brasil - estado e nação

19
BRASIL - ESTADO E NAÇÃO Cristiane Derani Professora Doutora do Departamento de Direito Econômico-Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Resumo A formação brasileira é um processo de reprodução de antagonismos múltiplos e espalhados por todos os aspectos da vida social. Predominando sobre todo antagonismo, o mais sedimentado em nossa história é o antagonismo entre o senhor proprietário e o braço trabalhador da terra que não possui. A cultura se forma com a apropriação e modificação do ambiente. A formação das instituições é um processo cultural. No Brasil, com a predominância do personalismo no mando e nas ações políticas, o Estado e o Direito se formam mais como expressões pessoais do que como reflexões de vontades coletivas. O episódio da independência de fato cristaliza a idéia de povo brasileiro, pelo reconhecimento da Nação brasileira. A Constituição de 1824 demonstra o nascimento do Estado brasileiro. A sucessão de Constituições confirma o Estado brasileiro e modifica sua configuração, bem como representa novas posições assumidas pelo seu povo num renovar da Nação. Com maior ou menor permeabilidade às reivindicações sociais, o Estado encontra na Constituição sua forma. Conclui-se que a força da Nação sobre a formação do Estado brasileiro varia nos diversos momentos de nossa história. Abstract The formation of Brazil is a process that reproduces several antagonisms, spread over ali the aspects of social life. The dominant antago- nism, settled most heavily on our history, is the one between the landowner and the labourer, who works on a land he does not own. Culture is built through appropriation and modifícation of the environment. The identity of a people is translated into its cultural formation. The formation of institutions is a cultural process. In Brazil, where personal relationships predominate in commandments and in political actions, the State and the Law are built not so much as reflections of the collective will, but rather as personal expressions. The Constitution of 1824 highlights the birth of the Brazilian State. The long row of Constitution confirms the Brazilian State and modifies its configuration. It also represents new positions taken by the people in the renewal of the Nation. In History, we canfindthe relationship between the development of the State and of the Brazil- ian Nation. W e conclude that the influence of the Nation on the formation of the Brazilian State varies in the di verse moments of our history. Unitermos: Nação; Estado; processo de formação brasileiro; povo brasileiro; propriedade; exclusão social.

Upload: tonymeira

Post on 17-Dec-2015

42 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Brasil - Estado e Naçãoformação do estadoformação da Naçãonacionalismo

TRANSCRIPT

  • BRASIL - ESTADO E NAO

    Cristiane Derani Professora Doutora do Departamento de Direito

    Econmico-Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

    Resumo A formao brasileira u m processo de reproduo de antagonismos

    mltiplos e espalhados por todos os aspectos da vida social. Predominando sobre todo antagonismo, o mais sedimentado e m nossa histria o antagonismo entre o senhor proprietrio e o brao trabalhador da terra que no possui. A cultura se forma com a apropriao e modificao do ambiente. A formao das instituies u m processo cultural. N o Brasil, com a predominncia do personalismo no mando e nas aes polticas, o Estado e o Direito se formam mais como expresses pessoais do que como reflexes de vontades coletivas. O episdio da independncia de fato cristaliza a idia de povo brasileiro, pelo reconhecimento da Nao brasileira. A Constituio de 1824 demonstra o nascimento do Estado brasileiro. A sucesso de Constituies confirma o Estado brasileiro e modifica sua configurao, bem como representa novas posies assumidas pelo seu povo num renovar da Nao. C o m maior ou menor permeabilidade s reivindicaes sociais, o Estado encontra na Constituio sua forma. Conclui-se que a fora da Nao sobre a formao do Estado brasileiro varia nos diversos momentos de nossa histria.

    Abstract The formation of Brazil is a process that reproduces several

    antagonisms, spread over ali the aspects of social life. The dominant antago-nism, settled most heavily on our history, is the one between the landowner and the labourer, who works on a land he does not own. Culture is built through appropriation and modifcation of the environment. The identity of a people is translated into its cultural formation. The formation of institutions is a cultural process. In Brazil, where personal relationships predominate in commandments and in political actions, the State and the Law are built not so much as reflections of the collective will, but rather as personal expressions. The Constitution of 1824 highlights the birth of the Brazilian State. The long row of Constitution confirms the Brazilian State and modifies its configuration. It also represents new positions taken by the people in the renewal of the Nation. In History, w e can find the relationship between the development of the State and of the Brazil-ian Nation. W e conclude that the influence of the Nation on the formation of the Brazilian State varies in the di verse moments of our history.

    Unitermos: Nao; Estado; processo de formao brasileiro; povo brasileiro; propriedade; excluso social.

  • 86 Cristiane Derani

    I

    "Esta terra,.... de ponta aponta, tudo praia-palma, muito ch e muito formosa. [...] guas so muitas; infindas. E em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se- nela tudo, por bem das guas que tem "

    (Pero Vaz de Caminha, Carta que escreveu ao rei d. Manuel, de Portugal, com data de 1" de maio de 1500)

    "... o cenrio do Novo Mundo parecia apresentar-se queles primeiros conquistadores ... animado pela expectativa de um plus ultra de maravilha, encantamento e bem-aventurana, sempre a inund-lo em sua luz mgica. [...] De qualquer modo, os cenrios naturais, em terra onde tudo era inslito, pareciam importar, no tanto por aquilo que aparentavam, mas sobretudo pelo que pareciam anunciar ou dissimular.

    Entre a generalidade dos exploradores e povoadores portugueses, por outro lado, mal se pode dizer que, no Brasil, aquelas vises ou promessas miraculosas chegassem a assumir papel considervel e m sua atividade colonial." (Srgio Buarque de Holanda, Viso do Paraso, editora Brasiliense, So Paulo, 1992, p. 243)

    "O provvel, no entanto, que os motivos ednicos facilmente se refrangiam entre eles, privando-se da primeira intensidade para chegarem ao que se pode chamar sua atenuao plausvel. No talvez sem interesse o exame dessa circunstncia e de tudo quanto dela resultou para o desenvolvimento da explorao e colonizao do Brasil, "(idem, p. 246)

    Ibirapitanga a madeira cobiada pelos reis de Portugal, encontrada em terras ao sul do equador e que atrair o reino europeu do sculo XVI. na extrao do fruto vermelho da terra que se estabelecero as primeiras relaes entre os continentes e entre seres humanos distintos em seu passado e presente, ligados no futuro por relaes ambguas de formao de uma histria comum e agudos conflitos do homem contra o homem. U m a histria que se inicia nos primeiros momentos da apropriao da terra. A mesma terra, objeto de expanso humana, no abriga a todos, mas o centro do conflito de meio milnio.

    A busca pelo fruto da terra no une os homens perante u m objeto comum, mas os ope. A terra buscada, elemento agregador dos homens em comunidade para produo de suas vidas, o pomo do confronto enraizado neste agregado humano, descaminhado na luta dos homens contra os homens. As vises antagnicas da terra e dos seus frutos, os conflitos que destas decorrem, marcam o nascimento do Brasil -nome europeu da madeira explorada - Nao e Estado.

    A formao brasileira u m processo de reproduo de antagonismos mltiplos e espalhados por todos os aspectos da vida social. Predominando sobre todos

  • Brasil - Estado e Nao 87

    antagonismos, o mais sedimentado em nossa histria o antagonismo entre o senhor proprietrio e o brao trabalhador da terra que no possui.1 Nossa identidade no se baseia e m certezas raciais ou em orgulhos de linhagem. As razes do Brasil no se encontram no solo da tradio. Esto fincadas no hmus da aventura, do transplante, do improviso. A formao do povo brasileiro a formao das novas relaes sociais que se estabelecem naquele solo americano do hemisfrio sul demarcado por Portugal. Desgarrados de suas matrizes, cruzados racialmente e transfigurados culturalmente, os primeiros "brasileiros" so u m emblema do novo e da busca de uma identidade. Contudo, esta busca no se desenvolve em comunidade, mas em posies conflituosas, polarizadas. Darcy Ribeiro nos ensina que construda uma classe dominante de carter consular-gerencial, socialmente irresponsvel, frente a u m povo-massa tratado como escravaria, que produz o que no consome e s se exerce culturalmente como uma marginlia, fora da civilizao letrada em que est imersa2 Srgio Buarque de Holanda aponta a tentativa de implantao da cultura europia em extenso territrio, dotado de condies naturais completamente distintas, como u m fato que no vai passar sem profundas conseqncias. "Trazendo de pases distantes nossas formas de convvio, nossas instituies, nossas idias, .... somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra "3

    D e fato, o olhar brasileiro perante sua terra no se desprega da viso do outro mundo. A viso do Brasil, no seu retrato por aqueles que aqui aportam, idealizada, desterrada; os olhos que miram a terra vem a idia, boa ou m. Se para os primeiros europeus que chegam ao Brasil, o relato era o do paraso; para os colonizadores e senhores, olhar para o Brasil era a reproduo da nostalgia, a viso do*no querer, a realidade da perda do b o m e do ideal, que procuravam reproduzir e m ilhas de sociabilidade destacadas das relaes sociais e naturais que concretamente lhes eram oferecidas. O sonho europeu substitui u m possvel sonho americano nestas paragens, abrasando o conflito permanente no processo de formao do povo brasileiro. Darcy Ribeiro chega a afirmar que "vivemos praticamente em estado de guerra latente, que, por vezes, e com freqncia, se torna cruento, sangrento"',4

    No-obstante, no raro ouvirmos - de brasileiros ou estrangeiros - que o Brasil u m pas pacfico. "No ambicionamos o prestgio de pas conquistador e detestamos notoriamente as solues violentas. Desejamos ser o povo mais brando e o mais comportado do mundo... Tudo isso so feies bem caractersticas do nosso aparelhamento poltico, que se empenha em desarmar todas as expresses menos harmnicas de nossa sociedade, em negar toda espontaneidade nacional" 5

    1. Cf. Gilberto Frcyrc. Casa Grande e Senzala. Jos Olympio, Rio de Janeiro, p. 53.

    2. Darcy Ribeiro. O Povo Brasileiro: a formao e o sentido do Brasil. Companhia das Letras, So Paulo, 1995, p. 179.

    3. Srgio Buarque de Holanda. Razes do Brasil. Companhia das Letras, 26a. edio, So Paulo, p.31.

    4. Darcy Ribeiro, opus cit., p. 168.

    5. Srgio Buarque de Holanda, opus cit., p. 178.

  • 88 Cristiane Derani

    Diversas foram as revoltas e embates provocados pelos antagonismos do povo brasileiro. Poucos foram aqueles que findaram por mudanas institucionais ou por reorientao na vida cotidiana e posltica. As mudanas surgem mais por decises pessoais ou personalizadas do que como evidente resultado da fora reivindicadora de massas descontentes. A arma do descrdito, da desmobilizao, da representao da histria por aqueles que a escrevem a seu favor, so mais solventes do que qualquer vitria armada, E m e s m o quando esta se coloca inevitvel, como no episdio de Canudos6 No pela apologia da vitria militar que se escrever a histria, mas pelo esquecimento e destruio do stio de Canudos, que alguma vez pde por azar representar a luta latente contnua de oprimidos e opressores expressa como tenso inter-racial, econmica, social, classista, poltica.

    O Brasil-colnia foi ocupado por portugueses que recebiam parcelas de terra para explorao. Para estes primeiros ocupantes, Brasil era o nome de u m patrimnio que faziam produzir e que defendiam contra invases eles prprios7

    T ambm organizavam a Justia e a administrao. Deveras, a terra do Brasil surge como uma justaposio de patrimnios auto-administrados e m que a figura do proprietrio era tambm a figura do governador.

    Esta administrao, no entanto, no deve ser confundida com a propriedade feudal, dentre vrios motivos, sobretudo pelo destino da sua produo. A gerncia autocrtica de extensas propriedades de terra consistia e m pr braos, crebros, terra para a satisfao do outro: o desconhecido, o estrangeiro, o inatingvel, que entrava no processo produtivo para reter seu resultado, mas totalmente alheio ao processo que levou produo. "Se vamos essncia de nossa formao, veremos que na realidade nos constitumos para fornecer acar, tabaco, alguns outros gneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodo, e em seguida caf, para o comrcio europeu. Nada mais que isto. com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do pas e sem ateno a consideraes que no fossem aquele comrcio, que se organizaro a sociedade e a economia brasileiras"'8

    "O Brasil foi regido primeiro como umafeitoria escravista, exoticamente tropical, habitada por ndios nativos e negros importados. Depois, como um consulado, em que um povo sublusitano, mestiado de sangues afros e ndios, vivia o destino de um proletariado externo dentro de uma possesso estrangeira. Os interesses e as aspiraes do seu povo jamais foram levados em conta, porque s se tinha ateno e zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade dafeitoria exportadora. O que se estimulava era o aliciamento de mais ndios trazidos dos matos ou a importao de mais negros trazidos da frica, para aumentar a fora de trabalho, que era a fonte de produo dos lucros da metrpole. Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando

    6. Conflito entre uma comunidade no serto da Bahia c o Estado Brasileiro cm 1896.

    7. Rodolfo Garcia. Ensaio sobre a Histria Administrativa do Brasil. Livraria Jos Olympio, Rio de Janeiro, 2a cd., 1975, p. 21.

    8. Caio Prado Jr. Histria Econmica do Brasil. Brasilicnsc, 23a cd., So Paulo, 1980, p. 23.

  • Brasil - Estado e Nao 89

    todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos. Nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar.

    Essa primazia do lucro sobre a necessidade gera um sistema econmico acionado por um ritmo acelerado de produo do que o mercado externo dela exigia, com base numa fora de trabalho afundada no atraso, famlica, porque nenhuma ateno se dava produo e reproduo das suas condies de existncia '"*

    Durante os trs primeiros sculos de existncia, o Brasil no tinha qualquer trao de formao de u m Estado. A distribuio de territrios para proprietrios portugueses com poderes absolutos sobre a terra e sobre a gente, cuja nica obrigao era para com o Rei de Portugal, remetendo-lhe as riquezas que ingressavam na roda mercantilista do mercado europeu, impedia qualquer germe de organizao poltica. Contudo, este processo de recrutamento de pessoas de quem se retirava o passado e o futuro - escravos negros, ndios aprisionados, e criminosos brancos de Portugal -, que jamais pretendeu originar u m povo autnomo, foge do domnio do planejamento colonial. Neste transplante de gentes, inegvel a existncia de uma certa fora natural catalisadora das gentes que impede a existncia do ser humano mnada. O Brasil recebia gentes no extremo da expropriao material, cultural, familiar. Deserdados, no se limitavam vida autmata servil e iniciavam uma cultura diversa, com base e m reminiscncias e na adaptao ao novo cotidiano. Escravos, degredados, ndios cativos, e de certo modo, mesmo o branco portugus desterrado, faziam surgir uma nova entidade tnica, uma nova configurao cultural, u m novo povo, de ndios destribalizados, negros desafricanizados, brancos deseuropeizados, mas que, apesar de todos os conflitos que mantinham entre si, trocavam culturas abandonadas. C o m todos os preconceitos e hierarquias, deixavam-se permeabilizar, absorvendo o outro num processo canibal, da fome de cultura e de identidade que se perpetuar na vida do povo brasileiro que explodia.

    O povo brasileiro at o sculo XIX se formava com estes trs elementos. O Brasil era uma regio fechada imigrao. A entrada de pessoas no Brasil era regulada e a lei permitia a vinda apenas de portugueses degredados, proprietrios agraciados pela coroa e aqueles que provavam trazer interesse econmico. Afora isto, s entravam escravos. Era a forma de preservar o poder ultramarino.

    A atividade econmica do Brasil-colnia era fortemente regulada e toda atividade liberal firmemente proibida ou altamente taxada, impossibilitando outro desenvolvimento seno o de servil abastecimento da corte com matrias-primas necessrias a ela e ao seu comrcio com a Europa.

    A liberdade de comrcio era sumariamente tolhida, do mesmo modo que o exerccio de certas indstrias, que ora desaparecia a benefcio de outras, ora era limitado a certas regies ou circunscrioes, ou ainda a determinado nmero de indivduos incorporados ou no em companhias ou sociedades. Desse modo foi que a coroa tentou

    9. Darcy Ribeiro, opus cit., p.441.

  • 90 Cristiane Derani

    por vezes o sistema de estancos de certos gneros, como foi desde o princpio o pau-brasil.10

    E m 1808, com as Guerras Napolenicas, a famlia real portuguesa instala-se no Brasil e encerra o perodo de explorao colonial pura. Ainda sob forte restrio quanto imigrao e s formas de produo, abre-se u m pouco o comrcio e permite-se a manufatura de alguns determinados gneros bsicos. o germe do Estado que est sendo aquecido. E m 07 de setembro de 1822, o primognito do Rei de Portugal proclama a Independncia, que se faz sem grandes alardes, com o rebentar de algumas revoltas entre portugueses -recm-chegados ao Brasil - e aqueles que se denominavam brasileiros - habitantes da terra. Embora representem uma forte reorientao poltica, as agitaes liberais que antecederam a independncia foram promovidas por algumas famlias ricas e poderosas. A massa do povo, identificava Saint-Hilaire, "ficou indiferente a tudo, parecendo perguntar como o burro da fbula. No terei a vida toda de carregar a albarda? " "

    O episdio da Independncia de fato cristaliza a idia de povo brasileiro, pelo reconhecimento da Nao brasileira. Este momento de desprendimento poltico marcar definitivamente a existncia de u m novo povo e de uma nova Nao na face da Terra. A fora desta identidade no nada desprezvel, quando se remarca que, apesar do pipocar d conflitos entre portugueses e brasileiros, e mesmo alguns com cunho republicano, o territrio brasileiro conservou sua amplido, e a lngua, pilar da formao da identidade dos brasileiros de pouca tradio, manteve-se mesmo nos mais inacessveis vilarejos e pequenos aglomerados humanos do territrio brasileiro.

    II

    Com a Independncia, inicia-se a formao da burocracia brasileira. Imbudo das idias liberais, o imperador Pedro I procura fazer do pas uma monarquia parlamentar. Contudo, desde o seu nascedouro, a ideologia impessoal do liberalismo democrtico "foi sempre um lamentvel mal-entendido "n. A aristocracia rural tratou de acomod-la, onde fosse possvel, aos seus direitos ou privilgios. No-obstante, sem poucas divergncias entre imperador e parlamentares, o Brasil Imprio recebe a sua primeira Constituio em 25 de maro de 1824.

    A cristalizao jurdica do Estado e da Nao brasileira estaro presentes nos primeiros artigos dessa Carta:

    "Art. 1. O Imprio do Brazil a associao Poltica de todos os Cidados Brazileiros. Elles formam uma Nao livre, e independente, que no admite com qualquer outra lao algum de unio, ou federao, que se oponha a sua Independncia.

    10. Rodolfo Garcia, opus cit., p. 115.

    11. Srgio Buarque de Holanda, opus cit., p.161.

    12. idem, p.\60.

  • Brasil - Estado e Nao 91

    Art. 6. So Cidados Brazileiros: I - Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingnuos, ou libertos,

    ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este no resida por servio de sua Nao.

    II - Os filhos de pai Brazileiro, e os ilegtimos de me Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domiclio no Imprio.

    III Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em servio do Imprio, embora elles ho venham estabelecer domicilio no Brazil.

    IV Todos os nascidos em Portugal, e suas Possesses, que sendo j residentes no Brazil, na poca, em que se proclamou a Independncia nas Provncias, onde habitavam, adheriram esta expressa, ou tacitamente pela continuao da sua residncia.

    V - Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua religio. "

    Embora a organizao poltica brasileira se modificasse de modo essencial - o Estado brasileiro se formava -, o movimento de produo econmica, o emprego de recursos e os produtos obtidos mantinham a mesma dinmica da poca colonial. Aqueles senhores da terra, das gentes, do poder poltico-econmico e administrativo, deixam seus domnios agrrios e vo compor a burocracia do Estado nascente. Evidentemente que se vai obter a mais perfeita confuso da vida pblica e da vida privada. Confonne afirma Buarque de Holanda: "No era fcil aos detentores das posies pblicas de responsabilidade,..., compreenderem a distino fundamental entre os domnios do privado e do pblico. ... apropria gesto poltica apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funes, os empregos e os benefcios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionrio e no a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrtico, em que prevalecem a especializao das funes e o esforo para se assegurarem garantias jurdicas aos cidados. "I3

    C o m estas caractersticas, o Estado no era pensado como u m aparelho despersonificado, uma entidade coletiva. O Estado visto e usado como "propriedade' do grupo que o controla. Era u m reajustamento das capitanias hereditrias, e da mesma forma que a aristocracia exercia seu poder de mando em suas extenses dominiais, passou a exerc-lo sob a forma de Estado. O exerccio do poder pessoal burocratizado. No h fins do Estado, mas a vontade do Imperador e a vontade da aristocracia, que se chocaro e daro origem a vrias revoltas durante o sculo XIX.

    Deve-se remarcar o efeito da produo macia dirigida para o Exterior, inclusive na formao do aparelho burocrtico. D e fato, quando a administrao sai da casa-grande do senhor-proprietrio e passa agncia pblica, faz-se necessria a formao dos cofres pblicos, pela instaurao do Estado Fiscal. A pobreza crnica em

    13. idem,p. 146.

  • 92 Cristiane Derani

    que viviam os pequenos logradouros urbanos, e a ausncia de atividade econmica que pudesse ser tributada e fortalecer os cofres pblicos, freou a mudana poltica pretendida, e os cofres pblicos, legados ao descaso e ignorados como fonte de renda para melhoria da vida pblica, so apropriados e confundem-se com os bolsos particulares.

    A atividade poltica era vista pelo h o m e m simples como u m luxo, diletantismo da aristocracia, como seus saraus e cigarros. Saint-Hilaire conta-nos: "Perguntei a um lavrador que no me parecia dos mais pobres, se os povos estavam contentes com o novo governo da capitania. - Dizem que melhor que o antigo, respondeu-me. O que h de certo que quando se apresenta alguma petio, no se obtm resposta to rpida quanto quando nosso general tudo por si decidia e isto muito desagradvel para os que no tm tempo a perder"

    A o final do sculo XIX, o Poder Imperial est enfraquecido perante o ganho de fora da aristocracia, agora travestida como aristocracia cafeeira, a qual concentrar grande parte da riqueza que ingressa no pas. Deste embate entre casa real e aristocracia cafeeira, sobrevm a Repblica, em 15 de novembro de 1889.

    A proclamao da Repblica foi u m susto retratado na clebre carta de Aristides Lobo sobre oT5 de novembro. Dizia o mentor da Repblica infante: "por ora a cor do governo puramente militar e dever ser assim. O fato foi deles, deles s, porque a colaborao do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu quilo bestializado, atnito, surpreso, sem conhecer o que significava. "I5

    A vida social permanecia distante da vida poltica. O alheamento do povo da vida pblica perdurou durante todo Imprio, recrudescendo na Proclamao da Repblica. Alberto Torres denunciava poca o mximo de distncia entre pblico e privado. "A fora de alheao da realidade poltica chegou ao cmulo do absurdo, constituindo em meio de nossa nacionalidade nova, onde todos os elementos se propunham a impulsionar e fomentar um surto social robusto eprogressivo, uma classe artificial, verdadeira superfetao, ingnua e francamente estranha a todos os interesses, onde, quase sempre com a maior boa-f, o brilho das frmulas e o calor das imagens no passam de pretextos para as lutas de conquistas e a conservao das posies " l6

    N a Proclamao da Repblica, o Partido Republicano existia e m So Paulo, e m Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Nos outros Estados, existiam patrulhas republicanas. Os dois partidos monarquistas - o liberal e o conservador-, diante da situao criada, dissolveram-se; e os seus componentes e chefes, com raras excees, aderiram ao Partido Republicano, que ento tomou corpo e se instalou nos governos de todos os Estados.

    14. Maria Sylvia de Carvalho Franco. Homens Livres na Ordem Escravocrata. Kairs, 3a cd., So Paulo, 1983, p.83.

    15. Buarque de Holanda, opus cit., p. 161.

    \6.idem,p. 178.

  • Brasil - Estado e Nao 93

    Neste alheamento surge a primeira Constituio republicana em 1891, sobre a qual Alberto Torres no poupar as suas severas crticas: "Fruto de uma revolta sem cultivo prvio na opinio, e sem preparo organizador, surgida, inesperadamente das trevas da conspirao poltica, para a realidade, por fora de um trabalho subterrneo, favorecido por alguns acidentes da poltica imperial: a abolio dos escravos e a molstia do monarca, principalmente prenunciando, este ltimo, a aproximao do terceiro reinado, antiptico, em geral, ao sentimento popular - a lei mxima da repblica no seno uma roupagem de emprstimo, vestindo instituies primitivas" 17

    Este descontentamento e amargor denuncia o desejo de ver o pas finalmente se transfonnar numa Nao identificada internamente e condutora dos rumos do Estado. Segue Alberto Torres:18

    ''No Brasil (...) Estado e sociedade ho de organizar-se reciprocamente, por um processo mtuo deformao e de educao. Educao pela conscincia epelo exerccio, a que vale dizer por um programa, isto , por uma poltica: eis o meio de transubstanciar este gigante desagregado em uma nacionalidade. "

    "O Brasil tem estado, at hoje, ao servio das formas de governo e das doutrinas que tem adotado: cumpre que a Repblica passe, por sua vez, a servi-lo. "I9

    E continua, denunciando o aparelho governamental: "No licito duvidar de que toda atividade de nossa vida pblica est absorvidapelo enredo a que chamamos poltica, nessas sucesses de lutas pessoais e de grupos, guerras de campanrio ... todo um mecanismo parasita ... no passa de uma vegetao de caudilhagem e destruio... .A oligarquia democrtica explora a vida pblica no Brasil com o mesmo desembarao que os senhores punham em explorar seus vassalos".,20

    "No verdadeira a nacionalidade de um pas que no tem a sua poltica, e no h verdadeira poltica que no resulte do estudo racional dos dados concretos da terra e da sociedade, objeto e verificado na experincia" 2I

    impossvel esconder o jorro de esperana que a Proclamao da Repblica, mesmo que sem a participao do povo, trouxe formao do Brasil. Este ato militar, aristocrtico, que seja. D e interesse econmico, poltico-hegemnico, traz, involuntariamente, a certeza de que a identidade brasileira no era comensal da vida portuguesa, e que os seres humanos responsveis pela formao do Brasil no eram coisas, porque no eram mais escravos, nem bandidos, porque no eram mais degredados, nem inseridos pela fora numa nova Nao, porque no eram mais ndios cativos.

    A abolio dos escravos e m 1888, traz ato-contnuo a liberdade da imigrao. Liberdade de indstria, que no se submetia s restries ainda presentes

    17. Alberto Torres. A Constituio de 1891, Companhia Editora Nacional, So Paulo, 1978, p.34.

    18. idem, p.37.

    19. idem, p.58.

    20. idem, p. 173

    21. idem, p. 151.

  • 94 Cristiane Derani

    no Imprio, e m e s m o a criao do Banco de Crdito popular para estimular os empreendimentos privados, e m 14 de novembro de 1890. Sem dvida, o sculo X X marca uma nova formao do Brasil. Este sculo ficar marcado pela no aceitao do distanciamento da vida pblica da vida privada nem da promiscuidade dos fins e receitas pblicos com os interesses particulares da autoridade que os manipula.

    Embora o ideal republicano permeasse mais profundamente a sociedade brasileira no final do sculo XIX, a Repblica foi conquista aristocrtica, que, a espelho de tudo que consumia, importou os ideais, a forma e a Constituio, surgindo uma Repblica no nome, que nada tinha de "coisa" do "povo" - nem patrimonialmente, nem no seu iderio.

    Nos moldes dos EUA, escolhido o sistema federativo. N o entanto, os Estados da Federao no tinham a prtica autnoma, pois o Brasil saa do poder monrquico centralizado. E, na expresso de Oliveira Torres: "Sem dinheiro no h Federao"21

    E m essncia, possvel dizer que a Constituio republicana cristalizava o movimento que a fez nascer - como o caso de toda Constituio. Ocorre que este movimento republicano era o movimento da oligarquia do caf, que estendeu sua influncia sobre os demais Estados da Federao pela conquista poltica e pela determinao das normas Constitucionais que iro perdurar at 1930. Sero quase quarenta anos de consagrao jurdica e poltica do sistema agrrio monocultor, baseado na lavoura do caf, pouco dado a planos industrialistas e creditcios, muito menos ligado a qualquer pequena idia de democratizao. ainda esta primeira Constituio republicana que vai cassar o direito outorgado pelo art. 179 da Constituio do Imprio de que "a instruo primeira gratuita a todos os cidados". Este recuo vai perdurar at 1934, quando as correntes da mudana social lograro ponderveis triunfos em sua influncia sobre o constitucionalismo ptrio.23

    E m 1930, aproveitando a crise mundial de 1929 que enfraqueceu e mesmo destruiu parte da oligarquia cafeeira, estoura a revoluo que leva a vitria ao candidato gacho, estrangeiro mesa do caf de So Paulo. Getlio Vargas assume a presidncia pelo "prlio das armas", sob a promessa de dar ao Brasil uma nova Constituio, e ficar ditador por quinze anos no poder.

    Dois anos depois adveio a oligarquia cafeeira de So Paulo, aliada aos ideais liberais e constitucionalistas, promove uma revoluo, buscando retomar o poder, agitando o estandarte da Constituio prometida mas no cumprida. A Revoluo de 32 reprimida e e m 1934 outorgada uma nova Constituio ao Pas, que viver trs anos no governo personalista de Getlio.

    A Constituio de 1934 a consagrao dos direitos sociais. Inspirada pela Constituio de Weimar, define o papel do Estado no desenvolvimento econmico

    22. Heitor Ferreira Lima. Histria-Politico-econmica e Industrial do Brasil, 2a Ed. Ed. Nacional So Paulo, 1976, p. 295

    23. Paulo Bonavidcs. "O princpio ideolgico nas Constituies Brasileiras", in Reflexes Poltica e Direito. Malhciros, So Paulo, 1998, p. 291.

  • Brasil - Estado e Nao 95

    e social. Trar u m captulo intitulado "Da ordem econmica", que procurar organizar a atuao do Estado no domnio econmico "conforme os princpios da justia e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existncia condigna "

    A o contrrio das primeiras dcadas da Repblica, o ideal do desenvolvimento industrial do pas se faz manifesto, seja pela previso de nova regulamentao do crdito mais favorvel para o investimento, seja definindo a instituio de monoplios estatais que alavancariam o parque industrial.

    A preocupao com a pobreza e o analfabetismo, bem como com a sade e a assistncia social, ingressam pela primeira vez no campo da organizao do Estado, pois se tornam matrias constitucionais. E o Brasil consagra a forma de constituio material e m oposio constituio formal. A partir de 1934, as Constituies brasileiras organizaro o Estado pelo seu aspecto administrativo-burocrtico, e tambm pelo seu contedo poltico-ideolgico, definindo as suas finalidades, os porqus de sua existncia.

    Disposies sobre o amparo maternidade e infncia, socorro a famlias de prole numerosa, salrio-mnimo (art. 138), so alguns dos deveres constitucionais do Estado que o vincula com a Nao, fazendo das Constituies brasileiras Carta de Direitos do povo brasileiro, e no construo formal da ordem estatal.

    A Constituio de 1934 protege o direito de propriedade e vincula seu exerccio ao interesse social ou coletivo. Probe foros privilegiados e tribunais de exceo. Recoloca com maior riqueza o dever do Estado em prestar a educao: "A educao direito de todos e deve ser ministrada pela famlia e pelos poderes pblicos, cumprindo a estes proporcion-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no pais, de modo que possibilite efficientesfactores da vida moral e econmica da Nao, e desenvolva num espirito brasileiro a conscincia da solidariedade humana" (art. 149)

    Basta este artigo para se obter u m fiel retrato do transbordar de sonhos e ideais de u m pas que se julgava finalmente 'burgus', finalmente aparelhado dos ideais liberais, e liberto do comando oligrquico que agrilhoava e m elos de subordinao, explorao e opresso a recm-nascida Nao brasileira. D o vnculo estabelecido pela fora, pela necessidade ou mesmo pela misria que anula toda opo, procura-se, na forma de texto de Constituio, fazer da sociedade brasileira uma rede estabelecida pela vontade e fechada e m laos de solidariedade.

    A Constituio, mandamentos cristalizados, expe e m verbo o que j aflorava na sociedade: a busca acumulada e m sculos do reconhecimento da identidade brasileira pelo reconhecimento da existncia de u m povo-cidado, portador de voz e proprietrio de direitos; sujeitos construtores do pas; no o objeto, solo, mato e foice, com que o confundia o senhor de engenho do passado ainda quente.24

    24. "A cidadania a prova de identidade que mostra a relao ou vinculo do indivduo com o Estado. E mediante essa relao que uma pessoa constitui frao ou parte de um povo. (...) Sendo a cidadania um circulo de capacidade conferido pelo Estado aos cidados, este poder traar-lhe limites. (...) De qualquer maneira um status que define o vinculo nacional da pessoa, os seus direito e deveres em presena do Estado e que normalmente acompanha cada individuio por toda a vida. ". Paulo Bonavidcs. Cincia Poltica, Malhciros, 1997, p. 77.

  • 96 Cristiane Derani

    Contudo, a dose de ideal inoculada na Constituio foi forte demais perante as foras polticas menos "socializantes" do que os mandamentos consti-tucionais. A Constituio revolucionria de 1934 pereceu na contra-revoluo de 1937. Getlio Vargas substitui a Constituio por uma prpria e permanecer no poder por u m golpe de Estado at 1945.

    Nesse perodo ditatorial, conhecido como 'Estado Novo', foram muitas as modificaes econmicas e sociais do pas. Sem democracia, sem liberdade poltica, este Estado autocrtico, de censura e perseguio e mesmo de tortura dos militantes comunistas - aumentou em 6 0 % o nvel de escolarizao bsica, impulsionou a indstria, criou monoplios nacionais e fez o Estado assumir a produo da indstria de base, estabelecer a primeira legislao trabalhista do pas - ao molde da Carta dei Lavoro, de Mussolini. A greve e o lock-out foram proibidos e os sindicatos foram atrelados ao governo.

    E m 1943, os estudantes universitrios comeam a se mobilizar contra a ditadura. N o ms de dezembro, em So Paulo, os acadmicos da Faculdade de Direito e demais universitrios realizam uma passeata, caminhando de braos dados e com u m leno na boca, simbolizando a supresso da palavra. A manifestao dissolvida violentamente pela Polcia, provocando uma onda de indignao.

    Movido pela crescente insatisfao popular e pelo aumento das presses polticas, Getlio Vargas convoca eleies. Tem seu candidato eleito, general Dutra, o qual convoca imediatamente eleies para Assemblia Constituinte. Apesar da longa ditadura, Getlio candidata-se ao legislativo e com macio apoio se torna senador da Repblica. A nova Constituio promulgada a 18 de setembro de 1946.

    A diretriz social combinada com o Estado atuante permanece na Constituio de 1946. D e fato, a formao da Constituinte de 1946 foi a mais diversificada que o Brasil j havia experimentado. A classe mdia fortalecida e identificada, e o incio de u m movimento operrio organizado que, mesmo perseguido durante o Estado Novo, foi capaz de aglutinar o operariado urbano j bastante numeroso, levou pelo voto direto representantes de matizes polticos vrios, que escreveram mais esta Constituio que orientar a vida do pas no perodo de maior crescimento econmico de sua histria (1946-1967). A disposio dos constituintes era de buscar a conciliao, u m compromisso por uma trgua institucional.

    O Texto de 1946 mantm a declarao de que a ordem econmica deve estar consoante com a Justia social. Os princpios de trabalho que asseguram existncia digna, assim como o reconhecimento do trabalho como u m direito, so inovaes deste perodo ps-guerra e ps-ditadura.

    Evidentemente, no foi este o nico fator, mas de fato a sociedade brasileira ps-46 passou a construir sua identidade a partir de objetivos pblicos comuns - algo indito em nossa histria. A eleio da constituinte de 46 foi u m dos sintomas de conscincia de todo. A luta pela nacionalizao do petrleo encheu todas as bocas: "o petrleo nosso ". As empresas prestadoras de servios pblicos foram nacionalizadas, tambm os frigorficos e as indstrias farmacuticas. A remessa de lucros para o exterior

  • Brasil - Estado e Nao 97

    sofreu pesada regulamentao. Problemas como o analfabetismo e o latifndio passaram a ser temas correntes da intelectualidade urbana. E m 1952, nasce o Banco Nacional de Desenvolvimento, destinado a mobilizar recursos para incentivar as atividades de infra-estrutura: transportes, energia eltrica e indstrias de base.

    O rpido crescimento da produo industrial, contudo, no diminuiu os problemas do campo, ainda fincado na estrutura colonial, latifundiria, monocultora, voltada ao abastecimento externo. Surgiram as ligas camponesas que propunham entre outras coisas defender os camponeses contra a expulso da terra e a elevao do preo dos arrendamentos. Denunciado fortemente por Caio Prado Jr., o sistema agrrio, ainda prximo ao escravista, deveria ser reformulado por uma legislao que regularizasse as relaes de produo capitalistas e que garantisse a superao de uma ordem social heterognea. Caio Prado Jr. busca no nvel legal, de ordem jurdica e institucional, levar as propostas de uma revoluo burguesa que atribuiria a cidadania ao trabalhador rural definida pelo contrato, pelos princpios da liberdade, igualdade e propriedade. Reclama o equilbrio bsico nas relaes no campo, incluindo os direitos sindicalizao, greve, habitao conveniente e regulamentao do salrio, permitindo "massa trabalhadora do campo ... sair da marginalidade em que se encontra e integrar-se na vida geral do pais " Isto , aes que contribussem para a constituio de u m a 'coletividade nacionalmente integrada e organizada', que impulsionassem o desenvolvimento do mercado interno, especialmente o mercado de trabalho.25

    U m avano legislativo se deu e m maro de 1963, quando o ento presidente Joo Goulart sancionou uma lei que dispunha sobre o Estatuto do Trabalhador Rural. A lei instituiu a carteira profissional para o trabalhador do campo, regulou a durao do trabalho e a observncia do salrio mnimo e previu direitos como o repouso semanal e as frias remuneradas.

    E m 31 de maro de 1964, as foras armadas tomam o poder. U m a junta militar expulsa o presidente da repblica, e iniciam-se as perseguies polticas, inicialmente contra a Unio Nacional dos Estudantes - U N E , as Ligas Camponesas e os sindicatos. Ainda, quarenta e nove juizes foram imediatamente expurgados e cinqenta parlamentares tiveram o mandato cassado no mesmo ano. A Constituio foi suspensa e uma srie de atos de emergncia, chamados Atos Institucionais, sucederam-na. O primeiro estabelece a eleio indireta para presidente, que passa a ser por voto pblico dos deputados. O Congresso fechado e reconvocado para chancelar formalmente o novo texto constitucional de 1967.

    A ditadura atinge seu pice em 1968, com o fechamento definitivo do Congresso, e u m novo ciclo de cassao de mandatos, perda de direitos polticos e expurgos no funcionalismo, abrangendo muitos professores universitrios. N o lugar da Constituio, atos do poder executivo perfazem a Lei Maior, so os Atos Institucionais

    25. Maria Isabel Leme Falciros. "Uma visita Necessria", in Histria e ideal: ensaios sobre Caio Prado Jr., Brasilicnsc, So Paulo, 1989. p. 148.

  • 98 Cristiane Derani

    - AI. Estabelece-se na prtica a censura aos meios de comunicao, a tortura passa a integrar os mtodos do Governo.

    O terror espalhado, a desmobilizao poltica alcanada, vo repercutir at hoje no pas que ainda no foi capaz de reconstruir a conscincia de povo e o sentimento de nacionalidade que se aprofundava nos anos cinqenta e sessenta.

    O Estado de Direito sofreu o seu maior golpe. A ditadura militar suplantou aquela dos anos trinta de Getlio e m censura e violncia. A Constituio de 1967 era mera formalidade e m sua carta de direitos, que os prescrevia e m u m artigo e criava as excees a seu exerccio nos artigos seguintes. E m 1969, por uma emenda, surge a Constituio de 1969, sem qualquer participao do Congresso. Apesar de fortemente esmagada, a oposio se fazia, seja fora do pas, por aqueles que estavam no exlio, seja pela dolorosa reorganizao de u m operariado que redescobria o sindicalismo e aliava a luta por direitos econmicos aos direitos polticos.

    Aps a lei de anistia, em 1985, realizam-se as primeiras eleies diretas para presidente, j com o plurpartidarismo restabelecido. N a mesma poca, h eleies para deputados-constituintes encarregados de elaborar nova carta constitucional.

    E m 1988, nasce a atual Constituio. Aps vinte anos de violenta represso poltica e civil, que jogou o povo no alheamento da vida pblica e econmica do pas, a Carta de 1988 procura restabelecer pela palavra o Estado de Direito que no mais vivia. U m congresso pluripartidrio no foi competente para afastar da maioria os parlamentares da ditadura. Acompanhado pela oposio convalescente, no obstante, construram u m texto que ficou conhecido como "Constituio Cidad "

    Apesar de criticada pela sua extenso e por certa impropriedade de tcnica constitucional no tratamento de mincias - no de pouca importncia -, a Constituio de 1988 o discurso do sonho brasileiro. O poder deve ser exercido pelo povo - ele mesmo - assim como por seus representantes (art. 1 , pargrafo nico). A construo de uma sociedade livre, justa e solidria, o desenvolvimento nacional, a erradicao da pobreza e reduo de desigualdades sociais e regionais, o bem de todos sem qualquer forma de discriminao so os objetivos fundamentais da Repblica Brasileira (art. 3o). A extensa declarao de direitos, que refora as garantias individuais, institui novos remdios processuais para defesa do cidado e a gratuidade das aes de habeas corpus e habeas data. A ressaca do passado violento recente traz neste artigo a declarao de que "constitui crime inafianvel e imprescritvel a ao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrtico " (art. 5o, XLIV).

    ressuscitada na forma de norma constitucional a questo da propriedade agrria, e m vrios pontos do texto, iniciando no art. 5o, que dispe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos: a propriedade atender a sua funo social (XXIII); a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela famlia, no ser objeto de penhora para pagamento de dbitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento. (XXVI).

    A este artigo segue uma extensa carta de "direitos sociais", que discorre sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Princpios prprios de legislao

  • Brasil - Estado e Nao 99

    trabalhista alam o status constitucional, alimentado pela idia de que o que est inscrito na Constituio impregnar mais certo e profundamente a vida social. A criao do seguro-desemprego (art. 7o, II), do fundo de garantia por tempo de servio (III), participao nos lucros ou resultados da empresa (XI), proteo do mercado de trabalho da mulher (XX), o dever de assistncia gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento at seis anos de idade e m creches e pr-escolas (X X V ) , proteo e m face da automao (XXVII).

    Extensos so os artigos da "Ordem Econmica" e da "Ordem Social" Tudo precisava ser abordado, definido, defendido e imposto, pelo poder da palavra. O iderio, o mando e a retrica se misturavam e fundiam, para no serem mais identificados isoladamente.

    D e modo algum cabe a crtica de que a Constituio de 1988 estava alheia sociedade brasileira. C o m o toda Constituio, ela uma percepo da sociedade, de u ma parte de suas manifestaes expressas ou latentes, mas indubitavelmente existentes. E ainda ela revela mais que aspectos da sociedade atordoada, que volta a sua casa de onde foi expulsa, ocupada e alterada sem sua permisso. A Constituio Cidad o maior exemplo de certa crena inscrita na formao cultural brasileira de que leis constituem o nico requisito obrigatrio da boa ordem social. C o m o nos ensina a sensibilidade de Srgio Buarque de Holanda: "Escapa-nos esta verdade de que no so as leis escritas, fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legtimas garantias de felicidade para os povos e de estabilidade para as naes"26 Reformas verdadeiras exigem que "por trs do edifcio do Estado, existam pessoas de carne e osso. As constituies feitas para no serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivduos e oligarquias, so fenmeno corrente em toda a histria da Amrica do Sul. E em vo que os polticos imaginam interessar-se mais pelos princpios do que pelos homens: seus prprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretenso "21

    inegvel que o texto constitucional estimulou prticas significativas de cidadania. O fortalecimento do Ministrio Pblico, no seu papel civil de representar os interesses da sociedade no Judicirio, para moradia, educao, proteo do meio ambiente, do consumidor, do patrimnio histrico, constitui u m avano e uma arma no esforo de se diminuir a distncia entre o povo e as instituies que historicamente o aterrorizam. Por outro lado, esta Constituio nem bem foi promulgada comeou a receber pesadas crticas dos governantes do pas, todos, que se sucederam nesta ltima dcada. Este criticismo foi acompanhado de atos deliberados do Poder Executivo que frontalmente a ofendiam. Parte destes atos receberam a recusa e a indignao da sociedade, que vai pleitear direito prprio ou coletivo, por meio do Ministrio Pblico e associaes civis, atulhando o Judicirio, que jamais havia se defrontado com tantos processos contra atos da Unio, dos Estados e Municpios.

    26. Buarque de Holanda, opus cit., p. 178.

    27. idem, p. 182.

  • 700 Cristiane Derani

    As leis, como as instituies de u m povo, so dinmicas, como dinmicas so as relaes humanas. Quanto menos sedimentadas as relaes, quanto mais plurais forem os caminhos de u m povo, maior ser a dinmica de suas instituies e maiores sero as modificaes de seu estatuto normativo.

    Estamos na trigsima-quinta emenda Constituio. Ainda escutamos o discurso de ser este livro mximo de direitos o responsvel pelos problemas do pas. certo que os grandes ideais de Justia e igualdade escritos na Constituio no correspondem efetivamente s relaes de poder que se passam de fato na sociedade brasileira, longe da equidade democrtica. "Transformer effectivement dans le pays les rapports defait des forces, entamer lepouvoir excutif ypntrer de tellefaon et transformer tellement qu'il ne pt plus jamais, par lui-mme, s'opposer Ia volont de Ia Nation, - c'tait cela qu 'ilfallaitfaire alors, et ce qui devait tout preceder, afin qu'une Constitution critept tre durable"21''- j afirmava Lassale. A construo da cidadania necessita de princpios gerais fortes e impositivos.

    III "Povo sem nome das terras aradas Tu vais morrer na poeira das estradas Mas uma voz te mandar do espao A lei maior tefataliza o brao Muitas vezes a gente se revolta No que falte a pacincia de lutar Muitas vezes a gente se revolta Por incapaz de no se revoltar" (Coral do Abandono, in O Caf, Mario de Andrade)

    "Canudos no se rendeu. Exemplo nico em toda a histria, resistiu at ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na preciso integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caram os seus ltimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criana, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados"

    (Os sertes - Campanha de Canudos, Euclides da Cunha) Sem dvida, "a arma da crtica no pode substituir a critica das

    armas"29 fundamental no Brasil u m texto to minucioso, que traa o desejo da sociedade ideal, neste solo e m que h quinhentos anos a prosperidade da alguns adubada pelo suor de muitos. Entretanto, esta crtica deve interiorizar-se na conscincia de todos. O povo brasileiro no passa ileso por quinhentos anos de construo de uma sociedade fortemente hierarquizada, que reduzia o que seria uma entidade cvica e

    28. Fcrdinand Lassallc. Qu'Est-cequune constitution?', Editions Sullivcr, Aries, 1999, p. 56.

    29. Karl Marx - Contribuio Crtica da Filosofia do Direito de Hcgcl, in Manuscritos cconmicos-filosficos, (77-96), edies 70, Lisboa, I989,p.86.

  • Brasil - Estado e Nao 101

    poltica a uma oferta de mo-de-obra servil. Somos herdeiros do modo de pensar autoritrio, da valorao da cultura e dos interesses de uma esfera que insistia e m se desenvolver de costas para os demais. O poder das palavras da Constituio revelar-se- efetivo quando efetivamente seus pensamentos forem apropriados pelos seres humanos senhores de seus destinos, transformando o verbo em ao.

    A Nao brasileira no se constitui na passividade do fluxo regular de u m rio, cujo destino conhecido. Inmeras foram as revoltas e insatisfaes, algumas mesmo ameaadoras estabilidade do poder em exerccio. No cabe nesta concluso desfiarmos os nomes e as vidas que se envolveram em busca de mudanas e, se sua vitria pode ser contestvel, sem dvida, seus atos fazem parte da liga que sela o Brasil como Nao. Se no verdade a afirmao de que o brasileiro u m povo pacfico acostumado com autoridade e explorao, menos verdadeira ainda a afirmao de que nossa histria coroada pela derrota de lutas que deixaram intactas as relaes sociais. A formao de uma Nao se d pelo modo como as relaes so constitudas, relaes estas cuja complexidade extrapola a percepo ch imediata da luta pelas coisas brutas, materiais, atrs das quais segue todo o resto. Walter Benjamin lembra que "a luta de classes uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais no existem as refinadas e espirituais. Mas na luta de classes essas coisas espirituais no podem ser representadas como despojs atribudos ao vencedor. Elas se manifestam nessa luta sob a forma da confiana, da coragem, do humor, da astcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo dos tempos. Elas questionaro sempre cada vitria dos dominadores "30 E, no raro, nas atitudes mais comezinhas encontramos as marcas dos vencidos, vencedores, nos costumes e na esperana.

    mister no esquecer, por exemplo, a Revoluo Cabana desencadeada e m Belm do Par, no primeiro reinado, em 1835; a Revoluo Praieira de 1848, no Recife, durante o segundo reinado; a Guerra de Canudos no serto baiano, em 1896, no nascer da Repblica; e, hoje, o Movimento dos Sem-Terra, protagonistas atuais da permanente guerra no campo.

    A Revoluo Cabana de 1835 pretendia fazer da independncia recm-adquirida u m movimento de afirmao do povo brasileiro. A doutrina bsica dos cabanos era a independncia poltica externa e a emancipao social interna, decorrentes da conscincia de ser cidados, rejeitando ser sditos permanentes de colonizadores eternos.31 E m oposio cidadania parcial, do Estado brasileiro, nascido pela independncia, que tipificava os filhos da terra como 'selvagens' objeto de "pacificao', a base dominada lutava pela cidadania plena e socializada. Lutavam os brasileiros nativos por uma cidadania indivisvel e plena para todos, socializando assim os direitos e os deveres.32

    30. Walter Benjamin. Obras escolhidas: magia e tcnica, arte e poltica. Editora Brasilicnsc, So Paulo, 1985, p. 224.

    31. Pasqualc di Paolo. Cabanagem - a revoluo popular da Amaznia, Edies Ccjup, Belm, 1990, p. 369.

    32. cf. idem, p. 373.

  • 102 Cristiane Derani

    A Revoluo Praieira de 1848 desfilava vrios interesses: mudana de hegemonia poltica, ideal republicano, insatisfao popular. Reivindicava mudanas institucionais com a convocao de uma Assemblia Constituinte para uma reforma liberal. Era a revoluo para "conquistar e construir uma ptria" Voto universal, direito ao trabalho, proteo ao comrcio interno, independncia dos poderes eram algumas das reivindicaes mais radicais do movimento, angariando com facilidade a fora dos homens livres e desapossados. "Mais do que um movimento poltico era assim um movimento popular. A praia era a maioria, era quase o povo pernambucano todo "33

    Severamente reprimida, sob o lema 'poupar os submissos e debelar os soberbos', as autoridades, aps a represso armada, adotavam uma campanha de desmoralizao do movimento e de seus lderes, prtica que se tornou constante na vida pblica brasileira.

    O episdio de Canudos, dos mais violentos embates contra civis no Brasil, mostra u m misto de fervor religioso e obstinao daqueles cujo nico patrimnio era a prpria vida. N u m a regio assolada pela seca, os sertanejos unem-se figura messinica e nostlgica de Antnio Conselheiro, que lhes dava esperana de dias melhores pela religiosidade e pela volta da monarquia. E m torno destes ideais, fundaram u m povoado que atingiu 5 mil moradias. Tomando cincia destas habitaes, o Governo central manda tropas da Repblica para dissolv-las. N a sua marcha pelo serto, a tropa assustava queles que viviam sua vida e de quem o Estado nunca se lembrou, que partiam fugidos de suas casas, levando a notcia a Canudos de que este povoado era o alvo dos militares e m marcha. A multido organizou-se com seus utenslios de trabalho, atacaram na surpresa a primeira tropa. Quatro tropas sero necessrias para acabar com o vilarejo de Canudos e toda sua populao. No houve prises, no houve processo, e ao final mal se sabiam as razes do ataque.

    D e c o m u m nestes episdios est o distanciamento do Estado - seus atos e polticas - da maior parte da populao. A formao do povo por segmentos estamentais e a incompreenso da diversidade brasileira nega sistematicamente a solidariedade e a cooperao - verdadeiras amarras da sociedade. Somos u m povo assentado em grande territrio, bastante diverso pela construo cultural, unidos pela lngua e - talvez - por u m certo ufanismo epicurista por nossas riquezas sensuais (nossa geografia incomparvel, nossas praias as mais belas, nossa comida - a mais saborosa, nossas msicas as melhores).

    Encerrar este lampejo dos passos do Estado e da Nao brasileira requer a voz daqueles que, com genialidade, expressam o amor ao pas e ao povo que o constitui. Precisamos tornar nossa sociedade responsvel pelas crianas e ancios, apregoa Darcy Ribeiro. E "isso s se alcanar atravs da garantia de pleno emprego, que supe uma reestruturao agrria, porque ali onde mais se pode multiplicar as

    33. Joaquim Nabuco. Um Estadista do Imprio. Topbooks, t. I, p. 74/75.

  • Brasil - Estado e Nao 103

    oportunidades de trabalho produtivo "34 , sem dvida, na diversidade das regies que esto as razes de nossa riqueza cultural, repisa Celso Furtado. Mas a preservao dessa riqueza exige que o desenvolvimento material se difunda por todo o territrio nacional35 A solidariedade mais rica no diverso, onde a cooperao se materializa na construo do outro e no na reproduo do mesmo. O poder da originalidade e da criatividade aflora e m todos os momentos da histria em que o povo brasileiro se reconhece como unidade, no fado de u m destino comum, isto , como Nao.

    So Paulo, maro de 2002.

    34. Darcy Ribeiro, opus cit., p. 200.

    35. Celso Furtado. "Nova Concepo do Liberalismo", in O Longo Amanhecer: reflexes sobre a formao do Brasil. Paz c Terra, Rio de Janeiro, 1999 , p. 46-7.