBrasília, desde 1960.

Uma mocinha ao lado do homem idoso emenda umapergunta, depois de satisfeita com a confirmação do bigodudomagricela de que a resposta estava correta.

- Quanto é oito vezes sete?Bonina irradia um belo sorriso e de imediato responde que

é "cinqüenta e seis".Não satisfeita, a jovem tasca outra pergunta:- E a raiz quadrada de 625?O som "vinte e cinco" saiu dos lábios de Bonina em forma

de meiguice. A jovenzinha depois de fazer o cálculo na calculadora,informou a todos que Bonina respondeu corretamente. Todos osque ali estavam foram pegos sorrindo da facilidade com que amenina respondia todas as perguntas que lhe eram feitas.

Naquela ocasião, um escritor fez seu questionamento:- Mocinha, você sabe me dizer quando e qual povo deu

origem à escrita?- Sim! Foram os sumérios do período de Uruk, legaram à

humanidade a invenção da escrita. Segundo a Arqueologia, tevelugar sem dúvida, pouco antes de 3000 da Era Comum.Primeiramente pictográfica essa escrita tornou-se ideográfica,depois silábica e, muito mais tarde, alfabética. Somente entre 1500ao ano 1000 antes de Cristo, os fenícios inventaram uma escritamais simples, mãe de nossos alfabetos modernos.

- Confesso que estou atônito! Você está certa com suaresposta. - admirou-se o escritor.

Uma gorda mulher, intrigada com a capacidade de Bonina,formulou uma pergunta difícil, que tem duas respostas.

- Me diga, exatamente, quantos dias têm o período de umano? - antes de receber a resposta, a mulher se vê pensando:"Não importa qual das duas respostas a menina responder eudirei que ela está errada e todos me darão razão!".

Bonina percebeu astúcia na pergunta da mulher e respondeucautelosamente:

- No calendário gregoriano, o ano tem trezentos e sessentae cinco dias e seis horas. Todavia, de quatro em quatro anos, oano é bissexto, passando a ter trezentos e sessenta e seis dias,sendo que o mês de fevereiro, que normalmente contém vinteoito dias, passa a ter vinte e nove.

A mulher ficou pasmada, envergonhada da sua malícia, masnão se esqueceu de elogiar a garotinha Bonina.

- Tá bom espertinha! Diga-me quantos e quais planetas écomposto nosso sistema solar? - exclama uma velha rabugenta.

- Ora, amável senhora (as pessoas em volta sorriram,porque Bonina chamou a velha rabugenta de amável senhora)!Na Via Láctea eles são vários e os livros registram ao todo noveprincipais: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano,Netuno e Plutão. Já esse último, Plutão, os astrônomos chegaramà conclusão de que não passa de um planeta-anão, excluindo-oda contagem dos principais. Daí então terá que colocar nos livrosapenas oito os principais planetas. A propósito, a senhora sabeque o maior dentre esses é Júpiter? Que a distância média entreo Sol e a Terra é de cento e quarenta e nove milhões, quinhentose noventa e oito mil e vinte quilômetros? Que a distância médiaentre a Lua e a Terra é de trezentos e oitenta e quatro mil, trezentose noventa e nove quilômetros? E que a velocidade orbital médiada Terra é de três mil, seiscentos e oitenta e três quilômetros porhora?

- Claro que sei! Eu trabalho num observatório astronômico.- retrucou a senhora ranzinza.

Um jovem doutor nutricionista que estava presente, quissaber sobre a alimentação de Bonina, presumindo que a

capacidade de acumular conhecimentos estava ligada com o seumodo alimentar. A menina informou-lhe que quando era menorgostava muito de comer doces. Mas que tinha se tornado amantedas verduras e legumes desde que leu um livro que informavados valores nutricionais das frutas, verduras e leguminosas.Acabando por fazer algumas mudanças na sua alimentação.Bonina então passou a gostar de suas refeições sempre coloridase a tomar sucos periodicamente.

Um rapaz musculoso que praticava exercícios, pequenascorridas matinais, se aproximou do grupo de pessoas querodeavam a garotinha Bonina. Ouviu-a responder algumasperguntas e se convenceu que aquela menina não era tão capazcomo parecia, que ali estava acontecendo algum tipo de armação,tudo combinado com algumas pessoas, perguntas e respostas.Resolveu fazer uma pergunta nada fácil, certo que iriadesmascarar aqueles farsantes amigos da garotinha, podendose exibir um pouco. Disse ele:

- Moçinha! Estou lhe observando já faz algum tempo echeguei à conclusão que a senhorita é muito inteligente. Contudo,tenho uma pergunta, prometo não ficar chateado se você nãoresponder, pois sei o quanto é difícil para alguém da sua idadesaber algo sobre os esportes olímpicos. Portanto, caso não saibaa resposta, eu entenderei.

- Percebo que estou diante de um cavalheiro e será umahonra ter a resposta para sua indagação. - afirmou Bonina.

- Pois bem, você sabe dizer quem, como e quando foiinventada a competição que chamamos hoje de Corrida deMaratona?

- Eu presumo que o homem foi um bom jornalista.O rapaz de corpo atlético apressou-se a ficar no centro,

tentando identificar os farsantes, e afirmou que Bonina estavaerrada na sua resposta.

Percebendo que o rapaz queria somente chamar atençãopara si, Bonina se antecipou de forma coloquial.

- Meu caro amigo! Você me concede a oportunidade paraexplicar o porquê de achar que foi um jornalista?

Com um sorriso escancarado no rosto, acreditando quetinha desmascarado a farsa, afirmou de forma debochada:

- Minha pequena criança, na época desse fato, não existiamjornalistas.

Bonina então emenda uma pergunta: - O que fazem os jornalistas?Ainda mais debochada foi sua resposta seguinte:- Ora, senhorita! Divulgam notícias.- Então estou certa! Quando o soldado grego, no ano 490,

antes da Era Comum, correu do campo de batalha nas planíciesde Maratona até Atenas, uma distância aproximada de quarentaquilômetros, para "divulgar" a vitória dos gregos sobre os persas,esse soldado se mostrou um excelente "jornalista". Desse modo,quando o helenista francês Michel Bréal evocou a lendária façanha,fazendo constar já dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna,em Atenas, a 10 de abril do ano 1896, a Corrida de Maratona, fez-se também uma homenagem àquele valoroso "jornalista".

Bonina fez uma pequena pausa para que o jovem atletapudesse digerir aquelas informações e em seguida, perguntousuavemente:

- Você concorda comigo?- Realmente! Eu nunca tinha visto por essa ótica. - se

convenceu definitivamente o jovem.Muitas pessoas que ali estavam ficaram maravilhadas com

o grande conhecimento da menina, outros arrebatados e muitosdesassossegados. Nunca mais naquela cidade alguém seatreveu a duvidar da incrível inteligência de Bonina. A garotinhatinha desenvolvido uma nova forma de expandir seusconhecimentos "brincando com informações". Onde as pessoascomuns enxergavam apenas um soldado se sacrificando paralevar uma "notícia" para seu rei, Bonina avistava um bom"jornalista", um excelente atleta, encantando muito mais aspessoas que paravam para lhe ouvir e fazer perguntas.

Aprendeu a acordar cedo. Lembrava-se de sua ama-de-leite sempre dizer "Quem tarde acorda, muito deixou de aprender!".O colégio era para Bonina um mundo fantástico: crianças

brincando, lápis, cadernos, livros, professores e a possibilidadede exercitar de várias formas o conhecimento. Bonina sempreconseguia notas excelentes nos testes. Desse modo, suaprofessora se convenceu de que ela estava além da média escolardos outros alunos de sua classe. No meio do ano tinha passadopara a série seguinte.

Nas reuniões dos professores, a inteligência da meninasempre monopolizou o tema das conversas. Numa dascostumeiras reuniões, sua professora informou aos outrosprofessores que tinha presenciado uma experiência espantosacom a garotinha, quando formulou uma pergunta aparentementemuito fácil: "Quanto é a metade de dois mais dois?". Todos osoutros alunos responderam "dois", mas Bonina respondeu "três".Então veio a correção da professora, dizendo-lhe que a respostacerta é "dois". Bonina insistiu com a professora, afirmou quemetade de "dois" é "um" mais "dois" é igual a "três". Portanto, elaestava certa a resposta seria "dois" se a pergunta fosse metadeda "soma" de dois mais dois.

A professora ficou abismada com o raciocínio da menina,obrigando-se afirmar diante dos outros alunos que formulou apergunta de forma errada, reconhecendo que Bonina estava certacom a sua resposta. Nesse dia, depois da aula, a professoraresolveu chamar Bonina para uma conversa particular,especulando sobre quem ensinou tudo o que ela sabia. Com avoz meiga, Bonina se pronunciou:

- Quando eu era menor, minha ama-de-leite gostava de lertodos os dias até que eu dormisse; isso fez com que eu passassea gostar da leitura. Tudo o que nós queremos saber está noslivros. É por isso que eu gosto dos livros e sou muito apegada aeles. Até mesmo o que os professores nos ensinam encontra-senos livros!

Encantada com o que acabara de ouvir, a professoraexclamou:

- É verdade, Bonina! É verdade. Essa é a mais pura dasverdades!

Bonina então arrematou:

- No orfanato, eu gosto de brincar de tudo com meus irmãosórfãos. Mas as brincadeiras e as "viagens" mais emocionantesque eu já fiz, foi lendo livros. Nos livros de Monteiro Lobato, brinqueicom a boneca de pano Emília, com o sabugo de milho Viscondede Sabugosa, com a Cuca, Narizinho, Pedrinho, com a DonaBenta... Foi muito divertido conhecer o Sítio do Pica-Pau Amarelo.Fiz passeios com Alice na floresta encantada, no País dasMaravilhas. Joguei o "Jogo do Contente", com a Poliana. Na selvaamazônica, através dos livros, conheço os costumes dos índiosSuruís, Cintas Largas, Ianomâmis, Kaiopós, Nhambiquaras...Divirto-me com as aventuras de Harry Potter e a "pedra filosofal"...Com o Pequeno Príncipe, aprendi que “Somos eternamenteresponsáveis pelas pessoas que cativamos”. Ah! Professora, tudoo que eu sei encontrei nos livros. Quem não se agrada de ficarhoras na companhia dos livros, ainda não aprendeu a melhorbrincadeira do mundo.

- Bonina, na falta de um termo apropriado, afirmo que vocêé uma menina especial. - elogiou-a sua mestra.

- A propósito, a professora sabe quando separado é junto, etudo junto é separado?

A professora pensou um pouco, afirmou não saber aresposta e perguntou em seguida:

- Você sabe a resposta para essa pergunta que me fez?- Claro que sei! São as letras da palavra "tudo junto" que

são separadas, e da palavra "separado" as letras são todas juntas.É uma brincadeira professora! - exclamou Bonina.

No momento seguinte, professora e aluna estavam sedesmanchando em gargalhadas.

Desse modo, todos que residiam na cidade onde Boninamorava, conheciam ou tinham ouvido alguma história sobre amenininha mais inteligente do mundo.

CAPÍTULO II

CONHECENDO O MUNDO AMAZÔNICO

Com nove anos incompletos, Bonina concluiu a quarta sériedo Ensino Fundamental. Nos livros de geografia, a meninaanalisava os aspectos humanos e naturais mais importantes denossa terra. A maior parte da superfície da Terra está coberta deágua - água salgada - que formam os oceanos, comumentedividida em quatro grandes partes: oceano Pacífico, Atlântico,Índico, e Glacial Ártico. O maior é o Pacífico.

As "terras emersas" estão agrupadas em seis parteschamadas continentes: Europa, Ásia, África, América, Oceaniae Antártida. Com exceção da Antártida - o "continente branco"quase todo coberto de gelo, que é patrimônio de toda ahumanidade - os demais continentes estão divididos em países,cerca de duzentas nações.

Bonina passou a conhecer melhor seu país através dos livros degeografia. O Brasil inteiro: corpo e alma. Em extensão de terras éo quinto maior do mundo. É maior que todos os países da Europajuntos. Ficando atrás apenas da Rússia, Canadá, China e dosEstados Unidos. Suas terras estão entre as mais antigas doplaneta. Nelas viveram os maiores animais do mundo, como osgrandes dinossauros (quem quiser conferir, pode visitar o"cemitério dos dinossauros", na Paraíba!).

Os primeiros habitantes que vieram morar aqui foram os"índios" (apelido que receberam dos europeus). Já fomos,antigamente, conhecidos por ilha de Vera Cruz, Terra de SantaCruz, Terra dos Papagaios e até Estados Unidos do Brasil. Mashoje, somos a República Federativa do Brasil ou simplesmente,Brasil. A vasta área onde está situado o Brasil, no hemisfério suldo planeta Terra, praticamente todo território, está compreendidaentre o Trópico de Capricórnio (Bonina é capricorniana nasceuem 24 de dezembro) e a linha do Equador (o meio do mundo)."Como será que é o meio do mundo?" sempre se perguntouBonina.

Na festinha de conclusão da quarta série, Bonina foiescolhida para fazer a preleção em nome dos educandos. Nopalco do teatro ficaram os professores e os alunos que foramdestaques naquele ano. Quase não reconheceu sua ama-de-leitenaquelas roupas - estava diferente nos trajes clássicos - e ficoufeliz de vê-la ali. Notou a satisfação da diretora do orfanato, poisfoi ela a escolhida como madrinha. Também se emocionou coma presença dos internos do orfanato "seus irmãos", que foramprestigiar aquela sua vitória.

Seu discurso foi breve...Agradeceu aos mestres "Esses incansáveis guerreiros que

conciliam suas vidas particulares com a imensa tarefa de nostornar pessoas melhores!". Concluiu com os agradecimentos eo reconhecimento ao trabalho dos professores, que tornam osalunos aptos para os primeiros passos na longa jornadadenominada simplesmente: futuro.

Na noite daquele dia memorável da festinha, Bonina fez uma

retrospectiva daqueles primeiros anos na escola. Ficou satisfeitacom o sucesso alcançado. Apenas sentiu-se aturdida ao perceberque nada programou para aquelas merecidas férias. Por fim,decidiu ficar o máximo de tempo com os irmãos do orfanato ecom sua ama-de-leite. Aquela seria "As férias com a família!"pensou a menina.

- Leopoldina Zumira! Eu quero uma conversa importantecom você. - exclamou Bonina com olhar de perplexidade.

- O que eu fiz de errado? - perguntou timidamente sua ama-de-leite.

A garota fez um breve suspense e articulou:- Posso chamá-la de "preta"? É tão original. - balbuciou

Bonina com sorriso maroto.- Estou de pleno acordo! Desde que você me permita

chamá-la por "nanny". - sentenciou Leopoldina.Ao perceber o sono se aproximar, Bonina pegou seu boletim

abarrotado com excelentes notas, estendeu-o, olhou fixamentenos olhos de Leopoldina e depois lhe disse:

- Esta é uma minha forma de agradecê-la por tudo que fezpor mim, o "meu melhor" que pude realizar, só consegui por causada sua grandiosa ajuda.

No momento seguinte, as duas abraçavam-se fortementee lágrimas rolaram, sem que as duas pudessem evitá-las. Nadafoi preciso dizer naquela ocasião, o "silêncio" tudo disse. Era tardenaquela noite, quando Bonina e sua ama-de-leite despediram-separa dormir.

- Boa noite, Preta!- Boa noite, Nanny!Daquele dia em diante, para Bonina sua ama-de-leite passou

a ser simplesmente "preta", e para Leopoldina Zumira, a pequenagarota era a sua "nanny".

Muito cedo, na manhã seguinte, com um sorrisoescancarado no rosto e uma carta na mão, a diretora do orfanatoacordou a garota Bonina.

- Menina! Menina! Você é realmente um orgulho para nossainstituição!

- Mas o que está acontecendo? "Nunca ocorreu de a diretoraacordar-me!" - pensou Bonina ainda esfregando os olhos emsonolência.

A diretora não perdeu tempo, ali mesmo, expôs os motivosda sua euforia:

- Estava eu há uma semana preocupadíssima, ansiosa,querendo encontrar uma idéia que pudesse viabilizar a realizaçãoda festa natalina deste ano. O orçamento do orfanato está limitado.Repentinamente, há poucos instantes, recebi um telefonema daparte de uma agência de viagens turísticas me perguntando sevocê, Bonina, estava ciente da premiação do Concurso deRedação. Eu respondi que de nada estava sabendo. Foi quandoa secretária me revelou sobre uma carta enviada para você.

A diretora fez uma pequena pausa, constatou que Boninaestava desperta, e continuou:

- Tínhamos nos esquecido no meio das nossascorrespondências, por causa da festa de formatura. Aqui está! Épra você. A secretária me adiantou que, além da sua premiação,o corpo administrativo daquela agência de viagens irá nos fazeruma volumosa doação, depois que ficaram sabendo da precáriasituação financeira da instituição.

Mais que depressa Bonina sentou-se na cama.- Meu Deus! É verdade! Eu... eu não esperava ganhar esse

prêmio! Participei do concurso apenas para reavivar um sonhomeu de conhecer a Amazônia. Inscrevi-me secretamente, nãoqueria que ficassem sabendo que eu participei...

- Mas por que você fez isso menina?Arrancando a carta das mãos de Bonina, a diretora leu o

conteúdo em voz alta:"Parabéns!Sua redação foi escolhida com admiração por parte de

nossos diretores. Conforme os critérios estabelecidos por nossaempresa, lhe serão fornecidas as passagens para uma viagemcom acompanhante, para conhecerem a Região Norte do país,com todas suas despesas pagas.

Atenciosamente, seus admiradores, ansiosos por conhecê-la

pessoalmente".A administrante do orfanato limitou-se a dizer:- Pois se prepare! Esse seu sonho irá se realizar.Assim que a chefe se retirou para informar os demais

funcionários sobre o novo feito da órfã especial, os pensamentosde Bonina foram arremessados ao dia em que depositou oenvelope na urna "Não escrevi nada de extraordinário!" passandoa conceber na imaginação o conteúdo da sua redação.

SERÁ O BIG BANG UMA FARSA?Por causa da sua complexidade, pouco me interesso por

esse assunto. Não ousaria nem mesmo precisar a época. Seimuito pouco sobre seus defensores. Mas a tese de que o Universoproveio de uma grande explosão é defendida há várias décadas,para não dizer centenas de anos. Alguns cientistas conhecedoresdessa teoria argumentam que o Universo surgiu de umacasualidade e o princípio de tudo é a Evolução. Existem milhõesdos que acreditam nessa hipótese. Talvez os que crêem nessapossibilidade tenham vários argumentos para defendê-la, atémesmo desacreditando a existência do Arquiteto do Universo edo seu poder de ter criado tudo que existe.

Eu, particularmente, prefiro não acreditar nessas teorias quevêm a colocar por terra a existência do Criador Inteligente, quetudo fez existir. Também não sou conhecedora dessa causa, muitomenos uma cientista. Sou apenas uma criança, mas tenho comigominhas idéias e gostaria de compartilhar com as pessoas. Nãopretendo apresentá-las como a "verdade" suprema. Portanto, éprovável que algumas pessoas discordem do que irei escreversobre o que acredito da Criação.

Alguns meses atrás, uma pessoa queridíssima que faz partedo meu círculo de amigos, me deu a notícia de que, em breve,seria mãe. Não sei se por ser o primeiro filho, seus olhos brilhavamde felicidade e, com isso eu também fiquei feliz. Aqui alguém podesugerir essa pergunta: "O que esta amiga dela tem a ver com obig bang ou a Criação?" E eu direi: esta semana que passou,encontrei-me com essa amiga recostada em uma mesa, comsua aparência um tanto esgotada. Eu querendo reanimá-la, ao

cumprimentá-la disse que em breve aquela criancinha que lheconsumia estaria no mundo e lhe daria muitas felicidades. Suareação seguinte me fez escrever sobre esse tema. A faxineira doorfanato, minha amiga, tem consciência de que aquele simplesfeto de há meses atrás, se transformou numa criança. Mesmoabrigada dentro de sua barriga, ainda não completamente formada,sente emoções e reage segundo tudo o que ela (a mãe) faz. Acriança sorri, pensa, sonha, comunica-se, adora ouvir músicas(somente as belas melodias). Enfim, já é inteligente e sabediferenciar o que é agradável ou ruim. Esse acontecimentoaparentemente simples é de uma singularidade maravilhosa, mefaz acreditar, embora limitada em conhecimento, não posso deixarde ver no óbvio da gestação de uma criança, o poder do Criador.A existência de um Ser verdadeiramente capaz, laborando aserviço da humanidade. Que me perdoem os cientistas, aquelesque defendem a tese da Evolução; os ateus, que em nadaacreditam; a todos os que divergem e duvidam da existência deDeus. Na minha simplicidade, que muitos preferem denominarde ignorância, não me permito acreditar que todo esse compostoharmônico, formando o universo na totalidade de suacomplexidade, tenha vindo a existir por um acaso, uma explosãocasuística. Poderia a teoria do big bang se harmonizar? Desdeque seja creditado ao Todo-Poderoso, que matematicamente ocalculou, assim como quando os homens controlam umaexplosão naquele edifício que pretendem demolir. Tudo queacontece na natureza, na Via Láctea ou até mesmo com a menorpartícula, é uma continua metamorfose universal, onde cada partenecessita da outra para coexistirem. Melhor, em outras palavras:não existe uma só parte isolada, e sim aspectos de uma coisa sóque denominamos infinito universo.

E você, em que acredita?Os empresário-jurados ficaram abismados com o raciocínio

da menina de oito anos, que conseguiu harmonizar as teorias daEvolução e da Criação no mesmo conceito, numa fórmula simples.Concorrendo com alunos na faixa etária entre oito e quinze anos,a redação de Bonina foi consagrada com unanimidade pelos

julgadores.Na tarde daquele dia, a diretora do orfanato assinou um

contrato com a agência de viagens. E Bonina, com apenas oitoanos, conseguiu seu primeiro emprego - garota propaganda - "Foigraças a minha grande dedicação aos livros, que tenho o meuprimeiro emprego!" alegrou-se Bonina.

Desse modo, naquelas férias em que tinha decidido ficarno orfanato, foi conhecer a Amazônia.

"Moro num país tropical... Abençoado por Deus..." Boninaficou o dia todo cantarolando aquela música nos corredores doorfanato.

"Um dia ainda quero viajar e conhecer cada palmo dessechão!" lembrando da música sertaneja, Bonina pensourefletidamente.

A comissária de bordo acabara de passar servindo um lanche.No colo da sua "preta", olhando da janela do avião, Bonina enxergouaquele emaranhado de edifícios no meio da selva. Naquela manhãensolarada a menina, Leopoldina e o casal de jovens que foramdesignados pela agência para acompanhar aquela viagem,preencheram as fichas de hóspedes do Hotel Vila Rica.

Bonina estava certa de que não era apenas um daquelessonhos de conhecer a Região Norte, a lembrança estava frescacomo a voz jovial que ecoou naquele avião: "Passageiros!Procurem seus lugares... Coloquem seus cintos! Em poucosinstantes estaremos aterrissando no Aeroporto Internacional JorgeTeixeira, na cidade de Porto Velho..."

Naquela tarde visitou uma loja que vendia artigos de biojóias(artesanatos confeccionados com materiais genuínos da rica floraamazônica). Ficou observando por alguns momentos "As TrêsCaixas D'água", um dos marcos do desenvolvimento da regiãopelos povos do mundo; admirou-se de ainda estarem em perfeitoestado de conservação após tantos anos. Depois foi a uma livrariaem frente ao hotel. "Se estiver interessada em conhecer averdadeira história da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, terá queadquirir o livro Ferrovia do Diabo!" Pelo modo contundente daatendente, Bonina se deixou convencer e comprou o livro do

historiador paulista Manoel Rodrigues Ferreira.Logo cedo, na manhã seguinte, decidiu conhecer o "museu"

da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Fez um pequeno passeiode trem até o vilarejo de Santo Antonio e lá, observou ascorrentezas do rio Guaporé, que deslizam fortemente sobregrandes pedras. No passeio de barco, no rio Madeira, fez contatopela primeira vez com os "ribeirinhos", habitantes das margensdos diversos rios que povoam a vasta região amazônica.

"Tanto mais respeitável e temida for a fortaleza, tanto maisfirme e segura será a paz e a tranqüilidade por essas partes!".

Apegando-se a esse princípio, a Coroa portuguesa lançoua pedra fundamental em 20 de julho de 1776 e inaugurou a 20 doagosto de 1783 o Real Forte Príncipe da Beira, na margem direitado rio Guaporé. Essa é uma das tantas fortalezas que foramconstruídas para proteger o Brasil das invasões holandesas,espanholas, inglesas, francesas, bolivianas, peruanas...

O Forte contém novecentos e setenta metros de perímetro,muralhas com dez metros de altura, entre quatro baluartes, cadauma com quatorze canhoneiras. Em sua volta ainda se verifica ofosso obstaculante da passagem e o portão de três metros dealtura, localizado na muralha norte. No interior existe quatorzeresidências para oficiais, além de capela, armazém e depósito.Na muralha sul, um portão menor. Entre um baluarte e outro, ascortinas medem noventa e dois metros e são duas muralhasparalelas de pedras canga, entre as quais existe um aterroformando um parapeito de seis passos.

Vendo de perto aquele elefante de pedras, é difícil não seimpressionar com o extraordinário trabalho que foi construí-lo: acal de pedra subiu pelo rio Madeira, vindo de Belém (mil alqueires).Também os pedreiros provieram de São Paulo, Belém e MatoGrosso. Os canhões vieram do Pará; a viagem durou cinco anos.

- Preta! Como poderia passar na imaginação de alguémque existe este colosso construído nestes confins amazônicos?- perguntou Bonina, arrebatada diante das ruínas da fortaleza.

- Nanny, é maravilhoso que tivemos o privilégio de conhecereste lugar. - confessou Leopoldina.

- Você sabia que o Brasil já foi dividido em duas grandespartes e que todo este território amazônico foi propriedade dosespanhóis?

- Sei! Mas não exatamente como e quando aconteceu.- Foi através do Tratado de Tordesilhas, em 1494, assinado

entre Espanha e Portugal antes do "descobrimento" do Brasil. Aregião deveria pertencer à Espanha, pois realmente foram osespanhóis os primeiros exploradores europeus a atingir a regiãoamazônica: Alonso de Ojeda, Américo Vespúcio, Vicente YáñezPinzon e Diogo de Lepe, por volta de 1499, antes ainda que PedroÁlvares Cabral desembarcasse em Porto Seguro em 1500.Entretanto, coube a Francisco de Orellana ser o primeiro espanhola adentrar esta região em 1541. - informou Bonina.

- Conhecer este lugar ao seu lado, Nanny, torna essa viagemainda mais atraente.

- A recíproca é verdadeira, Preta!"O pulmão do mundo!" ousou alguém certa feita dizer sobre

a Amazônia. O Acre é o estado símbolo da luta pela preservaçãoda floresta e pelo desenvolvimento sustentável, sobretudo após amorte de Chico Mendes. Bonina esteve na "Casa Museu" doambientalista e líder sindicalista dos seringueiros, assassinadoem 22 de dezembro de 1988. Também visitou os "índiosexportadores": os Yawanawas, na região do Tarauacá, que vendemurucum para as indústrias de cosméticos dos Estados Unidos.Ressentiu-se quando foi impedida de visitar o Parque Nacionalda Serra do Divisor, extremo oeste do Brasil. Mas alegrou-segrandemente ao perceber escorrer uma lágrima branca (látex)que forma a borracha quando fez um corte numa seringueira(hévea), e ao comer castanha-do-pará. "Huuuum! Como ésaborosa!" Bonina ficou simplesmente extasiada com o sabor dacastanha.

Em Roraima, Bonina visitou a maior reserva indígenabrasileira, a dos Ianomâmis. A reserva é palco de conflitosconstantes com garimpeiros clandestinos, atraídos pelas extensasjazidas de ouro, cassiterita e pedras preciosas. Quando Boninasoube dos conflitos entre índios e garimpeiros, ficou triste. Mesmo

que à distância, não dispensou observar a cadeia montanhosaque abriga o Monte Caburaí, ponto mais ao norte do país.

No Amapá, a floresta se mantém quase totalmente intacta.Na capital, Macapá, Bonina fez compras na Zona de LivreComércio. O Amapá abriga o Parque Nacional das Montanhas doTumucumaque, maior parque tropical do mundo. Essa área depreservação da natureza forma um imenso corredor debiodiversidade onde estão as nascentes dos maiores rios daqueleEstado, como o Oiapoque, o Jarí e o Araguari. Nesse últimoacontece a maior "pororoca" do litoral brasileiro. Até surf é praticadoquando ocorre o fenômeno. O mar sobe, uma onda de maréinvade os rios que formam o estuário do rio Amazonas e colideestrondosamente com a massa de água doce que flui na direçãocontrária. No Araguari, a pororoca avança rio adentro e arrastatudo que estiver no leito.

Em Macapá é possível passar de um hemisfério a outroapenas atravessando uma rua porque a capital é dividida pelalinha imaginária do Equador.

- Preta, me peguei tantas vezes sonhando com este lugar.- desabafou a menina angelicalmente, quando visitava omonumento do Marco Zero.

"Eu estou no meio do mundo!" Bonina gritou bem alto eenvergonhou-se do que fez quando percebeu que todos aliolhavam para ela.

- Nossa! Como fomos longe, Nanny! - disse Leopoldina,disfarçadamente.

- É mesmo! Demos um passo muito longo! - abismou-seBonina.

Fizeram passeios de barcos nos igarapés da foz do rioAmazonas e freqüentaram o Museu Sacaca (o nome "sacaca"homenageia um curandeiro cujo apelido deriva de uma plantatradicional usada para baixar o colesterol). À tarde, visitaram aFortaleza de São José (construção portuguesa do século XVII), efizeram suas refeições noturnas nas baiúcas da "Zagurí",localizadas na orla do rio Amazonas.

Ao chegarem à capital do Amazonas, Leopoldina percebe

uma mudança de comportamento na menina...- O que está acontecendo com você, Nanny? - pergunta

Leopoldina bondosamente - Me parece tão ausente! Posso ajudá-la? Esqueceu-se de que somos amigas? Vamos! Diga-me algumacoisa!

- Preta, vou te confessar um segredo.- Eu sabia que algo estava errado! - disparou Leopoldina.- Não há nada de errado, Preta. É que quando eu me inscrevi

no concurso, não pretendia somente conhecer esta regiãobelíssima.

- Mas o que você está dizendo Nanny?- É a verdade, Preta! Por incrível que te possa parecer.

Depois que você me presenteou com aquele jornal, passei aalimentar um fio de esperança de encontrar minha família. Eusoube que na época em que nasci, existiu uma jovem nortista,doméstica, na casa de uma senhora portuguesa, nas proximidadesde onde fui encontrada. Falaram-me dela: com medo de perder oemprego cedeu aos assédios do patrão e engravidou. Quando apatroa soube do acontecido, ficou furiosa, expulsando a moça desua casa. Coincidentemente, naquela ocasião, sua gravidezestava no nono mês. Entendeu?

- Ora! Você não está supondo que essa jovem domésticapossa ser sua mãe, está?

- Eu telefonei para o casal, no início relutaram, mas depoiscom minha insistência eles me forneceram as informações quetinham sobre a moça. Inclusive me cederam o endereço onde elapode ser encontrada.

Então Bonina fez uma pequena pausa e recomeçou:- Preta, o endereço fica aqui em Manaus! É preciso que me

acompanhe a este local! Eu pretendo conhecer essa moça!Talvez ela possa ter voltado para casa dos pais e seja minhamãe. Compreendeu agora o porquê, também, de participardaquele concurso?

- Nanny, meu anjo! Farei isso com imenso prazer!Realmente, como previu o casal, a moça retornou para sua

parentela. Sabendo da história, a mulher ficou abismada com a

perseverança da garotinha Bonina para encontrar sua mãe. Adoméstica começou a lamuriar-se num súbito ataque de choro,entre um soluço e outro, confessou:

- Me envergonho do pensamento de abandonar minha filha.Ainda bem que recuperei a razão. Efetivamente, não me acheicapaz de desprezar minha filha Deise.

Enxugou as lágrimas do rosto e depois lamentou por nãoser ela a mãe da garota Bonina... Aquela aventura acabou comas duas garotinhas capricornianas se divertindo e brincando comos jogos de montagens.

- Nanny, você pode até não ter encontrado sua mãe. Mas foidigna de realizar um grande feito! Orgulho-me muito de você! -confessou-lhe Leopoldina, quando retornavam para o hotel.

- Ah, Preta! Era bom demais para ser verdade. - falou Boninatristemente.

- Mas veja o lado bom de tudo o que aconteceu: estamosconhecendo esses lugares encantadores e fizemos novosamigos. - disse Leopoldina tentando reanimá-la.

- É verdade, Preta. Está sendo maravilhoso conhecer esseslugares e estamos fazendo muitos amigos. - convenceu-seBonina.

A partir desse dia, Leopoldina passou a circundar Boninade um amor mais devotado.

"Estamos na floresta com a maior biodiversidade do mundo!Somente aqui no estado do Amazonas existe uma fauna imensa,estimada em centenas de espécies de mamíferos, milhares depeixes e de pássaros. Os cientistas consideram que aqui existammilhões de espécies de plantas. A bacia do rio Amazonas, formadapela união dos rios Negros e Solimões concentra um quinto daágua doce do planeta!" Assombrada Bonina assegurou.

As raízes indígenas e nordestinas estão presentes naculinária da região, que têm no peixe a base de seus principaispratos, como a moqueca com postas de Tucunaré e Surubim. Amenina Bonina se empanturrou com os pratos amazônicos."Desse jeito vou acabar engordando!" Espantou-se com seugrande apetite pelas guloseimas da Região Norte.

Na Zona Franca de Manaus passearam, observaram asvitrines recheadas de eletrodomésticos, novidades eletrônicas efizeram pequenas compras. Foram à ópera no "Teatro Amazonas",um dos mais belos do Brasil. Visitaram a "Ponta Negra", na orlado rio Negro, ponto favorito dos turistas que chegam à Manaus.Depois foram até a "cidade dos peixes ornamentais", queabastecem aquários no mundo todo com seus peixinhoscoloridos. Ficou encantada com o nado dos botos cor-de-rosa."Parecem golfinhos coloridos!" Disse Bonina ao avistar os botosamazônicos.

A viagem de Manaus até o oceano Atlântico, a menina decidiuimprovisar nas embarcações regionais e fazer parada naspequenas cidades. Essa turnê durou quinze dias. Poucas horasdepois da partida avistaram uma pequena cidade, onde ocorre amais esplendorosa expressão da cultura amazônico-nordestina.A ilha abriga os bois "Caprichoso/azul" e "Garantido/vermelho".Na arena eles se enfrentam em três noites de festa, embaladospelo som contagiante das "toadas", música envolventegenuinamente amazônica. "Como pode um lugar tão pacato serresponsável pela maior festa cultural da Amazônia?" perguntou-se Bonina. Mas é verdade, em meados do ano o Festival deParintins atrai pessoas de todas as partes do mundo.

Nos rios Tapajós e Amazonas ocorre o fenômeno "Encontrosdas Águas". Preta! As águas estão mesmo separadas! Igual lápróximo de Manaus! - a menina admirou-se com o fato dos riosdividirem-se por suas águas de cores diferenciadas. Boninatambém visitou as belas praias fluviais. Encantou-seespecialmente com a praia de Alter do Chão, no rio Tapajós.

As "crianças pedintes" partiram o coração de Bonina. Elasse aproximam das embarcações com suas pequenas canoas,na esperança que os viajantes joguem objetos no rio e elaspossam pegar. Muitas vezes se aventuram a embarcar e venderalguns artesanatos ou frutas regionais.

Em Belém, experimentaram uma culinária diversificada,aromática e de gostos fortes: peixes e molhos apimentados; adeliciosa maniçoba (espécie de cozido preparado com carne de

porco e sumo das folhas tenras da mandioca); o pato no tucupi,prato típico do Estado, no qual a ave é servida com molho demandioca e ervas; o tacacá (goma de tapioca, molho, folha dejanbú cozida e camarão); o "vinho" de açaí... As duas passaramtoda aquela tarde na feira do Ver-o-Peso.

Foram à praia marítima de "Salinas" e à praia selvagem deTracuateua. Em Salinas, a menina ficou diante do mar pelaprimeira vez (Bonina nasceu numa cidade satélite do DistritoFederal e essa foi a primeira vez que viajou).

As férias estavam chegando ao fim. Antes de partirem parao estado do Tocantins, Bonina visitou a ilha de Marajó. Foi aoscampos alagados, nas praias daquela ilha e nas fazendas debúfalos saboreou o queijo feito do leite daquele animal...

- Nossas férias estão próximas de acabar, Preta.- Foram as férias mais felizes da minha vida! Emoções que

tive o prazer de compartilhar com você, minha Nanny.Palmas é a mais nova capital brasileira. Fundada em primeiro

de janeiro de 1990, mantém o título de mais recente cidadeplanejada e última a do século vinte no país. O nome de Palmasfoi escolhido em homenagem a comarca de João de Palma, sededo primeiro movimento separatista da região. Instalada em 1809,nas margens do rio Palmas com rio Paraná.

- Tantos lugares belíssimos, pessoas encantadoras, animais,pássaros, peixes, praias, "nossos irmãos índios!"...

- Ah! Foram os dias mais delirantes da minha existência! Enão chegamos a conhecer uma décima parte das belezasexistentes na Amazônia! - desabafou Leopoldina.

A sudoeste está Bananal, a maior ilha fluvial do mundo,delimitada pelos rios Tocantins (que cedeu nome ao Estado) aleste, e Araguaia a oeste. Com fauna e flora variadas, Bananalabriga o Parque Nacional da Araguaia, além de reservas indígenascomo a dos Carajás. A menina Bonina também visitou aquelelugar. Praias e pescas esportivas atraem milhares de turistas detodo o país. Existem também os hotéis ecológicos que funcionamali, onde, na maioria das vezes, são financiados estudosambientais...

- Será que um dia retornaremos à Região Norte? - perguntouBonina.

- Mesmo que não retorne! As lembranças dessas férias voulevar comigo por toda vida. Sou-lhe muito agradecida, Nanny, foiatravés do privilégio de Deus tê-la colocado no meu caminho quefoi possível viver dias tão maravilhosos.

- Eu é que sou abençoada por Ele te colocar na minha vida.- rebateu Bonina timidamente.

De volta ao orfanato, Bonina ficou horas nos dias seguintescontando aos irmãos órfãos as aventuras que viveram naquelasférias. Depois lhes presenteou com as lembrançinhas artesanaisque trouxeram da Amazônia. Posteriormente, resolveu inventar o"Jogo das Respostas" com os médicos e funcionários do orfanato.Todos acharam uma maluquice, mas concordaram em brincarcom a menina. Desse modo, todas as vezes que lhe encontravam,começavam a brincadeira.

- Uma cena que não pode ser descrita? Virando os graúdosolhos de um lado para ou outro, Bonina responde:

- Indescritível.- Muralha que não se pode destruir?- Indestrutível.- Um rosto que não se pode confundir?- É inconfundível.- Região que não se pode atingir?- É inatingível! - responde Bonina com expressão pensativa.- Uma pessoa que come mais do que deve?- É o glutão.- E as pessoas que têm exagerado amor ao dinheiro?- Essas são pessoas avarentas - foi a resposta da garota.Ao se encontrar com um dos médicos que trabalhava no

orfanato, a brincadeira continuou:- Qual dos doutores cuida das crianças?- O pediatra! - respondeu Bonina.- E dos idosos?- É o geriatra.- E quem cuida dos nossos olhos?

- Esse médico é o oftalmologista! - respondeu a menina.- E da nossa pele?- O dermatologista!- E o doutor que cuida dos nossos dentes?- É o odontologista.- Muito bem Bonina! Poderia dizer qual o profissional da

saúde que cuida do nosso coração?- Esse profissional se chama cardiologista.Já de costa para a menina, o médico pergunta:- Qual o especialista que se ocupa do tratamento das

moléstias do ouvido, nariz e garganta?- É o otorrinolaringologista.- Você está certa, pequena dama do orfanato, você está

certíssima! - sorrindo aquele doutor se despediu de Bonina.A diretora ouviu o médico elogiar Bonina e resolveu continuar

com aquela brincadeira:- Qual a capital do Egito?- Cairo! - respondeu Bonina imediatamente.-E a capital da Índia?- Nova Delhi!- Quem nasce na Inglaterra?- É o inglês. - responde a menina.- E na Bolívia?- O boliviano.- Duvido que você saiba a próxima resposta! Quem nasce

na Guatemala?- O guatemalteco! Estou certa?- Incontestavelmente! - afirmou a diretora já querendo

encerrar sua participação na brincadeira.Leopoldina sabendo que o assunto atual mais importante

para Bonina era sobre a viagem que fez para Região Norte, e adiretora com pressa, mas não conseguindo se livrar daquelabrincadeira, resolve intervir.

- Nanny! O Diego não está acreditando sobre aquele localonde existem as piscinas com água mineral.

- Você não deveria desacreditar na Preta! Eis que vou te

relatar sobre aquele local fabuloso: o lugar se chama Cacoal SelvaPark Hotel e fica na região central do estado de Rondônia. Naqueleambiente, nos sentimos como se estivéssemos verdadeiramentena Amazônia. É viver uma prazerosa aventura ecológica só o fatode se encontrar ali! Nos bangalôs, áreas de camping, passeiosde barcos com indescritíveis belezas cênicas e a prática doarborismo... Araras de cores variadas, antas, capivaras, macacos,jabutis... O pirarucu, maior peixe da Amazônia, e uma infinidadede peixes... Todos no seu habitat natural! O ecossistema daquelelugar permanece harmônico e preservado! Quando alguém visitaaquele local, tem a impressão de se encontrar verdadeiramentenum lugar paradisíaco! É desse lugar que a Preta estava lhefalando. Lá, as piscinas são abastecidas com água mineral... Ummergulho naquelas águas cristalinas é o mesmo que "lavar aalma".

Quando a menina conclui seu relato sobre o Cacoal SelvaPark Hotel, notou que o irmãozinho órfão respirou fundo, comose a história o tivesse levado até aquele lugar encantado. O chorode uma criança foi ouvido e o garotinho Diego regressou à suarealidade: o orfanato.

CAPÍTULO III

ENCANTANDO-SE COM O PANTANAL

Com a memória repleta de informações e as lembrançasdas férias que passou na Amazônia, Bonina iniciou suas atividadesescolares no quinto ano do Ensino Fundamental. Naquele primeirodia, sentiu dificuldade de se relacionar. "Os garotos e garotas sãobem maiores que eu!" Pensou a menina. Ainda maior foi oconstrangimento que certo garoto a fez passar, quando aprofessora acabou de se apresentar para a turma. Apontando seuindicador ameaçador contra Bonina, sentenciou:

- Professora! Acho que aquela menina entrou na sala deaula errada, ela é tão pequena.

- Filho, há quanto tempo sua família chegou a estacomunidade? - perguntou a professora.

- Estamos com dois meses aqui na cidade! Meu pai é umpromotor de Justiça e foi transferido para cá. - respondeu o jovem.

- Ah! Então está explicado o porquê de você não conhecer

aquela garotinha... E já que estamos iniciando o ano letivo, atradição recomenda nos apresentarmos. Assim sendo, sugiro quefaçamos um círculo com as carteiras. Em seguida, darei doisminutos para que cada aluno faça sua apresentação. Quanto aoseu questionamento, meu caro jovem: quero informá-lo que o nomedaquela menina é Bonina. Ela faz, sim, parte nesta turma e nós,professores, nos orgulhamos de tê-la aqui neste colégio.

Bonina se mostrou humilde e isenta de qualquer vaidade.- Obrigada! Pela parte que me toca. - disse Bonina

educadamente à professora.- Sei! O pai dela deve ser o prefeito, um juiz, ou quem sabe

um empresário ricaço. - O garoto falou baixinho, não muitoconvencido - vou fazer de conta que seja verdade, está bem? -piscou o olho conspiradoramente ao colega do lado.

A menina Bonina permaneceu calma e tranqüila, semnenhuma demonstração de exibicionismo e com certa dose deequilíbrio.

No estudo das ciências, na quinta série, Bonina já estavafamiliarizada com a composição do solo, água e ar; com os seresvivos, tinha noção da classificação por sua espécie; distinguia ofuncionamento de cada órgão e sistema do corpo humano; eestava adiantada na introdução da Química e Física...

Nos primeiros dias de aula..."Se conseguíssemos retirar todo esse material e

continuássemos nosso processo de divisão apenas com a água,chegaríamos a uma molécula de água. A partir daí, sequebrássemos de algum modo essa molécula, deixaríamos deter água. Podemos então dizer que a molécula é a parte menorda matéria. Por sua vez, as moléculas são compostas departículas ainda menores, chamadas átomos. No caso da água,já sabemos que sua molécula é composta de átomos dehidrogênio e oxigênio...".

"Toda substância inorgânica de composição químicadefinida, que toma parte na formação das rochas, é denominadomineral... A ciência que estuda as rochas é a Petrografia. Ospetrógrafos costumam classificar as rochas em três grandes

grupos, de acordo com sua origem: magmáticas, sedimentarese metamórficas...".

"Os solos podem ser formados por areia, argila, calcário ehúmus em quantidades muito variáveis. Húmus é um materialorgânico resultante da composição de restos de animais evegetais. Ele fornece vários tipos de nutrientes indispensáveis aodesenvolvimento dos vegetais... Para se desenvolverem bem, asplantas precisam de nutrientes. Esses nutrientes fazem parte dosminerais e são retirados do solo justamente com a água. Sãoeles o fósforo, o calcário, o ferro, o enxofre, o magnésio, opotássio, o cloro e outros...".

- Muito bem! Você está certa em todos esses seusesclarecimentos. - disse a professora de Ciências às explicaçõesde Bonina sobre a composição da água, formação do solo comseus nutrientes e a classificação das rochas...

Educadíssima e sempre prestando atenção em todas asexplicações dadas pelos professores. A classe em que Boninaestuda, é sempre um prazer para qualquer professor, pois elaestimula o esforço de todos na sala de aula. "A língua portuguesaé uma das mais difíceis de aprender do mundo!" gabava-se Boninada complexidade que tanto lhe seduzia no aprender o Português."As palavras que indicam os objetos, pessoas, lugares e animaispertencem à classe dos substantivos. As palavras que indicamqualidade dos objetos, pessoas ou animais pertencem à classedas palavras denominadas adjetivos. A sílaba de uma palavrapronunciada com maior intensidade que as demais é denominadasílaba tônica. A sílaba de uma palavra pronunciada com poucaintensidade é denominada sílaba átona. Numa palavra há apenasuma sílaba tônica; retirando a sílaba tônica de uma palavra, asdemais são átonas. O verbo é a palavra que transmite ação, estadoou fenômeno da natureza..."

- Estou perplexo diante de todos esses seus conhecimentos!- admirou-se o professor de Português.

- Não vejo motivo para perplexidade, estou apenas repetindoo que aprendo nos livros. - respondeu a menina.

- Realmente, Bonina, seu apego aos livros é que é louvável!

- sentenciou o professor.Na segunda semana de aulas...- O Brasil é composto de vinte seis estados, um Distrito

Federal e as ilhas oceânicas! Qual aluno pode me informar quaissão essas ilhas oceânicas? - perguntou a professora de Geografia.

Notando que todos os alunos ficaram em silêncio, Boninalevanta o braço se prontificando fornecer a resposta.

- Diga-nos, querida! - exclama a professora.- São as ilhas que compõem o arquipélago de Fernando de

Noronha, as ilhas de Trindade e Martins Vaz, os penedos de SãoPaulo e São Pedro e o Atol das Rocas. - respondeu Bonina.

- Parabéns! Sua resposta é exata.E complementou:- Alguém pode me dizer as definições exatas de um

arquipélago, uma ilha, um penedo e um atol?Um silêncio dolorido permaneceu por um longo tempo na

sala de aula.- Eu posso professora!- Então nos diga Bonina.- Os arquipélagos são grupos mais ou menos numerosos

de ilhas; as ilhas são terras menos extensas que os continentese cercadas de águas por todos os lados; os penedos são grandesrochas emersas e os atóis são ilhas rasas, quase ao nível domar. - foram as definições dadas por Bonina.

- Perfeitamente! - empolgou-se a professora.- Céus! Essa menininha sabe tudo? - pergunta baixinho o

filho do promotor de Justiça ao aluno do lado.- Você ainda não viu nada! - Vingou-se o garoto amigo de

Bonina, que tinha recebido aquela piscadela conspiradora noprimeiro dia de aula. - Cale-se! E aprenda com ela. - dissesecamente.

O casal de jovens que acompanhou Bonina e Leopoldinana viagem ao norte do Brasil, fez um excelente trabalho: fotografoue registrou imagens espetaculares em vídeo e áudio. Ossentimentos inocentes da menina em contato com animais elugares selvagens foram ressaltados de forma brilhante.

Isso deixou Bonina muito feliz, quando recebeu as cópiasdas fotografias e filmagens.

Dois meses depois que recebeu as cópias das fotos e osfilmes, a vida da garota mudou de maneira drástica; quando aagência iniciou uma grande campanha publicitária, enviando parasuas filiais em diversas cidades brasileiras e no exterior o materialpublicitário. A menina mais inteligente do mundo apresenta para omundo a culinária, os pontos turísticos, os locais para práticas deesportes radicais, as festas culturais e religiosas, os encantosamazônicos... Na tevê, nos jornais, em folders, nos outdoors eentrevistas, em quase todos os locais suas imagens estavampresentes: Bonina fazendo sua refeição com os índios. A meninavisitando os museus e teatros. A garota brincando com osmacacos, as araras, os botos cor-de-rosa (os golfinhosamazônicos). A pequena nas embarcações, aventurando-se nosdiversos rios que compõem a bacia amazônica... Foi umestrondoso sucesso! Se refletido nas passagens vendidas.Passageiros de todo o país querendo embarcar para um ou outrolugar na Amazônia. Até do exterior chegavam turistas com maisfreqüência. Os brasileiros querendo conhecer melhor seu própriopaís. "Os pacotes para as férias no exterior caíram nas vendasem dez por cento, por outro lado, para a região norte do Brasilserá necessário fretar aviões para cobrir a demanda!" - informoualegremente o diretor financeiro, na reunião mensal dos acionistasda agência.

- Esta menina é igual ao rei Midas! (O rei mitológico gregoda Frígia, na Ásia Menor. O sátiro Sileno, grato pela hospitalidadee pelo cortejo com que Midas o havia apresentado ao deus dovinho Dionísio, ofereceu concedê-lo um pedido. O rei pediu quetudo que tocasse se transformasse em ouro, mas logo searrependeu de seu pedido, pois até a comida e a água se tornavamouro com seu toque). - profetizou o gerente geral da empresa

Naquele primeiro semestre do quinto ano do EnsinoFundamental, não foi mais possível Bonina freqüentar as aulasnormais no colégio. Passou a receber lições particulares noorfanato, por causa de sua popularidade e da pouca idade. Sua

presença na sala de aula a constrangia, tanto quanto aos outroseducandos. Alguns poucos alunos até passaram a hostilizá-la,sendo ela pequena e tão inteligente.

- Se não bastasse todas as pessoas me cumprimentandonas ruas! Agora alguns estudantes maltratam-me na escola. Oque eu fiz de mal para eles, Preta? - perguntou tristemente Boninaquando ficou sabendo que não mais iria fazer suas aulas na escola.

- Você nada fez, Nanny! É que algumas pessoas por inveja,mau educação ou sei lá o porquê, acabam não gostando dasoutras pessoas. - proferiu sabiamente Leopoldina na intenção deconsolá-la.

O sucesso foi tanto que os diretores da empresa, temerososque outra companhia pudesse interessar-se pela menina,decidiram invalidar o contrato e fazer outro mais amplo. Comagilidade de boa negociadora, a diretora do orfanato conseguiuestabelecer no contrato uma mesada, depositada numa contabancária, que Bonina pudesse usufruir quando alcançasse suamaioridade; uma doação mensal para o orfanato; um Plano deSaúde com cobertura total e vitalício; escola particular para Boninaaté sua conclusão do ensino superior; passagens livres nosaviões e ônibus das empresas filiadas à agência; assim comoreceber cópias de todas as fotos e filmagens feitas nas viagens.Apenas ficou reservada para a agência, a manipulação comercialdo material coletado.

A agência não se importou com as despesas extrasescolares de Bonina. "Assim ela não precisará cumprir aquelasintermináveis horas em sala de aula, podendo a qualquer momentoviajar e conhecer o Brasil! Pois não é Bonina a garota maisinteligente do mundo?" Animou-se o diretor geral da agênciaquando soube do ocorrido. Desse modo, a vida da menina seguiuseu curso... Naquelas férias de julho foi excepcional conhecerum dos mais belos arquipélagos do mundo. E a agência registroucada reação da garotinha Bonina.

Um vulcão entrou em erupção, resultante do afastamentoocorrido entre a África e a América do Sul. Há doze milhões deanos. Esse e mais outros eventos vulcânicos deram origem a

uma montanha submarina com aproximadamente quatro milmetros de profundidade e uma base de sessenta quilômetros dediâmetro em pleno oceano Atlântico. "Meu Deus maravilhoso!Então foi assim que surgiu um dos mais belos arquipélagos?"admirou-se Bonina, lendo o informe e ao mesmo tempo retirandoas roupas das malas com uma das mãos; não demonstrouinteresse em largar o informativo turístico, encantada com tantasinformações.

O azul celeste no céu. A jangada lá longe, distante, a perderde vista. O pescador com sua rede artesanal. Bonina pouco seentusiasmou com a arte do pintor local expressa na tela. Comoesperar que aja outra reação ao quadro pendurado na parededaquele quarto quando tudo à sua volta é tão lindo esurpreendente? Os raios de sol entravam pela porta que davaentrada para a sacada do quarto. Ouviu o canto dos passarinhos.Deixou o folheto de lado e deu alguns passos adiante. Escorregoua porta fazendo um movimento contrário. Inspirou fundo evagarosamente, diante do panorama natural. Bonina sentiu-severdadeiramente cercada pelo grandioso oceano Atlântico.Respirou novamente, profundo e pausadamente; era como se oar, invadindo seus pulmões, levasse uma corrente de paz,acalentando sua alma. Ficou contente de se achar ali, na varandadaquela pousada, na Vila de Nossa Senhora dos Remédios, noarquipélago de Fernando de Noronha. "Não poderia ter escolhidomelhor lugar para descansar nas minhas férias de julho!"convenceu-se Bonina.

Horas depois da sua chegada ao arquipélago, a garota jáse encontrava adormecida, dominada por um sono leve. Umahora antes saboreou apetitosos mariscos, sugestão doproprietário do restaurante. Ao perceber que Bonina não acordariaa tempo para o passeio vespertino, Leopoldina antecipou-se.

- Nanny! Nanny! Apresse-se, caso não queira perder acaminhada.

A trilha é percorrida a pé, normalmente no dia da chegadana ilha, no período da tarde. Bonina ficou maravilhada com osmonumentos históricos, a igreja, o museu, os casarios em estilo

colonial e o Palácio de São Miguel. No segundo dia conheceu apraia do Cachorro e da Conceição. Naquela tarde, deslumbrou-se com o pôr do sol visto da Fortaleza de Nossa Senhora dosRemédios e maravilhou-se com o cenário do Morro do Pico, oponto mais alto da ilha com trezentos e vinte e três metros dealtura. Sua estada ali foi enriquecida culturalmente com o passeiomarítimo ao Rochedo das Pedras Secas, localizadas no mar-de-fora, distantes do conjunto do arquipélago, na direção da praia deAtalaia e da Enseada da Caeira...

- Preta! Este lugar foi chamado de "escolhos" por AméricoVespúcio, em 1503, na sua carta descritiva da abordagem feitaface ao naufrágio ocorrido nessa proximidade. É neste lugar ondecomeça a história oficial de Fernando de Noronha. A data de 10de agosto é comemorada pelos habitantes da ilha.

- Como você sabe disso? - perguntou Leopoldina.- Ora! Onde eu encontro essas informações se não nos

livros, Preta? - justificou-se Bonina, fazendo apologismo."Este é o Rochedo Dois Irmãos, são duas ilhas muito

semelhantes entre si, formadas por rochas vulcânicas de corescura, sobre as quais existem depósitos de "guano", que lhesacrescenta um ar esbranquiçado de rara beleza. É o maissignificativo formato de afloramento vulcânico do arquipélago,tendo inspirado uma das famosas lendas de Fernando de Noronha:a Lenda do Pecado, que o considera os seios de uma mulhergigantesca, petrificados por castigo de haver pecado". Informouo guia turístico.

No quarto dia já estava preparada para o "batismo" (certamodalidade de mergulho para principiantes que é oferecida aosvisitantes de Fernando de Noronha). E no oitavo dia recebeu umtelefonema da diretora do orfanato, informando-lhe sobre certapessoa que tinha visto uma entrevista de Bonina na tevê: "Ela dizque está certa de saber quem é sua mãe!" Disse a diretoraefusivamente. Naquele mesmo dia Bonina encerrou suas fériasno Arquipélago de Fernando de Noronha e voltou para sua pequena"cidade satélite".

Uma mulher muito jovem contou sua história...

Quando ela estava com dezesseis anos teve um casal deamigos com a mesma idade e que na época estavamperdidamente apaixonados um pelo outro. Ambas as famílias dosjovens não concordavam com aquele namoro. Sua amiga erasempre muito descuidada, muitas vezes apareceu no colégio commeias trocadas e as coisas pioraram quando esqueceu de usarcamisinha nas relações... "Não sei o que fazer para esconder agravidez!" Confessou-me essa amiga certa vez. Quando a famíliadela ficou sabendo decidiu excomungá-la, dizendo-lhe que nãoera mais bem-vinda na casa dos pais. O casal de amigos ficouna cidade até o nono mês da gestação. "Assim que o bebê nascer,vou abandoná-lo e sumir do mapa!" Essas foram as últimaspalavras que ouviu da jovem amiga. Logo depois, o casal deadolescentes sumiu da cidade. Somente recentementereceberam uma correspondência daqueles jovens amigos dopassado. São agora dois hippies.

A jovem mulher informou que a data dos acontecimentoscoincide com o mês do nascimento de Bonina. "Acho que essaminha amiga pode ser sua mãe!" disse a mulher dedutivamentepara Bonina. "Não posso lhe dar certeza porque o endereço queestá no envelope é de uma pensão na cidade de Goiânia, e nãoconsta na lista telefônica qualquer telefone para aquele endereço."Fez uma pequena pausa e afirmou convincentemente: "Casoqueira encontrar sua mãe, aqui está a direção que deve seguir!".Dois dias depois, quando Bonina chegou naquela pensão, recebeua informação que o casal de hippies, com um garoto menor queela, esteve ali, mas pagou sua conta e saiu logo cedo naqueledia. "É provável que ainda estejam na cidade!" informou orecepcionista do pequeno hotel familiar.

- Ouviu Preta? Eu tenho um irmãozinho! - afirmou Boninacom euforia.

- Estou tão contente por você, Nanny! - vibrou Leopoldina.Encontraram o casal de hippies um mês depois, na capital

do Mato Grosso do Sul. A jovem ainda vive no "mundo da lua". Érealmente descuidada. Não teve mais filhos em função de nãofazer os acompanhamentos necessários do pré-natal, e seu parto

foi complicadíssimo devido sua pouca idade. Assim, seu útero foiavariado e ela ficou impossibilitada de engravidar novamente. Ogaroto de fato tem uma estrutura física menor que Bonina. Porém,é um capricorniano da mesma idade.

- Por que você não informou na carta que enviou para suaamiga, sobre seu filho? - perguntou-lhe Bonina aflitivamente -Tínhamos esperanças de que fosse minha mãe! Nós jápercorremos várias cidades nos estados de Goiás, Mato Grossoe Mato Grosso do Sul, nas quais você e seu esposo peregrinaramno último mês.

- Eu... eu não informei, não? Pensei que minha amiga estavasabendo. - disse a jovem hippie distraidamente.

- Sua amiga sabia da gravidez de nove anos atrás! Masrecordava que você tinha dito a ela que iria largar a criança emqualquer lugar assim que ela nascesse e sumir do mapa. Foiisso que sua amiga concluiu. Naquela ocasião, Bonina foiencontrada numa cesta de lixo e todos nós estávamospresumindo que você fosse a mãe dela, entende? - perguntoudesesperadamente Leopoldina, diante aquela situação.

- Desculpem-me pelo que eu as fiz passarem! Eu não tinhaa menor idéia de que o quê vocês me falaram poderia acontecer.Até confesso que naquela época pensei em fazer uma besteiradessas, mas quando olhei para o Filipe a primeira vez, desisti detodos aqueles planos mirabolantes de abandonar meu filho. -admitiu a jovem hippie, envergonhada dos pensamentos dopassado.

As muitas lembranças alegres daquela andança, quandoBonina ficou desejosa de encontrar sua família, ajudaram-na acontentar-se brevemente com a frustração e o ofuscamento denão encontrar a mãe.

No Goiás, as duas foram até as cidades que formam a maisimportante estação hidrotermal do país, onde as águas quentesafloram das camadas profundas do subsolo, em piscinas naturaisque chegam a atingir temperaturas de trinta e sete grauscentígrados...

- Eu desisto! Nunca vou encontrar minha mãe. - disse

Bonina, tristemente.- Tenha fé Nanny, não se deixe abater. Todas as coisas

valiosas são difíceis de encontrar. - filosofou Leopoldina, tentandoreanimá-la.

Na antiga capital goiana, visitaram o centro histórico, cujoscasarios com sobrados coloniais e a igreja ressaltam a arquiteturabarroca...

- Sabe que é mesmo! Você tem razão, Preta. Tudo que éespecial não se encontra tão facilmente. - articulou Bonina, járecuperada do desânimo.

Leopoldina abraçou-a, deu-lhe um cheiro no olho, e naquelemomento nada mais falou.

Foram a um dos endereços mais famosos de Goiás: a casada escritora Cora Coralina.

- Sabe, Preta, é uma lástima que na enchente do ano 2001,grande parte do acervo de livros dedicados à Cora Coralina tenhasido destruído. - informou Bonina, já totalmente recuperada dadesilusão de não encontrar os pais.

- Tenho grande admiração por seus trabalhos e gostoespecialmente do seu primeiro livro: Poemas dos becos de Goiáse estórias mais, que ela publicou com 77 anos. - Leopoldinaconfessou-se admiradora da poetisa brasileira Ana Lins dosGuimarães Peixoto Bretas, conhecida mundialmente como CoraCoralina, que nasceu em 1889 e faleceu em 1985 com 96 anos.

Depois de comer o peixe pintado servido na receita maispopular daquela região: a mojica acompanhada com banana-da-terra ao natural, a menina fez uma promessa a Leopoldina deque, enquanto durassem aqueles dias nos Mato Grosso e MatoGrosso do Sul, comeria apenas os pratos servidos com peixes.Desse modo, Bonina saboreou o pacu, piraputanga, dourado...

- Nanny, caso queira pode comer outros pratos que nãocom peixes. - falou Leopoldina quando assistiu Bonina devoraralegremente um pacu-peba.

- Ah! Se todas as promessas que tivesse feito fossem fáceisassim, queria ter milhares delas para cumprir.

- Não seja glutona, Nanny.

- É força de expressão, Preta, força de expressão. - disseBonina sorrindo alegremente.

Foram ao Parque Nacional do Xingu, ali presenciaram umacomemoração indígena da tradição Quarup (festa realizada emhomenagem aos chefes mortos e novos líderes). Na Chapadados Guimarães, encantaram-se com os cânions, cascatas e sítiosarqueológicos... "São em parte semelhantes à Chapada dosVeadeiros. Contudo, de beleza única!" Disse Bonina admirada aoobservar uma das cavernas existentes ali. "Estas são majestosasobras da natureza que demorou milhares de anos para se formar!"Com firmeza Leopoldina apoiou a observação da menina.

No Mato Grosso do Sul, tomaram o mate gelado: "tererê".Na maior planície alagável do mundo, se admiraram com um dosecossistemas mais importante do planeta: o pantanal-matogrossense, com seus duzentos e dez mil quilômetrosquadrados, composto de florestas baixas, savanas, serrados,campos e matas naturais... "Parece infinita a quantidade depássaros!" Admirou-se Bonina com a grande variedade de avesexistente no Pantanal. Tão grande quanto sua admiração peloajuntamento de jacarés, foi observar a capivara e uma cobrasucuri, que Bonina avistou bem próximos. "Todos os brasileirosdeveriam ter o direito assegurado a visitar este lugar! E é precisopreservar estas belezas naturais para as gerações futuras!"Profetizou Bonina contemplativamente.

- Já disse a você que um dia eu quis ser protetora danatureza? - perguntou Leopoldina.

- Não! Você nunca me confessou nada parecido, Preta.- No passado, desejei ser uma ambientalista. Sabe aquelas

duas árvores em frente ao orfanato? Fui eu que plantei! Quandovocê ainda era um bebê! - disse Leopoldina, com expressãosaudosista.

Na serra da Bodoquena, Bonina ficou impressionada coma beleza das grutas e dos rios... Intensa também foi sua fascinaçãopelas largas avenidas arborizadas no centro da cidade de CampoGrande... Estavam até se divertindo na capital mato-grossensedo sul, quando receberam uma ligação da diretora do orfanato:

"Vocês precisam retornar com urgência!".-Mas o que será que aconteceu de tão extraordinário para

que fosse solicitada com urgência nossa presença no orfanato? -indagou Bonina.

- Eu não faço a menor idéia! Mas acho bom nos apressar. -respondeu Leopoldina.

Na manhã seguinte, Bonina, Leopoldina e a diretora doorfanato, se reuniram...

- Suas imagens divulgadas por todos os lugares chamam aatenção de muita gente. Enquanto vocês passeavam esse últimomês, atrás dos seus supostos pais, apareceram quatro casaisinteressados na sua adoção. Eu sei que esta é uma situaçãoembaraçosa para você, Bonina. Mas nós precisamos resolver estaquestão como pessoas civilizadas. Afinal, este é um orfanato eme cobram resultados. Outro assunto importante que temos quetratar está aí fora, na sala de visita: apareceu-me certa senhoraidosa com uma história, dando-me certeza de que possa ser suaavó. Esse é outro caso que necessitamos resolvê-lo. E tem tambémos intercâmbios culturais internacionais. Primeiramente, vouchamar a mulher idosa para que possamos conversar com ela...

- Eu lembro perfeitamente daquele dia, era um 24 dedezembro, minha filha ficou feliz com a menina. Mas ocompanheiro dela, Juarez Soares, não gosta de crianças, é umcaminhoneiro rude. Minha Madalena tinha acabado de ganhar acriança e aquele homem discutiu com ela, gritou: "Vou sumir enunca mais voltar!" Minha filha o ama muito. Ele afirmou amá-la elevar minha filha Madalena, mas impôs uma condição: a criançaele não quis "Não tem como viver com uma recém-nascida naboléia de um caminhão!" Foi o que ele determinou. Então, naqueleestado fragilizado, naquela tarde, minha filha entregou-lhe apequenina. Ele saiu com a criança; na manhã seguinte, voltouembriagado e sem a menininha. Disse-nos que ela estava emboas mãos e que a entregou para um orfanato. Não acrediteinaquela história dele. Minha filha choramingou os cinco diasseguintes, deu até dó. E aí partiram os dois. Assim que elesviajaram passei por uma crise depressiva, fiquei angustiada. Foi

então que resolvi voltar para Minas Gerais, junto da minha família,e de lá fui trabalhar na Espanha. Nunca mais tive contato comminha filha. No início desse ano retornei para o Brasil e desdeentão recomecei minha vida onde ela foi perdida... Guardo atéhoje esta foto deles junto daquele caminhão nojento de feio.

- Monstro! Esse homem é um desumano! - exclamou adiretora do orfanato ao ouvir aquela história.

A senhora idosa começou a chorar e Bonina abraçou-se a ela.

- Esse homem a quem você chama de "monstro" pode sermeu pai! Eu o perdôo pelo que fez. - balbuciou Bonina comlágrimas nos olhos, já acreditando que aquela mulher fosse suaavó. - "Não chore senhora! Por favor, não chore." E aconchegou-se a ela.

- Perdoe-me, Bonina! Não pretendia machucá-la ou aqualquer pessoa. - desculpou-se baixinho a diretora, do seuacesso de indignação.

Minutos depois, o motorista do orfanato foi levar a idosa atésua casa. Despediu-se alegremente, depois que recebeu apromessa da menina Bonina de que iria ajudá-la encontrar suafilha. Decidido o caso da idosa, debruçaram-se na questão daadoção...

- Diretora! Pelo que me falou, tenho certeza que os quatrocasais interessados na minha adoção são maravilhosos, isso nãome resta dúvidas. Mas tenho uma lista infindável de razões parao encerramento definitivo desse assunto. Vou citar alguns: amoimensamente todos vocês aqui do orfanato e, atualmente,considero vocês minha família. A Preta já se manifestoupositivamente a adotar-me desde meus primeiros dias aqui noorfanato, sinto com ela o amor de mãe. Se eu tivesse que fazeruma escolha, é com ela que eu desejo ficar. Agora, apareceuesta senhora que a pouco esteve aqui e me forneceu fortesmotivos para não desistir de encontrar meus verdadeirosgenitores. E se eu localizar os meus pais? Como a idosa mesmadisse: a filha dela pode ser minha mãe e a adoção representa eudesistir do meu sonho mais importante. Isso eu não quero! Têm

também os meus amigos da agência, que fazem todos os meusgostos e ainda me pagam para isso, até me deram um bomemprego. Por último, surgiu-me essa oportunidade dosintercâmbios culturais, que me levará para o exterior uma vez porano para passar dois meses fora do Brasil. Percebeu? Está bemclaro! Não necessito de outra família agora e eu não quero substituí-los por outras pessoas. Para mim, vocês são as melhores pessoasdo mundo! O que quero e preciso é da minha verdadeira família.Eu tenho certeza de que um dia vou encontrá-la...

O "caso" da adoção foi definitivamente sepultado, ficou assimsolucionado. E Bonina, com todo tempo do mundo para procuraros pais verdadeiros e aprimorar seus estudos.

Desse modo, cinco dias depois - não antes de ficar um diainteiro com a mulher idosa que se declarou sua avó - Bonina viajoupara a Grã Bretanha. Naquele país, foi para familiarizar-se com alíngua inglesa...

CAPÍTULO IV

PRIMEIRA VIAGEM AO EXTERIOR

Pessoas com hábitos estranhos aos que Bonina sempreesteve familiarizada, idioma completamente diferente ao do seuamado "Português", cultura e culinária que difere totalmente dabrasileira... A menina aproveitou a viagem que fez à Europa, paraconhecer um pouco da França, da Alemanha e de outros paísesdo continente ocidental... Nessa primeira viagem intercontinentalsentiu-se só e com saudades de todos do orfanato, especialmenteda Leopoldina, a quem enviou um e-mail:

"Existem pessoas que passam por nossas vidas e háaquelas especiais que se estabelecem, mesmo quandoausentes."

"Saudações iluminadas...Minha adorável Preta, minha amiga querida. Pensando em

você, lembro-me dos pequenos índios, dos passeios de barco,

do cheiro da floresta, das cachoeiras, da Amazônia, do Pantanalcom suas terras alagáveis com centenas de espécies de pássarose de tantos outros momentos significativos que juntas vivemos...Tantas outras coisas importantes que me chegaram vindas devocê, no momento em que mais necessitei: o seu sorriso, queme consola; a sua mansidão, que me acalma; a sua luta, que mefortalece; a sua alegria mesmo diante dos problemas, que meeleva; a sua companhia, que faz o tempo passar rápido de tãoboa que é... Ninguém poderia suprir tanto, se não viesse do céu.Por tudo que nos aconteceu tenho certeza: você é um anjo enviadopor Deus. Meu anjo protetor! Na ausência dos meus pais,familiares, amigos... Foi você quem supriu a falta de todos eles.Não pense que não estou consciente da grandeza da sua presençana minha vida. Compreendo com plenitude: você é um anjoenviado por Deus! E de tão especial que é, se estabeleceu naminha vida para sempre, mesmo quando está ausente. Informe atodos que eu enviei abraços, carregados de saudades... Valeu apena ter te conhecido...

Eternamente grata! Tua Nanny."Quando retornou da Europa, sentiu a falta de quatro dos

seus "irmãos" e se deparou com uma enorme surpresa.- Preta! Onde estão a Judite, o Reginaldo, o Roberto e a

Carla?- Os quatro casais que queriam lhe adotar resolveram levá-

los; cada criança foi adotada por um casal. - informou Leopoldina.Ao perceber o abalo que causou a informação na menina,

Leopoldina tentou consolá-la com uma boa notícia.- Na sua ausência, tomei a iniciativa e fui atrás de

informações sobre aquele caminhoneiro e a filha da senhoraFátima.

- O quê? - perguntou Bonina distraidamente pensando nos"irmãos" que se foram.

- Sim! Aquela senhora que nos contou aquela história, antesde sua viagem para fora do país. O nome dela é Fátima! Sabeaquela foto? Pois é, observando atentamente na placa docaminhão, encontrei a localidade de sua origem. Telefonei para o

Cartório Eleitoral do lugar que consta na chapa do veículo e de láveio uma confirmação de que existem três eleitores com o mesmonome do caminhoneiro. Meu passo seguinte foi procurá-los naLista Telefônica e encontrei dois desses eleitores com o mesmonome. Liguei para o primeiro e lhe disse do por que da ligação.Esse primeiro me confirmou que nunca trabalhou no transportede cargas. Já quanto ao outro, afirmou-me que era motorista decaminhão. Imagina minha surpresa quando ele disse que suaesposa se chama Madalena! Não foi esse o nome que a senhoraFátima nos disse ter sua filha?

- Foi esse mesmo! Maria Madalena! - confirmou-lhe Boninaapressadamente.

- Acho que encontrei a filha da dona Fátima! Agora nóspodemos confirmar se ela é sua mãe. - afiançou Leopoldina.

Não deu outra, foram até o Rio Grande do Sul.Quando Leopoldina e Bonina chegaram ao endereço do

caminhoneiro, foram informadas que ele e a esposa pegaramum frete aqueles dias para Argentina e estariam de volta em duassemanas.

- Vamos conhecer as belezas do Rio Grande do Sul!Estamos aqui mesmo, não estamos? - sugeriu Bonina, toda feliz.

E foram mesmo! Visitaram o pequeno rio Arroio Chuí,extremo sul do país. Na região serrana se depararam com osimigrantes italianos. Na região do vale do rio dos Sinos, aonordeste do estado, alegraram-se com os descendentes alemãese no litoral, admiraram-se com o amistoso tratamento recebidodos portugueses e açorianos. Em todos os locais do Rio Grandedo Sul, é predominante a tradição dos pampas. Bonina até pelouos lábios, ao tomar chimarrão.

- Preta, acho que nada pode sintetizar tão maravilhosamentea beleza da alma gaúcha, que a letra desta canção do DanteLedesma!

- Qual Nanny?- Ouça!

GRITO DOS LIVRES

Quando os campos deste sul eram mais verdesÍndios pampeanos que habitavam o lugarForam mesclados com a raça do homem brancoRecém chegado de querências além marE o novo ser que se tornou miscigenadoVirou semente, germinou e se fez povoE um grito novo ecoou no continenteLembrando a todos que esta terra tinha dono.

Enquanto um gaúcho for visto nos pampasEnquanto esta raça teimar em viverO grito dos livres ecoará nesses montesBuscando horizontes libertos na pazNo grito do índio, o grito inicial.Bom cheiro de terra no próprio idealDe amor à querência liberta nos pampasGerada em estampas do próprio ancestral

A nova raça cresceu e traçou limitesQue bem demarcam a extensão dos ideaisE o mesmo povo hoje repete o gritoAlicerçando nas raízes culturaisA liberdade não tem tempo nem fronteirasO homem livre não verga e não perde o entonoVai repetindo a todos num velho gritoPassam os tempos, mas a terra ainda tem dono.

Do grito do índio, aos gritos atuais,Há cheiro de terra nos próprios ideais.De um povo sofrido, ereto em vontade,De escrever liberdade nos seus memoriais.

Nas serras gaúchas, além do inverno rigoroso, erguem-seas belas cidades com características européias. Ali, Bonina visitouo maior centro produtor de vinhos e foram até as ruínas

preservadas das povoações jesuítas do século XVII. Na divisa deSanta Catarina, observaram com admiração o cânion deItambézinho, uma das principais atrações turística daquele estado.Em quinze dias, conheceram não somente as maravilhas sul-rio-grandenses, mas também foram a Santa Catarina. No litoralsul desse Estado, alegraram-se diante das panorâmicas praiasde Florianópolis e Garopabe e, ao norte, com o balneário deCamboriú. Na Arquitetura e Gastronomia do estado catarinensepredomina a presença dos açorianos. Na capital "floripa", Boninase deleitou com os pratos que incluem casquinha de siri, porçõesde camarões fritos à milanesa e ao bafo, como prato principal. Nasfazendas turismos, que se diferenciam dos hotéis fazendas pelaestrutura rústica. Além da comida caseira, a menina entrou emcontato direto com o campo, alegrando-se muito ao realizar tarefasnas plantações, nos currais e no dia em que plantou uma árvore.

- Nanny, você não precisa trabalhar tanto! Viemos apenaspassear, enquanto aguardamos a chegada do caminhoneiro. -repreendeu bondosamente Leopoldina, a disposição exageradada menina.

- Preta! Para quem o trabalho é prazeroso, torna-seanimador se ocupar com alguma atividade. Contudo, para quemo trabalho é pesaroso, as atividades causam uma lástima. Eu asacho prazerosas.

- Sei disso! Mas não precisa esforçar-se tanto.Por fim, ficaram maravilhadas na observação das baleias

francas que visitam a costa sul do estado catarinense na épocada reprodução e amamentação. Ali, no estado de Santa Catarina,Bonina realizou seu sonho de conhecer o Parque Beto CarreiroWorld... No dia marcado, as duas estavam de volta na casa docaminhoneiro.

- Realmente! Atendo-me por este nome. Minha esposatambém é Madalena e já fomos várias vezes a Brasília, conformea senhora me perguntou no dia em que ligou. Só que a mulher daqual você me fala agora não é minha sogra! Minha... minha queridasogra é paranaense e não mineira...

O Juarez estava no meio de uma longa gargalhada quando

percebeu a expressão de espanto das duas se entreolhando.Estagnou o riso e voltou a ficar centrado.

- Desculpem-me! Sei que a causa da menina é séria.Acontece que eu tenho um amigo com o mesmo nome. Comoele está sempre carrancudo, o apelidamos de "Turrão" e esseamigo é caminhoneiro, assim como eu. A esposa dele se chamaMaria Madalena e nós a chamamos de "Madá", porque minhaesposa também se chama Madalena. Espero que compreendammeu ataque de riso. De fato, a sogra dele é de Minas Gerais, sóque ele não tem contato com ela faz muitos anos. Várias vezes jános confundiram por termos nomes iguais. Quando eles secasaram, a Maria Madalena morava em Brasília. Com certeza o"Turrão" e a "Madá" são a quem estão procurando. Porém,atualmente, eles moram no Paraná.

- O Paraná é imenso, Preta! Iremos levar meses paraencontrá-los! - Bonina se desesperou com a notícia de que ocasal pelo qual procuravam poderia estar em qualquer local doestado paranaense.

- Nada disso! Eu tenho o endereço dele aqui comigo. -confessou Juarez.

- Graças a Deus! - exclamou Leopoldina aliviada.Assim, Leopoldina e Bonina foram para Curitiba, ao encontro

do homônimo, caminhoneiros, Juarez Soares e sua esposa MariaMadalena, a verdadeira filha e genro da senhora idosa de Brasília.Ao chegaram lá, receberam a notícia de que os dois estavampara o Paraguai e que nos sete dias posteriores retornariam.

- Já que estamos aqui, vamos esperar? - perguntouLeopoldina.

- Desde que seja ao nosso jeito! - enfatizou Bonina.E naquele Estado, foram ao Parque Nacional do Iguaçu,

visitaram as grandes indústrias automobilísticas, a hidrelétrica deItaipu, os saltos de Sete Quedas e Santa Maria. Em Curitiba, nacidade modelo, se impressionaram com a panorâmicaurbanística... No sexto dia em solo paranaense, a impaciência deBonina foi tanta que ela convenceu Leopoldina a fazer umasurpresa ao casal de caminhoneiro na Ponte da Amizade. E as

duas foram parar em Foz do Iguaçu...- Estou impressionada com o que acabo de ouvir. Essa

mulher da qual você mencionou, é de fato minha mãe. - dissealegremente Maria Madalena quando Leopoldina falou-lhe dasenhora Fátima.

- Ela nos falou também da sua criança e do que ocorreu hánove anos trás. - disse Bonina, escasseando a fala diante otamanho nervosismo que ficou.

Então a mulher contou a história desde o primeiro dia donascimento da filhinha; que um mês depois convenceu o esposoa voltar e pegar sua filha no orfanato...

- Quem são estas duas pessoas mamãe? - perguntou amenina que acabara de levantar na boléia e já estava na janela docaminhão.

- Amigas de sua avó, minha filha! - disse "Madá" à pequenamenina.

Depois de se desculpar pela intromissão curiosa da filha,continuou com sua história...

- Fomos até a casa de minha mãe e não mais aencontramos lá. Informaram-nos que ela tinha entregado a casaalugada e retornado para Minas Gerais. Meses depois estávamospassando por Minas e decidimos levar a neta que minha mãetanto ama. Disseram-nos que minha mãe tinha ido para Espanha.Nunca mais nos encontramos de novo... Não queiram saber afelicidade que estou com essa notícia do retorno dela para o Brasil.Agora, nada impede minha filha de conhecer a avó! - ExclamouMadalena acariciando levemente os cabelos da filha.

- Cheguei a acreditar que fosse você a minha mãe. Não é!Mas por outro lado, até fico feliz por saber que suas vidas foramacertadas e que contribuí para que reencontrasse sua mãe.Apenas peço-lhe que não demore muito! Afinal, sua genitora nospediu que se a encontrássemos, déssemos o recado de que elasente uma enorme saudade de vocês. - disse Bonina comexpressão compenetrada.

Assim, tranquilamente, Bonina se convenceu de mais uminsucesso de encontrar sua mãe.

- Nanny, não importa o que aconteça, nunca vamos desistir!Nós haveremos de encontrar sua família, demore o tempo que for.

- Ainda tenho minhas esperanças e sonhos intactos, comsua ajuda conseguirei realizar todos eles! - respondeu Bonina,mais consciente e racional.

Quando Bonina voltou para o orfanato, passou a viver comum livro debaixo do braço, lia toda noite: ciências, arte, política,poesia, tudo enquanto existia de impresso. Sua mente ordenadae classificadora se tornou uma pequena enciclopédia que os"irmãos" no orfanato desfrutavam prazerosamente durante asnoites dos sábados e domingos, quando lhes eram permitidodormirem um pouco mais tarde que nos outros dias da semana.Os órfãos ficavam reunidos no grande salão de leitura, brincando,conversando e projetando o futuro... Bonina lia poemas, osclássicos estrangeiros e brasileiros, explicava para os órfãossobre acontecimentos sociais, especialmente sobre as maravilhasexistentes no Brasil...

- Sabe Preta, estava eu pensando e cheguei a seguinteconclusão: o computador pode se tornar um atraso de vida.

- Como assim, Nanny?- Veja você: eu programei ler um livro durante a semana,

tempo suficiente para ler dois livros de igual volume, e não é quenão consegui ler nem mesmo esse que havia programado! Foiquando percebi que meu uso incorreto do computador me atrasoua vida. - respondeu Bonina.

- Realmente! Se a leitura dos livros é sua prioridade, tenhoque concordar com você. - afirmou Leopoldina.

Nas aulas particulares, Bonina se empenhava com a máximaatenção, acumulando conhecimentos e eliminando suas dúvidascom os professores... Quando recebeu seu boletim naquelesemestre, sua avaliação no desempenho escolar superou todosos outros alunos com suas notas altíssimas. Desse modo, ocolégio achou por bem reconhecê-la com a conclusão do sextoano fundamental. Naquela ocasião, a menina foi homenageadacom o louvor dos professores. Bonina recebeu até um diplomacomemorativo: "Aluna Exemplar Por Excelência" Estava escrito

em destaque.Algum tempo passou, até que certo dia, uma mulher

maltrapilha apareceu no orfanato e contou uma história fabulosaque animou muito o coração de Bonina.

- Não há dúvida! Esta mulher viveu com sua mãe. Ouça ahistória que ela tem para lhe contar. - disse a diretora do orfanato,que já era partidária de encontrar a mãe de Bonina.

A mulher cheirava mal e suas roupas resumiam-se a trapos.- Ela é uma pedinte! - confirmou a diretora, ao observar o

desconforto de todos na sala.E a mendicante começou a contar sua história...- Quando me encontrei com a Josefa, desde o primeiro dia

nos tornamos amigas e ela passou a viver comigo nas ruas.Quando ela me confidenciou sua desilusão amorosa, entrou emdesespero, disse-me que veio do Espírito Santo e não maispretendia retornar para perto de sua família. Estava muitoenvergonhada do que fez seu marido, preferindo viver nas ruas avoltar para aquela cidade. Dormíamos embaixo dos viadutos epedíamos ajuda das pessoas para nos alimentar. Ela tambémme disse que sua família tinha condições e que ela até iniciouuma faculdade. Eu não acreditei naquela história que me contou.Era uma vida dura! Vocês nem queiram saber...

- Sei... sei. - limitou-se a dizer a diretora querendo que amulher logo terminasse aquela história.

E ela continuou...- Nós nos tornamos grandes amigas! Josefa sempre usou

roupas largas e no início eu não percebia que ela estava grávida,só fui notar quando ficou no quinto mês da gravidez. Um dia,falando com ela sobre o bebê, perguntei-lhe por que não tinha medito antes que estava grávida. Ainda me lembro vivamente do queminha amiga disse: "De nada iria adiantar. Adiantaria por umacaso?" Se não quer falar desse assunto, tudo bem! Foi o quelhe disse e assegurei da minha boa vontade: "Quero que saibaque estou com você para o que der e vier!" E ela precisou, quandoa criança nasceu. Minha amiga não se achou com coragem deabandonar a filha e me pediu para que eu fizesse aquilo: deixar a

criança na porta de uma casa bem bonita. Assim, quem achassea criancinha, iria cuidar dela muito bem e dessa forma eu fiz. Sóque quando a dona da casa bonita chegou e percebeu a meninaembrulhada nas fraudas, pegou-as, disfarçadamente, junto como lixo, saiu apressada até um beco escuro e, há duas quadras dasua casa, abandonou a recém-nascida naquele beco sombrio.Ainda me lembro até do que pensei naquele momento "Essagarotinha nasceu sem a sorte!", depois voltei para me encontrarcom a amiga Josefa. Não mais a encontrei! Ela simplesmentesumiu. Nunca mais eu a vi novamente. Recentemente, estava eulendo um jornal velho e certa notinha de um colunista famosoque, comentou sobre a menina mais inteligente do mundo. "Étambém a garota de menor sorte no mundo!" Essa nota me fezrecordar aquele ocorrido com minha amiga. Foi exatamentenaquele local onde Bonina foi encontrada, que a mulher rica deixouaquela recém-nascida que eu abandonei na porta da sua casa.Foi por esse motivo que tomei a decisão de procurá-la. Eurelembrei da minha amiga Josefa e do que aconteceu há oito anos.

- Mas eu tenho nove anos! - afirmou Bonina.- Foi há oito ou nove anos, não sei ao certo! Mas... mas o

que eu estou falando é a verdade. Até hoje eu guardo osdocumentos que ela deixou, na pressa de ir embora. - justificou-se a mulher, e no mesmo instante apresentou uma velha carteiracheia de papéis.

Os documentos foram passando de mão em mão, até quechegou às de Bonina que, ficou observando com admiração afoto de Josefa nos documentos e não se conteve.

- Eu havia prometido que não mais sairia em busca da minhamãe, assim como fiz das outras vezes. Vocês são minhastestemunhas! Essa história que acabamos de ouvir é diferentedas outras. Observem bem essa mulher da foto! Se parececomigo, não é? Seus olhos, seus cabelos, seu rosto, tudo... sãoiguais aos meus. Serei exatamente assim quando for adulta! -disse Bonina timidamente.

"Parece mesmo!" Todos concordaram! E Bonina com suainteligência indagadora e feroz, não encontrou nenhum vestígio

de dúvida. Desse modo, Bonina sepultou todas as decepçõesanteriores debaixo de um manto de entusiasmo, sólido econtagiante, e uma forte esperança a impulsionou novamente...Bonina, juntamente com Leopoldina, estavam práticas nasinvestigações. Sabia a quem e onde procurar quandonecessitavam encontrar alguém desaparecido... Dias depois, comos pertences de Josefa, Bonina viajou ao encontro da mulher,certa de que a pedinte que viveu em Brasília fosse sua mãe.

- Posso ajudá-la, Preta! Caso ela esteja necessitando daminha ajuda. Tenho dinheiro guardado e posso pedir um empregopara minha mãe na agência. Eles não têm filiais em todo o Brasil?Não fazem todos os meus gostos? Por que não esse que me éimportante? Eu e minha mãe ainda seremos muito felizes! -refletiu Bonina projetando o futuro com a mãe.

- Pode contar comigo para ajudá-las! Farei tudo ao meualcance. - firmemente, Leopoldina apoiou as decisões da menina.

De posse dos documentos e com as informações sobre apedinte, foi fácil encontrar a residência da mulher que outrora secontentou em ser uma mendicante. Quando Bonina e Leopoldinachegaram ao endereço, foram recepcionadas por uma pequenagarota.

- Mãe! Tem uma mulher e uma menina querendo falar coma senhora. A menininha se parece muito com você.

- Pois não! O que desejam?- Ligamos ontem à tarde, viemos entregar seus pertences!

Estes documentos são seus? - perguntou Leopoldina.Josefa ficou extremamente nervosa ao rever os antigos

papéis que lhes pertenciam. Estava certa de que quem seencontrava de posse daqueles documentos sabia o que ela viveuna capital federal. Convidou Leopoldina e Bonina para queentrassem para conversar um pouco. Depois explicou para filhaque queria dialogar com as duas visitas em particular, pedindo àmenina para que aguardasse no quarto. A garotinha atendeuobedientemente, sem resmungar.

Quando as três encontravam-se as sós na sala, Josefacontou uma história semelhante a que Bonina ouviu da mendicante

de Brasília.- Meu esposo não sabe o que me aconteceu em Brasília,

mantive até hoje em segredo, não pretendia que ele viesse saberdo que passei no Distrito Federal... Ele se separou de mim naquelaépoca. Falou-me que iria ficar com outra moça, minha amiga.Fiquei desesperada e fugi com o pouco dinheiro que dispunha nabolsa. Peguei o primeiro ônibus que encontrei na rodoviária, estavaindo para Brasília. Quando lá cheguei, perambulei até meacompanhar e fazer amizade com uma mulher que vive nas ruas.Fiquei vivendo de esmolas durante oito meses, foi quando minhafilha nasceu...

Enquanto Josefa enxugava as lágrimas que obstinadamentecaiam, Bonina aproveitou a ocasião e sussurrou, profundamenteabalada:

- Eu sou a filha que você abandonou! - confessou Boninatimidamente.

- Não! Não é mesmo. Minha filha está lá dentro do quarto.- retrucou a mulher, recuperando-se do estado emocional abaladopelas recordações fortes do passado.

- Eu... eu posso explicar! - disse Leopoldina.Mas a mulher não permitiu, com aparência transtornada,

entre um soluço e outro, retomou com sua história...- É verdade! Eu solicitei que aquela amiga pedinte

abandonasse minha filha. Minha... minha filha é a razão do meuviver. Quando voltei para junto dos meus familiares, meu espososoube de nossa filha e reatamos o nosso casamento. Ele até setornou um exemplar chefe de família.

- Mas sua amiga nos disse que ela abandonou sua filhanuma casa bonita, como você pediu. Também presenciou quandoa criança foi deixada na mesma cesta de lixo onde Bonina foiencontrada, e nada fez depois. - antecipou-se Leopoldina.

- Aconteceu isso mesmo! Eu estava observando tudo delonge. Fiquei atormentada com aquela cena! Assim que minhaamiga e aquela mulher rica se retiraram, fui ao local e pegueiminha filha de volta. Naquele momento decidi parar com aquelasbobagens e daquele lugar mesmo voltei para minha família. Isso

faz oito anos! Não esqueço um só dia da minha vida essa coisahorrível que fui capaz de cometer, colocando a vida da minha filhaem risco.

Ao ouvir aquelas palavras, Bonina compreendeu o queaconteceu. Depois de um longo suspiro desanimador, admirando-se do arrependimento sincero da mulher, disse-lhe:

- Essa história que acabou de nos contar é parecidíssimacom a minha. As únicas diferenças é que a história da minha vidaaconteceu um ano antes, naquele mesmo local, e minha mãe,por um motivo que me é desconhecido agora, não voltou parapegar sua criança, assim como fez a senhora com a sua filha. -desabafou Bonina com ares melancólicos.

- Lamento imensamente por você pequena garota! -Josefatentou confortar Bonina.

- Quanto ao que aconteceu em Brasília fique tranqüila: seuesposo não ficará sabendo por nós sobre esse acontecimentodo seu passado, pois permanecerá um segredo nosso. - afiançouLeopoldina.

Logo após tudo esclarecido e com os ânimos estabelecidos,Josefa foi ao quarto da filha para que pudesse conhecer as duasnovas amigas da família.

- Estas são duas amigas da mamãe, minha filha.- Olá! Meu nome é Jaqueline.- O meu é Leopoldina.- E o meu Bonina.Jaqueline mostrou todos seus brinquedos para Bonina e as

duas ficaram muito amigas repentinamente. Leopoldina e a mãeda garota foram para cozinha tomar chá. Enquanto as duascrianças brincavam na sala. Josefa foi informada de tudo sobre oque aconteceu com Bonina. E aquela se tornou uma manhã festivapara as meninas capricornianas e as duas mulheres.

Leopoldina sabia que a cada um daqueles encontrosfrustrados, a menina ficava depois muito triste. Querendo reanimá-la, dissuadindo a da tristeza iminente, especulou com umaconversa diferente:

- Você já me surpreendeu múltiplas vezes, Nanny! Mas de

todas elas, a que mais me impressiona é essa de você largartudo o que está fazendo e sair ao encontro de uma sua supostamãe, não fazendo caso de quem seja essa mulher.

- Mas Preta! Eu sempre imaginei que estava consciente dopor quê!

- Como poderia? Esse seu comportamento é tão diferentedo da maioria das pessoas.

- Como assim: "Diferente do das outras pessoas?".- Em geral, a maioria das pessoas aprecia as outras por

sua aparência ou pelo que possuem. Lamentavelmente, é assim!Ninguém pode negar isso. E você, no entanto, não se importa quesua mãe seja uma doméstica, hippie, caminhoneira ou pedintenas ruas, vai atrás dela como se fosse encontrar uma rainha!

- Esse é meu segredo especial!- Eu concordo que seja algo especial. Todavia, que você o

guarde como "segredo", ah! Isso não!- É força de expressão, Preta, força de expressão! Eu... eu

tenho certeza que as pessoas sabem perfeitamente do meusegredo.

- Eu mesma não sei! - protestou Leopoldina.- Sabe sim! Está tudo escrito naquele livro de dizeres que

você me presenteou "Os objetos foram feitos para se usar e aspessoas para amar. Entretanto, a maioria das pessoas usa asoutras e amam seus objetos." Não me diga que não sabe disso?O mundo será muito melhor quando as pessoas evitarem aavareza, o preconceito e o egoísmo em suas vidas. - filosofouBonina.

- Sim! É verdade, eu sei disso! Só não imaginava que umacriança pudesse praticar esses princípios ao pé da letra.

- No dia que li essa citação pela primeira vez, achei prudentefazer mudanças. Quando passei a praticá-la na minha vida, tudomudou para melhor. Esse mecanismo é infalível! O mundo sedesviou do conceito real da verdadeira-felicidade. Hoje o queimpera é a ganância, o apego aos bens materiais, o modismo e oconsumismo. - apostilou Bonina.

- Eu concordo com você, a grande parte dos seres humanos

está com a visão desfocada da realidade. Desviaram-se para umcaminho contrário ao seu próprio bem. Esquecem que a únicaforma de sermos felizes, é promovendo a felicidade na vida donosso próximo. A única condição de encontrarmos a paz épropiciando a paz na vida de nossos familiares, amigos, vizinhose "desconhecidos". A própria "Lei Ouro", proclamada por aqueleJovem da galiléia, nesse conceito se apóia "Tudo que quereis,devereis fazer ao teu próximo!" Foi sua principal recomendação.A fama, o poder, o sucesso artístico, acadêmico, empresarial oucientífico, fazem muito bem ao nosso ego e muitas vezes nostrazem conforto. Mas tudo isso não passa de "bela" abstração,essa falsa-felicidade é criação da imaginação humana. Averdadeira felicidade não se resume ao que nossos olhos possamenxergar ou com o que nossas mãos possam tocar. - desabafouLeopoldina.

- A verdadeira felicidade consiste em fazer o bem sem ver aquem! - repetiu Bonina o antigo adágio.

- O mundo seria melhor, Nanny, se as pessoas pensassemcomo você. - confessou Leopoldina.

- Seria infinitamente melhor se vivessem como você, Preta.Muito do que sou é porque procuro imitá-la! - contestou Bonina,desapegada de qualquer vaidade e com muita admiração por suaama-de-leite.

- Vindo de você, fico lisonjeada com o comentário.- Você é uma grande mulher! Quando eu crescer, quero

viver do mesmo modo como leva sua vida. - sentenciou Bonina jáesquecido completamente da desilusão de encontrar a mãe.

- Eu te amo tanto, tanto, Nanny.- Eu também te amo muito, muito mesmo, Preta.E as duas se aconchegaram num forte abraço...- Preta, não me encontro com qualquer disposição para

retornar ao orfanato, nós duas bem que poderíamos ficar maisuns dias aqui e conhecermos algumas das maravilhas do territóriocapixaba.

- É claro que podemos! Somente será preciso avisar adiretora do orfanato.

Desse modo, conheceram no sul do litoral capixaba. Aspaisagens recortadas por serras, morros, e as contrastantes aonorte, com suas paisagens planas, com dunas e palmeirais. Nacosta do Espírito Santo foram às praias de Marataíses, Guarapari,Piúma e Conceição da Barra, onde se situam as dunas do rioItaúnas. Visitaram museus. O Teatro Carlos Gomes. Foram até oConvento de Nossa Senhora da Penha e na residência onde viveuo padre José de Anchieta. No interior, foram ao Parque Nacionaldo Caparão, o Pico do Itabira e as Pedras do Frade e da Freira.Degustaram a torta e a moqueca capixaba de peixes e de frutosdo mar, cozidos em panelas de barro artesanais, ao molho deurucum, de origem indígena...

Leopoldina e a menina resolveram alongar aqueles dias emque Bonina estava indisposta, e concordaram em conhecer oestado vizinho de Minas Gerais.

Visitaram as cidades históricas. Nas ladeiras íngremes docalçamento da cidade onde residiu Aleijadinho, constataram queos calçadões permanecem originais desde os duzentos anos do"descobrimento" do Brasil. E ali, se depararam com o maiscompleto e bem conservado conjunto de obras do escultor, empedra sabão: "Os profetas!". No adro da basílica do Senhor BomJesus de Matosinhos, e dos grupos em madeiras nas Capelasdos Passos, que representam cenas da Paixão de Cristo, Boninafez um pedido a Deus: "Senhor! Ajude-me a encontrar meus pais".O estado de Minas é pioneiro na produção de café e de leite, queempresta à culinária o seu requinte, como é o caso dos famosos"Queijo Minas", que tanto faz jus a sua fama. Na região central deMinas, na área de mineração de ouro e diamante, povoada noséculo XVII, conserva-se um magnífico acervo arquitetônico,composto na maior parte por igrejas que possuem valiosascoleções de arte-sacra, com peças de ourivesaria, mobiliário,quadros e esculturas. Leopoldina e Bonina ficaramimpressionadíssimas com a rara beleza rústica das cidadesmineiras. Também visitaram montanhas, vales e grutas...

Estavam fadigadas e felizes, quando resolveram voltar parao orfanato.

CAPÍTULO V

MARAVILHANDO-SE COM O NORDESTE BRASILEIRO

Naquela manhã ninguém lhe deu atenção. Todos passavamapressados. A diretora do orfanato trouxe à tona uma falha sua dopassado na frente das pessoas, coisa que nunca aconteceu.Forçaram-na a ir ao médico naquela tarde. Leopoldina poucoconversou com ela. "Parece que todo mundo está ficando louco?!"Pensou Bonina, quando voltava do hospital. Notou a sala dorefeitório escura quando chegou da clínica e logo as criançasfariam sua última refeição do dia. "Isso nunca aconteceu!"Leopoldina pediu-a rudemente que fosse acender a luz dorefeitório, esse foi o estopim, convenceu-se de que alguma coisaestava errada. "O orfanato está um silêncio só! Esqueceram atéque hoje é meu aniversário!" Foram os últimos pensamentos deBonina antes de acender a luz.

Quando o clarão dos raios das luzes iluminou o salão, a

menina notou uma faixa de um lado ao outro do refeitório e nelaescrito: "FELIZ ANIVERSÁRIO, BONINA!". Um enorme bolo,salgadinhos, sucos, doces, refrigerantes... abarrotavam a grandemesa. Um carrinho de pipoca e outro de algodão-doce foramcolocados nos dois cantos do salão. Palhaços divertidíssimosalegravam o local. Uma mesa menor estava encostada na parede,repleta de pacotes grandes e pequenos, embrulhados com papelde presente. O refeitório estava todo enfeitado com balões,confetes, serpentinas, línguas de sogra, chapéus coloridos...Todas as pessoas presentes batiam palmas, sorriam eacompanhados pelos sons que ecoavam do piano, cantavam emuma só voz: "Parabéns para você, nesta data querida, muitasfelicidades, muitos anos de vida... Hoje é dia de festa, para alegrarnossas almas..." Então era isso?! Nada estava acontecendo deerrado! Eles preparam uma surpresa no meu aniversário! -concluiu Bonina, e aí sorriu cheia de felicidade.

Enquanto todos tentavam abraçar Bonina ao mesmo tempo,o pediatra do orfanato pediu silêncio e, ao conseguir seu intento,se pronunciou numa postura solene:

- Algo muito importante está faltando nesta festa! Antes departir o bolo, seria interessante um discurso da aniversariante.

Um coro unânime se fez naquele momento: discurso,discurso, discurso...

Bonina levantou as mãozinhas, fez um pequeno exercíciona garganta, e começou:

- Eu acho lindas as homenagens frenéticas que os jovense as tietes promovem para seus ídolos: os renomados atores,músicos, esportistas... Enfim, muitas vezes, até realizandoenormes sacrifícios em nome dessa admiração. Ao mesmotempo, isso me faz perceber que estou em dívida com todosvocês, meus ídolos especiais aqui do orfanato: as cozinheirasque preparam nossa alimentação, os doutores que cuidam danossa saúde, a assistente social, a diretora, minha Preta quelargou tudo para trabalhar aqui e cuidar melhor de mim, os meusirmãos órfãos...

Naquele momento, muitos adultos que ali estavam, não

conseguiram impedir que as lágrimas saíssem do anonimato.Bonina, também emocionada, fez uma pausa e depois continuou:

- Quero lhes falar da minha admiração pelos escritores:através de seus escritos, eles tornam possível que a sabedoriase espalhe em toda a terra. Nos livros encontramos as mais belaspoesias, ficamos sabendo sobre o "infinito" Universo e asprofundezas da Terra, o mundo dos microrganismos, comotambém a harmonia nas órbitas dos planetas, das grandezas dasgaláxias e os segredos do fundo do mar... Os livros fazem comque homens simples tornem-se doutores, cientistas, professores...O mais especial dos livros, é que eles nos fazem sonhar. Amanhãé Natal! E eu sonho. Espero que a felicidade que eu estou sentindoagora se torne contagiosa e que todos vocês sejam infectadospor ela.

Fez uma pequena pausa e aí proferiu em alta voz:- Amo imensamente todos vocês!O silêncio que permaneceu enquanto Bonina discursou, foi

substituído por um coro de vivas e uma saraivada de palmas.Muitos adultos que estavam presentes, não contiveram suasemoções e lagrimejaram iguais crianças.

Uma semana depois Bonina viajou...As publicidades estavam levando centenas de pessoas a

conhecer Fernando de Noronha. O arquipélago tornou-se maisatraente, mostrado numa versão com a garota mais inteligentedo mundo. E assim, Bonina se tornou mais conhecida.

Foram empolgantes as recomendações do diretor geral daagência quando foi se despedir da menina no aeroporto.

- Bonina, fique o tempo que for necessário! Mostre-nos omelhor dos estados nordestinos e divirta-se o quanto puder.

Desembarcaram em Salvador naquela manhã...- Você percebeu Preta?- O quê? - quis saber Leopoldina.- Aqui os das raças negra e mulata são predominantes,

diferentemente dos demais estados que visitamos. São maisalegres! Vigorosos...

- É verdade! Mais não foram sempre assim. No período

colonial brasileiro eram trazidos da África e aqui tratados comoescravos trabalhavam em condições desumanas. Eram obrigadosa permanecer em senzalas. Sofreram muito até conseguirem sualiberdade. Nos dias de hoje, ainda, são levados a conviver com opreconceito maldoso de pessoas sem o mínimo de sensohumano. Foi a "Redentora", uma mulher corajosa, que os libertouefetivamente no papel. Embora, no ano 1850 fosse decretada aLei Eusébio de Queirós, que extinguia o tráfico negreiro no territóriobrasileiro. Somente entre sete de maio de 1871 a 31 de março doano 1873, quando assumiu pela primeira vez a regência do império,foi sancionada a Lei Visconde do Rio Branco (Lei do Ventre Livre),pela qual a Princesa Izabel libertou os filhos que nascessem demães escravas. E finalmente, a 13 de maio de 1888, instituiu-sea Lei Áurea, que aboliu definitivamente a escravatura no Brasil. AHistória revela o caráter excepcional dessa mulher. - informouLeopoldina euforicamente.

- Aposto que eu sei o porquê de gostar tanto da PrincesaIzabel. - afirmou Bonina com sorriso zombeteiro.

- Ora, porque a princesa foi uma grande mulher! E por quemais haveria de ser?

- Izabel Cristina Le-o-pol-di-na Augusta Micaela GabrielaRafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon! Não seria porque levaseu nome no dela? - perguntou Bonina com sorriso maroto.

- É lógico que essa sua suposição não representa o realmotivo da minha admiração pela princesa. Entretanto, eu nãoposso negar que essa sua teoria é um lisonjeio acalentador. Averdade é que a Princesa Izabel foi uma mulher extraordinária. Eque nome esse o dela! - admirou-se Leopoldina.

- E como é! O de dom Pedro I é ainda maior: Pedro deAlcântara Francisco Antônio Jose Carlos Xavier de Paula MiguelRafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim deBragança e Bourbon. Acho que eles nunca assinaram seus nomescompletos. - complementou Bonina.

No segundo dia, visitaram pontos turísticos da capital baiana:o pelourinho com suas igrejas, fortes, palácios e os casarões doperíodo colonial... Ficaram deslumbradas com a dança corporal

que acontece nas rodas de capoeira, embaladas pela músicarítmica do berimbau. Na Praia de Todos os Santos, um dos maislindos adornos da costa litorânea brasileira, que encantou osnavegadores e colonizadores, Bonina se deparou com as belaspraias de São Felix, Cachoeira, Maragogipe e a ilha de Itaparica.No extremo norte de Itaparica visitaram o Forte de São Lourenço,construção de 1711. Bonina foi a Lagoa de Abaeté, nas Dunas deItapoã e seu famoso lago com o mesmo nome. Freqüentou oArraial D'Ajuda e as praias de Porto Seguro, Ilhéus, Lençóis,Trancoso, Caravela e Alcobaça.

Visitaram o local onde foi realizada a primeira missa noBrasil, que é referência fundamental da costa do "Descobrimento",atualmente denominada de Praia Coroa Vermelha. No ParqueNacional de Abrolhos, admiraram-se com a variedade dos corais...Foram os cinco dias que passaram mais rápidos na vida damenina. Experimentaram a culinária baiana: a moqueca de peixeà baiana, vatapá, abará, mungunzá e o famoso acarajé baiano.

O acervo arquitetônico colonial resguardado na antiga capitalsergipana é algo apaixonante. Naquele Estado, Bonina fez questãode conhecer um engenho e observar de perto como se produzaçúcar. Saboreou o doce de jenipapo, a moqueca de pitú (certocamarão) e a caranguejada. Em Aracaju, visitou a Ponte doImperador, construída em 1860, para a visita de dom Pedro II aoBrasil.

- Interessante! Nesta cidade é como se estivéssemos dentrode um enorme tabuleiro de xadrez. - disse Leopoldina.

- E você não está enganada, Preta. Além da peculiaridadede ter sido projetada em forma de tabuleiro de xadrez, peloengenheiro brasileiro Sebastião Basílio Pirro, por volta de 1850, opovo sergipano reivindica o título de primeira capital planejada dopaís, para Aracaju. - relatou Bonina esse fato histórico.

Na variedade de paisagens e diversidade cultural egastronômica alagoana, Bonina encontrou um rico litoral ebelezas naturais, como as áreas de mangues. Na Barra de SãoMiguel e foz do rio com mesmo nome, ficaram abismadas com oembelezamento do recife arenítico que se faz ali. Foi à praia de

Ponta Verde, enseada da Pajuçara e depois observou o desaguardo rio São Francisco no mar. Em Alagoas, fez questão de conhecerde perto o tão famoso pau-brasil de onde originou o nome do seupaís. Colocou um pequeno pedaço da árvore dentro de um nanicovidro com álcool e vedou hermeticamente "Esse é um meutesouro!" Afirmou Bonina. Foram ao local onde antes foi oQuilombo dos Palmares, comunidade formada em 1590 edestruída em 1694. Considerada local sagrado de resistêncianegreira onde surgiu o culto ao grande nome de Zumbi, último reide palmares, considerado herói pelos movimentos negros. Em13 de maio, dia oficial da morte de Zumbi, é comemorada a datanacional da negritude.

Com seus cento e oitenta e sete quilômetros de praias deareias finas e água esverdeada, o litoral pernambucano éconsiderado um dos maiores centros turísticos do país, comdestaque para as praias de Tamandaré, Porto de Galinhas, no sulda capital, ótimas para realização de esportes náuticos e a ilhade Itamaracá, ao norte, que abriga uma antiga prisão. Bonina sedivertiu copiosamente em todos os locais que visitou no Nordeste.Mas também se indignou!

- Preta, eu me recuso acreditar numa explicação sensatapara o porquê de num país tão rico existir um elevado número depessoas pobres e outros milhões na miséria total.

- Nanny, acontece que aqui no Nordeste, essa injustiça socialé maior.

- "Injustiça!" Essa é a palavra correta para definir a penúriaexistente no Brasil. É isso mesmo: "A pobreza é um produto dainjustiça social brasileira!".

- Minha querida, o que acha de mudarmos de assunto?Falaremos dos grandes nomes da Literatura pernambucana.

- É um bom assunto a se tratar. O Pernambuco foi berço devários escritores, como Manoel Bandeira, além de ser terra deadoção do paraibano Suassuna, autor de "O Alto daCompadecida".

- Eu queria tanto entender como você consegue armazenartantas informações! - falou Leopoldina.

- É muito simples: eu amo ler os livros. Eles me revelam detudo! Inclusive, aqui no Pernambuco, os livros nos informam queas músicas frevo e maracatu são os ritmos tradicionais mais fortesde suas expressões culturais. Não é por acaso que a capitalbrasileira do frevo fica no território pernambucano. - afirmou Boninaanimadamente.

A capital pernambucana com suas praias, além daarquitetura que revela a presença dos holandeses nos tempos deBrasil colônia, é uma cidade de singular beleza, especialmentesua rede de metrô, a segunda maior do país, só perdendo para ade São Paulo.

No litoral paraibano, Bonina foi às praias tranqüilas de areiasfinas e com coqueirais. Certo dia cismou ir à praia de Ponta deSeixas, antes do alvorecer.

- Nanny, porque ir à praia tão cedo? - perguntou Leopoldina.- Desejo ser um dos primeiros habitantes da América do

Sul a presenciar o Sol nascer neste dia maravilhoso que seanuncia.

Bonina está certa! Na praia de Ponta de Seixas, além deser o extremo leste do Brasil, é o ponto leste mais remoto daAmérica do Sul, onde o Sol nasce primeiro.

No sertão paraibano, Bonina presenciou com tristeza o maiorproblema e motivador da pobreza das populações nordestinas: aseca. Ali, também, a menina se deparou com o Sítio Paleontológicodo Vale dos Dinossauros, onde são encontrados vestígiossignificativos da existência dos grandes répteis jurássicos.

- Ouça que coisa espantosa, Preta.- O quê?- Nesse informe que estou lendo, diz que a cidade de João

Pessoa, foi chamada de Filipéia de Nossa Senhora das Neves.- E quando isso aconteceu?- Desde sua fundação em 1585, só passou a se chamar

João Pessoa em 1930, homenagem ao presidente assassinado.Aqui diz, também, que a capital paraibana é a capital maisarborizada do país e a cidade vive exclusivamente do turismo.

No Rio Grande do Norte, Bonina visitou os locais onde existe

a maior produção de camarão em cativeiros do país e deu as"caras" nas grandes salinas. Diante das montanhas de sal,Leopoldina ficou admirada, e questionou:

- Onde irão consumir todo esse sal?- Pode até te parecer inconcebível essa informação! Mas

não existe um só estado brasileiro que não consuma do sal que éproduzido nestas salinas.

- É verdade mesmo, Nanny?- Os índices mais otimistas afirmam que noventa e cinco

por cento de todo o sal consumido no Brasil é produzido nestassalinas. Os rio-grandenses-do-norte reivindicam, também, o postode maior produtor de petróleo em terra. Só perdem para produçãopetrolífera marítima do Rio de Janeiro. Na capital, Natal, os pratoscom frutos do mar foram os prediletos de Bonina e Leopoldinapreferiu carne-de-sol com arroz-de-leite.

No Ceará, Bonina foi a Floresta Nacional do Araripe, ondeestá a maior concentração de fósseis do período cretáceo. EmFortaleza, visitou museus e parques temáticos. Na área praianada capital, testemunhou com admiração o extraordinário complexoverticalizado dos edifícios na faixa-beira-mar. No sertão, foi até aterra do Padre Cícero (padin ciço, para os nordestinos). Ali seencantou com uma romaria e a literatura de cordel. No setorcosteiro do Ceará, Bonina encontrou praias dotadas de areiasalvas, graciosa barreta dos rios e montes de dunas praianas...Uma paisagem que se completa pela presença de comunidadestradicionais de pescadores e jangadeiros: viventes de um cotidianorústico, operoso e fraterno. Na praia "Redondas", deparou-se comum pequeno porto canoeiro e se deslumbrou com a chegada dasjangadas dos pescadores de lagostas repletas de gaiolas.

Além da exuberância da paisagem do sertão, com suariqueza ambiental, existem, no Parque Nacional da Serra daCapivara, centenas de sítios arqueológicos, com classes decaatingas e arbustos, que estão entre as arvores predominantese uma imensa variedade em espécies animais. Bonina ficouespantosamente encantada, enlevada, especialmente quando seapresentou as formações rochosas datadas de milhões de anos

e as pinturas rupestres encontradas no sertão piauiense.Nas pequenas estradas e trilhas secundárias, nos caminhos

seguindo de Terezina pelas cidades ao longo do rio Parnaíba, comsuas paisagens belíssimas, passando por corredeiras, cavernase regiões de mata preservadas... Bonina se aventurou de jipe emuitas vezes de bicicleta. O litoral piauiense é o menor dos demaisestados nordestinos. Entretanto, trata-se de um trecho de costaprivilegiado. Esse ecossistema costeiro é semelhante ao daAmazônia; com seu grande número de ilhas, lagoas, igarapés,praias de areias finas formadas por dunas e coqueirais.

As estreitas ruas da capital maranhense com seussobradões, suas fachadas de azulejos de cores fortes e sacadasde ferro, impressionaram muitíssimo Bonina. Outra peculiaridadedos maranhenses é seu apreço pelos sons contagiantes,acompanhados nos balanços sensuais dos corpos ritmados pelamúsica de origem jamaicana. Não é por um acaso que a cidadede São Luis é considerada a capital brasileira do reggae. EmAlcântara, sua base avançada de lançamentos de foguetes, queconvivem com as construções coloniais, é prova do contrastedas maravilhas existentes em cada um dos estados nordestinos.No passeio de jipe que Bonina fez no Parque Nacional dos LençóisMaranhenses, ficou encantada com os ventos fortes a espalharas dunas de até cinqüenta metros de altura. No interiormaranhense, degustou uma leve cozinha regada com o óleo debabaçu e os fortes doces de buriti e jenipapo. No litoral,consumiram abundantemente mariscos, siris, caranguejos epeixes, como o mero, pescada, robalo, cascudo, tainha, surubime peixe-boi...

As férias no Nordeste estavam chegando ao fim, Boninaresolveu fazer uma última visita nas ruas estreitas da velha capitalmaranhense e rever os belos sobradões com suas fachadasazulejadas.

Certamente o Universo conspirou para que houvesse aqueleencontro. As gargalhadas das pessoas que rodeavam umgarotinho atraíram Bonina, que se aproximou do grupo de pessoas.Aquela cena a fez lembrar-se dos momentos que tinha vivido na

cidade satélite onde morava. Relembrou vivamente das vezesem que estava nas praças e feiras, sendo questionada disso oudaquilo pelas pessoas, interessadas nas suas respostas.Observou atentamente o garotinho responder as perguntas queela também sabia as respostas. Bonina ouviu um sussurro deum jovem que estava ao seu lado "Parece que esse menino sabede tudo!" Decidiu fazer uma indagação que pudesse interessar atodos que estavam ali, e questionou o garotinho com umapergunta:

- Quem lhe ensinou todos esses conhecimentos?- Meus pais! Eles são amantes das belas-letras e desde

cedo me inculcaram um enorme apreço pelos livros. Todo tipo deconhecimento que desejarmos, haveremos de encontrar noslivros. A leitura é a mãe do saber! - respondeu o garoto.

- Muito obrigada, pelo que acabou de me confirmar. Euconcordo com você! - agradeceu Bonina.

Uma acadêmica sulista que estava fazendo turismo noNordeste acompanhou pasmada a conversa das duas crianças,e não agüentou o desassossego, apontando seu indicador paraBonina, resolveu fazer uma pergunta:

- Você é a garota mais inteligente do mundo?- Não estou certa disso! Mas posso lhe garantir que sou

uma das garotas que mais gosta de ler livros no mundo. - afirmouBonina desapegada de qualquer vaidade.

Assim, Bonina conheceu o garotinho Laerte, com apenassete anos, e que assim como ela, passou a gostar de ler livrosdesde muito cedo.

Uma nova história de vida estava iniciando, com novospersonagens, mas a essência era a mesma: uma criança queamar ler os livros irá descobrir os mistérios da vida.

Dois dias após o encontro com o garotinho Laerte, Boninaestava de retorno ao orfanato... Passou a relatar para os irmãosórfãos, tudo sobre os momentos marcantes de suas férias noNordeste. Um mês depois, por três semanas sucessivas, todosno orfanato ficaram deslumbrados com milhares de fotos queBonina recebeu da agência. As crianças ainda estavam

encantadas com as fotos, quando chegaram os DVD's com asfilmagens concernentes a cada estado nordestino que Boninavisitou, e o encantamento permaneceu por vários dias enquantoassistiam os DVD's. A menina mais inteligente do mundo apresentapara o mundo a culinária, os pontos turísticos, os locais parapráticas de esportes radicais náuticos, as festas culturais ereligiosas, os encantos do Nordeste e a alegria dos nordestinos...Novamente, em quase todas as cidades brasileiras apareceramimagens da garotinha: Bonina fazendo sua refeição no local ondeantes fora um quilombo. A menininha visitando os museus, teatroe acervos arquitetônicos coloniais. A garota brincando com osgolfinhos, tartarugas... Nas pequenas comunidades, aventurando-se a navegar numa pequena jangada, nos mangues e nas dunas...

Mais uma vez o sucesso foi bombástico!- Bonina! Gostaria de ter uma conversa particular com você.- Quando quiser diretora! Apenas lhe peço para que a Preta

esteja presente, não tenho segredos com ela.- Mas é claro! O que eu tenho para expor para você é do

interesse da Leopoldina, que deseja tanto sua felicidade.- Então estamos de pleno acordo!E uma reunião foi marcada para o dia seguinte.- Muito bem! Vamos ao ponto que verdadeiramente

interessa. Estou certa de está fazendo o que é correto.- Que mistério é esse diretora? - perguntou Leopoldina.- Um mistério que muito vai agradar Bonina, quando for

completamente esclarecido.- Então nos diga logo! Ou está querendo nos matar de

curiosidade? - indagou Bonina.- Está bem! Aconteceu quando vocês duas estavam de

férias no Nordeste. Um senador do Brasil, que é neto de um condeda nobreza italiana, me visitou! Confessou ter tido um caso comsua secretária, no início do seu primeiro mandato. A moça erauma jovem sonhadora que desejava muito vencer na vida. Osenador me revelou que o ardor jovial da moça acabou por torná-lo um descuidado e a jovem secretaria engravidou. Aquela gravidezindesejada tornou-se um grande problema para os dois. O político,

de forma alguma estava disposto em torna-se parte de umescândalo e aquela moça, não pretendia estragar uma carreiraque, nas suas previsões, muito brevemente se tornaria brilhante.Assim, aquela criança que estava na sua barriga, passou a serum incomodo para os dois. Por fim, concluíram que um bebênaquele momento poderia atrapalhar o futuro de ambos. Mesmoassim, a secretária resolveu levar a gravidez até o fim, mas nãoficou com a criança. O senador desconfia que a moça tenhaabandonado a filha no hospital. Só depois que ficou sabendo sobreseu caso Bonina, que você tem estado à procura dos pais, elepercebeu que as datas coincidem com os acontecimentos de hádez anos. O senador está convencido que você, Bonina, temsangue "azul" e que toda essa sua inteligência é por causa dasua nobre origem...

- Mas que bobagem é essa? Todos meus conhecimentoseu encontrei nos livros e o mérito é da Preta que me fez descobriro valor da leitura, quando passou noites e mais noites lendo atéque eu dormisse! - confessou Bonina quando ficou sabendo dospensamentos do senador que poderia ser o seu pai.

- Bonina, o senador me pediu absoluto sigilo, até poderconfirmar através de um parecer especializado. Mas antes disso,caso queira, pode expor seus pensamentos pessoalmente a ele.O Dr. Ferdinando pediu para que eu lhe transmitisse um seuconvite, que você vá até São Paulo, para conhecê-lo melhor...

Não deu outra, Bonina foi visitar o senador em São Paulo.O político logo se apaixonou pela enorme capacidade deassimilação de Bonina, com sua memória prodigiosa, seuconhecimento alastrado nos mais diversos assuntos e suaeducação refinada. O nobre descendente italiano se apressouem fazer os exames de paternidade, pois ele tinha guardado umatrança dos cabelos da falecida amante, que foi seu grande amor.E demonstrou disposição para reconhecer Bonina como sualegítima filha... Nos dias que se seguiram, enquanto aguardavamos diagnósticos dos exames, mais e mais o respeitável senadorse apegava à menina, alegrando-se grandemente com a presençade Bonina na sua mansão.

- Está vendo Preta? Sou filha bastarda, nascida de umarelação promiscua e pecaminosa do nobre político e suasecretária! - brincou Bonina com a idéia de ser filha do senador.

- Nanny, não brinque com esse assunto sério! Se essebondoso homem for realmente seu pai, lembre-se da história quea diretora nos contou do fim trágico que levou a jovem mulher queo senador teve um caso. - aconselhou Leopoldina amorosamente.

- Minha mãe morreu tão jovem! Você está com toda razão,Preta. Esse assunto não tem nada de engraçado! - refletiu Bonina.

Desse modo, Bonina passou a viver como uma garota rica.Conheceu tudo quanto é lugar importante no estado de São Paulo.Ganhou presentes bonitos e caros. Foram a várias casas deespetáculos, museus, teatros... Foi até a baixada santista, na praiado Guarujá.

Quando o resultado dos exames chegou, todos ficaramaflitos ao saber que o prognóstico foi negativo: constatou-se quea menina Bonina não é filha do senador brasileiro. Mas o políticonão se conformou com aqueles resultados "Tenho certeza que amenina é minha filha! Sua aparência é semelhante aos belostraços da mãe!" E certo que os resultados dos exames nãocorrespondiam com a realidade, mandou fazer novos examesnos Estados Unidos.

Assim, Bonina, tinha se tornado a queridinha do senador eficou vivendo como garota rica. Foi até visitar as residências eempresas da família do político, existentes no Rio de Janeiro. Nacidade maravilhosa, Bonina chegou num sábado. No domingoleu no jornal que o Botafogo iria jogar aquele dia e convidouLeopoldina para que fossem conhecer o estádio do Maracanã.Depois Bonina quis conhecer o bairro carioca de Botafogo, a praiade Botafogo, o clube do Botafogo, comprou uma camiseta e umabandeira do Botafogo... Aquele domingo, só se ouviu Bonina falarno Botafogo. E Leopoldina ficou muito espantada com aquelaadmiração repentina da menina pelo clube de futebol e tudo comque denominava Botafogo.

- Nanny! Você nunca me disse nada sobre essa sua paixãopelo Botafogo. Desde quando você alimenta essa admiração?

- Faz muito tempo, Preta. Foi você que me fez descobrir egostar do Botafogo!

- Eu? Você está é ficando maluca! Nunca disse nada a vocêsobre esse time de futebol.

- Um dia eu explico tudo para você! Vamos à Copacabana?- Vamos! Por hoje já chega de Botafogo.E as duas sorriram alegremente.Passearam nas paias de Copacabana e Ipanema. Na Baía

de Guanabara ficou encantada com as belezas naturais do Pãode Açúcar; uma dezena de vezes subiu e desceu nos bondinhos.No Corcovado subiram até o Cristo Redentor... Visitaram oimportante acervo histórico e arquitetônico da época do Brasilimperial. "Aqui se reúnem os imortais!" Exclamou Bonina dianteda Academia Brasileira de Letras. Foram nas praias de Angra,Parati e nas ruínas do presídio que foi desativado na Ilha Grande...

Na "Cidade Maravilhosa", o destino reservou uma surpresadesagradável para Bonina. A garota e Leopoldina estavamvisitando uma favela, quando, repentinamente, as duas seencontraram no meio de uma troca de tiros entre uma facçãocriminosa e a Polícia... Uma bala perdida promoveu a fatalidade!Leopoldina ainda foi socorrida, mas infelizmente não agüentou oimpacto destruidor daquele projétil de AR-15. Aquele incidenteceifou a vida da melhor amiga de Bonina.

No dia seguinte, os resultados dos exames de paternidadechegaram dos Estados Unidos comprovaram de formainquestionável: o senador não possui qualquer traço genético comBonina. E a menina então foi obrigada a retornar para o orfanato.Por muitos dias Bonina ficou profundamente triste e abalada como falecimento de Leopoldina. Foi lendo livros que a menina poucoa pouco recuperou o ânimo de viver. Os meses se passaram eBonina se empenhava cada vez mais nos estudos. Sua inteligênciavivaz, lógica, expansiva e explosiva, tornou-a extremamentecapaz. No mês de dezembro daquele ano, quando completouonze anos, já estava com o diploma de conclusão do EnsinoFundamental.

No ano seguinte, deu um passo ainda maior, concluiu o

Ensino Médio em apenas um ano...Em Brasília, sempre que ficava muito triste com a falta de

Leopoldina, Bonina visitava o Congresso Nacional. Passou muitastardes conversando demoradamente com o senador Ferdinando.Quando saiam do seu gabinete, o político passeava com a meninana Praça dos Três Poderes, visitavam o Supremo Tribunal Federale o Palácio do Planalto. Na capital federal, Bonina freqüentoumuitos lugares importantes. A menina e o nobre político setornaram grandes amigos...

CAPÍTULO VI

ENCONTRANDO ALGO MUITO VALIOSO

Para menina Bonina, os intercâmbios culturaisinternacionais proporcionaram a oportunidade de constatar omundo que conheceu nos livros. A garota, aos doze anos,conheceu os lugares mais remotos. Viajou até a "Terra Santa", foiconhecer os lugares "sagrados" onde Jesus, o filho de Deus,andou. Foi aos Estados Unidos e à Inglaterra, onde aprendeumelhor o idioma inglês. No Japão e na Coréia, conheceu oscostumes asiáticos. Emocionou-se ao fazer um passeio nasMuralhas da China. Também foi à Austrália, na Oceania, festejoucom os aborígines e brincou no gelo com as crianças esquimós...

Caía uma brisa fina, Bonina encontrava-se no orfanato. Tinhaacabado de chegar da viagem que fez a Nova Iorque, quandovisitou a sede da Organização das Nações Unidas. Foi um dosbrasileirinhos escolhidos para freqüentar a sede da ONU, na

semana que foi instituído o Ano Internacional das Crianças, ondeBonina fez um brilhante discurso.

Estava lendo suas correspondências, onde verificou suaaprovação nos vestibulares de Medicina, Direito e Letras,justamente os quais Bonina concorreu. Mas o vazio que aacompanhou por todos aqueles dias da sua vida, permaneciapresente e cada vez mais forte. Nos momentos de crise, Boninase refugiava na leitura do velho jornal que ganhou da Leopoldinaquando tinha apenas cinco anos. Perdeu a conta de quantas vezesleu aquele velho jornal. "Será que nunca irei encontrar minhafamília? Onde será que estão vocês meus pais? Agora não tenhomais a ajuda da Leopoldina, será que eu nunca vou realizar meumaior sonho?" Bonina ficava se perguntando no silêncio doquartinho do orfanato.

Sabia de cor as previsões do horóscopo, que foram feitasaquele dia, para o seu signo - Capricórnio: para tudo que fizeragora, você vai sentir a mão de um amigo em seu ombro "A Preta!".Aproveite para seguir o rumo certo de sua vida, com a orientaçãooportuna ao seu lado "Os livros!". Dicas do dia: torne útil suapopularidade hoje "Estou na primeira página deste jornal!". Masnão a transforme em algo egoísta "Não há como me engrandecercom esta notícia!". Seja inteligente no seu modo de agir "Amandoa leitura procuro acatar fielmente esta previsão!". Esses eram ospensamentos de Bonina quando estava lendo aquelas previsõesno velho jornal.

Um título na página de esporte sobre uma equipe de futebolaprisionava sua atenção - A ESTRELA SOLITÁRIA ESTE ANOVAI DE MAL A PIOR. Passou a gostar do time do Botafogo sóporque o termo "estrela solitária", muito se parecia com o que lheaconteceu. "A Preta não ficou sabendo o porquê da minhaadmiração pelo time do Botafogo! Nunca mais eu vou deixar pararealizar amanhã o que posso fazer hoje!". Todavia, a notícia darecém-nascida que foi abandonada na cesta de lixo, mexia comseu emocional, a garotinha naquela manchete é Bonina.

Outras três notícias naquele velho jornal atraiam a atençãoda menina: JARDINEIRO CONDENADO - MULHER

ATROPELADA PERDE BEBÊ NO PARTO COMPLICADO -ENFERMEIRA ACUSADA DE SEQÜESTRO FOI CAPTURADA.

Bonina ficou observando atentamente aquelas notíciasquando, inesperadamente, começou a sorrir alegremente da idéiaque surgiu na sua cabeçinha "Vou voltar ao passado e descobrircomo e onde está cada um desses personagens!".

Naquele mesmo dia começou sua investigação. O jardineirofoi o primeiro personagem que Bonina encontrou. No jornal estavaa indicação onde ele podia ser encontrado. Um homem de vozacalentadora e olhar cativante! As rugas, marcas quedemonstravam uma longa experiência de vida, não mascaravama beleza dos traços do belo jovem que foi no passado. Mesmocom aquela idade era um homem admirável. Ali estava Bonina,diante da própria notícia. Já tinha lido sobre aquele homemdezenas de vezes, mais não esperava que ele fosse tãoesplendoroso.

A patroa do jardineiro esqueceu-se do local onde abandonouseu pequeno estojo de jóias em que guardava seu precioso anelcom brilhantes. Não tendo a menor idéia de onde o largou, fezuma injusta acusação ao seu jardineiro. Afirmando que ele seapoderou do seu bem valioso. O jardineiro enfrentou um julgamentoe foi condenado pelo crime de furto. Dias depois a Polícia descobriuo anel na prateleira de uma joalheria que vende jóias usadas, eveio a confirmação do joalheiro que disse ter comprado a jóia deum garoto que trabalhava no lixão da cidade. O garoto afirmouque achou o anel numa sacola de lixo, assim como o tênis queele usava. O filho da rica senhora reconheceu o tênis como sendodele e que tinha se desfeito do mesmo jogando-o no lixo por jáestar muito velho. Desse modo, a rica senhora reconheceu quepoderia ter jogado no lixo por engano seu precioso anel e chegou àconclusão que o jardineiro era um homem honesto, inocentando-oda acusação e do crime que lhe fora imputado. Foi solto dez diasdepois do julgamento, quando a Polícia concluiu as investigaçõesque o inocentavam. Sua patroa, na tentativa de se desculpar eamenizar o erro grave que cometera, aumentou o salário dojardineiro que a perdoou e permaneceu trabalhando na casa...

A conversa com o primeiro personagem encontrado deixouBonina muito eufórica e contente. O homem lhe confessou quefez um bom casamento e que era pai de quatro filhos saudáveis:dois garotos e duas meninas. Acrescentou ainda que sua mulherperdeu o primeiro filho: "Foi por milagre minha esposa não termorrido!". Bonina se comoveu com o relato que a fez recordar desua condição de órfã e limitou-se a oferecer sua amizade. Nãoquerendo prolongar aquele assunto triste, por temer atrapalhar ojardineiro no seu trabalho. Logo depois se despediram com ojuramento de Bonina que, prometeu retornar com mais tempopara conhecer os filhos e a esposa do jardineiro.

No dia seguinte...Uma mocinha entrou naquele hospital e logo foi reconhecida.

Os enfermeiros e os médicos faziam sempre muita questão deque todos soubessem que a menina mais inteligente do mundofora salva pelos profissionais daquele hospital, e Bonina tinha muitoapreço pelo carinho que recebia. Logo, todos queriam lhe agradar.

Num tom enigmático, uma voz meiga ecoou:- Hoje eu estou aqui para tratar de um assunto sério com o

administrador. - levando os enfermeiros a um ataque de riso,inclusive a menina.

- Eu quero falar com o diretor! É sério pessoal!- Muito bem, eu estou aqui! O que a mocinha quer falar

comigo? - perguntou o diretor que se aproximou paracumprimentá-la.

- É particular! - disse Bonina.E o som de novas gargalhadas impregnou o ambiente

hospitalar.- Tudo bem, então me acompanhe.Bonina se despediu de todos e seguiu o diretor até sua sala...- Não tomarei muito do seu tempo, sei o quanto ele é

precioso para a vida de muitas pessoas. Estou apenas querendosaber sobre uma paciente que esteve aqui no primeiro dia emque me trouxeram para cá.

- Como é o nome dessa pessoa? - perguntou o diretor.Bonina retirou o velho jornal da mochila escolar, apontou

para a notícia sobre a mulher que foi acidentada perdendo seubebê, e afirmou:

- É esta aqui da matéria!O diretor sorriu largamente... Posteriormente, informou que

aquela mulher restabeleceu a saúde e nos anos que se seguiramfoi mãe por mais quatro vezes e os partos realizados naquelehospital.

- Então, com certeza, vocês têm o endereço da mulher?- Certamente!Duas horas depois... Bonina tocou a campainha de uma

casa, num bairro distante do centro da cidade.- Bom dia! Meu nome é...- Eu sei quem é você! "A menina mais inteligente do mundo!"

Já assisti você na tevê. Meu marido falou que conversou comvocê e me confirmou que nos faria uma visita. Eu confesso querelutei em acreditar, mesmo sabendo que ele sempre fala averdade. - antecipou-se a mulher.

- Quem é seu esposo? Não me recordo dele e muito menosque lhe fiz qualquer promessa de visitá-la. Há poucas horas, pegueiseu endereço no hospital onde foram realizados os partos de seusfilhos. Estou aqui porque eu e a senhora estivemos no mesmolocal, no dia que minha vida foi salva.

- Meu esposo é o jardineiro que você visitou ontem, lembra?- Mas que coincidência incrível! Acabei de descobrir que a

senhora, o seu esposo e eu, fomos notícias doze anos atrás, nomesmo jornal.

- Esse foi um dia nada bom, tanto para mim quanto parameu esposo.

- Muito menos para mim! - Bonina arrebatou.No momento seguinte, a mulher passou a relatar o ocorrido

naquele dia triste.- Sofri muito naquela época! Um mês antes, meu esposo

tinha sido preso, acusado de furtar uma jóia da patroa. Fui aojulgamento dele e um juiz o condenou a ficar três anos aprisionado.Eu estava grávida, no mês de ter a criança. Fiquei transtornadacom aquela condenação! Tinha certeza que meu esposo era

inocente. Saí arrasada daquela sala de audiência e fiqueivagueando pelas ruas. Inesperadamente, um carro me atropelou.Fiquei alguns dias na Unidade de Tratamento Intensivo. Quandorecobrei meus sentidos, recebi duas notícias: uma boa, meumarido tinha sido inocentado e estava liberto. Mas a outra erauma péssima notícia: meu bebê faleceu por causa do acidente.Como eu tinha se esquecido dos meus documentos em casa, osmédicos não ficaram sabendo qual era meu nome, endereço ouqualquer outra informação sobre minha pessoa. A notícia queapareceu no jornal é que eu era uma indigente. Um amigo demeu marido até nos aconselhou a requerer uma indenização dodono do jornal, mas eu não concordei e desestimulei meu esposodaquela idéia. Já tínhamos problemas demais. Até porque a notíciaestava conforme as informações prestadas pelo hospital.

- Naquele dia eu quase morri! Fui salva milagrosamentepor um gari. - acrescenta Bonina.

No momento seguinte, dominadas por um afeto repentino,as duas se abraçaram, desfazendo-se em lágrimas. Aquelamanhã terminou com Bonina recostada à mesa, ceando com ojardineiro Valdemar, a esposa Maria e as quatro crianças do casal.Ambos fizeram juras com promessas de amizade duradoura.

Quando retornou para o orfanato, Bonina contou toda aincrível história que vivenciou naqueles últimos dois dias, quandodecidiu "voltar" ao passado.

Uma semana depois, apareceram as primeiras pistas doparadeiro da mulher que no passado foi acusada de seqüestrarbebês.

No primeiro momento Bonina ficou apreensiva e adiou oprimeiro contato, até ficar convencida de que não existiam riscosnaquela aproximação. Gioconda estava prostrada numa cama.Um câncer maligno reduzira sua vida ao tratamento dequimioterapia. Os médicos lhes davam poucos dias de vida."Como uma doença pode deformar tanto uma pessoa? A mulhernada se parece com a que está na foto do jornal!" Foram osprimeiros pensamentos de Bonina ao vê-la. Os médicos nãopermitiam visitas prolongadas. Desse modo, Bonina apressou-

se a informar quem era e os motivos que a trouxeram ali,mostrando o velho jornal para Gioconda. Logo em seguida sedespediu, desejando melhoras para a mulher. Quando já estavase aproximando da porta de saída, ouviu uma voz rouca que ecoouno quarto:

- Espere! Tenho um segredo que quero revelar.- Por que para mim? - perguntou Bonina.- Porque é um assunto que vai interessá-la. - disse Gioconda

firmemente.- Seus médicos me proibiram de prolongar a visita.- Então se aproxime, não temos muito tempo.- O que quer me revelar? Seja breve.- Sente-se, pois presumo que irá ficar abalada.Gioconda olhou atentamente para Bonina e continuou:- Não quero morrer sabendo que me foi oportunizado tirar

esse grande peso que carrego.Fez uma longa pausa e exclamou:- Eu sei quem é sua mãe!Bonina sentiu seu mundo explodir de felicidade "Minha

Mãe?!" Pensou a menina. Sentou-se e emudeceu.E Gioconda prosseguiu:- Doze anos no passado, eu era enfermeira e programei

seqüestrar uma criancinha. Mas uma fatalidade estragou meusplanos: a mãe e a criança que eu pretendia seqüestrar faleceram.Logo após meus planos serem desfeitos, outra mulher que tinhasido acidentada chegou ao mesmo hospital e entrou em serviçode parto. Nasceu uma linda menina! A mãe da garotinha ficouentre a vida e a morte. Seus documentos na ocasião não foramencontrados e a mulher foi dada como indigente, surgindo umagrande oportunidade para que eu realizasse os planos pelos quaisestava disposta. Eu não desperdicei aquela oportunidade: troqueias criancinhas. Colocando a que morreu no lugar daquela emque a mãe estava na Unidade de Tratamento Intensivo e levei agarotinha sobrevivente comigo. Mas outro fato inesperado meaguardava: quando eu fui fazer a entrega da criança, observei delonge a Polícia prender o casal de estrangeiros que estavam

dispostos a pagar pela menina. Naquele momento fiqueidesesperada! Com medo de ser presa, abandonei a garotinhanum beco escuro, no meio de várias sacolas de lixo, e fui parameu apartamento que ficava ali próximo. Pensei em retornar assimque tudo acalmasse. Mas a Polícia já estava me esperando. Dessemodo, fui impedida de voltar para pegar a criança, não podendorevelar onde tinha deixado a garotinha para não me comprometercom a Justiça. No dia seguinte, os jornais e os noticiários na tevêanunciaram que uma recém-nascida tinha sido encontrada porum gari, e ninguém ficou sabendo do paradeiro da mãe. Mesesdepois eu fui solta por falta de provas. Nunca mais, desde então,pratiquei semelhante crime! É esse o segredo que eu tinha pararevelar: a garotinha que eu abandonei naquele dia é você.

As lágrimas caíram sem nenhum controle, o coração pulsoufortemente, Bonina ficou totalmente cativa daquele momento. Umamescla de pensamentos invadiu a mente da menina: aslembranças das viagens que fez; as homenagens que recebeu;os bons momentos que viveu e tudo que aprendeu. Com os olhosjá avermelhados, olhou nos olhos de Gioconda, prostrada nacama, e declarou:

- Você me tirou a oportunidade de viver com minha famíliadurante muito tempo. Privou-me de tantas outras possibilidades!Nesses doze anos, eu sequer pude pronunciar "papai" ou"mamãe". Assim mesmo, não consigo guardar raiva ou rancor dasenhora. Para acalmá-la da sua culpa e da dor que certamentedeve estar sentindo, quero que saiba de uma coisa: hoje, comessas suas declarações, eu me tornei a menina mais feliz domundo. Interessante! As voltas que o mundo dá! A pessoa queme causou o maior mal é a que me tornou uma garota afortunada.Sei onde encontrar meus pais e meus quatro irmãos. A propósito,meus pais se chamam Valdemar e Maria, meus irmãos são Jorge,Josias, Elaine e Suellen.

- Perdoe-me por todo mal que te causei! - foram as últimaspalavras da seqüestradora arrependida.

Naquele dia, quando Bonina informou sobre a confissão queouviu de Gioconda, muitas pessoas não acreditaram nela,

chegaram a afirmar que aquela era uma estória da cabeçaimaginativa da menina.

Gioconda faleceu na manhã seguinte.Foi necessário um exame de DNA para confirmar a

veracidade e o desfecho da história da garotinha mais inteligentedo mundo, que encontrou sua família nas páginas de um velhojornal.

Dias depois...A pequena casa do bairro popular pouco se diferenciava

das demais, apenas no enorme quintal bem zelado, onde eracultivada uma infinidade de hortaliças, plantas frutíferas emedicinais. Os dois grandes jambeiros plantados em um doscantos do alto muro proporcionavam sombreamento o dia inteiro.Uma mesa e dois bancos brancos de madeira, embaixo dosjambeiros, era o espaço ao ar livre protegido do sol abrasador doverão. Onde a família se reunia para conversar, tomar limonadase fazer seus lanches nas tardes ensolaradas dos dias dedomingo. Os galhos fortes de um dos jambeiros sustentavamdois balanços. Ao lado tinha um belo escorregador para ascrianças brincarem. Existia um cercado na parte da frente da casa,equitativamente dividido, com uma cancela no meio. Nas lateraisdo alambrado e no pequeno quadrado central, emoldurado comtijolos, eram cultivadas belas orquídeas, rosas, samambaias eflores variadas; que exalavam fragrâncias agradáveis. O gramadoera bem cuidado. As crianças corriam de um lado para o outro,brincavam de esconde-esconde, amarelinha, dançavam com osbambolês e cantavam músicas infantis. Na pequena varanda, ospais orgulhosos e felizes observavam a algazarra dos filhos, comos rostos transbordando de alegria. Bonina abraçou os irmãosalegremente, beijou-os, repetindo todo o instante que os amava...

Naquele primeiro Natal com a família, a garota ficouimensamente feliz. Bonina estava com treze anos, quandoresolveu retornar às salas de aulas...

- Parabéns, professora! - disse um jovem de feiçõesorientais.

- E por qual motivo me felicita? Sendo que ainda não tive o

prazer de conhecê-lo!- Perdoe-me pela distração, professora! Meu nome é Juan.

E o motivo pelo qual estou lhe parabenizando, é pelo modo comoconduz a criação de seus filhos.

- E como veio saber o modo como conduzo a criação dosmeus filhos?

- Ora, professora, hoje cedo quando estava conhecendo oCampus, me deparei com uma porção de acadêmicoscircundando e fazendo perguntas para uma garotinha. Fiqueipasmado! Cheguei a me perguntar como ela tinha as respostaspara todas as perguntas que lhe eram feitas. Agora percebo deonde vêem todos os seus conhecimentos: ela assiste às aulascom a mãe...

- Mas do que exatamente você está falando?- Aquela menina ali, não é sua filha? - perguntou o rapaz,

apontando seu indicador para Bonina (levando todos osacadêmicos da classe ao riso).

- Juan, onde esteve nos cinco últimos anos?- Estava a oito anos morando com meu avô no Japão. -

respondeu o jovem sansei.- Só estando morando do outro lado do mundo para não

conhecer Bonina!- E quem é essa menina tão especial? - perguntou o jovem,

neto de japoneses.- Este ano, aquela garota ingressou nos cursos de Medicina

no período da manhã, e faz Letras aqui conosco no período datarde. Ela fala fluentemente o inglês, o francês, o italiano, oespanhol, e arranha aproximadamente cinco outros idiomas, alémdo latim. Conhece as cinco regiões brasileiras e visitouaproximadamente trinta países, nos seis continentes... E para queeu não fique toda minha aula relatando a você sobre os feitosdaquela garota, basta que saiba de uma coisa: Bonina éconsiderada a criança mais inteligente do mundo! - disse aprofessora, orgulhosa por ser a mestra de alguém tão conhecidae também muito respeitada.

- Obrigada, professora! Pela parte que me toca. - disse

Bonina, com sincera modéstia.Assim, iniciou uma nova fase na vida da brasileirinha mais

inteligente do mundo: a menina que nunca perdeu a esperançade encontrar sua família; a garota que tem muito apreço peloslivros...

CORRESPONDÊNCIA

Contato literário, críticas e sugestões...

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BIOGRAFIA

O autor Jeovane Pereira do Nascimento, candango de nascimento*,foi registrado no distrito de Zé Doca, do município de Monção, no estadodo Maranhão.

Na pré-adolescência, seus pais migraram para a Amazônia, ondeele se naturalizou, definitivamente, habitante da nova região. Passou aconviver com os pais na cidade de Itaituba ("lugar de pedrass pequena",na língua tupi-guarani - Ita/pedra, ituba/pequena), no estado do Pará.

Seu pai se tornou proprietário de um pequeno hotel, foi onde passou aouvir incríveis histórias, testemunhos e aventuras dos garimpeiros que seembrenhavam na floresta em busca de ouro. Aproveitava para desenvolver acapacidade de bom ouvinte. O pai era quem guardava o resultado dagarimpagem de muitos dos seus hóspedes, armazenado em frascos deplástico o metal em pó, e as pepitas embrulhadas em papel, sempre, mantendouma boa quantidade do metal precioso em seu poder. Assim desenvolveuseu respeito pela posse de outrem, através das atitudes dos pais.

Na fase final da sua adolescência, passou uma temporada noNordeste, com seus avós maternos, onde estruturou seu caráter, observandoas virtudes dos avós.

Quando retornou ao lar, permaneceu pouco tempo. Logo colocouseus pés novamente nas estradas e passou a conhecer, quase natotalidade, a extensão territorial do mundo amazônico, levado pela latenteveia migrante herdada do pai.

Dos mestres e livros, é que vem sua modesta formação cultural.Em setembro de 2004, fez uma visita

ao tio Francisco Aires Magalhães, emBrasília. Lá, redescobriu o que mais gostade fazer: escrever. Pelo que decidiu seempenhar com o seu melhor espírito literário.

Em março do ano 2005, lançou seuprimeiro livro: CENSURADO, onde o autornarra uma odisséia que viveu na cidade deCacoal, no estado de Rondônia.

*CANDANGO - primeiros habitantes da atual capital brasileira; expressão usada pelos espanhóis, referindo-se aos nordestinosda época da construção de Brasília; aqui, é tida como maior corrente migratória por ocasião do nascimento do autor que, é filhode um eterno migrante.