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Francisco Ferreira de Castro Brasil Realidade e Utopia

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Francisco Ferreira de Castro

Brasil – Realidade

e Utopia

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Dedicatória

Dedico este livro a Iracema, minha mulher, aos nossos filhos Maria

Auxiliadora, Rosa Luísa e Francisco Filho, aos netos Paula, Alexandre e Ana Gabriela, razão e estímulo nas lutas que nos uniram ao longo destes últimos 50 anos de vida conjugal e familiar.

Dedico este trabalho também a todos os brasileiros, especialmente aos jovens, que, como nós, acreditam no futuro deste abençoado país, o Brasil,

onde todos possam usufruir um padrão de vida decente para si e seus familiares.

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Agradecimentos

Ao fim deste trabalho, no qual tentei oferecer a possíveis leitores uma visão abrangente e integrada dos problemas brasileiros contemporâneos e sonhar uma utopia de futuro viável e necessária para o Brasil

e sua gente, verifico que tenho uma dívida de gratidão a muitas pessoas. Dívida esta que se acumulou ao longo dos anos em que militei na política do meu

Estado, o Piauí, numa curta, mas intensa vida pública, quando fui eleito deputado estadual à Assembléia Legislativa, Vice-Governador, tendo exercido o cargo de Governador do Estado e Deputado Federal; o de magistério na

Universidade de Brasília, desde a sua fundação, onde, após o curso de doutoramento, tive a honra de lecionar Direito Constitucional e Ciência Política nas Faculdades dos respectivos departamentos dessa prestigiosa instituição de

ensino superior do país; por fim, no exercício da advocacia, onde começou toda a minha vida profissional, com breves períodos de interregno, logo após a colação

de grau em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1948, e graças a Deus, ainda não terminou. Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma

contribuíram para a feitura e conclusão deste livro, com o incentivo, sugestões e trocas de idéias, pois, sem essa preciosa cooperação não teria sido possível

realizar este trabalho. De modo especial, gostaria de ressaltar o trabalho eficiente e prestimoso feito pela senhorita Tatiana K. Yamamoto, na composição e digitação de toda a matéria a ser publicada.

Uma coisa, porém, é certo. Os erros e imperfeições encontrados neste livro serão somente meus, como seu autor; os acertos e méritos que a ele forem creditados serão de todos nós, obrigado.

Do autor.

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SUMÁRIO

Primeira Parte

1. Introdução......................................................................................... 1

2. Um país chamado Brasil.................................................................... 2

3. O Descobrimento que virou História................................................... 2

4. Do Brasil-Colônia aos nossos dias: a cronologia de um longo e

criativo processo histórico......................................................................

5

5. Brasil: território, povo e governo......................................................... 7

5.1 O território brasileiro: características da flora e fauna..................... 8

5.2 O Clima.......................................................................................... 9

5.3. A Configuração do nosso território: entradas e bandeiras.............. 11

6. Povo: conceito de povo, nação e pátria................................................ 12

6.1 População brasileira: características principais............................... 14

6.1.1 População Urbana..................................................................... 14

6.1.2 Distribuição da População por Faixas Etárias............................ 15

6.1.3 Estrutura da População por Sexo.............................................. 16

6.1.4 Cor e Raça................................................................................. 17

6.2 A formação de uma sociedade multirracial e multicultural no

Brasil.....................................................................................................

18

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7. A Terra e o Homem Brasileiro – Destinação Histórica......................... 20

8. A formação do Caráter Nacional Brasileiro......................................... 23

8.1 Traços psicológicos do brasileiro..................................................... 28

8.2 O Brasileiro: ontem e hoje.............................................................. 32

8.3 O Brasileiro na opinião dos doutos................................................. 32

8.4 Os vários "brasís" e a unidade nacional.......................................... 42

8.5 O quê o Brasileiro pensa que é....................................................... 44

8.6 Como somos vistos no exterior....................................................... 47

8.7 A felicidade brasileira.................................................................... 49

9. Governo - Breves notas sobre as formas de governo............................ 53

9.1 Governabilidade x não governabilidade........................................... 59

9.2 O Brasil que deu certo.................................................................... 61

9.3 O quê deu errado........................................................................... 65

10. As elites dirigentes........................................................................... 69

10.1 A crise das elites........................................................................... 71

10.2 A formação das elites – Império e República.................................. 74

Segunda Parte

1. Modernização da Sociedade................................................................ 83

2. Mudanças sociais e políticas a influência dos

modelos.................................................................................................

85

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3. Forças atuantes no processo de transição em curso........................... 87

Terceira Parte

O Sistema político brasileiro – Considerações gerais............................... 99

1. Tendência à concentração do poder estatal......................................... 101

2. O problema da utilização do Poder pelos governantes......................... 103

3. A política dos objetivos nacionais na Constituição brasileira............... 104

SEÇÃO I

A – Os Fins do Estado na doutrina política............................................. 105

B – Os que advogam a determinação dos fins do Estado......................... 105

C – Os que negam a existência do problema........................................... 106

D – Os fins do Estado na teoria tridimensional do Direito e do Estado.... 107

E – Fins exclusivos do Estado e fins concorrentes................................... 108

F – A doutrina da Escola Superior de Guerra sobre os Objetivos

Nacionais...............................................................................................

109

SEÇÃO II

1. O Planejamento Econômico como técnica de realização dos Objetivos

Nacionais...............................................................................................

110

2. Plano Nacional de Desenvolvimento: sua caracterização..................... 111

3. Modelo Brasileiro de Desenvolvimento................................................ 112

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3.1 Os Grandes Objetivos Nacionais do Desenvolvimento..................... 112

4. O plano “Avança Brasil”..................................................................... 114

SEÇÃO III

§ 1º A Idéia da Moderna Sociedade Brasileira......................................... 117

§ 2º O novo ethos Político-Democrático................................................... 118

§ 3º Da Democracia Política à Democracia Social.................................... 120

Quarta Parte

O ESTADO BRASILEIRO:

ESTRUTURAS POLÍTICAS BÁSICAS....................................................... 122

SEÇÃO I

Poder Legislativo

1. Bicameralismo e Unicameralismo....................................................... 125

2. Condições de elegibilidade para o Congresso Nacional........................ 127

2.1 Composição do Congresso Nacional................................................ 128

2.1.1 Câmara dos Deputados............................................................. 128

2.1.2 Senado Federal.......................................................................... 129

3. Atribuições do Congresso Nacional..................................................... 130

3.1 Processo Legislativo........................................................................ 131

SEÇÃO II

Poder Executivo

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1. Presidente e Vice-Presidente da República.......................................... 133

2. Atribuições do Presidente da República.............................................. 134

3. Da responsabilidade do presidente República..................................... 134

4. Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional....................... 135

5. Presidência da República: sua institucionalização.............................. 136

6. Escolha do Presidente e do Vice-Presidente da República................... 137

6.1 Condições de elegibilidade.............................................................. 137

SEÇÃO III

Poder Judiciário

1. Organização do Judiciário.................................................................. 138

2. Supremo Tribunal Federal: sua composição e competências............... 140

3. A Súmula........................................................................................... 142

4. Justiça dos Estados........................................................................... 143

5. Ministério Público.............................................................................. 144

6. Advocacia Geral da União................................................................... 145

7. Advocacia e Defensoria Pública........................................................... 145

8. O Judiciário e as Liberdades Públicas................................................. 146

SEÇÃO IV

O Federalismo Brasileiro........................................................................ 147

1. Estados-membros da Federação......................................................... 150

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2. Municípios e Regiões Metropolitanas.................................................. 151

3. Distrito Federal.................................................................................. 153

SEÇÃO V

Os Partidos políticos: considerações gerais............................................. 154

1. Pluripartidismo – bipartidismo e monopartidismo............................... 155

2. Os partidos políticos nacionais: um pequeno quadro histórico............ 156

3. Os modernos partidos políticos brasileiros (após a Constituição de

1988).....................................................................................................

159

4. Partidos políticos nacionais e seus programas................................... 160

5. Lideranças partidárias........................................................................ 162

6. Eleições: rumo à teledemocracia......................................................... 169

SEÇÃO VI

1. A Administração Pública.................................................................... 170

2. Orçamento-Programa......................................................................... 171

3. Pessoal............................................................................................... 172

4. Sistema Tributário............................................................................. 173

SEÇÃO VII

1. Fatores reais de poder........................................................................ 174

2. Grupos de pressão. Lobby.................................................................. 176

3. Controle dos grupos de pressão de existência ilegal............................ 179

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I - Forças Armadas................................................................................. 180

II – Igreja................................................................................................ 182

SEÇÃO VIII

1. A Ordem econômica e social............................................................... 183

2. Turismo............................................................................................. 184

3. Reforma agrária................................................................................. 185

4. Direitos Humanos – Justiça Social e Sociedade Justa......................... 187

5. Educação, Cultura, Esportes.............................................................. 192

6. Ciência e Tecnologia........................................................................... 196

7. Meio Ambiente................................................................................... 197

8. A Família............................................................................................ 198

Quinta Parte O BRASIL NO MUNDO

POLÍTICA EXTERIOR............................................................................. 201

I. Presença do Brasil no Mundo.............................................................. 201

II. Objetivos imediatos............................................................................ 204

A – Industrialização................................................................................ 205

B – Desenvolvimento da agricultura....................................................... 205

C – Cooperação Externa......................................................................... 207

D – A Integração Econômica Latino-americana – Mercosul...................... 208

E – ALCA - Área de Livre Comércio das Américas.................................... 209

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III – Princípios básicos de convivência internacional............................... 212

Independência Nacional......................................................................... 213

Pacifismo............................................................................................... 214

Igualdade das nações............................................................................. 215

A solidariedade coletiva e o principio da não intervenção........................ 216

IV – O Brasil na Ordem Mundial A – A Organização dos Estados Americanos – OEA................................. 217

B – As relações extra-continentais.......................................................... 219

C – ONU: esperança de Justiça e Paz Mundial........................................ 220

Utopia - (à guisa de conclusão)............................................................... 223

Biobibliografia........................................................................................ 225

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1. Introdução

Neste trabalho de pesquisa histórica, estudo e análise crítica de alguns problemas brasileiros atuais, o nosso objetivo coincide com o de quase

todos os que de uma forma ou de outra se interessam pelos assuntos que dizem respeito ao nosso país, principalmente nesta virada para o século XXI da Era Cristã. Ou seja: o que se pretende, face às crescentes desigualdades sociais e

regionais acumuladas nestes quinhentos anos de vida nacional, é saber por que não conseguimos até agora promover o desenvolvimento econômico com justiça social, a fim de resgatar a enorme dívida contraída com a nossa população de

excluídos e ganhar o respeito da comunidade internacional por estarmos construindo uma sociedade moderna, livre, justa e solidária no Brasil?

Sem dúvida que a busca de novos rumos para o país é uma tarefa precípua dos governantes, aos quais cabe, em cada momento histórico interpretar

as aspirações nacionais e decidir sobre o interesse em viabilizá-las em benefício da comunidade brasileira. O que não nos impede, como cidadãos, de participar das discussões desses assuntos nos fóruns da sociedade civil, de pensar o Brasil

e, inclusive, de fabricar utopias sobre o nosso futuro como nação, sem que isso possa significar qualquer desapreço às instituições sob as quais vivemos e

amamos. Temos presente, como adverte o cientista político norte-americano

Robert A. Dahl, no seu admirado estudo sobre “A Moderna Análise Política”, que ao utilizarmos metodologia empírica na avaliação de fatos sociais, sejam eles

históricos, sociológicos, econômicos, políticos e, sobretudo com base em dados estatísticos, deve-se agir com cautela, tanto em relação às fontes como na valorização das informações obtidas. Pois, em política, como em outras atividades

semelhantes, lida-se freqüentemente assumindo os riscos e incertezas quanto aos resultados a serem buscados após a escolha entre duas ou mais soluções alternativas, e não com certezas, como ocorre na matemática ou em outras

ciências exatas.

Tais circunstâncias, no entanto, não devem diminuir nosso esforço na busca das soluções desejadas. Ao contrário disso. Com base em análise crítica e objetiva da realidade brasileira, atualmente já bastante conhecida e estudada

nos seus diferentes aspectos, acreditamos ser possível efetuar um trabalho sério e confiável de interpretação que vá além do simples exercício de especulação

intelectual, atividade muito comum até pouco tempo atrás na abordagem de temas dessa natureza em nosso país. A prova disso é que, a reflexão crítica produzida no País e no exterior sobre o nosso processo civilizatório, em

comemoração aos quinhentos anos do Descobrimento, constituiu para nós um marco histórico importante na determinação de novos rumos para o futuro como nação independente.

Aqui, portanto, o Brasil-real estará intimamente ligado ao Brasil-

ideal, porque se interpenetram, complementando-se. Dentre outros motivos,

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porque é preciso sonhar uma utopia de modernidade para o Brasil muito diferente do que temos agora. Uma utopia de futuro, possível e necessária, que

devolva a auto-estima e a esperança de uma vida condigna e mais igualitária para todos os brasileiros.

2. Um país chamado Brasil

Transcorria a sessão anual de abertura da Assembléia Geral da ONU, em Nova Iorque, em 1997. O cenário imponente e majestoso refletia a importância

e o brilho de que se revestem as reuniões feitas com a presença de Chefes de Estado e de Governo e altos dignitários dos Estados-membros da Organização das Nações Unidas.

Dentre os 185 Estados participantes daquele Fórum Internacional, está um país chamado Brasil, o qual tem o privilégio de ser um dos 50 primeiros membros signatários da Carta de São Francisco, no ano de 1945, que estabeleceu

os princípios básicos de uma nova ordem internacional sustentada pelos países vencedores da 2ª Guerra Mundial contra o nazi-facismo e criou a ONU para

implementá-la. Embora os seus membros tivessem sistemas políticos, econômicos, sociais, crenças e culturas diferentes, o consenso alcançado com a Carta da ONU significou, naquele momento e depois dele, um passo decisivo e

importante rumo à reconstrução do pós-guerra num clima favorável à Liberdade, à Democracia, à Paz e ao Progresso para toda a humanidade nesta segunda

metade do século XX, marco final para o início de um novo século e milênio. Um novo século e milênio que marcarão um novo tempo, ao que se espera, de grandes transformações nos mais diferentes setores da vida humana

sobre a Terra, no qual o Brasil terá cada vez mais uma presença influente como parte integrante do Mundo globalizado que se forma e exigirá dos atores políticos decisões compartilhadas visando redesenhar um futuro de prosperidade e de

bem-estar para toda a humanidade. Por um momento, tivemos a visão de que estava ali reunido o que um

dia poderá vir a ser o parlamento de um governo mundial possível e viável, como ocorreu por ocasião da Cúpula do Milênio realizada pela ONU, em setembro do ano 2.000.

3. O Descobrimento que virou História O descobrimento do Brasil não foi obra do acaso, como inicialmente

sustentaram alguns autores, contrariando conclusões da moderna historiografia sobre a matéria. Por estar situado a meio caminho das rotas marítimas que conduziam à Índia, já visitada por Vasco da Gama, em 1496, em busca de

especiarias e outras riquezas, o descobrimento do Brasil faz parte integrante do ciclo dos grandes feitos dos navegadores portugueses e espanhóis nos séculos XV

e XVI. Coincidiu com os movimentos de expansão comercial, de ampliação da fé cristã e da descoberta de novos territórios em ultramar na época do Renascimento da Europa e início da Era Moderna.

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Nada teve tão grande significado para o progresso econômico e a disseminação dos valores da civilização Ocidental, até a Revolução Industrial.

A história da expansão marítima, crucial para uma Europa em crise econômica naqueles tempos, está estreitamente ligada aos conhecimentos alcançados por Portugal e Espanha na técnica de construção naval e ao

desenvolvimento dado à arte de navegação. É o produto de imenso trabalho coletivo realizado por portugueses, andaluzes, genoveses e venezianos, entre outros, os dois últimos trazendo à ciência náutica a contribuição mediterrânea, e,

os dois primeiros, iniciando a grande escola de navegação em mar aberto através do Oceano Atlântico até então desconhecido e povoado de muitas lendas.

Foi um grande feito só comparável, nos tempos atuais, ao desenvolvido pelos Estados Unidos e Rússia na exploração pioneira do espaço extraterrestre, na qual foram utilizados instrumentos de alta tecnologia e

sofisticação em viagens a outros planetas da órbita terrestre.

Coube ao Infante D. Henrique, afastando-se da Corte portuguesa, tomar a frente de tão grandioso e importante empreendimento. Para isso, decidiu

estabelecer-se com seus auxiliares em Sagres, no Algarves, onde se rodeava de astrônomos, cosmógrafos, geógrafos, cartógrafos e marinheiros, a fim de, pelo

estudo, aperfeiçoarem-se na arte da navegação da qual eram exímios.

Surgiu então a Escola de Sagres onde teria início, verdadeiramente, a epopéia marítima de Portugal, compartilhando o desejo de D. João I em descobrir

novas terras a fim de difundir a fé cristã e engrandecer o reino de Portugal. De Sagres partiram diversas expedições exploradoras de novas rotas marítimas e de

outras terras que estariam situadas nos mares ignotos do Atlântico Sul.

Vários foram os empreendimentos bem sucedidos. Colombo tomou o rumo do Oriente através do Ocidente, e chegou às Antilhas. Logo depois, com

Américo Vespúcio, verifica não ter chegado à Índia, mas descoberto a América, em 1492, o que o tornaria famoso. Vasco da Gama descobre o caminho para as Índias, seguindo a rota da costa africana, e se torna personagem central do

grande poema épico de Luiz de Camões, no livro "Os Lusíadas", obra-prima da literatura portuguesa e mundial.

Assinala o historiador João Ribeiro que "a descoberta da nossa terra foi feita quase ao mesmo tempo por espanhóis e portugueses, por isso que o Brasil se achava na interferência dos dois ciclos dos navegadores, o ciclo atlântico

ocidental e o ciclo atlântico ao sul, o dos Descobridores do Novo Mundo e o dos do caminho da Índia que se cruzavam uns e outros na linha equatorial". (João

Ribeiro, em História do Brasil, 1935-25).

A cartografia quinhentista, no entanto, assinalava a existência de ilhas misteriosas no Atlântico Ocidental, as quais poderiam ser encontradas com

o afastamento das rotas marítimas da costa da África.

Conscientes de que deveriam navegar em mar aberto do Atlântico, foi assim que, a 9 de março de 1500 partia de Lisboa a maior frota já armada em

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Portugal, composta de 1500 homens preparados e equipados, sob o comando do Capitão-Mor Pedro Álvares Cabral, fidalgo português e homem afeito às viagens

pelo mar. Seu destino era fazer novos contatos com os povos da região asiática e estabelecer o comércio de especiarias com a Índia.

Admite-se, no entanto, que uma das recomendações feitas a Cabral

pelo rei D. Manuel I teria sido a de verificar a existência de terras dentro dos limites portugueses estabelecidos pelo Tratado das Tordesilhas, que previa divisão das terras descobertas entre Espanha e Portugal. E, também, se possível,

determinar o seu valor. Antes de partirem, em meio a solenidade que o momento exigia, o rei D. Manuel entregou ao Capitão-mor da esquadra, Pedro Álvares

Cabral, uma bandeira da Ordem de Cristo - o símbolo da fé cristã e dos grandes feitos marítimos portugueses.

Fazendo as velas ao mar, passaram pelas ilhas Açores e Canárias,

prosseguindo viagem pelo Atlântico Ocidental, por muitos dias.

No dia 21 de abril surgiram os primeiros sinais de terra, avistando-se em seguida um monte muito alto, o qual foi chamado por Cabral de Monte

Pascoal, por estarem na Semana Santa. Foi dado à terra o nome de Vera Cruz.

Após aportarem os barcos em um porto seguro, atualmente

conhecido como baia de Cabrália, os marinheiros desembarcaram, travando os primeiros contatos com a nova terra e seus habitantes. Na ocasião, houve troca de presente. Em um dos ilhéus - o da Coroa Vermelha - no dia 26 de abril, frei

Henrique Soares rezou a primeira missa em terra firme. Auxiliados pelos índios, os portugueses providenciaram a construção de uma grande cruz de madeira,

fincando-a ao chão simbolizando a posse da nova terra em nome do rei de Portugal.

Pero Vaz Caminha, escrivão do navio capitaneado por Cabral, relatou

os acontecimentos em carta de 27 páginas ao rei D. Manuel I, sendo este o documento que vale como a certidão de nascimento do nosso país. Homem curioso e observador arguto, Caminha escreveu suas primeiras impressões sobre

a terra recém-descoberta, assinalando: "Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro: nem lhe vimos.

Porém, a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Dentre-Douro-e-Minho. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira graciosa, que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente".

Naturalmente, quando o escrivão se referia a "salvar esta gente" queria dizer "salvar a alma" dos gentios, através da implantação da fé cristã entre os nativos brasileiros, a que deram o nome de "índios".

É de se notar que, ao ser descoberto, o Brasil era habitado por uma gente de civilização atrasada, vivendo da caça e da pesca, usavam o arco e a flecha, e a clava, na guerra, e andavam em completa nudez. A feição dos índios,

diz o escrivão da armada de Cabral, é "serem pardos, à maneira de avermelhados,

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de bons rosto e narizes, bem feitos". O índio tinha o sentimento da propriedade coletiva (da tribo), mas não o tinha da propriedade privada. Tinham muitas

crenças e superstições. Feticistas, os indígenas temiam ao mesmo tempo um deus bom - Tupã - e um espírito maligno, tenebroso, vingativo - Anhangá, ao sul, e Jurupari, ao norte.

No dia 2 de maio de 1500, a esquadra de Cabral partiu, prosseguindo viagem rumo às Índias, onde, por ter tido recepção pouco amistosa em Calicute, bombardeou por dois dias a cidade até a sua rendição. Antes de partir,

entretanto, Cabral havia deixado no Brasil dois degredados que deveriam servir de informantes aos próximos portugueses que aqui chegassem, e dois grumetes

que, ao que consta, haviam desertado encantados com os índios. A beleza da mulher indígena, desde logo, foi muito elogiada pelos descobridores portugueses.

D. Manuel I escreveu então ao rei da Espanha anunciando a

descoberta da terra, cuja posse estaria assegurada pelo Tratado de Tordesilhas, e a que pôs o nome de Santa Cruz, acrescentando que nelas os descobridores acharam as "gentes nuas como na primeira infância, mansas e pacíficas..."

Somente em 1503, a terra descoberta passou a ser conhecida, segundo alguns historiadores admitem, pelo nome de Brasil, isso em razão de

uma madeira avermelhada, cor de brasa, denominada pau-brasil, exportada das feitorias do litoral para Europa em grande quantidade. Para os índios, o nome da nova terra, segundo a lenda, era Pindorama, por motivo das belas palmeiras aqui

existentes.

A Corte de Portugal teve motivos para comemorar os grandes feitos

dos navegadores portugueses, que expandiram os seus domínios por terras distantes e desconhecidas, garantindo o rico comércio das especiarias com a Índia, o que deu causa à cobiça de outras nações. A viagem de Cabral foi um

sucesso, compensando, pelas mercadorias que trouxe, as despesas feitas com a expedição, apesar da perda de 6 embarcações até o regresso a Portugal, em janeiro de 1501.

Porém a existência apenas do comércio do pau-brasil não justificava à época maiores investimentos no país, quando o Oriente, com todas as suas

riquezas, aguardava a chegada dos portugueses.

4. Do Brasil-Colônia aos nossos dias: a cronologia de um longo e criativo processo histórico

Desde o Descobrimento, passaram-se 30 anos de quase abandono da terra pela Coroa portuguesa, o que propiciou invasões ao novo território. Eram os

corsários, franceses, espanhóis, ingleses, holandeses, inicialmente na Bahia, em 1624, depois, tendo à frente o Conde Maurício de Nassau, em Pernambuco onde se estabeleceu em 1637, dando novo impulso à colônia instalada pela Companhia

das Índias Ocidentais no nordeste brasileiro. Tivemos momentos difíceis, em face da ocupação de vários pontos das nossas costas marítimas, ao norte e sul do

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país, até que Portugal decidiu-se pela posse efetiva do território recém-descoberto antes que outros o fizessem, apesar da reação nativista.

O processo de colonização do Brasil pode ser dividido em duas fases bem definidas, segundo os historiadores mais conceituados: na primeira - do descobrimento até 1534 - realizam-se o reconhecimento e a exploração das costas

tendo por base as feitorias onde era estocado e comercializado o pau-brasil, em troca de quinquilharias. A segunda - de 1534 a 1548 - é a fase das capitanias hereditárias, quando se inicia a colonização propriamente dita, culminando, em

1548, com a criação do governo geral.

Foi em 1530 que o rei D. João III organizou a primeira expedição

colonizadora e exploradora ao Brasil, confiando o comando a um seu amigo de infância, Martim Afonso de Sousa. Fidalgo de alta linhagem, conselheiro da Coroa, com serviços prestados ao rei e casado com uma nobre espanhola - Ana

Pimentel -, Martim Afonso de Sousa recebia, aos 30 anos, a incumbência de firmar definitivamente o domínio português em terras do Brasil, dando início à colonização.

É oportuno assinalar, nesses períodos iniciais da nossa História, alguns acontecimentos marcantes da vida política nacional, cuja importância a

simples cronologia dos eventos não permite visualizar satisfatoriamente. No Brasil, tivemos os Governadores-Gerais, de 1549-1720; os Vice-Reinados, até 1808; com a chegada do rei D. João VI e da Corte portuguesa, em 1808, o Brasil

foi elevado à categoria de Reino Unido com Portugal e Algarves, em 16 de dezembro de 1815; D. João VI regressa a Portugal em 1821, deixando o filho

Pedro de Alcântara como Príncipe-Regente do Império do Brasil, o qual, cedendo às pressões populares com as quais concordava, declarou a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, sendo o Príncipe-Regente coroado Imperador do

Brasil, em 1824; em 25 de março de 1824, na Capela Imperial do Rio de Janeiro, D. Pedro I jura obedecer a Constituição, a qual instituía um quarto poder, o Moderador, atribuído ao Imperador como “a chave de toda a organização política

do Império”; D. Pedro I, chamado a Lisboa pelas Cortes portuguesas, antes da partida de regresso a Portugal, abdicou ao trono no Brasil em 1831, em favor de

seu filho menor, que seria aclamado como D. Pedro II, mas só assumiu o Governo após o período regencial da Menoridade, sendo coroado Imperador do Brasil em 1841. Governou o país com grandeza, moderação e sabedoria por quase meio

século, até 15 de novembro de 1889, quando se deu a queda do Império e a proclamação da República no Brasil.

Houve um longo período de lutas, cruentas e incruentas, até a consolidação do Império brasileiro.

Os nove anos de 1831 a 1840, que antecederam a Maioridade de D.

Pedro II, foram anos de muito sangue derramado, maior ainda pela reação extremada contra movimentos de caráter popular e sertanejo, como se caracterizaram as revoltas sociais dos Cabanos, no Pará, a Balaiada, no

Maranhão e Piauí, a Carneirada, em Pernambuco, a Confederação do Equador, compreendendo os Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e

Ceará, a Sabinada, na Bahia, a guerra dos Farrapos ao Sul, de 1835-1845, a que mais durou. Todas, entretanto, alistando em suas fileiras as camadas mais

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pobres da população. Por isso mesmo, foram exterminados com rigor e punidos sem contemplação os seus cabeças. A mesma reação violenta se daria, mais

tarde, no período republicano, com a repressão do governo a Canudos, na Bahia, dizimando os seguidores do “beato” Antonio Conselheiro, bem como a repressão policial violenta ao bando do “Capitão” Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião,

conhecido e temido como o Rei do Cangaço, com atuação no interior de alguns Estados nordestinos, notadamente nos sertões da Bahia, Sergipe e Ceará.

Entretanto, nem tudo era violência. Após a menoridade do Imperador

Pedro II, a figura do conciliador alternou-se na política nacional com o jogo duro do governo, notadamente durante o período da Regência, chefiado pelo padre

Antonio Feijó.

Representada por Carneiro Leão, Visconde do Paraná, ao instalar o Gabinete por ele presidido, em 1853, teve inicio a política de conciliação nacional

do Segundo Reinado, a qual possibilitou um período de grande progresso para o Pais, a despeito da Guerra do Paraguai que viria na década seguinte. Com Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, como o elemento militar e o

Pacificador, teve prosseguimento essa política de Governo, a qual não discriminava o adversário como inimigo. Porém, ao exigir a rigorosa observância

da lei e da ordem estabelecida, sustentava que “o brasileiro do outro lado, também é brasileiro e não deve ser excluído, mas incorporado”. Sem dúvida, tivemos aí uma grande lição de generosidade, de convivência humana e social

pacífica que a história guardou como exemplo para as futuras gerações de brasileiros.

Para mais informações sobre esses períodos da nossa História, dentre outros, recomendam-se os livros escritos pelos seguintes historiadores: J. Capistrano de Abreu, “Capítulos da História Colonial (1500-1800), 4ª ed. Rio,

1954, revista e anotada por José Honório Rodrigues; Armitage, João,“História do Brasil”, ed. Melhoramentos, 6ª ed., São Paulo, 1977; Varnhagen, Francisco Adolfo, “História Geral do Brasil”, 5. Vols, INL/MEC; Ribeiro, João, “História do

Brasil”, 13ª ed., Rio,1935; Bloch Editores, S.A., “História do Brasil”, 3 vols., Rio, 1976; o recente lançamento, de autoria do Prof. Boris Fausto, “História do

Brasil”, São Paulo, 1995, e o livro do brasilianista, Thomas E. Skidmore,“Uma História do Brasil”, ed. Paz e Terra, tradução de Raul Fiker, São Paulo, 1998.

5. Brasil: território, povo e governo

Vários são os motivos que levariam a conhecer melhor o Brasil: um país de dimensões continentais, diferente, situado nas regiões tropical e

subtropical do hemisfério sul, com riquezas naturais ainda inexploradas, habitado por uma população multicolorida formada por várias raças e culturas humanas, com gente capaz, inteligente, alegre e otimista; um País onde durante

muito tempo, por razões climáticas e insuperável “insalubridade” das regiões úmidas do seu território, afirmava-se ser praticamente impossível implantar aqui

uma civilização vigorosa e próspera, como acontecia em outros lugares do planeta.

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A partir do Descobrimento, no ano da graça de l500 d.C., um grande desafio histórico estava lançado ao nosso povo e ao Estado brasileiro.

5.1 O território brasileiro: características da flora e fauna

Na teoria política, admite-se que não há Estado sem território. Não que o território seja, como se crê geralmente, um elemento constitutivo do

Estado, mas porque ele é uma condição indispensável para que a autoridade política se exerça eficazmente. Daí, a importância indiscutível que o território tem

para o exercício da função política: é o espaço físico natural onde os governantes exercem suas funções. E as fronteiras territoriais de um Estado servem de limite à ação dos governantes.

É esta idéia que se traduz juridicamente ao dizer que o território delimita um quadro de competências, onde todos os que vivem ali são subordinados à regulamentação das autoridades do país. Hans Kelsen, notável

jusfilósofo austríaco, sintetizou magistralmente a matéria nesse conceito: “o território do Estado é o âmbito espacial de validade da ordem jurídica nacional”.

Releva salientar, que o território não é apenas o solo. Vai além, para abranger a superfície da terra, o subsolo, a plataforma marítima, os rios, os lagos internos, as bacias, golfos e portos, o mar territorial, o espaço aéreo - ad sidera -

sobre a área compreendida pelas fronteiras estatais, e outros, considerados por lei como propriedades do Estado.

Aqui, no entanto, esse aspecto jurídico do Estado não ganhará maior relevância. O território será visto na sua dimensão geográfica, geopolítica, salientando-se as características de relevo, flora, fauna, clima, riquezas naturais,

enfim, ênfase para o meio-físico no qual a comunidade brasileira tem o seu habitat.

Com 8.514.204 Km2, que representam cerca de 47% de toda a América do Sul, o Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial, e o quarto, se contados apenas em áreas contínuas. A Federação Russa, Canadá,

China e os Estados Unidos são os quatro países com maior extensão territorial do que o Brasil. Se comparadas apenas áreas contínuas, o Brasil passa a ser o

quarto maior país, pois os Estados Unidos superam a nossa extensão territorial somente quando acrescidos do Alaska e ilhas do Havaí. Sendo o maior país da América do Sul, o Brasil tem a configuração de

um triângulo e ocupa a parte centro-oriental do continente. Possui 23.086 Km de fronteiras, sendo 7.367 km marítimas e 15.719 km terrestres. Com exceção do Equador e Chile, todos demais países sul-americanos fazem fronteira com o

Brasil. A orla litorânea estende-se do cabo Orange, na foz do rio Oiapoque, ao norte, até o arroio Chuí, no sul, com a maior parte do território banhado pelas

águas do Atlântico Sul. Ao beneficiar-se dessa situação geográfica privilegiada, o Brasil estabeleceu fortes relações comerciais, culturais e políticas com os países da Europa e os Estados Unidos da América, principalmente, líderes da civilização

ocidental no século passado. O que não nos impediu de buscar saída para o Pacífico e fazer novas parcerias comerciais com países do sudeste asiático, - o

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Japão e a China Continental -, além da África, do outro lado do Atlântico, onde se encontram muitas das nossas raízes raciais e culturais.

O vasto território do Brasil está localizado entre as latitudes + 5° 16‟ 20”e - 33° 44‟ 32” S e as longitudes - 34º 47‟30” e -73° 59‟32” O, com 93% de território no Hemisfério sul do continente, o que explica as características

marcantes de relevo, vegetação e clima do solo brasileiro.

O relevo territorial brasileiro apresenta-se com três grandes formações geológicas tipos: os planaltos, as planícies e as depressões. Não

conhecemos terrenos do tipo alpino-andino, isto é, elevadas cadeias de montanhas. Os pontos mais altos estão situados na Serra de Imeri, no Amazonas,

com 3.014 m no Pico da Neblina. O relevo territorial e a formação geológica do solo explicam a existência de quase todas as riquezas minerais necessárias à indústria, já descobertas e em aproveitamento para o desenvolvimento do país.

Apresentando clima bastante diversificado, esses elementos indicam que o Brasil pode tornar-se com facilidade um celeiro para toda a humanidade.

O solo é um dos mais irrigados do globo, acusando o maior volume de

água doce existente, com grande potencial para a exploração de energia hidroelétrica especialmente nas bacias fluviais do Amazonas, Nordeste, Paraguai,

Paraná e do Sudeste. Do mesmo modo, são ótimas as condições geográficas do Brasil para a utilização da energia solar e da eólica.

A vegetação e a fauna apresentam uma variedade sem par. Neste

particular, como em relação à hidrografia, à biodiversidade e ao clima, a região da Amazônia exerce um extraordinário fascínio no mundo inteiro. Constituindo a

maior floresta tropical do globo terrestre, é tida como o “pulmão” do planeta Terra. Ao longo dos séculos, desperta atração irresistível em cientistas, sociólogos, historiadores, geógrafos, escritores e poetas, os quais buscaram

entendê-la e arrancar-lhe o segredo oculto na densidade e riqueza de suas florestas, nas águas profundas dos seus rios.

A diversidade vegetal da Amazônia suplanta de muito a das demais

regiões do mundo, somadas. Fernando de Azevedo, na sua obra “A Cultura Brasileira” (ed. UNB-UFRJ, l996-58), afirma: “basta lembrar que das 22.767

espécies classificadas por Martius, 19.619 são brasileiras, distribuídas entre a flora geral e a amazônica, que representa, só ela, 40% da flora brasileira”.

O nosso país não sofre os efeitos dos terremotos, furacões e tornados,

assim como a nossa maior floresta não abriga as feras que infestam as selvas africanas ou asiáticas. Os animais de maior porte, como as onças, javalis, nunca

constituíram séria ameaça ao homem. O maior perigo advém dos crocodilos, cobras venenosas e das epidemias de malária, dengue, o que não constitui óbice intransponível à ocupação do solo.

5.2 O clima

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Dada a extensão territorial e a posição geográfica que ocupa na América do Sul, o Brasil apresenta grande variedade de climas com base em

fatores como latitude, longitude, altitude e proximidade maior ou menor do oceano. Os manuais de geografia mais conceituados classificam os tipos de clima presentes no Brasil, da seguinte forma: Equatorial - ocorre na região amazônica

norte de Mato Grosso e oeste do Maranhão, sendo suas principais características as temperaturas médias elevadas (25° C a 27° C); chuvas abundantes, com índices próximos de 2.000 mm/ano, e bem distribuídas ao longo do ano. Tropical

- abrange todo o Brasil central, porção oriental do Maranhão, grande parte do Piauí e porção ocidental da Bahia e Minas Gerais. Caracteriza-se por temperatura

de 18° C a 28° C e estações bem definidas - uma chuvosa e outra seca. Apresenta alto índice pluviométrico em torno de 1.500 mm/ano. Tropical Úmido - estende-se pela faixa litorânea do Rio Grande do Norte ao Paraná. Sofre ação direta da

massa tropical atlântica, que, por ser quente e úmida, provoca chuvas intensas. O clima é quente - com variação de temperatura entre 18° C e 26° C. O índice pluviométrico médio é de 2.000 mm/ano. Subtropical - ocorre nas latitudes

abaixo do trópico de Capricórnio e abrange o sul do estado de São Paulo, a maior parte do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. É influenciado pela massa

polar atlântica, que determina temperaturas médias de 18° C. As chuvas são pouco intensas, 1.000 mm/ano, mas bem distribuídas durante o ano. As geadas são freqüentes e eventuais nevadas. As estações do ano são bem marcadas. Semi-

árido - o clima típico do Nordeste, na região conhecida como Polígono das Secas, que compreende quase todo o sertão nordestino e os vales, médio e inferior, do

Rio São Francisco. Sofre a influência da massa tropical atlântica que, ao chegar à região, já se apresenta com umidade. Caracteriza-se por temperaturas elevadas (média de 27° C) e chuvas escassas (em torno de 750 mm/ano), irregulares e mal

distribuídas durante o ano.

As alterações climáticas no Brasil têm origem não só em fatores naturais como latitude, longitude, altitude e proximidade do oceano, como os

resultantes da atividade humana. Em aglomerações urbanas de grande porte como São Paulo e Rio de Janeiro, e outras cidades industriais do país, ocorrem

alterações climáticas na medida em que aumentam o número de indústrias e a quantidade de resíduos industriais são lançados ao ar. Surge então o fenômeno conhecido como inversão térmica, resultante da poluição da atmosfera,

especialmente no período invernoso.

Outro fator importante no agravamento das alterações climáticas é o

provocado pelo desmatamento indiscriminado de recursos florestais conseqüente de derrubada e queima das matas, fato muito comum no país, o que prejudica o regime das chuvas, afetando a agricultura e a existência das florestas

indispensáveis ao meio ambiente saudável.

Para evitar que as mudanças do clima provocadas pela ação do homem prejudiquem a qualidade de vida sobre a Terra, o Brasil, junto com 154

países, assinou a Convenção Climática durante a ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992, reafirmada no Protocolo de Kyoto, no Japão. O objetivo

é controlar as atividades que possam aumentar o efeito estufa, a chuva ácida e o buraco na camada de ozônio, o que dependerá da cooperação das partes interessadas, especialmente do apoio dos governos e das organizações privadas

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no combate à ação dos malfeitores, assim como na criação de uma consciência ecológica, sadia.

Há também fenômenos naturais que alteram o clima. O mais conhecido é o chamado El Niño, que entrou novamente em atividade a partir de maio de 1997, tendo como conseqüência, no Brasil, o aumento da temperatura,

causando a seca nas regiões Norte e Nordeste, e chuvas fortes e tempestades nas regiões Sul e Sudeste do país. A queimada, a destruição e a seca no Estado de

Roraima, na Amazônia, provocados pelo efeito El Niño, foi o maior desastre ecológico verificado no Brasil nestes últimos anos, pois cerca de um terço das plantações, do gado e do ecossistema foram devorados pelo fogo, o que despertou

um movimento de solidariedade e ajuda internacional para debelá-lo, coordenado pela ONU.

5.3 A configuração do nosso território: entradas e bandeiras

Desde o descobrimento, a civilização tropical que iria se implantar no território brasileiro, rompendo o Tratado de Tordesilhas, cujo meridiano de

demarcação ia do norte do Pará, na altura da ilha de Marajó, até os limites dos atuais Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e representava um espaço

apenas um terço do Brasil de hoje, ampliou-se extraordinariamente, graças ao movimento das bandeiras e entradas, a partir de São Vicente, em São Paulo. As bandeiras foram organizadas com maior freqüência no século XVII e tinham como

objetivos principais: o reconhecimento territorial, a captação da mão-de-obra indígena, a submissão ou eliminação de tribos hostis, a procura de metais

preciosos, e a ocupação do centro-sul e do sul, em busca das ricas pastagens sulinas. Já o movimento de expansão pastoril teve como centro de irradiação os Estados de Pernambuco e da Bahia, levando à ocupação do sertão nordestino.

Um outro movimento de grande significação histórica foi o da expansão oficial, com as bandeiras, organizadas com o fim de promover a ocupação da região norte e a posse da terra em caráter permanente.

Os bandeirantes, como se tornaram conhecidos esses desbravadores, com “botas de sete léguas”, na feliz expressão do poeta paulista Cassiano

Ricardo, redesenharam o mapa do Brasil - Colônia, abrindo novas fronteiras nas regiões do oeste, centro-sul e sul, e iniciando a colonização do interior do nordeste e norte do país; plantando roças, construindo currais e fazendas de

gado, edificando cidades pelos ínvios sertões, com muita determinação e inegável sentido patriótico no que faziam, além de buscarem a fortuna. .

Entre as principais bandeiras ou entradas, destacam-se as chefiadas

por Antonio Raposo Tavares, Fernão Dias Pais Leme, Bartolomeu Bueno da Silva e Domingos Jorge Velho.

Numa avaliação historicamente correta sobre o movimento das bandeiras, Cassiano Ricardo, em sua obra “A Marcha para o Oeste”, escreveu: “Para mim, a bandeira não é apenas o episódio histórico mais brasileiro... é um

fenômeno social e político que ajuda a esclarecer nossas instituições atuais”.

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Tão grande e admirável como a expansão territorial do Brasil, foi a obra de demarcação de nossas fronteiras, fixadas por Alexandre de Gusmão nos

Tratados de Madri e Santo Ildefonso e concluída pacificamente pelo Barão do Rio Branco, o qual permaneceu à frente do Ministério das Relações Exteriores por quase dez anos, período em que deu continuidade e grandeza à política externa

brasileira.

Além do país de maior extensão territorial da América do Sul, o Brasil tem uma população, hoje, superior a 169.6 milhões de habitantes. Entre os mais

populosos do mundo, figuramos em 5º lugar, sendo suplantados pela China, Índia, Estados Unidos e Indonésia. O quadro, abaixo, relaciona os dez países

mais populosos do mundo, com base em dados conhecidos em 1998, em milhões de habitantes:

01. China 1.285,00 06. Paquistão 145,0 02. Índia 1.025,00 07. Fed. Russa 144,7 03. EE.UU 285,9 08. Bangladesh 140,4

04. Indonésia

214,8 09. Japão 127,3

05. Brasil 169,6 10. Nigéria 116,9

Fonte: Almanaque Abril - 2002, que reproduz dados do Banco

Mundial e IBGE.

6. Povo: conceito de povo, nação e pátria

POVO – De acordo com a teoria política, povo quer dizer, os seres humanos que vivem num determinado território, constituindo o segundo elemento essencial à organização do Estado. Como o Estado só tem um território,

da mesma forma só tem um povo, e, assim, como a unidade do território é jurídica, e não natural, o mesmo ocorre com a unidade do povo. O povo de um

Estado é constituído pelos indivíduos cuja conduta se encontra regulada pela ordem jurídica nacional. E compreende apenas indivíduos sujeitos à soberania do Estado, a ele ligado pelo vínculo da cidadania, vivendo tanto em seu território,

quanto no exterior; não sendo considerados, por conseqüência, cidadãos os estrangeiros e os apátridas.

No entanto, adverte Alexandre Groppali, renomado estudioso italiano da teoria do Estado, se quisermos formar um conceito exato daquilo que se deva entender por povo, cabe, inicialmente, diferenciá-lo de outros conceitos

congêneres como o de nação, pátria e população, os quais são espécies diversas de um mesmo fenômeno social e humano. A noção de povo é, principalmente, de natureza jurídico-constitucional e eleitoral, e não sociológico. Daí porque, no seu

magistério, Hans Kelsen ensina que a noção de povo é fundamental para a teoria do Estado, quando a considera como “o âmbito pessoal de validade da ordem

jurídica nacional”.

Na organização do Estado brasileiro, o legislador constituinte não se afastou desses princípios consagrados pela melhor doutrina nacional e

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estrangeira, os quais foram incorporados ao preâmbulo da Constituição Federal de 1988, quando estabeleceu: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos

em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático ... promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” E o art 1º § Único da mesma Carta Política, de forma

irretorquível, prescreveu: “Todo o poder emana do povo”, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da C.F. E acrescenta o art. 14 do mesmo texto constitucional: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio

universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular...” Portanto, não

pode haver qualquer dúvida: a fonte soberana do poder político no Brasil é o povo, conforme prescreve a nossa Carta Magna.

O conceito de nação é próximo ao conceito de povo, embora sejam

distintos, seja por representar um conceito de natureza político-sociológica mais do que jurídico, seja pela compreensão ainda maior que lhe empresta a doutrina do Estado. São geniais os estudos sobre o assunto feitos por Mancini, Renan e

Burdeau, os quais encheram este conceito de um conteúdo poético, que as mais rigorosas análises científicas não conseguiram jamais ultrapassar.

Os diversos fatores que contribuem para formar as nações foram reduzidos por P. S. Mancini, aos seguintes: a) naturais (território, etnia, língua, cultura); b) históricos (tradições, costumes, religiões, leis); e c) psicológicos

(consciência nacional).

E. Renan, em seu discurso Qu’est-ce qu’une nation?, em 1882,

conceitua nação de modo antológico, aqui reproduzido em original pela beleza da forma que lhe é dada: “Une nation est une âme, un principe spirituel. Deux choses qui, a vrai dire, n’en font qu’une constituent cette âme... l’une est la possession en commun du’un riche legs de souvenirs; l’autre est le consentement actuel, le desire de vivre ensemble, la volonté de continuer a faire valoir l’héritage qu’on a reçu indivis”...

Georges Burdeau, conceituado cientista político francês, afirma que a “nação tem a sua origem num sentimento ligado às fibras mais íntimas do nosso

ser: no sentimento da solidariedade que une os indivíduos na sua vontade de viverem juntos. Sem dúvida, os elementos determinantes deste sentimento são

diversos: a raça, a língua, a religião, as lembranças comuns, o habitat, mas, seja qual for a sua influência, devemos compreender que a nação está mais relacionada com o espírito do que com a parte material”. E acrescenta: “o fator

mais eficaz desta solidariedade dos indivíduos donde procede a comunidade nacional, é a representação que é feita de um objetivo social”. (Burdeau, G. “Droit

Constitutionnel et Institutions Politiques”, Paris, l957-l7). De todos os fatores, o psicológico é, sem dúvida, o mais importante. Pois, de um lado, uma nação pode existir mesmo possuindo duas ou mais línguas

(Canadá, Suíça) ou várias raças (Iugoslávia) ou várias religiões (Índia, Rússia), e, de outro, várias nacionalidades distintas podem falar uma mesma língua

(Estados Unidos e Inglaterra; Brasil e Portugal e países da comunidade lusófona) ou pertencer a uma idêntica raça (Argentina, Uruguai e Chile) ou professar a mesma religião (América Latina e países do mundo árabe).

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Qualquer nação, ao contrário, sem uma consciência de unidade e de vontade política comum perde as condições de perseguir os objetivos socialmente

desejados, tendendo à desagregação interna e ao desaparecimento, como ocorreu com a URSS e a Iugoslávia nos tempos modernos.

O conceito de pátria coincide com o de nação, caracterizado por um

sentimento acentuado de amor à terra, à sua gente, aos símbolos nacionais, como a bandeira, o hino e outras representações coletivas diante dos quais todo sacrifício pessoal deve ser feito em proveito da noção do bem comum que eles

representam. De um ponto de vista técnico e objetivo, a coincidência entre pátria e nação é demonstrada pelas assim chamadas minorias, as quais são tuteladas

nos seus direitos por tratados garantidos pela ONU, e que, embora sendo sujeitas a um Estado, anseiam juntar-se à nação, à qual pertencem pela raça, religião e língua e à qual se mantêm fielmente ligadas por vínculos de paixão e nostalgia.

6.1 População brasileira: características principais

A população é o conjunto de pessoas cujo agrupamento se obtém mediante a organização jurídica do Estado. O vocábulo população aponta o

número de habitantes do Estado, tem um sentido quantitativo. É, portanto, um conceito aritmético, de caráter demográfico, de alcance estatístico e expressão censitária. Quer dizer: massa de indivíduos que, em dado momento, vivem dentro

da jurisdição de certo Estado. Não se leva em conta entre eles, conseqüentemente, íntimas e demoradas relações sociais, de base ético-histórica,

ou mesmo rigorosas relações jurídicas, ou políticas.

A população do Brasil era de 169.6 milhões de habitantes, em 2000, segundo o censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE. Seu crescimento anual, era de 1,38% entre 1991 e 1996, contra o de 1,93% observado na década anterior. O número de filhos por mulher – a taxa de fecundidade é de 2,3% (999) – está em queda constante, o que leva a

uma diminuição do número de crianças e ao crescimento da população de adultos e idosos.

A densidade populacional – o número de habitantes por quilômetro quadrado – era de 19,92, em 2.000, o que quer dizer que o Brasil tem uma população relativamente pequena, desde que a média no mundo é de quase 30%

de habitantes por quilômetro quadrado. Se, de acordo com cálculos prospectivos, chegarmos ao ano 2.005 com uma população de 190 milhões de habitantes, será

um número razoável em relação ao território e aos recursos disponíveis pelo país.

Com uma expectativa de vida de 64,3 anos para os homens e 72,3 para as mulheres, em 1999, segundo pesquisa do IBGE, esses dados são

bastante significativos de uma melhoria das condições sanitárias e da qualidade de vida da população.

Era de 81,0% da população o número de habitantes em áreas

urbanas, em 2.000, o que representa um acentuado decréscimo da população

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rural brasileira, tendência esta válida para todos os Estados, de modo especial nos das regiões sudeste e sul do País.

O quadro abaixo revela essa tendência nas últimas décadas: 6.1.1 População urbana

Regiões 1960 1970 1980 1996

Norte 37,38 45,13 51,65 62,35 Nordeste 33,89 41,81 50,46 65,21

Sudeste 57,00 72,68 32,81 89,29 Sul 37,10 44,27 62,41 77,21 Centro-Oeste 34,22 48,84 67,79 84,42

Brasil 44,67 55,92 67,59 78,36

Fonte: Contagem da População - 1996 - IBGE

O crescimento do nível de urbanização, como sugerem os dados

expostos acima, é elevado especialmente nas regiões Sudeste (89,29%), Centro-Oeste (84,42%) e Sul (77,21%), e vem crescendo acentuadamente nas regiões Nordeste (65,21%) e Norte (62,35%).

É um fenômeno demográfico que acontece não só em função da migração, mas também pela incorporação de áreas tidas anteriormente como

rurais de um setor urbano, como se vê nas chamadas Regiões Metropolitanas, como: na Grande São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza, Curitiba, Brasília, Vitória e Belém. Como exemplo de

crescimento explosivo da taxa de urbanização, bastaria citar o Distrito Federal, onde está situada a Capital Federal. Brasília foi planejada e construída para ter uma população de até 500 mil habitantes no ano 2.000. Atualmente já possui

população superior a 2.000.000 habitantes, com tendência de crescimento ainda maior, como pólo de desenvolvimento da região geo-econômica do Centro-Oeste e

Capital da República Federativa do Brasil! O mesmo se verifica no recém-criado Estado de Tocantins, desmembrado do de Goiás, que experimenta um crescimento extraordinário e bem orientado, desde a sua criação.

Sem dúvida, o maior fator do crescimento urbano é decorrente das migrações internas oriundas de vários Estados, cujas populações vêem nessas

cidades a possibilidade de melhor qualidade de vida graças à oportunidade de emprego mais bem remunerado e o maior acesso à saúde e à educação. Por outro lado, a diminuição da oferta de emprego, o despreparo para assumir as novas

ocupações do mercado de trabalho, assim como a falta de moradias, está na base das frustrações do migrante, candidato certo aos “assentamentos” e “favelas”, nas periferias das grandes cidades, onde são escassos os serviços de saúde e de

higiene, e abundam os contatos com traficantes de drogas e com a violência característica desses conhecidos tipos de “guetos” urbanos.

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6.1.2 Distribuição da população por faixas de idade

De acordo com a distribuição da população por faixas etárias, há uma

tendência ao envelhecimento da população brasileira. Conforme dados do IBGE, para cada cem crianças, o Brasil tem aproximadamente 17 idosos em 1996 (16,97%). Esse número estava em torno de 14 (13,9%) em 1991.

É essa a leitura que se pode fazer do que consta no quadro abaixo:

Região 0-14 anos 15-64 anos Mais de 65

anos 198

0

199

1

199

6

198

0

199

1

199

6

198

0

199

1

199

6

Norte 46,16

42,54

39,09

51,02

54,45

57,58

2,81 3,01

3,33

Nordeste

43,36

39,40

35,55

52,18

55,54

58,95

4.35 5,06

5,50

Sudest

e

34,1

5

31,2

1

28,4

2

61,6

6

63,6

4

65,8

1

4,19 5,1

4

5,7

8

Sul 36,2

8

31,9

3

29,5

2

59,8

9

63,1

0

64,8

5

3,84 4,9

7

5,6

3

Centro-Oeste

40,47

35,28

32,02

56,96

61,45

64,23

2,59 3,27

3,75

Brasil 38,24

34,73

31,62

57,74

60,45

63,01

4,01 4,83

5,37

Fonte: Contagem da População 1996 - IBGE.

A diminuição do número de crianças permite que os investimentos em educação sejam concentrados na melhora da qualidade e modernização do ensino e não mais no aumento do número de escolas e salas de aula. Já o

crescente número de idosos aumenta as exigências ao sistema de saúde - as doenças da terceira idade necessitam maior acompanhamento e internações mais

freqüentes e prolongadas.

Na política, no entanto, como observa o politicólogo francês Maurice Duverger, no seu estudo de "Sociologia Política", ao contrário dos jovens, os

idosos são mais conservadores e apóiam os valores estabelecidos, e somente em certas ocasiões, podem ser mais sensíveis às mudanças sociais.

6.1.3 Estrutura da população por sexo

O número de homens em cada grupo de cem mulheres era de

97,26%, em 1996, de acordo com dados publicados pelo IBGE. É o índice

chamado razão de sexo. Quando é superior a cem significa que há mais homens que mulheres na população. Quando é inferior a cem é porque há mais mulheres.

Em 1996, o número de mulheres supera o de homens por 2.184.491, maior

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diferença do que a verificada no ano de 1991. Há, no entanto, grandes diferenças regionais, motivadas nas regiões Norte e Centro-Oeste pelas migrações internas

em razão da expansão de fronteiras agrícolas e o garimpo, tipo de trabalho que atrai predominantemente o homem. Outro motivo de grandes migrações é a seca na região do Nordeste brasileiro, quando contingentes de migrantes vêm para os

centros mais dinâmicos da economia situados no Centro-Oeste e Sudeste do país em busca do trabalho, principalmente os homens, deixando para trás a terra e seus familiares.

A tabela abaixo é bastante reveladora dessa situação:

Nº de Homens para cada cem Mulheres (%)

Grandes Regiões 1980 1991 1996

Norte 103,53 103,33 210,29

Nordeste 95,85 95,71 95,84

Sudeste 98,94 97,00 96,51

Sul 100,34 98,47 98,18

Centro-Oeste 103,34 100,79 100,16

Brasil 98,74 97,50 97,56

Fonte: Contagem População 1996 - IBGE

Embora a razão de sexo não seja para os analistas a única

causa, essa situação tem reflexos na estrutura familiar dentro da sociedade, cujas mudanças mais significativas atualmente são: aumento das uniões informais e dos divórcios, queda drástica no número de casamentos formais e

crescimento do número de famílias chefiadas por mulheres - mais de um quarto de todas as famílias brasileiras, sem distinção de classes.

Esse número passa de 14,65% em 1980 para 18,12% em 1991

e 20,81% em 1996. O Distrito Federal, com 26,7%, e o Rio de Janeiro, com 26,1%, são as unidades da federação com maior número de mulheres nessa

situação.

O número de casamentos formais cai de 952.294 em 1985 para 763.129 em 1994, uma queda de aproximadamente 20% em dez anos.

Mulheres chefes de família – 1996

Regiões 1980 (%) 1991 (%) 1996 (%) Norte 12,25 15,52 18,61

Nordeste 16,58 19,46 21,42

Sudeste 14,89 18,60 21,40

Sul 12,05 16,03 18,95

Centro-Oeste 13,17 16,95 19,98

Brasil 149,64 18,12 20,81

Fonte: IBGE - PNAD - 1996.

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6.1.4 Cor e Raça

Para caracterizar a composição da população brasileira, distribuindo-a por cor e raça, o IBGE adota metodologia em que são os próprios entrevistados que optam por uma das cinco categorias que lhe são apresentadas: branca, preta,

parda, amarela e indígena.

De acordo com pesquisa realizada em 1996, foi obtido o seguinte resultado:

Distribuição por cor ou raça

Cor ou Raça Percentual

Branca 55,2 Preta 6,0 Parda 38,2

Amarela 0,4 Indígena 0,2

Fonte: IBGE - PNAD - 1996.

Levantamento efetuado pelo PNAD de 1996 mostra que as regiões Sul

e Sudeste têm maioria de população branca, enquanto no Nordeste e no Norte predominam a parda. Na região Centro-Oeste, o número de pessoas pardas é

ligeiramente superior ao de brancos. Em relação a 1991, diminui o número de pessoas pardas e aumenta o das que se declaram branca ou preta.

6.2 A formação de uma sociedade multi-racial e multi-cultural no Brasil

A população brasileira tem três origens raciais: o branco europeu, o

índio americano e o negro africano. Tinham estágios civilizatórios diferentes. Enquanto o português havia atingido um estágio avançado de desenvolvimento

econômico e tecnológico, os elementos indígena e africano ainda experimentavam as técnicas rudimentares, numa fase incipiente de domínio tecnológico. Diga-se a bem da verdade que os portugueses tiveram a sabedoria de não impor a sua

superioridade, quando se tratou de ocupar terras ignotas. Cuidaram antes de absorver os conhecimentos dos que já habitavam a terra e conheciam os seus

mistérios. E nessa espécie de humildade intelectual está um dos segredos da ocupação do nosso imenso território.

Quanto aos ameríndios, a hipótese mais aceita entre os estudiosos é

de que os primeiros habitantes da América tenham vindo da Ásia e atravessado, a pé, o estreito de Bering durante as glaciações. Contudo pesquisas arqueológicas recentes feitas em São Raimundo Nonato, no Estado do Piauí, Brasil, registram

indícios da presença humana que remontam a 48.000 anos, o que derrubará a tese do povoamento das Américas através do estreito de Bering.

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Por ocasião do descobrimento do Brasil, em 1500, estima-se que habitavam o território brasileiro entre 1 a 5 milhões de nativos. Esta população

indígena declina rapidamente com a colonização, em função das doenças, da fome e das guerras de extermínio. Supõe-se que, até a Independência em 1822, dois terços dos nativos haviam sido eliminados.

O primeiro inventário das tribos nativas existentes no país foi feito em 1848 pelo visitante alemão Karl von den Steinen, que registra a presença de quatro nações indígenas: tupi-guarani, Jê ou Tapuia, muaruaque ou maipuré e

caraíba ou cariba, encontrando também a existência de dois grandes grupos lingüísticos: tupi e o macro-jê. Várias outras classificações foram feitas

posteriormente, assinalando quer os grupos lingüísticos, quer os culturais. Porém, nada satisfatório foi realizado até agora.

As sociedades indígenas vivem em diferentes lugares do nosso país:

nos campos, nos cerrados, próximos às cidades ou mesmo em algumas cidades, geralmente em condições difíceis, como a maioria da população pobre. Atualmente são cerca de 325 mil pessoas, vivendo em 215 sociedades e falando

170 línguas, os indígenas do Brasil, conforme dados da FUNAI - Fundação Nacional do Índio, órgão do Governo Federal que superintende a política

indigenista no País. Consoante ainda o que preceitua a Constituição Federal Brasileira (art. 231), compete ao Governo garantir como direito dos indígenas além da demarcação de suas terras, o respeito às línguas, culturas e tradições.

Na Amazônia Legal está 8,6% da área indígena brasileira. As 559 terras indígenas equivalem a um total de 84,1 milhões de hectares ou 9,89% do

território brasileiro, área pouco menor que a soma da França e da Alemanha juntas, constituindo-se na maior reserva de terras indígenas do mundo, com cerca de 80% desse total quase totalmente demarcadas e registradas em Cartório

pela União Federal.

Há, contudo, um incessante conflito provocado por invasores dessas terras à frente dos quais se encontram os interesses representados pelas

madeireiras, garimpeiros e traficantes de drogas.

Quanto aos negros, começam a ser trazidos regularmente da África

para o Brasil em meados do século XVI. Não se conhecem os números exatos do tráfico africano enquanto durou, de 1550 a 1850, mas as estimativas variam de 3,5 milhões a mais de 4 milhões de escravos, originários de várias regiões do

continente africano. Vieram principalmente de Guiné, Costa da Mina, Benia, Congo, Angola e Moçambique, os quais apresentavam grande diversidade étnica e

cultural.

No Brasil, os negros africanos foram usados como escravos na lavoura, nos serviços domésticos e em outros trabalhos artesanais e comerciais. A

escravidão era um regime jurídico: o senhor tinha pleno direito de posse e uso dos escravos e seus filhos, que só podiam tornar-se livres por meio da alforria, recebendo-a do senhor ou pagando por ela. Foi também um regime social: os

negros escravos não eram segregados da sociedade colonial. Ao contrário, foram integrados a ela e até participavam da intimidade dos senhores brancos, o que

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facilitava a miscigenação. Mas negros e mulatos são tratados e mantidos como subalternos, submetidos a trabalhos excessivos e a castigos.

Tal situação não poderia perdurar. Gerou resistência cada vez maior, dentro e fora do país. Houve a interdição do tráfego de navios negreiros para o Brasil, feito pela Inglaterra. Grande número de escravos, em fuga, refugiaram-se

em quilombos, sendo o mais famoso o de Palmares, em Alagoas, onde avulta a figura de Zumbi como o herói no comando da resistência e da luta pela libertação dos escravos. Essa luta, a princípio, de pequenos grupos revoltados, ganhou vulto

e recebeu o apoio de prestigiosos parlamentares e oradores ilustres como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças e Luiz Gama, obtendo

ampla divulgação na imprensa da época; de poetas consagrados como Castro Alves, terminando por sensibilizar o Parlamento que, após um longo debate votou a Lei do Ventre Livre, de alforria aos filhos de escravos, e depois, a Lei Áurea, de

Abolição da Escravatura, promulgada a 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, Regente do Império.

Era o fim do sistema agrícola escravocrata no Brasil. Foi também o

fim do regime monárquico em nosso país, pois, a abolição da escravatura fez ruir a base de sustentação política do Império, fortalecendo a campanha republicana,

cujo regime foi instalado com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

A extinção do trabalho escravo deu causa à imigração de grandes

contingentes de trabalhadores assalariados, constituídos por italianos, portugueses, espanhóis, franceses, japoneses, russos, sírio-libaneses, poloneses,

atraídos para a lavoura cafeeira do Sudeste e para áreas de colonização do Sul, onde se fixaram, contribuindo para o progresso do país.

Daí em diante, o crescimento populacional do Brasil deveu-se às altas

taxas de fecundidade e às migrações internas, numa autêntica “democracia racial”, como afirma o grande mestre Gilberto Freyre. A miscigenação racial foi enriquecida ainda mais pela contribuição de outros grupos humanos, os quais,

com o seu trabalho e cultura, contribuíram para a formação de uma etnia nacional diferente, de origem “multi-racial” e “multi-cultural” aqui nos trópicos, a

partir da mistura inicial intensa das três raças - o branco europeu, o índio nativo e o negro africano – o que, de acordo com a opinião de cientistas do porte de von Martius e José Bonifácio de Andrada e Silva, dentre outros, deveria constituir a

base dos estudos da verdadeira identidade do homem brasileiro, tal a importância que esse fato terá não só para nós mesmos, como para o conhecimento dos

demais povos que conosco se relacionarão agora e no futuro.

A esse propósito, vale lembrar a reflexão feita pelo antropólogo Prof. Darcy Ribeiro no seu livro intitulado “O Povo Brasileiro”, ao escrever: “Nós

brasileiros, neste quadro, somos um povo em ser, impedido em sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de

nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ningüendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade

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étnico-nacional, a de brasileiros” (Ribeiro, Darcy, “O Povo Brasileiro”, Cia. das Letras, SP, l995-447).

Sustenta com razão Fernando de Azevedo: “conquanto de início numericamente inferior, a população branca se tornou o elemento fundamental no processo de construção do país. Os ideais comunitários, culturais e de

destinação histórica são predominantemente do elemento branco, que contribuiu para a formação do que é hoje a nação brasileira”. (op. cit. p. 207).

Pois, na verdade, é dos ideais comunitários aceitos e sustentados pelo povo brasileiro que dependerá o nosso futuro como nação independente, progressista, socialmente justa e amante da paz.

7. A terra e o homem brasileiro – destinação histórica

Desde cedo, na História do nosso país, houve grande interesse em

conhecer não só a terra de dimensões continentais, provida de recursos praticamente inesgotáveis, como na identificação das características principais do homem brasileiro, a fim de desvendar os traços mais marcantes do seu caráter,

pois é visto como protagonista de uma verdadeira epopéia do nosso tempo, qual seja a de construir uma civilização moderna e próspera na região tropical e

subtropical do planeta. Sobre a terra são numerosas as expressões de júbilo logo após ter sido descoberta pelos navegadores portugueses, seguindo-se demonstrações inequívocas de confiança no seu futuro grandioso.

A esse propósito, coube a Pero Vaz Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, entoar o primeiro hino ufanista em carta dirigida ao rei D. Manuel I, onde afirmou ser a nova terra “de muito bons ares”, com “águas

infindas”, e que “nela em se plantando, tudo dá”. Pouco tempo depois, Gabriel Soares de Sousa, outro português ilustre aqui radicado e conhecedor das

limitações que a geografia impunha à expansão de Portugal no cenário mundial da época, teve uma visão auspiciosa de destinação histórica reservada ao nosso país, conforme escreveu em livro de sua autoria, intitulado “Tratado Descritivo do

Brasil em 1587 - Proêmio”: “Está capaz para se edificar nele um grande Império, o qual com poucas despesas se fará tão soberano que seja um dos Estados do Mundo”.

Sebastião da Rocha Pita, historiador de mérito reconhecido, publicou no ano de 1730, em Lisboa, a “História da América Portuguesa", desde o seu

descobrimento até 1724, onde fez transbordante descrição do Brasil, das suas riquezas naturais e promessas de futuro radioso.

José Bonifácio de Andrada e Silva - o Patriarca, não sonhou apenas

com um futuro grandioso e brilhante para o Brasil. Cientista e notável homem de Estado empenhado nos debates e soluções dos problemas brasileiros desde o

início do período de construção da identidade nacional, foi o principal artífice da nossa independência política de Portugal, proclamada por D. Pedro I, em l822. Neste sentido foram as recomendações feitas como Presidente da Província de São

Paulo aos Deputados enviados às Cortes de Lisboa, constantes do trabalho de

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sua autoria ao qual deu o nome de “Lembranças e Apontamentos”, mandado publicar por Sua Alteza Real, o Príncipe Regente do Brasil, em 1821, a instâncias

dos mesmos senhores deputados, reeditado sob o título “Projetos para o Brasil”, em 1997, organizado por Miriam Dolhnidoff.

No acima referido trabalho, o centro das preocupações de José

Bonifácio estava no desafio de construir na América Latina um país moderno e civilizado, o que significava empreender reformas de fundo, como o fim da escravidão, reforma agrária, o acesso de todos à educação, dar um tratamento

adequado ao problema da miscigenação racial e uma questão de geopolítica ainda hoje de grande importância e atualidade - a mudança da Capital Federal para o

Planalto Central do Brasil.

Não são diferentes as opiniões emitidas em trabalhos da lavra de cientistas e visitantes ilustres sobre a “Grandeza e Opulência do Brasil”, como o

fez Antonil, em livro que se tornou célebre. Depois vieram: o cientista Buckle descrevendo-o como “uma região privilegiada, onde a natureza armou a sua mais portentosa oficina”. Euclides da Cunha, acrescentaria outras razões, em sua obra

famosa, “Os Sertões”, quando afirmou: “É que, de feito, sob o tríplice aspecto astronômico, topográfico e geológico, nenhuma terra se afigura tão afeiçoada à

Vida”. Entretanto, maior sensação no ego brasileiro foi a causada pelo escritor europeu Stephan Zweig, na década de 40, ao publicar livro de sua autoria batizado com nome pomposo: “Brasil - país do futuro”, fixando suas impressões

da viagem que empreendera ao nosso país, onde pôs termo à vida prematuramente... É fato, porém, que antes e depois de Stephan Zweig, muitos

pensadores políticos, uns reformistas, e outros tantos revolucionários de vários matizes ideológicos têm encanecido na luta ou tombado pelo caminho ao longo da nossa história para que aquele sonho de futuro se torne realidade, “aqui e agora”,

em benefício de todos os brasileiros.

É o que pensam, sentem e querem os brasileiros pertencentes a todas as camadas sociais do nosso povo, principalmente aquela parte mais numerosa

da sociedade brasileira – a dos excluídos. É o que se colhe do pronunciamento feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, perante o Congresso Nacional,

ao ser empossado, em 1º de janeiro de 1995, no seu primeiro mandato como presidente da República Federativa do Brasil, quando afirmou: “Permitam que, antes do presidente, fale aqui o cidadão que fez da esperança uma obsessão,

como tantos brasileiros. Pertenço a uma geração que cresceu embalada pelo sonho de um Brasil que fosse ao mesmo tempo democrático, desenvolvido, livre e

justo. Vem de longe a chama deste sonho. Vem dos heróis da Independência. Vem dos abolicionistas. Vem dos “tenentes” revolucionários da Velha República. Essa chama eu vi brilhar nos olhos de meus antepassados... “Sem arrogância,

mas com absoluta convicção, eu digo: este país vai dar certo. Não por minha causa, mas por causa de todos nós. Não só por causa dos nossos sonhos - pela nossa imensa vontade de ver o Brasil dar certo, mas porque o momento

amadureceu e o Brasil tem tudo para dar certo”.

Com respeito ao homem brasileiro, coincidem os estudiosos das

nossas origens antropológicas e culturais no que parece hoje uma obviedade, que o brasileiro é, na carne e no espírito, o resultado do cruzamento de três

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principais grupos raciais: o branco europeu, o índio nativo e o negro africano. Miscigenação que é e continua a ser feita a cada geração de novos patrícios,

alargando-se com outros grupos raciais na formação da etnia da nossa gente.

Diferente do que ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, onde os grupos humanos transplantados para a ocupação do

seu território praticaram, desde o início da colonização, a segregação racial apoiada em sistema legal (Jim Crow), situação essa só atenuada recentemente com a edição da lei de garantia dos direitos civis aos negros, e não por imperativo

da consciência do cidadão comum norte-americano.

Educado e moldado para assimilar outras raças, o português criou

aqui as condições de viabilidade nacional pela miscigenação largamente praticada entre os elementos representativos dos troncos raciais originários. Daí resultou um tipo novo, que se renova à medida que se vai processando a fusão das

diferentes raças e sub-raças constitutivas do “melting pot” brasileiro. Suas heranças ameríndias e africanas, somadas à tipologia do europeu, nórdico ou mediterrâneo, do árabe e do asiático, geram tipos de mistura singulares, na cor

da pele, nos traços fisionômicos, no temperamento, enfim, no fenótipo, o que autoriza a afirmação do sociólogo Gilberto Freyre de que “esta é a principal

característica do brasileiro como tipo nacional de homem: “ser crescentemente supra-racial, meta-racial”, apresentando um biótipo de “morenidade”, predominante entre as novas gerações de brasileiros e brasileiras, de aspecto

saudável e grande beleza plástica.

Visto em confronto, que é o Brasil entre os povos contemporâneos? Que

são os brasileiros? A essa indagação responde, inquieto, o professor e antropólogo Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, comparando: “enquanto povo das Américas, contrasta com os povos testemunhos, como o México e o altiplano

andino, com seus oriundos de altas civilizações que vivem o drama de sua dualidade cultural e o desafio de sua fusão numa civilização”.

Outro bloco contrastante é o dos povos transplantados, que representa

nas Américas, tão só a reprodução e humanidades de paisagens européias, como são os Estados Unidos da América, o Canadá, a Argentina e o Uruguai, nos quais

foi soterrada a velha formação hispano-índia. “Os outros latino-americanos, são como nós mesmos, povos novos, em fazimento. Tarefa infinitamente mais complexa, porque, uma coisa é reproduzir no além-mar o mundo insosso

europeu, outra é o drama de refundir altas civilizações, um terceiro desafio, muito diferente, é o nosso, de reinventar o humano, criando um novo gênero de

gentes, diferentes de quantas haja”.

Se olharmos lá para fora, a África contrasta conosco porque vive ainda o drama de sua europeização. "Mundos mais longínquos, como orientais, mais

maduros que a própria Europa, se estruturam na nova civilização, mantendo seu ser, sua cara".

Finalizando a sua análise, escreve Darcy Ribeiro: "Na verdade das

coisas, o que somos é a nova Roma. Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também

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por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização; para se fazer uma potência econômica, de

progresso auto-sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e

todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra".(Id. Ib, págs.448-449).

8. A formação do caráter nacional brasileiro

Vê-se, pois, em toda a sua dimensão e grandeza humana, o resultado

de um bem sucedido processo histórico de assimilação racial, cultural e

psicológico verdadeiramente criativo na formação da personalidade e do caráter nacional, o que é algo sem paralelo na história recente do homem. Segundo alguns outros, todavia, poderia estar aí a razão de um insucesso de dimensões

catastróficas a que estivemos expostos em conseqüência da mistura intensa de diferentes grupos raciais. Como protagonistas de uma experiência nova e ousada

nesse setor, fazemos história. E a história do nosso país registra êxito marcante nos mais diferentes campos das atividades humanas, o que é motivo de orgulho para o brasileiro, sem embargo do muito que ainda temos a fazer.

Várias tentativas têm sido feitas no sentido de explicar as causas ou interpretar os fatores que mais influenciaram na formação do caráter brasileiro,

determinando o seu modo de ser e de agir, de forma a distingui-lo em meio ao homem universal que habita outros espaços geográficos. Tudo em vão, até agora, sem embargo da atenção que o assunto deveria merecer de todos nós. Sobretudo

quando os brasileiros são chamados a assumir, em nível nacional e mundial, um papel relevante de liderança nos mais diferentes setores de atividades, como: na alta administração e na política, na vida empresarial, científica, militar, cultural,

artística e desportiva, em resposta às necessidades atuais e futuras da nova sociedade do conhecimento em formação no país e em todo o mundo.

De certo, as dificuldades para estudos dessa natureza são muito grandes. Primeiro, porque ele se insere no contexto de um processo histórico e social de longo prazo que está ainda in fieri. O tempo decorrido nestes primeiros

quinhentos anos de vida nacional é muito pouco para se chegar a uma conclusão, como ocorre com outras civilizações já milenares em nossos dias.

Estima-se que serão necessárias ainda muitas gerações até que tenhamos no Brasil um biótipo racial de características definidas e estáveis como são os povos europeus, árabes e os asiáticos. Segundo, por se tratar de assunto da maior

importância e complexidade, exigiria um estudo sério e multidisciplinar envolvendo diferentes especialidades científicas sobre as principais características

físicas, psicológicas e culturais predominantes no homem brasileiro como resultado dos cruzamentos raciais, a fim de descobrir as vantagens ou desvantagens encontradas, catalogar virtudes e descobrir defeitos que pudessem

ser corrigidos pela educação.

Euclides da Cunha, no seu famoso livro “Os Sertões”, considerou as disparidades existentes entre as várias teorias expostas sobre o assunto,

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avaliando: “Acreditamos que isto sucede porque o escopo essencial dessas investigações se têm reduzido à pesquisa de um tipo étnico único, quando há, de

certo, muitos. Não temos unidade de raça. Não a teremos, talvez, nunca. Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro remoto se o permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. Invertemos, sob este aspecto,

a ordem natural dos fatos. A nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social. Estamos condenados à civilização”. (Cunha, 1989, 51-52).

Exageros à parte, diga-se de início, com o apoio em evidências

fornecidas pela antropogeografia, que, na essência, o homem brasileiro é semelhante ao homo sapiens que deu origem às raças e sub-raças humanas hoje

existentes nas diversas partes do mundo. As diferenças verificadas, não são apenas circunstanciais, ligadas ao habitat e às condições de trabalho. Vão além da policromia e da riqueza das formas com que se apresentam aos que as vêem

ou as estudam, pois compreendem também a psicologia individual e coletiva (das comunidades), das quais são partes integrantes.

A esse propósito, seria bastante fixar que, no palco da eterna luta entre o homem e meio ambiente, entrechocam-se as qualidades do homem e as condicionantes da terra. Mas, na psicologia do homem, assim como na das

sociedades humanas, influi o meio físico, assunto já sobejamente investigado pelos estudiosos de geografia humana, dentre os quais se distinguiram os

cientistas Gobineau, Lapouge, Huntington, Buckle. Em razão disso, não é de estranhar que não só no corpo como na alma, no comportamento e em todas as formas de expressão social e cultural do brasileiro estejam presentes e nele se

reflitam o fenômeno da interatividade provocado pela força telúrica na psicologia individual e coletiva de cada grupo humano. É isso o que se verifica nas populações dos vários brasís integrados na comunidade nacional. Com pequenas

diferenças motivadas pelas idiossincrasías locais ou regionais, a consciência e o sentimento de brasilidade é o mesmo, unindo todo o País.

Deve-se acrescentar que esse tipo de preocupação não constitui novidade na história dos povos. Portanto, no Brasil não poderia ser de modo diferente. Como é sabido, na Grécia antiga, o historiador Heródoto que viveu no

ano 484 A. C, já havia feito interessantes e oportunas apreciações sobre a influência da terra no ânimo das populações, ao sentenciar: “terras férteis, homens indolentes; terras ásperas, homens duros”, no que parecia estar certo, de

acordo com a ciência moderna. Em época recente, o historiador inglês, Arnold Toynbee, ilustrando estudos sobre a interação homem e ambiente, concluiu que a

“facilidade é inimiga da civilização”, e, ainda, que o estímulo ao homem aumenta na razão direta das dificuldades. É a lei extraída da História por Toynbee: “do desafio e da resposta”. Não é uma lei determinista e nem possibilista. Pois

“considera vitoriosas as sociedades humanas (nações) que foram capazes de responder ao desafio do meio físico e de suas próprias contradições psicossociais,

e fracassadas aquelas que não tiveram capacidade de responder a este desafio”. (Apud Meira Mattos, “Brasil-Geopolítica e Destino”, Liv. José Olympio ed., Rio, 1975-5).

Sem embargo do extraordinário avanço da ciência e da moderna tecnologia aplicada aos mais variados campos de atividades, apermanecem váidas algumas das principais afirmações feitas pelo renomado historiador inglês Arnold

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Toynbee. Para comprovar esse fato, seria necessário apenas observar as novas formas com que se apresentam alguns fenômenos atípicos, uns da natureza,

outros decorrentes da ação humana, determinando mudanças rápidas e profundas no comportamento individual ou coletivo das comunidades humanas contemporâneas. Porém isso não é tudo. Os estudiosos registram não só a

influência do meio físico, cuja importância é decrescente numa sociedade moderna, dependendo dos meios e recursos disponíveis para superá-los. Vários outros fatores têm sido apontados por especialistas de áreas diferentes do saber,

como responsáveis pelo sucesso ou o atraso no desenvolvimento das comunidades humanas, principalmente: o conhecimento científico e a absorção

da moderna tecnologia, além dos fatores de natureza econômica, sociais, políticos, culturais, espirituais, morais, religiosos, dentre outros.

Nas suas diferentes maneiras de encarar o homem brasileiro, assim

como as respostas por ele dadas aos problemas enfrentados na construção de uma moderna sociedade aqui nos trópicos, estudiosos desses assuntos, como se verá en passant, revendo algumas obras de autores mais conhecidos, dão a sua

contribuição prestimosa ao esforço de compreensão de uma realidade complexa, holística, como é o homem, um ser social, na visão aristotélica, ao mesmo tempo

sujeito e objeto de sua própria história.

Dentre os trabalhos que mais de perto investigaram a nossa realidade

social, adquiriram grande notoriedade os que utilizam os fatores econômicos como ponto de partida para o estudo e interpretação da vida nacional, mostrando os efeitos que tiveram e têm sobre o desenvolvimento do país, e, como

conseqüência, na formação do homem brasileiro. Como se ele fosse mero produto de um processo social emergente dos vários ciclos econômicos que tivemos no país: o do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do gado, da mineração, do cacau, do

café, o industrial e o pós-industrial, que se desenha agora com a globalização avassaladora, do sistema de comunicações via satélites, do comércio exterior, das

transações financeiras feitas em tempo real, utilizando os meios disponíveis pela moderna tecnologia da informática, e mais.

Logo se verá que, além do trabalho escravo e do latifúndio rural que

serviram de base à nossa economia pré-capitalista, que resistem ao avanço da modernidade, implantou-se também a má distribuição de rendas, o analfabetismo, gerando desigualdades a nível pessoal e social hoje existentes,

além da pobreza e da exclusão social de grande parte da população brasileira. .

Para uma melhor compreensão desses períodos históricos, dentre

outras, ver sobre o assunto as seguintes obras: Simonsen, Roberto C., “História Econômica do Brasil”, 1500/1820, Cia. Ed. Nacional, 4ª ed., SP, 1962; Caio Prado Júnior, “História Econômica do Brasil”, Ed. Brasiliana, 7ª ed., SP, 1962;

Celso Furtado, “Formação Econômica do Brasil”, Ed. Fundo de Cultura, SP, 1958; Gilberto Freyre, “Casa Grande e Senzala”, Ed. Record, 26ª ed., Rio, 1989.

Como parte de outra vertente do pensamento nacional, há um grande

número de pensadores entre os analistas e estudiosos das nossas instituições

políticas e jurídicas, que atribuíam a falta de autenticidade e de identidade das instituições nacionais a um insuperável descompasso existente entre as práticas

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e os costumes do nosso povo-massa e o exacerbado “idealismo” das nossas elites dirigentes, quando não ao espírito de imitação de fontes primazes da civilização a

que pertencemos, ou ao mero oportunismo e individualismo político.

Transparece dessas análises, que as instituições jurídicas e políticas por nós praticadas não tiveram origem nos usos e costumes do nosso povo-

massa, no exercício da vida pública nas aldeias e vilas interioranas do país. Vieram de Portugal, desde os tempos do Brasil-Colônia, adaptadas às necessidades da nova terra e no interesse da Metrópole, em Lisboa. No Império e

na República, foram moldadas pelos “donos do poder”, conforme expressão cunhada em obra famosa escrita pelo cientista social e político Raymundo Faoro,

os quais pertenciam a um círculo restrito das classes dominantes do país, de cujo grupo fazia parte o “estamento burocrático” do Estado.

Para o citado autor, “o estamento, quadro administrativo e estado-

maior de domínio, configura o governo de uma minoria. Poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de conduta a muitos. O grupo dirigente não exerce o poder em nome da maioria, mediante delegação ou inspirado pela

confiança que do povo, como entidade global, se irradia”. ...”A minoria exerce o governo em nome próprio, não se socorre da nação para justificar o poder, ou

para legitimá-lo jurídica ou moralmente”.(Donos do Poder, ed. Globo, l.979, I - 88). Sustenta ainda o autor, que a burocracia estatal é apenas o aparato da máquina, ao passo que o estamento burocrático é o árbitro do país, de suas

classes, regulando materialmente a economia, funcionando como proprietário da soberania.

Oliveira Vianna, consagrado mestre e intérprete das instituições políticas e sociais brasileiras, foi mais longe. Sustentou que as nossas Constituições, assim como as leis que as complementam padeciam do mesmo

vício originário resultante de uma cultura universalista, traduzida, na prática, pelo “idealismo político utópico” das elites políticas na feitura de leis

dramaticamente distanciadas da realidade nacional e dos interesses maiores do povo, que pretendiam regular. Daí existirem naquela época, assim como existem ainda agora no país, leis que não são aplicadas, ou que “não pegam”. Por várias

razões, caem no esquecimento público. Como assinalou com justeza Oliveira Vianna, a existência de tal situação enfraquece o Estado de Direito como regulador das relações privadas e públicas e das regras da convivência

democrática no país. Até porque, como legisladores, numerosos homens públicos dedicavam-se àquilo que Nabuco, com fina ironia, chamou de “política

silogística”. Pois, ao legislarem exercitavam “uma pura arte de construção no vácuo: a base são as teses - e não os fatos; o material é idéias – e não homens; a situação, o mundo – e não o país; os habitantes, as gerações futuras – e não as

atuais”.

Acrescenta a esse propósito Oliveira Vianna (Instituições, 1949, II -

18): “é certo que todos eles timbram em dizer que “legislam para o Brasil”. Esta, pelo menos, é a intenção deles; mas o tipo de “animal político” que tomam para base dos seus raciocínios e das suas construções políticas ou administrativas não

é o brasileiro de verdade, o brasileiro como é - tangível, sangüíneo, vivo. É uma entidade abstrata, ... uma espécie de símbolo algébrico”.

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Sem dúvida, percorremos desde então um longo caminho e mudamos muito neste terreno. Mas a despeito de todas as mudanças verificadas

atualmente nas áreas da política e do direito, onde os profissionais utilizam metodologia objetiva que leva em consideração a realidade social brasileira, quer para legislar, quer na aplicação das leis, pelo Judiciário, persistem ainda alguns

antigos hábitos e práticas políticas que já deviam estar sepultadas em definitivo. É desalentador o que ainda hoje ocorre em áreas importantes e sensíveis da economia e de políticas públicas do governo, onde a visão mercadológica da

sociedade produz efeitos irreparáveis pelos danos causados ao povo-massa. Como exemplo, basta citar os imensos sacrifícios exigidos do nosso povo pelo governo,

especialmente dos servidores públicos, ativos e inativos, por conta do famoso “ajuste fiscal” acertado com o FMI, como coordenador de um empréstimo internacional no valor de 41,5 bilhões de dólares para salvar de um colapso

iminente a economia do Brasil. “O governo está precisando ouvir mais a sociedade na hora de tomar decisões”, disse uma diretora da FIESP, ao fazer comentários sobre as conseqüências do brutal aumento das taxas de juros e da

elevação de impostos nas atividades produtivas do país destinados ao cumprimento das metas com o FMI.

O divórcio entre o Poder e a Sociedade no Brasil, consoante a análise crítica feita por Alberto Tôrres e José Honório Rodrigues, vem de longa data e corrói a legitimidade das nossas instituições políticas e o sistema de governo

democrático por nós praticado, conforme revelam pesquisas de opinião pública realizadas mais recentemente no país.

Estes fatos põem em evidência também que existe um forte traço de individualismo, de personalismo no caráter do homem brasileiro, especialmente entre a classe política, que deveria ser marcada por acentuado espírito público.

Isso decorre, na visão de alguns observadores, principalmente como herança do isolamento a que foi submetido no período colonial de tradição insular. Tal situação, no entanto, não exclui atualmente vigorosos movimentos de apoio e

solidariedade diante de situações de perigos coletivos na adoção pelo Estado de políticas públicas acima dos interesses político-partidários, como ocorreu na crise

energética que desabou sobre o país por negligência e irresponsabilidade do Governo, consagrando atitudes politicamente corretas da população em proveito da comunidade nacional.

Por fim, mas não menos importante, os fatores cultural e espiritual na formação do homem brasileiro. Entendida a cultura como tudo que é criado e

preservado pelo homem ou grupos humanos e produz uma diversidade de experiências nos diversos setores de atividades: na economia, na política, no trabalho, na música, nas letras, nas artes, nos desportos, na religião, enfim, no

modo de ser e de agir do brasileiro.

Estas análises setoriais, importantes, sem dúvida, fazem parte do estudo de uma realidade complexa e grandiosa, deixando à mostra os defeitos e

catalogando virtudes que deveremos reunir, cultivar umas, rever e ajustar outras utopias, objetivando enfrentar os desafios opostos à construção da modernidade

em nosso país. Com a clareza de pensamento que lhe é peculiar, Fernando de Azevedo afirmou a esse propósito: “à medida que a civilização se desenvolve, as

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forças sociais pesam mais sobre o caráter das nações do que as forças naturais que tiveram um papel de importância primordial nas suas origens e na sua

formação”.(op, cit. p. 200).

De fato, é o que está acontecendo atualmente no Brasil.

8.1 Traços psicológicos do brasileiro

Sem pretender avaliar estudos empreendidos em domínios de tão grande magnitude e fluidez, afigura-se oportuno e de interesse para o nosso

trabalho refazer um itinerário sobre as principais correntes de pensamentos já manifestados, no país e fora dele, a respeito das características psicológicas mais marcantes do homem brasileiro, quer na condição de indivíduo, isolado, ou

membro de um grupo familiar ou profissional, quer como cidadão e membro da comunidade nacional. A esse respeito, sem dúvida, existem numerosas

contribuições de reconhecido mérito intelectual, as quais têm sido objeto de acalorados debates nos meios acadêmicos, e fora deles, como referências obrigatórias no trato das questões relacionadas com os elementos que possam

definir a verdadeira identidade do caráter nacional e, em particular, do homem brasileiro. Tanto quanto possível, será esse também o nosso caminho.

Como resultado de uma classificação feita por estudiosos da matéria, a qual se nos afigura exageradamente simplificada, esses trabalhos foram reunidos em dois grupos, sustentando teses aparentemente inconciliáveis sobre o

Brasil e a capacidade dos brasileiros em construírem nos trópicos uma grande nação. Sem dúvida, foram pouco criativos ao adotaram posições preconceituosas, sem base na realidade e, portanto, contrárias ao espírito de investigação cientifica

na busca da verdade, ao afirmarem a esse respeito, dogmaticamente, teses compreendidas entre o pessimismo derrotista e o otimismo delirante, ou

ufanismo ingênuo, tal como se tornaram conhecidos nos meios intelectuais do país.

Diga-se, desde já, que esse tipo de colocação do embate de idéias -

entre pessimista e otimista - é geralmente encontrado em determinados momentos históricos de outros povos, de modo semelhante ao que existiu entre nós num passado recente e ainda é possível encontrar difuso no país em alguns

momentos de graves crises sociais, econômicas e políticas, trazendo a toda sociedade naqueles momentos apreensão e temor do futuro.

No passado, Sílvio Romero foi o mestre dentre os intelectuais que expressaram um pensamento pessimista sobre o homem brasileiro. De acordo com Silvio Romero, o “índio não é brasileiro”, e da mestiçagem com o branco,

resultou “uma sub-raça mestiça e crioula, distinta da raça européia”. Quanto ao elemento negro, transplantado da África para o nosso país na condição de

escravo, teve uma influência perniciosa na vida e na formação social do país. A maior contribuição da sua presença entre nós, era na dança, na música, nos cultos de origem afro-brasileiro e no futebol.

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No elenco das características psicológicas do brasileiro encontradas por Silvio Romero, encontrava-se que ele era: apático, sem iniciativa,

desanimado, com espírito de imitação do estrangeiro (na vida intelectual), irritabilidade, nervosismo, hepatismo, talentos precoces e rápida extenuação e mais coisas advindas da intensa mestiçagem racial e cultural.

Uma vez que as afirmações feitas por Silvio Romero compreendiam não somente aspectos circunstanciais, mas também, e principalmente, os fatores genéticos presentes na formação do homem brasileiro, e eram baseadas em

estudos científicos prevalecentes àquela época, estavam destinadas a obter uma grande repercussão nos meios intelectuais e políticos do país, o de fato aconteceu

para o nosso tormento, como se verá, até quando se deu a desmistificação daquelas teses pseudo-científicas.

Ronald de Carvalho enveredou pelo mesmo caminho, ao considerar

“essa apagada e vil tristeza” do brasileiro como resultante das “duas melancolías imensas: a do índio e a do negro escravizados”, o que, a seu juízo, iriam pesar no caráter do nosso povo.

Igual visão negativa se encontra na obra de Paulo Prado, sob o título “Retrato do Brasil - um ensaio sobre a tristeza brasileira”, publicado em 1928. Eis

as palavras com que inicia seu trabalho: “Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram”.

Considerado pela crítica da época como “o mais feio retrato que o Brasil podia esperar de um filho seu”, o livro causou intensa polêmica ao mostrar

as grandes paixões que dominaram a alma do brasileiro, desde o período colonial: a luxúria, a cobiça, a tristeza e o romantismo. Nenhuma paixão ou sentimento altruísta o autor teria encontrado para exaltar em nossa História, o que foi

lamentável. Homem culto, brilhante, rico, viajado, pertencente à família ilustre da aristocracia rural quatrocentona paulista do café, Paulo Prado foi também um dos líderes da Semana da Arte Moderna de São Paulo, em 1922. Tristão de

Ataíde, seu contemporâneo, grande pensador e respeitado líder religioso, ao conhecê-lo, a primeira impressão colhida foi a de ter visto nele “um fidalgo

amolado e cético”, no que parecia estar com a razão. São de Paulo Prado estas palavras de descrença sobre os intelectuais brasileiros escritas no livro Retrato do Brasil, p. 173: “Em tudo domina o gosto pelo palavreado, das belas frases

cantantes, dos discursos derramados; ainda há poetas de profissão. Um vício nacional, porém, impera: o vício da imitação. Tudo é imitação, desde a estrutura

política em que procuramos encerrar e exprimir as mais profundas tendências da nossa natureza social, até o falseamento das manifestações espontâneas do nosso gênio criador”.

Apesar disso, seria injusto omitir o lado construtivo do pensamento de Paulo Prado. No post-scriptum do pré-citado livro Retrato do Brasil, o autor

redimiu-se da postura de profunda descrença com que analisara os problemas brasileiros, e, como um cético autêntico, mostra que após demolir, sobravam-lhe forças para construir sobre os escombros um novo e portentoso edifício. Diz então

que o desfecho para os problemas nacionais vividos em sua época só poderia ser

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encontrado em duas soluções catastróficas: a Guerra e a Revolução. Afastada a idéia da Guerra, sintetiza sobre a Revolução: “a idéia de Revolução, não sendo

confusa, é pelo menos complexa. Exprime a síntese de duas tendências opostas: esperança e revolta. Para o revoltado, o estado de coisas presente é intolerável, e o esforço de sua ação possível irá até a destruição violenta de tudo que ele

condena. O revolucionário, porém, como construtor de uma nova ordem é por sua vez um otimista que ainda acredita, pelo progresso natural do homem, numa melhoria em relação ao presente”. (id. Ibd., p. 183)

São igualmente representativos do espírito depressivo existente naqueles tempos, os livros “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, em que o autor

retrata o atraso do homem sertanejo e caipira do nosso interior, um tipo humano desengonçado, sem preparo profissional e com falta de ânimo para o trabalho produtivo, e o de nome “Macunaíma”, que reproduz a imagem burlesca de um

malandro citadino sob o disfarce de herói sem caráter, escrito por Mário de Andrade, um personagem curioso e amoral do qual ainda hoje não conseguimos nos livrar nas grades metrópoles, onde vende facilidades notadamente nos meios

políticos e junto a administração da coisa pública no país.

Naquela época, entretanto, a Revolução de 30 estava em gestação

com um extenso programa de renovação da vida pública brasileira, de base nacionalista, tendo à frente o gaúcho Getúlio Vargas, coroando uma década de grande agitação militar nos quartéis e fora deles. Tinham ocorrido naquela

década três fatos da maior importância na vida nacional: a Semana da Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista e a Revolta do Forte de Copacabana,

em 1922. Foi ainda no período anterior ao chamado - o Ciclo de Vargas - que teve início, entre 1924 e 1926, a Grande Marcha da Coluna Prestes, constituída por jovens oficiais do Exército sensibilizados com os problemas sociais existentes, sob

a chefia do legendário Capitão Luiz Carlos Prestes, movimentos estes registrados com lucidez e riqueza de informações pelo historiador Hélio Silva.

Contrapondo-se a essas manifestações de descrença e de interpretações

equivocadas sobre a influência dos fatores geográficos, raciais, econômicos, sociais, políticos e culturais presentes na formação do homem brasileiro, bem

como à eclosão do inconformismo e revolta a que deram causa nos diversos setores da sociedade civil, assim como entre os militares, existiram outras manifestações igualmente fortes e entusiásticas, em prosa e em verso e nas letras

de músicas populares, enaltecendo os elementos constitutivos da nacionalidade brasileira e de exaltação das riquezas do solo, da natureza bela e dadivosa, do

trabalho que traz o progresso, dos valores morais e das crenças do nosso povo, do passado histórico, do presente e do futuro comum da nossa gente, enfim, da alegria e do orgulho de ser brasileiro. Na literatura de conteúdo social e político, o

livro de autoria do escritor Afonso Celso, intitulado “Porque me Ufano do meu País”, é a obra-síntese de orgulho e exaltação nacional, simples e de transbordante otimismo, a qual, como no passado, ainda hoje está bem presente

em numerosas obras, especialmente didáticas. Para Afonso Celso, nosso país é invejável, sob todos os aspectos. Exalta as grandes virtudes das raças que

contribuíram para a formação do brasileiro. Aponta apenas poucos defeitos, esses corrigíveis pela educação.

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Não é outra a impressão que se colhe na obra do poeta maranhense Gonçalves Dias, grande expressão do romantismo brasileiro. Cantou em versos

inesquecíveis a terra e suas belezas naturais, no belo poema Canção do Exílio, assim como as virtudes do índio nativo em “Y-Juca Pirama”, dividindo com o político e romancista cearense José de Alencar a glória de haverem produzido as

melhores obras do período indianista no país. Um outro trabalho importante, dirigido especialmente às crianças, foi o poema "Brasil", de exaltação patriótica, escrito com simplicidade e em linguagem de lirismo ingênuo pelo consagrado

poeta Olavo Bilac, como segue: "Ama com fé e orgulho a terra em que nascestes! Criança, não verás nenhum país como este! Olha que céu, que terra, que mar,

que rios e que florestas!...Vê que grande extensão de matas, onde impera, fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! Jamais negou a quem trabalha, o pão que mata a fome e o teto que agasalha!... Quem com o suor a

fecunda e umedece, vê pago o seu esforço, e é feliz e enriquece! Criança! Não verás país nenhum como este! Imita na grandeza a terra em que nasceste”.

Na espontaneidade dessas manifestações de amor à pátria e aos

valores que a engrandecem, encontra-se um dos traços mais fortes do caráter nacional brasileiro.

Diferente, portanto, do que ocorreu durante o período de governo do Presidente Médici, quando era cobrado aos brasileiros: “Brasil: ame-o ou deixe-o“, slogan de exaltação patriótica típico de um nacionalismo exclusivista, intolerante,

não democrático, mas de grande apelo popular e publicitário, quando foi mais dura a repressão policial-militar do regime instalado com a Revolução de l964 e

chegou a l0% ao ano o taxa de crescimento econômico do país.

Sem dúvida, o sentimento de amor à pátria e aos símbolos que a representam é muito forte no povo brasileiro. Desde os primeiros momentos da

vida nacional foi este o sentimento que reuniu as populações nativistas em defesa da terra comum contra as invasões de corsários de várias nacionalidades, assim como na guerra do Paraguai e contra a agressão nazi-fascista na 2a. Grande

Guerra Mundial. Da mesma forma, é o envolvente sentimento de amor e carinho aos símbolos nacionais, o que ocorre nas mais diferentes ocasiões, com grande

entusiasmo e manifestações de júbilo incontido. Tanto em festas cívicas como, e principalmente, por ocasião das disputas em jogos olímpicos nas diferentes modalidades. Entre os mais populares e envolventes, temos: o automobilismo,

voleibol, o tênis e o futebol, esta modalidade esportiva, a grande paixão dos brasileiros, que nos tem dado muitas vitórias e alegrias, de modo especial a

conquista do invejável título de Penta-Campeões Mundiais de Futebol, nos jogos patrocinados pela FIFA, em 2002, realizados na Coréia e no Japão.

8.2 O brasileiro: ontem e hoje Na verdade, tanto a visão pessimista como o otimismo às vezes

exagerado com que se tem identificado a terra e as virtudes do homem brasileiro, fazem parte de um passado histórico muito rico, o qual apresenta extraordinários

exemplos de acertos e realizações e, sem dúvidas, alguns erros notórios a serem corrigidos visando construir uma sociedade moderna, próspera e justa no Brasil.

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Até ai, nada existe que possa ser rotulado como uma situação fora do normal em comparação com os demais povos da terra, ou como uma experiência

social falha e desabonadora das nossas tradições de povo amante da liberdade e dos direitos humanos. A esse propósito, é de ver-se que passamos e vivemos até agora por situações históricas que, dificilmente, poderiam ter sido solucionadas

de modo diferente em circunstâncias idênticas. De qualquer forma, valeu a experiência contribuindo para o amadurecimento no trato de questões de grande complexidade e que demandam demoradas negociações, como a Independência, a

Menoridade, Guerra do Paraguai, Abolição da Escravidão, Proclamação da República, redemocratização do país após a ditadura militar instalada em 1964,

inserção do Brasil no comércio exterior do mundo globalizado, e mais, enriquecendo-nos individual e coletivamente em conhecimento e sabedoria política para evitar novos erros e ajustar à realidade a nossa utopia de grandeza

nacional.

Assim é que, na atualidade tendemos para a tomada de atitudes realistas e mais equilibradas nas discussões e encaminhamento de soluções para

os problemas internos e externos com que nos defrontamos, sem perder de vista os ideais e princípios que norteiam a nossa conduta de povo amante do sistema

democrático de governo e da paz entre as nações. Até porque, existem hoje os elementos, uns, bem definidos, outros ainda em formação, que permitiriam ao investigador bosquejar um perfil psicológico do brasileiro, a nível individual ou

coletivo, bastante diferente e atualizado, com base nas lições do passado, assim como no amadurecimento e qualificação obtidos pelas classes dirigentes ao longo

da nossa história como nação independente.

Vivenciando um“idealismo sem ilusões”, o homem brasileiro tem sido o criador de seu próprio destino no mundo em que vivemos e o grande artífice das

mudanças de uma realidade geopolítica e social cheia de grandezas e contradições, pois abarca tudo ao mesmo tempo, inclusive as angústias e necessidades de homens e mulheres, "em carne e osso", a que se referiu

Unamuno.

Para uma melhor compreensão da trajetória percorrida nesses

períodos da nossa história, recorreremos: I) - à opinião dos doutos e estudiosos dos problemas brasileiros, assim como àqueles que revelaram uma visão esclarecida pelo saber ou pela experiência no trato desses assuntos; II) -

utilizaremos pesquisas de opinião fidedignas sobre o que o brasileiro pensa de si mesmo, da vida que leva agora e sobre o futuro do seu país; III)- o que o

estrangeiro pensa de nós e do Brasil e, finalmente, IV) - a idéia da felicidade do brasileiro.

Outros caminhos poderiam ser seguidos, mas preferimos o indicado

acima, onde desfrutaremos boas companhias.

8.3 O brasileiro na opinião dos doutos

Disseram alguns que o brasileiro é triste e apático, por índole. Humberto de Campos, referido por Fernando de Azevedo, rebate essa versão,

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afirmando: "O brasileiro não é absolutamente triste, nem tem de onde lhe venha esse mal". E acrescenta: "o português é um povo jovial, festeiro e comunicativo...

e o nosso índio não o era menos. As suas festas eram barulhentas, tumultuosas e duravam dias, às vezes semanas". Um bom exemplo disso, que ainda hoje perdura é o ritual Kuarup, dos grupos indígenas do Parque do Xingu para

homenagear os mortos ilustres. O Kuarup corresponde à cerimônia de finados dos brancos. Entretanto, o Kuarup é uma festa alegre, exuberante, onde cada um coloca a sua melhor vestimenta na pele. Na visão dos índios, os mortos não

querem os vivos tristes ou feios.

Quanto ao elemento negro da nossa etnia, aí estão os cultos e os

festejos afro-brasileiros por eles praticados, os quais são sempre acompanhados de muita música e dança, constituindo-se em fonte de inspiração para várias e bonitas expressões da música popular que embala a alma do brasileiro, num

ritmo candente e alegre, de forte apelo à sensualidade e grande beleza artística. A obra do imortal escritor Jorge Amado retrata com maestria esse fato, em especial no livro “A Tenda dos Milagres”.

Destarte, o brasileiro não teria motivo para ser um povo triste e deprimido, roendo-se no íntimo por causa de melancolias atávicas, com origem

em um passado histórico e social de remota memória: o português vindo para o Brasil, sentiu saudade de sua terra distante, mas tinha o gosto da aventura e aqui ficou, implantando uma grandiosa civilização tropical; o índio, arrancado do

seu habitat natural, explorado e dizimado pelo colonizador, só por último voltou às suas origens nas reservas indígenas brasileiras, onde vive, trabalha, reproduz-

se, cultiva seu passado e suas crenças e desenvolve sua cultura, sob a proteção legal; o negro, transplantado da África, na condição de escravo, deu tudo de si no trabalho dedicado à construção do novo país. Liberto da escravidão, é hoje um

dos nossos cidadãos, alegre e criativo.

No imenso cadinho racial e cultural em que se transformou o Brasil

de então até o presente, iniciou-se a obra da construção nacional e da formação da personalidade e do caráter do homem brasileiro, numa experiência civilizatória e antropológica multi-racial fascinante e sem igual no mundo.

Dai porque, onde quer que se apresente, distingue-se o brasileiro por ser uma pessoa de temperamento jovial e alegre, otimista, comunicativo, inteligente, de simpatia contagiante nas relações inter-pessoais e sociais.

Contudo, observa Fernando de Azevedo, “de todos os traços distintivos do brasileiro, talvez um dos mais gerais e constantes, que constitui a

sua força e a sua fraqueza ao mesmo tempo, o mais atraente e comunicativo, e que mais o destaca, nos primeiros contatos, e mais se acentua, no convívio, é, pois, a sua bondade que parece brotar da alma do povo, do seu temperamento

natural...”, revelando uma qualidade inata à natureza humana, como aquela sustentada por Rousseau. E acrescenta o mestre Azevedo: “essa bondade que

ignora, como sentimento igualitário, distinções de classes e diferenças raciais, tem as suas origens na formação profundamente cristã do nosso povo, na confraternização de sentimentos e de valores e na democratização social, para

que tão poderosamente contribuíram, de um lado, a religião, e, de outro, a

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mestiçagem largamente praticada das três raças iniciais, mais tarde, de outras raças carreadas para o sul nas correntes de imigração”. (Azevedo, F, op. cit. p.

207).

Ao lado destas, outra virtude muito apreciada no brasileiro é a cordialidade no trato pessoal. Ribeiro Couto, estudioso dos problemas nacionais,

em carta dirigida a Alphonso Reys, e por este publicada em Monterrey, vaticinou: “Daremos ao mundo o homem cordial”. Sérgio Buarque de Holanda, autor do livro “Raízes do Brasil” gostou da idéia. Referiu-se ao tipo de cordialidade visualizado e

assumiu a posição de Ribeiro Couto, com as seguintes considerações: "A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros

que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria

engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras, civilidade. São antes expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante”(Holanda, Sérgio Buarque de, “Raízes do Brasil”, Rio, l973-

106/107).

O escritor Tarcisio Padilha, no livro “Brasil em Questão”, define o que

se deve entender por cordialidade. Afirma, de início, ser necessário evitar qualquer tipo de equívoco entre a bondade (caso de Fernando de Azevedo) e a cordialidade (no caso de Buarque de Holanda), e a polidez. E aduz: “Esta traduz

um refinamento que não se compadece com a espontaneidade característica das duas outras virtudes. A cordialidade não significa bondade e sim o movimento

interior que inspira palavras e atos; que enriquece a relação pessoal ou profissional com um traço marcante de apreço e afetividade”. (Padilha, Tarcísio M., “Brasil em Questão”, Liv. José Olympio ed., Rio, 1975-57). Acrescenta o

citado autor: “Corolário da assertiva é a dificuldade do brasileiro de guardar sua privacy. Sua vida se passa na vitrina aberta ao conhecimento de todos. Seus

sentimentos se externam por uma incoercível necessidade interior”....”Parece que a nossa personalidade básica é dominada pelo convívio. Conviver é a necessidade insubstituível no inter-relacionamento pessoal.... O convívio que mantemos se

limita ao plano meramente extrínseco e afetivo do relacionamento humano. Isto explica as amizades entre pessoas com idéias e ideais diametralmente opostos. Elas são possíveis em qualquer país, é claro, mas entre nós os valores se esvaem

na singeleza do trato pessoal, mola do convívio. Conviver é, portanto, o que de mais importante existe para o brasileiro, sem distinções de quaisquer naturezas”.

(Id, ibd. p. 58).

Para Gilberto Freyre, a cordialidade do brasileiro é genética. Veio com a mistura das três raças que entraram na formação da nossa gente, e

continuaram se misturando. A natureza rica e bela dos trópicos assim como as peculiaridades do processo da nossa formação econômica e social, sem dúvida,

tiveram e têm influências marcantes na vida do brasileiro. Porém, jamais chegaram a prejudicar um dos traços mais interessantes e apreciados da sua personalidade - a cordialidade.

A toda evidência, o Brasil de hoje não é mais uma sociedade com predominância dos costumes baseados em padrões que marcaram época nos

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meios rurais e patriarcais do país. No espaço de algumas décadas apenas, o Brasil está se transformando numa sociedade predominantemente urbana,

moderna e informatizada, com forte inserção no mundo globalizado pela mídia eletrônica, o comércio, as finanças, a cultura, o lazer e o desporto, ou convivendo com atividades não virtuosas como o tráfico de drogas, a exploração do sexo, o

terrorismo e a violência. Portanto, num contexto diferente do anterior em que as relações pessoais se faziam principalmente no âmbito familiar onde os laços de amizade eram e continuam sendo fortes e resistentes aos ataques de uma

sociedade liberada.

Porém, para o cotidiano dos homens e das mulheres que trabalham

fora de casa, na empresa e na fábrica, freqüentam a escola, a universidade, vão ao clube, às associações e sindicatos de classes, pegam trens, metrôs e ônibus, ou os que andam de carro e experimentam também as agruras de um tráfego

caótico das grandes cidades na hora do "rush" diário, não há condições para gestos de cordialidade. Quando muito, atitudes de urbanidade e civilidade

poderiam ser exigidas no comportamento de cada um, por se tratar de pessoas que convivem e trabalham numa comunidade que se diz ordeira, civilizada e democrática.

É provável que, por essa razão o psicanalista Contardo Calligaris, em estudo recente publicado no jornal “Folha de São Paulo”, tenha afirmado que o

brasileiro citadino está se tornando um homem “vulgar”. Um tipo de pessoa comum entre muitas outras mergulhadas ou perdidas e sem identidade no meio da multidão das grandes metrópoles urbanas do país. Sem qualquer dúvida, seria

muito difícil cultivar hábitos de cordialidade em meio à multidão das grandes cidades brasileiras ou de qualquer outro lugar. Não teria cabimento, sem dúvida. Apesar disso, vê-se que a cordialidade ainda sobrevive, sim, embora praticada em

círculos mais restritos da sociedade, fazendo parte dos relacionamentos interpessoais, do convívio familiar e social, o que ameniza a azucrinação do dia a

dia vivido pelos habitantes das grandes cidades.

Entrementes, acentua Fernando de Azevedo, “entre tantos traços dominantes, um dos mais fortes e considerado, às vezes, como a própria chave do

caráter brasileiro é o predomínio, na sua estrutura, do afetivo, do irracional, e do místico que se infiltra por todo o ser espiritual, amolecendo-lhe ou exasperando-lhe a vontade, conforme os casos, e dando-lhe à inteligência um aspecto

essencialmente emocional e carregado de imaginação”. (Azevedo, Fernando, op. cit., l996-204).

Esta percepção etnológica já havia sido manifestada anteriormente em escritos de Silvio Romero, assim como de Euclides da Cunha, ao estabelecer

ligação entre a biologia da miscigenação e o processo de criação da nacionalidade brasileira. Em razão disso, talvez, Thomas Skidmore no livro “O Brasil visto de fora”, (1994-76), fez esta crucial indagação: “Se miscigenação criava instabilidade,

quanto tempo demoraria para chegar-se a uma identidade nacional estável?”. Em se tratando de uma sociedade multi-racial e multi-cultural em “fazimento” como é

a nossa, conforme entende o professor Darcy Ribeiro, o resultado final, parece claro, dependerá dos elementos que predominarem nesse processo de caldeamento e integração racial, durante o qual prevalecerão as características

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principais do biótipo do homem brasileiro, até o final do processo de criação da identidade nacional.

Sem embargo da emotividade, que poderia denotar um temperamento instável, caprichoso, difícil de adaptar-se e conviver numa sociedade moderna e sistêmica como a em que vivemos, essa dificuldade tem sido atenuada e superada

na vida do brasileiro, em razão da grande plasticidade do seu caráter, assim como da criatividade e da capacidade de adaptação a situações novas, o que representa uma virtude adquirida como resultado da miscigenação racial e cultural que deu

origem ao autêntico e legítimo homem brasileiro. Daí porque, com a autoridade de ser um dos maiores conhecedores da formação histórica e social do país,

sentenciou José Camilo de Oliveira: "Somos o povo mais plástico do mundo".

É relevante salientar, entretanto, que o caráter da gente brasileira é formado por valores básicos da nossa civilização, em especial dos valores da

liberdade, democracia, justiça, solidariedade e tolerância, não por uma disciplina rígida na condução dos nossos atos.

De outro parte, não possuindo um sentimento obsessivo de grandeza

e de destinação nacional, o brasileiro é um povo pacífico, conservador e pragmático, por temperamento e vocação histórica. Tanto isso é verdade que

nunca nos aventuramos em lutas com outros povos por conquistas territoriais ou de mais poder. Nas vezes em que nos envolvemos em guerras externas, foi em defesa de interesses vitais do País violados ou ameaçados de violação. Exemplos:

contra o Paraguai, em defesa da integridade do nosso território invadido na região centro-sul da bacia do rio Prata; contra o nazi-fascismo, ao lado dos países

Aliados em defesa da causa da liberdade e da democracia no Mundo.

Confirma essa tendência histórica da nossa formação cultural o fato de que, embora participante de uma comunidade humana que atualmente

apresenta indicadores de enormes desigualdades a nível pessoal e social nas diferentes regiões do país, sendo apontada em relatórios de órgãos internacionais como uma das cinco sociedades mais violentas do mundo, o legislador

constituinte brasileiro estabeleceu na Carta Magna (art.4,VII) que “a solução pacífica dos conflitos” é um dos princípios que regem as relações internacionais

do Brasil com outras nações, o que revela a prevalência do espírito de tolerância e conciliação que caracteriza o nosso povo. Atitudes como essa, sem dúvida, patenteiam por igual um compromisso de seriedade, firmeza e respeito mútuo

que deve existir entre as partes no encaminhamento e solução dos interesses em conflito, e ainda, o repúdio à arrogância e à prepotência que nada constroem nas

relações com outros países.

O historiador patrício José Honório Rodrigues, em seu livro "Conciliação e Reforma no Brasil - um desafio histórico-político", fez interessante

e oportuno estudo sobre o papel desempenhado pelas elites dirigentes nacionais ao longo da nossa história, cujo assunto está a merecer maior atenção e um debate em profundidade de uma das mais sedutoras, porém não menos

controvertidas estratégias usadas pelas classes governantes nos diferentes momentos de crises porque tem passado o País. Pois, como é de ver, existe

conciliação e conciliação.

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Para alguns analistas políticos, a conciliação tem sido utilizada como fator importante para manter a ordem pública e a estabilidade das instituições

políticas nacionais ao longo da história, evitando, em diferentes ocasiões, a ruptura do frágil sistema de poder organizado na sociedade em crise, e, outras tantas vezes, como um acordo de forças político-partidárias visando a

governabilidade ameaçada com a promoção de reformas que propiciem superar as dificuldades enfrentadas e a promoção do progresso nacional. No período Imperial, por exemplo, a Regência trina, durante a Menoridade de D. Pedro II,

atravessou momentos difíceis para manter a unidade nacional contra as forças desagregadoras da descentralização política e administrativa das Províncias. Foi

graças ao pulso firme e liderança política do Padre Antonio Feijó que se alcançou o entendimento e chegou-se à reforma consubstanciada na Lei de Interpretação ao Ato Adicional nº 1, de 1834, com o que se evitou a desagregação do Império do

Brasil em várias repúblicas, como já havia ocorrido com a América hispânica.

Em tempos mais recentes, a transição política do regime militar instalado com a Revolução de 1964, constitui um outro exemplo marcante da

nossa história política, de apego à liberdade, à forma democrática de governo e ao Estado de Direito Democrático. Eleito presidente o candidato Tancredo Neves,

representante das forças de oposição ao regime militar vigente, grandes mudanças pareciam coisas certas e inadiáveis, sobretudo nos campos político, econômico, financeiro e social, onde eram mais reclamadas.

Porém, com a morte inesperada de Tancredo Neves antes da posse no cargo de presidente da República, investiu-se no cargo o vice-presidente José

Sarney, ex-membro da Arena, partido de sustentação política aos governos revolucionários. Deu-se então o impasse. Não tivemos avanços nas reformas prometidas ao público durante a campanha política encerrada. Diante dos

enormes problemas enfrentados naqueles momentos decisivos para o País, as reformas ficaram limitadas nesse período de transição política ao saneamento da moeda e aos difíceis e demorados debates sobre o novo pacto político nacional,

afinal consubstanciado na Carta Política de 1988, a qual se tornou conhecida como a “Constituição Cidadã”, não só por sua inspiração ideológica de marcada

oposição ao regime militar que dominou o país por mais de duas décadas, como porque abriu caminho para o resgate dos direitos sociais e de cidadania aos brasileiros menos afortunados.

Foram, sem dúvida, momentos de grandes debates e difíceis negociações dedicados à conciliação nacional. A esse propósito, bastaria registrar

que, apesar dos esforços despendidos em prol da pacificação dos espíritos e da redemocratização do país, mais de duzentos artigos da Constituição Federal de l988 foram enviados ao exame e deliberação final em legislação complementar.

De acordo com a visão dos críticos mais severos, tanto a conciliação como as reformas oriundas desses períodos de crises político-institucionais, sociais e econômicas tão comuns no Brasil, infelizmente, têm sido utilizadas

muito mais em proveito da manutenção do "status quo" e dos privilégios das classes dirigentes do que em benefício do povo. Pois, nessas ocasiões, ocorre que

as elites em geral tomam decisões da maior importância sob a pressão dos

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acontecimentos e sem a menor consulta ou participação popular na discussão das mudanças programadas e a serem implementadas.

. Foi assim o que aconteceu durante a queda do Império e a proclamação da República, de cujo movimento das tropas militares nas ruas adjacentes à atual Praça da República no Rio de Janeiro o povo assistiu

“bestificado”, consoante expressão cunhada na época por Aristides Lobo, Ministro da Justiça; o mesmo ocorreu mais tarde por ocasião da implantação do sistema parlamentar de governo com a votação pelo Congresso Nacional em tempo

recorde da Emenda Constitucional nº 4, de 1962, tendo por objetivo a redução dos poderes constitucionais do presidente João Goulart, por exigência dos

militares após grave crise político-institucional pela “legalidade” que abalou o pais; por fim, citamos a aprovação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, permitindo, pela primeira vez na História republicana, a reeleição para os cargos

de chefes dos Executivos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, na esteira de graves denúncias nunca apuradas de corrupção praticada pelo Governo para obtenção dos votos parlamentares necessários à aprovação

desse projeto de emenda constitucional que, naquele momento, interessava a todos os níveis de governos - federal, estadual e municipal.

Historicamente, entretanto, a política de conciliação nacional foi uma criação do Gabinete chefiado por Carneiro Leão, Visconde de Paraná (1853-1856), com o objetivo de obter a cooperação dos partidos no Parlamento para consolidar

a Monarquia e criar condições para efetuar as reformas urgentes e necessárias ao progresso do País, após as cruentas revoltas que eclodiram em várias regiões do

território brasileiro, no período da Menoridade de D. Pedro II. Apesar dos objetivos declarados, a política imperial da conciliação foi recebida na época com cautela e ceticismo pelas principais lideranças políticas, como expressou, em

discurso proferido no Senado do Império, o barão de São Lourenço: “Opus-me à conciliação como bandeira, porque logo receei alguma mistificação: a nação, porém, tomou-a a sério, porque de fato havia cansaço e o caráter brasileiro tende

sempre para fraternizar”.

De fato, a política de conciliação nacional implantada por Carneiro

Leão, com o apoio do Imperador naquele momento histórico, teve prosseguimento durante outros Gabinetes ministeriais e foi realmente de grande proveito para o Brasil e os brasileiros, porque propiciou as reformas políticas e institucionais de

que o país precisava, inaugurando a fase de progresso iniciada logo a partir dos primeiros anos de instalação do Segundo Reinado.

Apesar dos fatos acima expostos, observa-se, entretanto, que a política de conciliação tem precedentes históricos bem mais antigos no país. Desde o início da colonização portuguesa, alternaram-se momentos marcados por

ações cruentas, outros por ações incruentas em nosso processo de evolução social, embora seja correto e justo afirmar que os exemplos de conciliação predominam. Como assinala J. H. Rodrigues. (op. cit. l965-59): “Caramuru, José

Bonifácio, Carneiro Leão, Caxias são exemplos de liderança moderadora e de história incruenta; evitaram a brutalidade e a imaturidade que em outros povos,

na América, se manifestaram com maior freqüência...”.

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Daí porque, é aceitável afirmar-se que a política de conciliação entre nós tem raízes bem mais antigas e profundas, pois está na dicotomia do

comportamento típico dos primeiros povoadores – terrorismo < amansamento, que os colonizadores brancos europeus tiveram que adotar nos contatos com os índios bravios das Américas e os negros escravos, assim como nas transigências

aos incessantes antagonismos coloniais.

Registra Capistrano de Abreu, referido por J. H. Rodrigues, que, no período inicial da colonização, tivemos três tipos de povoadores: o primeiro, não

reagia ao meio, com ele se identificava, assim como aos costumes dos nativos, e furava lábios e orelhas, matava os prisioneiros e os devorava, seguindo os ritos

indígenas; o segundo, era o voluntarioso e indomável, como João Ramalho, o bacharel de Cananéia; o terceiro, não usava o batoque nem utilizava o poderio, vivia bem com europeus e indígenas: é Diogo Álvares, o Caramuru.

De acordo com Capistrano, o primeiro tipo de colonizador, era uma anormalidade, e não poderia continuar. O segundo, era dominante na época das violências e guerras desencadeadas pelos povoadores das Américas, não poderia

durar por muito tempo. Mas foi o terceiro tipo de povoador, o luso-baiano, que sobreviveu; e da sua predominância resultaram conseqüências permanentes na

psicologia do povo e da liderança brasileiras.

Em conseqüência, três conclusões preliminares, segundo J. H. Rodrigues, podem ser tiradas com base naquele período histórico: uma, que os

momentos de criação e de trabalho que marcaram àquela época o nosso processo evolutivo, na frente interna, dependeram do predomínio do elemento conciliador à

frente da liderança oficial, apesar das guerras que ensoparam a terra de sangue, principalmente em razão do extermínio dos povos indígenas e da repressão violenta ao elemento escravo; dois, que a maioria do povo foi sempre sofrida e

sempre viu desfeita sua esperança de melhoria, porque as concessões foram sempre mínimas, já que a minoria do poder não servia o país, servia à Metrópole portuguesa, à qual pertenciam à época; três, o que se fez de melhor no país, não

foi obra da minoria no poder, foi fruto popular, a saber: a mestiçagem racial, que criava um tipo humano adaptado ao país; a mestiçagem cultural, que criava uma

síntese nova, de tolerância religiosa e democracia racial; a expansão territorial, obra de mamelucos, principalmente, à frente deles Domingos Jorge Velho, devassador e incorporador do Piauí, não falava português; a integridade

territorial, defendida das ameaças estrangeiras, na costa litorânea, tanto ao norte como no sul do país; a unidade da língua, ameaçada pelo bilingüismo em São

Paulo e no Amazonas, onde mais se falava o tupi que o português: e finalmente, “a opulência e riquezas do Brasil”, de que falava Antonil, nas vésperas das lutas pela Independência, eram frutos do trabalho do povo, no meio do qual florescia

uma nova e forte idéia de pátria no Novo Mundo. Tudo isso a demonstrar que não são as minorias governantes que determinam os rumos do rico e criativo processo histórico.

Também, é fora de dúvidas que, com a conciliação, o processo histórico deixou de ser cruento, pois ela visava, pela acomodação dos interesses

em choque, a salvar o essencial - o poder das classes dominantes, com a adoção de estratégias típicas dos que detêm o mando. Pois, conforme ainda observou J.

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H. Rodrigues (op. cit, 1965-35): “As minorias dominantes no Brasil, para evitar as conclusões sangrentas, sempre prometeram reformas, especialmente nas crises, e

quando o povo se continha e elas se tornavam senhoras da situação, descumpriam as promessas feitas”.

Finalizando a sua análise, escreve o citado autor: “mas se a liderança

conciliadora evitava os excessos, acalmava os radicais, apesar de sua permanente oposição, e, com isso, diminuía o antagonismo social ou, pelo menos, adiava o conflito de caráter social, não renovava o país, não promovia as reformas, tornava

lento o processo histórico e o progresso minguado não estava de acordo com as possibilidades nacionais. No final, o Brasil perderia a oportunidade e via esgotar-

se o prazo que o século XIX oferecera, e que só duas nações não européias, (Estados Unidos e Japão) antes de seu encerramento, aproveitaram para ingressar na expansão econômica e na política mundial” (Rodrigues, J.H., op.

cit.1965-60).

Triste realidade.

Ontem, como hoje, a estratégia usada pelas elites dominantes

continua a mesma para se eternizarem no poder, tanto a nível local e regional, como e principalmente, a nível nacional, nas últimas décadas de predomínio do

neoliberalismo capitalista no mundo globalizado. Como resultado, a violência, o desemprego, a exclusão social e o excessivo endividamento público são apenas algumas das mazelas mais visíveis da sociedade brasileira atual, conturbando o

seu presente e ameaçando-lhe um sonho de futuro. É uma situação que exige solução urgente, o que demanda seriedade, vontade política e espírito público da

classe dirigente para governar em beneficio do povo, deixando de lado o individualismo irresponsável e a falta de ética encontrada muitas vezes na gestão dos negócios públicos no país. Até quando? Quousque tandem!... era a

imprecação veemente e indignada de Marco Túlio Cícero, o mais eloqüente e brilhante dos oradores romanos, ao desmascarar conspiração tramada por

Catilina, figura ousada e temida pelo patriciado de Roma, acusando-o de conspirar, por outros motivos, contra os interesses da República.

Um outro aspecto a assinalar neste bosquejo de perfil psicológico, é

que o brasileiro não é, de fato, nem mesmo nunca foi um torturado pela sede do ouro ou pelo enriquecimento a qualquer preço, como julgou Paulo Prado e podiam fazer crer as entradas e as expedições realizadas por paulistas, impelidos

pelo espírito da aventura e estimulados pelo poder régio, para a descoberta de novas fronteiras territoriais e a exploração das minas. Não é, certamente,

característica do brasileiro a avidez do ganho nem a preocupação do futuro; o cálculo não é a essência desse povo, por isso nem tem o culto do trabalho e nem despreza todos os prazeres, leves e fugitivos, que fazem o encanto da vida,

Em razão disso, argui Fernando de Azevedo: "mas, se o desamor ao trabalho cultivado no longo regime de escravidão é, na classe média, toda uma

tradição moral de nobreza reinol “a que uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente e até nobilitante do que a luta insana pelo pão de cada dia”, a indolência displicente no povo, em geral, não provém antes do hábito de viver

com pouco mais do que nada e da consciência da desproporção entre o esforço

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despendido no trabalho e o resultado realmente obtido ?"( Azevedo, F. id. op., p.~210).

Sem dúvida, o desamor ao trabalho terá sido uma trágica herança adquirida dos povos peninsulares europeus, onde, àquela época, o espírito de aventura e do descobrimento de riquezas em territórios ultramarinos, foi tomado

como um valor e cultivado pelos primeiros colonizadores neste hemisfério sul e em terras brasileiras, ao invés da ética do trabalho que predominou entre as colônias de origem anglo-saxônicas na América do Norte.

Tais fatos, muito provavelmente, terão contribuído para as diferenças iniciais estabelecidas entre os dois tipos de civilizações implantadas nas

Américas.

Há, contudo, um ponto de consenso entre os estudiosos sobre o comportamento do brasileiro. Concordam em que, diante das dificuldades a

serem enfrentadas, a forma de explicitar todas as características básicas que lhe foram e são atribuídas é o famoso “jeitinho”. Surge em situações inesperadas e, às vezes difíceis, como a palavra-chave, o “abre-te Sésamo”, a que recorremos.

Isso porque o "jeitinho" é a expressão do caráter improvisador, distante de normas rígidas, do puro formalismo que aceitamos e cultivamos em respeito à lei,

ao direito e aos valores básicos da vida pessoal, familiar e social. Ele tem um lado bom, que é a criatividade, a maleabilidade, a capacidade de improvisação que faz a diferença em momentos difíceis entre o brasileiro e o nacional de outro país. O

“jogo de cintura”. De outro, o chamado “malandro” tornou-se conhecido como o grande manejador do “jeitinho”, uma tática de sobrevivência usada ainda por boa

parte de brasileiros nas grandes metrópoles até hoje, por que a sua sociedade tem um lado informal, caótico, que convive com a anomia e a violência. No dia a dia, porém, o "jeitinho" é uma instituição nacional e já adquire reconhecimento no

exterior.

Na Universidade de Linkoping, Suécia, foi descoberto que o “jeitinho” brasileiro é a maneira mais cômoda de o nosso trabalhador mostrar sua

preocupação com a qualidade. Coube ao Inmetro divulgar o trabalho no Brasil, onde está afirmado que apenas os suecos nos superam na busca de qualidade,

com maior presença na aquisição do ISO 9000, que representa o melhor índice. Para os pesquisadores, o “jeitinho” brasileiro é o “responsável pela qualidade e avidez com que os trabalhadores atacam os problemas e pela capacidade de

assimilar novas práticas”.

Sem dúvida, tanto a nível individual como coletivo, o comportamento

do brasileiro tem-se modificado muito nas últimas décadas, graças à educação, formal e técnico-profissional, num esforço contínuo de preparação das novas gerações para a modernidade, qualificando-se para a competição no mercado de

trabalho e o exercício da cidadania numa sociedade exigente, onde o conhecimento é fator decisivo para o sucesso.

No livro “Aspirações Nacionais: Interpretação Histórico-Política”

(Rodrigues, J.H. 4a. edição, Cia. Brasileira, Rio, 1978 – 64/65) - o historiador relaciona características positivas tradicionais e positivas atuais do brasileiro,

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com o objetivo de fixar o sentido da evolução por ele encontrada, o que também coincide com o que expusemos ao longo deste trabalho, com base na opinião de

vários autores que trataram do mesmo assunto no Brasil. Dentre as características positivas atuais, foram listadas as seguintes:

- Tendência generalizada ao otimismo e audácia intelectual e de ação, que incentivam o espírito de iniciativa e de empreendimento, antes quase inexistentes;

- Amor ao trabalho como forma de valorização pessoal e da atividade econômica, antes desprezada;

- Estímulo ao capitalismo, à racionalização do trabalho e à superação do passado colonial;

- Desejo de emancipação econômica e de progresso social. O desejo

de reformar as instituições sociais é muito poderoso, e a tomada de consciência das possibilidades geográficas e da herança histórica é muito forte. Conseqüentemente, a antiga aversão à

mudança e ao progresso está desaparecendo.

- O sistema fixo hierarquizado de classes sócio-econômicas,

dominantes nas zonas rurais, está desaparecendo;

- Crença na fortuna organicamente ganha e no sentido da destinação social do dinheiro, ao contrário do amor ao jogo e ao

enriquecimento fácil e rápido tão comuns na sociedade colonial e imperial. Exemplo curioso das mais recentes modificações na

mentalidade da juventude é a sedução pela atividade comercial e industrial e técnico-científica, ao invés da caça ao cartório, ou ao emprego público;

- O nacionalismo que defende é uma forma de lealdade às aspirações e interesses nacionais; pode ter havido inconfidências à Coroa portuguesa, mas não pode haver inconfidências ao Brasil;

- indignação moral da classe média, enquanto revela inconformismo com as mazelas e os erros da vida pública

nacional.

8.4 Os vários "brasís" e a unidade nacional

De tudo o que vimos sobre as características psicológicas mais gerais e básicas do brasileiro, tanto as que predominaram numa sociedade tradicional como as que despontaram e se afirmam na modernidade atual, não há dúvidas

que existem diferenças físicas, psicológicas e culturais notórias entre os habitantes das diversas regiões desse imenso país-continente, as quais vão se enriquecendo ao longo do tempo. Muitos fatores contribuíram para isso. Não foi

somente em razão do intenso cruzamento entre as várias etnias da nossa população, como a geografia, o clima, as condições de vida e do trabalho que

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produziram um crescimento assimétrico e criaram os vários "brasis" integrados em uma pátria comum.

O censo de 2000, feito pelo IBGE, revela que a população brasileira,

sem levar em conta as regiões político-administrativas em que se divide o país, é

de 169.600 milhões de habitantes, distribuídos em cinco classificações, por raça

ou cor, nos seguintes percentuais: brancos: 54,0%; pretos: 5,4%; pardos: 39,9%;

amarela: 0,5%; indígenas: 0,2. Idioma: português (oficial). Religião: cristianismo

(católicos 71%, outros 10%) espiritismo, judaísmos, cultos afro-brasileiros.

População urbana: 81%. Os números acima sugerem ao observador atento a

existência de algumas tendências marcantes na sociedade brasileira nas últimas

décadas, que devem ser consideradas. Exemplificando: a nossa população está

embranquecendo celeremente e, acrescida dos demais contingentes humanos e

culturais que vieram para aqui, compõe uma mistura étnica singular e diferente

nos tempos modernos, de características básicas trans-raciais e trans-culturais,

consoante previu o eminente antropólogo patrício Gilberto Freyre.

Sem embargo da importância desse fato e do esforço efetuado na

manutenção das fontes originárias da nossa diversidade étnica, predomina na

formação do caráter e da psicologia do brasileiro os valores da civilização

ocidental assimilados e desenvolvidos em nosso país.

Noutras palavras, é esse também o entendimento expresso pelo eminente professor e antropólogo Darcy Ribeiro, no livro “O Povo Brasileiro”, ao

afirmar que a nossa etnia, desde a sua forma embrionária, no período de colonização, multiplicou-se e difundiu-se em vários núcleos - primeiro ao longo da costa atlântica, depois transbordando-se para os sertões interiores ou subindo

pelos afluentes dos grandes rios - é que iria modelar a vida social e cultural das “ilhas-Brasil”. E como forma de ajustamento às condições locais, cada uma dessas “ilhas-Brasil” desenvolveu maneiras peculiares, tanto ecológicas quanto de

tipos de produção, “mas permanecendo sempre, como um renovo genésico e cultural da mesma matriz”.

Da diversidade geográfica, de clima, de trabalho, de produção, de rendimento e do modo de viver nessas “ilhas-Brasil”, originaram-se os vários tipos da nossa cultura, a saber: a crioula que se desenvolveu nas comunidades

da faixa de terras frescas e férteis do Nordeste, tendo como instituição coordenadora fundamental o engenho açucareiro; o caipira da população das

áreas das atividades da preia de índios para a venda, depois, da mineração de café e a industrialização. A cultura do Brasil sertanejo, que se difunde através dos currais de gado, desde o Nordeste árido até os cerrados do Centro-Oeste. A

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cultura do Brasil caboclo das populações da Amazônia e pela cultura gaúcha do pastoreio nas Campinas do Sul e suas variantes; a matuto-açoriana (muito

parecida com a caipira) e a gringo-caipira das áreas colonizadas por imigrantes, predominantemente alemães, italianos, poloneses e outros. (Ribeiro, Darcy, “O Povo Brasileiro”, op. cit. págs.269 e 405)

As diversidades locais, que apenas enriquecem as fontes regionais da cultura em que se originaram, são notórias e põem em relevo os seus traços distintivos, tanto no aspecto físico, como na psicologia e no comportamento dos

brasileiros espalhados por este imenso país, acentuando particularidades e idiossincrasias numa rica e multiforme combinação dos elementos que

contribuem para a formação da unidade nacional, como é fácil de ver: entre os habitantes das regiões sul e sudeste e do norte e nordeste; das áreas litorâneas e os dos sertões e cerrados; dos centros urbanos e os das zonas rurais e,

especificamente, entre o carioca e o paulistano; o mineiro e o gaúcho; o baiano e o amazonense; o pernambucano e o brasiliense; o piauiense e o goiano; o cearense e o mato-grossense; o maranhense e o acreano, e assim por diante.

Daí concluir-se, como já o fizera Euclides da Cunha, que “não há um tipo antropológico brasileiro, pois a formação brasileira do Norte é muito diversa

da do Sul”. Ao fator antropológico e genético, somaram-se outros, como: a geografia, o clima, o solo, as condições de trabalho e de vida, a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia de âmbito regional e nacional.

De outra parte, as diferenças geradas por motivos étnicos, do aprendizado e do acesso às tecnologias de ponta, contribuem, poderosamente,

para o processo de modernização em curso, acentuando, cada vez mais, o caráter pluralista e democrático da moderna sociedade brasileira. E agora, mais do que nunca em face ao fenômeno mundial da globalização, com tudo de bom e de mau

que o acompanha, é necessário e urgente que sejam revigorados os elementos de sustentação da unidade nacional, como a língua, a religião, a tradição, o passado histórico e os projetos para o futuro, a educação, a música e a indústria do

entretenimento, dentre outras formas de afirmação cultural, como medidas preventivas contra a ação predatória das forças hegemônicas mundiais que põem

em risco a nossa identidade nacional.

Pois, não há dúvida de que, a despeito das adversidades, existe, difuso no meio do povo, um forte sentimento de brasilidade, de nacionalismo

saudável, porque isento de manifestações xenófobas, característico de uma nação jovem, progressista, em busca de afirmação e da modernidade, onde o povo é de

índole pacífica, temperamento alegre, otimista, trabalhador, honesto, hospitaleiro, com a auto-estima em alta e confiante no futuro do país. Um povo que, apesar de ter consciência das grandes desigualdades existentes a nível pessoal e regional,

encara com sobranceria o desafio de superá-las no menor espaço de tempo possível, a fim de propiciar a cada brasileiro um padrão de vida decente para si e seus familiares, assim como às futuras gerações, contribuindo dessa forma para

a melhoria das condições de vida em todas as partes do mundo.

8.5 O quê o brasileiro pensa que é

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Até algum tempo atrás, corriam duas versões, ambas de fundo

pessimista, sobre o brasileiro. Uma, era o daquele povo que foi considerado folgado, dono do famoso "jeitinho" de viver, sendo essa imagem a ele atribuída pelos que escreveram ou fizeram canções sobre o brasileiro, assim como pelos

que vinham de férias ao Rio de Janeiro, terra de Carmem Miranda e Zé Carioca. O próprio brasileiro, quando brincava a respeito dele mesmo, recorria a esses traços de caráter. Segundo outra mitologia, o Brasil era o país do futuro, que

nunca chegava, e o brasileiro se transformou num deprimido, envergonhado do seu país, na década de 80 e no princípio dos anos 90. Isso seria resultado da pior

inflação de todos os tempos, da recessão econômica profunda e do caos político que marcaram esses anos. Centenas de milhares de brasileiros perderam as esperanças de progredir aqui e foram procurar trabalho em outros países,

principalmente nos Estados Unidos, Japão e Portugal.

A pedido da revista Veja, de São Paulo, o Instituto Vox Populi fez uma extensa investigação sobre como o brasileiro se enxerga e como vê o Brasil. Para

isso, o Vox Populi entrevistou 2.000 pessoas em 25 Estados. Elas foram selecionadas de acordo com critérios de idade, sexo e renda familiar, de maneira

a espelhar com exatidão a sociedade brasileira.

Até que ponto os resultados de uma pesquisa de opinião pública feita por órgão especializado, servindo-se de metodologia científica rigorosa, reflete em

números, com pequena margem de erro, a visão do universo pesquisado naquele momento, é matéria sobre a qual não existem dúvidas. Revelam fatos que podem

ser interpretados e valorizados pelos que deles se servem, com as cautelas devidas, é claro.

Os resultados da pesquisa realizada pela Vox Populi são

surpreendentes. Descobriu que os valores da sociedade brasileira se encontram em rápida transformação. Os seus resultados foram coordenados com competência por Ricardo Grinbaum, e publicados na edição nº 1.426, em 1997,

do prestigioso hebdomadário Veja, aqui reproduzidos.

Aquele povo que um dia se considerou folgado e enalteceu a

malandragem (no bom sentido) como uma de suas qualidades, agora elegeu o trabalho e o esforço como suas características principais. O brasileiro se acha mais esforçado e trabalhador do que o alemão, o japonês e o americano.

Considera-se sério e digno de confiança. Todos sabem que não é fácil viver no Brasil e que os últimos tempos têm sido ásperos. Mas, pesquisado naquele

momento, o brasileiro revelou um otimismo do qual não se suspeitava. A maioria (79%) não gostaria de viver em outro país, se orgulha de ser brasileiro e acredita que o Brasil vai se transformar numa grande potência. É um sonho antigo que

não foi derrotado nem pelos políticos, empresários ou sindicalistas, apontados pela pesquisa como não sendo gente de boa qualidade. Os sindicatos ficam em penúltimo lugar sobre as categorias cuja confiabilidade foi avaliada pelos

brasileiros durante as pesquisas. Os deputados ficam em último.

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O brasileiro, segundo ele mesmo, “é um povo trabalhador, esforçado, sério, honesto, hospitaleiro, confiável, solidário, orgulhoso e otimista acerca do

futuro do país”.

Com respeito ao item - trabalhador, apontado na pesquisa como a principal virtude da nossa gente, registre-se que o trabalha já foi visto no Brasil

como uma ocupação para pobretões. Pois uma herança do nosso passado reinol e do regime de trabalho escravo existente no país, até a Abolição da Escravatura, em 1888, conferia prestígio viver de rendas ou exercer o ócio bem remunerado

numa sinecura qualquer, em empresa da família ou na repartição pública. A dona de casa da classe média achava ótimo não ter emprego, desde que

assessorada pela cozinheira e pela babá. Esse modelo perdeu completamente o prestígio social. A que passa o dia no lar já não gosta desta condição. Os marajás do funcionalismo se escondem da opinião pública. Toda socialite arruma uma

ocupação que, por mais supérflua que seja, lhe dá o direito de dizer que trabalha. "O trabalho agora é uma questão de ética. Hoje em dia é feio não trabalhar", diz à

Veja, Maria Lydia Quartim de Morais, socióloga da Unicamp, ouvida pelos pesquisadores.

O brasileiro elege o trabalho como sua característica definidora e

admira as pessoas que saem do nada e ficam ricas por mérito próprio. Porém, nos momentos de folga e ocasiões festivas, em comemoração de grandes datas, toma

parte de reuniões coletivas para uma festa de música, muitos fogos e pouca violência que dificilmente aconteceria em outro país. Segundo ele mesmo "o brasileiro continua alegre, divertido, cordial e principalmente festeiro”.

Vê-se, através da pesquisa, que o brasileiro hoje está mais crítico a respeito de seu país e das elites que o dirigem. “A abertura democrática é um perigo para a elite. Essa pesquisa mostra que as pessoas estão discutindo os seus

problemas e estão muito lúcidas”, disse o antropólogo e senador Darcy Ribeiro. Percebe-se esse fato quando os entrevistados respondem sobre os motivos de

orgulho ou de vergonha do Brasil.

Como motivo de orgulho, eles apontam as belezas naturais, o clima e os esportes. Nenhuma dessas razões é coisa que tenha sido propiciado por

empresários ou políticos. Na lista dos motivos de vergonha, as pessoas colocam a miséria, a corrupção, os políticos, o desemprego e o abandono do menor.

Para a maioria das pessoas (55%), a família ainda é a melhor coisa da

vida. Mas elas julgam que a família está perdendo importância. Os laços já não são potentes para sustentar economicamente as pessoas. A família também não

forma mais o núcleo coeso de antigamente. A mulher trabalha fora, já não depende tanto do salário do marido e ficou mais independente. Num país onde ficou mais difícil ganhar a vida, os filhos estão partindo para a competição mais

cedo e também ganham independência.

Na pesquisa do Vox Populi, a população emitiu um recado, segundo o

seu organizador, repórter Ricardo Grinbaum. "Ela está num processo de auto-crítica dirigido a seus defeitos, quer mudar e prosperar num país mais justo. Será

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bom que aqueles que comandam o país, dirigem empresas e fazem leis tomem a sério essa aspiração. Assim o Brasil ficará melhor para todos".

Não foi outra a opinião do brasileiro à véspera dos 500 anos do descobrimento do país, revelada em pesquisa coordenada por Örian Osén, Ph.d em comunicação política pela Syracuse University de Nova Iorque, publicada pela

Revista Época, número 53, de 24/05/1999. Nas respostas dadas ao questionário feito, o povo pareceu mais bem comportado do que indica a vida real.

O auto-retrato desenhado pela pesquisa exibe um tipo alegre,

confiável, generoso, trabalhador, honesto, criativo, pacífico, responsável, democrata, tolerante, sensível e solidário.

Se esse auto-retrato é verás, certos personagens de ficção identificados com características nacionais estão prestes a aposentar-se. O brasileiro não é indolente, como o Jeca-Tatú de Monteiro Lobato, nem preguiçoso

como Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de Andrade. Não se diverte metendo meio mundo em enrascadas, como o “Amigo da Onça” de Péricles.

Um país habitado por tipos assim tão qualificados consoante a

mitologia popular não deveria estar freqüentando há muitos anos o clube do Primeiro Mundo? Isso ainda não ocorreu, explica a pesquisa, por que o político

brasileiro é exatamente o contrário do eleitor. Os pais da Pátria são incompetentes, preguiçosos, frios, autoritários e não raro, desonestos. Como também são expertos (85%), sobram motivos para parecer alegres (85%). Por que

não eleger figuras com perfil mais atraente? Por que o brasileiro não gosta de política nem de políticos. E acha que, apesar deles, as coisas haverão de

melhorar.

Haverão de melhorar por que acredita ser este o destino de um povo que tem muitas qualidades positivas e não se deixa abater com as dificuldades da

vida de hoje no país. E mais: um povo de espírito leve e criativo e que inventa piadas a respeito de tudo, que batiza amigos e desafetos com apelidos igualmente corrosivos. Que transforma tragédia em tema de samba-enredo ou tudo acaba em

“pizza com sobremesa de marmelada”. Que aposenta ídolos sem qualquer constrangimento e ao mesmo tempo, promove a sagração dos seus reis no futebol

e na música (e eterniza a glória Pelé e Roberto Carlos).Que procura, em essência, ser feliz, e que para sê-lo não pede muito.

Embora reconheçam que atualmente há mais razões para o medo do

que para a esperança, os brasileiros continuam orgulhosos do país.

A pesquisa mostra claramente que não é fácil a população exercer tal

amor, expresso no orgulho de ser brasileiro, num dia a dia marcado pelo medo da violência nas grandes cidades e pela dificuldade de conseguir e até mesmo, manter um emprego nestes tempos de economia globalizada.

Pior do que o desemprego real é a percepção das pessoas de que não estão preparadas para as exigências crescentes do mercado de trabalho e, conseqüentemente, dos riscos que correm de vir a engrossar as fileiras de

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desempregados ou, quando muito, de subempregados. Como a preocupação é extensiva aos filhos, entende-se o temor com que boa parte dos entrevistados

encara o futuro, embora uma boa maioria ache que o brasileiro está ficando mais criativo e mais competente. Infelizmente, pelo confronto de respostas entende-se ainda não em nível suficiente para atender às exigências profissionais crescentes

da economia globalizada. Não é difícil compreender por que, tão feliz e orgulhoso de um lado, o brasileiro ande tão inseguro e preocupado de outro.

Consoante os dados pesquisados, pode parecer implicância e de fato

é, mas o povo constantemente tem suas razões para demonstrar insatisfação com seus representares no poder. A renitente reprovação nacional dos políticos é

sublinhada pelos 56% que não encontram em quem votar quando lhes é perguntado que brasileiro tem condições de liderar o Brasil de hoje. Como demonstração de que a política nem sempre causou tanta aversão, a lembrança

destacada de dois presidentes muito caros aos brasileiros - Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, governantes identificados com as conquistas sociais e o desenvolvimento econômico. "Nossas preocupações estão basicamente na faixa de

sobrevivência e, por isso, os brasileiros desenvolveram uma ética particular, identificando na corrupção um obstáculo ao atendimento das necessidades

elementares", relembra Örian Olsén ao situar no passado a satisfação do mais atual desejo nacional: "no fundo o que existe hoje é um enorme vácuo de liderança". Ou seja: "não se consegue perceber para onde o Brasil vai nem quem

pode levar o Brasil a alguma parte".

8.6 Como somos vistos no exterior

O nosso país sempre foi objeto da curiosidade e de estudos por parte dos estrangeiros que nos visitaram, desde a época do Descobrimento. A terra, com sua exuberância, riquezas e exotismo, a flora, a fauna e a própria natureza

nos trópicos, diferente e ensolarada, atraia a atenção de todos que a conheciam, dado as imensas potencialidades que apresentava como promessa de um futuro

radioso. De par com os recursos naturais, o homem brasileiro, síntese do caldeamento de três raças e de culturas diferentes, tornou-se o fator principal de uma experiência antropológica única de fusão multi-étnica e multi-cultural

destinada à criação de uma nova civilização na região tropical e subtropical do planeta Terra.

Esses elementos da nossa formação histórica e cultural têm sido estudados e interpretados também por visitantes ilustres, muitos deles ciosos de suas conclusões e certezas anunciadas. Enquanto isso, a dinâmica da vida

seguia o seu curso natural adiante, indiferente à catalogação dos defeitos e das virtudes que foram apontados sobre o país, os seus habitantes e sua destinação histórica.

Nos dias atuais, existem, de um lado, os turistas em férias que nos visitam em busca das belas e ensolaradas praias do imenso litoral brasileiro,

cheias de gente bonita, alegre, receptiva e hospitaleira, preocupando-os somente a violência possível nas ruas e a pobreza das favelas, onde elas existem. De outro, os altos executivos de empresas multinacionais e os agentes do mundo financeiro

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internacional, sempre exibindo tecnologia info-way de ponta, armam cenários e fazem prognósticos tendo como centro o seu interesse e os passam ao mundo dos

negócios.

Porém, a importância do Brasil para a economia regional e mundial tornou-se evidente, não somente com a privatização de empresas públicas e

privadas nacionais, como na crise financeira que envolveu os países do sudeste asiático, depois a Rússia, e ameaçou o Brasil como sendo o próximo a sofrer a fuga do capital especulativo mundial aqui aplicado. Em dois meses apenas, mais

de 30 bilhões de dólares das reservas de 72 bilhões possuídas pelo país foram gastas para manter a estabilidade da nossa moeda - o real, face à evasão de

capitais provocada pelos investidores internacionais. Salvar o Brasil, foi uma questão de honra para o então Diretor gerente do FMI, Michel Camdessus, o que devolveria a confiança ao sistema financeiro internacional vitimado pela ação

predatória do capital especulativo do mundo globalizado.

O próprio presidente Clinton fez lobby no Congresso americano e

entre os empresários dos Estados Unidos, para aprovar a utilização de 5 bilhões de dólares do contribuinte, juntamente com os países do G-7, na formação do pacote de 41,5 bilhões que deveria proteger a economia brasileira do colapso.

O presidente Clinton justificou sua atitude em discurso feito, dizendo: “o fortalecimento do Brasil significa a manutenção de muitos empregos

nos Estados Unidos”. Acrescentando que a crise fora controlada na América Latina, fato que impediria o contágio da economia norte-americana.

“Podemos não ter garantias, mas acreditamos que esta é a melhor

saída para o povo brasileiro e para o bem-estar econômico dos americanos”, completou Robert Rubin, Secretário do Tesouro americano.

Infelizmente, poucos anos depois, repetia-se outra crise cambial no

país, ameaçando a nossa economia com a desvalorização do real, em julho de 2002. Tal fato levou o Governo a solicitar novo empréstimo ao FMI a fim de evitar

a “quebra” do sistema financeiro nacional, como aconteceu na Argentina, Uruguai e Paraguai, o que traria graves conseqüências para o sistema financeiro internacional e, em especial, para a economia dos Estados Unidos e alguns países

da Europa, grandes investidores em empresas sediadas no Brasil.

Não é diferente a opinião dos argentinos sobre os brasileiros. Apesar dos descompassos comerciais e desportivos, o interesse dos argentinos pelo

Brasil é indiscutível. O fato está empiricamente demonstrado em trabalho feito por um dos institutos de pesquisa de opinião pública de maior credibilidade no

Prata, o Móra y Araújo Associados.

A população em geral e um nicho específico da sociedade, os dirigentes empresariais, foram consultados sobre que imagem fazem dos

brasileiros, e seus desdobramentos nas relações entre os dois países. Segundo Manuel Móra y Araújo, diretor geral do instituto, o resultado da pesquisa não

deixa dúvidas: "Os brasileiros têm uma imagem excepcionalmente boa para os argentinos".

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Na pesquisa descobre-se que as belezas naturais, a alegria do povo e a diversidade cultural são as credenciais que os argentinos mais destacam na

identidade brasileira. Para eles, o Brasil tem uma população muito mais diversificada do ponto de vista étnico e, por isso mesmo, muito criativa, oferecendo elementos culturais extremamente atrativos. “O Brasil é um país

vibrante, que encanta os argentinos. Tem um espírito aberto, alegre, que não é muito comum ao nosso povo, mais identificado com a introspecção dos europeus”, lembra o governador da província de Córdoba, José Manuel de La

Sota, ex-embaixador de seu país no Brasil. O perfil tem inevitáveis reflexos no plano geopolítico: sentem-se muito bem em dividir conosco o condomínio

Mercosul. Apesar dos problemas de ajustamentos comerciais, tarifários e outros que são enfrentados, os dois paises e seus governantes compartilham de uma visão de mundo semelhante, o que é importante para ambos os lados.

Como somos vistos na região do Mercosul, ao qual nosso país se integra, pesquisa realizada em 17 países coordenada pelo Instituto Latino-Barômetro, do Chile, publicada pela revista Época, edição nº 1, de 25 de março

de 1998, mostra que uruguaios, paraguaios, chilenos, argentinos, peruanos, colombianos, dentre outros, dizem que o Brasil é o País que mais admiram no

continente. Os hispânicos confiam mais nos brasileiros do que nos americanos. Tal fato pode significar pouco para um país cujo gigantismo leva à crença de uma natural liderança política e econômica na região, mas é um salto enorme do

isolamento a que parecíamos condenados, há 200 anos, pois o Brasil é a única nação de língua portuguesa e de história monárquica em todo o continente.

Dos 17 povos pesquisados na América Latina, os brasileiros foram os únicos a apontar a indústria como a atividade econômica mais importante. Os latino-americanos, mesmo em países com parques industriais modernos como os

da Argentina, do México e da Venezuela, ainda se vêem como economias predominantemente agrárias.

Porém, em todos os países, a má distribuição de rendas ainda

constitui o calcanhar de Aquiles de suas populações, assim como para os governos, enfraquecendo o sistema democrático por nós praticado por sua

incapacidade de resolver os problemas da pobreza na região.

Como participantes da pesquisa, os brasileiros revelam-se preocupados com as desigualdades sociais, o desemprego, o tráfico de drogas e a

violência, Porém, “são de longe os mais otimistas na região. Aqui, 86% se dizem satisfeitos com a vida. Não é sem razão que tantos pais acham que será ainda

melhor a vida de seus filhos e menos brasileiros olham nostálgicos para o passado”.

8.7 A felicidade brasileira

Pesquisa Data Folha, de São Paulo, sobre a “Felicidade brasileira”,

publicada no dia 25 de maio de 1997, caderno Mais, revela que 43% consideram que o Brasil é o país mais feliz do mundo, e que 65% dos brasileiros estão

satisfeitos com a própria vida e com a sua nacionalidade, mas só 23% acham que

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seus conterrâneos são felizes. A política é o que provoca mais insatisfação no brasileiro, que se dizem estar infelizes com a maneira pela qual a questão é

conduzida no país. O presidente da República e o Congresso Nacional são apontados como as instituições que mais podem influenciar a felicidade do país.

Saúde é a primeira idéia associada à vida feliz; assim como a fé

religiosa é tida como fundamental para a felicidade de 24% dos brasileiros, seguindo-se outros itens importantes, como: ter amigos, filhos, realização profissional, casamento, independência econômica, estabilidade financeira, bem-

estar social, liberdade para novas experiências, sobretudo para os mais jovens, e sexo.

Para 97% dos brasileiros consultados nessa pesquisa, a casa própria é o item mais importante para a realização pessoal, contra apenas 1% que considera irrelevante ter sua casa. Em segundo lugar, é necessário ter um plano

de saúde. É importante possuir um telefone, carro, televisão e computador para sua realização pessoal.

Eis o perfil em largos traços do brasileiro, o qual se projeta como um

sonho de futuro.

Sem dúvida, o ponto que mais chama a atenção na pesquisa Data

Folha é o aparente conflito entre as representações individuais e coletivas dos brasileiros. Indaga o Prof. Eduardo Giannetti, economista da USP, a esse propósito, em comentário sobre o resultado da pesquisa: “Como entender o fato

de que a ampla maioria dos brasileiros se julga pessoalmente feliz, quando olha para si, mas, ao mesmo tempo, acredita que a maior parte do nosso povo não é lá

tão feliz, quando olha ao redor de si? Até que ponto é possível conciliar essas duas percepções conflitantes?”.

O ensaísta e psiquiatra Contardo Calligaris, interpreta a pesquisa

Data Folha, nesta parte, de modo bastante construtivo, na medida em que incorpora elementos antigos e modernos, incluídos na formação da cultura e na psicologia do brasileiro ao concluir a sua análise, afirmando: “Em suma,

praticamos duas representações opostas da felicidade: a vida boa e o sucesso”.

“A vida boa, em princípio, é o ideal de felicidade das sociedades

tradicionais e era o ideal da nossa antes da modernidade (embora, como dissemos, continue conosco). Para a vida boa é necessário satisfazer o essencial e cultivar a arte de fazer uma festa tranqüila, com pouca coisa. A técnica da vida

boa é simples e antiga (a filosofia helenística era mestre nela): precisa saber se satisfazer não só realizando nossos desejos, mas também, e sobretudo,

conseguindo desejar um pouco menos”.

“O ideal de sucesso, ao contrário, é um sonho moderno e, a rigor, não tanto uma representação de felicidade quanto o direito (e a obrigação) de correr

atrás dela. Para a modernidade, o que conta é a procura que motiva a mobilidade social; ser insatisfeito é ser moderno”, finaliza.

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De outro lado pode parecer contraditória a resposta à pergunta: “Você acredita que os brasileiros são felizes?”, em que só 23% respondem sim. Mas a

contradição é só aparente, porque surpreendentemente, os entrevistados parecem fazer a distinção correta entre as pessoas e o grupo social: “os brasileiros” não são a mesma coisa que “as pessoas”, no Brasil. Como corpo político, como

coletividade organizada em uma sociedade moderna e, portanto, tomada pelo jogo da mobilidade social, os brasileiros se consideram infelizes, com toda a razão e pertinência.

A pesquisa então parece confirmar a leitura do país feita por Roberto da Matta, referido por Calligaris, seguindo a esteira dos estudos e interpretação

do Brasil dual feita por Jacques Lambert, nestes termos: “Dois universos caminham juntos no Brasil, (embora não de mãos dadas): uma comunidade tradicional que sobrevive a um país liberal pretensamente avançado”. A pesquisa

acrescenta que os brasileiros saberiam fazer a diferença: como coletividade “os brasileiros” não são felizes, mas no Brasil, “as pessoas” são felizes. Da Matta concluiria: “que os restos do Brasil arcaico fazem nossa identidade e nossa

felicidade de boa vida, enquanto a modernidade azucrina a nossa existência”.

Vê-se, pois, que a compreensão do brasileiro a respeito da felicidade

não difere conceitualmente da de outros povos, tanto a nível pessoal quanto como membro da comunidade política. Até porque: ser feliz faz parte de um desejo fortemente arraigado no ser humano. E a busca da felicidade é vista como um

direito fundamental da pessoa humana. Individualmente, respeitados os casos daqueles que, por motivações religiosa ou filosófica, optam por uma vida virtuosa,

solitária, aprendemos que a auto-realização e o sucesso, antes de serem uma dádiva do céu aos eleitos, são conquistas ligadas ao esforço individual e fruto do trabalho perseverante, talento e sorte. É o que ocorre também na política,

conforme sugeriu Maquiavel, em cuja atividade a obtenção do êxito depende “além de engenho e arte, das benesses da fortuna”, em proporções iguais.

Como coletividade humana, não somos diferentes de outros povos.

Como vimos, temos sonhos pessoais de consumo e bem estar, e sonhos de realização e grandeza nacional. A felicidade do brasileiro está na possibilidade

que temos da realização desse sonho, ao construir um Brasil-real mais próspero, forte e justo como fim da vida humana e coletiva. É verdadeiro que, tudo isso passa pela escolha de governantes honestos, competentes, dotados de espírito

público e patriotismo nos níveis da administração, federal, estaduais e municipais, a fim de realizar em futuro próximo um projeto de vida nacional que

traga prosperidade geral e bem estar para todos os habitantes deste abençoado país, sem distinções de qualquer natureza. Daí explicar-se porque o nosso povo, através dos seus representantes no Congresso Nacional, faz profissão de fé em

um Ser Supremo, Criador e Senhor do Universo, ao invocar a proteção de Deus no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil como penhor de confiança na concretização da grande utopia brasileira de progresso, bem estar e

grandeza nacional.

Estas representações de vida, a nível individual e coletivo, não sendo

conflitantes, encontram apoio difuso na comunidade e contribuem para a formação de um novo ethos político e social visando um sonho de futuro desejado

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e necessário para o país, onde todos os brasileiros possam viver bem e se sentirem felizes.

Existem, como são notórias, outras experiências que se realizaram ou se realizam em busca da felicidade, ao longo do tempo e em diferentes lugares. Umas foram mais bem sucedidas, outras menos. Todas válidas como experiência

humana acumulada ao longo da história. Dentre as mais conhecidas, encontram-se as que apoiaram doutrinas ou utopias seculares (existem as religiosas), a saber: a do epicurismo grego, cuja doutrina ensina que o prazer é o sumo bem.

Não o prazer grosseiro, hoje sinônimo das delícias da mesa ou da sensualidade, que traz, como conseqüência, tantos males.

De outro lado, o estoicismo, doutrina criada pelo célebre filósofo grego de nome Zenon, ensina a firmeza, a austeridade, a inflexibilidade moral e constância no infortúnio como princípios morais básicos. Também ensina

que o soberano bem consiste no esforço para chegar à virtude. O resto é indiferente; e, neste ponto de vista, a própria dor não é um mal. O homem sábio é o que realiza o ideal de todas as perfeições, e a sua felicidade não tem limites. Na

prática, os estóicos se esforçam por tornar os homens independentes das circunstâncias exteriores e preconizam, nesse sentido, uma insensibilidade que

se assemelha muitas vezes à dureza. Do ponto de vista ético, apresenta-se superior às idéias socrático-platônico-aristotélicas, pois prega a igualdade natural dos homens, repudiando a desigualdade natural entre eles, até então admitida

pelos filósofos clássicos da Grécia. Ao propagar a igualdade natural entre os homens, o estoicismo antecipou-se ao cristianismo, ao qual coube desfraldar a

bandeira da fraternidade universal.

Nos tempos modernos, a Era das Luzes deu uma nova dimensão à idéia de felicidade, ligada agora a noções como progresso e prosperidade. Os

filósofos do iluminismo europeu consideravam-nas como fim da vida humana individual e coletiva. Os mais radicais entre eles - Diderot, Rousseau, Helvétius e d‟Holbach - fizeram do conceito de felicidade a pedra fundamental de um

epicurismo modernizado e reforçado por uma forte consciência cívica, onde predominava a divisão conceitual entre o público e o privado. Para Karl Marx, o

profeta da felicidade socialista, as reformas liberais jamais conseguiriam conciliar interesses individuais e interesses coletivos, dado o obstáculo das classes sociais. Marx imaginava a felicidade como um estágio histórico a ser alcançado ao fim de

um processo dialético envolvendo o conjunto da sociedade.

Duas versões prestigiosas da noção de felicidade são identificadas

com a modernidade. Uma está relacionada com a frase famosa: “Há que cultivar nosso jardim”, conclusão que Voltaire apõe a seu “Cândido”, nome também do livro, escrito em 1759, quando residia em Ferney, como um fidalgo rural, afastado

do brilho dos salões da Corte francesa e européia. Para Voltaire, o mal que é preciso combater e o bem que deve ser preservado esvaziado de todo significado metafísico, tornam-se realidades sociais. A ética de Voltaire, como em geral a de

seus contemporâneos, é uma ética social. Seus valores são humanitários e a felicidade do indivíduo dentro da sociedade, sua principal preocupação. As

virtudes teologais da fé, esperança e caridade são substituídas pela fé na

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capacidade de o homem resolver os seus próprios problemas, pela esperança de uma sociedade melhor e pelo amor ao semelhante.

Outra versão significativa da idéia do bem comum é a que se encontra na frase: “a busca da felicidade” - “the pursuit of happiness” dos norte-americanos, como um direito fundamental do homem defendido por Thomas

Jefferson, e que passou a fazer parte do texto da Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776. Há os que identificam ai também a formulação do

grande sonho dos Fundadores de construir uma sociedade próspera e feliz, assim como uma explicação para o “american way of life”, de tão extraordinário sucesso em todo o mundo. A importância desse sucesso foi maior porque ele mudou

valores ligados à procura do bem estar individual e coletivo, através dos quais a felicidade aparecia como algo a ser conquistado, não algo que manaria do céu.

Na França, foi intensa a repercussão dessa nova visão humanística da sociedade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, consagrou também a busca de “la bonheur de tous” como um direito do cidadão e,

a partir da Constituição francesa de1793, art. 3, ficou estabelecido que “Le but de la société est la bonheur commun”.

Todas estas formulações fazem parte da busca incessante do homem por melhores condições de vida, tanto como “pessoa” como membro da “comunidade” organizada. Enfim, na condição de “zoon” gregário e ser

essencialmente político, de cuja condição o brasileiro não está ausente, tanto o que faz parte do sistema de previdência pública, como daquele que não faz parte

ou dele não precisa, mas vivencia os seus problemas através da mídia, escrita ou eletrônica, dos programas televisivos e das novelas levadas ao ar pelas Tvs, onde aparecem as grandezas e as misérias de uma sociedade injusta e desigual.

Para os amantes das boas causas defendidas pelas gerações passadas e presentes, e de militantes na vida pública do país, acolhemos a lição

do consagrado mestre e filósofo grego, Aristóteles, quando, nos capítulos iniciais da obra “Ética a Nicômano”, equiparou o termo “política” a um assunto único - a ciência da felicidade humana. Para ele, a meta da “política”, “é descobrir primeiro

a maneira que leva à felicidade humana, e depois, a forma de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver”.

Sem dúvida, essa visão do papel regulador a ser desempenhado pelo

Estado não briga com a modernidade em que vivemos. Ao contrário disso. Tem antecedentes históricos importantes e de grande sucesso em nosso tempo.

Bastaria citar o exemplo de Thomas Jefferson, reverenciado como um dos Fundadores dos Estados Unidos da América, quando escreveu: “O fim do governo é proteger os direitos naturais e promover a felicidade do povo, o que pode ser

traduzido como um direito fundamental do cidadão ao gozo de um padrão de vida digno e decente, para si e seus familiares, em todas as partes do mundo”.

9. Governo – Breves notas sobre as formas de governo

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Na teoria política, entende-se por Governo o poder do Estado em ação, no desempenho das suas funções de natureza política, administrativas e de

relações exteriores. E governantes, aquelas pessoas que exercem funções de mando na sociedade. Existem, nos meios acadêmicos, outras conceituações de governo, é claro.

Desde a antiguidade grega, a noção de governante era associada à idéia de timoneiro, atividade de grande importância para a qual exigia-se conhecimento específico e perícia na condução da nau no rumo certo a um bom

destino. Para o comum do povo em nossos dias, no entanto, as palavras governo e governante estão associadas à lei e à ordem pública no Estado de Direito e com

elas se identificam pessoas que têm o poder de mando na sociedade, e são autoridades. Em conseqüência, as suas diretrizes devem ser obedecidas. Exemplo: o policial, o guarda de trânsito, o delegado, o coletor, o juiz, o prefeito, o

governador, o presidente da República.

Daí surgirem duas esferas de atuação no meio social – a pública e a privada –, as quais, embora sejam distintas, inter-relacionam-se no interior das

comunidades organizadas, a saber: a dos governantes, formada por aqueles que se dedicam à gerencia ou condução dos negócios públicos, e a dos governados,

constituída pelos que desenvolvem atividades particulares ou privadas, com suas relações econômicas e sociais. A distinção entre a sociedade política, regulada pelo direito público (que se aplica a desiguais) e a sociedade de pessoas

singulares, regulada pelo direito privado (que se aplica a iguais), num mesmo espaço territorial, é essencial para a compreensão da importância do papel do

Estado e do Governo, não só por ser um espaço público onde são articulados, debatidos e recompostos os interesses divergentes de pessoas e grupos sociais, como instrumento político criado para disciplinar essas atividades visando o bem

comum das comunidades humanas.

Coube ao filosofo Jean Bodin (1530/96), em monumental texto de reflexão e sabedoria política intitulado “De la République”, escrito no inicio da

formação do Estado-nação moderno, num período histórico em que sua pátria, a França, corria sérios riscos de guerra interna por motivos de graves dissensões de

caráter religioso e político, demonstrar a necessidade da criação e organização de um ente público representativo da vontade popular, forte e investido de um poder supremo, soberano – summa potestas – capaz de manter a ordem interna,

promover o progresso e assegurar a paz com outros Estados.

Desde então, o conceito de soberania integrou-se como um atributo

inseparável da personalidade jurídica do Estado-nação, interna e externamente, o qual, mesmo em um mundo interdependente e em marcha para a globalização como o em que vivemos, não pode ser deixado de lado como algo ultrapassado e

desnecessário, ou como um assunto “remoto, filosófico ou esotérico”, conforme advertiu com propriedade, em um outro contexto histórico, o escritor e diplomata

norte-americano Adolfo Berle Junior, na sua obra intitulada “O Poder”.

Isto porque, diferentemente das outras formas de poder conhecidas e atuantes tradicionalmente nas sociedades humanas, como: o poder econômico,

industrial, militar, científico e tecnológico, religioso, dentre outros, cada um deles

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atuando com grande visibilidade na vida internacional, existem, atualmente, outras formas de poder que se apresentam com impressionante desenvoltura e

eficácia dominadora, a saber: a da mídia, impressa e eletrônica, a financeira, a info high-tech, o sindical, o da opinião pública interna e internacional, o das celebridades, etc, cujas formas de poder praticamente decidem os destinos das

pessoas e das nações no mundo, conforme o demonstraram dois grandes pensadores nas suas reflexões sobre o poder, as mais antigas formas de poder

estudadas magistralmente pelo filósofo inglês, Bertrand Russell, no livro “O Poder”, publicado em 1939, e as mais recentes, foram investigadas e analisadas pelo renomado economista e cientista social, J.K. Galbraith, na obra intitulada

“Anatomia do Poder” (ed. Pioneira, SP, 1989).

Como se evidenciará, a todas essas formas e manifestações abrangentes de poder, sobrepõe-se o poder soberano do Estado, como a mais

significativa e importante representação da polis = da comunidade, no exercício das suas competências constitucionais e legais reguladoras das atividades

sociais, nos setores privado e público da vida em sociedade. Porém, o Estado de que se cogita aqui não exerce um poder “nú e crú”. Mas, sim, em razão do monopólio da coerção legal organizada para obter obediência dos cidadãos às

suas diretrizes. Em razão disso, o monopólio do uso da força é a principal característica do Estado democrático moderno, de acordo com a conceituação de

Max Weber. Ou seja: o poder de decidir em última instância e se fazer obedecido, atuando em três níveis: o jurídico, o político e o sociológico.

No nível jurídico, atua mediante a afirmação do conceito de soberania,

confiada ao Estado o monopólio da produção de normas jurídicas, de forma a não existir direito algum acima do Estado que possa limitar sua vontade; o Estado

adquire, pois, o poder para determinar, mediante leis, o comportamento dos súditos; no nível político, o Estado moderno representa e centraliza o poder institucionalizado, para a consecução de determinados fins sociais; no nível

sociológico, o Estado representa como órgão administrativo, uma maquina que deve atuar de maneira racional e eficiente com vista a um determinado objetivo socialmente desejado.

Daí porque, a organização de estruturas administrativas adequadas para o exercício do poder político pelos governantes constitui matéria da maior

importância para a ciência política na aferição da eficácia dos sistemas políticos, tanto os atuais quanto os antigos, dos quais herdamos um passado rico em experiências com a implantação de instituições políticas nos diferentes países do

mundo, inclusive no Brasil.

A esse propósito, duas obras consagradas dentre outras que poderiam ser citadas, oferecem-nos elementos indispensáveis a uma avaliação

segura dessa temática. Em primeiro lugar, referimo-nos a Norberto Bobbio, renomado jurista e cientista político italiano, autor de primoroso estudo sobre a

“Teoria das Formas de Governo” (ed. Unb, Brasília, 1975), no qual realizou notável trabalho de pesquisa e análise das idéias e princípios expostos por alguns dos mais importantes pensadores políticos, entre os antigos e os modernos, que

tiveram influência marcante na Europa e em outros países do Mundo Ocidental.

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Em segundo, e não menos importante, vem a obra de autoria dos cientistas políticos norte-americanos, Gabriel A. Almond & James S. Coleman,

intitulada “A Política das Áreas em Desenvolvimento” (Liv. Freitas Bastos, 1979), na qual, utilizando metodologia objetiva, foram investigados e estudados os elementos constitutivos dos Estados nos países em desenvolvimento, como:

território, povo, governo, clima, raça, língua, religião, partidos políticos, cultura e história dos povos situados no sudeste da Ásia, sul da Ásia, África Subsaariana, Oriente Próximo, Sudoeste da Ásia, Nordeste da África e América Latina. Nos seus

estudos, buscavam respostas às seguintes indagações: “quais são as propriedades comuns a todos os sistemas políticos? O que faz o bando Bergdama

e o Reino Unido membros do mesmo universo?”

Mergulharam fundo na procura de dados e informações colhidos para estudo. Concluídas as pesquisas, verificaram: “primeiro, todos os sistemas

políticos, mesmo os mais simples, têm estrutura política. Segundo, as mesmas funções são exercidas em todos os sistemas políticos, mesmo quando tais funções possam ser operadas com diferentes freqüências e por diferentes espécies de

estruturas. Terceiro, toda estrutura política, por mais especializada, seja nas sociedades primitivas, seja nas modernas, é multifuncional. Quarto, todos os

sistemas políticos são mistos no sentido cultural. Não existem culturas e estruturas exclusivamente modernas, no sentido de racionalidade, nem totalmente primitivas, no sentido da tradicionalidade. Eles diferem no predomínio

relativo de um em relação ao outro e no modo de mistura desses dois componentes”. (op. cit. p.20).

Voltemos, contudo, às formas de governo. Como é sabido, a teoria clássica das formas de governo foi exposta por Aristóteles (384-322 a.C.) na Política, após estudar as constituições de 148 cidades-estados gregas existentes

em seu tempo. Para o sábio Aristóteles, Constituição – por ele denominada politéia – e Governo, eram a mesma coisa. E como o Governo é o poder soberano

da Cidade, é necessário que esse poder soberano seja exercido por um só (monarquia), por poucos (aristocracia) ou por muitos (democracia). A estas formas chamadas por Aristóteles “formas retas de Governo” correspondiam as formas

degeneradas, a saber: tirania, oligarquia e demagogia.

A forma utilizada por Aristóteles para distinguir entre um bom e um mau governo combina simultaneamente dois critérios fundamentais – quem

governa, como governa. Ao contrario de Platão, para quem todas as formas de governo eram más, porque usavam a força contra os cidadãos no exercício do

poder de mando, Aristóteles, de modo simples e direto, propôs que o interesse comum e o interesse pessoal deveria ser o critério básico para a distinção entre as formas boas e más do Governo. E, ao concluir, afirmou: “as formas boas são

aquelas em que os governantes visam o interesse comum; más, são aquelas em que os governantes têm em vista o interesse próprio”.

De acordo com o critério estabelecido por Aristóteles, não era preciso dizer mais para identificar entre as diversas formas de governo existentes, as que seriam boas ou más. A tipologia das formas de governo proposta por Aristóteles,

enfatiza Noberto Bobbio, foi repetida durante séculos por pensadores políticos sem variações sensíveis, até Maquiavel (1469-1527).

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Maquiavel foi historiador e político em Florença, Itália, e após presenciar a divisão e o enfraquecimento do seu país, dedicou-se ao estudo da

história antiga e do seu tempo, o que o incentivou a produzir uma obra de pensamento político de extraordinário sucesso, depois de cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio que lhe foi imposto. Ate então, a teoria do Estado e

da sociedade não ultrapassava os limites da especulação filosófica, pois o estudo desses assuntos vinculava-se à moral e constituía-se como teoria de organização política e social. Era o que se identificava em obras de seus antecessores: Tomás

de Aquino (1225-1274), Dante Aligghieri (1265-1321). Da mesma forma, ocorreu com um seu contemporâneo, Thomas Morus (1478-1535) na sua Utopia, a qual

tinha como base um humanismo abstrato na construção de um modelo ideal do bom governante de uma sociedade justa, como já o fizera antes dele Platão, na República.

Em Maquiavel, o objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado. Daí

porque, o poder e a forma do seu exercício tivessem tão grande importância nas suas reflexões, quando no livro “O Príncipe”, Maquiavel afirmou: “todos os

Estados, todos os domínios que tem havido e há sobre os homens, foram e são republicas ou principados (monarquias)”. Maquiavel não se preocupou, porém, em estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações

políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem, como ocorrera antes dele com o Império Romano. Esse exame que se tem como puramente empírico,

depende, contudo, de duas coordenadas teóricas básicas: uma filosofia da história e uma explicação da psicologia humana. Dessa forma, o desdobramento cíclico permanece, para Maquiavel, como já o fizera o historiador Políbio, o

quadro teórico básico da interpretação da história, enquanto ciência. Ao desdobramento cíclico da história, junta-se um outro nível de determinações compreendidas por Maquiavel sobre a denominação geral e clássica de fortuna, que faz dupla com a virtú.

Para Maquiavel, no entanto, o que se consegue realizar não depende

nem só da virtú = (mérito) nem só da fortuna = (o curso dos acontecimentos que não dependem da vontade humana); quer dizer: nem só da capacidade pessoal

nem apenas do favor das circunstancias, mas de ambos os fatores, em partes iguais.

Sem dúvida, um dos resultados mais duradouros das meditações de

Maquiavel é um pequeno e precioso livro, “O Príncipe”, que contém ensinamentos de como conquistar Estados e conservá-los sob domínio. Em síntese: um manual

para governantes.

Depois de Maquiavel, a mais extraordinária contribuição à doutrina do Estado e do direito constitucional foi a de Montesquieu (1689- 1755), autor do

livro “O Espírito das Leis”, no qual procura analisar extensa e profundamente a estrutura e a conexão interna dos fatores humanos e formular um rigoroso

esquema de interpretação do mundo histórico, social e político.

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O seu objeto de estudo são “as leis, os costumes e diversos usos de todos os povos da Terra”, assunto evidentemente imenso. O método, de um lado,

exclui da ciência social toda perspectiva religiosa e moral, de outro, afasta-se o autor das teorias abstratas e dedutivas e adota a abordagem descritiva e comparativa dos fatos sociais, o que possibilitaria a Montesquieu criar um novo

conceito de lei distante do antigo conceito que supunha seres humanos ou semelhantes a eles, aos quais a lei se aplicaria como mandamento. Para ele, (Livro I, cap. I) a lei “é uma relação necessária que deriva da natureza das

coisas,...”. Nesse sentido, “todos os seres têm suas leis: a divindade..., o mundo material..., as inteligências superiores aos homens..., os animais..., os

homens...”. Montesquieu não extraiu princípios de preconceitos, mas da natureza mesma das coisas.

Para Montesquieu, natureza de um Estado é aquilo que ele é

(república, monarquia, despotismo). Ou seja, é uma certa forma. Principio é uma disposição dos homens de realizar uma determinada forma e não outra; é, portanto, uma paixão específica. Na República essa paixão é a virtude (entendida

em sentido político, e não moral); na Monarquia é a honra; e no governo despótico é o temor.

Contudo, não eram as formas políticas o que mais interessava a Montesquieu, mas o espírito a que elas correspondiam. E a sua classificação das formas de governo resultou de uma pesquisa muito mais ampla do que a

realizada, na antiguidade, por Aristóteles.

Por sua importância para os regimes políticos republicanos, como o

que praticamos no Brasil, citamos a definição dada por Montesquieu ao princípio da virtude cívica, cuja importância é vital para esse tipo de governo: “o que chamamos de virtude, nas republicas, não é senão o amor à pátria, isto é, o amor

à igualdade.Não é absolutamente uma virtude moral, nem virtude cristã, é virtude política: e essa é a mola que faz mover o governo republicano, como a honra é a mola que faz mover a monarquia. Chamei, portanto, de virtude política

o amor à pátria e à igualdade”.(Apud Norberto Bobbio, “Teoria das Formas de Governo” (op. cit. p., 123). E acrescentou Montesquieu sobre a virtude cívica nos

governos de origem popular, como o nosso: “Os políticos gregos, que viviam no governo popular, só reconheciam uma força capaz de mantê-los: a força da virtude. Os políticos atuais só nos falam de manufaturas, de comércio, de

finanças, de riquezas e até de luxo”. (Montesquieu, “O Espírito das Leis”, op.cit., Livro 3, Cap.III).

Ao lado de uma divisão horizontal do poder, Montesquieu propôs uma divisão “vertical”, em que se constituiu a celebre teoria da separação dos poderes do Estado. De todas as teorias do citado autor, foi esta seguramente a

que teve maior projeção. Tanto que as primeiras constituições escritas, a norte-americana de 1776 e a francesa de 1791, são consideradas suas aplicações,

iniciando um novo ciclo do moderno Estado de Direito em todas as partes do mundo.

Reconheceu Montesquieu no Livro XI, Capítulo IV da sua magistral

obra, onde trata das leis que formam a liberdade política, que “a liberdade

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encontra-se unicamente nas formas moderadas de governo”, e sentenciou: “porém, ela nem sempre existe nos Estados moderados; só existe nesses últimos

quando não se abusa do poder; mas a experiência eterna mostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde encontra limites”. E conclui: ”Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela própria disposição

das coisas, o poder freie o poder” (grifo nosso).

A partir dessas idéias, instalava-se um período histórico em que o império da lei substituía o governo dos homens, até então existente. E ninguém,

dentro e fora do Governo, estava acima da lei.

De outra parte, com base na teoria da divisão dos poderes da

soberania nacional em três ramos independentes e harmônicos entre si - Legislativo, Executivo e Judiciário -, houve significativo avanço no sentido de implantar um regime de liberdade e de democracia em defesa da cidadania e dos

direitos humanos. Com relação ao nosso país, desde a proclamação da Independência

política, em 7 de setembro de 1822, o Brasil conheceu nada menos de sete Constituições e Emendas Constitucionais consagrando formas de governos e

regimes políticos diferentes, quando não opostos. Essas importantes mudanças políticas foram efetuadas não sem abalos: tivemos a Monarquia limitada, com a Constituição Imperial de 1824; a República Federativa, em 1891; as Revoluções

de 1930 e 1932, esta, trazendo em seu bojo a Constituição de 1934, de vida efêmera; golpe de Estado e ditadura civil chefiada por Getúlio Vargas, em 1937;

Redemocratização do País com a Constituição de l8 de setembro de 1946; República parlamentarista, com a Emenda Constitucional nº 4, em 1961, e retorno ao presidencialismo após o plebiscito de 1963; movimento civil-militar

revolucionário e golpe de Estado em 1964, que editou Atos Institucionais e a Constituição de 1967, reformada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Com a queda do regime militar, tivemos a redemocratização do País, após a

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, em 1986, que nos deu a Constituição de 1988, em vigor.

Tudo isso de permeio a crises internas de natureza política, econômica, sociais e a governos provisórios ou revolucionários, e aos efeitos da

2a. Grande Guerra e da guerra fria entre as superpotências mundiais – EUA e URRS. E agora, com a globalização, seguem-se os efeitos de um estado de guerra

no mundo patrocinado pelos Estados Unidos da América, após os trágicos acontecimentos do World Trade Center, em 11 de setembro de 200l.

A instabilidade política e institucional anterior foi explicada em razão de divergências profundas das elites dirigentes a respeito da base de sustentação do Estado imperial brasileiro, quando tivemos uma economia latifundiária e

escravista, e, no período da Velha República, o desacordo girava principalmente em torno da legitimidade e lisura do processo eleitoral usado na escolha dos

governantes. Mais recentemente, as crises verificadas dizem respeito à falta de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, necessário e viável, bem como à adequação do instrumental do Estado aos objetivos de modernização

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da sociedade, em ambiente de liberdade e estabilidade social e política, tendo em vista o progresso e o bem-estar do povo brasileiro.

9.1 Governabilidade x não governabilidade

No Brasil, temos tido em diferentes momentos situações de riscos institucionais por motivo de profundas crises econômicas, sociais e políticas, às

quais só em parte tiveram soluções satisfatórias por parte dos governantes. Vê-se, agora, que os problemas resolvidos parcialmente ou deixados de lado após o

clímax de uma crise só fizeram aumentar de dimensão, notoriamente os pertinentes às áreas financeira e social do país. De modo igual, cresceram as demandas do povo, exigindo do governo a adoção de políticas públicas de caráter

urgente para a solução dos seus problemas, por exemplo: a crescente falta de emprego, a exclusão social e a violência organizada nas grandes metrópoles urbanas, onde aumenta a informalidade no dia a dia das pessoas.

Como no sistema republicano e democrático que praticamos, entende-se que as demandas legitimamente feitas pelos cidadãos não podem ser tratadas

pelas autoridades públicas como atitudes de desobediência civil, afronta à lei e à ordem estabelecida, ou como um caso de polícia, perguntar-se-á: não estaremos nós brasileiros entrando numa contagem regressiva de tempo ao fim da qual

poderemos bater de frente com uma grave crise de governabilidade no País? Afinal, o que se entende por governabilidade e quando se dá a “não-

governabilidade”?

Comecemos por examinar o que se entende por governabilidade, à qual se contrapõe a “não-governabilidade”, um tema que tem atraído a atenção de

cientistas sociais e políticos principalmente nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil desde a década dos anos sessenta do século passado, quando se tentou definir o papel e o tamanho do Estado em razão dos gastos públicos com a

implantação das políticas públicas do welfare state.

No Brasil, onde, além dos gastos com a previdência e assistência

social, o poder público desempenha um importante papel nos investimentos produtivos e na modernização do país, pode ocorrer também o problema da “não-governabilidade” em razão dos deficits fiscais crônicos, oriundos da má gestão da

coisa pública, a nível local, estadual e federal, e dos juros pagos em decorrência da enorme dívida interna e externa do país.

De acordo com os autores que se ocuparam desta temática, as hipóteses mais comuns para explicar a não- governabilidade, são as seguintes: a) a “não-governabilidade” é o produto de uma sobrecarga de problemas aos quais o

Estado responde com a expansão de seus serviços e da sua intervenção, até o momento em que, inevitavelmente, surge uma crise fiscal. “Não-governabilidade”, portanto, é igual à crise fiscal do Estado”. (O‟Connor); b) a “não-governabilidade”

é o produto conjunto de uma gestão administrativa do sistema e de uma crise de apoio político dos cidadãos às autoridades e aos Governos.

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Na sua versão mais complexa, a “não-governabilidade” é a soma de uma crise de input e de uma crise de output, ou seja: a “não-governabilidade”

decorre de um constante desequilíbrio entre “as entradas e as saídas”. Diz Habermas: “as crises de output têm a forma de crise de racionalidade; o sistema administrativo não consegue compatibilizar nem a realizar, eficientemente, os

imperativos de controle que chegam do sistema econômico; as crises de input têm a forma de crise de legitimação: o sistema legitimador não consegue preservar o

nível necessário de lealdade da massa, impulsionando assim os imperativos de controle do sistema econômico que ele assumiu”. (Apud, Bobbio – Dicionário de Política, 2ª edição, 1996 – 548, UnB).

As teses expostas sobre o fenômeno da “não-governabilidade” deixam claro, que alguns dos principais componentes dessa temática sofreram muita

influência do processo comum a todos os sistemas políticos ocidentais: a expansão da política e da cidadania, a participação dos cidadãos na formulação das políticas públicas e da intervenção do Estado. Mesmo assim, não se deve

absolutamente acreditar que todas as características atualmente associadas a “não-governabilidade” apresentam elementos de absoluta novidade: crises fiscais

do Estado, falta de organização e de institucionalização de processos, anulação da legitimidade das estruturas políticas são freqüentes e se verificam em todos os tempos e em todos os lugares, assim como foram freqüentes os casos modernos

que conduziram às revoluções, à golpes de Estado, notadamente nos países em desenvolvimento.

Quando se apresenta uma situação de grave desajuste fiscal,

insolvência ou de quebra declarada do sistema financeiro de um Estado, o socorro financeiro e de ajuda técnica promovidos pelo FMI e outras agências

internacionais e Governos que conduzem a política econômica mundial, obedece regras muito drásticas de ajuste fiscal, baseadas no chamado “consenso de Washington”, um tipo de decálogo contendo as regras estabelecidas pelos países

ricos e impostas aos governantes de países emergentes em dificuldades. Têm como base geralmente: a privatização de empresas e serviços do Estado,

reorganização dos serviços públicos, demissão de funcionários e redução de salários, fiscalização e controle por agentes do FMI das contas e gastos orçamentários do Governo, em todos os níveis, dentre outras medidas vistas por

muitos como uma ingerência descabida nos negócios internos do país, em desabono à sua soberania, o que leva ao descrédito e perda de legitimidade do Governo, com elevação do nível de insatisfação geral e do sentimento de orgulho

nacional.

O Brasil como a Argentina, cujos países têm necessitado de

substanciais ajudas organizadas pelo FMI para vencerem as crises financeiras e fiscais em que se encontram mergulhados, tiveram de submeter-se ao rigoroso ajuste fiscal que lhes foi imposto, com reflexos internos negativos para a

manutenção dos índices de aprovação e de legitimidade dos respectivos governos.

Daí entender-se, somente o Governo que baseia a sua força na

eficácia administrativa e no consenso público é, na verdade, um Governo plenamente capaz e legítimo, sem problema de governabilidade. Mas, conforme se verifica de maneira crescente, nos sistemas políticos contemporâneos mais

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avançados, a legitimidade é o resultado de serviços governamentais que satisfaçam todas as exigências dos vários grupos sociais. Até porque, o

favorecimento ou o privilégio de grupos sociais por parte do governo é intolerável.

Para finalizar, a toda evidência, as discussões das várias teses até hoje formuladas sobre governabilidade sugerem que o problema é de tal dimensão

que não pode ser interpretado de maneira simplista, como uma crise de sobrecarga ou crise fiscal, resultante de um mau gerenciamento do Estado. Tampouco não é resultante somente de uma crise das estruturas político-

administrativas do Estado, ou de incapacidade de seus administradores, embora existam casos notórios neste sentido. Para exemplificar: na América Latina, o

governo do presidente FHC cumpriu rigorosamente o que foi acertado com o FMI quando a ele recorreu para superar a crise cambial e a desvalorização da nossa moeda, o Real. E a crise continuou, apesar de ter sido cumprido o “dever de

casa”. Na Argentina, por motivos diferentes, a crise financeira, econômica e social agravou-se, apeando do poder sucessivamente cinco presidentes da grande República da bacia do rio Prata, e a crise de governabilidade cresce e se alastra

por outros países da América Latina.

Sem qualquer dúvida, a crise atual deve ser entendida antes como

uma crise global de transformação da ordem de um sistema social esgotado e carente de profunda reformulação, tendo como base adoção de princípios eticamente responsáveis, o que é importante e necessário verificar-se nesta fase

da onda de globalização assimétrica por que passa o mundo.

9.2 O Brasil que deu certo

O Brasil, após conscientizar-se da magnitude dos seus problemas,

caminhou bem a partir da década de trinta do século XX, afirmando ainda autoridades da área econômica que a taxa de crescimento do PIB brasileiro foi a terceira do mundo nesse período. Possuindo um parque industrial grande em

número de negócios e de mercadorias e uma produção agropecuária de destaque, o Brasil é uma das maiores economias do planeta. Com um PIB de 595 bilhões de

dólares em 2000, segundo o Banco Mundial e o IBGE, somente os Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, China e México apresentam um PIB - produto interno bruto - maior do que o Brasil, situado

como a 9a economia, embora distanciado ainda em números no ranking das grandes economias mundiais.

A população economicamente ativa – PEA – é de 79 milhões de pessoas aptas para o trabalho entre l5 e 64 anos de idade, com uma taxa de desemprego que atingiu 9,6% em 1999, segundo dados divulgados pelo IBGE.

O quadro seria ótimo se pudéssemos dizer que o Brasil entrou em um período de desenvolvimento sustentado. Não podemos. Existem obstáculos a serem superados, de origem interna e externa, que podem alterar negativa ou

positivamente este cenário promissor nos próximos anos. O certo é que devemos estar empenhados no trabalho para que obtenhamos o melhor para o nosso país.

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Os dados estatísticos abaixo, colhidos no Almanaque Abril–Brasil 2002, mostram um retrato atual do país e confirmam as expectativas otimistas

com relação às perspectivas de progresso nos próximos anos.

POPULAÇÃO ● 169.590.093 milhões (censo 2000); - Composição: brancos 55,2%, pardos 38,2%, negros 6%, amarelos

0,4%, indígenas 0,2% (1996). - Idioma: português (oficial).

- Religião: cristianismo (católicos 71%, outros 10%), espiritismo, judaísmo, cultos afro-brasileiros.

- Densidade: 19,43 hab./km2.

- População urbana: 78% (1996). - Crescimento demográfico: 1,38% ao ano (1991-1996).

- Fecundidade: 2,3 filhos por mulher (est. 2000). - Expectativa de vida M/F: 64,3/72,3 anos (1999). - Mortalidade infantil: 33,6% (2000).

- Analfabetismo: 13,3 (1999). - IDH (0-1): 0,750 (1999).

ECONOMIA ● - Moeda: real;

- cotação para US$ 1: 2,35 (ago./2001). - PIB: US$ 595 bilhões (2000). - PIB agropecuária: 7,8%;

- PIB indústria: 37,2%; - PIB serviços: 55,1% (2000).

- Crescimento do PIB: 2,6% ao ano (est.2000). - Renda per capita: US$ 3.430 (2000). - Força de trabalho: 79,3 milhões (1999).

- Agricultura: algodão, arroz, café, cana-de-açúcar, laranja, soja. - Pecuária: bovinos, suínos, ovinos, aves. - Pesca: 820,5 mil t (1997).

- Mineração: bauxita, ferro, manganês, ouro. - Indústria: de transformação, de bens de consumo e bens

duráveis. - Exportações: US$55 bilhões (2000). Principais produtos

exportados: soja e derivados (6,97%), aviões (5,97%), ferro e

derivados (5,53%), automóveis (3,21%); aparelhos transmissores e receptores e componentes, e calçados.

- Importações: US$ 55,8 bilhões (1999). Principais produtos:

petróleo (5,72%), aparelhos receptores ou transmissores e componentes (3,48%), naftas (3,33%), circuitos integrados e

microconjuntos eletrônicos (3,06%), peças pra veículos (2.83%), aparelhos eletrônicos para telefonia e telegrafia ( 2,42%).

- Parceiros comerciais: EUA, Japão, países da União Européia,

países do Mercosul.

De par com esses indicadores econômicos, deve-se ressaltar que a taxa de expansão demográfica brasileira tem sofrido uma desaceleração de pouco

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menos de 1% por década desde 1970, estando na entrada do novo século ligeiramente acima de 1%. Tal dinâmica populacional indica a estabilização

próxima entre 2010-2020, com um contingente de 210 milhões de habitantes distribuídos em um país de dimensão continental. A semelhança deste quadro demográfico com os Estados Unidos é uma feliz e sugestiva coincidência.

Estamos distantes dos extremos encontrados em países continentais, mas de escassa base populacional, como Austrália e Canadá, ou de países que enfrentam o pesadelo de remover da miséria, populações acima de 1 bilhão de habitantes,

como China, Índia.

Com a taxa de crescimento do PIB estimada em torno dos 4% ao ano e a civilizada dinâmica populacional que exibimos, a miséria seria erradicada em nosso país nas primeiras décadas do século XXI.

A descompressão demográfica é por si só um fator crítico para a redução da miséria nas próximas duas décadas. Mas uma taxa anual de 4% de

crescimento sustentável do PIB não ocorrerá automaticamente. A própria idéia de aceleração econômica diante da desaceleração demográfica pressupõe o aumento

contínuo da produtividade do trabalho, o que, por sua vez, exige a sistemática acumulação de capital, a absorção de novas tecnologias e o aumento do investimento em educação. Teremos de ir além do quadro de estabilidade de

preços, objetivo declarado do Plano Real, em busca de uma dinâmica interna de mobilização de recursos cuja ausência responde por nossa estagnação ao longo

das duas últimas décadas. Como é fácil de ver, o Brasil não parou por acaso, como se Deus

houvesse deixado de ser brasileiro. O Brasil parou por nossa incapacidade de antecipar o esgotamento do antigo regime, e, conseqüentemente, de estimular a dinâmica de uma grande sociedade aberta e em formação. Diz-se que perdemos

os anos 80 em meio ao turbilhão inflacionário, que resultou da inviável tentativa de usar o modelo anterior em marcha forçada, até compreender o seu

esgotamento. Felizmente, compreendemos e aceitamos a tempo que era necessário mudar esse modelo, no que procedemos com mais clarividência do que ocorreu com a Argentina, que entrou em crise social e financeira até aceitar pela

pressão popular que era necessária uma mudança do modelo cambial já esgotado. Vemos, agora, que é preciso aprofundar as mudanças do modelo

econômico brasileiro, adaptando-o celeremente às novas condições internas, regionais e do mundo globalizado. De certo, avançamos, ainda que timidamente, na construção do fator

decisivo rumo à criação da riqueza da nação: a dinâmica de uma sociedade aberta. É bem verdade que a custa de um inconseqüente experimentalismo, de uma mal sucedida seqüência de choques de estabilização. Nestas duas décadas,

empurrados por sucessivos fracassos, após o frenético experimentalismo, registramos alguns avanços no espaço cultural, institucional e moral da nação.

De um nacionalismo protecionista para uma inserção competitiva à ordem econômica globalizada, de um Estado empresário para políticas públicas

descentralizadas como instrumento de ação social do Estado, conforme prescreveu a Constituição Federal de 1988. De investimentos públicos em

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máquinas e infra-estrutura material, para investimentos em capital humano, saúde e educação, embora em escala reduzida em relação às necessidades mais

urgentes. Democracia, mercados, moeda forte e ação social descentralizada do

Estado, são os vetores do futuro em busca da prosperidade e grandeza nacional. O papel da mídia no plantio dessas idéias-força tem sido decisivo para deflagrar a dinâmica social endógena às grandes sociedades abertas. A mídia colocou a

opinião pública à frente dos governos, empurrando-os para o espaço decisório conveniente. O Brasil não está na dependência de líderes populistas,

voluntaristas ou carismáticos. Dispomos hoje de uma engrenagem impessoal com massa crítica suficiente para conceber e controlar nossos rumos, diferente do que ocorre atualmente em países amigos na América do Sul, a exemplo da Venezuela.

Não há dúvidas: um sistema político bem organizado e mais competitivo deverá produzir uma elite preparada técnica e moralmente. Por que

sofreu impeachment um presidente que persistiu em maus hábitos políticos que prometeu erradicar? Por que políticos populistas ou corruptos estão sendo

eleitoralmente preteridos? Por que o Congresso Nacional expele regularmente membros inadequados apesar do visível corporativismo de ambas as Casas do nosso parlamento? Por que estouram seguidamente escândalos nas Câmaras de

Vereadores? E nem mesmo o Judiciário escapa do cerco à corrupção, existindo juízes punidos pelo próprio órgão e a fiscalização severa da opinião pública contra

a má gestão e da falta de ética à frente dos cargos públicos. Esse elenco de questões mostra a grandiosidade das tarefas que

ainda temos pela frente. Tudo indica, porém, que a escolha fundamental, pela sociedade aberta e democrática já foi feita, e com ela o país tem de alcançar o seu destino histórico no contexto internacional das nações desenvolvidas.

PATRIMÔNIOS DA HUMANIDADE ●

Cidade Histórica de Ouro Preto (MG); Centro Histórico de Olinda (PE); Ruínas da Igreja de São Miguel das Missões (RS); Parque Nacional de Iguaçu (PR),

Centro Histórico de Salvador (BA), Santuário do Bom Jesus de Congonhas (MG), Brasília (DF), Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), Centro Histórico de São

Luís (MA), Centro Histórico da Cidade de Diamantina (MG), Reservas Florestais da Costa Atlântica do Descobrimento (BA), Reservas Florestais do Sudeste Atlântico (SP).

Em muitos outros setores de atividades, a nível interno e externo, o Brasil alcançou grandes progressos e fez jus à posição de credibilidade e respeito conquistados internacionalmente, graças aos exemplos de trabalho da sua gente,

competência, seriedade e liderança assumidos nos negócios mundiais dos quais participamos.

9.3 O que deu errado

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O crescimento assimétrico do país, gerando internamente graves desequilíbrios no desenvolvimento econômico, social, político e cultural, e

desigualdades sociais e regionais, sem dúvida, foi uma estratégia errada com que trabalhamos desde o início, na era do Brasil-Colônia. Persistiu até pouco tempo atrás esse modelo desenvolvimentista, acentuando perigosamente os fatores de

desequilíbrio.

Não fora a forte demanda popular por mudanças, a articulação em andamento de planos de integração do espaço físico do nosso território, a fim de

propiciar condições adequadas ao desenvolvimento econômico e social das regiões do cerrado e a adoção pelo Governo federal de programas de renda mínima que

hoje alcançam grande parte das populações mais pobres do país, unindo-o pela magia dos meios de comunicação via satélite e pela mídia eletrônica, da educação formal e virtual, dos diferentes modos e meios de expressão cultural, da música,

dos desportos e da indústria do entretenimento e turismo interno nas suas várias modalidades, certamente os vários “brasís” que existem em nosso território já teriam chegado a uma fase de difícil recuperação ou até mesmo de desintegração

social e política.

A despeito dos avanços significativos em direção da modernidade nas

últimas décadas, perduram entre nós estruturas e costumes representativos de um país “dual”, difíceis de serem erradicados, notoriamente nos campos econômico, social e nas práticas políticas, onde coexistem, de mãos dadas, o novo

e o velho, o arcaico e o moderno, da visão de Jacques Lambert no seu livro clássico intitulado “Os Dois Brasís” (Inep-Rio, 1959).

É bem verdade que, desde então houve significativos avanços em direção do progresso. É o que se lê no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil 1996, publicado pelo IPEA em parceria com o PNUD – Programa das

Nações Unidas. Existem atualmente no Brasil não só duas, mas sim, três regiões econômicas interligadas, superando aquela antiga visão dualista, cedendo lugar a uma nova classificação com base no IDH – índice de desenvolvimento humano –

encontrado em cada uma das regiões sócio-econômicas em que se divide o país.

Pelo levantamento dos IDHs nos estados compreendidos nessas

regiões, é possível afirmar-se que existem interligados três “brasís”, a saber: ” (i) o primeiro, constituído pelos estados do Rio Grande do Sul, Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul e Espírito

Santo apresenta elevado nível de desenvolvimento humano, segundo os parâmetros definidos pelo PNUD para comparações internacionais; (ii) o segundo,

uma faixa que se estende na direção noroeste, a partir de Minas Gerais, compreendendo os estados de Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e Roraima, e também o Amapá, situa-se na camada superior do estrato de

desenvolvimento humano médio; (iii) – o terceiro, reunindo o Pará, o Acre e os estados da região Nordeste, apresenta nível mais reduzido de desenvolvimento humano”.

Vê-se, pois, que esses estudos indicam a formação de um novo eixo de integração física em direção ao centro-oeste e norte do país, e, a partir de

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Brasília, a base geopolítica para a integração com as nações limítrofes com o Brasil na formação do Mercosul.

É oportuno salientar que o IDH vem sendo calculado ao nível mundial desde l990 e enfatiza as três opções básicas do desenvolvimento humano, a saber: desfrutar uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento e

ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente.

Com base nesses indicadores econômicos e sociais, uma listagem do que deu errado no Brasil, contrariando as expectativas gerais do nosso povo por

mudanças urgentes e necessárias à superação das desigualdades e exclusão social existentes em atendimento a um imperativo ético e cultural do nosso povo,

não se nos afigura difícil de organizar, embora com as cautelas devidas pelo que se pode encontrar de arbitrário ou pessoal numa iniciativa dessa natureza. Entrementes, ousamos fazê-lo, com base no acompanhamento diuturno desses

problemas através da mídia, os quais chamaríamos de mazelas da sociedade brasileira, a saber:

- pobreza e a exclusão social;

- violência urbana e crime organizado; - analfabetismo e baixo nível de escolaridade;

- o desemprego, subemprego e a economia informal; - corrupção e impunidade; - desemprego, subemprego e economia informal;

- a dívida pública, interna e externa; - o desperdício e a má gestão do patrimônio público;

- sonegação fiscal; - exploração do trabalho de menores e o lenocínio; - melhor tratamento ao idoso e à infância;

- desrespeito às decisões judiciais; - melhoria do padrão ético na vida pública.

Dentre os assuntos incluídos na relação do que deu errado no Brasil, comentaremos, por sua importância na vida nacional, os itens que se

sequem: Dívida pública - Nos anos 90 a dívida externa brasileira cresceu mais

de 100 bilhões de dólares e seu perfil modificou-se bastante. Ela já não se concentra no setor público (governos estadual e federal): atualmente 60% é de

responsabilidade da iniciativa privada. Isso é, em grande parte, fruto dos juros elevados impostos pelas políticas monetária e cambial implementadas com o Plano Real a partir de 1995. Fica mais barato para as empresas nacionais

financiar seus projetos de investimento com recursos externos, que oferecem taxas de juros convidativas.

No período pós-plano Real, a dívida externa apresenta crescimento constante que só é interrompida em 1999, quando seu valor fica estabilizado. Ao

final de maio do ano 2000, a dívida externa apresenta primeira queda importante desde 1988, ela fica 10 bilhões de dólares inferior à registrada em dezembro de 1999. O governo afirma que, atualmente, a dívida externa não é um problema

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que comprometa o desenvolvimento do país, já que quase 90% dela têm prazos de vencimento médios ou longos, com taxas de juros bem inferiores às praticadas no

país. Consoante dados do Banco Central do Brasil, em maio do ano 2000, a dívida externa total do país era de 231,3 bilhões de dólares.

Bem mais preocupante é a dívida interna do país que, consoante dados publicados pela revista “Conjuntura Estatística” - dezembro 2001 (FGV), registra um déficit expressivo em relação ao PIB nacional, numa importância

estimada no ano de 2001, em 624,95 bilhões de reais. A soma gasta com o pagamento de juros somente para rolar essa dívida e outros encargos, superior a

100 bilhões de reais ao ano, esgota por inteiro a capacidade do governo de efetuar novos investimentos produtivos e a desenvolver planos de inclusão social no país. Só o montante de juros pagos anualmente daria para resolver quase todos os

nossos problemas de saúde, educação, moradia, infra-estruturais, abertura de novos empregos e muito mais.

Pobreza - Consoante dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), existiam em 1990, 63,18 milhões de pobres no país. Em 1995,

início do governo FHC, o número caiu para 50 milhões. Mas, desde então, a curva estatística não observou linha ascendente no resgate de outros contingentes vítimas de carências prejudiciais à dignidade da vida. No fim dos 3 anos

seguintes (1998), a pobreza aumentou para 53,11 milhões de pessoas. Apesar de tudo, manteve cerca de 10 milhões de pessoas abaixo do patamar registrado em

1990. Já os miseráveis (indigentes), que somavam 30,79 milhões em 1990,

declinaram para 21,59 milhões em 1995. E, 3 anos depois, subiram para 22,60 milhões. Conclui-se que, entre 1990 e 1995, houve redução significativa dos índices de pobreza. De lá até 1999, todavia, a queda da exclusão social observou

progressão vegetativa. Não houve alterações consideráveis na inclusão de novos extratos populacionais nos espaços acima da linha de pobreza e de miséria.

A concentração de renda mantida ao correr da década de 90 não impediu que houvesse algum registro de melhoria no bem-estar social das classes

desafortunadas, embora em termos insuficientes. A matemática social parece indicar que a solução adequada do problema depende de equação com dois

termos mais contundentes do que a desconcentração pendente do efeito natural do mercado. Há necessidade de reformular as prioridades orçamentárias e adotar políticas sociais cada vez mais ousadas, distribuindo a renda aos excluídos e

entre eles distribui-la com igualdade e justiça. Trata-se evidentemente de tarefa que não será para um só governo.

Cumpre, porém, levá-la adiante com sentido de urgência e noção sobre a necessidade de queimar etapas. Pois, afinal, um país com mais de um terço de

pobres e miseráveis retrata-se ao mundo como injusto e não civilizado. Consta no mencionado Relatório do IPEA, p. 22, que: “a pobreza no Brasil tem um componente claramente regional, sendo as proporções mais

elevadas no Norte (43%) e no Nordeste (46%), reduzindo-se em direção ao Sul (20). As proporções são também mais altas para a população rural (39%); nas

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áreas metropolitanas e urbanas e urbanas não-metropolitanas constatam-se resultados em patamar significativamente mais baixo (respectivamente, 29% e

27% da população)” Desperdício - O desperdício é uma das mazelas associadas à pobreza

e à miséria. O diagnóstico consta do estudo “Combate Sustentável à Pobreza”

elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde se lê que a erradicação da miséria no Brasil depende menos de recursos suficientes para torná-la efetiva do

que de gestão político-administrativa eficaz. O conjunto das instituições sociais no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios, gasta 21% do Produto Interno Bruto (PIB) nos programas de índole social. São 130 bilhões ao ano, descontados

os encargos da Previdência. O problema é que o dinheiro é mal-aplicado. As 50 milhões de

pessoas atiradas ao regime de indigência material, poderiam ser resgatadas com o investimento da ordem de 90 bilhões. A FGV estima que a soma poderia ser

conseguida mediante a contribuição de 15 reais mensais dos 120 milhões da população restante.

As receitas comprometidas nas ações de amparo às vítimas do infortúnio seguem caminhos ínvios. Ou chegam aos necessitados em parcelas

reduzidas, ou não conseguem alcançá-los. A intermediação da burocracia na distribuição das verbas, com certeza erode os valores. E é antiga a intromissão dos interesses políticos no sentido de desviá-los, quase sempre com recorrência a

atos de corrupção. Não é apenas o uso impróprio e, muitas vezes, irregular das

disponibilidades a causa única das distorções no socorro aos miseráveis. Há planos de caráter social que os ignoram. O Fundo de Garantia do Tempo de

Serviço e o seguro desemprego são apontados pela FGV, como iniciativas do gênero. “São benefícios restritos ao trabalhador que tem carteira assinada, quando os grandes bolsões de miséria estão no setor informal”.

O mal é que os cinqüenta milhões situados na linha de miséria não

traduzem por inteiro o tamanho da tragédia. São brasileiros que sobrevivem com renda em torno de US$1,20 ao dia. Cerca de 45% deles têm menos de quinze anos. Trata-se de estatística imoral em um país colocado entre as dez primeiras

economias do mundo. De acordo com informações veiculadas pela imprensa, poderíamos

até mesmo ser apontados como “campeões do desperdício”, tal é a freqüência com que se verifica esse fenômeno de dilapidação do patrimônio público em vários

outros setores da vida nacional. Exemplo: na perda de quase 30% da produção agrícola somente entre o produtor e o consumidor, por vários motivos: falta de transporte ou condições de transporte inadequadas, na industrialização e

comercialização dos produtos, bem como à mingua de prevenção contra pragas e alterações climáticas; no consumo de energia elétrica, conforme restou

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comprovado na crise energética que tivemos em 2001; no dinheiro gasto com obras superfaturadas ou inacabadas, estas, em número superior a 2.300 a cargo

da União, conforme levantamento efetuado por comissão do Senado Federal; do desperdício de água, apesar da existência de Lei das Águas e da criação da Agência Nacional de Águas para coibir abusos e promover a conscientização da

sociedade diante do problema que se agrava dia a dia. Registre-se que, apesar desse arcabouço legal, no município de

Cristino Castro, situado ao sul do estado do Piauí, existe há anos o desperdício d‟água de um lençol freático, tido como um dos maiores da América do Sul, onde

somente um dos poços d‟água situado no lugar de nome “Violeto” jorra a mais de 30 metros de altura, sem que o precioso líquido tenha qualquer aproveitamento, perdendo-se irremediavelmente para a agricultura ou para a população local.

Ambientalistas, geólogos e órgãos do ministério público têm lutado contra o mau uso deste e de outros poços jorrantes na região. Entretanto, proprietários de terras no vale do rio Gurguéia insistem em manter os poços em pleno

funcionamento como divertimento e atração turística, pois não acreditam nas previsões feitas pelos entendidos de que, até 2008, a água potável pode faltar

para 60% da população do planeta.

10. As elites dirigentes

O que se entende por elite? A palavra „elite‟ foi empregada no século XVII para designar produtos

de qualidade excepcional. Posteriormente, seu emprego foi estendido a grupos sociais superiores, tais como unidades militares de primeira ordem ou postos mais da nobreza.

Caetano Mosca e Vilfredo Pareto, renomados cientistas sociais italianos, foram os criadores da moderna teoria das elites. Pareto definiu “elite”

no seu “Trattato di Sociologia Generale”, dessa forma: “Reunamos, pois, em uma categoria, as pessoas que possuem os índices mais altos nos seus ramos de atividade, e a essa categoria daremos o nome de elite”. O próprio Pareto não foi

além na utilização desse conceito de elite; serve apenas para acentuar a desigualdade de atributos individuais em todas as esferas da vida social, e como

ponto de partida para uma definição de „elite governante‟, objeto dos seus estudos, compreendendo os indivíduos que direta ou indiretamente participam de forma considerável do governo, e uma „elite não governante‟, compreendendo os

demais... O escritor norte-americano C. Wright Mills, na sua obra famosa “A Elite do Poder”, considerou que, nas sociedades capitalistas, a elite que ocupa os

postos de comando é constituída de possuidores de poder, da riqueza e da celebridade. “Podem também ser definidos em termos de critérios psicológicos e

morais, como certos tipos de indivíduos selecionados. Assim definida, a elite, muito simplesmente, é constituída de pessoas de caráter e energia superiores” (Mills, C.W. op. cit. Zahar ed. Rio, 1968-22).

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Embora a situação ideal seja a existência de sintonia entre elite do poder e elite governante nas sociedades abertas e representativas, não é

exatamente isso o que presenciamos no mundo atual, onde avultam os motivos de discordâncias no interior das sociedades hodiernas, gerando a falta de legitimidade democrática das elites governantes para a solução adequada e

urgente dos problemas com que se defrontam. Como é notório, é isso também o que se verifica no Brasil.

O fato é que, em muitos aspectos da vida nacional, as lições da nossa experiência política parecem ineficazes quando se tem em vista encontrar

soluções adequadas para os problemas brasileiros contemporâneos. Isto porque, ao serem colocadas diante dos novos desafios de uma sociedade competitiva, em fase de modernização acelerada e de inserção no comércio internacional, as

nossas elites dirigentes têm-se revelado, por egoísmo ou à mingua de preparo técnico e profissional, de recursos limitados para superar com êxito os problemas surgidos, principalmente nas áreas industrial, financeira e de comércio exterior.

É que a experiência política anterior foi adquirida em outro contexto histórico e no trato dos interesses de uma sociedade de perfil conservador, que

entrou em choque com as necessidades de uma moderna sociedade industrial, de organização social mais complexa, com interesses diferenciados e fortemente sustentados por forças poderosas de uma ordem mundial globalizada que está

em construção e dentro da qual, embora como sócio minoritário, buscamos inserção vantajosa para os interesses do nosso país.

Muito embora as nossas elites governantes continuem sendo politicamente hábeis e, em geral, bem intencionadas, essas boas intenções nem sempre se traduzem em ação conseqüente, durável, no sentido de realizar

políticas públicas adequadas e bem sucedidas em alguns setores de crucial importância da vida nacional, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento econômico sustentado, finanças públicas e comércio exterior,

cujo desempenho está longe de corresponder às expectativas criadas em torno deles. Quais seriam as razões? Sem dúvida, elas têm sido diagnosticadas não

somente pelos setores da administração pública federal, como do setor privado que se mostra empenhado nas correções de rumo, necessárias e urgentes.

Pelo que se observa, ao “homo magus”, que seria o representativo do

político da “velha classe”, como denominou o jornalista e ex-deputado federal Márcio Moreira Alves, deveria substituir o “homo faber” moderno, que seria o

homem empreendedor, com sensibilidade e visão do estadista.

Sem dúvida. A habilidade para pensar em termos de um sistemático padrão de relações humanas, e, depois apreciar o completo significado de tais

conceitos como um “sistema político”, uma “ordem econômica”, uma “ordem social”, “direitos humanos”, “cidadania”, “justiça e solidariedade social”, “desenvolvimento econômico e social”, “comércio exterior” em um mundo

globalizado, “combate à violência e à pobreza” reclama a capacidade para generalizar com respeito ao comportamento humano e a pensar o significado de

um mundo ordenado em transformação na era do conhecimento e das modernas tecnologias das comunicações via satélites. E, para inventar todos os tipos de

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organizações necessárias a uma moderna sociedade e colocá-las em funcionamento, é essencial ser esclarecido e hábil para identificar e estar em

condições de imaginar um novo mundo sistemático e afirmativo. Porque, se falharem esses incentivos, tudo parecerá em perigo ao nosso redor.

Isso demonstra, à saciedade, que temos muito a aprender no exercício desse novo tipo de ação política de interesses compartilhados, tornando-se indispensável, como na expressão de Paul Valéry usada no livro “Régard sur le

Monde actuell”, “alargar as têmporas de Minerva”, a fim de nos colocarmos em condições de adotar atitudes amadurecidas e justas na defesa dos interesses

nacionais, num quadro mundial de referências inteiramente novo, diferente por completo daquele em que nos acostumamos a raciocinar e agir.

Não foi sem razão que o arguto e saudoso homem público e ex-

Chanceler brasileiro, Prof. San Thiago Dantas, ao falar na solenidade em que recebeu o título de Homem de Visão de 1963, chamou a atenção para o fato de que, no Brasil, as elites dirigentes pareciam não compreenderem as mensagens

contidas nos apelos de renovação feitos pelo povo brasileiro, nitidamente expressos em várias ocasiões da nossa História recente. Dentre elas, apontou: as

reveladas na eleição do Sr. Jânio Quadros; no apoio dado à Constituição vigente e a posse do Sr. João Goulart na Presidência da República e os poderes que lhe foram conferidos, com a maciça votação do plebiscito. Em todos esses momentos

históricos, o povo deu o consentimento e o apoio, de modo expressivo, às mensagens preconizando reformas dos costumes políticos e das nossas

instituições econômicas e sociais. Infelizmente, não foram compreendidas pelos governantes, que se revelaram também sem capacidade para desempenharem o papel que a História lhes reservara.

Desde então, muito pouca coisa mudou no sentido de aprimoramento das nossas elites governantes. Continuamos a aprender com os nossos próprios erros acertos.

10.1 A crise das elites

O estado de crise em que vivem as elites dirigentes no país é um fato

notório, principalmente nas últimas décadas da nossa história política. Por vários

motivos, reais uns, outros imaginários. É como se, à míngua de valores espirituais, éticos e culturais que dão estabilidade e assinalam rumos às pessoas

e às sociedades humanas, todos vivessem sob o domínio e incertezas da especulação financeira via internet, a nível interno e internacional. Os exemplos são numerosos a esse respeito, e podem ser colhidos tanto no passado recente

como em nossos dias, pois não foram esquecidos pela população que os acompanha diariamente através da mídia impressa e televisiva, no ano 2.000.

No âmbito do Congresso Nacional, a Comissão Parlamentar de

Inquérito - CPI do sistema bancário encerra as atividades em novembro e pede que o Ministério Público investigue o Banco Central em razão dos empréstimos

concedidos aos bancos privados por meio do Proer – Programa de Estímulo à

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Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional. Segundo a CPI, há indícios de que nessas operações tenham sido praticados atos irregulares.

O relatório afirma ainda que o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, teria forjado os documentos referentes à operação de compra de dólar futuro pelos bancos Marka e FonteCidam na semana em que o real sofreu uma

máxi-desvalorização na grande crise cambial ocorrida ao fim do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Os membros da CPI pediram o enquadramento da diretoria do Banco Central por falsidade ideológica e peculato.

Os parlamentares da CPI do Judiciário também concluíram os trabalhos em novembro, após terem recebido 4.150 denúncias contra esse poder.

O relatório final encontra irregularidades nos nove casos investigados. O de maior repercussão é o que comprova o desvio de l69,5 milhões de reais das obras do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. A CPI acusa o juiz-

presidente daquele Tribunal trabalhista, Nicolau dos Santos Neto, de ter desviado os recursos e denuncia ao Ministério Público l4 juizes e desembargadores.

No relatório final, a CPI do Judiciário pede ao Ministério Público que

investigue o senador Luiz Estevão (PMDB-DF), suspeito de enriquecimento ilícito, atos lesivos ao patrimônio público e falsidade ideológica.

Ao mesmo temo, a CPI do narcotráfico efetuou a prisão de 115 acusados de participação do crime organizado nos estados de Alagoas, Piauí, Maranhão, Acre e São Paulo. Entre os envolvidos estão policiais militares,

delegados, juizes, advogados, deputados e prefeitos. O deputado federal Hildebrando Pascoal teve o mandato cassado por falta de decoro parlamentar,

após haver admitido perante a Comissão de Justiça da Câmara ter assinado salvo-condutos para criminosos. Pascoal fora acusado também de chefiar um esquadrão da morte no Acre. Nas investigações, a Polícia Federal reúne indícios

do envolvimento de Pascoal com o narcotráfico, e responde preso às acusações que lhe foram feitas pelo Ministério Público Federal.

Depois disso, o que se viu, ouviu e leu na imprensa foram os embates

travados pelas principais lideranças políticas do Congresso Nacional, em que eram acusados de adulteração do resultado de votação o presidente do Senado

Federal e o líder do Governo com a quebra do sigilo no painel eletrônico do Senado na votação secreta de cassação do mandato do senador Luiz Estevão, envolvido em irregularidades no caso do Tribunal Regional do Trabalho de São

Paulo, cujo fato levou os acusados à renúncia dos seus mandatos de senadores da República para fugirem à cassação iminente.

Na seqüência de fatos desse jaez jamais ocorridos na história do Parlamento nacional, o senador Jader Barbalho, da representação do estado do Pará e presidente do maior partido político nacional, o Partido do Movimento

Democrático Brasileiro - PMDB, foi eleito por seus pares presidente do Senado e do Congresso Nacional, com o apoio do governo, em substituição ao senador ACM, que renunciara ao mandato no Senado Federal. Acusado de malversação

de dinheiros públicos em seu estado natal e investigado pela Comissão de Ética do Senado, o senador Jader Barbalho viu-se obrigado a renunciar à presidência

do Senado Federal, à presidência do seu partido, o PMDB e, afinal, ao mandato

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de senador da República, a fim de defender-se das acusações judiciais e evitar a cassação do mandato por seus pares, pressionados pela opinião pública nacional.

Por esse tempo, várias instituições internacionais adquiriram bancos brasileiros, o que aumentou a participação do capital estrangeiro no sistema bancário nacional e sua marcha rumo à internacionalização. Segundo o Banco

Central, a participação de bancos com controle estrangeiro no total de ativos salta de 7,16%, em 1994, para 33,11% em 2.000. Destacam-se a compra do Bamerindus pelo britânico HSBC; do Noroeste e do Banco Geral do Comércio

pelo espanhol Santander; do Banco Real pelo holandês ABN-Amro; do Excel Econômico pelo espanhol Bilbao y Viscaya; e do Bandeirantes pelo português

Caixa Geral de Depósitos.

Nas áreas da indústria (química, farmacêutica e de bens duráveis), do comércio (preços e qualidade dos produtos), de serviços (água, energia elétrica,

telefonia, gás e combustíveis), assim como em razão de ações criminosas contra o eco-sistema pelo país afora, existem denúncias comprovadas a órgãos administrativos (Cade, Procon, Inmetro, Ibam e outros) e ao Judiciário, para as

providências cabíveis em defesa da sociedade e/ou dos consumidores contra a formação de cartéis e aumentos abusivos de preços. Nestes casos, os abusos

parecem não terem limites, pois as irregularidades acontecem com maior freqüência exatamente no setor de serviços, cujos preços são acompanhados e fiscalizados por órgãos da administração pública, os quais deveriam atuar em

defesa dos consumidores lesados em seus direitos.

Vivemos, é certo, num sistema político aberto, democrático, do

neoliberalismo econômico, que possui os seus próprios meios legais de autodefesa e de defesa dos interesses da sociedade. E a comunidade brasileira, esclarecida e informada pelos meios de comunicação, exige cada vez mais

fortemente transparência e moralidade na vida pública, devendo partir das elites governantes o exemplo de seriedade e de compromisso com a defesa dos interesses do povo. Também exige comportamento igual de todos aqueles que,

pertencentes à elite de uma das diversas categorias do setor privado, têm uma parcela maior ou menor de responsabilidade nos destinos do país.

Diante de tais fatos como os descritos acima, acintosos, moralmente repugnantes e com punição prevista em lei, perguntar-se-á: se escasseiam pessoas capazes profissionalmente, honrados e portadores das virtudes cívicas

de espírito público e amor à pátria entre as elites dirigentes, o quê deve ser feito para preservar o futuro do país?

10.2 A Formação das elites – Império e República

No livro “Populações Meridionais do Brasil”, o eminente cientista

social e político, Oliveira Vianna, apresenta-nos um balanço sobre a formação das elites políticas brasileiras, abrangendo grande parte do Segundo Reinado e os primeiros tempos da República. Inicia o estudo pelo meio físico, o ambiente

social, político e cultural em que viveu o povo-massa e se desenvolveu naquela

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época do país. Perquiriu ainda os traços psicológicos positivos mais marcantes de que eram possuidores os seus líderes, bem como o compromisso que tinham com

o interesse coletivo no exercício das funções públicas. Exceção feita de alguns nomes e personalidades pertencentes a uma estirpe superior de homens públicos, que se impuseram por suas qualidades pessoais de inteligência, caráter,

dedicação à causa pública e amor ao Brasil, o que revela o estudo não é propriamente um quadro animador com relação às elites dirigentes nacionais. Sobretudo aquelas situadas nas regiões do sudeste e sul do país, compreendendo

os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e, em parte, o Rio Grande do Sul, predominantes no país, onde os costumes políticos do povo-massa e a

cultura das elites não privilegiavam uma ação baseada no “espírito público” dos governantes. E conclui: o que teria evitado um verdadeiro colapso político-institucional no país foi a visão do problema pelo Imperador D. Pedro II, ao

selecionar e criar uma elite dirigente de primeira qualidade do Brasil e para o Brasil.

Muito tempo antes de Oliveira Vianna, outros analistas e estudiosos da vida política nacional, em comentários feitos após a Assembléia Constituinte e

a Constituição imperial de 1824, cujos trabalhos de redação do texto final pela Comissão de Notáveis foram concluídos em 15 dias, registraram, conforme escreveu Aurelino Leal, conceitos emitidos por Moreira de Azevedo, do seguinte

teor: “O projeto de constituição que o Imperador apresentou à discussão, refere Drummond, ele o achou feito no Apostolado, onde tinha sido apresentado por

Martim Francisco, para aquele fim. A Comissão ajuntou-lhe os Conselhos provinciais, que o projeto originário não tinha”... E o “Poder Moderador”, como “a chave de toda organização política”. (Aurelino Leal, “História Constitucional do

Brasil”, ed, DIN, Rio, 19l5-106). Quanto ao mais, Antonio Carlos, no seu discurso de 1840, dá como

fontes da Carta de 1824 (e, portanto, do projeto), “a Constituição Francesa em grande parte e a da Noruega, em outras”. Diz Aurelino Leal, ser “incontestável

que as fontes foram buscadas com sabedoria. A Constituição da Noruega”, afirma Dareste, “é, em data, a primeira de todas as Constituições monárquicas que sucederam as constituições do período revolucionário e imperial. Seignobos

também declara a Constituição norueguesa de 1814, “a mais democrática da Europa”.

Por outro lado, não somente a qualidade intelectual como a psicologia desse primeiro parlamento nacional tem sido diferentemente julgada. De acordo com a opinião de Rodrigo Otávio Filho: “não parece justo o conceito de Armitage,

quando conclui que na Assembléia Constituinte, à exceção dos três Andradas, poucos indivíduos havia acima da mediocridade, opinião em que, aliás, o acompanhava Drummond. É, sem dúvida, mais verdadeiro o que pensam

Valadão, Homem de Mello, José de Alencar, Pereira da Silva e Rodrigo Otávio, que rebateram com justiça, a má impressão do historiador inglês. (Cfr.“A Constituinte

de 1823”, pág.171).

Retornando ao mesmo assunto na obra “Instituições Políticas Brasileiras” (Liv. José Olympio ed., Rio, v. 2, l949 - 377 e seguintes), Oliveira

Vianna acrescenta ao estudo iniciado sobre as elites políticas brasileiras, que

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duas causas permitiriam a formação de uma elite admirável durante o Segundo Reinado: “primeiro, a gestação no seio do povo – por força de hereditariedades

eugênicas combinadas – de individualidades superiores, dotadas organicamente, constitucionalmente, de espírito público e de “espírito de serviço”. “Segundo, o mecanismo seletivo que o Império organizou permitindo a fixação desses homens

superiores no serviço do país”.

Desde que instituímos em 1824 o Império brasileiro, com três esferas de interesse e de administração, essa tríplice estrutura administrativa e política

exigiria, logicamente, três ordens de executores ou três elites: a elite municipal; a elite provincial ou estadual; a elite nacional, as quais não existiam, organizadas.

Então, tal como na sabedoria dos evangelhos: “escolheu Moisés homens capazes de todo o Israel, e os pôs por cabeças sobre o povo: maiorais de mil, maiorais de cento, maiorais de cinqüenta e maiorais de dez”.

Pois, então “Os homens de mil” – os homens da elite política do Brasil – não existiam como classe constituída. Tanto os partidos, como os homens públicos do templo, todos traziam uma mentalidade localista ou, no máximo,

provincialista. Raríssimos deles exibiam uma mentalidade nacional, um horizonte nacional, um sentimento nacional – um ethos nacional”. ( grifo nosso)

Esses “homens de mil” só surgiram depois: - com a organização centrípeta da ação real. Eram eles que possuíam durante o Império, o “espírito

nacional” e se comportavam na vida pública - como cidadãos do Brasil.

Homens assim tão grandes, não eram porque inspirados no povo-massa, na sua “cultura” e seus complexos respectivos. “Um Paraná, um

Vasconcelos, um Uruguai, um Itaboraí, um Rio Branco, um Nabuco de Araújo, um Caxias: - esses homens não tinham evidentemente a inspiração popular; eram

homens de moldagem carismática - homens formados pelo Imperador. Consciente ou sub-conscientemente, era deste a mensagem que traziam em nome do povo”.

Esta elite dos “homens de 1.000”, o Império a formou através desses

três grandes centros de fixação dos valores no governo político: “o ministeriado, que tinha a função de um teste de experiência para as duas outras corporações

seguintes, que eram – o Conselho de Estado e o Senado, um e outro de provimento vitalício. Nestes três centros de experimentação de capacidade política e estadística, o imperador colocava os homens da grande elite que fez o Império e

a sua grandeza”.

Dom Pedro II – por esta seleção criteriosa e ainda mais pelo exemplo da sua própria personalidade e chefe do Poder Moderador, pela censura da

moralidade por ele exercida com o “lápis vermelho”, criou o homem público no Brasil e do Brasil. Tivemos então uma grande estirpe de homens públicos e

verdadeiros estadistas à frente dos negócios do Estado no Segundo Reinado, assinala Oliveira Vianna.

De outra parte, a criação dos cursos jurídicos e sociais do Brasil, em

11 de agosto de 1827, nas cidades de São Paulo e Olinda, constituiu um momento de grande importância na formação de uma elite intelectualmente

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preparada e necessária ao País, o que antes só era possível em Lisboa e outros centros culturais europeus. Nas suas memórias, o Visconde de São Leopoldo,

ministro que referendou a lei que criou os cursos jurídicos no Brasil, aprovada por D. Pedro II, escreveria mais tarde que, daqueles centros culturais e de outros semelhantes que seriam criados no futuro, sairiam homens e mulheres que,

“depositários algum dia de maior ou menor porção de autoridade, constituíssem pela sua capacidade e pelas suas luzes, a força dos Estados”.

Em verdade, foi o que ocorreu. Principalmente, com a implantação do

regime republicano de base democrática e representativa no país, após a queda do Império em 1889, em que a escolha dos dirigentes nos três níveis de governo –

federal, estadual e municipal – deveria ser feita pelo voto popular, secreto e com mandatos renovados de quatro em quatro anos. Dir-se-á então que, em que pese esse fato, no período republicano de governo, a temporariedade dos mandatos

populares não tem contribuído para a formação de uma elite política estável, de comprovada capacidade intelectual e moral e com espírito público, dado a fragilidade do sistema político-partidário por nós adotado, a influência do poder

econômico nas eleições e a extrema exposição pública a que estão sujeitos os candidatos a cargos eletivos.

O ministro e ex-senador da República, Tavares de Lyra, na obra “Instituições Políticas do Império” (co-edição do Senado Federal e Unb, Brasília, 1979-340 e segs.), assim como o eminente constitucionalista e ex-senador, Prof.

Pinto Ferreira, em “Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno”, 2o tomo, ed. Saraiva, São Paulo, 1962-680 e segs), fazem um balanço histórico das

instituições políticas no período do Brasil-Império e do seu funcionamento, colocando em relevo a atuação das elites dirigentes daquela época, o qual poderia servir de base a comparações com outros períodos da vida nacional.

O ex-senador republicano, Tavares de Lyra, informa que, em todo o Império brasileiro, houve 65 Gabinetes com a duração média de 12 e poucos meses para cada Gabinete; sendo que do período que vai de 1847, quando se

criou no Brasil o cargo de Primeiro Ministro, por decreto de 20 de julho desse ano, até 1889, data do último Gabinete do Império, o do Visconde de Ouro Preto,

existiram 32 Ministérios com a duração média de 16 meses cada um. Foi esse período o de maior estabilidade política do Império.

Deve-se esclarecer que, conquanto tenham existido no Brasil-Império

65 ministérios, isso não significa que todos estes ministérios tenham sido constituídos durante o regime parlamentarista, porque o parlamentarismo só foi

criado no Brasil ao fim da Regência de Feijó, quando Bernardo de Vasconcellos, demolidor constante de ministérios, deu margem a que Feijó apresentasse sua demissão e então foi nomeado Regente o Marquês de Olinda, que convidou o

deputado Vasconcellos para Chefe de gabinete.

Ainda sobre a estabilidade do ministério, Joaquim Nabuco, em seu livro intitulado “Um Estadista do Império” (São Paulo, 1936-381), assim se

expressa: “Antes de tudo o reinado é do Imperador. De certo, ele não governa diretamente e por si mesmo, cinge-se à Constituição e às formas do sistema

parlamentar; mas, como ele só é árbitro da vez de cada partido e de cada

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estadista, e como está em suas mãos o fazer e o desfazer ministérios, o poder é praticamente dele. A investidura do gabinete era curta, o seu título precário,

enquanto agradassem ao monarca; em tais condições só havia um meio de governar, a conformidade com ele. Opor-se a ele, aos seus planos, à sua política, era renunciar o poder”.

Durante a vida política do Segundo Reinado, desde a criação do cargo de prémier, isto é, desde 1847 até 1889, houve 32 ministérios, sendo que desses 32, 23 foram presididos por nordestinos. Ao invés do rotativismo paulista-mineiro

que ocorreu na Velha República brasileira, existia, ao contrário, um rodízio entre baianos e pernambucanos, a tal ponto que em 32 presidências de Conselho, 12

foram baianas e 5 pernambucanas, num total de 17, que representaram mais de 50% no total de Primeiros Ministros do Segundo Reinado.

A explicação é apenas esta: a liderança política é resultante de

condições sócio-econômicas e, como naquela época, no Brasil, a infra-estrutura econômica era baseada no açúcar e não no café, e as províncias do nordeste, especialmente Bahia e Pernambuco, eram mais ricas, mais populosas, tinham

um maior eleitorado, ao ponto de Recife ter mais de 100 mil habitantes e São Paulo apenas 30 mil, em 1872, daí resultou o fato significativo da liderança sócio-

política estar centralizada no nordeste brasileiro. Razão pela qual Joaquim Nabuco, no seu livro já citado “Um Estadista do Império”, afirmou que a Bahia foi a Virgínia brasileira, porque deu o maior número de prémiers, a saber: Caravelas,

Macaé, Monte Alegre, Ângelo Ferraz, Saraiva, Zacarias, Souza Dantas, Rio Branco e Cotegipe, ocupando 12 presidências de Conselho. E Pernambuco deu um

primeiro ministro com a categoria do Marquês de Olinda, que foi prémier 4 vezes durante o Segundo Reinado, afora João Alfredo, ao todo 5 premiers. Minas Gerais deu 4 primeiros ministros, a saber: o Marquês do Paraná, Martinho de Campos,

Lafaiette e Ouro Preto. A província de São Paulo, apenas 2 chefes de gabinetes, Paula e Souza e Pimenta Bueno.

Em resumo, essas presidências foram 12 ocupadas por baianos, 5

por pernambucanos, 5 por fluminenses, 4 por mineiros, 2 por paulistas, 2 por piauienses, 1 por alagoano e 1 por um português que se enraizou no Brasil, o

Visconde de Abaeté.

Dos aludidos ministérios (1847 a 1889), 17 foram liberais, 12 conservadores e 3 de conciliação.

Quanto à profissão ou formatura e graduação de seus membros, 19 eram bacharéis em ciências jurídicas, 4 doutores em cânones, 1 licenciado em lei,

3 bacharéis em matemática, 1 médico, 1 não se intitulou. Dos bacharéis, 9 se formaram pela Faculdade de Direito do Recife, 6 pela Faculdade de Direito de São Paulo e 9 pela Universidade de Coimbra. A idade média com que o estadista da

época subiu à presidência do Conselho de Ministros foi de 57 anos.

O Gabinete mais longo foi o do Visconde do Rio Branco, com cerca de 4 anos de duração, depois o de Cotegipe, que durou 3 anos e o último gabinete de

Caxias durou cerca de 2 anos e meio. Quanto aos Gabinetes mais curtos, no Segundo Reinado, foi o primeiro Gabinete de Zacarias, pelo período de 3 dias e

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durante o Primeiro Reinado, o Gabinete de Marquês de Paranaguá, de 1831, que durou 2 dias.

Dos 219 ministros de Estado do Império, a preponderância das províncias de maiores representações na organização dos gabinetes ministeriais é um fato que salta aos olhos. Somente 4 delas – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco

e Rio de Janeiro – tiveram mais da metade dos titulares das diferentes pastas, conforme revela Tavares de Lyra, no livro “Instituições Políticas do Império” (Brasília, Unb, 1978 – 343), e pergunta, por que? Responde ele próprio:

“Provavelmente pela necessidade em que se deparavam os chefes de gabinetes de contar com o apoio das bancadas numerosas para fortalecer as maiorias

parlamentares. Até ai, muito bem. Não há reparos a fazer. Onde os reparos são cabíveis é noutro ponto. Nem sempre eles se inclinaram pelos valores autênticos dessas bancadas. Muitas vezes escolheram para companheiros deputados de

problemática idoneidade intelectual, para quem a nomeação de Ministro representava apenas um prêmio de bom comportamento partidário. Não faziam sombra a ninguém e se conformavam em ir formar, como então se dizia, na fila dos estadistas do segundo time”.

E conclui Tavares de Lyra: “em todo caso, mesmo estes foram, em

regra e na medida de suas forças, colaboradores bem intencionados da obra de nossa grandeza realizada com falhas e imperfeições durante o Império: a defesa

da integridade territorial do país; a consolidação da ordem interna, os primeiros surtos de progresso material, a unidade moral da pátria, a formação do direito nacional, sem sacrifício de nossas aspirações liberais”.

Um outro testemunho de valor sobre a nossa história política no período imperial, encontra-se na publicação das atas do Conselho de Estado, pelo Senado Federal, sob a direção geral do historiador José Honório Rodrigues e, em

especial, após a Maioridade, no reinado de Dom Pedro II – 1841-1889, que foi de longe o período mais importante.

Através da leitura dessas Atas por pesquisadores qualificados e sob a orientação de eminentes cientistas políticos e sociais patrícios, é possível fazer uma avaliação criteriosa a respeito do que pensavam as elites dirigentes sobre o

Brasil e a solução dos seus problemas econômicos e sociais, assim como dos valores éticos e culturais defendidos.

Daí porque, com toda a propriedade indaga o cientista social José

Murilo de Carvalho, em trabalho de sua autoria intitulado “Teatro de Sombras: a política imperial” (Juperge, Rio, 1988- 114 e segs.):

“A pergunta que surge então de imediato, é sobre o significado dessa aparente dependência de modelos externos, é sobre a medida em que este fato possa ter afetado, quiçá distorcido a concepção do Brasil-

real e a visão do Brasil-desejado, bem como a definição dos caminhos que poderiam levar de um ao outro. É uma pergunta sobre a imagem

e o modelo de Brasil que tinham os conselheiros”.

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As Atas de Conselho de Estado, que em suas sessões plenas eram presididas pelo Imperador, “revelam com clareza posição eurocêntrica. Ou seja:

nas discussões e deliberações levadas a efeito, pode se dizer que os conselheiros em sua totalidade estavam convencidos de que o Brasil pertencia à esfera da civilização cristã européia e de que todo o esforço deveria ser feito no sentido de

conformá-lo nos padrões desta civilização”.

Como conseqüência, era também por todos considerada legitima a referência a países europeus, seja para esclarecer problemas nacionais, seja para

fundamentar propostas de legislação. E acrescenta o escritor José Murilo Carvalho:

“Nas 144 Atas consultadas, nada menos de 16 países europeus são citados. Em contraste, fora da Europa somente os Estados Unidos

eram considerados um modelo aceitável. Uma vez apenas aparece um país latino-americano, o México, quando da discussão da legislação de Minas. No que se refere à América do Sul, aliás, os conselheiros

não divergiam do conjunto da elite política que nela via apenas nações turbulentas, caudilhescas, pouco propícias à garantia das

liberdades públicas e (àquela época) hostis ao Brasil como nação e como monarquia. Ásia e África estão totalmente ausentes”.

Essa era a visão de mundo dentro do qual atuavam os governantes naquela época. De outra parte, sobre os valores e objetivos perseguidos pelas

elites dirigentes, com base nas Atas de Conselho de Estado, registra o precitado autor: „Mas se não havia dúvida de que a civilização se materializava nos países europeus, particularmente na Inglaterra e na França, o conteúdo do conceito era

algo frouxo. Incluía abstratamente o ideal de riqueza, de desenvolvimento industrial, de governo representativo, de liberdades publicas, de educação, de administração eficiente, etc. A esse nível de generalidade havia pouca divergência,

mas quando passava para as aplicações práticas, as coisas começavam a complicar-se. Em geral, era menos controverso o uso do conceito quando envolvia

padrões de convivência internacional ou valores éticos”.

Nestes casos, difícil e às vezes demorado era o processo de tomada de decisão pelo Conselho de Estado, o qual obedecia rigorosa seleção e escolha de

prioridades feitas pelo Imperador. Assim notavelmente foi na questão dos escravos; no encaminhamento dos assuntos referentes à guerra do Paraguai;

assim como a eleição direta; ... Tudo dependia do Poder Moderador, exercido pelo Monarca, definido como a “chave de toda organização política do Império”, conforme rezava a Constituição, até o último suspiro do Segundo Reinado no

Brasil.

Ao Brasil-Império substituiu o Brasil-República, em 15 de novembro de 1889, como um imenso teatro em que os atores são escalados a representar

diante do povo, ao qual pertence todo o poder. Consoante se fazia acreditar, a queda do Império brasileiro traduzia o descontentamento de amplos setores

sociais, militares, do alto clero e do povo-massa, o qual se não foi às ruas em apoio ao novo regime político instalado pelos militares, à frente deles o Marechal Deodoro da Fonseca, que aderira aos ideais da campanha abolicionistas e da

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República. Na organização do regime republicano, caberia ao povo soberano o poder político para a escolha dos seus governantes, organizados em instituições

democráticas e representativas da sociedade em que todos se sentissem membros de uma só nação, formada por cidadãos e cidadãs livres e iguais.

Ao se instalar a República com uma parada militar e sem o aplauso

do povo, os seus seguidores tentaram promover à categoria de heróis românticos os líderes do movimento vitorioso. Contudo, pairava uma atmosfera de ambigüidade envolvendo os acontecimentos verificados.

De acordo com Oliveira Vianna, seguido com maior ênfase por José Murilo de Carvalho na precitada obra “Teatro de Sombras”, a impressão de

ambigüidade que marcaram os fatos tanto na queda do Império como na proclamação da República, explicava-se porque:

“Tanto as idéias e valores que predominavam entre a elite como nas instituições implantadas por estas mesmas elites mantinham relações ambíguas de ajustes e desajustes com a realidade social do

país; uma sociedade escravocrata governada por instituições liberais e representativas; uma sociedade agrária e analfabeta dirigida por

uma elite cosmopolita voltada para um modelo europeu de civilização. A ambigüidade penetrava as próprias instituições”.

Oliveira Vianna, em “Instituições Políticas Brasileiras” (op. cit. 1948, II vol), referiu-se às elites políticas brasileiras daquela época, acusando-as de

“marginalismo jurídico” porque exerciam a atividade política com “idealismo utópico”. Ou seja: na sua prática política, havia uma discrepância insanável entre o mundo real e o mundo desejado ou ideal, entre o Brasil-real e o Brasil-ideal,

que é uma aspiração de todos os brasileiros. Segundo nos parece, não é divergente a conclusão a que chegou o ilustre cientista social e político José Murilo de Carvalho (op. cit. 1988 – 130), quando escreveu:

“Mais próximo do quadro que se nos abriu está a análise que

Guerreiro Ramos faz do formalismo, isto é, da discrepância entre a norma e a realidade. A adoção de idéias e instituições alheias, base do formalismo brasileiro, não seria, segundo ele, um indicador de

alienação, de desconhecimento da realidade, mas, antes, uma estratégia de mudança social e de construção nacional concebida por

sociedades prismáticas derivadas do mundo europeu. Seria mesmo uma estratégia de articulação com o mundo de origem e de referência ... Esta defesa do formalismo, da cópia de instituições estrangeiras,

contra os ataques de Oliveira Vianna e mesmo do Visconde do Uruguai, possui traços desafiadores na medida em que aponta para aspectos dinâmicos das relações entre o pensamento nacional e a

influência externa, fugindo da dicotomia estéril: “idéias no lugar” – “idéias fora do lugar”.

Finalizando estas reflexões, e ainda a propósito da discussão sobre a

dicotomia entre o país-real, que temos, e o país-ideal, desejado e viável, que é o

sonho de todos os brasileiros, no centro da qual colocou-se a figura emblemática

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e patriótica de Rui Barbosa, um dos construtores do regime republicano e do Estado de Direito Democrático em nosso país, após a queda da monarquia

bragantina, é conhecido o seu interesse pelas “questões sociais que agitavam o mundo” no final do século XIX e início do século XX, quando colocou o tema na sua plataforma política como candidato à presidência da República, em l910, e,

mais tarde, nos seus discursos de propaganda na sua segunda campanha presidencial de 1918.

A evolução do pensamento político de Rui estava de acordo com as

novas idéias em curso, que passaram a fazer parte da agenda de governantes nas sociedades mais avançadas, e foram acolhidas pelo nosso direito trabalhista, bem

como pelo Estatuto básico da República, a partir da Constituição Federal de 1934, e nas que se lhe seguiram.

De certo, ao tempo em que Rui se graduou em Direito e exerceu uma

enorme influência como centro de autoridade política, mesmo quando fora do poder e do governo e apenas como parlamentar, advogado e publicista, até à sua morte em l923, a ciência do Estado e a ciência da Sociedade não se serviam da

mesma metodologia no estudo, interpretação e aplicação do direito público.

Na época de Rui, em razão do estado embrionário das ciências sociais

e da ciência política, a doutrina do Estado e o direito público cuidavam mais dos princípios universais pertinentes à criação dos Estados, em qualquer lugar ou tempo, assim como das formas de governo, organização e separação dos poderes,

dos direitos e garantias individuais e dos cidadãos, etc, deixando ao legislador, ordinário ou comum, a tarefa de adaptá-los às condições de cada sociedade, de

cada Estado nacional, o que continuamos a fazer até hoje no Brasil. Buscamos cada vez mais, sintonizar a Constituição e as leis com a realidade social, política, cultural e as necessidades do país. É o que ocorre atualmente, por exemplo: com

a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal para os agentes da administração pública, assim como poderá ocorrer com a exigência da fidelidade partidária, o financiamento pelo Estado das eleições no país, o que contribuirá para a

melhoraria do nível intelectual e do padrão ético da representação popular em todos os níveis, diminuindo ainda o poder de barganha dos agentes do poder

econômico em privatizar o Estado.

Sobre Rui Barbosa, como advogado, membro do Parlamento e homem de Estado do Brasil, disse-o bem Oliveira Vianna, em sua admirável obra já

citada “Instituições Políticas Brasileiras” (op.cit.v.2,1949-73/74), o que segue: “Em Rui há o perecível e o eterno. ... “Há o eterno, quando ele institui o regime

presidencial; não tanto pelo regime presidencial em si, porque este regime importa em reconhecer - como já o haviam reconhecido os estadistas do Império, de tipo hamiltoniano (Feijó, Vasconcelos, Uruguai, Paraná, Caxias, Itaboraí, Rio

Branco) - a necessidade de um poder central forte no Brasil: e, neste ponto, ele viu claro e previu o futuro”.... Sejamos justos e razoáveis: - “a glória de Rui não está na sabedoria construtiva das instituições que ajudou a criar; estas

instituições estavam em desacordo com as realidades do seu país e nunca foram aplicadas. O que constitui a glória de Rui são os ideais, a que consagrou a sua

vida e o seu gênio. É sua obra doutrinária e forense de defesa da Justiça, do Direito, da Legalidade. É o amparo que ele trouxe - contra a violência dos

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potentados e contra os abusos dos poderosos - aos fracos e aos perseguidos, aos quais ele nunca se esquivou de consagrar toda a riqueza de atributos geniais,

com que a Natureza ou a Providência lhe enobreceram a maravilhosa inteligência”.

1. Modernização da sociedade

Como vimos anteriormente, existe no Brasil, como desafio à presente

geração, um espírito de inconformismo e rebeldia contra o estágio de atraso em que se encontra o país, e, ao mesmo tempo, a compreensão de que é possível e

necessário lutar e vencer as dificuldades com que nos defrontamos, mediante a exploração racional das nossas potencialidades em recursos materiais e humanos, com o apoio da ciência e da tecnologia modernas.

Em linhas gerais, o fenômeno que agita as sociedades humanas emergentes em nosso tempo, no sentido de ingressarem celeremente na modernidade, é conhecido e identificado há algum tempo pelos cientistas sociais

e políticos, ligados ou não a organizações privadas ou públicas, com atuação de âmbito nacional ou internacional. Porém, nas suas implicações econômicas,

sociais e políticas dizem respeito muito mais de perto aos governantes dessas sociedades, aos quais são cobradas permanentemente soluções dos problemas.

A depender das condições de cada povo, quer seja no que diz respeito

aos recursos materiais e humanos e de acesso à tecnologia, quer aos fatores políticos e psícossociais presentes, o fenômeno comporta a confrontação de

determinado número de fatores – quantitativos e qualitativos – os quais permitem reunir algumas características ligadas ao estágio de subdesenvolvimento ou atraso, de fácil observação nas sociedades em vias de

modernização ou emergentes.

Antes da definição de uma sociedade moderna, que é a situação típico-ideal a que tendem as sociedades em desenvolvimento, será necessário

dizer algumas palavras com respeito ao que se passa entre o economista e o sociólogo, quando abordam o mesmo objeto material – a sociedade tradicionalista

ou subdesenvolvida -, cada um encarando o fenômeno de seu ângulo de visão, com a diferença de enfocá-los de uma perspectiva de diferentes objetos formais. Para isso, acolhemos a lição do Professor A. Machado Neto, ao escrever no seu

livro “Sociologia do Desenvolvimento”, o seguinte: “Para o economista, o desenvolvimento econômico é um processo caracterizado pela tendência a um

considerável incremento da produtividade da mão-de-obra, o que se atualiza consoante a caracterização estrutural de Colin Clark – pelo deslocamento da população ativa empregada no setor primário para os setores secundário e

terciário da estrutura econômica. Na visão do sociólogo, o mesmo fenômeno – que então assumirá a construção mais ampla de desenvolvimento social – poderá ser definido, nas palavras do Professor Florestan Fernandes, como “a multiplicação

das formas de interação numa determinada sociedade, acompanhando o desenvolvimento cultural”. (Machado Neto, A.L, “Sociologia de Desenvolvimento”,

ed. Tempo Brasileiro, Rio, l963-9).

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Conclui o autor acima mencionado dizendo que o “estilo desse estudo não pode ser outro senão o da formalização típico ideal, segundo a lição

weberiana, seja da forma de vida no subdesenvolvimento como no desenvolvimento, em especial, no transacional da existência que é o nosso, no presente, ainda mergulhados em grande parte no atraso da situação

subdesenvolvida, mas já encaminhados no processo da industrialização. Com efeito, quem fala em subdesenvolvimento pressupõe o desenvolvimento, “refere ou menciona uma situação desenvolvida que aparece, assim como o modelo ou

arquétipo social de uma dada época da qual o subdesenvolvimento será uma etapa inferior, defectiva ou carente e prévia. Nessa prévia, o otimismo”. ( Neto, M.

id. ib. p.10)

Para o cientista político, o desenvolvimento é um processo que inclui mudanças econômicas e sociais, mas o ponto de enfoque é exatamente o

desenvolvimento da capacidade governamental para dirigir o curso e a escala de prioridades das mudanças econômicas e sociais, desejáveis, no momento.

No interesse do nosso estudo, é importante saber o que se entende

por uma sociedade moderna, industrial ou desenvolvida, de que são paradigmas as do Mundo Ocidental, ou, de acordo com jargão político, pertencentes ao

chamado Primeiro Mundo. Transcrevemos, a seguir, o conceito de sociedade moderna apresentado por Coleman: “A modern society is characterized, amongh other things, by a comparatively high degree of urbanization, widespread literacy,

comparatively high per capita income, extensive geographical and social mobility, a relatively high degree of commercialization and industrialization of the

economy, an extensive and penetrative network of mass communication media, and, in general, by widespread participation and economic process”. (Almond & Coleman,” The Politics..., op. cit., p. 532).

Como se vê, a presença em maior ou menor escala dos elementos característicos do desenvolvimento econômico e social constitui critério de

aferição do grau de modernização, o que, segundo a classificação de Almond, não tem conexão necessária com o tipo de sistema político que a sustenta, autoritário ou não autoritário.

O que é então modernização? O eminente cientista político Hélio Jaguaribe oferece-nos uma outra resposta: “Aplicado às sociedades, o conceito de modernização, em sentido amplo, diz respeito à criação, ao acompanhamento ou

à recuperação, por uma determinada sociedade, de padrões de procedimentos – culturais, econômicos, políticos e sociais – da atualidade em cada momento

histórico dado”.

A partir desse conceito, a idéia de modernidade, que possui embutidos em si os valores do progresso, segurança, do conforto, qualidade de

vida e renda, longevidade, da criatividade, tem sido o fundo comum de todas as ideologias não reacionárias, como o capitalismo e o socialismo.

E o processo de modernização social tem sido, invariavelmente, definido com referência às características sociais expressas em estatísticas.

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Assim sendo, transposto um determinado limiar nas estatísticas sobre urbanização, educação, produção, comunicações, habitação, saúde,

segurança, IDH e mais, considera-se a sociedade em questão uma sociedade desenvolvida ou moderna.

E o sistema político para uma sociedade moderna, deve ser,

fundamentalmente, eficiente na produção de governos que governem e sejam capazes de promover o progresso e o bem estar de todos.

2. Mudanças sociais e a influência dos modelos

A condição de país recipiendário do capital financeiro e do conhecimento científíco e tecnológico elaborado por outros povos em alguns

setores de atividades humanas, tem levado membros da elite da vida nacional adotarem atitudes reveladoras de um inexplicável complexo de inferioridade diante do que é feito, ou existe em outros países, difícil de ser entendido pelos

estudiosos da nossa história, principalmente a recente. Até porque, grande maioria das pessoas, lá fora, admira o nosso país, faz dele e de seu povo uma

imagem positiva no presente e acredita nas grandes possibilidades de progresso e de bem estar em futuro próximo. Nós aqui relutamos em fazê-lo. Parece até que não acreditamos em nós mesmos, na capacidade de trabalho e realização do

nosso povo e nas possibilidades do conhecimento e de acesso às tecnologias modernas para conseguir esses objetivos. E, é fato indiscutível: nenhuma

coletividade humana poderá alcançar o desenvolvimento econômico e social sustentável, se não somar àquelas pré-condições atitudes reveladoras de seriedade, determinação e racionalidade na ação empreendida pelos governantes.

Geralmente nos inibimos mais em razão de riscos futuros do que na tentativa de buscar soluções adequadas para os desafios enfrentados. E, talvez porque o futuro parece carregado de surpresa e perigo, ficamos entre as

tendências conservadora, de não ousar em busca do novo, e a progressista, seguindo os anseios populares por mudanças, na ordem interna e internacional.

Historicamente, o povo tem sido favorável às mudanças, sim, rápidas ou urgentes, também, de acordo com as necessidades, mas sempre dentro da lei e da ordem do Estado Democrático de Direito. De certo, o lado emocional é

indispensável à ação. Porém, jamais deve contar como razão de agir.

Hodiernamente, as fontes primordiais de inspiração do processo de

organização econômica são os da sociedade competitiva, da “sociedade aberta” e livre do neocapitalismo, que privilegia as forças do mercado. Socialmente, se apóia na obra de engenharia das classes sociais organizadas segundo uma

hierarquia, em que predominam 20% de grupos sociais e de países que acumulam os ganhos auferidos e vivem bem, enquanto os outros 80% restantes são marginalizados e excluídos, de acordo com as regras assimétricas de mercado

estabelecidas pelos arautos da avassaladora onda de globalização em curso no mundo, cujos problemas foram identificados por Hans Peter Martins e Harold

Schumann, no livro “A Armadilha.da.Globalização”, publicado pela editora Globo (S.Paulo,5a edição,1999). Politicamente, afirma profissão de fé em defesa da

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liberdade, tanto na vida interna como no convívio internacional, justamente quando grupos formados por países hegemônicos estreitam cada dia mais os

caminhos que poderão conduzir a humanidade rumo à vitória do sistema democrático de governo, à prosperidade e à promoção do bem-estar social em todo o mundo.

Conquanto não seja exato vincular o atual tipo de programação do esforço desenvolvimentista brasileiro aos moldes clássicos do neoliberalismo econômico, de que são exemplo os Estados Unidos, a Inglaterra, Canadá, e outros

países do mundo ocidental, é possível identificá-lo com um tipo “misto” em que larga faixa dos setores básicos da produção é de propriedade ou está sob o

controle direto ou indireto do Estado, a exemplo do que ocorre, entre nós, com o petróleo, a produção e distribuição de energia elétrica, água, gás, telefonia, fixa e móvel; mineração, transporte, comércio exterior, crédito, câmbio, setor financeiro,

preços administrados ao mercado consumidor, e o setor entregue à iniciativa privada, que avançou recentemente nas suas posições em razão do programa de privatizações de empresas públicas levado a efeito pelos Governos federal,

estaduais e municipais e do Distrito Federal, assim como as parcerias empresariais realizadas em vários setores da economia nacional, principalmente

na telefonia, no sistema bancário, agro-industrial, no comércio, bens e serviços e outros.

Dentre os paradigmas que entre si disputam a primazia – o

capitalismo e o socialismo -, os quais são considerados modelos clássicos e já institucionalizados em diferentes países, os países em desenvolvimento buscam

uma “terceira posição”, ou mesmo uma “terceira via”, provavelmente mais adaptada às novas condições mundiais surgidas pós-queda do muro de Berlim, como sugerem os trabalhistas ingleses, sob a liderança do Primeiro Ministro Tony

Blair, da Grã Bretanha.

Outra forma de enfrentar os problemas poderia ser encontrada na busca de “soluções alternativas”, como preconizou o Partido dos Trabalhadores

(PT), Brasil, em janeiro de 200l e 2002, nas reuniões do Fórum Social Mundial, realizadas na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, em que

propõe “a intervenção do Estado na correção das desigualdades sociais”, em resposta ao que postulavam os partidários do neoliberalismo, reunidos em Davos (Suíça) e Nova Iorque, em janeiro de 200l e 2002, defensores do mercado, com o

livre trânsito de mercadorias e de capitais, os quais seriam regulados de acordo com a força dos interesses em jogo.

Não sendo possível e nem aceitável a renúncia à liberdade, o que é um preço demasiadamente alto a ser pago na obtenção do desenvolvimento econômico e social à moda do “socialismo real” e/ou dos regimes autoritários,

civil e militar, ou do ao populismo, que também já tivemos no Brasil, bem como em outros países visinhos, e que agora ameaça ressurgir na América do Sul, busca-se introduzir técnicas de programação setorial, regional e global,

racionalizando dessa forma o esforço coletivo na construção de um projeto nacional de desenvolvimento econômico com justiça social, mediante a utilização

do poder do Estado como regulador e principal coordenador da iniciativa privada,

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dos entes públicos estaduais, municipais e demais órgãos da administração pública e da sociedade civil organizada para esse desiderato.

O que se observa no grande debate nacional travado pela mídia entre os principais candidatos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, nas eleições de 2002, é que está em marcha uma verdadeira revolução pelo voto

popular, priorizando profundas mudanças nos setores econômico, social e político, e um padrão ético mais elevado e patriotismo das elites governantes do país. A mensagem dos eleitores aos políticos parece clara e muito simples:

resultados colhidos por institutos especializados em sucessivas pesquisas de opinião pública, revelam que o preferido do eleitor para ocupar o cargo de

presidente da República é o candidato mais identificado com os problemas imediatos do povo, com apropriada visão de mundo e de futuro do país e possuir as características de um líder forte, honesto e capaz de fazer um governo que

propicie oportunidade para obtenção de uma vida decente e confortável a todos os brasileiros .

Independentemente de modelos doutrinários ou ideológicos, tudo indica que, afinal, chegamos ao ponto crucial de „mutação‟ histórica no Brasil,

diante do qual só restará à classe política fazer como o astuto político mineiro Antonio Carlos, a fim de não ser ultrapassado pelos acontecimentos e assegurar a sobrevivência política, quando aderiu ao movimento revolucionário de 1930,

chefiado por Getúlio Vargas: “Façamos a Revolução, antes que o povo a faça”.

Pois, como se vê, na democracia plebiscitária que praticamos atualmente no país, com o forte apoio da mídia eletrônica, impressa e televisiva, os partidos políticos perdem a expressão rapidamente, e tudo pode acontecer, por

obra da manipulação da opinião pública. 3. Forças atuantes no processo de transição em curso

O anseio de efetuar uma transição pacífica da sociedade tradicionalista e rural brasileira numa comunidade predominantemente urbana,

moderna e informatizada, constitui, no Brasil, o centro das atenções do povo, em geral, e também dos governantes, sendo essa uma prioridade firmemente defendida pela sociedade civil organizada como objetivo a ser alcançado, a médio

prazo, em benefício de todos os brasileiros.

As transformações exigidas caracterizam-se, em resumo, como metas

abrangentes visando não só a implantação de novos setores de atividades como reorganizar e modernizar as estruturas econômicas e sociais e o aparelho político, institucional e administrativo do Estado, mediante intervenções capazes de

promover um salto qualitativo e uma nova “harmonia criada” – expressão de Myrdal – da sociedade com o apoio do poder público, elevado à categoria de principal agente planejador e organizador da vida social, com a cooperação da

iniciativa e do esforço privados.

No Brasil, a partir da década de 30 do século passado, teve início

uma experiência nova nessa direção, cujo significado e projeção no quadro das transformações em curso no país não podem ser deixadas de lado.

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Com efeito. Nos dias que correm, ao lado das forças formidáveis representativas dos interesses externos, de origem regional ou mundial, atuantes

na vida nacional, principalmente nos setores financeiro, telefonia, comércio exterior, entretenimento e cultura, ou as que atuam no tráfico de drogas e de armas, da violência organizada e outras atividades ilegais, existem, de outra

parte, forças endógenas de caráter nacionalista ou não, de natureza privada e não governamentais, que atuam de diferentes formas: no estudo e debate dos problemas de interesse público, as quais se empenham na orientação da opinião

pública e dos quadros dirigentes nacionais, projetando cenários que, decisivamente, mostram a importância de soluções alternativas possíveis em cada

caso, e influenciam nas decisões a serem tomadas pelas autoridades no esforço de modernização da sociedade brasileira.

Dentre as forças atuantes e mais prestigiosas dedicadas ao estudo e

debate dos diferentes temas de interesse da sociedade, com capacidade para pugnar por soluções adequadas dos problemas nacionais, colocando-se em posição acima de uma visão particularista ou politico-partidária, encontram-se: (i)

primeiro, a “intelligentsia brasileira”, constituída por aquelas pessoas que fazem parte de um estrato social qualificado intelectualmente e desempenham

atividades de caráter técnico-científico, bem como os de outras áreas do saber que, de uma forma ou de outra, participam do esforço coletivo de pensar o Brasil ou do trabalho de racionalização do processo de mudanças da nossa sociedade,

em todos os setores da vida nacional; (ii) segundo, os empresários progressistas, os quais se empenham na dinamização dos setores de produção nas áreas da

agricultura, industria, comércio, bens e serviços, onde servem também ao desenvolvimento do país, muito embora a atividade empresarial tenha como principal motivação o lucro; (iii) terceiro, os operários, organizados ou não em

sindicatos ou associações de classes, ainda que se encontrem em situação difícil atualmente para dialogar em defesa dos seus direitos, em face da recessão econômica e do desemprego estrutural.

Além destas, outras forças poderiam ser identificadas, de natureza externa, ligadas ao mundo científico e tecnológico, aos interesses industriais,

agricultura, comércio internacional e finanças, cultura, meios de comunicações, esportes, turismo, e mais coisas da chamada “aldeia global”, dentro da qual nos inserimos. Devem ainda ser mencionadas, por sua importância e influência

marcantes, as agências especializadas pertencentes à ONU.

A – Forças internas

1. A “intelligentsia brasileira”

O papel do intelectual na vida da sociedade brasileira tem sido da

maior importância, constituindo, hoje, uma rica e gloriosa tradição da nossa

história, onde se faz sentir a sua forte presença e atuação. É uma influência que vem desde o início da nossa formação social e política, com escritores famosos e

publicações feitas, umas oriundas na clandestinidade, outras de além-mar, como foi o caso do Correio Braziliense editado em Londres, em 1808, pelo jornalista Hipólito José da Costa, abrangiam matérias dos mais diferentes setores da vida

intelectual, política, social e cultural do país.

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Dentro dos limites deste trabalho, impõe-se retraçar alguns desses grandes momentos históricos, desde Gregório de Matos, que se tornou célebre

com a crítica mordaz exercida contra o comportamento de figurões do reino e as idiossincrasias da sociedade do seu tempo, passando pela ação evangelizadora e de catequese dos índios levada a efeito pelos padres jesuítas, até aos escritos

libertários de Frei Caneca, cuja influência foi grande nas lutas pela Independência de Portugal, tendo como protomártir a figura de Tiradentes. Posteriormente, a presença marcante de escritores ligados ao período do

romantismo brasileiro, na prosa e no verso, e, época mais recente, a enorme influência advinda com a Semana da Arte Moderna de São Paulo, em l922, que

revolucionou o enfoque dado aos nossos problemas pelos intelectuais brasileiros, até o presente.

Salientamos, por oportuno, que em todos os campos do saber, as

universidades, assim como os grandes centros de pesquisas e de estudos científicos e acesso às modernas tecnologias, principalmente nas áreas de interesse dos setores econômico, social, jurídico, político, saúde, administração

pública e privada, assim como nas letras, nas artes, na mídia e na informática, e outros, é relevante e significativo o papel desempenhado pela “intelligentsia

brasileira” no sentido de identificar-se com as raízes sócio-culturais do país e pensar o Brasil, sem perder de vista o sentido de universalidade e humanismo que caracterizam a nossa formação, buscando adaptá-los às necessidades de

uma moderna e harmoniosa civilização que desejamos construir nos trópicos.

Essa atitude, sem dúvida, é predominante entre na classe pensante

brasileira, seja do setor privado como público, tanto entre civis como militares, e tem-se manifestado positivamente em várias ocasiões da vida nacional, com o apoio de instituições respeitáveis, como a SBPC - Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, Fundação Getúlio Vargas – FGV, dentre outras entidades; das universidades brasileiras, públicas e privadas, onde existem centros de estudos com categoria

de excelência, assim como de outros órgãos e associações, que congregam as mais variadas expressões da inteligência brasileira.

Como demonstração do que afirmamos, houve recentemente um caso que ganhou notoriedade, com o debate pela mídia sobre a suspensão do racionamento de energia elétrica: técnicos e professores universitários de

nomeada afirmavam que não era chegado o momento dessa providência pelo governo. Pois, apesar das chuvas intensas em janeiro e fevereiro de 2002, os

reservatórios das usinas ainda não haviam atingido a cota ideal de segurança em torno de 90% de água, necessária para prevenir novas crises energéticas como a que se deu em 200l, causando grandes transtornos para a população e prejuízos

à economia nacional. Tomando parte no debate, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, após fazer menção às discussões públicas sobre o assunto, decidiu de acordo com estudos e a opinião dos técnicos do governo

antecipar a data para encerrar o racionamento imposto aos consumidores em todo o país, sob a consideração de que os reservatórios já haviam atingido índices

superiores a 50 por cento de água e as informações que tinha era de que o período chuvoso ainda não havia terminado. Valeu a discussão, no que diz respeito à interação sociedade x governo.

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Como se vê, ao formalismo predominante até há pouco tempo atrás, na abordagem e tratamento dos problemas nacionais, segue-se agora a preocupação

dos intelectuais com a pesquisa científica de par com o devotado empenho em encontrar soluções adequadas e de interesse do país, a fim de assegurar a modernização da sociedade brasileira num clima de liberdade e solidariedade

social, acima das preocupações meramente político-partidárias.

Vivendo o seu tempo, procuram os homens e mulheres de pensamento, deliberadamente, influir nos destinos da comunidade, através dos variados tipos

de atuação: quando projetam e constroem barragens, centrais elétricas; planejam uma cidade como Brasília; constroem novas indústrias e pensam em mercados;

programam obras de engenharia civil e de reforma social, assim no campo como nas cidades, ou projetam mudanças nas instituições políticas republicanas básicas em que se assenta a vida da sociedade, como a nossa, organizada sob a

égide do Direito e do respeito aos Direitos Humanos.

Concomitante com o desejo de influir e participar na obra de modernização da sociedade brasileira, predicando reformas básicas e necessárias

à humanização do crescimento econômico, existe também, a despeito de lamentáveis desvios, um devotamento dos intelectuais brasileiros à causa da

liberdade e do Estado de Direito Democrático. Neste sentido, o pensador católico e líder intelectual patrício, Tristão de Ataíde, em estudo feito no livro “Freedom and Reform in Latin América”, de que foi coordenador o cientista social e político

Pike, traça um painel histórico em que demonstra o apego do nosso povo às teses reformistas como técnicas de progresso e da liberdade, ressaltando a contribuição

da “intelligentsia brasileira” para esse desiderato.

Como exemplos mais recentes, de grande significado e alcance político, além de outros que poderiam ser citados, temos a atitude firme e

corajosa dos signatários do famoso “Manifesto Mineiro”, ao tempo dos estertores do regime autoritário “estado-novista” implantado por Getúlio Vargas, em 1937. Importante também foi a corajosa posição assumida pela Ordem dos Advogados

do Brasil, em 1979, após os episódios que culminaram com a explosão de uma bomba no Rio Centro e de outra bomba no edifício-sede da OAB, no Rio de

Janeiro, com graves danos materiais e provocando a morte de uma funcionária, Senhora Lyda Monteiro, quando denunciou o fato à Nação e exigiu do Governo militar a apuração dos fatos e punição dos culpados. E mais: interpretando os

sentimentos do povo brasileiro e tendo em vista o “dever legal de contribuir para o aperfeiçoamento da ordem jurídica”, decidiu ainda a OAB indicar às autoridades

federais que a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte “para reorganizar a vida jurídica e legitimar os poderes dos governantes no Brasil” era a única solução para apaziguar a população e resolver pacificamente os problemas

nacionais.

Em todas essas ocasiões, o fato de os intelectuais e as associações de classes desse segmento da sociedade se dirigirem às autoridades governamentais

advertindo que a elas cabe o dever de cumprir a Constituição e as leis do país, garantindo a todos o direito à liberdade de expressão do pensamento, da criação

intelectual, da pesquisa científica, do debate de idéias, da mostra da obra de arte e do processo cultural nas suas múltiplas formas e manifestações, é bastante

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sintomático de que alguma coisa mudou, e mudou pra melhor, no sentido da afirmação dos direitos de cidadania, o que poderá contribuir também para inibir

a manutenção do quadro existente de exclusão social.

Em que pesem as circunstâncias adversas, o papel construtivo dos intelectuais brasileiros, integrados ou não em prestigiosas associações, tem sido

de admirável fidelidade aos ideais de liberdade, igualdade de oportunidade para todos e solidariedade, nos diferentes setores em que as atividades do pensamento, do saber e da técnica científica possam convergir para a construção

da modernidade em nosso país.

Na verdade, tem sido de grande importância o papel do homem e da

mulher dedicados à vida intelectual na obra de construção nacional. Porém, existem os percalços. No que diz respeito às transformações necessárias a que o país chegue à modernidade desejada, o embaixador Roberto de Oliveira Campos,

um dos mais lúcidos e brilhantes representantes do pensamento econômico e político conservador, com atuação marcante em diferentes governos e no Congresso Nacional nas últimas décadas, e escritor de reconhecido mérito, em

discurso pronunciado na solenidade de posse na Academia Brasileira de Letras, desabafou: “Para a minha geração, confiante em que o Brasil chegaria ao ano

2000 não como país emergente e sim como grande potência, forte e justa, este fim de século é melancólico. Estamos ainda longe demais da riqueza atingível e perto demais da pobreza corrosível. Minha geração falhou”.

A despeito desta pungente declaração, a luta continua...

2. Empresários

O empresário constitui um dos elos mais fortes do sistema clássico do capitalismo mundial, na sua versão atual do neoliberalismo que praticamos.

Como membros da classe econômica, os empresários desempenham

papel de suma importância na transformação da sociedade tradicionalista numa moderna comunidade industrial e urbana. De maneira privilegiada, juntam-se às

demais forças atuantes no processo geral de mudanças por que passa a sociedade brasileira, e, não obstante tenham o motivo-lucro como o seu principal incentivo, contribuem poderosamente para o desenvolvimento econômico e social

do país na exploração dos instrumentos de produção nos setores da agricultura, indústria, bens e serviços. Em todos os ciclos da nossa economia, tem sido

marcante o papel desempenhado pelos empresários na vida nacional.

Como símbolo dessa categoria de atividade, o empresário gaúcho Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), Visconde de Mauá, é considerado o

primeiro e mais importante empreendedor do seu tempo no país. De origem humilde e órfão de pai, mudou-se cedo para o Rio de Janeiro, onde iniciou a vida trabalhando numa firma importadora, da qual sete anos depois se tornou sócio.

Abre em 1846 uma pequena fábrica de navios em Niterói (RJ), a qual, no ano seguinte, se torna a maior do Brasil. De 1852 a 1856 funda empresas de

navegação e cria a primeira ferrovia brasileira, entre Petrópolis e Rio de Janeiro (RJ). Monta uma companhia de gás para a iluminação da capital federal e

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inaugura o trecho inicial da primeira rodovia pavimentada do país, entre Petrópolis e Juiz de Fora (MG). Participa da construção de três ferrovias e da

instalação dos cabos telegráficos submarinos entre Brasil e Europa. Por volta de l860 cria o Banco Mauá, Mc Gregor & Cia. Deputado liberal, abolicionista e contra a Guerra do Paraguai, entra em atrito com as autoridades imperiais. Suas

fábricas sofrem sabotagem e os negócios são abalados pela sobretaxação de importações. Em l875 o Banco Mauá vai à falência. Vende a maioria das empresas e, até morrer, em Petrópolis, tenta pagar suas dívidas.

Mauá era, ao seu tempo, o exemplo do empresário de idéias arrojadas, modernizadoras, pioneiro em muitas atividades empresariais e bem

sucedido. Por isso, também invejado. Daí os problemas¸ inclusive com autoridades imperiais. Nas suas relações com o Governo, mesmo sendo Deputado eleito ao Parlamento Nacional, experimentou a animosidade das autoridades

fiscais contra as suas empresas, sucumbindo irremediavelmente.

Em razão disso, em síntese, Mauá afirma que a excessiva interferência do governo em negócios que ficariam melhor se dirigidos por

particulares seria a causa última da sua falência. A partir dessa constatação, divide-se a herança da obra de Mauá – e na própria continuidade da divisão está

o sinal da importância do livro por ele escrito sob o título “Exposição aos credores”, cuja obra coloca emblematicamente o papel do empresário na sociedade brasileira. Papel positivo e fundamental, para os liberais; retrógrado e

incapaz de heroísmo na via oposta.

No século XXI, com o fim das barreiras ideológicas que garantiam a

firmeza das vertentes interpretativas do século – substituídas por um cenário tão geral como incerto em seus resultados, o da globalização – é possível um novo enquadramento das idéias que Mauá defendeu no livro. O lugar do Estado na

economia brasileira, tão solidamente assegurado por Getúlio Vargas e tão extraordinariamente ampliado no regime militar, tornou-se o fulcro do drama brasileiro neste início de século.

Mauá não descreve a intervenção estatal como uma questão de princípios. Pelo contrário, o livro traz muitos trechos em que ele clama por ela,

em que afirma que é uma obrigação do Estado apoiar os empresários nacionais. O que discute, isso sim, é a maneira como tal intervenção acontece. Trata-se, portanto, de uma discussão no campo das oportunidades e meios. Não é

discussão sobre ideologia, mas sobre atos práticos. Clama, digamos assim, por uma intervenção “correta” do governo, aquela que permita o desenvolvimento de

empresas, não uma que as limite, como julga ter acontecido em seu caso.

Nesse campo, e não no das finalidades últimas, é que o livro “Exposição aos Credores” é efetivamente um livro exemplar sobre o Brasil, toca

como nenhum outro texto que trata da economia brasileira, numa questão ética: qual o correto caminho para colocar em ação empresários privados e governo para o desenvolvimento nacional? Eis uma questão que ainda causa polêmica em

nossos dias.

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Mauá hoje é reconhecido como o maior empresário do seu tempo e um espécime paradigmático da classe empresarial. Sem dúvida, como afirmam os

seus biógrafos, o Visconde de Mauá contribuiu, com o seu exemplo de coragem, dinamismo, visão de homem empreendedor e capacidade de realização para a montagem depois dele de um setor produtivo nacional de grande importância na

atualidade, compreendendo atividades industriais, agrícolas, na produção de bens e serviços, diversificado e moderno, o que o coloca entre as dez maiores economias do mundo e constitui um motivo de justificado orgulho da capacidade

empreendedora da nossa gente.

Os estudiosos dos problemas relacionados com as mudanças

introduzidas pela moderna tecnologia industrial, sobretudo na região meridional do país, como Florestan Fernandes e outros ligados ao Instituto de Ciências Sociais de São Paulo, têm feito interessantes pesquisas a este respeito, nas áreas

mais desenvolvidas do Brasil. Do ponto de vista do nosso interesse nesse trabalho, é de notar-se o entrosamento verificado pelo “desenvolvimento combinado” entre os setores industrial e rural em torno dos objetivos nacionais.

A criação do Ministério do Desenvolvimento Econômico veio a tempo para coordenar os instrumentos necessários a um impulso maior das atividades

econômicas do país, interna e externamente, sobretudo agora, quando se tornou dramaticamente necessário aumentar as exportações, a fim de fazer face ao financiamento do processo de modernização brasileiro, que não pode e não deve

parar, ainda que enfrentando dificuldades para a inserção do país na nova onda do comércio e de capitais externos globalizados.

3. Os Operários

No sistema da economia capitalista, o mundo do trabalho, representado pelo trabalhador-assalariado, tem um significado e importância que é difícil exagerar.

Daí porque, a classe operária, por suas várias categorias, constitui uma força atuante da maior importância na modernização da sociedade

brasileira. Emergente com o processo de industrialização do país, a classe operária constitui um importante segmento da população economicamente ativa. No campo ou nas cidades, organizadas ou não em sindicatos e associações de

classes, é um fator de dinamismo e progresso econômico e social.

Na política, a classe operária tem forte presença na discussão dos

assuntos de interesse dos trabalhadores e, através dos diversos partidos políticos, dos quais participa, notadamente, do Partido dos Trabalhadores, (PT), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido

Comunista Brasileiro (PCB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Popular Socialista (PPS), além de outros, pode exercer forte pressão no sentido de obter a aprovação pelo Congresso Nacional de

políticas públicas favoráveis à melhoria das condições de vida da classe dos trabalhadores, em geral, e à espera de um “salvador”, como tem acontecido até

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agora, apesar das dificuldades de diálogo verificadas em nossos dias. A mesma situação se verifica na zona rural, em que pese a vigência do Estatuto do

Trabalhador Rural, também conhecido como Lei Fernando Ferrari.

O trabalhador rural, fragilmente organizado em sindicatos, especialmente no Nordeste, tem sido a parte fraca na luta por seus direitos, em

razão da intensa disputa de caráter político-ideológica em que se converteu a adoção de uma política de reforma agrária e distribuição de terras aos que dela precisavam para ter uma vida condigna. Lideradas pelo ex-deputado Francisco

Julião, as Ligas Camponesas, no Estado de Pernambuco, adotaram a tática filo-comuno-castrista para o reconhecimento de um direito à terra que não lhes

poderia ser negado, ao tempo em que outras experiências bem sucedidas eram feitas nos Estados de Goiás, no Combinado de Areias, e no Rio Grande do Sul, sob a liderança do ex-deputado Leonel Brisolla. Em nossos dias, o MST-

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, continua a luta pela reforma agrária e a melhoria da qualidade de vida das populações do campo, com algum êxito em suas reivindicações.

Em verdade, desde a Constituição Federal de 1934, constava na Lei Maior do país abertura do caminho pacífico para o ordenamento das relações de

trabalho na sociedade brasileira, obedecendo aos parâmetros estabelecidos pela consciência moral da nação e ao direito vigente nos países mais avançados do mundo, ao prescrever medidas baseadas no ideal de progresso e de justiça social.

Tendo em vista a experiência do passado, que conduziu o país a ter uma das maiores dívidas sociais do planeta, é que a Constituição Federal de

1988, em vigor, reafirmou: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo, o bem-estar e a justiça social”. Sem qualquer dúvida, o operário brasileiro constitui hoje uma força verdadeiramente expressiva e atuante no

processo de modernização da sociedade, e como tal deve ser visto e tratado: seja, por exemplo, quando pugna por maiores índices de eficiência, capacitação tecnológica e participação nos ganhos das empresas ou na qualificação

profissional do trabalhador, seja no gozo dos seus direitos de cidadania, como membro de sindicato ou de partido político, ao pressionar as autoridades

públicas no sentido de obter a democratização dos benefícios da previdência e assistência social em benefício de todos, em particular dos trabalhadores do Brasil.

O Brasil contava com 79 milhões de pessoas aptas para o trabalho entre os l5 e 64 anos de idade, em 1999, segundo dados do Banco Mundial.

Somente a China, Índia, Estados Unidos e a Indonésia possuíam força de trabalho maior que a brasileira.

Sem dúvida, a qualidade da força de trabalho e a qualidade dos

postos de trabalho é que aparecem como os principais fatores determinantes do menor nível de renda per capita do país em relação aos países desenvolvidos, bem

como dos diferenciais de renda per capita observados entre os Estados.

Como é evidente, a qualidade da força de trabalho está estritamente associada ao nível de educação formal da população, o que reflete, entre outros

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fatores, as características e o desempenho do sistema educacional. A qualidade dos postos de trabalho, entendida como salário, tem outros componentes.

Depende, antes de tudo, da produtividade do trabalhador e do preço do produto. E, afinal, da sua capacidade de se apropriar daquilo que produz. No que diz respeito à melhoria da qualidade da força de trabalho, as

instituições de formação profissional – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC vêm procurando se adaptar às novas condições, embora ainda seja pequeno o número

de empresas que realizam gastos em treinamento de pessoal.

As empresas dos setores produtores de equipamentos eletrônicos e mecânicos e as que destinam sua produção principalmente para a exportação são as que mais gastam em treinamento, respondendo, de um lado, às

características do processo produtivo, e, de outro, às exigências do mercado exterior.

B – Forças de origem externa

Nos tempos modernos, além das forças endógenas, que fazem parte

do processo geral de transformação das sociedades, sobre as quais tivemos

oportunidade de nos reportar, embora topicamente, deve-se registrar a existência de outras forças de origem externa, ou internacionais, que compartilham do

esforço de modernização em diferentes partes do mundo e, portanto, têm atuação marcante nas transformações verificadas nos países da América Latina, entre eles o Brasil, assim como em outros continentes. É um fenômeno do nosso tempo, de

caráter geral, e que contribui, tanto para o intercâmbio comercial como para o progresso econômico dessas regiões, com o ingresso de capital, tecnologia e criação de empregos.

Exemplificando: foi de US$22.6 bilhões de dólares o investimento direto estrangeiro no Brasil em 200l, aplicados em vários setores de atividades,

como já ocorrera em anos anteriores.

No setor industrial, estudos publicados mostram que a desnacionalização da indústria brasileira deu um salto na década de 90. O

capital estrangeiro, que correspondia a 36% do faturamento dos 350 maiores grupos do país em 91, passou a 53,5% no final de 99. A participação estrangeira

no faturamento das maiores empresas do país subiu 146% entre 91 e 99.

O investimento estrangeiro contribuiu pra tornar mais eficientes as empresas brasileiras, mas não ajudou o país a expandir o seu mercado interno e

a aumentar sua participação no externo. É o que está no levantamento do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Segundo o estudo, o capital externo cresceu mais no setor de serviços.

De acordo com levantamento do Iedi – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, as características das empresas estrangeiras em

nosso país, são: grandes importadoras, exportam moderadamente e remetem grandes lucros e dividendos para as matrizes. Na opinião do professor Mariano

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Laplane, da Unicamp, o apoio dos estrangeiros foi importante para modernizar vários setores da economia, “mas o fato é que o grande salto nas exportações de

produtos com maior valor agregado não ocorreu ainda”.

A desnacionalização é um dos aspectos negativos do investimento estrangeiro, mas nenhum país tem condições de barrar a cooperação externa, nas

diferentes formas com que se apresenta. Tudo fica ainda pior quando se trata do capital financeiro especulativo que, sem compromisso de qualquer natureza, migra de um para outro continente obedecendo apenas às regras do livre

mercado. Os seus agentes atuam como se estivessem praticando atos de verdadeira selvageria, mediante a utilização dos instrumentos de comunicação

via satélite nas transações do mercado financeiro internacional, na busca de maiores ganhos. A depender da forma como atuam, podem levar à ruína em pouco tempo as finanças de um país. Foi o que ocorreu por ocasião da crise

financeira do México, dos países do Sudeste Asiático, da Rússia, do Brasil e da Argentina, com conseqüências danosas, inclusive porque, em razão do socorro solicitado, foi-lhes exigido um rigoroso ajuste fiscal e o monitoramento pelo FMI

das contas públicas desses países.

É, provavelmente, vivendo em cenário de mudanças sociais

profundas que se acentuam os fatores que conduzem à desnacionalização crescente dentro do mundo globalizado, gerando o perigo de desintegração das comunidades nacionais emergentes, por diferentes motivos: econômicos,

financeiros, políticos, turismo e entretenimento, língua, moda, costumes, ideais de vida, de segurança coletiva, combate ao terrorismo, ao tráfico de drogas, e

mais. Isto porque, uma vez desestruturada a sociedade tradicional, os novos padrões e valores ainda não se afirmaram construtivamente como fundamentos básicos da sociedade em mudança, à mingua de um consenso básico em torno

dos novos valores e das estratégias a serem adotadas para alcançar os objetivos comuns de um mundo melhor e mais solidário.

Acrescente-se a esses temores e apreensões, o fato de que a

globalização é vista também como um fenômeno social em nosso tempo, sob a forma de uma nova “onda” avassaladora que se apresenta com uma “face

desumana”, em face da exclusão social e da revolta provocadas em todas as partes do mundo.

Historicamente, têm sido comuns os exemplos de civilizações que,

após haverem criado e desenvolvido em certo grau condições de desenvolvimento auto-sustentável por algum tempo, não resistiram ao impacto de civilizações mais

fortes e adiantadas, ou não tiveram condições de adaptação e rejuvenescimento, e, por isso, desapareceram. Na América pré-colombiana, são de grande importância e significação os exemplos das civilizações indígenas, incluindo as

mais evoluídas, como dos Astecas, no México; dos Incas e Quechúas, no Peru, as quais sucumbiram e foram dizimadas ao encontro dos povos colonizadores mais adiantados; na antiguidade, os exemplos das brilhantes e imortais civilizações da

Grécia e de Roma; do Império Otomano, no século XVI; dos Países Ibéricos, após o Renascimento e a Era dos Descobrimentos.

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Na atualidade, a Coréia, e o Vietname, foram desmembrados, por motivos ligados à guerra-fria entre as superpotências – EUA e Rússia Soviética; a

fragmentação da URSS, a ocidentalização da Índia, a comunização da China Continental, a guerra contra os “talibãs”, no Afeganistão, são alguns exemplos eloqüentes de civilizações milenares que tomaram rumos diferentes ao impacto

dos novos padrões de civilização. Fatos históricos como esses e outros que poderiam ser citados, apenas dão razão à análise feita pelo historiador e cientista social Samuel Huntington, especialmente após o ataque terrorista ao World Trade

Center, em Nova York, e à sede do Pentágono, em Washington, de que marchamos velozmente para um “choque de civilizações”, protagonizado em

nossos dias pelas civilizações Ocidental e cristã e a Oriental e islamita. Desse choque de concepções diferentes de vida e de mundo, deverão prevalecer para o futuro da humanidade, é claro, os valores mais fortes e duradouros ou os que

obtiverem mais aceitação entre os povos em conflito, abrindo espaço para a criação de um “mundo só”, já predicado por Wendell Wilkie em outro contexto histórico.

Seria esta a hipótese mais provável ou menos traumática resultante do desencadeamento de uma chamada “guerra santa”, entre forças “do bem

versus do mal”, cujo fim será imprevisível.

Estamos convencidos de que existe, no exercício do poder, um certo

numero de problemas fundamentais, a propósito dos quais o modo como são colocados importa mais do que as soluções dadas e, também, de que a política é uma questão de sabedoria e arte no exercício do poder, antes de ser uma questão

de técnica ou do apelo à força. Pois, do contrario, se fosse somente de técnica, meia dúzia deles e de administradores competentes poderia, em mesa redonda, resolver tranqüilamente quase todos os problemas que afligem os governantes.

Por outro lado, desse episódio histórico do ataque terrorista ao World Trade Center é possível extrair uma lição que não deve ser esquecida:

compreende-se muito bem que a organização mítica da sociedade parece estar superada por uma ordem jurídico-constitucional que conduz um país à modernidade, embora as sociedades modernas cultivem também a figura do herói

como expressão de grandeza e orgulho nacional. Sobretudo em épocas como a em que vivemos, de grande progresso, relativa estabilidade e segurança interna, este tipo de organização se mantém facilmente. Parece estar à prova de qualquer

ataque. Mas em política o equilíbrio nunca se estabelece por completo. A ciência política moderna é também cinética. E o que se produz é antes um equilíbrio

instável do que um equilíbrio estático.

Em todos os momentos críticos da vida social do homem, as forças racionais que resistem ao surgimento das velhas concepções míticas de homens

salvadores, perdem a segurança em si mesmas. Esta hora se apresenta quando os demais poderes de vinculação da vida em sociedade perdem a força, por uma

razão ou outra, e não podem mais combater os demoníacos poderes míticos. Neste momento, se apresenta de novo a ocasião do mito, ou do herói, sob diferentes formas ou representações no imaginário popular.

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A esse propósito, o cientista social e político Ernest Cassirer, na sua obra intitulada “Los Mitos Políticos Modernos” (México, 1a. Ed., 1947-231), em

versão espanhola, reproduziu um trecho que é bastante elucidativo, do seguinte teor: o sábio francês, E. Doutté escreveu um livro muito interessante intitulado “Magie et religion dans l‟Afrique du Nord”. Neste livro, trata de dar uma definição

concisa do mito. Segundo Doutté, os deuses e demônios que encontramos nas sociedades primitivas não são senão personificações de desejos coletivos. O mito, disse Doutté, é o desejo coletivo personificado. Esta definição foi dada há muitos

anos atrás. Naturalmente, o autor não sabia de nossos problemas políticos atuais, nem pensava neles. Falava como um antropólogo que se ocupa do estudo

das cerimônias religiosas e dos ritos mágicos das tribos selvagens do Norte da África.

Sem embargo, esta fórmula de Doutté poderia empregar-se como a

expressão mais lacônica e incisiva da idéia moderna de utilização da força nas relações de poder, com ou sem a instalação do caudilhismo ou da ditadura. Diz ele: “O apelo ao uso da força (com o caudilho) aparece tão só quando um desejo

coletivo alcança uma fórmula irresistível e, por outra parte, se há desvanecido toda esperança de cumprir este desejo pela via ordinária e normal. Nesses

tempos, o desejo não só se sente profundamente, como se personifica. Oferece-se diante dos olhos dos homens sob uma forma concreta, plástica e individual. A intensidade do desejo coletivo se encarna no caudilho. Declara-se que os vínculos

sociais anteriores – a lei, a justiça, as constituições carecem de todo valor. O único que permanece é o poder e a autoridade do caudilho; e a autoridade do

caudilho é a suprema lei”.

O autor, a que nos referimos acima, quando escreveu o seu trabalho, citando Doutté, tinha diante de si o quadro da Itália fascista, da Alemanha

nazista e da Rússia stalinista. Ao transcrever aquele precioso trecho escrito por um estudioso de antropologia humana, pensamos nas situações ocorridas no Brasil, que conduziram ao “Estado Novo”, na dramática e nunca suficientemente

explicada renúncia do presidente Jânio Quadros, após a qual pretendia voltar ao governo com poderes baseados numa autoridade revolucionária incontrastável;

no pedido de estado de sítio feito pelo presidente João Goulart e no comício do dia 13 de março de 1964, em que, apelando diretamente às massas para a solução dos ingentes problemas nacionais, buscava emocioná-las e conseguir poderes que

não se continham no mecanismo das instituições vigentes. Até porque já se haviam transferido para os detentores do movimento revolucionário civil-militar

de 31 de março de 1964, que impôs ao país uma ditadura por mais de duas décadas.

E a nível mundial, temos agora diante de nós a ameaça do presidente

George W. Bush de varrer da face da terra o terrorismo, onde quer que ele se encontre, declarando ainda inimigos os que não o acompanharem nessa luta sem fronteiras contra o as “forças do mal”, em todo o mundo.

Por aí se vê que os fantasmas da violência na política e do apelo às forças míticas existem, e tal qual monstros marinhos levantam as cabeças aqui e

além dentro da sociedade brasileira e no mundo. E continuam a ameaçar-nos, no Brasil como em outros países vizinhos e amigos da América do Sul, sob a forma

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de um populismo ultrapassado e maquiado com novas roupagens, ou com a ruptura do sistema democrático nesse momento difícil de transição por que

passamos.

O Sistema político brasileiro – Considerações gerais

Estudaremos, na Terceira Parte deste trabalho, o sistema político brasileiro, considerando-o em suas estruturas e funções essenciais. Ao examiná-las, a nossa atenção se voltará, inicialmente, para os órgãos básicos do Estado

brasileiro, e, em seguida, de maneira tópica e sem maiores preocupações em aprofundar discussões doutrinárias a esse respeito, caracterizaremos as

peculiaridades das nossas instituições políticas, tal como foram organizadas na Constituição de 1988 e se nos apresentam no desempenho das imensas tarefas que lhes são impostas como instrumento de realização de um projeto de vida

nacional.

Como vimos no capítulo anterior, o Estado constitui-se, pelo volume e magnitude dos recursos investidos, na entidade mais importante e abrangente na

promoção do progresso e do bem-estar da sociedade brasileira em nossos dias. Alguns dos seus críticos exigem mais e melhor de sua ação, de par com um

padrão ético mais elevado dos governantes na gestão da coisa pública.

O fato é que, além das funções que lhe são atribuídas pela teoria política clássica do Estado e na Constituição, de elaborar as leis, administrar os

seus bens e interesses, distribuir a Justiça, manter relações com outros Estados, assegurar os direitos humanos e dos cidadãos, promover a justiça social e o

Estado de Direito Democrático, a sua ação é decisiva em quase tudo na vida nacional. Quando planeja e executa os seus próprios serviços e obras, ou quando regula, coordena e orienta as atividades do setor privado no sentido do interesse

geral, o acúmulo de responsabilidades e deveres advindos em conseqüência destas novas funções assume proporções que dificilmente poderão ser exageradas.

O enorme papel desempenhado pelo Estado, sobretudo nas sociedades em fase de transição e modernização, como o Brasil, é um fato político

dos mais impressionantes e de grande magnitude em nossa época. Em conseqüência, para cumprir esse desiderato, o poder público deve estar aparelhado e em condições de dar respostas positivas aos desafios a serem

enfrentados, repensando o tamanho e eficiência do Estado brasileiro como promotor do desenvolvimento e regulador do mercado, distribuindo essas

atribuições entre os três níveis de governo - federal, estaduais e municipais -, e realizar as reformas necessárias ao cumprimento do seu papel, sem que haja desequilíbrio nas finanças públicas.

Face à nova compreensão dos fatos, tanto na teoria como na prática passa ao segundo plano a questão de discutir ou justificar a presença do Estado nos domínios econômico e social. Sem a pretensão de reinventar o Estado, como

sugerem David Osborne e Ted Gaebler, no livro “Reinventando o Governo” (ed. Comunicação, 2a.ed. Brasília, 1994), trata-se agora, isto sim, de delimitar o

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tamanho do Estado essencial à boa execução de suas novas e relevantes tarefas dentro da sociedade.

Sem embargo da controvérsia que o assunto pode suscitar, pouca gente acredita hoje em dia que a iniciativa privada seja sempre um bem, e a presença e ação do Estado seja quase sempre um mal nos setores econômico e

social. Até porque, atualmente todos os Estados, mesmo os que oficialmente se decidem pelo neoliberalismo econômico, como os Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, e outros, desenvolvem, de fato, a intervenção do governo na economia e

em muitos outros serviços e atividades que não interessariam ao setor privado. Se deixarmos de lado os regimes socialistas (China comunista, Cuba, Coréia do

Norte), onde a economia está inteiramente nas mãos do Estado, os demais países conhecem regimes econômicos mais ou menos dirigidos, mais ou menos orientados pelos governantes, principalmente nos países em desenvolvimento.

A evolução doutrinária nesse terreno está ligada, estreitamente, à evolução dos fatos. O progresso econômico não é mais o resultado de iniciativas individuais, mas dos incentivos do poder público e da pesquisa científica, cujo

custo da experimentação em muitos casos é tão grande que só os Estados podem suportar. Por esse motivo, o maior progresso do século XX – a descoberta e

exploração da energia nuclear -, assim como os programas espaciais conduzidos pelos Estados Unidos, principalmente, e outras nações, inclusive o Brasil, na base de Alcântara, no Maranhão, por suas características e dimensões,

dificilmente poderão ser executados pela iniciativa privada. Como assinalou com propriedade o cientista político Maurice Duverger, “a um certo grau de

desenvolvimento, a economia liberal entrou no malthusianismo. O espírito de empresa faz praça em conservar as situações já adquiridas”.

Na verdade, tinha razão o pensador político Georges Burdeau,

quando afirmou que, histórica e moralmente, não há nada que impeça ou contrarie a atuação do Estado nos campos econômico e social. Do ponto de vista político, entre os países em desenvolvimento, a intervenção do Estado nestes

setores não só é desejada como até mesmo reclamada, não somente na realização de projetos pioneiros ou de demorada maturação e retorno do capital empregado,

como, por exemplo, é o caso da presença do poder público na organização e apoio ao comércio exterior por empresas brasileiras, medidas que são de vital importância para o aumento das nossas exportações e a obtenção de recursos

para novos investimentos produtivos no país.

Ao avançar nos domínios antes entregues ao setor privado e ao

submeter à sua disciplina as energias do dinamismo econômico e social, manifestando a sua vontade através de leis, regulamentos, decretos, instruções e programações obrigatórias para toda a administração pública, o Estado se vê na

contingência de organizar as estruturas políticas e administrativas para o desempenho das novas atribuições que lhe são cometidas. Funcionalmente, reclama-se eficiência do sistema político e administrativo, o que significa também

um grande aumento de poder nas mãos dos governantes.

Válida a observação de Montesquieu de que quem tem o poder é

sempre levado a abusar dele, ou, consoante a avaliação de Saint Just, de que “on

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ne gouverne pas innocemment”, a incorporação de modernas tecnologias às atividades estatais para aumentar-lhe a eficiência tem um significado

preocupante em relação às liberdades dos cidadãos e cidadãs, fato este já considerado por Aldous Huxley, quando escreveu: “In the past, personnal and political liberty depend to a considerable extent upon governamental inefficiency”,

e a concluir, cético: “In practice, faith in the bigger and better future is one of the most potent enemies to present liberty”. ( Huxley, A, em “Science, Liberty and Peace”, London,1946/1-33 ).

Tais fatos, de certo, provocam conseqüências políticas de grande magnitude, a saber: 1), uma acentuada concentração de poderes nas mãos dos

governantes, 2), problemas concernentes à utilização do poder estatal.

1. Tendência à concentração do poder estatal

A concentração de poderes nas mãos dos governantes,

acentuadamente nos países em desenvolvimento, é um dos fatos político da maior

significação na época em que vivemos. E, em grande parte, essa situação é uma decorrência natural das múltiplas tarefas desempenhadas pelo poder público em

todos os setores da vida nacional.

No caso brasileiro, o elenco das competências atribuídas à União Federal pela Constituição de 1988, (artigos 21 e 22), e da competência comum da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23), não deixa dúvida quanto à magnitude e importância dos poderes conferidos, dentre os

quais, citamos: manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; declarar guerra e celebrar a paz; decretar estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; assegurar a defesa nacional;

organizar e manter a polícia federal, as polícias rodoviária e ferroviária federais, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal e dos Territórios; emitir moeda; administrar as reservas cambiais

do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;

elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; estabelecer o plano nacional de viação, manter o Serviço Postal; organizar defesa permanente contra as calamidades

públicas, especialmente as secas e as inundações; estabelecer planos nacionais de educação e saúde; explorar, diretamente ou mediante autorização ou

concessão, os serviços de telecomunicações, a energia hidroelétrica e termoelétrica, a navegação aérea; organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; exercer a

classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; conceder anistia; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transporte urbano; legislar sobre:

direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, aeronáutico, marítimo, trabalho, tributário, saúde, trânsito, meio ambiente, educação,

penitenciário, seguridade social, criança, adolescentes e idosos, administrativo, etc

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Acrescentando-se ainda a essas competências, a regulamentação dos dispositivos constitucionais previstas no Capítulo I, art.5, pertinentes aos

“Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, da “Ordem Econômica e Financeira”, e da “Ordem Social”, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a justiça social, é realmente de grande importância o papel atribuído ao Estado. A estas

competências acrescidas, corresponderá igual soma de poderes atribuídos aos governantes.

Instado a satisfazer às demandas crescentes da população, expressas

em forma de reivindicações mais ou menos prementes, o Estado estendeu a sua ação do domínio político, em que o colocara a democracia liberal, aos domínios

econômico e social e a outros setores da sociedade, regulando essas atividades. Ao atuar como inspirador e principal coordenador das opções promocionais de políticas públicas a serem executadas em proveito da coletividade, de certo, está o

Estado na contingência de agir com rapidez e eficácia, devendo, para tanto, aparelhar os instrumentos de ação governamentais de modo a atender aos legítimos anseios de progresso e modernização dos diferentes setores da

sociedade.

Historicamente, as estruturas políticas brasileiras se organizaram e

se desenvolveram segundo o modelo da monarquia constitucional, representativa e parlamentar. No período imperial, o “poder pessoal” do Imperador desempenhou importante papel na direção da vida política e administrativa do país, exercendo

ao mesmo tempo as funções de Poder Moderador – a “chave de toda a organização política” – e de Chefe do Executivo numa sociedade patriarcal, escravista e

predominantemente rural.

Com a proclamação da República, o regime organizado pela Constituição de 1891 seguiu o modelo da federação e do presidencialismo norte-

americano, de acordo com a orientação clássica do liberalismo, cujas estruturas baseavam-se na divisão tripartite dos poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário –, de par com o sistema de freios e contra-pesos de modo a assegurar o

equilíbrio e harmonia entre os poderes da União, seguindo-se uma vigorosa declaração de direitos individuais e políticos garantidos pelo Estado.

Fatos posteriores, entretanto, demonstrariam que aquela “vontade diretora”, predicada por Joaquim Nabuco como indispensável ao bom desempenho do regime republicano no Brasil, apresentava o seu lado negativo em

decorrência das deformações do presidencialismo por nós praticado, não só em razão da incapacidade dos governantes em solucionar os problemas com que se

defrontavam, como porque a prática de políticas populistas, foi o apelo que se tornou comum entre os admiradores do caudilhismo sul-americano.

Isso porque, a atribuição de mais poderes aos governantes para a

solução dos problemas econômicos, sociais e administrativos da sociedade em transformação, trazia consigo também para a intimidade das estruturas do Estado, as tensões oriundas das demandas populares e dos entrechoques

causados pelos mais variados interesses. Em tais circunstâncias, e diante das crises internas que se sucediam, ou de uma crise de origem externa que

envolvesse, simultaneamente, esses e outros componentes de pressão, o

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atendimento dos governantes por novas medidas legais de ação significava atribuir-lhes mais poderes e maiores recursos, a fim de que pudessem solucionar

os problemas com que se defrontavam.

2. O problema da utilização do Poder pelos governantes

O problema da utilização do poder pelos governantes está

intimamente ligado aos princípios doutrinários em que se assenta a organização do Estado e à filosofia política de seus governantes. Modernamente, a cultura política consagra não só os direitos humanos, como os direitos econômicos e

sociais do homem-concreto, sujeito de um todo orgânico do ser coletivo de uma teoria universalista da sociedade, que reclama do poder público atendimento das

suas necessidades mais prementes e imediatas.

E a técnica a ser adotada para consecução desses objetivos parece para o povo-massa menos importante do que a solução rápida e eficaz dos seus

problemas, através da utilização do poder estatal.

Nos países socialistas, como ocorreu na URSS, na China continental e Cuba, a intervenção se fez mediante a apropriação violenta do poder pelos

trabalhadores, utilizando o seu dinamismo para a construção de uma sociedade sem classes, da qual seria afastada a “exploração do homem pelo próprio

homem”. Nos Estados Unidos, com o humanismo liberal de Roosevelt, o “New Deal” estabeleceu um equilíbrio entre as tendências espontâneas dos princípios liberais e o intervencionismo econômico e social, política essa retomada por

Kennedy e Lindon Johnson, com a idéia da “Great Society”, sem, no entanto, comprometer os princípios básicos do liberalismo. A intervenção do poder estatal

se fez para promover eqüitativa distribuição da riqueza acumulada.

Nos países da Europa continental, não havia, nesse terreno uma definição clara, como é fácil verificar nas constituições elaboradas após a

Segunda Guerra Mundial, pelas dificuldades que a proximidade dos regimes socialistas parecia aumentar. Destarte, as ambigüidades na determinação dos enunciados nos campos econômico e social, segundo a opinião de Georges

Burdeau, teriam contribuído para a institucionalização de muitos equívocos. Porque, se optassem pelos quadros do liberalismo político, pareceria como de

inspiração reacionária, ao mesmo tempo em que não deixava de ser perigoso traçar uma política dinâmica e social, pois representava concessão feita ao comunismo. Não sendo possível a opção, os países europeus afirmaram os seus

objetivos com vigor, como é notório nos documentos oficiais a partir da Declaração dos Direitos Sociais, levada a efeito pelas democracias ocidentais na

Constituição da Organização Internacional do Trabalho, em Montreal, na sua 29º sessão, no dia 9 de outubro de 1946, como estágio de uma política favorável à democracia social, que se implantou e desenvolveu nos países europeus, com

maior ou menor êxito.

Quanto ao Brasil, que, a partir da Era Vargas e nas últimas décadas persegue uma política de desenvolvimento econômico acelerado, a situação

configura-se de modo peculiar. Inegavelmente, a inspiração popular é no sentido de modernizar a sociedade, criar novas oportunidades de trabalho e de progresso,

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visando a obtenção de melhores padrões de vida e de conforto para todos, especialmente para as populações menos favorecidas pela fortuna. O apelo para

estender a ação do poder público aos domínios econômico e social tornou-se inequívoco, embora inicialmente com motivações populistas, diferentes, portanto, das que examinamos em relação aos povos já plenamente desenvolvidos ou os da

órbita comunista.

O dinamismo existente nas sociedades em transformação, como a nossa, onde a pobreza e a exclusão social gerando a desesperança de uma vida

melhor assume proporções assustadoras, principalmente em face da violência nas grandes metrópoles urbanas e no setor rural de algumas regiões econômicas

do país, está a exigir que o poder público coloque, com urgência, os instrumentos de que dispõe ao serviço das aspirações coletivas por novos empregos, segurança e paz social.

Por motivos de ordem econômica, ligados à escassez de recursos, ou em decorrência da falta de planejamento e de ética na gestão da coisa pública, que conduzem à má aplicação dos parcos recursos existentes, mas,

principalmente por falta de vontade política dos governantes, o fato é que o Estado e o Governo até agora não corresponderam às expectativas do povo na

luta contra a pobreza, a miséria, o analfabetismo e o atraso no país, dando origem às frustrações e à insatisfação generalizada com a classe política, condenando-os pelo egoísmo, irresponsabilidade e insensatez na sua atuação

como representantes do povo. Como exemplo, basta ver o que ocorre com o problema da seca na região do Nordeste brasileiro, onde há décadas são gastos

recursos preciosos sem que o problema tenha sido resolvido.

Como é fácil de ver, se, por insensibilidade das elites dirigentes, o poder do Estado não for utilizado de modo pacífico e com o objetivo de propiciar a

passagem da democracia política, que praticamos, à democracia social desejada e necessária, dentro dos quadros da normalidade democrática e do Estado Democrático de Direito, correremos sérios riscos, por estas e outras razões, de

vermos instalado no País um regime político de exceção, como já ocorreu em 1.964 e l.937, de triste memória. Portanto, a definição de um projeto de vida

nacional e dos objetivos a serem atingidos pela ação do Governo, nos seus diversos níveis – federal, estaduais e municipais -, bem como pela iniciativa privada e a sociedade brasileira, é uma tarefa urgente e necessária para o futuro

do País.

Não seria preciso acrescentar que, muito importante em tudo isso é

termos governantes honestos, com espírito público e que governem tendo em vista os interesses do povo.

3. A política dos objetivos nacionais na Constituição brasileira

No que concerne aos objetivos nacionais a serem perseguidos pela ação do Estado e do Governo, eles decorrem de mandamento constante no artigo

3o da Constituição Federal de 1988, ao prescrever:

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“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

- construir uma sociedade livre, justa e solidária; - garantir o desenvolvimento nacional; - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais; - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A importância e a oportunidade da prescrição constitucional sobre os

objetivos-fins do Estado, como norma cogente, obrigatória a todos os governantes no país, não poderá ser desprezada pelas autoridades responsáveis em qualquer nível de governo, federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, sob pena de

responderem a processo por crime de responsabilidade no exercício de função pública.

De outra parte, a providência do legislador constituinte atraiu a

atenção de estudiosos da matéria, por que: I, revela a importância dada à determinação dos objetivos, ou finalidades do Estado, tanto na teoria política

como na prática do governo em nosso país, II, apresenta aos estudiosos as fontes de inspiração doutrinária e os princípios adotados na formulação dos objetivos da República Federativa do Brasil, acima dos interesses político-partidários dos

detentores do poder político, e III, indica a necessidade da adoção de um plano nacional de desenvolvimento, compreendendo os Estados, Municípios e o Distrito

Federal, a iniciativa privada e a sociedade civil, como instrumento de disciplina e coordenação do esforço comum dos cidadãos e dos recursos materiais e humanos indispensáveis à construção de uma sociedade moderna, justa, democrática,

solidária e fraterna no Brasil.

SEÇÃO I

A – Os fins do Estado na doutrina política

Sem preocupação de natureza acadêmica sobre a controvérsia em

torno da teleologia estatal, o que, de resto, ultrapassaria de muito os limites deste trabalho, poder-se-ia dizer, entretanto, que o assunto merece atenção dos

estudiosos da doutrina do Estado igual ao estudo sobre a justificação da sua própria existência, tema ao qual está intimamente vinculado. Dentre as posições firmadas ao longo do debate travado, distinguem-se: os que, de um lado, afirmam

a importância do problema como indispensável ao conhecimento da natureza e formação do próprio Estado; de outro, os que o negam, de uma forma ou de outra, desde que identificam o Estado com o Direito, por serem unum et idem, como afirma o jusfilósofo Hans Kelsen.

Em razão disso, parece-nos oportuno rever, embora sucintamente,

alguns argumentos de cada uma das principais vertentes do pensamento político sobre o assunto.

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B - Os que advogam a determinação dos fins do Estado

Na historia das idéias políticas, desde Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, entre os antigos, até os modernos cientistas sociais e constitucionalistas, a determinação dos fins do Estado tem sido objeto de

preocupação e estudo, principalmente como forma de justificar a existência do próprio Estado dentro da sociedade.

Na primeira metade do século XIX, com Holtzendorff, entendeu-se

que o conhecimento do Estado dependia da exata compreensão dos seus fins, tanto os de ordem universal, como os de ordem particular a cada Estado. Em

relação aos primeiros, dizia-se, uma concepção teleológica do mundo e da vida deveria atribuir ao Estado um valor transcendente de sua mera existência, por se tratar também de compreender e interpretar o verdadeiro sentido da História e do

homem. No que tange às suas finalidades particulares, assentou-se que, sendo o Estado uma unidade de fins integrados pela multiplicidade e variedade de fins particulares, a sua atuação deveria ensejar a realização dos fins comuns e e dos

fins individuais, num dado momento de sua historia.

Sintetizando, com propriedade, os argumentos dessa vertente do

pensamento político, escreveu Owen G. Usinger, na sua notável obra sobre os “Fins do Estado” (Rosário, 1953-31), que eles são: “fins necessários, fundamentais ou absolutos, objetivos e universais, próprios do Estado na sua

função de meio para os fins da pessoa humana enquanto ser individual e social; e fins contingentes ou relativos, subjetivos e singulares, concernentes a um Estado

em um momento de sua História, relacionados com seus fins individuais, concretos e imediatos”. Sobre a necessidade de explicitar os fins do Estado, o Prof. George Yellinek, da Universidade de Heidelberg, com a indiscutível

autoridade do seu magistério, sustentou: “A eliminação de toda finalidade a respeito do Estado, o degradaria até fazer dele uma força cega e natural, roubar-lhe-ia toda unidade e continuidade, o que só pode ser filho ou da falta de

inteligência ou da ausência de todo pensamento. Toda lei, toda disposição, toda nomeação, todo contrato entre Estados, necessita ter um fim, e um fim conforme

a consciência dos seus autores; quer dizer, um fim racional ou, no caso contrário, o Estado não seria senão um manicômio”.(G.Yellinek, T.G.E.,Madrid, 1954-174).

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Jean Dabin, em sua admirável

obra intitulada “Doctrina General Del Estado” (México, l946-54), dentre outros publicistas de igual mérito, não admite falar-se numa instituição sem se ocupar

dos seus fins, pois: “quem diz instituição, diz finalidade”.

C - Os que negam a existência do problema

Em sentido contrário a esse entendimento, e dentre as teorias mais

elaboradas, se encontram os adeptos da concepção organicista do Estado, que não emprestam maior importância ou negam ao Estado qualquer finalidade. Para

isso, numa analogia com as ciências naturais, sustentam que a questão de saber se um organismo tem algum fim em relação a algo exterior a ele não tem qualquer

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sentido, se o fato é encarado do ponto de vista empírico das ciências naturais. Afirmam ainda ser o Estado um fim em si mesmo, o que em outras palavras, leva

à conclusão de que o Estado carece de enunciar as suas finalidades.

Hans Kelsen, Verdross e Merkel distinguiram-se como representantes desta vertente do pensamento, técnico-formal, que atingiu ponto culminante na

obra de Kelsen, que sobre o assunto, escreveu: “A questão em torno dos fins que se devem perseguir com o instrumento técnico-social Estado é uma questão política que está fora das margens da Teoria Geral do mesmo, o que não pode

significar a afirmação de que o Estado careça de fim, senão, unicamente, que prescinde de perguntar-se qual é esse fim”. (In T.G.del Estado, Barcelona, l934-

52).

Sem embargo dos ensinamentos do admirado mestre de Viena, nessa questão afigura-se razoável a ponderação feita por Owen G. Usinger, no livro

acima citado, de que é inadmissível a aceitação do Estado como um fim si mesmo ou com um fim único: seja ele de aquisição do maior poder possível, ético, jurídico, da liberdade, da paz, da segurança, do desenvolvimento, etc.; em razão

do que se poderia supor o Estado como um fim em si mesmo, justificando um absolutismo sem limites, degradando-o, até “fazer dele uma força cega e natural”.

Ademais, tal importaria em desconhecer que “a heterogeneidade das ações humanas refletidas pelo Estado obedecem a múltiplas causas, tendem a diferentes fins, e, finalmente, que todos esses fins se dão no Estado em graus e

grupos diversos, simultaneamente, sem interferência na aquisição do bem comum da comunidade”. (Cfr. Ferreira de Castro, “Fins do Estado- principais

doutrinas”, Teresina, l956-56).

Contudo, a posição mais enérgica a esse respeito é a da concepção mecânico-materialista do Mundo e da Historia, ao predicar a negação absoluta da

finalidade do Estado, no qual se subsume o indivíduo.

Filiando-se a outras correntes do pensamento político, muito em voga no início da idade moderna, houve ainda os que, antes da consideração do

problema teleológico do Estado, propuseram o atendimento à questão de saber: se o Estado é necessário e útil ou é um mal necessário, ou um mal não

necessário, condicionando a validade do estudo dos fins do Estado à atitude assumida pelo interessado em face ás hipóteses sugeridas.

Embora a indagação não mais se justifique em nosso tempo, explica-

se, entretanto, pela contribuição proporcionada com os novos elementos de investigação que o debate ensejou. Porque, se o Estado é necessário e útil, a

determinação dos seus fins será imprescindível para que o Poder justifique a legitimidade de sua ação em busca do bem comum, aspiração suprema de toda coletividade; se, ao invés, é um mal necessário, então, com maior força se impõe

saber concretamente quais os seus fins para tratar de garantir sem perturbação o sistema de garantias dos direitos da pessoa humana e do aperfeiçoamento do organismo social; e finalmente, se o Estão é um mal não necessário, tal

determinação será suficiente para clarear o caminho até a supressão deste mal não necessário.

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D – Os fins do Estado na teoria tridimensional do Direito e do Estado

Superando as dificuldades encontradas nessas construções

doutrinárias, que, em sua generalidade, estudam o Estado enfatizando apenas

um dos elementos de sua formação, a teoria tridimensional do Direito e do Estado tem o mérito de contemplar, numa unidade compreensível e dinâmica, cada um desses momentos lançando luz sobre o outro e todos recebendo sentido pleno na

integração concreta de uma experiência histórica. Miguel Reale, notável jusfilósofo brasileiro, identifica magistralmente o “ponto crucial” da controvérsia,

esclarecendo a matéria em discussão, como segue: “O Estado aparece então como uma pirâmide de três faces, a cada uma delas correspondendo uma parte da Ciência Geral: uma é a social, objeto da “Teoria social do Estado”, na qual se

analisam a formação e o desenvolvimento da instituição estatal em razão de fatores sócio-econômicos; a segunda é a jurídica, objeto da “Teoria jurídica do Estado”, com o estudo normativo da instituição estatal, ou seja, de seu

ordenamento jurídico; a terceira é a política, que trata da “Teoria política do Estado”, para explicar as finalidades do Governo em razão dos diversos sistemas

culturais”. (M.Reale,“Teoria do Direito e do Estado”, SP, 2a ed. l960-30).

Porém, adverte o consagrado mestre, seria absurda a idéia de focalizar os três aspectos essenciais do Estado: o material, o formal e o

teleológico, sem que de igual modo se apreciasse o Poder, centro dessas especulações entre os cientistas políticos, identificado, na análise de Burdeau,

como a “força de coesão social”, e “energia da idéia de Direito”.

E - Fins exclusivos do Estado e fins concorrentes

Como instituição humana, o Estado possui no mais alto grau o Poder de decisão compreendido no conceito de soberania. Mesmo assim, é fundamental o entendimento de que a sua atuação esteja auto-limitada pelas regras de Direito,

os princípios éticos e às regras de convivência social e política, que legitimam a ação dos governantes no Estado de Direito.

Sem dúvida, o Estado moderno possui uma soma impressionante de atribuições. Porém, antes de examinar as atribuições que lhe são deferidas constitucionalmente, é oportuno indagar “o que pode o Estado fazer com êxito”, e,

em seguida, delimitar um possível círculo reservado à atuação do indivíduo.

Quanto ao que o Estado pode fazer ou ajudar a fazer é difícil

descrever, variando a sua amplitude de país a país. Inicialmente, uma observação dos fatos políticos hodiernos nos convencerá facilmente que o Estado não mais se apresenta com as características do modesto “gendarme” predicadas na

concepção doutrinária de Adam Smith e outros, patronos do liberalismo clássico.

Atualmente, não se aceita mais o argumento da incapacidade dos agentes do poder estatal para gerir os bens e serviços públicos. Por uma

conspiração dos fatos, gradualmente, a atitude em que o colocou o individualismo vem sofrendo profundas modificações, até o presente, não sendo mais um

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privilégio da iniciativa privada possuir bons gerentes dos seus negócios. O Estado possui também administradores capazes e com excelente nível de qualificação

profissional na gestão dos seus bens e serviços. Geralmente bem equipados com moderna tecnologia, fazem do Estado ser detentor de um “poder ativo”, - expressão de Bertrand de Jouvenal – e eficiente. E se o Estado se transformou, foi

porque a civilização mudou, como observa Mac Iver, uma vez que foi instado a satisfazer as grandes e importantes tarefas que lhe foram exigidas em nossa época.

Entre o Estado “máximo” e o Estado “mínimo”, impõe-se a organização tão somente do Estado “essencial” ao desempenho satisfatório das

tarefas que lhe são cometidas na moderna sociedade em que vivemos.

Indiscutivelmente, toda atividade do Estado tem como principal finalidade o bem-estar de todos os membros da comunidade. Daí tornar-se

indispensável coordenar uma variedade de fins particulares dentro do próprio Estado, que, como uma unidade de fins, reclama a existência de um Poder que se imponha, ou melhor: de um Governo que governe realmente, que seja capaz de

promover o bem comum. Os objetivos indispensáveis à realização do bem comum, segundo Yellinek, dividem-se em fins “exclusivos” do Estado e fins “concorrentes”,

desde que as funções a que eles correspondam, sejam no primeiro caso, do Estado, e no outro, compartilhadas por ele”.( Yellinek, op.cit., p. 196).

O certo é que, dependendo do conhecimento dos objetivos-fins,

identificados e a serem perseguidos pelo Estado, as suas estruturas políticas e administrativas deverão guardar uma estreita correlação de meios e fins, ou seja,

de técnica e política, de ciência e arte de bem governar, cujo papel caberá às elites dirigentes com o fim de satisfazerem às reivindicações populares.

F – A doutrina da Escola Superior de Guerra sobre os Objetivos Nacionais

De acordo com o prescrito no artigo 89, I, da Em. Constitucional nº I, de 1969, competia ao Conselho de Segurança Nacional: “estabelecer os objetivos

nacionais permanentes e as bases para a política nacional”. Ao comentar este preceito constitucional, o jurista patrício Pontes de Miranda (“Com. à Constituição de l967”, SP, l970, v.III, l970-384), assinalou: “O art. 89, I, apenas

se refere a objetivos. Entendamos objetivos e fins. A política nacional tem de fundar-se em dados que permitam verificarem-se a sua importância e a sua

exeqüibilidade, além de atendimento aos ideais do povo brasileiro. Compreende-se que do Conselho de Segurança Nacional se espere a realização de tais estudos e da sua execução”.

E mais: correspondia à finalidade do Conselho de Segurança “buscar adequação recíproca do poder e dos objetivos da Nação, tendo em conta os condicionamentos que devem intervir na sua política de segurança”. Em razão

disso, a Escola Superior de Guerra, através do estudo e do intercâmbio de idéias com as lideranças nos diferentes setores da vida nacional, formulou um ideário

sobre os objetivos do Estado brasileiro, o qual representou à época valiosa

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contribuição ao debate desse fascinante assunto de teoria e prática política no país.

Ao afirmar que os objetivos nacionais decorrem da “constatação dos interesses e das aspirações em determinado estágio da vida nacional”, os distinguiu em: objetivos nacionais permanentes (ONP) e objetivos nacionais

atuais. São permanentes: “quando motivam e conformam, em determinada época histórica, toda a manifestação de um povo como nação e possuem, em grau maior ou menor, um caráter de persistência; no entanto, podem sofrer alterações em

face de mudanças fundamentais da conjuntura nacional ou internacional, como qualquer alteração sofrida pelos organismos vivos”. São atuais aqueles objetivos

que dizem respeito às “etapas intermediárias”, conjunturais, “porque as condições de capacidade do poder nacional não estão, em muitos casos, aptos à consecução dos primeiros”.(Matéria citada da Conferência sob o título “Objetivos

Nacionais Permanentes“, realizada durante o Ciclo de Conferências sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento, em Brasília, l971, sob o patrocínio da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra).

SEÇÃO II

1. O Planejamento Econômico como técnica de realização dos objetivos nacionais

Com relação à política do desenvolvimento econômico e social do país, só recentemente o centro das decisões mais importantes nesse setor está

localizado em poder do Estado. Neste caso, sem embargo do debate promovido por grupos identificados com os interesses produtivos entregues à iniciativa privada nacional e estrangeira, é decidida a marcha do Governo no sentido de

modernizar e regular as atividades essenciais ao desenvolvimento do país, bem como exercer o controle dos instrumentos operacionais de um vasto sistema que,

em tempo de acelerada globalização, se empenhe na execução das políticas econômicas em defesa dos interesses nacionais.

Assim é que, ao dispor o artigo 21, inciso IX, da Carta Política de

1988, que compete à União federal “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”,

defere ao Estado competências praticamente inesgotáveis para a definição e realização dos objetivos nacionais nesses setores.

Diferentemente das Constituições anteriores, especialmente as de

1946 e 1967, que só contemplaram o planejamento setorial ou regional, a Emenda Constitucional nº 1, de l969, (artigo 8, v), deu um passo em frente nesse terreno, abrindo oportunidade ao estabelecimento de um plano global de

desenvolvimento econômico e social, embora naquela época a segurança nacional e a criação do Brasil-potência fossem as idéias básicas com que trabalhava o

regime militar, e não a distribuição de rendas e a solução dos graves problemas sociais existentes no país. A filosofia predominante nos círculos governamentais era, primeiro, “fazer o bolo crescer, depois então reparti-lo”.

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Ao consagrar a idéia de planejamento, o legislador constituinte pátrio, sem comprometimento de natureza ideológica, definiu-se pelo emprego de uma

técnica cientifica na modernização da sociedade brasileira, – a utilização do planejamento global, do emprego dos critérios de racionalidade na gestão pública – cuja eficácia era conhecida e utilizada na Rússia e demais países então

pertencentes ao bloco socialista.

2. Plano Nacional de Desenvolvimento: sua caracterização

O planejamento econômico foi introduzido no país desde o governo

constitucional do presidente Getúlio Vargas (1951-1954), no início da década de 50, com a implantação do Plano SALTE - Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, como programa de seu governo. Em seu governo, o presidente Vargas

privilegiou a industrialização do país, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, o BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, a Eletrobrás, a Petrobrás, e fundou o

SENAI e o SESC, para capacitação profissional e treinamento de pessoal para o setor industrial. Teve início também com Vargas uma legislação coerente de

proteção ao trabalhador assalariado, com a instituição da obrigatoriedade de assinatura da carteira de trabalho e do salário mínimo, a criação da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos entre operários e patrões; a Justiça Eleitoral, e

muitas outras importantes realizações que caracterizaram a Era Vargas, marcada também por forte sentimento nacionalista.

Veio, em seguida, o governo do presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira, com idéias e ação desenvolvimentista, inspirado no slogan de sua campanha eleitoral “Cinqüenta anos (de progresso) em cinco anos (de governo)”.

Seu Plano de Desenvolvimento Econômico, mais conhecido como Plano de Metas, privilegiou os setores da indústria de base, energia, transporte, educação e alimentação. Para isso, atrai o capital estrangeiro para grandes

empreendimentos, como: usinas hidroelétricas e estradas, o complexo industrial do ABC paulista de fábricas de automóveis e de eletrodomésticos. Com o objetivo

de promover o desenvolvimento regional, cria a SUDENE e a SUDAM, extintas no governo FHC, e constrói Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1961, como a nova capital do País e pólo de desenvolvimento da região centro-oeste brasileiro.

No plano internacional, a criação da Operação Pan Americana e o rompimento com o FMI foram os pontos mais importantes do seu governo.

A modernização e o crescimento econômico do país são visíveis no final de seu governo, mas JK deixa uma pesada herança: o desequilíbrio nas contas públicas e a inflação alta.

No governo João Goulart, após o período parlamentarista imposto pelos militares restringindo os poderes do chefe do Executivo, restabelecidos com o plebiscito, em janeiro de l963, o presidente Goulart, sucedendo ao presidente

Jânio Quadros, que renunciou ao cargo de primeiro mandatário do país, lança o seu PLANO Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado por Celso

Furtado e uma equipe de economistas ligados à Cepal, órgão da ONU com sede em Santiago do Chile. O programa, que tem caráter reformista e

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desenvolvimentista, enfrentou forte oposição no Congresso Nacional e a desconfiança do empresariado nacional e estrangeiro. Sem condições de viabilizá-

lo, o presidente Goulart, com apoio das esquerdas, parte para o confronto com a mobilização das massas em favor de um programa de reformas de base mais radical de transformação das estruturas agrária, bancária, tributária, fiscal e

administrativa do país. À radicalização das esquerdas, segue-se com mais vigor a reação irada da direita, provocando manifestações e agitações de ambos os lados. No dia l3 de março de l964, João Goulart faz um grande comício em frente à

Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Uma semana depois, em l9 de março, as oposições conservadoras promovem a Marcha da Família com Deus

pela Liberdade, em São Paulo. A conspiração avança, e em 3l de março, um golpe de Estado destitui o presidente, implantando o Regime Militar de l964.

Ultrapassada a fase inicial de tomada do poder, repressão violenta

aos inimigos e adversários do regime, era urgente a Revolução dizer ao país ao que veio.

Em Mensagem dirigida ao Congresso Nacional acompanhando o

projeto que se converteu na Lei nº 5.727, de 4 de novembro de 1971, o Presidente Emílio G. Médici traduziu as linhas mestras do Plano do seu governo, nas

seguintes palavras:

“O Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento define, em sentido

global, estratégia do desenvolvimento brasileiro, capaz de assegurar a continuidade do crescimento a taxas entre 8% e 10% ao ano, e de

construir, no País, uma sociedade desenvolvida; delineia as concepções e os meios para a consolidação de economia moderna, competitiva e dinâmica, com setor público eficiente e com estruturas

empresariais sólidas, tecnológica e financeiramente; estabelece bases para efetivar a Integração Nacional, visando, principalmente, a desenvolver o Nordeste e conquistar a Amazônia, a fim de que o País

possa valer-se, convenientemente, de seus recursos humanos e da sua dimensão continental; e traça as linhas para Integração Social”.

3. Modelo Brasileiro de Desenvolvimento

Fugindo às caracterizações estereotipadas e buscando adaptação às peculiaridades da vida nacional, o PND expõe as bases da política do desenvolvimento brasileiro da seguinte forma:

“O modo brasileiro de organizar o Estado e moldar as

instituições para, no período de uma geração, transformar o Brasil

em Nação desenvolvida, constitui o modelo brasileiro de desenvolvimento. Esse modelo nacional deve, por um lado, criar

economia moderna, competitiva e dinâmica, e, por outro lado, realizar democracia econômica, social, racial e política, consoante a índole brasileira”.

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3.1 Os Grandes Objetivos Nacionais do Desenvolvimento

Estabelece ainda o PND serem três os grandes objetivos nacionais do desenvolvimento brasileiro:

“Primeiro – colocar o Brasil, no espaço de uma geração, na categoria das nações desenvolvidas. “Segundo – duplicar, até 1980, a renda per capita do Brasil (em

comparação com 1969), devendo verificar-se, para isso, crescimento anual do Produto Interno Bruto equivalente ao dos últimos três anos.

“Terceiro – elevar a economia, em 1974, às dimensões resultantes de um crescimento anual do Produto Interno Bruto entre 8% e 10% ao ano”.

Com a votação pelo Congresso do Orçamento Plurianual de

Investimento, assegurando a base de sustentação financeira do Plano, as metas

de desenvolvimento nele previstas adquiriam viabilidade, pressupondo como resultado:

- ampla disseminação dos resultados do progresso econômico, alcançando todas as classes de renda e todas a regiões.

- Transformação social, para modernizar as instituições, acelerar o

crescimento, distribuir melhor a renda e manter uma sociedade aberta.

- Estabilidade política, para realizar o desenvolvimento sob regime democrático.

- Segurança Nacional, interna e externa.

Fonte: separatas de documentos oficiais do Governo brasileiro –“Metas e Bases para a Ação do Governo – Síntese” e “Projeto do 1o

Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – l972/74”, elaborado pelo Ministério do Planejamento e editado pela Fundação

do IBGE). Durante o governo do presidente Médici (1969-1974), verificou-se o

chamado “milagre econômico”, em que o produto interno bruto – PIB – aumentou a uma taxa anual superior a 10%, e a inflação média anual não ultrapassa a l8%.

O Estado arrecada mais, faz vultosos empréstimos externos e atrai investimentos externos para projetos de grande porte no setor industrial, agropecuário, mineral e de infra-estrutura. Alguns desses projetos, pelo custo e impacto, são chamados

faraônicos, como a construção da rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói. Na área social, os indicadores de educação e saúde são baixos, e aumenta a concentração de renda.

Foi, também, um período de governo marcado por dura repressão policial e militar contra os opositores do regime implantado em 1964. Dizimou a

guerrilha urbana com a morte do seu chefe e líder da ALN, o ex-deputado federal Carlos Marighella, em São Paulo.

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O governo do presidente Ernesto Geisel (1974-l979), consolidou a implantação da indústria, do setor petroquímico, da agricultura mecanizada,

estradas rodoviárias asfaltadas, usinas hidroelétricas, e início da construção das usinas de energia atômica I e II, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Deu-se em seu governo também a distensão política, lenta e gradual, como foi anunciada

pelo governo, culminando com a revogação do AI-5, temido instrumento de repressão do regime militar.

No governo do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo (979-

1985), deu-se a anistia política, abrindo caminho para a redemocratização do país, o que de fato aconteceu com a eleição por via indireta do presidente

Tancredo Neves, que não chegou a assumir o cargo, falecendo.

A crise provocada com o aumento do preço do petróleo pela Opep, a elevação da taxa de juros da dívida externa em dólar, fez crescer perigosamente o

endividamento do país, provocando a recessão econômica e a inflação, que atingiu níveis insuportáveis, acima de 80% ao mês, no final do governo Sarney.

Vários planos de estabilização financeira foram tentados, sem

sucesso: Plano Cruzado e Plano Bresser, no governo do presidente José Sarney; Plano Collor, I e II. Em razão disso, a década de 80 até o início dos anos 90

foram considerados anos perdidos para o crescimento econômico do Brasil e países da América do Sul.

Sucedendo ao presidente Fernando Collor de Mello, assumiu o seu

vice-presidente, Itamar Franco, tendo como ministro da Fazenda o Senador Fernando Henrique Cardoso. Lança o Plano Real de estabilização financeira, e

estabelece rígido programa de ajuste fiscal.

Com a crise cambial e a desvalorização do real, após o início do segundo mandato do presidente FHC, o país contrai vultosos empréstimos

externos e aceita o monitoramento do FMI, obtendo relativo sucesso até agora, no que diz respeito a um equilíbrio instável da moeda – o Real, face à sua desvalorização perante o dólar norte-americano.

Agravam-se, em conseqüência, os problemas econômicos, a recessão e o desemprego, a dívida pública interna cresce, perigosamente, e a dívida

externa adquire um perfil aceitável; aumenta a violência nas ruas e a insegurança nas áreas urbanizadas das grandes metrópoles e a exclusão social no país. Os planos elaborados pelas elites dirigentes de grandes reformas nos setores de

segurança, político-institucional, financeiro, tributário, dos partidos políticos, do Judiciário, de par com a melhoria ética na gestão da coisa pública visando

modernizar a sociedade e melhorar a distribuição de rendas, só em parte foram atendidas; outras medidas cabíveis, não passaram das boas intenções demonstradas nas ocasiões em que a crise se tornou mais aguda. Agora, é

necessário e urgente fazer mais e melhor.

4. O Plano “Avança Brasil”

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Compreendendo que a estabilidade financeira é importante para o povo, mas não é tudo, e que, adquirida esta é necessário adoção de medidas

destinadas à promoção do desenvolvimento econômico e social do país, o governo chefiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso lança um ambicioso plano de caráter desenvolvimentista em apoio à sua reeleição para um segundo

mandato presidencial, a cujo plano deu o nome de “Avança Brasil”.

Em Mensagem enviada à apreciação e aprovação do Congresso Nacional, o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, conforme consta do

site (http://www.abrasil.gov.br), o seguinte: “consolidada a estabilidade econômica, o Brasil entra no novo século com as condições básicas para avançar

num projeto de desenvolvimento voltado para o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.

“O projeto nacional de desenvolvimento nasce do debate com toda a

sociedade. A construção de uma nova realidade requer visão clara do futuro desejado e possível”.... “Os Eixos Nacionais de Integração e de Desenvolvimento permitem que se tenha essa visão estratégica e de longo prazo do Brasil. Ao

analisar os problemas, vocações e potencialidades de crescimento de cada região foi possível visualizar a sociedade brasileira sobre o território nacional e

identificar os projetos necessários ao desenvolvimento sustentável do País num prazo de oito anos.

“Não são projetos voltados para cada unidade da Federação, em

particular. São projetos para o Brasil. Empreendimentos que devem ser assumidos não só pelo governo federal, mas também pelos Estados, Municípios,

iniciativa privada e sociedade civil organizada, numa convocação de esforços para o desenvolvimento”.

“O Plano Plurianual para o período 2000-2003 e os Orçamentos da

União para o ano 2000, enviados ao Congresso Nacional, representam etapas do projeto de longo prazo desenhado pelos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. O início da trajetória rumo ao desenvolvimento sustentável

requer pesados investimentos na área social, e infra-estrutura econômica, na conservação do meio-ambiente e na difusão da informação e do conhecimento.

“A alocação dos recursos públicos para os próximos 4 anos foi feita de forma inovadora. A partir de demandas concretas da população – saúde, educação, moradia, segurança, transporte, saneamento básico – foram

formulados programas para responder a essas aspirações. Assim, os recursos foram alocados de acordo com a ótica da sociedade, e não como mero reflexo das

atribuições dos órgãos estatais.

“Por essas razões, tanto Eixos como o Plano e os orçamentos ensejam um debate que têm como pano de fundo as grandes questões nacionais: a

redução das desigualdades sociais, a diminuição das disparidades regionais; a integração do país com ele próprio, com os países vizinhos e com a economia nacional. O foro apropriado para a conclusão do debate, é o Congresso Nacional”.

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“E acrescenta a Mensagem presidencial: “a forma de executar os programas requer ampla renovação da gestão pública. O desafio exige um Estado

mais ágil e mais preparado para responder às demandas da sociedade. Requer gestores públicos empreendedores”.

“A mudança implica uma verdadeira revolução gerencial. Revolução

silenciosa que está em marcha. O governo federal, os Estados e os Municípios estão engajados nesse esforço, que, aliado às reformas administrativa, previdenciária, tributária e política, abrirá caminho para o novo projeto de

desenvolvimento do Brasil”.

Finaliza a Mensagem: “A construção dos programas também levou

em conta desafios que todas as nações terão de enfrentar no próximo século. São preocupações que perpassam toda a ação governamental e que exigem mobilização de todo o governo nos próximos anos:

- Agenda dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. - Agenda de Gestão do Estado.

- Agenda Ambiental. - Agenda de Empregos e Oportunidades de Renda.

- Agenda de Informação e Conhecimento”.

Conforme afirmou o presidente Fernando Henrique Cardoso, em

Mensagem dirigida ao Congresso Nacional, o “Avança Brasil” é, provavelmente, a estratégia de planejamento mais ambiciosa que este país já teve, não apenas na

definição de metas, mas na previsão do controle de metas”... E mais: “A importância desse modelo já está servindo de inspiração ao Banco Interamericano em seu apoio a projetos na América do Sul, o que certamente

contribuirá para a integração continental”.

Após a leitura dos bem elaborados planos governamentais – diga-se

de passagem – só em parte executados, quando não inteiramente abandonados pelas mais diferentes razões, percebe-se desde logo o seguinte: os planos de

Governo, sem dúvida, revelam por parte dos agentes do poder público adesão à racionalidade na execução das obras programadas pela Administração, com alocação de recursos necessários em Lei orçamentária, o que é uma atitude nova

e exemplar para o setor público no país. Mas, isso não é tudo para que as coisas aconteçam, e se torne realidade o que foi programado.

Na verdade, aconteceu algo diferente do que consta nos textos sagrados, em que no princípio foi o “verbo”, depois tudo se fez de acordo com a palavra vinda do Alto... No caso em tela, desgraçadamente, não se deu a mesma

coisa. E por que? A resposta não é fácil, é muito complexa. Porque estão envolvidas aí falhas materiais e humanas, umas, e de natureza técnica, outras. Sem deixar de lado as questões financeiras ou de má gestão administrativa, as

quais se encontram na base de quase todos os projetos nacionais que não dão certo.

Só para exemplificar: após o lançamento do plano “Avança Brasil”, verificou-se, com “surpresa” pra o Governo, que não possuíamos energia elétrica

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necessária para tocar em frente esse plano de desenvolvimento econômico e social tão esperado pelos brasileiros. A falta de chuvas, assim como de

interligação dos sistemas energéticos teriam sido as causas determinantes do racionamento de energia elétrica anunciado pelo governo federal naqueles dias à população, sob ameaça de um “apagão”, além do brutal aumento de preço da

energia elétrica fornecida aos consumidores, prejudicando com essas medidas também o crescimento econômico do país.

Naqueles dias, e tendo em vista as falhas técnicas que poderiam ter

ocorrido em se tratando de um planejamento global feito pelo Governo sem maior discussão com a sociedade, escreveu o ex-ministro de Estado e professor José

Goldemberg:

“Uma das lições que se pode tirar da crise energética é que planejamento governamental em todas as áreas é atividade

importante demais para ser deixada apenas nas mãos de burocratas governamentais e discutida em círculos fechados.

É essencial a participação da sociedade, sobretudo dos

especialistas que entendem realmente dos temas envolvidos – energia elétrica, secas no nordeste, o desmatamento da

Amazônia – e, que eles sejam ouvidos a tempo de influir nas decisões antes que se tornem irreversíveis e equivocadas”. (Jornal CB-DF, de 22-06-01, p.05).

SEÇÃO III

§ 1º A Idéia da Moderna Sociedade Brasileira

Como vimos na Seção anterior, há a expectativa entre as classes mais esclarecidas da sociedade brasileira de que é possível e necessário transformar o Brasil em uma nação desenvolvida e socialmente justa no prazo de uma geração,

com a preservação do que há de bom e positivo nas tradições culturais, nos costumes e idiossincrasía da nossa gente, bem como nos valores morais e

espirituais que servem de base à nossa identidade nacional. É uma aspiração legítima e patriótica dos brasileiros que está intimamente ligada ao impulso de modernidade que agita os povos emergentes em nossa época, sendo a luta por

eles travada um dos capítulos mais fascinantes da Historia no século XX, e início do século XXI do novo milênio.

Em linhas gerais, as idéias que agitam essas nações são conhecidas e identificadas pelos cientistas sociais e políticos no que tange aos objetivos comuns: defesa da Liberdade e da Democracia, promoção do desenvolvimento

econômico e social, respeito aos Direitos Humanos e ao Estado Democrático de Direito, combate à pobreza, ao analfabetismo, ao desemprego, à violência e ao crime organizado, às desigualdades e à exclusão social, visando organizar uma

sociedade livre, justa e solidária no Brasil e no mundo.

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O quadro atual de distorções e injustiças com que se apresenta o chamado fenômeno da globalização mundial não deve esmorecer os esforços

empregados nessa direção, mas, sim, reforçá-los, através da luta por uma nova e adequada regulação dos interesses em conflito, como ocorreu após o término da Segunda Guerra Mundial com a vitória das nações democráticas contra o nazí-

fascismo, o que permitiu redesenhar uma nova ordem mundial de progresso e paz.

É verdadeiro que, no que diz respeito à teorização dos princípios

básicos que orientam a vida desses povos, as dificuldades aumentam, por vários motivos, inclusive, pela falta de um consenso na conceituação do que seja uma

sociedade moderna ou politicamente desenvolvida e justa em nossos dias. Quais são os critérios que melhor a definem, além da riqueza material, do IDH, do consumismo, ou os valores da liberdade, da democracia e da solidariedade? Que

princípios defendem as lideranças mundiais mais expressivas ou de grupos de nações que detém o poder de autodefesa ou de indicar os rumos a seguir para a humanidade, acima dos organismos internacionais criados para esse fim?

Há, é certo, um repúdio geral a todas as formas com que se apresenta a miséria absoluta, a pobreza, o analfabetismo, a doença, o desemprego, a falta

de moradia e de saúde, e as desigualdades a nível pessoal e social em nossos dias, que dão causa à exclusão social e à privação do bem-estar e do conforto de uma vida decente e digna por parte de grande número de seres humanos em

todos os continentes.

Por outro lado, se o humanismo, a liberdade e a democracia

constituem valores aceitos e defendidos internacionalmente como básicos na organização de sociedades abertas, modernas e progressistas neste início de século e de milênio, na prática, esses valores fundamentais da civilização

ocidental são desrespeitados ou até mesmo negados em muitas partes do mundo, sem que haja uma ação coletiva concreta em defesa desses mesmos direitos de cidadania, quando se encontram em jogo interesses hegemônicos no

desencadeamento de uma “guerra santa” ou em defesa da “liberdade duradoura” contra a violência e o terrorismo a nível mundial?

De certo, em determinadas situações não é fácil distinguir qual a opção melhor e menos traumática para o futuro de toda a humanidade. Porém, em que pesem as circunstâncias adversas, há um ponto de consenso

universalmente estabelecido: como direito inseparável ao gozo da cidadania, o ideal de uma vida digna e decente para todos foi consagrado na Declaração

Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, e deve ser respeitado e defendido. Pois, consoante dispõe o artigo XXV.I da Declaração Universal: “Todo Homem tem direito a um padrão de vida capaz de

assegurar a si e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou

outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora do seu controle”.

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A essas regras contidas na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aderiu o governo brasileiro e elas constam de preceitos inscritos na

Constituição Federal de 1988, em vigor.

Na verdade, a fruição desses direitos é assunto de natureza complexa, especialmente quando se trata da elaboração de um Direito justo. Na

origem do problema, está a questão de saber se o Direito e o Estado são para o homem, ou se, pelo contrário, o homem é para o Direito e o Estado. São concepções divergentes, antitéticas, e irreconciliáveis nos seus princípios,

chamadas de: personalismo ou humanismo e transpersonalismo, de acordo com o ensinamento do jusfilósofo Luís Ricasenes Siches, no seu “Tratado General de

Filosofia Del Derecho” (Porrua, México, 1961-497).

A tese humanista ou personalista, que sufragamos, não nega que na cultura, no Direito e na coletividade se encontram valores muito importantes;

porém, o que sustenta, sem hesitação, é que esses valores que plasmam a cultura e o Estado, ainda que sejam grandemente elevados, são inferiores aos valores que

se realizam na consciência do homem.

§ 2º O novo Ethos Político-Democrático

A democracia por nós conhecida e praticada não apresenta, com

certeza, as mesmas características do sistema político idealizado por seus patronos e fundadores, embora guarde fidelidade a alguns dos princípios básicos em que se assenta a fé democrática, os quais foram redefinidos de acordo com o

progresso material, moral e a cultura política do mundo em que vivemos. Em nossa época, a filosofia econômica e social do liberalismo, ou neoliberal, sofre as mais duras criticas em razão da má distribuição de rendas, do desemprego e

subemprego, da pobreza e da exclusão social existentes no mundo que ajudou a construir. E, na prática do sistema, as mais severas restrições têm sido feitas a

que as forças do mercado regulem de modo incontrastável as atividades econômicas, notadamente neste início de século XXI em que, por um imperativo ético-social, se faz necessário desenhar a globalização com uma “face humana”.

Qual o significado das mudanças de atitudes?

De certo, não terá sido apenas por uma questão de semântica, de capricho político-partidário ou posição ideológica. Pois, quando as palavras

mudam de significação, os pensamentos a que elas se referem já mudaram antes.

Com efeito, se examinarmos, ainda que sumariamente, o direito

político constante da Constituição Imperial de 1824, verificaremos que as liberdades nela consagradas correspondiam à noção prevalente dos direitos baseados na natureza humana, e, assim, inalienáveis e inalteráveis. Os direitos

naturais se referem a direitos contra o Estado, e compreendem a maior parte daquilo que poderíamos denominar a liberdade como independência, ou

liberdade-resistência tão valorizada no pensamento político gaulês. Porque, os homens insistem, desde os antigos gregos, ser de capital importância o

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reconhecimento de uma esfera pessoal que o Governo não pode invadir. Esta seria a dimensão da liberdade como independência de que nos dão noticia os

grandes documentos das Revoluções Americana e Francesa, com repercussão avassaladora em todos os Continentes.

Desde então, a idéia de garantir esses direitos teve um

desenvolvimento dramático em nosso País, na vigência da Constituição republicana de 1891, com a Emenda Constitucional de 1926, sendo Rui Barbosa, com o habeas-corpus, o campeão na luta em defesa dessas liberdades, às quais se

agregou o empenho pelo reconhecimento dos direitos civis e da cidadania. As liberdades civis dizem respeito àquela dimensão da liberdade referente ao modo

de participarem os cidadãos no Governo, do que a revolução de 1930 representou um momento decisivo para as elites dirigentes reorganizarem o país.

A partir da Constituição de 1934, de vida efêmera, uma outra direção

do pensamento político despontava com grande relevo nessa Carta, no capitulo referente à “Ordem Econômica e Social”: era o reconhecimento dos direitos sociais

do homem, expressando uma dimensão da liberdade que só pode ser assegurada através do Estado, mediante intervenção nos domínios econômico e social. Daí a Constituição de 1946, complementando essa linha de evolução, haver permitido a

intervenção do Estado no domínio econômico (art. 146) e limitado o direito de propriedade (art. 147), disposições estas mantidas na Constituição de 1967, com

a Emenda nº 1, de 1969. A Constituição Federal de l988 deu maior relevo a esses direitos fundamentais da pessoa humana arrolados como direitos individuais, coletivos e sociais, os quais foram acrescidos com a proteção pelo Estado aos

direitos inominados ou difusos.

Entre 1824 e os nossos dias, uma transformação está se produzindo, a partir dos direitos naturais, daí para as liberdades e direitos civis e, em

seguida, a ênfase é dada aos direitos humanos e sociais, individuais, coletivos e difusos, traduzindo uma etapa evolutiva da noção da liberdade, que “só começa a

ter significação quando se há chegado a um plano de igualdade”, consoante as palavras de Harold Laski, escritas no livro de sua autoria, “La Crisis de la Democracia”. (Bueno Aires,1946-160).

Por outro lado, o Prof. Carl J. Friedrick, da Universidade de Harvard, ao apreciar a evolução desses direitos no pensamento político norte-americano, identifica na famosa mensagem do Presidente Franklin D. Roosevelt sobre as

“quatro liberdades”, o estabelecimento do elo histórico do novo dimensionamento da noção de liberdade, dessa forma: inclui nas duas primeiras liberdades –

“freedom of” – a maior parte dos direitos naturais humanos e dos direitos civis dos cidadãos e, nas duas ultimas, – “freedom from” – a liberação da “penúria” e

do “medo”, por meio da ação do Estado e da sociedade, as quais, no plano interno, inspirariam ao presidente Lindon Johnson a idéia de construção da “Grande Sociedade” americana, e no plano internacional, encontraram expressão

e apoio na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. A consagração e internacionalização de um novo ethos político-democrático, com base na

igualdade e na solidariedade humana, abriria espaço à construção de uma sociedade democrática, justa e fraterna em todo o mundo.

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§ 3º- Da Democracia Política à Democracia Social

A democracia política consiste, principalmente na realização das técnicas da liberdade. A democracia social visa antes o estabelecimento da

igualdade do que fazer reinar a liberdade. Por isso, pugna pelo afastamento das condições econômicas e sociais que a dificultam e utiliza o poder estatal como instrumento das suas reivindicações nos campos econômico e social.

As técnicas de realização da democracia no campo econômico e social variam, tanto no mundo ocidental como entre os países da órbita socialista,

embora, como assinala Burdeau, haja um traço comum entre ambos sistemas políticos – a busca do bem-estar coletivo.

Porém, o consentimento das massas na realização da democracia

econômica e social pressupõe que, não sendo a democracia um fim em si mesmo, terá como objetivo o estabelecimento de uma ordem social democrática, igualitária, para o que coloca as suas instituições ao serviço desse nobre ideal.

Politicamente se manifesta pela liberação do indivíduo das arbitrariedades do Poder e a sua participação nas regras que são editadas pelo Estado. Econômica e

socialmente caracteriza-se pela criação de condições que assegurem a cada cidadão a segurança e o bem-estar social, excluídos os privilégios econômicos e as desigualdades que possam ter origem na fortuna, onde os trabalhadores

estejam ao abrigo do desemprego, da falta de moradias e se sintam protegidos contra os riscos da vida.

Em realidade, parece convergir nessa direção o pensamento do mundo cultural moderno, sem distinções de credos ou ideologias, realizando-se com a democracia esses objetivos. Perguntar-se-á, então, qual democracia

realizará esses objetivos? Eminentes pensadores, cientista sociais e políticos respondem à indagação, dentre aqueles o consagrado mestre Norberto Bobbio. Pois, a esse propósito, observou apropriadamente Duverger: “Loin d‟être opposées

dans leur essence, la démocratie poltique et la démocratie socialle se completent au contraire; on peut penser que la démocratie véritable ne sera realisée que par

leur conjonction”.(Duverger, M. “Manuel de Droit Constitutionnel et de Science Politique”, Paris, 1948-48).

Sem dúvida, são evidentes os êxitos alcançados na política de

modernização da sociedade brasileira, cujo esforço desenvolvimentista contou com a participação do Governo e das empresas públicas e privadas, das

organizações não governamentais e da colaboração do cidadão comum, assim como dos representantes da economia formal e informal existente atualmente no país. Os efeitos positivos dessas políticas públicas já se fazem sentir,

especialmente através de alguns indicadores de melhoria da qualidade de vida das nossas populações, como expectativa de vida mais longa, saúde, educação, taxa menor de mortalidade infantil, escolaridade, e outros pontos importantes de

uma programação que, longe, muito longe ainda do ideal a ser atingido, revela uma tomada de posição firme e decidida em favor do cumprimento dos grandes

objetivos nacionais prescritos na Lei Magna do país, tendo em vista criar uma

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sociedade próspera, forte, justa e solidária, onde todos possam usufruir uma vida decente e confortável para si e seus familiares.

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O ESTADO BRASILEIRO: ESTRUTURAS POLÍTICAS BÁSICAS

Na forma da Constituição Federal de 1988, artigo 2º:

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Ao estabelecer o princípio de independência como regra para a coexistência harmônica entre os poderes da União, seguindo a tradição e a

melhor doutrina na formação do sistema de governo republicano por nós praticado, o legislador constituinte não adotou a rigidez característica da separação entre os poderes de alguns regimes políticos contemporâneos, como é o

caso do presidencialismo norte-americano. Preferiu delimitar a natureza e a forma da colaboração que deve existir entre eles, ao prescrever no parágrafo único do supra-mencionado artigo 2, o seguinte: “Salvo as exceções previstas

nesta Constituição, é vedada a qualquer dos poderes delegar atribuições; o cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro”.

Em linhas gerais, a organização dos poderes da soberania nacional obedeceu, desde a Constituição política do Império, em 1824, e, com maior ênfase, nas Constituições republicanas e presidencialistas de 1891, 1934 e 1946,

ao esquema da teoria clássica da “separação” e do “check and balance” entre os poderes, cujos lineamentos doutrinários foram objeto de estudos de consagrados

juristas patrícios, dentre os quais assinalamos João Barbalho, Aurelino Leal, Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Pinto Ferreira, Afonso Arinos de Mello Franco, Victor Nunes Leal e Cláudio Pacheco, dentre muitos outros.

Desde a Constituição Imperial de 1824, e nas constituições republicanas que se lhe seguiram, inclusive na Constituição Federal de 1988, foi consagrada a divisão clássica dos poderes do Estado: Legislativo, Executivo e

Judiciário. O poder Moderador, criado pela Constituição Imperial de l824 como a “chave” de toda a organização política do Império, e atribuído pessoalmente ao

Rei, destinava-se a manter o equilíbrio entre os demais poderes e a buscar o bom funcionamento e a estabilidade das instituições políticas e administrativas nas Províncias e nos Municípios, a fim de evitar eventuais conflitos na prática de um

sistema político democrático e representativo de relativa complexidade, como foi o implantado após a independência do Brasil, o qual duraria quase meio século de

profícua existência, até a queda do Império e a proclamação da República, em l5 de novembro de 1889.

No período da chamada Velha República, o sistema de poder

organizado era praticamente o mesmo vigente no Império. Privilegiava o poder central, agora tendo na “política dos governadores”, iniciada pelo presidente Prudente de Morais (1894-1898), o elo de uma engrenagem ascendente e

descendente de apoios políticos bem montada durante o governo de Campos Salles (1898-1902), a qual assegurou o predomínio da política café-com-leite (São

Paulo e Minas Gerais) por um longo período de tempo, até a eclosão da Revolução de 30, que deu início à Era Vargas no país.

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A Constituição de 10 de novembro de 1937, de feição caudilhesca, decretada pelo presidente Getúlio Vargas, foi o instrumento político básico dessa

época, com a inovação do decreto-lei introduzido na sistemática do direito positivo constitucional brasileiro. Consoante o artigo 13 da referida Carta política, “o presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de

dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União”.

Igual forma de predomínio do poder Executivo, o país conheceu durante o período do regime militar instaurado em 1964, com a Constituição de

1967, na forma da Emenda Constitucional n.1, de l969, ao prescrever (artigo 58) : “O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos

com força de lei sobre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças públicas. Parágrafo único – Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não

podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação o texto será tido como aprovado”.

Não foi diferente o que estabeleceu a Carta Política de l988, no artigo 84, XXVI: “Compete privativamente ao Presidente da República:...editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do artigo 62”, isto é, “nos casos de

relevância e urgência”. Consoante comentário feito e publicado na imprensa pelo Ministro Carlos Mário Velloso, do Supremo Tribunal Federal, “tal como foi

concebida, a medida provisória abrangia todas as matérias, diferente do decreto-lei do tempo da Revolução de 64, que tinha como limite para legislar as matérias consideradas urgentes ou relevantes, de segurança nacional e finanças públicas”.

Todas estas medidas, aparentemente destinadas ao fortalecimento do poder Executivo e a torná-lo mais ágil e eficiente no enfrentamento da crise de crescimento do país, e em seu bojo, das crises política, econômica e social por

que passa a sociedade brasileira, não trouxeram somente profundas modificações ao nosso sistema político e institucional. Pois, entre a teoria e a pratica do

sistema político por nós adotado, foram experimentadas as mais lamentáveis e estranhas inovações, ou deformações, que não decorreram de um avanço da cultura política, mas do impulso nem sempre louvável de impor a autoridade

incontrastável do Executivo sobre os demais poderes da União.

Historicamente, como observara Nabuco, havia a percepção dos

dirigentes públicos da necessidade de um poder Executivo forte e eficiente, capaz de enfrentar os enormes problemas e os desafios emergentes numa sociedade multiforme e com profundas desigualdades sociais e regionais. As fórmulas

encontradas para a concretização desse desiderato, tanto no período Imperial como na República, é que não foram felizes e nem corresponderam às expectativas existentes em torno delas. À míngua de idealismo e forte espírito

público das elites dirigentes, aqueles poderes excepcionais exigidos e outorgados levaram os governantes à prática de um personalismo político abominável, de

feição populista, o que conduziria, em represália à ordem democrática ameaçada, às ditaduras, civil e militar, que já tivemos no Brasil.

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O Prof. Cláudio Pacheco, no seu “Tratado das Constituições Brasileiras” (ed. Freitas Bastos, v.I,1958-X), prefácio), identificou o problema de

outra maneira, porém, convincentemente: “Continuamos, assim, neste país, por suas elites e tendências coletivas, concebendo as Constituições como devendo manter-se resistentes ao poder, como sendo obstinadamente um instrumento de

moderação do poder. Persistimos assim algo desatualizado das novas idéias que preconizam a democracia menos resistente e até mesmo exploradora da ação do governo. Portanto, ainda precisamos entender as nossas Constituições pelos

sinais e características daquela resistência e das suas soluções de liberdade, embora nos retardemos em face da mais recente evolução da ciência política e do

direito positivo”. Na verdade, formalmente o nosso constitucionalismo não diverge do que existe de melhor na doutrina do regime democrático e representativo, muito

embora os sistemas políticos por nós organizados, em alguns casos, tenham consagrado, na teoria e na prática, imperdoáveis desvios da cultura política brasileira, em resposta às tensões oriundas das crises políticas por que

passamos.

A verificação do fato de que o Brasil tenta acelerar a sua historia

mediante a utilização do poder estatal, com o aproveitamento racional das suas potencialidades materiais, humanas e culturais, e incorporando os produtos da moderna tecnologia industrial e da informática aos diferentes setores da

sociedade e da administração pública, demonstra que, para atingir os objetivos colimados, é indispensável e necessário cobrar do sistema político nacional a

modernização das suas estruturas administrativas, definindo-o como um “poder ativo” – expressão de Bertrand de Jouvenal – a fim de alcançar o bem comum da sociedade brasileira.

Joaquim Nabuco, tribuno eloqüente e estadista de grande visão, num momento de impaciência cívica, manifestou-se sobre o tema em discurso pronunciado no Parlamento Nacional, como segue: “Há muito tempo, Sr.

Presidente, que eu abandonei o caminho das sutilezas constitucionais que se adaptam a todas as situações possíveis. Pelo estado do nosso povo e pela

extensão do nosso território, nós teremos por muito tempo, sob a Monarquia ou sob a República, que viver sob uma ditadura de fato. Há que haver sempre uma “vontade diretora” seja do monarca, seja do presidente. Esta é a verdade, tudo

mais são puras ficções sem nenhuma realidade a que correspondam no país”.(grifo nosso)

“Pois bem, todo o meu esforço em política, há bastantes anos, tem consistido em que essa ditadura de fato se inspire nas necessidades do nosso povo até hoje privado de teto, de educação e de garantias e que compreenda que a

verdadeira nação brasileira é coisa muito diversa das classes que se fazem representar e que tomam interesse na vida política do país”. (Nabuco, J. “Discursos Parlamentares”, 1879, citado por R. Faoro, em “Os Donos do Poder”,

Porto-Alegre, l958-170). Em conclusão: o que o grande tribuno Joaquim Nabuco defendia em

discurso pronunciado no Parlamento brasileiro no século XIX, é o que todos queremos ainda hoje – que os governantes busquem inspiração no povo para governar e que governem em benefício da sociedade.

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SEÇÃO I

Poder Legislativo

Na forma da Constituição Federal de 1988, artigo 44, “o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”. Ao manter o sistema bicameral na organização

do legislativo federal, o constituinte brasileiro definiu-se pelas estruturas políticas que gozam de grande aceitação em países como Inglaterra, Estados Unidos,

Canadá, Brasil, México, Índia, Chile, Argentina, Iugoslávia, dentre outros. Expressa a intenção de representar os interesses locais ou o Estado, na câmara “alta”, e os interesses nacionais, na câmara “baixa”. Por esta forma, pretendeu

estabelecer o equilíbrio entre estes interesses, o que, de resto, está de acordo com a tradição política brasileira.

1. Bicameralismo e Unicameralismo

Na doutrina e na prática das instituições representativas, as preferências se dividem entre o bicameralismo e o unicameralismo.

Os defensores da divisão das tarefas legislativas em duas câmaras

sustentam: 1), é essencial ao sistema federativo, 2), assegura uma completa e cuidadosa consideração da legislação, e 3), evita a concentração indevida do

poder político num simples corpo legislativo, que pode, se não for contrabalançado, tornar-se arbitrário e despótico, ameaçando dessa forma as liberdades do indivíduo e dos grupos minoritários.

Historicamente, razões diferentes preponderam para a organização dual das câmaras legislativas nos diversos países que adotam esse sistema. Na Inglaterra, a nobreza e o alto clero formaram a Casa dos Lords, enquanto que os

cavalheiros e o baixo clero reuniram-se com os burgueses (representantes dos burgos ou cidades) para formar a Casa dos Comuns. Na França, e em outros

países continentais, o clero formou um “estado”, a nobreza outro e os representantes do povo se organizaram noutra câmara conhecida como o “terceiro estado”.

A sobrevivência do bicameralismo, após o estabelecimento dos sistemas democráticos de representação política, deve-se, em parte, à imitação e

à tradição, mas também outros fatores contribuíram para esse fim. Onde um Estado nacional era formado (como foram os Estados Unidos, a Alemanha, o Brasil e o México) sem os “Estados” ou “cantões” que fossem previamente

soberanos e independentes, um parlamento bicameral foi adotado como um meio de dar representação política aos interesses locais e ao Estado na casa “alta” e aos interesses nacionais na casa “baixa”, e de adquirir o balanço e equilíbrio

entre os interesses do Estado federado e a União.

A câmara alta geralmente se assenta noutro tipo diferente da eleição

direta. Em alguns, os membros são hereditários (a casa dos lords); noutros, são indicados vitaliciamente (o Canadá e os da Itália, antes e durante o Fascismo);

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outros são eleitos indiretamente (o Senado da Irlanda, o conselho Francês da Republica e o Senado dos Estados Unidos anterior à adoção da Emenda XVII); no

Brasil, os membros do Senado Federal são eleitos, pelo voto direto e secreto, segundo o principio majoritário.

Aos membros das Câmaras Altas, geralmente é exigida uma idade

mais elevada do que nas Câmaras Baixas; em alguns países (Canadá) eles devem possuir mínima quantidade de bens ou pertencer a uma das varias categorias funcionais especificadas, como professores, cientistas, notáveis figuras literárias

ou grandes contribuintes, como no antigo senado italiano.

Por sua vez, os advogados do sistema unicameral sustentam que um

corpo legislativo verdadeiramente representativo dos interesses nacionais, eleito diretamente pelo povo numa democracia, não deve estar sujeito ao controle e delongas interpostas por uma câmara alta mais representativa dos interesses dos

Estados, ou, como noutros países, eleita ou designada com base não democrática. Tanto mais que, em razão da complexidade dos problemas existentes num país em fase acelerada de transição, postos diante do governo

para uma solução rápida e eficaz, a existência de duas casas legislativas mostra assinalados defeitos. Os impasses freqüentemente ocorrem entre as duas

câmaras, especialmente onde a câmara alta é reconhecidamente conservadora na sua composição. A divisão da responsabilidade legislativa encoraja a culpar cada casa a outra pelas faltas e delongas que se verificam. Tal fato, além de contribuir

para a instabilidade de todo o sistema governamental e o enfraquecimento do legislativo perante a opinião publica do país, tende a refutar o argumento de que

o esquema bicameral seria uma maior garantia de equilíbrio e harmonia.

Daí a regressão do sistema dual do legislativo após a primeira grande guerra mundial, de modo especial, porque o ideal democrático ganhou a mais

ampla aceitação, tornando-se óbvio o caráter anti-democrático de muitas câmaras altas, conduzindo-as à reforma ou à abolição. Na Inglaterra, a tática da Casa dos Lords contra uma progressiva legislação econômica e social conduziu ao

“Parliament Act of 1911”, que privou os Lords de todo o poder de interferência na legislação financeira e tornou-os incapacitados para fazer mais do que prolongar

outra legislação por dois anos. Varias proposições têm sido feitas para reformar a Casa dos Lords, fazendo-a mais largamente representativa de elementos estranhos ao parlamento, mas nenhuma destas propostas foi ainda adotada.

Nos Estados Unidos, a XVII Emenda providenciou a eleição direta dos senadores, substituindo o método de eleição pelas legislaturas estaduais, sendo

que o Senado dos Estados Unidos desempenha importante papel na condução da política externa. Muitas das novas nações estabelecidas após o fim da primeira guerra mundial adotaram o sistema unicameral; vários países latino-americanos

procederam da mesma forma. Noutros países, a câmara alta foi reduzida a uma honrosa posição secundaria, com a câmara baixa capacitada a sobrepujá-la.

No Brasil, o bicameralismo sofreu um período de acentuado desfavor

nos meios políticos e intelectuais, tendo-se revigorado, especialmente, com a Emenda constitucional nº 17, de 26 de novembro de 1965, e outras atribuições

adicionais incorporadas à Constituição de 1988.

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No plano intra-estatal, o unicameralismo tem sido a regra nos governos estaduais, havendo uma Assembléia Legislativa em cada estado, e no

Distrito Federal, onde recebeu o nome de Câmara Legislativa.

2. Condições de elegibilidade para o Congresso Nacional

São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional, na forma

da Constituição Federal de 1988: (artigo 14 § 3o):

I. a nacionalidade brasileira; II. o pleno exercício dos direitos políticos;

III. o alistamento eleitoral;

IV. o domicílio eleitoral na circunscrição; V. a filiação partidária;

VI. a idade mínima de:

- trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

- trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

- vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado

Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; - dezoito anos para Vereador.

Por outro lado, o regime das inelegibilidades, moderadamente

estabelecido nas Constituições de 1891, 1934 e na de 1946, teve proposições

inovadores em Emendas Constitucionais: na de nº 9, em parte: na de nº 14, no seu conjunto, embora com características diferentes, modificando, com o complemento da Lei nº 4738, de 15 de julho de 1965, o regime das

inelegibilidades criado em 1946, sendo estas alterações consolidadas pelo governo revolucionário na Constituição de 1967. A Constituição de l988 manteve o mesmo

regime das inelegibilidades em vigor, só alterado posteriormente com a permissão da reeleição para o Executivo em todos os níveis de Governo: federal, estadual, municipal e do Distrito Federal.

Outras condições especiais de qualificação para membros das Casas do Congresso Nacional não são exigidas. Entrementes, uma consulta ao “Fichário

Parlamentar”, relativo à composição da Câmara dos Deputados da IV e V legislaturas, publicado pelo jornal “Correio Braziliense”, da Capital Federal, apresenta-nos um quadro interessante de sociologia eleitoral e de

representatividade nacional dos mandatários do povo naquela casa do Congresso. Dos Deputados ouvidos, afora as diferenças naturais de localidades onde nasceram, dos colégios e Universidades por eles freqüentados, dos “curriculum

vitae” mais ou menos brilhantes, reveladores do sucesso alcançado em algum ramo de atividade dentro do meio onde adquiriram prestigio social e político, a

não ser em casos raros e excepcionais, as idéias por eles expressas no inquérito não indicam preparo intelectual qualificado, ou um alto grau de cultura política indispensável e necessária ao debate parlamentar, quer seja no que se refere aos

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variados temas de política interna, quer no que concerne aos assuntos ligados aos interesses políticos e comerciais externos do País.

2.1 Composição do Congresso Nacional

O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara de Deputados e do Senado Federal (art.44 da C.F). Cada legislatura terá a duração de quatro anos.

2.1.1 Câmara dos Deputados

De acordo ainda com a Constituição Federal de 1988: “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema

proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”, sendo o mandato de quatro anos, período de duração de cada legislatura.

O numero total de Deputados, bem como a representação por Estado

e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, para que

nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. Atualmente, é de 5l3 o número dos representantes eleitos para a Câmara dos Deputados no Congresso Nacional, pertencendo ao Estado de

São Paulo a maior representação popular, 70 Deputados.

A representação nacional na câmara baixa do País, evidentemente,

poderia ensejar maior força política aos Estados mais populosos e politizados da federação brasileira, os quais predominam na condução das atividades do legislativos federal, assim como nas Comissões técnicas mais importantes e nas

decisões de plenário, através da ação das lideranças partidárias dominantes no Congresso Nacional.

Em trabalho produzido pelo prof. Luis Navarro de Brito, da

Universidade de Brasília, publicado na Rev. de Informação Legislativa do Senado Federal (nº 6, julho, 1965 – P.17 e seguintes) foram analisadas as distorções do

sistema de representação proporcional do pluripartidarismo por nós praticado no período anterior à Revolução de 31 de março de 1964, com base na força eleitoral dos Estados representados na Câmara dos Deputados. Diga-se, por oportuno,

que esse é o mesmo sistema de representação proporcional vigente até agora no país, considerado injusto em relação aos Estados situados nas regiões mais

densamente populosas, uma vez adotado o critério numérico como elemento decisivo no exame dessa questão política. No que diz respeito à pureza do sistema tem-se como valiosa a contribuição do ilustre Professor da UnB e as conclusões a

que chegou são coincidentes com as de outros estudos sobre a matéria. Tal fato, no entanto, não invalida o critério político adotado pelo legislador constituinte ao atribuir ao Distrito Federal e aos Estados situados em regiões com menor

densidade populacional e culturalmente atrasadas uma representação política levando em conta outros fatores, evitando com isso aprofundar os desequilíbrios

existentes entre as diversas regiões do país.

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De acordo com o artigo 51, da C.F. vigente, compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a

instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de 60 dias

após a abertura da sessão legislativa; III - elaborar seu regimento interno.

A composição da Câmara dos Deputados, por profissão de seus membros, no início da presente legislatura era a seguinte: empresário, l43;

advogado, 92; médico, 58; engenheiro, 44; professor, 34; economista, 27; jornalista, l6; administrador, 11; servidor público, 11; pastor, 11; metalúrgico, 6;

bancário, 5; militar, 4; contador, 3; sociólogo, 3; assistente social, 3; trabalhador rural, 3; radialista, 2; diplomata, 2; técnico agrônomo, 2; arquiteto, 2; estudante, 2; comerciário, 2; delegado de polícia, 2; músico, l; farmacêutico, 1; técnico

industrial, 1; técnico telecomunicações, 1; padre, 1; aposentado, l; odontólogo, 1; rodoviário, 1; ferroviário, 1; eletro-técnico, 1; juiz de paz, 1; corretor de imóveis, l; geólogo, 1; gráfico, 1; sem dados 11; total 513.

Como se vê, a composição da Câmara dos Deputados, por profissão de seus membros, com algumas variações é quase a mesma, predominando os

empresários, que agora defendem eles próprios os seus interesses, e os profissionais liberais. Com a votação do Código de Ética e Decoro Parlamentar, em dezembro de 2001, foi instituído um poderoso mecanismo para o

acompanhamento do desempenho e transparência no exercício do mandato parlamentar, preenchendo, dessa forma, uma lacuna existente naquela Casa do

Congresso Nacional.

2.1.2 Senado Federal

Dispõe a Constituição Federal de 1988, artigo 46: “O Senado Federal

compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos pelo voto direto e secreto, segundo o princípio majoritário”. Cada Estado e o Distrito

Federal elegerão três senadores, com mandato de oito anos. A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. Cada senador será eleito com dois

suplentes.

É de 81 o número atual de senadores da República, como

representantes dos 26 Estados e do Distrito Federal.

No início da presente legislatura, a composição do Senado Federal, por profissão, era a seguinte: empresário, 23; advogado, 16; economista, 9;

médico, 7; engenheiro, 7; professor, 6; geólogo, 2; bancário, 2; delegado de polícia, 1; sociólogo, 1; veterinário, 1; radialista, 1; metroviário, 1; sem dados, 2; total 8l.

Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa do Congresso Nacional e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos

votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

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De outra parte, é verdadeiro que a escolha dos senadores pelo voto direto e secreto, segundo o principio majoritário, retira da Câmara revisora do

Congresso Nacional o caráter antidemocrático que a caracteriza em outros países, assegurando, ainda, representação igualitária dos Estados.

No ano de 2001, o Senado Federal dedicou-se quase com

exclusividade aos escândalos que estouraram entre os principais membros da Casa, o que prejudicou a votação das reformas necessárias ao país. Coube à Comissão de Ética do Senado apurar as acusações contra o presidente do

Senado, senador Antonio Carlos Magalhães, o líder do governo, senador José Roberto Arruda, e funcionários graduados do Senado por quebra do sigilo e

adulteração do resultado na votação de cassação do mandato do senador Luiz Estevão, os quais renunciaram aos mandatos populares para fugir à cassação iminente. O segundo caso, envolveu o senador Jader Barbalho, que substituiu o

senador ACM na presidência do Senado e do Congresso Nacional, acusado pelo Ministério Público de malversação de dinheiros públicos, improbidade administrativa e tráfico de influência junto à Sudam, quando governou o estado

do Pará, o qual também renunciou à presidência do Senado e ao mandato de senador a fim de evitar a cassação, recomendada em ambos os casos pela

Comissão de Ética do Senado Federal, após complicado procedimento investigatório.

3. Atribuições do Congresso Nacional

No que diz respeito às atribuições do Poder Legislativo, consoante

prescreve o artigo 48 da atual Constituição, cabe “ao Congresso Nacional, com a

sanção do Presidente da Republica, dispor, mediante lei, sobre todas as matérias da competência da União”, as quais se encontram enumeradas nos itens I a XIV, do supra-mencionado artigo da Carta Magna de 1988, destacando-se: legislar

sobre sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operação de crédito, dívida pública e

emissão de curso forçado; fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas; planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União;

criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública; telecomunicações e radiodifusão; matéria financeira, cambial e

monetária, instituições financeiras e suas operações; moeda, seus limites de emissão e montante da dívida mobiliária federal.

Como matéria da competência exclusiva do Congresso Nacional,

incluem-se aquelas previstas nos itens 1 a XVII do art. 49 da Lei Maior, dentre as quais, citamos: resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio

nacional; autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele

permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; aprovar o estado

de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender

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qualquer uma dessas medidas; sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo,

incluídos os da administração indireta; autorizar referendo e convocar plebiscito.

Na prática, naturalmente, o Executivo pode, pela condução das relações externas, criar uma situação internacional que coloca o legislativo

muitas vezes sem possibilidade de adotar alternativas para a política proposta ou posta em execução. Os exemplos são notórios e poderiam ser encontrados na

historia recente desse importante setor da vida nacional, com as políticas do “neutralismo”, da “política externa independente” ou do “alinhamento”, ou da “da liberdade duradoura” posta em prática pelo presidente George W. Bush para

combater o terrorismo, após o ataque ao World Trade Center e ao Pentágono, nos Estados Unidos.

3.1 Processo Legislativo

O processo legislativo compreende a elaboração de (art. 59 da C.F.):

- emendas à Constituição; - leis complementares;

- leis ordinárias; - leis delegadas;

- medidas provisórias; - decretos legislativos - resoluções”

“Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração,

redação, alteração e consolidação das leis”.

Alguns itens do processo legislativo merecem atenção especial.

Com efeito, o parágrafo 2º do art. 61 da Lei Maior dispõe: “a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído

pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

A iniciativa popular é, sem dúvida, um extraordinário e oportuno instrumento de ação política destinado ao reconhecimento dos direitos das minorias consagrado pelo legislador constituinte brasileiro. As democracias

modernas são governadas e cultivam as maiorias. Por isso, foi bem inspirado o constituinte ao abrir espaço aos grupos sociais minoritários, dando-lhes representatividade e voz no Congresso Nacional.

É de ser notado que, após a Constituição de 1988, apenas uma lei, de iniciativa popular, foi encaminhada e aprovada pelo Legislativo Federal.

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Prescreve a C.F. de l988, artigo 62: “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,

devendo submete-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias”.

“Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas

decorrentes”.

Até outubro de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso

baixou 265 novas medidas provisórias e reeditou outras 5.054 MPs. O uso abusivo das MPs é motivo de críticas de diversos setores da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. O instrumento criado para ser utilizado

em casos de relevância e urgência acabou sendo usado indevidamente pelo Executivo federal após a promulgação da Constituição de 1.988. Tornou-se imperiosa a necessidade de editar novas regras sobre a matéria, e elas vieram.

Depois de quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, por acordo de lideranças partidárias, foi finalmente aprovado projeto de emenda

constitucional que restringe o uso de medidas provisórias pelo poder Executivo da União. Pelo projeto, acaba a reedição por tempo indeterminado das MPS, que terão validade de 60 dias, podendo ser prorrogadas por igual prazo, a partir do

qual, se não for votada em l20 dias, perde a validade.

O projeto de emenda constitucional limita também os assuntos que

podem ser tratados por MPs. São as matérias que dizem respeito ao Orçamento, créditos adicionais e aumento de impostos.

Tornou-se evidente que a edição de MPs sobre quase todos as

matérias de competência federal pelo Presidente da República não contribuiu somente para tornar a administração mais ágil, numa época de acelerada transição social da vida nacional. Produziu também muitos outros efeitos, alguns

deles perniciosos, como: engessar a pauta de trabalhos do Congresso Nacional, pelo número excessivo de MPS editadas e reeditadas, não permitindo ao

Congresso Nacional apreciar e votar os projetos de reformas em matérias importantes para o país. Exemplo: o Código Tributário, a reforma política, da previdência social, comércio exterior, do Judiciário, dentre outras. Outro efeito

indesejado em razão do excessivo número de MPS editadas e reeditadas foi a sensação de instabilidade da ordem jurídica, a nível interno e no exterior,

dificultando as relações inter-pessoais e comerciais; finalmente, a pletora de leis editadas em caráter de urgência, não só institucionalizava as crises emergentes, como transformava o Poder Judiciário de órgão judicante em árbitro dos

desacertos do governo federal, como se verificou em casos recentes, ao reconhecer validade jurídica às medidas adotadas pelo governo por ocasião da “crise energética” que abalou o país, assim como nas decisões tomadas pelo STF sobre

a obrigatoriedade do pagamento da dívida atrasada do FGTS aos trabalhadores.

SEÇÃO II

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Poder Executivo

1. Presidente e Vice-Presidente da República

Consoante prescreve o art.76 da Carta Magna brasileira, o Poder

Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.

A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-

á, simultaneamente, noventa dias antes do término do mandato presidencial vigente. A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com

ele registrado, e será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados, os em brancos e os nulos. Se nenhum candidato alcançar a maioria absoluta na

primeira votação, far-se-á a nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. Se, nas hipóteses anteriores,

remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.

O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, onde prestarão o compromisso de posse.

Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á,

no caso de vaga o Vice-Presidente da República. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão

sucessivamente chamados ao exercício da Presidência, o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início

em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição (Em. Constitucional de Revisão n.16, de l997). O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos poderão ser reeleitos para um único período de

mandato subseqüente.

Durante o período republicano de governo (l889-2000),

independentemente do tempo de mandato, tivemos 36 presidentes da República, dos quais, 25 eram civis, 9 militares, oficiais generais ou marechais do Exército, e 2 Juntas Militares, que tiveram como participantes, a primeira, 2 oficiais

superiores do Exército e l da Marinha, e a segunda, l de cada corporação: Exército, Marinha e Aeronáutica.

Um balanço do que foi realizado nesse período da vida nacional, faz parte da nossa História. Uma história que está sendo escrita pelas novas gerações de brasileiros, após a pesquisa, análise e reflexão crítica dos fatos, idéias e

personalidades, umas mais brilhantes outras de menor brilho, que ocuparam a cena política nacional e tiveram a oportunidade única na chefia da Nação de participar desta aventura humana de erguer uma grande e radiosa civilização na

região tropical do planeta Terra.

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2. Atribuições do Presidente da República

De acordo com o artigo 84, itens I a XXVII da Carta Política de l988,

compete privativamente ao Presidente da Republica:

Nomear e exonerar os Ministros de Estado; exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos na Constituição; sancionar,

promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; vetar projetos de lei, total ou parcialmente; manter as

relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; remeter mensagem e plano de governo ao Congresso

Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos

Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores,

quando determinado em lei; nomear os membros do Conselho da República; convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; exercer outras atribuições previstas na Constituição.

No que tange ao veto parcial, “deve abranger o texto de artigo, parágrafo, inciso, item, número ou alínea”, com o que obstou-se ao Presidente a

faculdade de fazer incidir a sua discordância apenas sobre palavra ou expressões de projetos de leis, votadas pelo Congresso. Aliás, já em 1935, o grande jurista e homem público brasileiro, João Mangabeira, examinou o problema na Câmara

dos Deputados, esclarecendo: “Um projeto não se divide em palavras. O que o Presidente pode vetar, como parte de um projeto, é um artigo, um parágrafo, um inciso, um número, um item, uma alínea; até mesmo porque o poder de catar em

meio de uma frase uma palavra para vetá-la, importa no poder de emendar, o que a Constituição não conferiu ao Chefe da Nação”.

3. Da Responsabilidade do Presidente da República

Estabeleceu a Carta Política vigente, que ”são crimes de

responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

- a existência da União; - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do

Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da

Federação; - o exercício dos direitos políticos individuais e sociais;

- a segurança interna do País; - a probidade na administração;

- a lei orçamentária;

- o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

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Acrescenta o parágrafo único desse artigo que “esses crimes serão

definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.

4. Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional

Consoante dispõe o artigo 89 da Constituição Federal de1988, o

Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam:

- o Vice-Presidente da República; - o Presidente da Câmara dos Deputados; - o Presidente do Senado Federal;

- os lideres da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados; - os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal; - o Ministro da Justiça;

- seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois

eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.

De inspiração parlamentarista, a Constituição da República

Federativa do Brasil, de l988, restabeleceu o Conselho de Estado, órgão superior de consulta do Presidente da República. Porém, até agora o Conselho de Estado republicano não logrou o reconhecimento e nem desempenha funções tão

importantes como as do seu similar no período Brasil-Império.

Sobre o Conselho de Estado no Império, Joaquim Nabuco, no livro “Um Estadista do Império” (op.cit. p.944-45), escreveu de modo magistral: “Como

o Parlamento, o Conselho de Estado. Foi, com efeito, uma grande concepção política, que mesmo a Inglaterra nos podia invejar, esse Conselho de Estado,

ouvido sobre todas as grandes questões, conservador das tradições políticas do Império, para as quais os partidos contrários eram chamados a colaborar no bom governo do país, onde a oposição tinha que revelar seus planos, suas

alternativas, seu modo diverso de encarar as grandes questões, cuja solução pertencia ao ministério. Essa admirável criação do espírito brasileiro, que

completava a outra, não menos admirável, tomada a Benjamin Constant, o Poder Moderador, reunia, assim, em torno do Imperador as sumidades políticas de um e outro lado, toda a sua consumada experiência, sempre que era preciso consultar

sobre um grave interesse público, de modo que a oposição era, até certo ponto, partícipe da direção do país, fiscal dos seus interesses, depositária dos segredos

de Estado. É esse o sistema do Império, de l840 a l889”.

De igual importância e hierarquia, é o Conselho de Defesa Nacional, o qual é definido como “órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos

relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático”, e dele participam como membros natos:

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- o Vice-Presidente da República; - o Presidente da Câmara dos Deputados;

- o Presidente do Senado Federal; - o Ministro da Justiça; - os Ministros militares;

- o Ministro das Relações Exteriores; - o Ministro do Planejamento.

§ 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional:

- opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebração da paz, nos termos desta Constituição;

- opinar sobre a decretação do Estado de defesa e do Estado de

sitio e a intervenção federal

5. Presidência da República: sua institucionalização

As funções desempenhadas pelo Presidente da Republica são compartilhadas pelos ministros de Estado, como chefes de pastas do Governo e pelas chefias dos órgãos que compõem a Administração Federal, coordenadas de

acordo com um sistema nacional de atividades e objetivos. Existem atualmente, 22 ministérios, dos quais são titulares Ministros de Estado. Aos diversos

ministérios, subordinam-se as autarquias, empresas publicas, sociedades de economia mista e fundações, como órgãos da administração federal. Nos regimes presidenciais, assinala Laski, com respeito aos Estados Unidos, cujas

observações seriam pertinentes ao nosso sistema: “A amplitude das funções do presidente é enorme. É o chefe do cerimonial do Estado. É uma fonte vital de sugestões legislativas. É a fonte última das decisões executivas. É o expoente

autorizado da política exterior da nação. Combinar todas estas atividades com a necessidade permanente de ser ao mesmo tempo o representante da Nação e o

líder de seu partido político, resulta, sem duvida, numa exorbitante tarefa imposta ao ocupante de nenhum outro cargo político do mundo”. (Laski, H. “El Sistema Presidencial Norte-americano”, Buenos Aires, 1948 – 26).

Assim é que, a presidência da Republica necessita de uma estrutura destinada a dar organicidade aos serviços vinculados ao Executivo federal,

através de assessorias e dos órgãos administrativos pertencentes aos Gabinetes Civil e Militar, atualmente com a seguinte estrutura: Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Comunicação de Governo, Secretaria

Executiva do Programa Comunidade Solidária, Radiobrás, Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, Secretaria Geral e Advocacia Geral da União.

A coordenação dos serviços de assessoria ao Chefe do Executivo

assume importância fundamental na gestão e na administração dos negócios públicos, de vez que as tarefas afetas ao Presidente da República e a natureza

complexa das decisões a serem tomadas ultrapassam de muito a capacidade individual de um só homem, por mais sábio e experimentado que seja. A institucionalização da presidência da República, como existe nos Estados Unidos

e em outros países, se impõe como um importante órgão auxiliar de “decision

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making” para o mais alto magistrado da Nação. Só a organização da “agenda” de compromissos do Presidente da República na condição de Chefe de Estado e do

poder Executivo federal é uma tarefa da maior importância, pois, através dela pode-se inferir sobre o que faz o governo.

6. Escolha do Presidente e do Vice-Presidente da República

Pelo sistema consagrado nas constituições republicanas brasileiras, a

escolha do Presidente da República se faz por sufrágio universal direto e o voto secreto, a partir de 1934. O salutar princípio Jeffersoniano de que a legitimidade

do poder se encontra no livre consentimento dos governados, não é contestado até mesmo pela maioria das ditaduras modernas que, a despeito de caracterizarem suas posições revolucionárias, afirmam solenemente que a origem

do poder por elas exercido baseia-se no consentimento e no entusiástico apoio do povo. Os mecanismos para aferir o grau de consentimento dos governados é que varia, traduzindo a caracterização dos regimes políticos.

Nos regimes políticos hodiernos, e aqui não se cogitou da classificação bipartida de George Vedel - democracias clássicas e democracias

marxistas – existem três modalidades de eleições dos chefes do Executivo, observadas pequenas variações que não invalidam a classificação: 1) eleição popular direta, 2) eleição indireta por um colégio eleitoral, 3) eleição pelo

parlamento nacional.

As eleições populares diretas prevalecem na maioria dos países

democráticos que adotam o sistema presidencialista, como a França (na forma da revisão constitucional de 1962), Brasil, Argentina, Chile, México, Colômbia, Bolívia, Venezuela, dentre outros.

Consideradas as idéias gerais acima expendidas sobre a escolha do Presidente e Vice-Presidente da República, é óbvio que a eleição direta pelo povo é o método mais democrático para a escolha do Chefe do Executivo. Ela impõe uma

responsabilidade adicional ao votante, treinando-o no exercício dos direitos de cidadania, e proporciona um chefe executivo que pode falar em nome de todo o

povo. A legitimidade das suas decisões dependerá, é claro, do grau de aceitação e aprovação que obtiver junto ao público, o que nas democracias modernas é aferido através de constantes pesquisas da opinião pública sobre os assuntos em

discussão. Embora indicativas de rumos a seguir, no entanto as pesquisas não deverão ser determinantes

6.1 Condições de elegibilidade

A Constituição prescreve as condições de elegibilidade para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, os quais, teoricamente, estão ao alcance dos cidadãos que preencham os seguintes requisitos básicos: “I- ser

brasileiro nato; II- estar no exercício dos direitos políticos; III- ser maior de trina e cinco anos”.

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O regime das inelegibilidades estabelecido na Constituição e na Lei de Incompatibilidade modificou o sistema tradicional do direito de ser votado. Além

destas, há uma lei não-escrita, porque decorre de práticas antigas na vida nacional, pesquisadas por Thomas Leonardos e citadas por Glauco Carneiro no livro “História das Revoluções Brasileiras” (ed. Cruzeiro, Rio, l965-3, lo volume),

para que um cidadão brasileiro possa aspirar à Presidência da República:

1 – Ter sido governador do Estado de São Paulo (exemplos: Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Washington Luiz, Júlio Prestes e

Jânio Quadros);

2 – Ter sido governador do Estado de Minas Gerais (exemplos: Afonso

Pena, Wenceslau Brás, Artur Bernardes e Juscelino Kubitschek);

3 – Ser oficial-general do Exército, preferivelmente, ex-ministro da guerra, reformado ou não (exemplos: Deodoro, Floriano, Hermes, Eurico Dutra,

Castelo Branco, Costa e Silva, Garrrastazú Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo).

As exceções confirmam a regra, continua Glauco Carneiro, citando

ainda Thomas Leonardos: “ocorreram em circunstâncias anormais, com o fluminense Nilo Peçanha porque morreu Afonso Pena; com o paraibano Epitácio

Pessoa porque morreu Rodrigues Alves; com o cearense José Linhares porque Vargas foi deposto; com o riograndense do norte Café Filho porque Getúlio suicidou-se; com o mineiro Carlos Luz porque Café Filho adoeceu; com o

catarinense Nereu Ramos porque o Exército impediu Café Filho; com o gaúcho João Goulart porque Jânio Quadros renunciou”.

SEÇÃO III

O Poder Judiciário

1. Organização do Judiciário Estabelece o artigo 92 da Constituição Federal de 1988, que o Poder

Judiciário da União é exercido pelos seguintes órgãos:

I. Supremo Tribunal Federal; II. Superior Tribunal de Justiça;

III. Os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV. Os Tribunais e Juízes do Trabalho; V. Os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI. Os Tribunais e Juízes Militares;

VII. Os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

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Prescreve ainda o citado artigo da Lei Maior: “Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem

dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:”...

O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.

Estatuiu o art. 94 da C.F. de l988, que “Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez

anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, em lista sêxtupla pelos

órgãos de representação das respectivas classes”. Consoante o art. 95, os juízes gozam das seguintes garantias:

- vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois

anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

- inamovibilidade, salvo por motivo de interesse publico, na forma do art. 93, VIII;

- irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à

remuneração, o que dispõem os arts. 37, VI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

- exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério:

- receber, a qualquer titulo ou pretexto, custas ou participação em processo;

- dedicar-se à atividade político-partidária”.

E mais: a União no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I- juizados especiais...; II- justiça de paz, remunerada, composta de

cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de oficio

ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer

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atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.

Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e

financeira.

O Poder Judiciário, numa sociedade democrática, ocupa eminente

posição e tem funções extremamente importantes. E o elemento básico na teoria

clássica da separação dos poderes da soberania nacional é o conceito de que o ramo judicante deve ser realmente independente. Isto importa em admitir que os

juízes devem ser imparciais e protegidos das influências políticas ou outras pressões que afetem as suas decisões.

Daí aos Juízes serem asseguradas especiais garantias constitucionais

de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos e impostas vedações para o exercício de atividades político-partidárias e outras funções públicas, com exceção do magistério secundário e superior. Legalmente, só

podem ser afastados do cargo por graves crimes e mediante um difícil processo em foro especializado. Por todos estes motivos, os membros do Poder Judiciário,

especialmente das altas cortes de Justiça, gozam de merecida estima e de respeito na sociedade.

De outra parte, o gabarito exigido para a nomeação de um membro

das altas cortes, “depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, que deverá recair dentre brasileiros maiores de trina e cinco anos, de notável saber jurídico e

reputação ilibida”, confere ao cargo o prestígio merecido, e às suas decisões, acatamento e respeito.

2. Supremo Tribunal Federal: sua composição e competências

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de

idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.(art.101, da C.F)

“Parágrafo único - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da Republica, depois de aprovada escolha pela maioria

absoluta do Senado Federal”.

Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição (art. 102), cabendo-lhe: I – processar e julgar originariamente: a) ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual; b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os

membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;...e) o litígio entre Estados estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; f) as causas e os conflitos

entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;...g) a extradição

solicitada por Estado estrangeiro;... a homologação das sentenças estrangeiras e exequatur às cartas rogatórias; ...q) o mandado de injunção, quando a elaboração

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da norma regulamentadora for do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma

dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal; ...”

Estabeleceu o art. 103 da nossa Carta Magna, que podem propor a

ação de inconstitucionalidade:

- o Presidente da República;

- a Mesa do Senado Federal; - a Mesa da Câmara dos Deputados;

- a Mesa da Assembléia Legislativa; - o Governador de Estado; - o Procurador-Geral da Republica;

- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; - partido político com representação no Congresso Nacional;

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de

competência do Supremo Tribunal Federal.

Dividido em duas Turmas, estas são organizadas e funcionam de

acordo com as atribuições que lhes são conferidas no Regimento Interno da Casa, no processamento de causas e julgamento de recursos previstos na Constituição.

Reunidas, formam o Pleno do Supremo Tribunal Federal, o qual, nas matérias específicas de sua competência constitucional, toma as suas decisões pela maioria dos membros do Tribunal, com exceção de matéria constitucional, em

que o quorum é qualificado, exigidos dois terços dos seus membros para a decretação de inconstitucionalidade de leis.

Uma reunião de plenário do Supremo Tribunal Federal, em razão da

importância das matérias em pauta e da elevada categoria dos julgamentos, desperta sempre um natural interesse nos votos proferidos por seus membros, o

que atrai a curiosidade não só das partes envolvidas nos litígios, como dos advogados, da imprensa, de membros do Judiciário de todo o País, que delas tomam conhecimento pelos meios oficiais de divulgação.

Segundo relatório das atividades judicantes do Supremo Tribunal

Federal, apresentado e publicado pelo seu Presidente, Ministro Ribeiro da Costa, em março de 1965, o Supremo realizou, no ano de 1964, 190 sessões, sendo:

Pelo Tribunal Pleno - 103 Sessões

Pela 1º Turma - 42 Sessões Pela 2º Turma - 40 Sessões

No período, foram efetuados um total de 7.849 julgamentos, sendo 1.854, pela Primeira Turma, 1.825, pela Segunda Turma e 4.170, pelo Tribunal

Pleno, sobre matéria civil e criminal, predominando por larga margem a matéria civil.

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Atualmente, cresceu muito o número de julgamentos da Suprema Corte de Justiça brasileira. Consoante informações colhidas via Internet no

Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário, foram protocolados no Supremo Tribunal Federal, somente no ano de 1999, um total de 68.065 processos compreendendo vários ramos do Direito, a saber: administrativo, civil,

constitucional, penal, trabalhista, tributário; outros, não informados, 13.437.

No Superior Tribunal de Justiça –STJ- no ano 2.000, foram distribuídos 154.072 e julgados 154.164 processos. No Tribunal Superior do

Trabalho – TST – no ano de 1.999, foram autuados 115.870 e solucionados 121.181 processos. Números tão expressivos de demandas solucionadas

poderiam indicar não somente a sobrecarga de trabalho a que estão expostos os juizes desses tribunais superiores, como a existência de uma sociedade conflituosa, ou melhor, em fase acelerada de mudanças, o que realmente ocorre

em nosso país.

Para o bom desempenho das suas funções, conta o Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais do país com excelentes serviços informatizados,

produzidos por suas Secretarias administrativas e técnicas.

Os julgamentos das altas Cortes de Justiça, especialmente do STF,

despertam sempre grande interesse em razão da importância das matérias e das decisões em última instância tomadas pela Suprema Corte. As sessões de cada Turma e do Tribunal Pleno seguem o Regimento da Casa, sob a direção do

Presidente, a quem cabe anunciar, após os debates e votos do Ministro relator e de cada Ministro, o resultado, ou a decisão tomada pela Turma ou pelo Plenário.

As decisões do S.T.F, no âmbito de sua competência constitucional, são terminativas e abrangem os grandes ramos do Direito, principalmente do Direito Constitucional, sendo os acórdãos correspondentes às decisões da Corte,

publicados em órgãos oficiais da Justiça e em revistas especializadas de Direito.

3. A Súmula

Como Anexo ao Regimento do Supremo Tribunal Federal, foi organizada e publicada, oficialmente, pela Comissão de Jurisprudência, a Súmula, que tem por finalidade não somente proporcionar maior estabilidade à

jurisprudência, como também facilitar o trabalho dos advogados, do Tribunal, e dos próprios Juízes, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes às quais se apliquem os precedentes nela contidos.

Funciona, também, como uma das técnicas imaginadas e postas em execução para o descongestionamento do Supremo Tribunal Federal, como o

estare decisis e o reestatament of the Law dos norte-americanos.

Apresentando-a, os componentes da Comissão da Jurisprudência do S.T.F., eminentes e saudosos Ministros Gonçalves de Oliveira, Victor Nunes Leal e

Pedro Chaves, explicaram: “O Supremo Tribunal Federal tem por predominante e firme a jurisprudência aqui resumida, embora nem sempre tenha sido unânime a

decisão nos precedentes relacionados na Súmula. Não está, porém, excluída a possibilidade de alteração do entendimento da maioria, nem pretenderia o

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Tribunal, com a reforma do Regimento, abdicar da prerrogativa de modificar sua própria jurisprudência. Ficou assim explícito que qualquer dos Ministros, por

ocasião do julgamento, poderá propor ao Tribunal a revisão do enunciado constante da Súmula”.

Quando se tratar de declaração de constitucionalidade, ou

inconstitucionalidade, pelo voto da maioria absoluta do Tribunal, a reabertura deverá contar, preliminarmente, com o apoio, pelo menos, de três Ministros (Reg. art. 87, § 6º)”.

Outros Tribunais Superiores adotam também a Súmula da jurisprudência predominante das suas decisões.

As objeções feitas contra a utilização da Súmula aos poucos vão sendo absorvidas pela compreensão do que ela significa como consolidação jurisprudencial autorizada e notável instrumento de trabalho ofertado pelo

Supremo aos profissionais da advocacia e do Direito, numa sociedade em modernização, como a brasileira, onde a multiplicação dos interesses em todos os setores da vida nacional contribui para aumentar consideravelmente o número

das controvérsias a serem dirimidas pela Justiça.

4. Justiça dos Estados

De conformidade com o artigo l25 da Constituição Federal de 1988,

os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

Muito embora tenham competência constitucional para organizar sua própria Justiça, os Estados-membros da Federação brasileira, com exceção dos Estados situados nas regiões mais prósperas, padecem das mesmas dificuldades

para manter em alto nível intelectual e oferecer condições condignas às suas organizações judiciárias. Grande número de Comarcas, - palavra usada na divisão judiciária do país - não raro, apresenta deficiências notórias e, em muitos

casos, as dificuldades residem principalmente no recrutamento dos membros que compõem a magistratura, de vez que a remuneração percebida é pouco atrativa

em face das responsabilidades e dedicação exclusiva que o exercício do cargo de magistrado exige no país.

Graças ao zelo e devotamento de seus membros na organização e

funcionamento da Justiça brasileira, em todos os graus, é que, em grande número, têm recebido o Certificado ISO de qualidade.

O ingresso na magistratura de carreira dá-se mediante o concurso de provas e títulos, conforme regra estabelecida na Constituição Federal vigente, e a nomeação é feita pelo Executivo estadual dentre as pessoas indicadas, em lista

tríplice obedecida a ordem de classificação.

Para assegurar aos juízes situação condizente com a relevância das funções, a Emenda Constitucional n 16, previu, no art. 19, § 1º: “A União

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prestará a cooperação financeira que for necessária a assegurar aos juízes dos Estados remuneração correspondente à relevância das suas funções”, e a forma

dessa cooperação, disposição que não foi acolhida na Constituição Federal de 1988.

No que toca à Justiça dos Estados e à sua competência para

processar e julgar as questões fundiárias, o artigo l26 da C.F - l888, prescreveu: “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça designará juizes de entrância especial, com competência exclusiva para questões agrárias”.

“Parágrafo único-Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio”.

5. Ministério Público

De acordo com a Constituição Federal (art. 127), “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da Ordem Jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis”. E, ainda, prescreveu a C. F. de 1988, que o Ministério Público compreende (art.128,I):

a. O Ministério Público Federal; b. O Ministério Público do Trabalho;

c. O Ministério Público Militar; d. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

e. Os Ministérios Públicos dos Estados.

O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador Geral da

República, nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida

recondução. E acrescenta o parágrafo 5º do artigo 128 da C.F:

– Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é

facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas relativamente a seus membros.

A União é representada em juízo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas comarcas do interior, ao Ministério

Público do Estado.

O ingresso no Ministério Público da União, do Distrito Federal, e dos Territórios nos cargos iniciais da carreira é feito mediante concurso de provas e

títulos com as garantias estabelecidas em lei, após a nomeação. Os mesmos requisitos são exigidos para o ingresso no Ministério Público dos Estados, dando-se as promoções de entrância a entrância.

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A Constituição Federal de l988, ao contrário das anteriores, deu grande relevo ao Ministério Público, colocando-o entre os órgãos do poder

Judiciário com atuação independente do poder Executivo. Em razão disso, a atuação do Ministério Público não é meramente burocrática e o que dele se espera é que atue em defesa da sociedade. E todas as suas ações devem estar

voltadas para essa meta, como vem fazendo até agora.

Com razão está o Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e professor da Universidade de Brasília, Luiz Vicente Cernicchiaro, nas

reflexões feitas sobre o tema, quando escreveu: “O Ministério Público, com a atual autonomia e grandeza, antes de oferecer a denúncia precisa exercer o juízo de

crítica para constatar se o interesse público reclama o processo penal. Será útil para a sociedade?”...Não sendo possível, no caso, pensar em decisões subalternas de membro do Ministério Público na abertura de um processo penal, é válido

concluir como o fez o eminente articulista: ”A grandeza formal do Ministério Público está na legislação. A grandeza material, entretanto, dependerá de seus membros”. (Direito & Justiça/Correio Braziliense, Brasília, 09-04-2001, p.03).

6. Advocacia Geral da União

Prescreve o artigo 131 da nossa Carta Magna: “A Advocacia Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representará a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da

lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

A criação do cargo de Corregedor-Geral da União pelo presidente da República, com o objetivo de apurar denúncias de desvios de condutas pessoais e administrativas na administração federal, é uma tentativa do Governo de impedir

o avanço do “mar de lama” denunciado no Congresso Nacional e na imprensa envolvendo titulares de cargos públicos.

Ao atribuir status ministerial e de Ministra à ilustre chefe da Corregedoria da União, Dra. Anadyr Rodrigues, de certo, atendeu à necessidade do cargo em lidar com as mais diferentes autoridades do país. O que se espera da

atuação desse novo órgão, é que não se repita agora o que já aconteceu há muito tempo atrás em Portugal, onde existiu a figura austera do Corregedor do reino,

que terminava sempre nada apurando por falta de provas contra os acusados, inocentando-os de culpabilidade. Como resultado, eram recomendadas punições contra os denunciantes, por atentado contra a honra de áulicos ou potentados do

reino.

7. Advocacia e Defensoria Pública

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Consoante o artigo l33 da C.F. de l988, “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no

exercício da profissão, nos limites da lei”. E mais: o artigo l34 da C.F. estabeleceu que “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em

todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5, LXXIV”.

8. O Judiciário e as Liberdades Públicas no País

Ao Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal, pela sua

função de intérprete maior da Constituição da República Federativa do Brasil, cabe um papel de merecido relevo na história das instituições públicas do País. Notadamente na fase atual, em que é visível a necessidade de um Judiciário forte

e atuante para proteger os direitos humanos e a cidadania, assegurar e promover a Justiça nas relações individuais e sociais e o equilíbrio da Federação.

Desde os primórdios da vida republicana, as estruturas

governamentais foram concebidas à base da independência entre os poderes, que caracteriza o regime presidencialista implantado pela constituição de 1891. As

liberdades públicas, entendidas como tal o conjunto das liberdades e os direitos reconhecidos aos cidadãos brasileiros, têm sido objeto das suas constantes decisões no sentido da afirmação desses direitos frente aos governantes. O

habeas-corpus e o mandado de segurança têm sido as técnicas usadas na preservação desses direitos constitucionais, e elas foram eficazes em defesa da

Liberdade dos cidadãos e cidadãs brasileiros.

Bastaria lembrar Rui Barbosa, o grande advogado defensor e campeão na luta pela instituição do habeas-corpus contra as investidas do Poder

e o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal ao decidir as grandes questões nas quais os mais diferentes interesses se encontravam em jogo, para mostrar que o Supremo Tribunal Federal está intimamente vinculado à história

do País. É esse também o testemunho dado no livro de autoria da pesquisadora Lêda Boechat Rodrigues, (“História do Supremo Tribunal Federal, t./l, l89l-98, -

Defesa das Liberdades Civis”, Rio, l965), assim como na compilação dos grandes julgamentos da Suprema Corte, feita pelo Ministro Edgard Costa, em períodos mais recuados da sua história.

Em tempos recentes, dentre outros, o julgamento do pedido de habeas-corpus em favor do Governador Mauro Borges, do Estado de Goiás,

concedido unanimemente pela Corte Suprema brasileira, do qual foi relator o eminente e saudoso Ministro Gonçalves de Oliveira, significou um grande momento de afirmação das liberdades civis e públicas no País, em decisão

corajosa e histórica que foi respeitada e acatada pelo Governo revolucionário, chefiado pelo Marechal Castelo Branco.

Foi muito feliz na apreciação das decisões históricas do Supremo

Tribunal Federal, o jornalista e acadêmico Barbosa Lima Sobrinho, ao escrever: “Num período discricionário, a „bête noire‟ é o Poder Judiciário, que passa a

figurar como inimigo da Revolução ou da situação que se encontra no Governo.

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No tempo de Floriano Peixoto, a campanha contra o Supremo Tribunal foi intensa e até virulenta. Por ser uma situação mais nitidamente militarista que a do

próprio Deodoro, o que acima de tudo se buscava era a ampliação do foro militar, para o julgamento dos civis, mesmo que daí pudesse resultar, com a resistência natural dos paisanos, a impopularidade crescente das forças armadas”.

“Mesmo porque não há liberdade, se a função de julgar não se identifica com a especialização e com a formação profissional, que se exige de qualquer magistério. Não escassearam apôdos contra o Supremo e até mesmo

críticas sem fundamentos jurídicos dos seus arestos, pois que não faltam, nesses momentos, para a função de conselheiros, os flibusteiros do direito, que vão

brotando, abundantemente, no caminho de todos os despotismos”. (Jornal do Brasil, de 16-08-65, p.6, artigo “O Supremo Tribunal e as Liberdades Públicas”).

Com o advento da nova Carta Magna de 1988, ampliou-se a

responsabilidade do Supremo Tribunal Federal no quadro político-institucional brasileiro.

Às declarações formais dos direitos civis e políticos dos cidadãos, nem

sempre respeitados pelo Poder, seguem-se declarações de direito de conteúdo econômico e social para tornarem efetivas aquelas garantias. Ao Estado

respeitador dos direitos individuais, substituiu-se o Estado preocupado em modernizar a sociedade com o desenvolvimento econômico e social. Os direitos sociais e os direitos coletivos ou os direitos inominados ou difusos ganham

preeminência sobre o individualismo, que inspirou as nossas constituições políticas no passado.Perguntar-se-á, a quem cabe o papel de manter o equilíbrio

entre a autoridade e os direitos e garantias individuais e coletivos ou os direitos difusos assegurados na Constituição? Respondemos, sem tergiversar: ao Poder Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal, como o intérprete

maior da Constituição e a quem cabe a sua “guarda“, tendo como esteio unicamente a força do Direito e a sabedoria e imparcialidade dos seus arestos.

SEÇÃO IV

O Federalismo Brasileiro

No sistema constitucional que organizou a República Federativa do Brasil, a Federação tem a categoria de um super-direito, e foi protegida como uma das “cláusulas pétreas” do nosso direito público, conforme estabelece o

artigo 60, III, § 4, I, da Constituição Federal de 1988: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de

Estado”... Bastante em si, a regra inserida pelo legislador constituinte federal na Lei Magna constitui, não só uma reserva legal do princípio federativo na organização do Estado nacional, como o ponto culminante de uma longa

trajetória histórica de lutas entre as tendências centrífugas do Poder central e as forças centrípetas das bases regionais e locais em que se apóiam a Federação e a República em nosso país.

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Não há dúvida, foram os motivos sócio-culturais e os nossos costumes políticos que atuaram no sentido de assegurar a formalização jurídica

do federalismo, como ocorreu no período Imperial, com a divisão do território nacional em Províncias e Municípios, consoante dispôs o artigo 2 da Constituição de l824. O mesmo ocorreria no período republicano, com o Decreto n.01, de l5 de

novembro de 1889, quando foi proclamado provisoriamente e decretado como “forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa”. Daí em diante, confirmado na Constituição republicana de 1891, e nas que se lhe seguiram.

Aos doutrinadores do republicanismo, como Tavares Bastos, Rui Barbosa, Assis Brasil, dentre outros nomes consagrados, não passou

despercebido o que poderia ocorrer na implantação e prática do sistema federativo, logo após a proclamação da República, em l889. E, nesse sentido, a experiência histórica veio confirmar aqueles receios, aos quais se somaram

fatores advindos com a pobreza e as desigualdades sociais e regionais que se aprofundaram em razão do desenvolvimento assimétrico da sociedade brasileira.

Como exemplos, seriam suficientes as recentes expressões dos

movimentos que vêm contribuindo poderosamente para o desmantelamento das estruturas sociais e políticas do nosso federalismo. Uma, de conotação política, à

qual nos reportaremos adiante; outra, em decorrência da utilização e implantação das tecnologias modernas de comunicação e dos métodos de racionalização administrativa, através das quais procuramos evoluir do federalismo segregador

para o federalismo cooperativo e financeiro das entidades intra-estatais participantes do governo.

Por outro lado, dentre os estudos mais recentes, o Professor Cláudio Pacheco, assinalou outros componentes da crise do federalismo brasileiro, ao escrever: “Já não se pode encobrir a realidade com o dizer que estaria havendo

apenas um processo de racionalização do nosso federalismo, pelo qual os critérios políticos de organização federal estariam cedendo lugar a critérios jurídicos mais adiantados e progressistas. A crueza dos poderes de ingerência econômica e

social e a concentração do poderio financeiro além do poderio militar, que em nova envergadura técnica só pode afluir para o centro, estão cumulando o

governo federal de todos os meios de fortalecimento e de influência que só podem transitar para acrescer, além de toda esperança de moderação e equilíbrio, o predomínio do Estado Federal”. (Pacheco, C. ”Tratado..., op. cit, v.1-367).

Apesar disso, verifica-se que a Constituição de 1988 restabeleceu a Federação nas formas tradicionais do regime. Como técnicas de abrandamento do

poder central em relação às unidades intra-estatais, prescreveu o legislador constituinte (art.18): “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Enumerou as competências da União (art.21), dispondo, inclusive, a respeito das competências

privativas da União para legislar sobre as matérias enumeradas no artigo 22 e seus itens, da C.F. Igual tratamento foi dispensado no que diz respeito às competências que os Estados e o Distrito Federal têm em comum e

concorrentemente com a União (arts. 23 e 24 da C.F).

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Aos Estados, na forma do art. 25, caput, prescreveu: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os

princípios desta Constituição”. De par com o poder de auto-organização, de acordo com a Constituição e leis que adotarem, ficaram reservados aos Estados todos os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam vedados pela

Constituição Federal.

Contudo, observa-se que as condições de funcionamento do sistema, nos tempos atuais, estão operando em sentido contrário à autonomia dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, reconhecida na Constituição.

Por sua importância e atualidade, o assunto tem merecido atenção

dos estudiosos dessa matéria, sendo também, tema de debate nos meios acadêmicos e políticos nacionais como base de uma reforma para adaptá-lo à nova realidade econômica e sócio-cultural brasileira. Não faz muito tempo, em

seminário realizado sobre o assunto em Belo-Horizonte, tendo como tema central as “Perspectivas do Federalismo Brasileiro” (RBEP n.2), do qual participaram eminentes professores da Universidade Federal de Minas Gerais, dentre eles Raul

Machado Horta, Gerson de Britto Mello Boson, Orlando M. de Carvalho, ficou evidente que a conspiração dos fatos indicava a necessidade de uma nova

formulação jurídica para o federalismo brasileiro.

Aquilo que na teoria do sistema federativo foi imaginado como pertencente à competência dos Estados-membros ou como poderes a eles

reservados, desfaz-se, em nossos dias, face à realidade das programações de âmbito regional, as quais são, na sua quase totalidade, planejadas, financiadas e

fiscalizadas pela União. Na verdade, o impacto da criação de órgãos e agências federais de atuação regional; a extensão dos serviços e destinação de recursos federais aos Municípios; a observância de normas tributárias, financeiras e

contábeis; o controle da economia, das finanças, do crédito e do câmbio; a adoção de medidas administrativas, das técnicas de programação e de controle orçamentário e de gastos com pessoal previstas na Lei de Responsabilidade

Fiscal; a criação da justiça federal de primeira instância: a atuação do Ministério Público e da Polícia Federal, dentre outras medidas que seria fastidioso citar,

demonstram que a faixa de autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios contraiu-se em proveito do interesse público maior representado pela União Federal.

Tem-se, porém, que a regressão do federalismo no país não se baseia apenas em motivações de natureza política ou administrativa, as quais durante

muito tempo reforçaram as oligarquias locais. Deve-se antes ao acesso e utilização da tecnologia científica moderna em informação e aos meios de comunicações, assim como ao sistema de arrecadação dos tributos, de

distribuição de rendas, aos planos de segurança pública e mais, os quais contribuem de modo efetivo para as mudanças com que nos defrontamos. Tanto isso é verdadeiro, que o princípio federativo de organização do Estado é, não só a

melhor forma de preservação da nossa diversidade cultural, como a mais adaptável forma de organização e funcionamento do Estado em um País de

dimensões continentais como o Brasil, de modo igual ao que ocorre em outros

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países que adotam o sistema federativo de organização do Estado, como os Estados Unidos, Índia, Argentina, México, Canadá, e outros.

Porém, de conteúdo e dimensionamento variáveis, de acordo com as peculiaridades de cada povo, tendo-se em vista a necessidade de preservar as expressões locais e nacionais em um mundo globalizado, o que, sem qualquer

dúvida, contribuirá para a formação de um novo, rico e diversificado conteúdo sócio-cultural que deve ser levado em conta na regulação jurídico-formal do federalismo em nossos dias.

1. Estados-membros da Federação

No período Brasil-Império, a divisão política e administrativa do

Estado brasileiro compreendia a existência de Províncias e Câmaras “em todas as cidades e vilas ora existentes,...às quais compete o Governo econômico e municipal das cidades e vilas”, conforme estabeleceu o artigo 167 da Carta

Política do Império, de 25 de março de 1824. Com a proclamação da República, o Decreto n. 01, de l5 de novembro de l889, no seu artigo 2, estabeleceu: “As

Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil”.

A atual divisão político-administrativa do país adveio com a

Constituição Federal de l988, quando foi criado o Estado de Tocantins com o desmembramento de Goiás, e os territórios do Amapá e de Roraima foram

transformados em Estados. O Brasil possui atualmente 26 Estados e um Distrito Federal,

localizados em 5 regiões diferentes. A divisão do País em 5 regiões foi promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – e tem a finalidade de agrupar Estados com traços físicos, humanos, econômicos e sociais comuns. É

uma classificação que facilita o agrupamento de dados estatísticos e ajuda no planejamento de políticas voltadas para regiões com necessidades semelhantes.

As regiões brasileiras são as seguintes: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, cada uma delas apresentando dados comparativos de grande importância.

Os Estados brasileiros, em número de 26, por ordem alfabética, são os seguintes: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo,

Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins.

Existe grande contraste entre os Estados em relação aos aspectos físicos e demográficos e aos indicadores sociais e econômicos. Exemplificando: a área do Amazonas é maior que a área somada dos nove Estados do Nordeste.

Enquanto o Amazonas e Roraima têm cerca de um a dois habitantes por quilometro quadrado, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal esse índice é

superior a 300. A mortalidade infantil que em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo é de 25 por mil nascidos vivos, chega a 64,61 na Paraíba e a 71,94

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em Alagoas. Em relação à economia, apenas três Estados do Sudeste - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – respondem por quase 60% do produto interno

bruto (PIB) brasileiro.

A autonomia política e administrativa dos Estados é assegurada, de conformidade com o estabelecido pelo artigo 25 da Constituição Federal de 1988,

nos seguintes termos: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. Parágrafo primeiro – São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam

vedadas por esta Constituição”....

2. Municípios e Regiões Metropolitanas

Desde os tempos de Brasil-Colônia assinala-se a existência das

Câmaras locais, de onde eram recrutados mediante eleições os administradores e demais autoridades municipais. Eram os chamados “homens bons” ou os representantes do reino, como o “juiz de fora”, os ocupantes dos cargos mais

importantes a nível local, cuja organização político-administrativa centralizada foi mantida com adaptações durante o Brasil-Império.

Desde a implantação do Governo republicano, em l889, o nosso sistema federativo teve uma sorte vária, principalmente no que diz respeito à observância do princípio da autonomia dos municípios, até afirmar-se em

definitivo consoante dispõe o artigo l8 da Constituição Federal de l988.

De acordo ainda com o pré-citado texto constitucional, o Município

reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos e aprovada por dois terços da Câmara, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos:

1. eleição do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;

2. eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito até noventa dias antes do término do mandato dos que devem suceder;

3. posse do Prefeito e do Vice-Prefeito no dia l de janeiro do ano subseqüente ao da eleição;

4. número de Vereadores proporcional à população do Município.

Atualmente, a Constituição Federal permite a reeleição dos prefeitos municipais, fato inédito no país e temido pela classe política e pela sociedade civil

em razão do “continuismo” político que tal medida poderia ensejar a nível local. Contudo, nas primeiras eleições municipais realizadas no ano 2.000 quando foi autorizada a reeleição de prefeitos municipais, esses temores não se

concretizaram. Pois, segundo “balanço” do Ibam sobre as eleições passadas publicado no influente jornal “Folha de São Paulo (ed. de l0.01.2000, p. A l0) “de todos os prefeitos que puderam concorrer à reeleição, neste ano, 39,4% foram

reconduzidos ao cargo por mais quatro anos pelos eleitores. No Nordeste, o dado se concentra: são 48,2%. A reeleição é mais freqüente nas cidades entre 500 mil

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a 5 milhões de habitantes (68%) e nos municípios mais novos, fundados depois de l997 (61,2%). Nestes, o prefeito reeleito também foi o primeiro da história da

cidade. À exceção dos dois maiores colégios eleitorais do Brasil, as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, onde foram eleitos candidatos de oposição aos atuais prefeitos, as cidades com mais de 500 mil habitantes são as que mais reelegem”.

Em reforço à autonomia local, prescreveu ainda a Carta Magna de l988 (art.30): “Compete ao Município:

I. legislar sobre assuntos de interesse local;

II. suplementar a legislação federal e estadual no que couber; III. instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como

aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV. criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação

estadual”.

Dos 5.560 Municípios brasileiros, no ano 2000, distribuídos nas

diferentes regiões geoeconômicas do País, a grande maioria não possui condições financeiras e nem recursos humanos e capacitação técnica e administrativa para

promover o progresso e o bem-estar das suas comunidades. Os recursos financeiros arrecadados com a cobrança dos tributos da sua competência, acrescidos da cota-parte dos rateios feitos pela União, não asseguram um esforço

constante das administrações municipais em benefício das suas populações. Geralmente, por falta de planos e irresponsabilidade na aplicação dos recursos

disponíveis por parte da grande maioria dos Prefeitos, alguns deles insensíveis aos reais interesses das comunidades, as administrações locais têm uma situação orçamentária inteiramente desajustada. Comentários feitos por

autoridades federais publicados na imprensa dão conta de que a dívida total dos Municípios brasileiros é estimada em um total de 30 bilhões de reais! E que somente as prefeituras das capitais dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro

são responsáveis quase pela metade desse débito fiscal, o que demonstra não só a situação de insolvência a que chegaram essas administrações públicas, como

uma das causas da não governabilidade de grande número de Municípios brasileiros, sendo que o número de edilidades cresce a cada dia no País.

Castro Nunes, eminente estudioso dos problemas municipais

brasileiros, noutro contexto histórico viu na criação de novos municípios uma “anomalia” do nosso sistema federativo, com o que não concordavam outros

autores, como Victor Nunes Leal, no estudo “Alguns Problemas Municipais Brasileiros” (FGV, Rio, l954, 129-149), quando ainda não se tinha presente a possibilidade da criação de unidades municipais para o só objetivo de obter

ganhos na participação dos recursos federais repassados aos municípios. Como seja, e afastados os aspectos políticos do caso, a ação disciplinadora se tem feito no caso ao estabelecer requisitos indispensáveis de população e de renda pública

para a criação de novas comunas, obrigando-as à adoção de um mínimo de racionalidade nas suas administrações, inclusive, quando prescreve a

Constituição que, mediante convênio a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão delegar, uns aos outros, atribuições de administração

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tributária, e coordenar ou unificar serviços de fiscalização e arrecadação de tributos.

Porém, um dos grandes desafios da época atual é o fenômeno da urbanização que se verifica especialmente em torno das grandes capitais brasileiras. A população rural busca nas cidades a melhoria das condições de

vida e de salário, além de bens fundamentais como educação, moradia e serviços de saúde. A maioria dos migrantes, no entanto, não tem escolaridade nem experiência profissional, o que faz com que aceitem empregos mau-remunerados

ou se sujeitem a trabalhos temporários para sobreviver. Em razão dos salários, esses trabalhadores são levados para a periferia das grandes cidades – com

freqüência, loteadas por favelas e assentamentos, com moradias irregulares e, por isso, mais baratas. A distancia das áreas centrais dificulta seu acesso aos serviços de saúde e à educação, e as periferias atendem precariamente a suas

necessidades básicas de abastecimento de água, luz, esgoto e transportes públicos. Faltam creches para os filhos das mulheres que trabalham, e as poucas opções de lazer, contribuem para a eclosão da violência.

O movimento em direção às áreas periféricas é significativo, principalmente nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Fortaleza, Curitiba, Belém, Brasília. Nas últimas décadas, é essa a situação que pode ser observada nas suas áreas metropolitanas.

A Constituição Federal de 1988, para atender a essas situações, dispôs: “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.

De acordo com o IBGE, estima-se que um total de 55.695.516 de pessoas em 1999, equivalente a 33,9% dos brasileiros, residiam em apenas 17 regiões metropolitanas. Além das capitais conhecidas, consideram-se nessa

categoria as cidades da Baixada Santista (SP), Baixada fluminense (RJ), Vale do Aço (MG), Vale do Itajaí (SC), Brasília (DF), Natal (RN) – ou 33,97% da população

do país. O índice, em 1991 era de 29,90%.

Como se vê, reordenar o crescimento das grandes metrópoles urbanas será um desafio para o século XXI, pela magnitude do número de

pessoas a serem atendidas e dos problemas existentes no Brasil, e em várias partes do mundo.

3. Distrito Federal

A Constituição Federal de 1988, art. 32, prescreve: “O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por Lei Orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da

Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição”.

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§ 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.

§ 2º - A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art.77, e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de igual duração.

§ 3º- Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art.27.

§ 4º- Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito

Federal, das policias civil e militar e do corpo de bombeiros militar”.

O Distrito Federal apresenta a maior renda per capita do Brasil:

6.393 dólares em l999, mais que o dobro da média nacional, segundo informações do IPEA. O desemprego, contudo, atinge 21% da população economicamente ativa, em setembro de l999, de acordo com a Codeplan -DF. Os

trabalhadores menos qualificados das Cidades Satélites – regiões administrativas em torno de Brasília – são os mais afetados. Mesmo assim, a desigualdade social no Distrito Federal é mais equilibrada do que a média do país, o que é um

indicativo da qualidade de vida existente no Distrito Federal.

Em l987, a UNESCO declarou Brasília patrimônio cultural da

humanidade por seu valor arquitetônico e por ter sido a primeira cidade construída no século XX para ser uma capital.

SEÇÃO V

Partidos políticos: considerações gerais

Os cientistas políticos não hesitam em teorizar sobre as causas que

determinaram o aparecimento dos partidos políticos. Algumas dessas

explanações centralizam o interesse das pesquisas relacionando-as com uma das características gregárias da personalidade humana. Outros admitem que as suas

determinantes são encontradas nas divisões das classes sociais, as quais pressupõem motivações baseadas não só em razão dos interesses diversificados como da própria concreção ideológica existente nas sociedades modernas.

As investigações nesse terreno podem remontar ao tempo do filósofo grego Aristóteles, quando dividiu a sociedade em três modalidades típicas – classe

alta, classe média e classe baixa, retraçando os interesses representativos dos diferentes status sociais. Max Weber, no seu Ensaio de Sociologia Geral, até certo ponto confirmando as assertivas de Marx, que dividiu a sociedade em duas

classes – os possuidores e os trabalhadores – admite que “as classes ou grupos sociais repousam predominantemente em conexões ou interesses de propriedade

e têm raízes principalmente econômicas”, conforme Pinto Ferreira, em “Princípios Gerais de Direito Constitucional Moderno”, (4a.ed. S.P.t.1,1962-67).

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A poder disso, no entanto, divergem os publicistas quanto ao momento preciso da formação dos partidos políticos. Para o Prof. Munro, as

primeiras manifestações da vida partidária britânica se originaram da polêmica travada em derredor do “Exclusion Bill”, depois do ano de 1680. Desde então firmou-se, em linhas definidas, a aceitação pacífica da doutrina da oposição

política. Quer dizer: a doutrina clássica da democracia segundo a qual os inimigos do governo não são rebeldes ou inimigos do Estado, porém, simples oposicionistas, cujos direitos devem ser respeitados.

É verdade que, histórica e sociologicamente, a idéia de “partido” não possuía o mesmo significado com que hoje se apresenta no direito público.

Duverger, no livro de sua autoria que se tornou clássico intitulado “Les Partis Politiques”, nos adverte que a analogia de palavras não deve confundir. Porque, chamavam de “partido” as facções que dividiam as Repúblicas antigas, as classes

que se agrupavam em torno de um condottieri na Itália da Renascença, os clubes onde se reuniam os deputados das assembléias revolucionárias, assim como as modernas frentes únicas de inspiração comunista e as vastas organizações

populares que mobilizam a opinião pública nas democracias modernas. Esta identidade nominal se justifica de certo modo, diz Duverger, porque “toutes les

institutions ne jouvent-elles pas le même rôle, que est de conquerir le pouvoir politique et de le exercer?” (M.Duverger, “Les Partir Politiques”. Armand Colin,2ª.ed.1954-1)

Porém, a existência dos partidos políticos organizados e desempenhando papel preponderante na formação do poder é recente na

História, datando de 1850. A sua base, em se tratando de uma sociedade capitalista, como expõe Medieta y Nunez, na obra “Los Partidos Políticos”, está em que “a divisão da sociedade em grupos determina a sua formação e os conduzem

a unir-se para tal defesa. Como esses interesses são contraditórios, os partidos lutam entre si para conseguir o poder estatal, a fim de conservá-lo e fazê-lo predominar sobre os grupos antagônicos”. (Nunez, M.“Los Partidos

Politicos”,México,1947-119).

Nos regimes democráticos, os partidos representam não só os

interesses das várias classes sociais, mas funcionam também como instituições destinadas à formação do poder político nacional. Ao invés da luta pela posse do poder político se fazer pela violência física, as rivalidades e as lutas de facções são

perpetuadas e institucionalizadas na atividade dos partidos. O partidarismo e a competição aparecem, assim, como partes integrantes do processo político,

porque o objetivo principal de ganhar as eleições é justamente o controle do Poder. O contrário desse sistema competitivo se vê na prática dos regimes autocráticos, nos quais verifica-se a supressão do diálogo democrático ou

subsunção do Estado numa Weltschaauung de um partido político, como ocorre nos países não democráticos, tanto direitistas como esquerdistas.

1. Pluripartidismo – Bipartidismo e Monopartidismo

O poder não é distribuído igualmente na sociedade. Os conflitos

sociais criam tensões e as tensões são encampadas nas programações que os

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partidos utilizam como material de campanhas político-eleitorais. Os partidos políticos tornam-se, destarte, o traço-de-união entre os cidadãos e o seu governo.

Nas sociedades democráticas, eles transmitem as reivindicações populares, as quais se estendem numa gama muito extensa, de acordo com objetivos mais ou menos duradouros, passando pelo reconhecimento das minorias até aos mais

importantes de política internacional.

A Constituição pode delinear a estrutura legal de autoridade política nos mínimos detalhes, mas o governo, como instituição, será apenas uma

abstração até que sua organização seja legitimada pelo “banho lustral” do consentimento popular. De resto, é a eleição dos governantes que empresta

validade às funções básicas da administração, isto porque, o procedimento para relacionar e qualificar o pessoal dos postos-chave da administração, revestindo-os de autoridade para planejar, decidir, executar, supervisionar e interpretar a

política geral desejada se encontra nas mãos do povo. É a nossa Constituição que o diz, no artigo 1º, § 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Os partidos políticos, atuando como condutos desse poder de decisão popular, nas democracias de tipo clássico, com a existência do pluripartidarismo

e do bipartidarismo, quer nos regimes monocráticos, em que o partido único absorve toda a vida política do país com maior ou menor flexibilidade, constituem-se em mecanismos de real importância na fixação das políticas

governamentais, assim como definem, pelo conteúdo de sua ação programática, o tipo de regime vigorante. Assim é que, ao lado do pluripartidarismo existente no

continente europeu e na América Latina, caracteriza-se o bipartidarismo das democracias anglo-saxônicas: Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do Sul; estruturam-se os partidos predominantes no México, na Índia e os

partidos únicos em algumas das jovens nações que se tornaram independentes na África.

2. Os partidos políticos nacionais: um pequeno quadro histórico.

Numa visão tópica dos partidos políticos nacionais, revendo estudos feitos por renomados publicistas patrícios como Américo Brasiliense, Afonso Arinos de Mello Franco, Victor Nunes Leal e Barbosa Lima Sobrinho, dentre os

nomes já consagrados, vê-se que, após a proclamação da Independência, e instalada a Assembléia Constituinte de 1823, delineavam-se as grandes

tendências de movimento histórico que se nutria de um duplo objetivo político: o fortalecimento dos poderes constitucionais da Coroa, de um lado, e a limitação desses mesmos poderes, de outro.

O historiador Armitage traçou com acuidade as origens sócio-culturais e o perfil político das facções conservadoras e progressistas dessa fase da nossa primeira Assembléia Constituinte, ao escrever que: “a maioria era

formada quase exclusivamente por magistrados, juízes de primeira instância, jurisconsultos, e altos dignitários da Igreja, predominantemente homens de

cinqüenta anos, limitados nas suas noções e inclinações aos princípios

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monárquicos. A minoria consistia principalmente do clero subordinado e dos pequenos proprietários rurais, era ardente nas suas aspirações de liberdade; mas

esta liberdade vaga e indefinida que cada qual interpreta a seu modo e na medida dos seus sentimentos”.

O pólo de atração das forças dispersas era o poder, encarnado na

pessoa do Imperador. A estratégia da luta, que assumiu características mais nítidas no período da Menoridade, alcançou, na Regência de Feijó, um dos grandes momentos do Brasil-Império. Joaquim Nabuco, no livro “Um Estadista

do Império”, após referir que a Monarquia consolidada estava em condições de exercer a sua ação tranqüilizadora no País, escreve: “Os partidos começavam a

contar com o dia do Juízo, a considerar-se responsável. Na legislatura de 1838 entrara forte a falange liberal: ressuscita a grande figura de Antonio Carlos. Formam-se então os dois partidos que hão de governar o país até 1853 e disputar

o terreno da lealdade da Monarquia constitucional”. (Nabuco, J., op. cit. v.1,-31). A opinião de Otávio Tarquínio de Souza, no livro Bernardo Pereira Vasconcellos e

seu Tempo”(Rio, l937-196), não é diferente, quando assinala que após a Regência “desenhavam-se os pólos partidários em torno dos quais gravitaria durante o Segundo Reinado a opinião política: de um lado o partido conservador, de outro o

liberal”.

Na constelação dos homens que compunham as lideranças políticas

avultavam as figuras de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Clemente Pereira, Paulino de Souza, Rodrigues Torres, dentre outros do partido conservador; entre os liberais, encontravam-se Teófilo Otoni, Cavalcanti, Zacarias, Otaviano e o

Marquês de Paranaguá.

O quadro de idéias em que se desenvolviam as lutas políticas desse período se continham nas reivindicações programáticas do liberalismo europeu,

desde a grande crise de 1848, e foram magistralmente resumidas por Afonso Arinos de Melo Franco, na sua famosa obra intitulada “História e Teoria dos

Partidos Políticos Brasileiros” (Rio, 1948-86), ao escrever: “No campo político, eleição direta, temporariedade do Senado, descentralização com maior autonomia das Províncias, reforma do Conselho de Estado, garantias à liberdade religiosa,

independência do Judiciário, redução das forças militares, abolição da guarda nacional e do recrutamento, limitação do poder do clero; no campo econômico, emancipação gradual dos escravos, melhoramento da situação do operariado,

derrogação de monopólios e privilégios econômicos, liberdade de comércio e indústria; no campo cultural, incremento, organização e ampla liberdade de

ensino”.

Em 1870, fundava-se o Partido Republicano que se identificava com os interesses da economia cafeeira, cujo centro dinâmico já se havia deslocado

para as regiões centro e sul do País. O período de transição da economia para o trabalho assalariado, nesta segunda metade do século XIX, proporcionando a

existência de um mercado interno consumidor da indústria nascente, diversificava os interesses na sociedade e tendia a solapar as bases sócio-culturais e espirituais em que se apoiava a Monarquia, disseminando idéias

fundamentais de um novo sistema de vida de conteúdo democrático, capaz de permitir a expansão das forças emergentes numa sociedade que se modernizava.

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A estes apelos, as lideranças partidárias mostravam-se pouco sensíveis, isto porque, tirante lealdade à Coroa, que o “poder pessoal” do

imperador tornava um fator real de poder, os partidos políticos não possuíam bases populares em que se afirmassem como organismos nacionais em condições de canalizarem as reivindicações em torno de um programa de reformas que a

sociedade estava a exigir. As questões militar e da igreja representaram o ponto culminante do esclerosamento a que chegara o Império para mobilizar em seu proveito os novos centros dinâmicos do poder político. A abolição da Escravatura

decretada em 1888, em nada contribuiu para reformar as instituições vacilantes, apenas serviu para alienar do trono as últimas simpatias com que ainda contava.

Comentário de Caio Prado Junior, no livro “Evolução Política do Brasil e outros Estudos” (S.P.,1957-94), sobre os últimos momentos do 2o Reinado: “quando Ouro Preto pensou em galvanizar o Império moribundo com

seu imenso programa de reformas, era tarde: ele já agonizava. Uma simples passeata militar foi o suficiente para lhe arrancar o último suspiro”.

Com a proclamação da República, em 1889, a vida partidária não

apresentou lances significativos que representassem um ajustamento dos quadros partidários às exigências políticas de caráter nacional. Ao contrário

disso. Sem embargo dos erros a que uma apreciação ligeira possa conduzir, pode-se afirmar que as estruturas partidárias se ajustaram à política dos Estados-membros da federação, notadamente dos grandes Estados.

São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul passaram a comandar os destinos políticos da Nação. No governo do Presidente Campos Salles, na

Primeira Republica, as condições internas do país propiciaram a criação da chamada “política dos Estados”, ou, mais propriamente, “política dos governadores”, quando se alternavam no poder nacional o P.R.M. e o P.R.P.-

partido republicano mineiro e partido republicano paulista -, como forças políticas expressivas dos interesses daquelas unidades da federação, notoriamente ligados aos setores agrários e rurais da produção e comercialização

do café, que dificilmente poderiam representar os interesses de toda a Nação.

A Revolução de outubro de 1930, apesar dos seus propósitos

renovadores, não provocou maiores modificações no que diz respeito ao campo ocupacional dos partidos políticos brasileiros, presos a antigos e cevados processos eleitorais originados no personalismo e nas tradições políticas das

oligarquias estaduais. O “tenentismo”, instituído por Getúlio Vargas, romperia apenas por alguns momentos a continuidade desse ciclo vicioso da nossa história

política moderna.

Este é um assunto que tem sido objeto de estudos e debates, e sobre o qual existe extensa bibliografia de interesse regional e nacional, tentando

investigar e esclarecer até que ponto a atuação das lideranças políticas desse período histórico influenciaram ou foram determinantes de um descompasso verificado no progresso do País no século XX.

Normalizada a vida institucional e democrática do País, com a promulgação da Constituição de 1934, ressurgiram os aspectos antidemocráticos

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nas direções partidárias, pois, apesar da criação da Justiça Eleitoral para a fiscalização do processo eleitoral, o sistema político-partidário instituído não

propiciou o aliciamento das novas forças emergentes na sociedade em proveito da Nação. Com a implantação do “Estado Novo”, em 1937, foi decretada a extinção dos partidos políticos e instalado um Governo antidemocrático e populista no

Brasil.

3. Os modernos partidos políticos brasileiros

(após a Constituição de 1988)

Prevenindo-se contra eventuais perturbações de natureza econômica e social que, em geral, desbordam em crises políticas seguidas de propostas de soluções antidemocráticas para os problemas brasileiros, o legislador constituinte

de 1946, com sabedoria, prescreveu (art. 141, § 13): “É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos

partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.

Com efeito, nos termos da Lei Eleitoral vigente à época, para ter

existência legal o partido político começava, naturalmente, obtendo o seu registro no Tribunal Superior Eleitoral, perante o qual fazia prova do atendimento das exigências legais para esse fim. Outras providências foram tomadas em legislação

complementar e ordinária com o objetivo de assegurar lealdade das agremiações políticas aos postulados da democracia representativa. Em defesa destes

princípios, o Partido Comunista teve cancelado o seu registro e perderam os mandatos os seus representantes, consoante a Resolução nº 1.841 de 7.5.947, do Tribunal Superior Eleitoral.

Outra preocupação manifestada pela lei eleitoral vigente é a de autenticidade da representação enviada ao Congresso Nacional. Ou seja, declara luta aberta contra as deformações do processo eleitoral causada pela corrupção

eleitoral mediante o abuso do poder econômico. Neste sentido, o Código Eleitoral (art. 143 e seguintes e leis subseqüentes), estabeleceram ser obrigatório aos

partidos adotarem normas de contabilidade financeira dos recursos disponíveis, sendo-lhes vedado receber, direta ou indiretamente, contribuições ou auxílios de procedência estrangeira; receber de autoridade pública recursos financeiros de

qualquer natureza, ou ainda, qualquer espécie de contribuição das sociedades de economia mista ou das empresas concessionárias de serviços públicos. Com

essas medidas, objetivava-se evitar a influência do dinheiro provindo do poder público (União, Estados-membros e Municípios), das empresas sob sua dependência, dos instrumentos canalizadores da opinião pública e a conseqüente

influência do poder econômico no resultado das eleições.

Contudo, essas e outras providências cautelares da lisura e da honestidade dos pleitos eleitorais revelaram-se insuficientes para barrar a

influência do poder econômico nos resultados dos pleitos eleitorais. Isso porque, tal como afirma Afonso Arinos em comentários feitos no livro “Evolução da Crise

Brasileira”, “a corrupção é um meio da burguesia manter o poder, dispondo dos

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instrumentos formadores da opinião pública em seu proveito, a fim de continuar com os seus privilégios”.

Tais cautelas, no entanto, não são encontradas apenas no Brasil. Com maior ou menor vigor, medidas similares têm sido adotadas em outros países. Nos Estados Unidos, através do “Federal Corrupt Practice Act”, de 28 de

fevereiro de 1935, do “Hach Act”, de 2 de agosto de 1939, e do “Bankhead Act”, de 19 de julho de 1940; na Argentina, com o “Estatuto Orgânico de los Partidos Políticos”, de 1945, e no Uruguai, com a “Ley de Personeria Jurídica de los

Partidos Políticos”, de 1935, e em vários outros países, a legislação reflete a preocupação de defender a pureza democrática da manifestação popular.

De par com estas medidas legais cautelares, existe a ação permanente de fiscalização promovida pela Justiça Eleitoral, organizada em todo o país, tendo como órgão de cúpula o egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

4. Partidos políticos nacionais e seus Programas

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (artigo 17), “É livre a

criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos

fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

- caráter nacional; - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou

governo estrangeiro ou de subordinação a estes; - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

- funcionamento parlamentar de acordo com a lei”.

Acrescenta ainda a Lei Magna que os partidos políticos, após

adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. A fim de viabilizar o funcionamento dos partidos políticos, dispõe ainda a lei que os partidos políticos têm direito a

recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, a fim de tornarem público e debaterem os seus programas partidários.

O futuro da democracia em nosso País, todavia, depende ainda de reformas políticas há muito preconizadas por juristas e políticos de escol para superar definitivamente dificuldades históricas e culturais na consolidação do

regime democrático e promover a melhoria do padrão ético na política.

A nossa experiência partidária indica, com urgência, que é preciso

reformular os sistemas eleitoral e partidário, introduzindo o voto distrital misto e a cláusula de desempenho como pré-requisito para o registro e o acesso gratuito ao rádio e à TV.

A fragmentação partidária excessiva (atualmente temos 30 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral) e as “legendas de aluguel” tornam-se deletérias à democracia representativa, desvirtuando os partidos, que deveriam

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representar verdadeiramente correntes do pensamento político do País. Além disso, para evitar a constante e vergonhosa troca de partidos, o que ocorre às

vésperas de cada pleito eleitoral e que tanto debilita o sistema partidário nacional, deve-se exigir, prazo mínimo de filiação partidária como condição de elegibilidade (artigo 14, parágrafo 3º, inciso V, da Constituição de 1988), sem

prejuízo de outras fórmulas que contribuam para a melhoria do padrão ético da atividade político-partidária no país. Pelo sistema proporcional vigente, que admite o voto de legenda e coligações, a desfiguração partidária acentua-se a

cada pleito eleitoral. O sistema distrital misto, como é executado, por exemplo, na Alemanha, dentre outros países, estimula a vida e a unidade partidária,

conferindo aos partidos verdadeiro caráter nacional, conforme exige a Constituição, além de intensificar a participação do eleitorado no processo político.

Diminui ainda o âmbito da disputa eleitoral, reduzindo em conseqüência os custos de campanha e a influência do poder econômico nas eleições.

De outra parte, o programa dos partidos políticos deve refletir uma visão dos problemas nacionais e indicar soluções para eles. Com isso, legitima-se

a sua atuação como órgãos da opinião pública e de intermediários na luta pelo poder.

As siglas da constelação político-partidária brasileira permitem uma

visão, grosso modo, do campo de atuação político-eleitoral dessas agremiações partidárias, que variam dos setores liberais e conservadores, aos sociais-

democrátas e populares. É essa a compreensão que se tem após a simples leitura das siglas representativas dos partidos políticos registrados atualmente no Tribunal Superior Eleitoral e em condições de atuarem no país. Por ordem

antiguidade do registro naquele Órgão, são os seguintes: Partido do Movimento Democrático Brasileiro-PMDB; Partido Trabalhista Brasileiro-PTB; Partido Democrático Trabalhista-PDT; Partido dos Trabalhadores-PT; Partido da Frente

Liberal-PFL; Partido Liberal-PL; Partido Comunista do Brasil-PC do B; Partido Socialista Brasileiro-PSB; Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB; Partido

da Reconstrução Nacional-PRN; Partido Social Democrático-PSD; Partido Social Cristão-PSC; Partido da Mobilização Nacional-PMN; Partido de Reedificação da Ordem Nacional-Prona; Partido Republicano Progressista-PRP; Partido Popular

Socialista-PPS; Partido Verde-PV; Partido Trabalhista do Brasil-PT do B; Partido Progressista Brasileiro-PPB; Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados-

PSTU; Partido Comunista Brasileiro-PCB; Partido Social Trabalhista-PST; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro-PRTB; Partido da Solidariedade Nacional-PSN; Partido Social Democrata Cristão-PSDC; Partido da Causa Operária-PCO; Partido

Trabalhista Nacional-PTN; Partido dos Aposentados da Nação-PAN; Partido Social Liberal-PSL; Partido Geral dos Trabalhadores-PGT.

As programações partidárias, em atendimento às exigências legais pertinentes, são similares. Diferem, é claro, nas colocações ideológicas e de

filosofia política na ação do Estado quanto à promoção do bem comum. Com exceção do extinto Partido Comunista, ligado aos interesses do comunismo internacional, e do Partido Democrático Cristão, do Partido Trabalhista Brasileiro,

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e mais recentemente, o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que, nos seus programas partidários, apresentam

uma visão humanista e global de atuação política de acordo com os grandes sistemas de idéias que representam adaptadas às condições nacionais, a grande maioria das agremiações partidárias tem postulação programática de inspiração

liberal e reduzido apelo social. Dado o grande número de partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e em condições concorrer às eleições, a relação eleitor-partido, que produz um sistema partidário forte, ainda se

encontra praticamente em um estágio inicial de formação e amadurecimento, o que não é bom para assegurar a governabilidade em um período histórico

marcado pelas grandes transformações enfrentadas pela sociedade brasileira.

A esse propósito, em entrevista concedida no Brasil, em 1993, o cientista político francês, Prof. Maurice Duverger, chamou a atenção para o

problema, ao dizer: “O Brasil só será uma grande potência no dia em for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado”.

Na atualidade, persistem os mesmos erros de um passado recente republicano. A “verticalização” das coligações partidárias em todo o país seguindo

as das eleições presidenciais, por determinação do Tribunal Superior Eleitoral, foi recebida apenas como um primeiro passo para o ordenamento e disciplina da vida político-partidária. Impõe-se, com urgência, uma reforma política abrangente

do sistema político e eleitoral brasileiro, a começar pela diminuição do número de agremiações ao máximo de dez, organizados de modo a oferecer soluções

alternativas viáveis para os problemas nacionais e comprometidos em lutar pela construção de um Brasil próspero e socialmente justo, sonhado por todos os brasileiros.

5. Lideranças partidárias

Não é nossa pretensão discutir a natureza, formação e exercício da liderança política, o que nos levaria às vertentes sociológicas de um tema ao

mesmo tempo fascinante e complexo, desviando-nos do escopo deste trabalho. Mas, sem dúvida, trata-se de assunto que tem merecido a atenção e o estudo de renomados cientistas sociais e políticos em nosso tempo. Assinalamos, desde

logo, a importância desta temática tanto para as modernas empresas privadas, na indústria, no comércio e setor de serviços, e nas empresas e órgãos

governamentais e não governamentais, assim como em relação aos presidentes e diretores de sindicatos, confederações, e outras associações de classes, as quais, juntamente com os partidos políticos, compartilham com o poder público na

condução da vida social e política do país.

No campo político, a leadership nos regimes democráticos, foge à tese paramussoliniana, hitlerista ou stalinista do culto à personalidade mítica

utilizada pelos regimes autoritários, ou dos grupos de vanguarda na ação revolucionária, tese que se vê confirmada nas palavras de Lênine, quando

acentua: “A revolução exige a participação das massas, mas só pode ser levada a efeito por uma minoria”, cuja assertiva pode conduzir também à conclusão de

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que a figura do líder nasce de certas necessidades concretas, as quais tanto podem servir à formação da liderança democrática como à totalitária.

Perguntar-se-á, então, qual o verdadeiro conceito de liderança política? A resposta à indagação parece óbvia, como escreveu H. Lasswell: “entende-se que os líderes são aquelas pessoas detentoras do poder mais ativo na

sociedade, ou os que detêm o poder de mando entre os seus iguais. E seguidores, os outros, os não líderes”.

Essa diferenciação depende não só de características especiais como

de relações interpessoais. Por isso, não é sem razão que as qualidades da liderança têm sido um assunto de interesse político constante desde a

especificação minuciosa feita por Platão, em a “República”. Tem-se dado realce não apenas (como em Platão) ao caráter e aos hábitos que devem ser adquiridos por aprendizado, como também (como Aristóteles), por supostos talentos

naturais. Pois, diz Aristóteles, (Política,1,5): “desde o nascimento, uns são fadados a obedecer, outros a mandar”.

Outros escritores igualmente importantes, como Maquiavel, chamam

a atenção para algumas características psicológicas e de personalidade que acompanham a liderança, por exemplo: a “virtú”, que inclui características tais

como a coragem, a convicção, o orgulho e força; o que é semelhante ao conceito de “herói”, desenvolvido no pensamento político do século XIX. À sua vez, Robert Michels, em “Sociologia dos Partidos Políticos”, elaborou uma lista das qualidades

pessoais encontradas nas lideranças de massas, as quais são atributos exclusivos dos líderes, a saber: força de vontade, ampla gama de conhecimentos,

uma forte convicção, auto-suficiência e, também, qualidades morais. Sem deixar de lado o carisma = força de atração irresistível com que são dotadas algumas personalidades excepcionais, tanto dos meios políticos como religiosos, nas quais

salta à vista que todos esses atributos de liderança são importantes, verificando-se em graus diferentes a predominância ora de uns ora de outros, principalmente em cada líder político.

Para os cientistas políticos Kaplan e Lasswell, no livro “Poder e Sociedade” (UnB, 1979-18l), há, contudo, uma característica que é comum aos

diversos tipos de lideranças: “o traço distintivo do tipo de personalidade política, comum a todos os líderes, é uma reivindicação enfática por deferência, principalmente sob as formas de poder e respeito, e em menor grau, de retidão e

afeto. O líder não é só poderoso, como também respeitado. O líder é respeitado: em parte, por causa das suas qualidades pessoais, em parte por causa da

possessão do poder em si – ele desfruta de prestígio. O seu poder não é “nú e crú”, mas aparece às perspectivas do grupo como sendo correto e apropriado”.

Tais noções, aplicadas ao panorama sul-americano e, mais

particularmente, ao tipo de chefia conhecido na ditadura paternalista de Vargas e do “coronelismo”, que tanta influência tiveram na formação dos nossos costumes políticos, constituem, de certo, relações diferentes daquelas originadas nas

responsabilidades e deveres compartilhados da leadership democrática.

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Nos Estados-membros da Federação e nos Municípios, os grupos ocupacionais e as lideranças políticas pertenciam a determinadas personalidades

– os chamados “homens bons”, ou com “espírito de serviço” -, ou a famílias ou grupos de famílias, unidas pelo parentesco ou por interesses patrimoniais aos chefes locais, e estes aos chefes nas Províncias, através dos quais angariavam

força e prestígio político junto às autoridades nas capitais das Províncias e, depois, dos Estados da Federação brasileira.

Ao tempo da chamada “Velha República”, na presidência de Campos

Salles (1898-1902) tomou vulto a “política dos governadores”, que consistia no mútuo apoio entre o governo central da República e o dos Estados, reforçando as

lideranças locais para assegurar a estabilidade e a governabilidade do país. Victor Nunes Leal, no seu livro clássico “Coronelismo, enxada e voto” (ed. Alfa e Ômega, SP, 1976) tem razão quando observa que o “coronelismo” corresponde a “uma

quadra da evolução de nosso povo”. E uma quadra que, por isso mesmo, nunca se reproduz ou se repetirá na vida pública brasileira. Sem dúvida.

Apesar disso, o renomado e saudoso jornalista e escritor, Barbosa

Lima Sobrinho, no prefácio da 3a. edição da pré-citada obra de Victor Nunes Leal, reconhece que, de fato, o “coronelismo” em nossos dias recuou e cedeu terreno a

novas lideranças. Mas “o fenômeno do coronelismo persiste, até mesmo como reflexo de uma situação de distribuição de renda, em que a condição econômica dos proletários mal chega a distinguir-se da miséria”.... “Há os que acreditam

que a televisão acabou com o coronelismo. Mas a televisão não se faz sentir nos pleitos municipais, em que se constituem os poderes locais, justamente aqueles

que mais de perto interessam ao cidadão do interior. E será com essas lideranças locais que terão que se entender os poderes federais e estaduais, para composições políticas de que vão depender. O que vale dizer que ainda não

desapareceu aquela pirâmide das coligações transitórias de interesses políticos, a que se referia Alberto Torres. Continua, pois, o “Coronelismo”, sob novas bases, numa evolução natural,...”

É de ressaltar-se a origem dos famosos clãs familiares, ainda hoje existentes em algumas unidades da Federação, desde que ai o recrutamento de

novas lideranças partidárias jamais obedeceu a critérios impessoais ou de mérito. Felizmente, nos dias de hoje, a política apoiada em clãs e interesses familiares está em regressão e tende ao desaparecimento, substituída pela formação dos

grupos econômicos e de interesses, assim como pela união em torno de grandes correntes partidárias e/ou ideológicas.

Em conseqüência, dominam as lideranças pertencentes aos grandes partidos políticos nacionais, a exemplo do PMDB, PSDB, PT, PDT, PFL, PPS, PSB, PTB e outros de menor expressão, cujas lideranças tendem a se

fortalecer mediante coligações eleitorais desde cima para baixo, em sentido contrário ao que ocorria até agora em que havia liberdade de se coligarem nos Estados e municípios, especialmente após a verticalização dessas coligações

determinada pelo eg. Tribunal Superior Eleitoral.

É o que se verifica agora. Dentre as lideranças políticas que gozam

de maior popularidade nas pesquisas pré-eleitorais realizadas e que poderão

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suceder ao presidente Fernando Henrique Cardoso, após as eleições do ano 2002, estão os seguintes nomes: Luís Inácio Lula da Silva (Lula), Ciro Gomes, José

Serra e Anthony Garotinho, dentre outros. São lideranças políticas de formação democrática e personalidades que poderiam ser classificadas, uns, como de temperamento forte e autoritário, outros, conciliadores. Todos têm a exibir na sua

ação política um compromisso maior ou menor com a solução dos problemas sociais existentes no país.

Os fatos que se desenrolam à nossa frente revelam ao observador

interessado nos rumos prováveis da política nacional, após a Era FHC, a convergência de um amplo espetro da militância político-partidária de centro

esquerda na disputa do poder Executivo, a nível nacional e estadual, assim como nas Assembléias estaduais e do Distrito Federal, e nas duas Casas do Congresso Nacional. Tais fatos, sem dúvida, têm um grande significado para os destinos

nacionais.

É de se notar, entretanto, que nenhum dos pré-candidatos à presidência da República pode exibir uma biografia tão rica e brilhante em

comparação com a do Presidente Fernando Henrique Cardoso, como intelectual e homem de Estado. Certamente esses títulos lhe deram a oportunidade de

apresentar-se nos fóruns internacionais com merecido destaque em defesa de interesses vitais do Brasil, ombreando-se com outras grandes lideranças mundiais na luta por uma inserção nos organismos regionais e internacionais

em condições mais justas e condizentes com a importância do nosso país dentro da nova ordem no mundo globalizado.

Os eventuais pontos fracos do governo FHC são encontrados pelos adversários ou críticos, em geral, ao nível interno de sua atuação, ou inação, quanto à retomada do desenvolvimento econômico e social, o que seguramente

contribuiu para o crescimento do excessivo endividamento público, interno e externo, do desemprego, da violência, da criminalidade, da pobreza e da exclusão social no país, corroendo ainda o tecido social e a base moral da

nacionalidade.

Contudo, não há negar, nos momentos mais difíceis da nossa

História, sempre tivemos lideranças políticas capazes e hábeis, de grande coragem e patriotismo, tanto no Império como na República. Daí a razão, segundo o testemunho do Chanceler Osvaldo Aranha aos estudantes reunidos

para a conferência que pronunciou na Faculdade de Direito da UMG, a que assistimos, do nosso país haver enfrentado incólume e vitorioso por todas as

dificuldades, a nível interno e externamente, contra as super-potências da época, chegando onde chegou em busca da sua destinação histórica.

Com respeito ao exercício da liderança política, um dos mais

brilhantes e bem sucedidos homens públicos do passado recente no Brasil, o ex-Senador e Ministro de Estado da Justiça, Petrônio Portela Nunes, poderia ser apontado às novas gerações como uma das figuras exemplares da vida pública

nacional. Nascido na pequena cidade de Valença, interior do estado Piauí, de origem modesta, era possuidor de grande inteligência e extraordinária vocação

para a vida pública. Exercia a atividade política com paixão e espírito público, a

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cujas virtudes aliavam-se o talento natural e uma forte personalidade. No exercício da liderança política, era aberto ao dialogo e à negociação em busca do

consenso na solução dos conflitos.

Tendo-se iniciado na militância política ainda como estudante e líder em movimentos classistas da UNE, no Rio de Janeiro, onde se formou em

Direito, ingressou na vida pública no Piauí, como deputado estadual e, depois, prefeito de Teresina e governador do Estado, pela legenda UDN, da qual era um dos mais prestigiados líderes estaduais. Deflagrado o movimento revolucionário

contra o governo do presidente João Goulart, inicialmente colocou-se em posição contrária ao rompimento da ordem constitucional vigente e na defesa das

liberdades individuais e públicas e do Estado Democrático de Direito no país. Rendeu-se, contudo, à incontrastável realidade da nova ordem política nacional.

Ocupou os mais altos cargos públicos, nos quais teve atuação

relevante durante o regime militar iniciado em 1964, nos governos chefiados pelos presidentes Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo.

Eleito para o Senado Federal, após a Revolução de 64, encontrou ali o

ambiente propício a uma rápida ascensão, graças à habilidade no trato de questões difíceis e, às vezes, de demorada solução. Escolhido por seus pares

presidente do Senado e do Congresso Nacional, líder de bancada do seu partido e do Governo no Senado Federal, presidente nacional da ARENA-Aliança Renovadora Nacional, partido de sustentação política aos governos militares, e

nomeado Ministro de Estado da Justiça, foi responsável pela indicação e escolha de vários Governadores eleitos por via indireta no período revolucionário.

No cargo de Ministro da Justiça, atuou com clarividência e patriotismo no exercício de uma liderança política nacional, com perfil conciliador, em momento extremamente difícil, quando os primeiros passos para

a abertura política e a redemocratização do país deviam ser dados com o desarmamento dos espíritos e a conciliação nacional, que conduziriam à anistia de crimes políticos ensejada pelos militares nos estertores da Revolução de 1964.

Petrônio Portela Nunes desempenhou a espinhosa e difícil missão com tal dedicação e sabedoria política, que o seu nome era um dos mais cotados pelo

público como candidato civil à presidência da República com a redemocratização do Brasil, de cujo objetivo a morte prematura o separaria para sempre.

Para quem o conheceu e acompanhou de perto os seus passos na

vida pública, poderá dizer que ele havia produzido um auto-retrato quando, ao prefaciar o livro de autoria do grande líder político do período imperial, Bernardo

Pereira de Vasconcellos, intitulado “Manifesto Político e Exposição de Princípios” (Brasília -1978, UnB), editado pelo Senado Federal, escreveu: “Vasconcellos deve ser julgado pelos erros e pelos acertos, pois ninguém encarnou melhor que ele o

espírito prático e objetivo dos estadistas que construíram a estrutura jurídico-constitucional de um regime que, ao cair, era o segundo em duração de todo o Hemisfério Ocidental. Com seus defeitos e suas virtudes, ele é bem a síntese dos

homens que, aliando o saber ao fazer, conceberam e edificaram instituições políticas estáveis. Para ele, a Política foi a arte do possível e não a do desejável. É

o que nos ensina quando, em sua Carta aos Senhores Eleitores, repete Terêncio

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em oportuna lição: “Para que havemos de questionar sobre o que é melhor fazer-se, se o aperto das nossas atuais circunstâncias só nos faculta indagar o que se

pode fazer ?”

“A história das instituições políticas brasileiras é a de um constante e permanente evoluir, em que os retrocessos não são mais que momentos de

exceção. As conquistas duradouras, na verdade, são fruto da construção, muita vez, humilde e paciente dos grandes conciliadores, e a ação de Vasconcellos é disso o exemplo admirável”... “As intransigências que cultivou teve a resposta na

intransigência alheia”.

“Ideólogo, doutrinador, político, parlamentar, líder e fundador de

partidos – homem de estado, enfim – transigiu e atento à realidade variou de concepções, mas o seu exemplo é fonte de permanente inspiração pela devoção com que se entregou à Política, sem dúvida, sua arte, sua paixão, sua glória e sua

vida”.

De certo, a ironia revelada pelo correspondente, na América do Sul, do jornal londrino “Times”, ao dizer que “no Brasil só existiam três partidos

políticos: o Exército, a Igreja e os comunistas, pois os demais são companhias limitadas”, em parte, teve assento na falta de lideranças partidárias autenticas e

de programações definidas, distinguindo os campos de atuação político-partidárias brasileiras. Isto porque, a despeito das profundas transformações verificadas em decorrência da industrialização e urbanização da sociedade,

diversificando interesses e aspirações políticas, não houve “meio de fazer participar da gestão nacional outros elementos senão os de sempre: os ricos, as

pessoas bem colocadas e aqueles que têm influência no mundo dos negócios”. (Jornal “Times”, transcrito pelo “Jornal do Brasil”, edição de 22-8-1965).

Efetivamente, afastada a idéia de considerar partidos políticos o

Exercito e a Igreja, como escreveu o mordaz articulista, não é de todo exagerada a afirmação de que o trânsito das elites nos órgãos partidários do país era mais difícil do que na tradicionalista Inglaterra, onde o Labor Party, àquela época,

liderado por Harold Wilson, teve como rival o advogado Edward Heath, de 47 anos, que viria a ser Primeiro Ministro de Sua Majestade e não pertencia à classe

nobre de Eton. Muitos anos depois, no final do século XX e início do século XXI, repetir-se-ia o fato histórico, com a eleição e reeleição do trabalhista Tony Blair para o cargo de Primeiro Ministro do Reino Unido da Inglaterra.

Entretanto, não é diferente o que ocorre com as elites dirigentes partidárias inglesas, sobre as quais escreveu oW. L. Guttsman, no livro “Britsh

Political Elite”, (London, 1963-369) o seguinte: “But however diversified, the mid-nineteenth century elite had its forms undoubtedly in the two Houses of Parliament and in the style of life and common educational background to which

all but few of its members belonged”.

“By contrast, the contemporary elite, analyzed in the previous chapter, appears at the first sight disparate and lacking unity. As the result of

changes in the relative social positions of different groups of the population, elite position, conceived in terms of power, no longer corresponds as closely to high

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rank as measured in terms of income or social prestige, as it did a hundred years ago”.

No Brasil dos nossos dias, os quatro principais candidatos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, nas eleições do ano de 2002, são pessoas de origem modesta, que carregam consigo o sonho de governar

e fazer as mudanças necessárias para desenvolver o país e melhorar a vida do povo brasileiro.

Na vida pública nacional, é verdade, temos tido líderes de grande

capacidade intelectual, comprovada honradez, firmeza de caráter e portadores das virtudes cívicas de patriotismo, dedicação ao trabalho e espírito público, que

engrandeceram o país. Em razão das qualidades excepcionais apresentadas, poderiam, com justiça, integrar uma galeria reservada às figuras tutelares da Nação brasileira, constituída por personalidades superiores da vida pública, os

quais deixaram às novas gerações um exemplo de vida e de trabalho dedicados ao povo, com uma visão grandiosa de futuro do País e de mundo, peculiar aos verdadeiros estadistas, conforme a descrição feita por Platão, em o “Politicus = o

Estadista”.

Desta galeria de cidadãos e cidadã ilustres, segundo entendemos,

fazem parte: D. Pedro I; Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; José Bonifácio de Andrada e Silva – o Patriarca da Independência; Padre José de Anchieta – o Apóstolo do Brasil; Diogo Antonio Feijó; Imperador Dom Pedro II;

Princesa Isabel – a Redentora; Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná; Luís Alves de Lima e Silva – Duque de Caxias; Barão do Rio Branco;

Joaquim Nabuco; Rui Barbosa; Getúlio Vargas; Osvaldo Aranha; Afonso Arinos de Mello Franco; Juscelino Kubitschek de Oliveira; Ulisses Guimarães; General Ernesto Geisel; Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardoso.

A esse propósito, o ex-ministro e escritor Ronaldo Costa Couto, no livro “História indiscreta da ditadura e da abertura”, composta por 26 depoimentos de personalidades que apoiaram ou combateram a ditadura, entre

eles FHC e Lula, narra o seguinte: a Fernando Henrique Cardoso, fora de dúvidas, uma das mais brilhantes e ilustres figuras da vida pública nacional, no

fim da entrevista, o autor pergunta sobre a qual figura histórica brasileira gostaria de ser comparado. Ele responde: um misto de Juscelino, Tancredo e Ulysses Guimarães. Alguém com profunda raiz democrática que saiba dar rumo

ao país. E assim aborda ele mesmo a questão que mais afetava a sua imagem política, a da tomada de decisão:

“Não gosto quando dizem que sou conciliador. Parece com Tancredo. Tancredo era conciliador, mas tomava decisão. Comigo fazem a

mesma confusão. Acham que por ser cordial não tenho firmeza. Um equívoco! Quem não tem firmeza não faz o Real, não demite presidente do Banco Central do jeito que sou obrigado.

Quem não tem coragem não existe na política. Não tem que fazer bravata, tem que ser realista e ter coragem. Em certos momentos,

fecha os olhos e vai!”.

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É o que os seus aliados andavam cobrando para o segundo mandato

presidencial, de preferência de olhos abertos, comentou a articulista do jornal „O Globo‟.

6. Eleições: rumo a tele-democracia

Nas eleições presidenciais do mês de outubro do ano 2002, o eleitorado brasileiro era de 115.271.830 milhões de inscritos e em condições de

votar, consoante dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE, nos 5.560 municípios existentes no Brasil.

Para receber os votos, foram colocadas à disposição do eleitorado 354 mil urnas eletrônicas nas 325.715 sessões eleitorais distribuídas em todo o país, o que constitui o terceiro maior colégio eleitoral do mundo, após os Estados

Unidos e Índia.

A modernização da Justiça Eleitoral, com a informatização do cadastro eleitoral desde 1985 e a adoção do voto eletrônico, mediante o

planejamento e aquisição de máquinas de votar, alcançou 100% do eleitorado brasileiro nas eleições municipais realizadas no ano de 2000, o que tem sido

motivo de orgulho nacional e de interesse de outras democracias, porque atingimos um marco de excelência junto ao eleitorado e à opinião pública nacional. Ingressamos, com a utilização da informática no processo eleitoral, na

era da tele-democracia, capaz de transformar um país de dimensões continentais e com populações tão diferenciadas como o Brasil em um imponente e verdadeiro

teatro armado para a captação do voto popular da pós-modernidade.

A informatização do voto, pela rapidez, segurança e eficiência no processo de votação e rápida apuração sem manipulação humana, previne e evita

a fraude, assegura a lisura dos pleitos e a verdade do resultado obtido nas urnas eleitorais, com a vantagem de oferecer o resultado do pleito em poucas horas após a sua realização. Pelos testes feitos em várias eleições já realizadas no País,

dificilmente nos defrontaremos com uma situação idêntica a que ocorreu nos Estados Unidos, no pleito em que concorreram à presidência os candidatos

George W. Bush e Al Gore, quando o resultado só foi conhecido um mês após as eleições, sendo declarado vencedor o candidato que obteve menor número de votos populares, mas foi majoritária a sua votação no colégio eleitoral das eleições

presidenciais norte-americanas.

Não resta dúvida, a escolha dos mandatários da Nação pelo voto

popular, através de eleições livres, sincera e honesta é a pedra angular em que se assenta o principio democrático de governo. Numa democracia verdadeira, o consentimento popular é a única fonte capaz de legitimar a ação dos governantes.

É o que reza o principio salutar inscrito na Constituição da República Federativa do Brasil, ao prescrever: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1o,

parágrafo único).

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Alguns publicistas e políticos influentes procuram, por diferentes motivos, sustentar a tese de que as campanhas para o preenchimento dos cargos

executivos nos três níveis – União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, principalmente nas eleições presidenciais produzem sempre “crises graves” no sistema político brasileiro. Outros, por convicção e experiência da vida pública,

como Raul Pilla, Afonso Arinos de Mello Franco, Aliomar Baleeiro, Franco Montoro, ao analisarem as campanhas para o preenchimento do cargo de Presidente da República, de quatro em quatro anos, assim como as crises

sucessivas que o sistema presidencialista de governo tem experimentado entre nós, se inclinaram pela solução parlamentarista de governo como adequada para

o estágio de desenvolvimento político, econômico, social e cultural do Brasil.

Tais argumentos, aos quais se agregam a desconfiança no voto popular e a idéia de “continuísmo”, que está sempre latente por ocasião da

renovação dos mandatos dos dirigentes políticos, agora reforçada com a possibilidade de reeleição para todos os níveis de Governo, podem conduzir, por diferentes caminhos, à busca da “pureza” do regime e de maior

“representatividade” dos eleitos, exigindo-se deles, além de preparo para o exercício do mandato popular, um padrão ético mais elevado na gestão da coisa

pública.

Não há negar, o sistema seletivo eleitoral tem melhorado rapidamente no sentido de exprimir a autenticidade da representação política da Nação. Tudo

isso, como resultado de uma luta incessante contra as influências deformadoras da vontade popular, quer seja pela presença do poder econômico, quer seja pelas

diversas formas de atuação do poder publico. Por outro lado, o papel da Justiça Eleitoral tem sido relevante e, em alguns casos, considerado não só pedagógico como de nível excelente, e compatível com a boa prática da democracia quanto à

realização e apuração dos pleitos eleitorais no país.

Seção VI

1. Administração Pública

São notórias as deficiências de algumas áreas do serviço público que devem ser adequadas, com urgência, a um sistema administrativo compatível com a fase de modernização que o País atravessa nas ultimas décadas.

Apesar disso, a burocracia cresceu na medida em que se desenvolveram as atribuições deferidas ao aparelho estatal, com a criação de

novas agências governamentais destinadas ao planejamento, administração e fiscalização dos programas e serviços prestados pelo Estado nas diferentes áreas de suas atividades.

Observa-se, entretanto, que para atender às novas tarefas que lhes foram deferidas, a administração pública vai deixando de ser uma ocupação para as horas de lazer dos homens de fortuna e posição social, e que os encargos do

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Governo não são mais encarados apenas como meio para a conquista do poder político e a fruição de vantagens de caráter pessoal e de prestigio social, que o

exercício de um cargo público confere normalmente ao seu titular. Como o governo tende a ser um dos maiores senão o maior empregador da força de trabalho nacional, as exigências são no sentido da obtenção de maior eficiência

na organização administrativa e na prestação dos serviços à comunidade.

Com esse objetivo, no plano federal e nas unidades da federação brasileira, métodos modernos têm sido introduzidos com resultados positivos,

embora sejam ainda evidentes as falhas existentes na burocracia brasileira, que precisam ser sanadas. As falhas verificadas, geralmente são encontradas:1) em

estruturas ultrapassadas ou mal dimensionadas 2), na seleção e aproveitamento de pessoal qualificado e responsável para a execução de suas tarefas 3), na baixa remuneração do servidor, civil e militar, com exceção de algumas carreiras e

serviços da administração pública.

Com o fim de superar os males crônicos da burocracia, o governo federal, pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, estabeleceu normas

que reorganizam a Administração Federal e fixam as diretrizes para a reforma administrativa do País. O fundamental, na reforma administrativa então iniciada

e implantada, é que se procurou descentralizar a administração, de forma que cada órgão do governo federal, com seu orçamento, tivesse a sua própria programação financeira e de tarefas, o que possibilitaria aos escalões superiores a

tarefa de cobrar os resultados dos responsáveis pelos diversos setores administrativos.

Durante o governo Collor, teve prosseguimento o impulso reformista da administração federal, sem nada concluir. Na atual administração federal, chefiada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, somente alguns setores

administrativos foram contemplados com alterações de carreiras e melhoria salarial, a qual não se estendeu aos demais servidores da União.

Daí, conclui-se que é necessário, com urgência, adequar o aparelho administrativo do Estado à modernidade, afim de acompanhar e apoiar o esforço

desenvolvimentista da sociedade brasileira.

2. Orçamento-Programa

Estendido aos órgãos da cúpula administrativa federal, o Orçamento-

Programa permitirá o controle rigoroso, inclusive por parte da opinião publica, das realizações governamentais, mediante o acompanhamento dos orçamentos de cada Ministério, autarquias e outras repartições autônomas. O Orçamento-

Programa anual tem a vantagem de pormenorizar as realizações planejadas para cada período de governo, atribuindo-lhe verbas e mostrando com detalhe quais as despesas do custeio previstas.

Diferente em sua concepção e elaboração, por constituir uma inovação bastante discutida e que vem ganhando aceitação entre os

administradores municipais, é a do Orçamento Participativo, atualmente

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implantado em algumas administrações chefiadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), dentre as quais obteve resultados positivos no Distrito Federal, e no Rio

Grande do Sul, onde é aplicado.

A Constituição Federal de 1988 estabelece as normas orçamentárias a serem adotadas em todo o país, a saber: “Art. 165- Leis de iniciativa do Poder

Executivo estabelecerão: I- o plano plurianual; II- as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais”.

São vedados (art.l67): I- o início de programas e projetos não

incluídos na lei orçamentária anual; II- a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;...

Um outro ponto muito sensível na administração pública mereceu a atenção do constituinte, consoante prescreve o artigo l69 da Lei Magna, a seguir transcrito: “A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”.

Porém, o ponto alto nesta questão de coibir os administradores

públicos de praticarem atos que importem em gastos superiores à arrecadação, contraindo dívidas, ou má gestão da coisa pública, foi a edição da Lei de

Responsabilidade Fiscal, que pune com rigor os maus administradores públicos, em todos os níveis (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), inclusive, com o afastamento dos cargos e proibição de exercerem funções na vida pública do

País.

3. Pessoal

A existência de maior senso de responsabilidade, melhores salários e

dedicação exclusiva ao trabalho nos setores básicos, a fim de que os serviços públicos não fiquem em condições de inferioridade em relação à demanda do trabalho especializado noutras esferas de atividades privadas, representará, sem

dúvida, um significativo esforço para a melhoria do nível técnico-profissional do servidor público, além de ser um valioso instrumento de combate à ociosidade e à

corrupção. Por outro lado, programas de treinamento de pessoal devem ser previstos e organizados com o objetivo de aperfeiçoar o nível técnico-profissional em todos os setores de atividades do serviço público.

A Constituição Federal de l988 consagra o sistema do mérito para o ingresso no serviço público, não apenas como solene declaração de princípio,

porque esses mandamentos já se encontravam expressos no Estatuto dos Funcionários Civis da União e leis subseqüentes. Contudo, a prática antiga do clientelismo eleitoral e do nepotismo, em várias oportunidades, venceu as

barreiras opostas pelo legislador. Esses fatos, entretanto, tendem a se tornar definitivamente coisas de um passado distante, dado que essas práticas se encontram em regressão histórica e social na vida pública. Tanto mais porque, os

objetivos políticos modernos a serem perseguidos pela máquina burocrática exigem eficiência administrativa do Estado, o que não se coaduna com o

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favoritismo e o nepotismo político, embora em algumas regiões do país infelizmente ainda sobrevivem nos meios políticos interiorano, onde ainda são

fortes alguns desses traços do mandonismo político.

A tendência que se observa é a de reforçar o sistema do mérito, da responsabilidade profissional e a atitude neutral da administração pública,

empenhada em bem servir à comunidade.

4. Sistema Tributário

A reorganização do sistema tributário nacional deu-se com a Emenda

Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965 e leis complementares, cuja legislação constituiu a solução técnico-jurídica adotada para a consecução desses objetivos.

A Comissão criada para o estudo da matéria e a elaboração do ante-projeto de reforma tributaria, subordinou seus trabalhos a duas premissas tidas como fundamentais. “A primeira delas é a consolidação dos impostos de idênticas

naturezas em figuras unitárias, definidas por via de referência às suas bases econômicas, antes que a uma das modalidades jurídicas que pudessem revestir.

A segunda premissa é a concepção do sistema tributário como integrado no plano econômico e jurídico nacional, em substituição ao critério, anterior e histórico, de origem essencialmente política, da coexistência de três sistemas tributários

autônomos, federal, estadual e municipal”. (Cfr. Citação do trabalho apresentado pela Comissão criada pelo Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, no trecho

n. l4, e da qual faziam parte Luiz Simões Lopes, presidente; Rubens Soares de Souza, relator; e membros: Gerson Augusto da Silva, Gilberto de Ulhôa Canto e Mário Henrique Simonsen).

Dentro dessa orientação geral, tem-se que a organização tributária pretendida, conquanto racional e de inspiração prática, mostrou-se bastante ambiciosa, por transcender à divisão política do país em três níveis de governo.

Quanto à segunda premissa, todos os impostos do sistema tributário nacional foram enquadrados em quatro grupos: o dos impostos sobre o comércio exterior;

o dos impostos sobre o patrimônio e a renda; o dos impostos sobre a produção e a circulação de bens; e finalmente, o dos impostos especiais, que, por suas características técnicas ou pelo seu caráter extraordinário, transcendem os

limites de cada um dos três primeiros grupos. (Cfr. artigo ” A Reforma de Discriminação Constitucional de Rendas”, publicado pela FGV, n.6, l965).

Nos planos jurídico, econômico, político e financeiro, a reforma apresentou aspectos bastante inovadores, dentre outros, o de compensar, financeiramente, com dispositivos referentes à redistribuição das rendas

tributárias arrecadadas pela União, o caráter uniforme e a arrecadação centralizada, cujo produto é rateado com as demais entidades políticas segundo critérios menos empíricos do que os que vinham sendo observados apenas para

alguns impostos. Em se tratando de normas destinadas a grandes inovações no direito tributário, a integração do sistema contido no artigo 2º da Lei nº

5.172/66, só a prática poderia dizer do acerto ou não das medidas adotadas pelo

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legislador, dados os reflexos das medidas adotadas nos diferentes setores da vida nacional.

Depois da implantação desse sistema tributário, várias inovações têm sido feitas no sentido de adaptá-lo às novas exigências da nossa economia. Porém, em sua grande parte permanecem ainda em vigor as suas diretrizes

básicas.

No Congresso Nacional está em andamento uma nova reforma tributária, exigida por vários segmentos da sociedade, de modo especial: os

Estados e Municípios que se opõem tenazmente às normas de discriminação de rendas, o comércio de exportação e de importação, os assalariados, pensionistas,

aposentados, comerciantes e industriais, todos se queixam do excesso de impostos, além de muita burocracia fiscal. Há, inclusive dentro do Governo, resistências notórias à aprovação pelo Congresso Nacional de um novo código

tributário brasileiro, que seja abrangente e inclua como contribuintes do fisco o enorme contingente dos que fazem parte da chamada “economia informal”; reduza o número de impostos cobrados com simplificação dos respectivos

procedimentos fiscais, estimulando dessa forma o crescimento da economia do País.

Outros estudiosos de Direito Tributário, como o advogado e ex-senador Américo de Souza, sustentam que a unicidade dos tributos é a forma mais justa e eficaz para a cobrança de impostos pelo Estado. É a idéia defendida

pelo citado escritor no livro publicado sob o título “Tributo Único- Novo Paradigma Para uma Reforma Tributária Moderna, Justa e Eficaz” (editora

Makron Books do Brasil Ltda., Rio de Janeiro, 1998). Enquanto isso, aguarda-se uma definição sobre a matéria a ser dada pelo Congresso Nacional, que corresponda às expectativas dos setores interessados e contribua para o

desenvolvimento do país.

Seção VII

1. Fatores reais de poder

Numa sociedade democrática e em fase de transformações aceleradas como a brasileira, é comum encontrar-se, ao lado das forças legalmente organizadas e atuantes dentro da sociedade, a exemplo dos grupos de pressão, os

quais têm sido estudados e descritos por renomados sociólogos e cientistas políticos nos Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido, Itália, e inclusive

no Brasil, outros grupos ou movimentos populares que se formam e atuam à margem da lei, na informalidade, os quais são constituídos por um imenso contingente humano e social, vivendo na marginalidade, engrossado pelos sem

emprego, sem moradia, sem escolas, sem cidadania e sem futuro, e guardam consigo somente a esperança de que um dia tudo possa mudar para melhor.

Certamente sem a mesma importância e categoria jurídico-formal de filiados aos partidos políticos e às associações e órgãos de classe, essas forças

atuam a seu modo e influenciam as decisões do poder político, tanto nos períodos

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eleitorais como, e principalmente, nos períodos pós-eleitorais. Têm, por isso, papel de significativa relevância na escolha de políticas públicas a serem

adotadas, variando essa influência de acordo com o grau de apoio recebido de políticos ligados ao sistema de poder dominante. Especialmente, quando estes grupos atuam em defesa dos seus interesses sob a forma de “movimentos

populares” organizados em várias localidades do interior e em regiões periféricas nas grandes metrópoles urbanas do país.

Para exemplificar: no Distrito Federal, em Brasília, a atuação desses

grupos compreende milhares de pessoas que disputam lotes e terrenos urbanos, onde possam organizar os famosos assentamentos da periferia na capital da

República, quer seja em terrenos públicos de reservas ambientais, quer seja em terrenos privados não ocupados. Por outro lado, existem centenas de condomínios formados por pessoas de classe média, no entorno de Brasília e

cidades satélites do Distrito Federal, que aguardam regularização das residências construídas nesses locais. O problema é de tal ordem, que até o governo federal está empenhado em encontrar solução para o assunto, pois os terrenos que

compõem o território do Distrito Federal são também de co-propriedade da União. A solução encontrada foi a criação pelo governo federal de uma Área

de Proteção Ambiental – APA, compreendendo cerca de 60 por cento do território do Distrito Federal, dentro da qual o estabelecimento de qualquer novo condomínio residencial deverá ter a aprovação prévia de “viabilidade ambiental”

por parte dos órgãos do governo federal.

O fato é que, os objetivos colimados são praticamente os mesmos – influenciar o poder, estando a diferença que os separa na estratégia adotada – legal ou ilegal - para a consecução dos fins desejados.

Dentro das características da política nacional, ao lado do Brasil-legal, existe um imenso, poderoso e afirmativo Brasil-informal, que luta pelo reconhecimento dos seus direitos de cidadania. É que o homem do povo está

informado e aprendeu também, com as lideranças políticas e partidárias militantes na cidade, assim como nos textos dos grandes documentos modernos,

ser legítima a revolta contra os governantes que não respeitam os direitos fundamentais da pessoa humana. Reconhecem que entre esses direitos, está o da obtenção de moradia, o direito ao trabalho com remuneração que propicie a cada

indivíduo as condições de uma vida decente para si e seus familiares e a busca da felicidade. Pois, manter uma sociedade dividida entre os que têm tudo e os que

nada têm é injusto, e é a causa primeira de muitas revoltas aqui e em todo o mundo.

No exame dessa matéria, partimos da consideração inicial de que os

fatores reais de poder se distinguem em: I - grupos de pressão e lobby, aqui classificados, a) como de existência legal, e b), de existência não autorizada em lei, ou ilegais, o que de resto, será um approach de natureza jurídico-formal, sem

esquecer os aspectos sociológicos e políticos de que se revestem, e II, as Forças Armadas e, III, a Igreja.

I. a - Grupos de pressão. Lobby

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Cumpre-nos fazer uma distinção entre as expressões “grupos de interesse ou de pressão” e “lobby”, as quais são geralmente usadas como sendo

intercambiáveis. Vejamos, inicialmente, a expressão lobbying ou lobby. Como indica a própria expressão, ela significa o corredor dos edifícios parlamentares e do ingresso dos grandes hotéis, onde freqüentemente residem os parlamentares.

“Trata-se de uma atividade, ou melhor, de um processo, mais do que uma organização. É um processo por meio do qual os representantes dos grupos de

interesses, agindo como intermediários, levam ao conhecimento dos legisladores, ou dos decisions-makers, os desejos dos seus grupos. Lobbying é, portanto, e sobretudo uma transmissão de mensagens do grupo de pressão aos decisions-makers por meio de representantes especializados (em alguns casos, como nos Estados Unidos, legalmente autorizados), que podem ou não fazer uso de ameaça

de sanções”. (Bobbio, N. et alii, “Dicionário de Política”, UnB, 2ª Edição, 1986 – 564/65).

Quanto à expressão “grupos de pressão”, ela indica, ao mesmo tempo, “a existência de uma organização formal e a modalidade de ação do próprio grupo em vista da consecução dos seus fins: a pressão. Entendemos por

„pressão‟ a atividade de um conjunto de indivíduos que, unidos por motivações comuns, buscam, através do uso de sanções ou ameaça do uso delas, influenciar sobre decisões que são tomadas pelo poder político, seja a fim de mudar a

distribuição prevalente de bens, serviços, honras e oportunidades, seja a fim de conserva-la frente às ameaças de intervenção de outros grupos ou do próprio

poder político. Pressão é, portanto, não tanto como pensam alguns autores, a possibilidade de obter acesso ao poder político, mas a possibilidade de recorrer às sanções negativas (punições) ou positivas (prêmios), a fim de assegurar a

determinação imperativa dos valores sociais através do poder político” (Bobbio, op. cit. p. 164).

Como se vê, os grupos de pressão diferem dos partidos políticos, na sua organização, nos interesses que defendem e nos seu modo de atuação junto

ao poder político.

Sem a preocupação de enumerá-los exaustivamente, iniciaremos uma

apreciação dos grupos de pressão de existência legal pelos que se apresentam mais bem organizados nos diversos setores da vida nacional: 1 – entre os grupos

profissionais e as corporações classistas podem ser distinguidas, no plano federal, as diversas Confederações e federações representativas dos setores produtivos nacionais; 2 – as organizações sindicais de trabalhadores urbanos e

rurais, vinculadas aos diversos ramos de atividades; 3 – as associações profissionais, i.e., advogados, engenheiros, médicos, jornalistas, funcionários públicos civis ativos e inativos, bancários, etc., assim como as ONGs; 4 –

estudantes e associações estudantis secundaristas e universitários.

São variados os modos de agir desses grupos. De modo geral, tudo ou quase tudo é válido no tumultuado e perigoso jogo de marketing político. Os atores políticos agem simultaneamente sobre a opinião pública, criando fatos que

são noticiados pelos meios modernos de comunicação, e diretamente sobre as representações políticas no Congresso Nacional, Assembléias Legislativas,

Câmaras Municipais e junto aos governantes.

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Nas eleições, apóiam candidatos de suas preferências, auxiliando-os nas campanhas. Grandes importâncias são gastas nesses períodos para

estabelecer contato do candidato com as massas populares, através da contratação de artistas famosos, os quais se relacionam facilmente com a imprensa falada e escrita, e a televisão, rádios etc, enquanto utilizam a

propaganda de rua, com farta distribuição de folders, boletins, além de out-doors, onde exibem um colorido rico e de festa, luzes e sons. As tendências da opinião pública são acompanhadas por meio de enquetes e/ou pesquisas de

opiniãocampo feitas por organizações especializadas, como o IBOPE, Datafolha, Vox Populi e outras nos centros mais populosos e politizados do país, cujas

empresas praticamente comandam o processo de seleção dos candidatos junto ao eleitorado. Dessa forma, os marqueteiros de candidatos e partidos políticos, e os próprios governantes, assim como as grandes empresas, com freqüência adaptam

sua ação de acordo com as tendências pesquisadas da opinião pública.

Após a eleição, no plano federal, os contatos são feitos com as lideranças políticas e parlamentares no Congresso Nacional e junto aos membros

das suas comissões técnicas ou dos relatores de matérias de seu interesse nas Comissões da Câmara ou do Senado, onde o lobby é permitido. Enquanto

acompanham a tramitação das proposições legislativas de seu interesse, os lobistas fazem sugestões, oferecem subsídios, permanecendo vigilantes durante as votações, empenhando-se junto aos representantes do povo no

acompanhamento das matérias de seu interesse, até a aprovação final destes órgãos especializados e do Plenário de cada Casa do Parlamento nacional.

Sobre os governantes e a administração pública, a ação é multiforme e difícil de ser identificada. Uma parte é secreta e depende dos contatos e da proximidade das fontes que conduzem aos centros de decisão do poder. Uma

outra é pública e está vinculada aos meios de atuação de que puderem dispor para manter contatos com os órgãos que fazem as licitações de obras e serviços a serem contratados, bem como os diretores e pessoas mais influentes que não só

autorizam as contratações como fiscalizam e autorizam a liberação de pagamentos, o que pode envolver desde o conhecimento da agenda de pessoas

importantes ou influentes até a movimentação de processos e o encaminhamento dos atos necessários a uma tomada de decisão nos escalões superiores da administração pública.

Além dos grupos profissionais ou corporativos e de suas representações junto à administração pública, é possível ainda identificar como

exercendo influência considerável sobre os poderes constituídos, sobretudo o Executivo e o Congresso Nacional, os lobistas de interesses internos como de multinacionais aqui sediadas, ou de governos estrangeiros em apoio aos seus

nacionais aqui dentro do país.

Por fim, e não menos importante, é a força política representada pelos governadores de Estados e dos Prefeitos dos Municípios da Federação, em

reunião, quando debatem e emitem as conclusões sobre assuntos de natureza econômica, financeira, social e política.

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Durante o período de funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte, em 1986-88, ficou bastante visível o esforço dos lobistas junto aos

representantes do povo, especialmente das lideranças e relatores e sub-relatores de matérias importantes em debate e votação perante as Comissões do Congresso Constituinte. Sem dúvida, tratava-se de uma atividade legítima, legal, tanto no

que diz respeito ao esclarecimento e colaboração dada sobre as matérias em discussão, como na sustentação dos interesses por eles defendidos, no que não colidissem com os superiores interesses do país, como em questões de

distribuição de rendas entre as entidades intra-estatais, impostos, segurança pública e política carcerária, meio ambiente e muito mais.

Citamos, para exemplificar, o caso mais recente da Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Todos a apóiam, por se tratar de ato legislativo que

obteve grande repercussão popular, pois visa a moralidade na gestão dos negócios públicos por parte dos governantes. Porém, os Prefeitos, a começar pela Prefeita de São Paulo, todos pleitearam atenuar os seus efeitos, tidos como

rigorosos demais. Idêntica posição foi assumida pelos Governadores de Estados, e os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário federais, estaduais e municipais,

contrariando o rigor da lei e dos princípios de moralização administrativa perfilados e exigidos dos administradores públicos.

Com respeito aos lobbies, que atualmente são muito numerosos junto

ao Congresso Nacional, assembléias legislativas e Câmaras municipais mais importantes, assim como junto às repartições dos poderes Executivo e Judiciário,

verifica-se, no momento, a necessidade de uma lei para regular as atividades dos grupos de pressão. Dorme, no entanto, em uma estante da Câmara dos Deputados um projeto de lei nº 203, de 1989, que dispõe sobre o registro de

pessoas físicas ou jurídicas junto ao Congresso Nacional. Destinado a regulamentar e impor limites à atuação de lobistas no parlamento, o projeto foi elaborado pelo ex-senador Marco Maciel visando adotar providências simples:

reconhece o lobby e obriga o credenciamento de profissionais que exerçam essa atividade para empresas privadas e estatais, entidades de classe, sindicatos,

ministérios e autarquias. Porém, a medida ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional.

Na realidade é legítimo, especialmente no Congresso, onde os

conflitos de interesse são permanentes, a existência de lobistas que passeiam pelos salões e corredores de comissões à cata de autoridades para apresentar

seus argumentos sobre assuntos em pauta. Lá, representantes de associações empresariais dividem espaço com lobistas das centrais sindicais, por exemplo. Todos fazem lobby. E é correto que isso ocorra no Congresso, pois é da sua

natureza o jogo de influências e abertura para informações.

O lobby, portanto, não é crime. Criminoso é o aliciamento de

funcionários públicos e de parlamentares mediante pagamentos e favores, como se suspeita que tenha acontecido a partir da apreensão, pela polícia federal, da agenda de atuante lobista de Brasília. Nela constavam nomes e contas bancárias

que podem fazer parte de uma rede de informações privilegiadas, utilizadas em

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favor de interesses privados. É injustificável, portanto, que o Legislativo ainda não tenha assimilado o exercício de semelhante atividade.

Dentre outras razões, a lei que regulamentar a atividade lobista, estará na obrigação de acolher dois fundamentos básicos: exigir a identificação pública dos profissionais da área e estabelecer as sanções penais para quem a

violar.

I. b - Tentativa de controle dos grupos de pressão de existência ilegal

Atuando paralelamente aos grupos de existência legal, os quais exercem influência sobre a opinião pública, assim como nas decisões de agentes

da administração, proliferam outros grupos e movimentos que, sem maiores compromissos com a ordem legal estabelecida, exercem importante papel na vida política brasileira, em sucessivos governos.

Num passado recente, dentre os mais atuantes, tivemos: as Ligas Camponesas, lideradas no nordeste pelo então deputado federal Francisco Julião, a CGT, o MR-8, assim como o IBAD, MAC, LIDER, cujas siglas eram

representativas de interesses notoriamente políticos, e mantidos com recursos de origem interna e externa; atuavam tanto nas cidades como no campo, de

orientação esquerdista e comunizantes, umas, e direitistas, as últimas. No período do governo Goulart, esses movimentos ativistas de esquerda se apresentaram sem objetivos definidos, mas utilizando métodos violentos de

subversão da hierarquia e da ordem jurídica vigente, com o que a Nação negou-lhes o apoio, sem ser hostil aos anseios de justiça social que os inspirava. As

táticas de luta empregadas eram os movimentos de rua e greves permanentes, com ou sem motivação de natureza classista, de melhoria das condições de trabalho e de salários, pois eram em geral greves políticas, com forte apelo à

subversão da ordem social e marcada inclinação por soluções violentas e fora da lei.

Em movimento contrário, está em organização pela Internet um

grupo auto-denominado FARB- Frente de Ação Revolucionária Brasileira, com atuação em diferentes Estados, principalmente em São Paulo, onde próceres

políticos vinculados ao PT denunciam o recebimento de cartas e mensagens ameaçadoras.

Na atualidade, está na mesma linha de atuação o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, enquanto lutam pela reforma agrária com relativo sucesso e apoio da opinião pública nacional, na medida em que

defendem os ideais de uma justa distribuição de terras às populações rurais do país e melhoria de suas condições de trabalho e de vida. Mas, enormes reservas são feitas à estratégia adotada pelas lideranças do MST quanto à consecução

desses objetivos fora da lei, do respeito às liberdades individuais e públicas asseguradas pelo Estado Democrático de Direito por nós praticado.

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O alerta dos órgãos de segurança se faz sentir então. A princípio, incentivando a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito pelo Congresso

Nacional ou Assembléias Legislativas, a fim de investigar as causas das inquietações sociais, motivadas principalmente por reivindicações concretas, tais como: lotes de terrenos urbanos para construção de moradias em propriedades

privadas ou públicas invadidas, nestas, às vezes em reservas de proteção ambiental, como tem ocorrido em Brasília, Distrito Federal.

Além destas motivações, outras mais dão causa às ações ilegais, a

saber: o mau exemplo dos administradores públicos no trato e gestão dos dinheiros e patrimônio do Estado, a corrupção na vida pública e a impunidade, o

desemprego, o tráfico de drogas, a violência nas grandes cidades, a venda e compra de armas por marginais, a indisciplina entre as forças policiais encarregadas de manter a segurança das pessoas, da ordem e da segurança

públicas, o favoritismo aos poderosos, a influência do poder econômico nas decisões do governo, e muito mais. Sem dúvida, tudo isso contribui para o crescimento das atividades ilegais. .

De certo, não seria razoável a tipificação desses movimentos de origem ilegal como um simples caso de polícia. Nem a ação por eles desenvolvida

como um apelo desesperado de desordeiros e agitadores sem causa a defender. A matéria comporta um estudo sério e confiável das suas verdadeiras motivações, sobretudo agora após o início da chamada “guerra santa” ou da “liberdade

duradoura” desencadeada pelos Estados Unidos da América a nível mundial, cujas conseqüências se farão sentir em todos os países incorporados à guerra

contra um inimigo não identificado ainda, mas que pode estar a seu lado, tanto na fome e na miséria de muitos, como no fanatismo religioso, no atraso cultural e no ódio que alimenta a violência e o terrorismo em várias partes do mundo.

I I. As Forças Armadas

Constitucionalmente, as Forças Armadas destinam-se “à defesa da

Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (art.142 da C.F.). Historicamente, descrever a importância

das corporações militares na vida do país, seria o mesmo que contar a própria história do Brasil, de tal forma elas se identificam.

As Forças Armadas são constituídas essencialmente das armas

regulares da Marinha, Exército e Aeronáutica, como instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do

Presidente da República. Não se incluem nelas as Polícias Militares dos Estados, as quais são consideradas forças auxiliares, reservas do Exército, instituídas para promover a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos

Territórios e no Distrito Federal.

Do ponto de vista do nosso interesse neste trabalho, verifica-se que, após o período histórico que coincide com o da proclamação da República, as

Forças Armadas têm desempenhado um papel de órgão de equilíbrio e moderação político-institucional no país.

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De acordo com a opinião de alguns escritores, como Jackson de Figueiredo e Eugênio Gudin, citados pelo historiador José Camilo de Oliveira

Tôrres, em artigo publicado na RBEP-UFMG, n.20-39/47, a atuação dessas corporações militares assemelhava-se ao Poder Moderador que a Constituição de l824 atribuiu ao Imperador. E acrescenta o citado autor, “O raciocínio é lógico:

como cabe às Forças Armadas zelar pela Segurança Nacional, elas devem agir se o próprio governo, por ação ou omissão, põe em risco a Segurança Nacional. O difícil, do ponto de vista prático, é que as Forças Armadas são uma figura

coletiva, sem um poder deliberante, e cujo pensamento não possui um órgão de elaboração e expressão”.

E continua o citado estudo: “a partir de 1945, por várias vezes, no intuito de preservar a ordem e evitar a anarquia, de defender, num esforço por vezes contraditório, o regime, as Forças Armadas entraram várias vezes em ação.

O grave é que tiveram de depor o chefe do governo, ficando bem claro que a posição de Comandante Supremo das Forças Armadas é, no Brasil, um título simbólico e puramente formal. Está bem claro na consciência dos chefes militares

que, enveredando um governo por atalhos perigosos à segurança nacional, pode e deve ser afastado. E o juiz dessa situação é, a rigor, o poder militar, vamos dizer

o Conselho de Segurança Nacional, a Escola Superior de Guerra, o “Generalato”... (p.46).

Na deposição do presidente João Goulart, a interpretação do conceito

de hierarquia e disciplina dos militares, “dentro dos limites da lei”, ficou claramente definido na Instrução Reservada do General Castelo Branco, então

chefe do Estado Maior do Exército, datada de 20 de março de 1964, dirigida aos seus camaradas de farda conforme transcrição feita no livro de autoria dos jornalistas Alberto Dines, Antonio Callado, Carlos Castelo Branco e outros,

intitulado “Os Idos de Março” (José Álvaro ed., Rio, 1964-392). A partir desse momento, com o golpe Estado dado para “salvar” o país do perigo comunista que ameaçava as nossas instituições democráticas, conforme foi divulgado na época,

tivemos 2l anos de governos autoritários constituídos por uma tecnocracia civil-militar, cujos governantes jamais conseguiram legitimar o poder exercido perante

a opinião pública nacional.

A importância e o prestígio das corporações militares na vida do País, como instituição mais solidamente organizada e disposta a servir aos interesses

da Nação, com zelo e dedicação, são incontestáveis. Atuando de acordo com os sentimentos do povo brasileiro e com visão apropriada dos problemas nacionais,

a contribuição que trazem para o encaminhamento de soluções pacíficas e adequadas das dificuldades enfrentadas é, realmente, de inestimável valor. Porém, entre estudiosos das nossas instituições republicanas, é comum a

identificação como inconstitucional e descabida a tutela exercida pelas Forças Armadas em diferentes momentos da vida nacional.

A despeito disso, é forçoso reconhecer que o conhecimento direto e o

estudo dos nossos problemas e dificuldades e a busca inquieta dos meios para resolvê-los adequadamente, não poderia deixar de ser um objetivo do qual

participasse uma das forças mais representativas da nacionalidade, sem graves riscos para a segurança do País. Exemplificando: o caso da instalação de radares

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do projeto Sivam na região brasileira da Amazônia, destinados ao rastreamento e localização de queimadas e campos de pouso de aeronaves em território

brasileiro.

A utilização do potencial oferecido pelo conceito de segurança para viabilizar um projeto de vida nacional pode ser o mais abrangente em nossos

dias. Por igual, a primazia dada à criação do Brasil-potência e a ênfase na segurança nacional podem ter ocasionado suspeitas expansionistas e de poderio militar em torno da ação dessas respeitáveis e patrióticas corporações de

formação essencialmente democrática. Na atualidade, a retomada do programa “guerra nas estrelas” pelo presidente George W. Bush, dos Estados Unidos, assim

como guerra contra o terrorismo, é, sem qualquer dúvida, uma combinação espantosa do exercício do poder do Estado com o complexo industrial – militar dos norte-americanos para o domínio incontrastável do Mundo por um grupo de

nações hegemônicas.

III. A Igreja

A Constituição brasileira, após o período imperial, consagrou a

liberdade de culto e de religião, sendo o Brasil um dos países onde os negócios do Estado são separados dos da Igreja, após a proclamação da República, com a

Constituição de l891.

Contudo, a quase totalidade da nossa população professa as religiões da fé cristã, sendo a grande maioria pertencente à Igreja Católica Apostólica

Romana. Com base nos ensinamentos da Igreja, desde o início da colonização, os sentimentos cristãos deitam raízes profundas na formação individual, familiar e

na sociedade brasileira, na qual é poderosa a sua influência.

Apesar da liberalização dos costumes, essa influência é notória e, ao longo da nossa história, tem-se revelado nos mais diferentes e importantes

momentos da vida política e social do país. Por exemplo: na queda do Império, a chamada “questão religiosa”, assim como a “questão militar”, formaram juntas para esse fim. Nos tempos mais recentes da nossa História, durante a República,

a queda do governo chefiado pelo presidente João Goulart contou com a mobilização popular liderada por várias entidades civis e religiosas contra a

alegada comunização do país, contando ainda com o apoio dos militares, empresários, rurais e industriais, etc, e inclusive, com ajuda de origem externa.

A revelação de fatos dessa natureza, entretanto, não será suficiente

para demonstrar a extensão da influência que a Igreja Católica tem no país. Enfocamos, apenas, aspectos do importante assunto, aqueles que dizem respeito

à sua presença e força que possui como fator real de poder na sociedade brasileira, especialmente na discussão e encaminhamento de soluções para os graves problemas sociais brasileiros.

Porque, em realidade, é na direção espiritual da cristandade e na sustentação da família e, ainda, à frente de importantes setores da vida cultural e religiosa, da educação e do ensino, primário, médio, superior e vocacional, e nas

obras sociais, pias e assistenciais, que a sua atuação se faz sentir com mais vigor

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e profundidade. Com experiência universal e seguindo os ensinamentos doutrinários das questões sociais do nosso tempo, que vêm das Encíclicas de

Leão XIII e João XXIII às do Papa João Paulo II, numa abertura para dialogar com o mundo contra a violência e em busca da Paz, a atuação da Igreja tornou-se mais fácil e identificada com os anseios de modernização das sociedades

hodiernas, em particular, da sociedade brasileira. É o caso do apoio dado, no Brasil, a muitos movimentos sociais visando modernizar velhas estruturas sociais, como a fundiária, em que desde o início uma parte do clero apoiou o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, buscando na prática da Justiça social a Paz na vida rural brasileira.

Por isso mesmo, os ensinamentos básicos da Igreja são hoje em dia mais aceitos e compreendidos nos domínios da vida temporal, através de uma atuação efetiva e eficaz, dispondo-se o clero a contribuir para a solução dos

muitos e angustiantes problemas sociais existentes nas modernas sociedades, disputando terreno antes entregue por inteiro às ideologias totalitárias, da direita ou da esquerda, na defesa dos direitos de cidadania do homem concreto, em

carne e osso, e das suas necessidades materiais e espirituais.

Seção VIII

1. A Ordem Econômica e Social

No Brasil, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (art.

170 da C.F ):

- soberania nacional;

- propriedade privada; - função social da propriedade; - livre concorrência;

- defesa do consumidor; - defesa do meio ambiente;

- redução das desigualdades regionais e sociais; - busca do pleno emprego; - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital

nacional de pequeno porte.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

E acrescenta a nossa Lei Magna: a lei disciplinará, com base no

interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os re-

investimentos e regulará as remessas de lucros, estabelecendo ainda que, ressalvados os casos previstos na Constituição, a exploração direta de atividade

econômica pelo Estado, só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme for definido em lei.

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Neste caso, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Incumbe ao Poder Público, diretamente ou sob regime de concessão

ou permissão, sempre através de licitação, na forma da lei, a prestação de

serviços públicos. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às micro-empresas e ás empresas de pequeno porte, assim definidas

em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei (art. 179 da C.F).

2. TURISMO

O turismo é uma atividade econômica, ligada ao setor de serviços,

para a qual o Brasil está naturalmente vocacionado e apresenta um grande potencial a ser explorado, não só como fonte de trabalho e de riqueza, como em

razão do intercâmbio de pessoas e de culturas diferentes, a nível interno e externo com outros povos.

O turismo interno têm-se desenvolvido acentuadamente nos últimos

anos, atingindo um número total apreciável de 38,5 milhões de pessoas que viajaram, pelos mais diferentes motivos (negócio, férias, visita a parentes,

turismo), segundo dados colhidos pela Embratur – Empresa Brasileira de Turismo. Contribuíram para essa movimentação uma infra-estrutura hoteleira adequada em várias localidades, combinada com os atrativos locais de clima,

belezas naturais e diversidade culturais, religiosa e a indústria do entretenimento, fazendo de Estados como o Rio de Janeiro, Bahia, Ceará (Fortaleza), Rio Grande do Norte (Natal), Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo,

Rio Grande do Sul, e o turismo ecológico no Pantanal mato-grossense, no Amazonas e Fernando de Noronha os lugares atualmente mais procurados pelos

turistas, nas suas várias modalidades de interesses. Com as recentes dificuldades para as viagens ao exterior, em razão da alta cotação do dólar e das restrições ao intercâmbio de pessoas em vários países, notadamente os Estados Unidos, com

certeza aumentará o fluxo do turismo interno para as diversas regiões do país.

O número de brasileiros que viajam para o exterior é grande,

diminuindo acentuadamente com a desvalorização da moeda nacional – o real. Cerca de 4.2 milhões de brasileiros viajaram para o exterior em l998, sendo que mais da metade dos nossos turistas destinam-se aos Estados Unidos, seguindo-

se em preferência, na Europa, a França, Itália, Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Áustria e Grécia; e na América Latina: Argentina, Uruguai, Chile, Cuba, México e ilhas do Caribe.

O Brasil ocupa o quinto lugar na lista de destinos preferidos dos turistas estrangeiros na América, atrás dos Estados Unidos, México, Canadá,

Argentina, Porto Rico.

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A receita total estimada em turismo é de 3.5 bilhões de reais, o que equivale a aproximadamente 3.5% do PIB nacional. O turismo é responsável por

5,8 milhões de empregos diretos e indiretos no país, de acordo com dados da Embratur, referentes a 1998. A meta do governo para o ano de 2003 é aumentar para 6,5 milhões o fluxo de turistas estrangeiros e para 57 milhões o de turistas

nacionais; obter 5,5 bilhões de dólares em receitas cambiais e gerar 500 mil novos empregos.

Reconhecendo a importância do turismo para o desenvolvimento

nacional, o legislador constituinte, prescreveu: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de

desenvolvimento social e econômico”.

3. Reforma agrária

Com o objetivo de efetuar a reforma agrária, dispôs o legislador constituinte que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,

mediante prévia e justa indenização em títulos da divida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do

segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (art. 184 e § 1º).

O problema fundiário em nosso país vem de longa data, desde a

colonização, até os nossos dias. No tempo do Brasil-Império ele já existia, agravando-se com o tipo de colonização e a forma de distribuição das terras em

grandes latifúndios rurais, formando uma verdadeira casta de senhores feudais, de um lado, e os de servos das glebas, de outro, constituída pelos peões, índios e negros escravos, configurando a situação típica de uma época que foi retratada

magistralmente na obra do sociólogo patrício Gilberto Freyre, em especial no livro “Casa Grande e Senzala”. Alguns séculos decorreram sem que esta situação se modificasse, apesar da abolição da escravatura, em l888.

Não houve qualquer medida por parte do Governo, visando modificar a posse e distribuição da terra, sem embargo das campanhas políticas e dos

movimentos dos sem-terra desencadeados no país. Pois, o Estatuto da Terra só entrou em vigor em novembro de l964, no inicio da ditadura militar.

O que parecia irônico nessa história é que uma das principais razões

para o “afastamento” do presidente João Goulart, era a posição favorável à reforma agrária por ele assumida durante seu governo. Em um dos comícios mais

famosos da nossa história recente, realizado no dia l3 de março de l964, em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Goulart (ou Jango) foi delirantemente aplaudido ao prometer acabar com a concentração de terras no

país, com ou sem o apoio do Congresso Nacional. Para ele e seu Governo, foi o começo do fim.

Afinal, a reforma agrária era pensamento muito assustador para os

latifundiários donos da política e principalmente da economia naquela época,

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ainda ancorada à exportação de produtos agrícolas típicos das grandes propriedades.

É verdadeiro, que a questão agrária no Brasil ganhou força em l955, com o surgimento das chamadas ligas camponesas, organizadas no engenho da Galiléia, em Pernambuco. Contava á época, com o apoio de parte do clero

católico, como conta ainda hoje, e a simpatia da população quanto aos seus objetivos de luta, embora com restrições quanto à estratégia de invasões de propriedades, como ocorre ainda hoje levadas a efeito pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, - MST - sucessor no tempo das antigas Ligas Camponesas comandadas pelo ex-deputado federal Francisco Julião.

Contudo, o Estatuto da Terra só começou a ser aplicado recentemente, a partir do governo do presidente Sarney e, com mais vigor, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, quando, dentre outras

medidas legislativas aprovadas, por pressão dos novos movimentos sociais, dentre eles, os liderados pelo MST e Contag, foi previsto a aplicação de 3% do Orçamento da União na reforma agrária, num total de 6 bilhões de reais, a fim de

viabilizar um projeto de grande alcance social e evitar a marginalidade e exclusão social no campo, o que não interessa a ninguém.

Consoante dados coletados pelo INCRA, até 4/l0/l999, o número de famílias assentadas, por governo, é o seguinte: governo Sarney, l985-89: 115.070; governo Collor, 1990-92: 494; governo Itamar, l993-94: 36.48l; governo FHC,

1995-98: 287.994; governo FHC, 1999-ag. 2000: 136.976, perfazendo um total de 577.015 assentamentos feitos pelo governo federal.

Uma das iniciativas de maior alcance do governo federal nesse setor foi a criação do Banco da Terra, em outubro de l999, com base nos captados pelo Fundo de Terras e da Reforma Agrária, que financia a aquisição de imóveis rurais

e a realização de obras de infra-estrutura básica. Os associados do Banco da Terra podem também obter financiamentos produtivos, associados à capacitação e assistência técnica.

Em l999, o governo federal implanta o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, o qual atende não só o

assentado, mas também pequenos trabalhadores rurais empregados nas mais diversas atividades (agricultura, pecuária, extrativismo, pesca), ocasionando uma disputa pelos financiamentos, em razão das baixas taxas de juros cobrados dos

mutuários, de l,5% a 4 % ao ano, o que favorece o desenvolvimento da agricultura familiar na vida rural e a fixação do homem ao campo.

4. Direitos Humanos, Justiça Social e Sociedade Justa

Historicamente, os direitos humanos gozam de uma tradição milenar

cultivada pela filosofia política e sociologia jurídica, como um dos valores fundamentais da pessoa humana a serem respeitados pelo Estado. É a tradição humanista que, vinda até nós através da filosofia greco-romana e cristã, inseriu-

se no pensamento político e no Direito como um dos pilares da civilização Ocidental.

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Os seus ideais, após muitas lutas, concretizaram-se em documentos que marcaram época, como o Bill of Rights de 1689, da Inglaterra; a Declaração

de Independência dos Estados Unidos, l776; a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, França, l789; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na cidade de Bogotá, em maio de l948; e na Declaração

Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em l0 de dezembro de l948, quando foram internacionalizados os direitos do homem. e mandados observar pelos Estados nacionais que aderissem àquele Pacto.

De acordo com o artigo XXV.1 da Declaração editada pela ONU: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua

família, saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, os serviços sociais indispensáveis e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos

meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.

Essas regras a que aderiu a Constituição Federal de l988, fazem parte do elenco dos direitos individuais, sociais e coletivos e difusos deferidos aos

cidadãos brasileiros, os quais podem ser reclamados ao Estado perante o Judiciário como um direito subjetivo inerente à cidadania.

Na verdade, a fruição desses direitos é um assunto de natureza complexa, especialmente quando se trata da elaboração de um Direito justo. Na origem do problema está a questão de saber se o Direito e o Estado são para o

homem, ou se pelo contrário, o homem é para o Direito e o Estado. São concepções de vida divergentes, antitéticas e irreconciliáveis em seus princípios,

chamadas de personalismo ou humanismo e transpersonalismo, de acordo com os ensinamentos do jusfilósofo Luiz Recasens Siches, no seu “Tratado General de Filosofia del Derecho” (Porrua, México, l965-497).

A tese humanista, que sufragamos, não nega que na cultura, no Direito e na coletividade se encarnam valores muito importantes; porém, o que

sustenta sem hesitação é que esses valores que plasmam a cultura e o Estado, ainda que sejam grandemente elevados, são inferiores aos valores que se realizam na consciência do homem ao longo da história.

Com relação ainda aos Direitos Humanos, diríamos que o Brasil, para avançar tanto no cumprimento de suas obrigações internacionais como de sua legislação interna, necessita, além de enfrentar os desafios que lhe são postos,

corrigir, no curto prazo, certas situações críticas, não só por razões intrínsecas, como para evitar comprometimento de sua credibilidade externa.

Estas situações dizem respeito, em primeiro lugar, a eliminação dos focos responsáveis pela prática de atos de violência contra menores, com a punição exemplar dos criminosos, acompanhada pelo adequado encaminhamento

do problema dos menores abandonados e marginais.

A manutenção da lei e a garantia dos direitos individuais e coletivos

no meio rural é também um aspecto prioritário. Conflitos fundiários, sobretudo em áreas mais remotas, vêm produzindo, com preocupante freqüência,

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assassinatos e ameaças, inclusive a líderes sindicais e advogados, cuja repercussão tem atingido as ONGs e sido objeto de gestões por parte de

organismos internacionais sobre execuções sumárias.

A recuperação e modernização do sistema penitenciário e do regime carcerário no Brasil é uma tarefa urgente. A situação dos indígenas brasileiros é

também área que requer atenção. Houve, sem dúvida, inegáveis progressos, nesse terreno, com o avanço da demarcação de várias áreas indígenas, dentre as quais a decisão tomada com respeito à reserva de uma área contínua para os

índios Yanomani.

A promoção dos Direitos Humanos é, em última análise, uma parte

importante na tarefa de melhorar a vida das pessoas, de permitir a cada ser humano desenvolver o potencial de que está equipado pela natureza.

Torna-se cada vez mais difícil tratar dos problemas de direitos

humanos, compreender as causas profundas das maciças violações que continuam a ocorrer, sem focalizar questões como a da pobreza crítica, da violência criminal, do terrorismo e do tráfico de entorpecentes, do fanatismo, da

intolerância religiosa ou étnica e da degradação ambiental.

É preciso também ter em mente que os governos não são a única

fonte de violência e de violações dos direitos humanos. Cada vez com maior freqüência há situações em que atos cometidos por grupos ou indivíduos ameaçam a estabilidade das instituições democráticas. O terrorismo, as

atividades criminosas, especialmente as relacionadas com trafico de entorpecentes, a corrupção e a manipulação de funcionários governamentais por

grupos econômicos poderosos, têm inegáveis efeitos adversos ao por em risco a capacidade dos Estados de promover a justiça social, garantir a paz interna e assegurar o adequado funcionamento do sistema judiciário.

O Estado democrático pluralista é ainda a melhor garantia para o respeito aos direitos humanos. Nenhuma outra instituição política parece ter a capacidade de prover a estrutura jurídica e administrativa sob a qual a complexa

interação social de um país possa se desenvolver de maneira pacífica e produtiva.

Embora a JUSTIÇA SOCIAL e a SOCIEDADE JUSTA encontrem os

seus fundamentos filosóficos no Direito Natural, que inspirou também a questão dos “direitos humanos”, há entre elas diferenças fundamentais, sobretudo quanto às áreas do pensamento humano de que se originam e nos processos pertinentes

a cada qual.

A JUSTIÇA SOCIAL caracteriza-se por pretender corrigir as grandes

distorções ocorridas numa sociedade, diminuindo as distâncias e diferenças entre as diversas classes que a constituem. Procura evitar que os ricos se tornem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, oferecer iguais oportunidades a

todos, assegurar remuneração condigna ao trabalho sem discriminação de sexo, cor e raça, pregar a fraternidade e a solidariedade humanas, distribuir eqüitativamente e proporcionalmente os favores e as riquezas produzidas, tais

são alguns dos objetivos colimados pela JUSTIÇA SOCIAL. Trata-se de expressão

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originariamente criada pelos economistas, que une a moral à distribuição das riquezas, em conseqüência do que resulta ser a miséria imoral.

A SOCIEDADE JUSTA repousa sobre pressupostos jurídicos, alicerçados no Direito Natural, que considera o homem como centro de seu estudo e desenvolvimento, nele reconhecendo os direitos milenares que lhe são

atribuídos: a dignidade a que faz jus e o respeito que deve merecer. Em estudo da lavra do advogado e escritor Inezil Penna Marinho, ele conclui com uma reflexão oportuna sobre o tema: ”a JUSTIÇA SOCIAL encontra as suas origens e

fundamentos nas doutrinas econômicas, enquanto a SOCIEDADE JUSTA repousa seus alicerces na teoria do Direito Justo, eminentemente jurídica”.(Tese

do autor à 9a. Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Florianópolis, l982).

À sua vez, o renomado economista John K. Galbraith, em livro escrito

sobre o tema: “A Sociedade Justa” (ed. Campus, Rio de Janeiro, l996-4,30,XIV ), sustenta que a sociedade justa por ele imaginada não é uma sociedade perfeita. É a melhor, alcançável. E definir o alcançável é o problema mais difícil com que

um ensaio como este se defronta, e o mais controvertido. E esclarece: ”Este livro fala da sociedade justa que é a sociedade alcançável. Ele admite que algumas

barreiras à sua realização são irremovíveis, decisivas, tendo assim que serem aceitas. Mas existem também objetivos de que não podemos abrir mão. Na sociedade justa, todos os cidadãos devem desfrutar de liberdade pessoal, de bem-

estar básico, de igualdade racial e étnica, da oportunidade de uma vida gratificante”.

Temos de reconhecer que nada nega tão amplamente as liberdades do indivíduo quanto a ausência total de dinheiro, acrescentando:”Na sociedade justa, ninguém pode ser deixado à mingua ou sem teto. A primeira exigência é a

ampla oportunidade de emprego e de renda, e não a inatividade forçada.....As metas da sociedade justa não são peculiares a qualquer país ou grupo de nações. Elas são gerais. A relevância ou urgência dos meios podem diferir, mas não o

resultado final”.

No Brasil, a Ordem social tem como base o primado do trabalho, e

como objetivo o bem-estar e a justiça social. A idéia básica será a implantação de uma política social abrangente, moderna, de fundo humanístico e solidária, tendo no wellfare state um estágio para um mundo melhor.

Para esse fim, a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, competindo ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social.

Da mesma forma, “a saúde é direito de todos e dever do Estado”,

garantido esse direito “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário

às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

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De igual importância são os planos de previdência social, mediante contribuição, os quais atenderão, nos termos do art. 201 C.F a:

- cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;

- ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa

renda; - proteção à maternidade, especialmente à gestante; - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

- pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Não há negar, algumas medidas têm sido adotadas com o fim de

enfrentar os altos índices de pobreza ostentados pelo Brasil. Mas não é o

bastante. É preciso mais e melhor: sobretudo organizar e desenvolver um trabalho muito mais abrangente e eficaz, com o espírito de verdadeira cruzada cívica visando dar um padrão de vida decente a todos os cidadãos e cidadãs deste

rico e imenso país.

Com a retomada do crescimento econômico no ano 2.000, e se

confirmadas as projeções otimistas para o ano 2002 de crescimento a uma taxa de 3,2% do PIB nacional, é possível ao Governo, às forças produtivas e entidades privadas da sociedade civil unirem esforços para o resgate nas próximas décadas

da dívida social com cerca de 30 ou mais milhões da população de excluídos no Brasil. E não faltam idéias e nem iniciativas, algumas já vitoriosas para esse

desiderato, todas elas girando em torno de uma melhor distribuição de rendas. Em 1999, cerca de 57 milhões de brasileiros – o equivalente a 35%da população - vivia em condições de pobreza, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea). O órgão considera pobres aqueles que possuem renda familiar per capita mensal inferior a meio salário mínimo, atualmente 100 (cem) reais.

O Pnud publicou, em 2000, estudo específico sobre a pobreza no

mundo. Segundo esse documento, cerca de 15% dos brasileiros são extremamente pobres, pois dispõem de menos de l dólar ao dia. A incidência da

pobreza extrema é maior entre a população negra e maior ainda entre a população rural. As discrepâncias regionais também são profundas: o Nordeste possui cerca de 3% da população, mas 62% dos pobres. O que mais chama a

atenção no caso brasileiro é a persistência da pobreza. Apesar da queda de 21% em 1994 para 15% em 1997, a proporção de pobres é quase tão grande quanto

era no final da década de 70. A razão para isso é a elevadíssima concentração de renda. O estudo mostra também que embora o Brasil seja o país da América Latina que mais gasta em programas sociais (ao redor de 5% do PIB), os maiores

beneficiados acabam sendo as classes média e alta, Isso contribui dramaticamente para manter a alta concentração de renda e o elevado índice de pobreza.

Existem vários programas em andamento, mantidos pelo governo federal, estadual, do Distrito Federal e dos municípios, assim como existem

outros serviços criados e executados por entidades não governamentais, associações civis e religiosas, fundações e instituições filantrópicas, todos

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empenhados no combate à fome, à pobreza, ao desemprego e outras carências, mantidos mediante a utilização de recursos públicos, assim como existem outros

serviços criados e mantidos mediante doações feitas por entidades privadas ou de pessoas movidas por forte sentimento de solidariedade humana.

Citamos alguns deles, entre os de maior alcance e importância social:

as agências mais antigas de assistência social foram as pertencentes à Legião Brasileira de Assistência – LBA e o Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência – CBIA, criados no governo Vargas, que monopolizavam as ações

assistenciais; para o combate emergencial à fome, ao desemprego e à miséria, foram criados, na década de 80, vários programas inscritos nos Planos de

Prioridades Sociais, de curta duração; é recente o esforço governamental de combater a pobreza segundo uma estratégia explícita e adequada. Num passado recente, as iniciativas mais importantes foram tomadas com o Plano de Combate

à Fome e à Miséria pela Vida, envolvendo ministérios e principais órgãos da administração indireta, apoiado na formação voluntária de comitês locais da campanha dirigida pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e o programa da

Comunidade Solidária, criado em 1995, com ampla atuação, regido por três princípios: a solidariedade (vontade coletiva nacional), a parceria (entre governo e

sociedade) e a descentralização.

Vários outros programas assistenciais e de combate à pobreza são executados, como: Bolsa Escola Federal, que deverá abranger 10 milhões de

crianças em idade escolar entre 9 e l4 anos nos Estados e Municípios, oriundas de famílias carentes, recebendo cada uma 60 reais por mês com obrigação de

freqüentar a escola e obter bons resultados; Funrural, programa de renda mínima para as populações rurais, com aposentadoria no valor de um salário mínimo, atualmente no valor de 200 reais; Programa de Garantia de Renda

Mínima, criado em 1997, a mais importante iniciativa do governo federal para o combate da pobreza, ainda não plenamente desenvolvido; Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza em dez anos, de iniciativa do Senador Antonio Carlos

Magalhães (BA), quando presidente do Congresso Nacional; Programa da Cesta Básica de Alimentos, para as famílias carentes; a Pastoral da Criança, em São

Paulo; Sistema Único de Saúde – SUS, o maior e o mais ambicioso programa federal de saúde; o Saúde em Casa (DF); Saúde do Idoso; Programa de Combate a AIDS, do Ministério da Saúde, reconhecido internacionalmente como excelente,

além de vários outros programas assistenciais e de renda mínima para a melhoria das condições de vida da população mais carente do país.

Dir-se-á, entretanto, que tudo isso ainda é pouco diante do muito que se tem a fazer. De certo. Mas é preciso dar o primeiro passo dessa longa e difícil caminhada, entendendo que tudo isso é apenas um bom começo e revela a

existência de nova mentalidade e uma atitude positiva das elites dirigentes e da sociedade civil no combate à angustiante pobreza de uma parcela significativa da sociedade brasileira.

Outros dirão: melhor será promover a educação, formal e técnico-profissional, a fim de qualificar o maior número possível de pessoas para o

trabalho, ou para um emprego condigno e bem remunerado, pois não existem miseráveis entre os que têm elevado grau de escolaridade, qualificação

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profissional e técnica. Sem dúvida, tal fato é verdadeiro. Porém, a educação requer longa maturação para quem vive na condição adversa do analfabetismo e

da pobreza absoluta, e precisa manter a vida.

Até porque, como afirmou o economista hindu J. K. Mehta, da Universidade de Alhabad, ao analisar as causas da pobreza nos países

emergentes no mundo atual: “as causas da pobreza e do subdesenvolvimento decorrem principalmente da falta de caráter e não da escassez de recursos ou de capital para vencer os desafios que se apresentam na vida dessas nações”.

5. Educação, Cultura e Esporte

A educação, um “direito de todos, dever do Estado e da família”, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Para atender a esse objetivo, reza a Constituição de 1988, a União

aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de

impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

O plano nacional de educação, estabelecido em lei, tem duração

plurianual, visando a articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:

- erradicação do analfabetismo; - universalização do atendimento escolar;

- melhoria da qualidade do ensino; - formação para o trabalho; - promoção humanística, científica e tecnológica do País. (art. 214

da C.F)”.

Sem dúvida, Samuel Huntington foi bem inspirado quando identificou o tempo em que vivemos como a Era do Conhecimento. Com isso, restou valorizada a educação não só como fonte primária do conhecimento e do

saber científico, como a grande força propulsora da civilização na atualidade. Poder-se-ia então dizer: o conhecimento e o saber são pré-condições essenciais à

auto-realização pessoal, assim como à realização de projetos de vida e de poder nas comunidades humanas.

Pesar disso, o analfabetismo ainda é o principal indicador do atraso no país, atingindo, em 1999, 22.8 milhões de brasileiros, o que corresponde a l3,8% da população com mais de l5 anos de idade, segundo resultado de Pesquisa

Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad) feita pelo IBGE. Com essa taxa, o Brasil se inclui entre os sete países latino-americanos com taxa de analfabetismo

superior a 10%, de cuja lista também fazem parte a República Dominicana, Bolívia, Honduras, El Salvador, Guatemala e Haití. A maior parte dos analfabetos

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do país – 27,5% – está centrada no Nordeste, havendo proporcionalmente mais mulheres analfabetas (16,l%) que homens (15,3%) nessa condição.

Apenas 11,3% dos brasileiros de 18 a 24 anos (faixa etária

considerada ideal para freqüentar curso superior) estão na universidade. Esse

índice é um dos menores da América Latina. Na Argentina, 42% dos jovens nessa faixa de idade estão na universidade; no Chile, 31% e na Bolívia, 24%. O total de estudantes matriculados nos cursos de graduação em 1999 é de 2.377.715, o que

representa um acréscimo de 11,8% em relação ao ano anterior.

O ensino universitário no país passa atualmente por um período de

expansão acelerada, com um aumento de 43,1% no número de matrículas entre 1994 e 1999. Caso se mantenha a atual taxa de crescimento, o ensino superior brasileiro terá mais de 3 milhões de alunos matriculados em cursos de graduação

em 2002, dois anos antes do que previa o Ministério de Educação.

Os cursos de graduação e pós-graduação são permanentemente avaliados pelo Capes, órgão do MEC.

A avaliação feita em 1999 mostrou que 32% dos programas de pós-graduação estão em níveis excelentes, alguns até equiparáveis aos padrões

internacionais.

Com respeito à educação, pedimos vênia para transcrever artigo

publicado no influente jornal “Folha de São Paulo”, (ed. de domingo, 03 de dezembro de 2000, página 2), escrito pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes,

sob o titulo “A Luta contra a Mediocridade”, do seguinte teor:

“Em matéria de educação, o Brasil conseguiu vencer a batalha da quantidade ao matricular 96% das crianças na escola.

Nos últimos cinco anos, o número de alunos do ensino fundamental saltou de 32 milhões para 36 milhões. No ensino médio, o salto foi de 5 milhões para quase 8 milhões.

Mas, ao lado disso, constatou-se uma grave deterioração da qualidade do ensino em todo o Pais, o que atingiu as escolas públicas

e privadas.

Segundo pesquisas recentes, os nossos alunos estão chegando “à 8º série com conhecimentos de 4º serie. No ensino médio, o problema é

igualmente grave. Grandes parcelas dos nossos estudantes não sabem calcular médias aritméticas, ignoram como identificar

percentagens, são incapazes de identificar o argumento de um texto e até mesmo de compreender o que lêem. Em suma, o ensino piorou”.

“Em recente avaliação, realizada através de uma bateria de testes, os

alunos obtiveram uma média de apenas 280 pontos em matemática, dentro de uma escala que vai de 0 a 475 pontos. Em português, a média não passou de 266, em uma escala de 0 a 400 pontos. O pior é

que essas médias estão caindo a cada ano que passa (“Dados do

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Sistema de Avaliação de Educação, Brasília: Ministério da Educação, 2000”).

“Isso é muito grave. Além das necessidades geradas pela vida moderna na construção da democracia, dos bons hábitos, do respeito humano e da cidadania, é impossível ignorar o rigor das novas

exigências do mercado de trabalho. Atualmente, o que vale é o saber.

Nos dias atuais, os bens e os serviços são hospedeiros de grande quantidade de conhecimentos.

“Tomem o caso do comércio internacional. Nesse campo, o Brasil importa bens e serviços de alta densidade de conhecimentos e

exporta bens e serviços que carregam pouco saber. Os primeiros custam muito, os segundos, pouco. Essa é a realidade.

“Nenhum País pode crescer, prosperar, gerar empregos e melhorar a

renda importando sabedoria e exportando mediocridade. O mundo moderno exige não apenas anos de escola, durante os quais as pessoas se capacitem de forma efetiva para dominar o mundo das

coisas e das idéias.

“O resultado das pesquisas indicadas devem ser levados muito a

sério. A matéria extravasa a competência do poder público. É bem provável que, para o governo, além de manter as escolas públicas, fique o importante papel de liderar uma grande mobilização de toda a

sociedade para o País atuar, de forma convergente e continuada, em favor da melhoria da qualidade da educação.

Com a crescente globalização e a elevação dos requisitos profissionais, esse é um desafio dos mais urgentes – “é uma questão de vida ou morte”.

Verdadeiro o comentário feito pelo ilustre articulista, acima citado,

dizemos que, lamentavelmente encontra respaldo em duas péssimas notícias veiculadas sobre o ensino básico no país.

O Ministério da Educação divulgou estudo internacional, feito em 32 países, que coloca o Brasil na última posição no quesito compreensão de texto. Os estudantes brasileiros tiraram as notas mais baixas na capacidade de ler e

entender as frases – foram cinco mil os avaliados, todos com 15 anos. O Brasil entrou nesse estudo como voluntário. Dessas nações, 29 estão entre as mais

desenvolvidas e integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Letônia, Rússia e México, também foram avaliadas em regime de exceção.

Dos cinco níveis possíveis de classificação na média geral, o Brasil foi o único a ficar com nota 1. Significa que os alunos são praticamente analfabetos funcionais, capazes de ler as palavras, mas não de compreender o seu

significado. Afinal, grande parte dos concorrentes é de países ricos e tem tradição em ensino de qualidade. A defasagem dos adolescentes explica em parte os

resultados baixos no estudo. As más notas dos alunos refletem a dificuldade dos professores em repassar conhecimento e, em última e mais grave instância, a

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debilidade do preparo do docente brasileiro. As evidências da má qualidade do aprendizado são admitidas pelo ministro Paulo Renato, como naturais.

Talvez seja mais fácil reconhecer os problemas e anunciar caminhos

a serem seguidos. Essa é a verdade.

De acordo com essa perspectiva, o Estado garantirá a todos o pleno

exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e

incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais, cabendo-lhe ainda proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (art. 215 da C.F.).

A Cultura na suas diversas modalidades de manifestações, assim

como a irradiação da cultura brasileira, com os valores que ela representa, sem dúvida, é uma das formas mais importantes de afirmação da identidade nacional, tanto no âmbito interno como na vida internacional, onde é cada vez maior a

presença e aceitação dos valores por ela representados.

Estabelece ainda a Lei Magna brasileira: “É dever do Estado fomentar

práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, dando tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional. Cabe ainda ao poder público incentivar o lazer, como forma de promoção social”.

Tais deveres do Estado, no entanto, não devem inibir o apoio da iniciativa privada nesse setor, atualmente um dos mais promissores em razão da

boa qualidade e desempenho satisfatório dos nossos atletas demonstrados em competições desportivas nas várias modalidades, disputadas no país e no exterior, com excelentes resultados obtidos a nível internacional.

Faz parte da cultura dos antigos gregos e romanos, estendendo-se aos povos modernos, a valorização das práticas desportivas contidas no seguinte adágio: mens sana in corpore sano. Deve-se entender a prática dos esportes como

uma atividade saudável e de grande importância principalmente na formação dos jovens, em razão dos ensinamentos que transmite ao desportista, tais como:

auto-disciplina e equilíbrio emocional visando conseguir bons resultados, observância rigorosa de regras estabelecidas nos jogos em que competir, respeito e lealdade entre os competidores, e, nas competições e jogos olímpicos coletivos

dos quais participe, mostrar dedicação e amor à camisa que vestir.

A atividade esportiva, nas modalidades coletivas, como: futebol,

basquete, e voleibol, incentivam também a prática da solidariedade e das virtudes cívicas, o que é visível nos campeonatos brasileiros e nos jogos olímpicos de que participamos, cujas competições são acompanhadas em tempo real pela mídia

eletrônica, dado o interesse e entusiasmo que despertam nas populações do mundo inteiro.

6. Ciência e Tecnologia

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O desenvolvimento da ciência e a capacitação tecnológica constituem requisitos básicos ao progresso das sociedades humanas em nosso tempo. Daí

porque o Brasil vem fazendo um grande esforço nesse terreno, em cumprimento ao que foi prescrito na Lei Maior do país, do seguinte teor (art.218 e parágrafos 1,2,3): “O Estado promoverá o desenvolvimento científico, a pesquisa e a

capacitação tecnológicas. A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos

problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de

ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que deles se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

A esse propósito, em entrevista à revista Veja, de 12 de setembro de

2001, p.15, ao responder à pergunta sobre o que vai bem e o que vai mal na área da ciência e da tecnologia no país, o ministro Ronaldo Sardenberg afirmou: “Estamos em pleno curso de uma enorme reforma nessa área. A começar pelo

dinheiro. Em 1999 aplicávamos cerca de 900 milhões de reais. Hoje, esse valor mais que dobrou, alcançando 1,9 bilhões. Isso permite que continuemos nosso

esforço em pesquisa básica. Em 1992, formamos 1.000 doutores. Em 2001, serão 6.000. Hoje, a comunidade de Ph.Ds. é de 30.000 pessoas no país. Isso vai bem e é fundamental, porque temos uma necessidade urgente de gente.

“Somos centro de excelência em setores como engenharia aeronáutica, como prova a Embraer, tecnologias de exploração de petróleo em

áreas profundas, desenvolvimento de satélites, enriquecimento de urânio, agricultura tropical e vacinas. Nosso problema é que, por maior que esteja sendo esse avanço, o esforço em tecnologia ainda é pequeno, numa comparação

internacional. Investimos atualmente cerca de l,4 % do PIB. Em 1997, era apenas 0,8%, mas teremos de nos aplicar muito para chegar, em dez anos, pelo menos à média de 2,4% investida pelo pelotão de frente dos países desenvolvidos. Nações

como a Suécia e o Japão investem 3 % de seu PIB”.

7. Meio Ambiente

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações.

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

“proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies e submetam os animais à crueldade” (art. 225 § 1º item VII).”

Foi de grande importância o tratamento dado à questão do meio-ambiente pela Constituição Federal de 1988, consolidando e inovando legislação anterior sobre a matéria, o que revela a existência de um interesse permanente

no estudo e preservação do ecossistema brasileiro. Tudo isso, graças às lutas

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travadas por associações e ONGs junto aos poderes públicos constituídos, especialmente, junto ao Congresso Nacional Constituinte, em Brasília.

Porém somente após a realização da ECO-92, o conceito de sistemas ambientais ganha destaque como forma de preservação ambiental. De acordo com entendidos, a nova classificação é mais abrangente do que a utilizada para

definir os ecossistemas. Ela leva em consideração os aspectos biológicos e físicos (clima, relevo, vegetação), uma determinada formação, suas características humanas e sócioeconômicas e também as relações que se estabelecem entre a

natureza e homem. Acompanha, assim, o conceito de desenvolvimento sustentável, que inclui na temática ecológica os princípios humanos e sociais.

Segundo essa nova conceituação, os sistemas ambientais brasileiros podem ser divididos em oito grandes grupos: a floresta Amazônica, a mata Atlântica, a caatinga, o cerrado, o pantanal mato-grossense, os campos, os

pinheirais e as zonas litorâneas.

Da publicação feita pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Brasília 1997, sob o título “O Brasil na Virada do Milênio”,

transcrevemos trecho do estudo “Desafios da Proteção ao Meio Ambiente”, do seguinte teor (volume II, p. 148):

“O equacionamento dos problemas ambientais não é, em país algum, uma questão trivial. Esse equacionamento requer, antes de tudo, análise das relações entre as atividades econômicas e sua base natural. O primeiro requisito

para se avaliar a importância desses desafios é reconhecer que os problemas ambientais existem e guardam relação direta com o nível e a qualidade do

desenvolvimento econômico. O requisito seguinte seria o de avaliar as magnitudes dessas relações. Por ultimo, cabe identificar políticas e instrumentos que poderiam ser acionados pelo Estado e que, em conjunto com outras iniciativas da

sociedade, pudessem reverter tendências ambientais restritivas à melhoria do bem-estar da população e harmonizá-las num contexto de desenvolvimento sustentável.

A novidade da abordagem do desenvolvimento sustentável está na inserção da dimensão ambiental nos modelos de crescimento. A sustentabilidade

do crescimento econômico sempre foi uma questão central dos diversos modelos de desenvolvimento. Entretanto, os modelos adotados nos últimos cinqüenta anos, excepcionalmente, referiam-se às questões ambientais como uma restrição.

A base natural das economias era considerada infinita. Isto é, como um fator (capital natural) sem restrições de escassez. Apesar de a exaustão desses

recursos constituir impedimento à trajetória de desenvolvimento adotada e gerar problemas sociais significativos, a escassez não existia na concepção dos modelos de desenvolvimento.

A atualidade da questão da sustentabilidade está em que introduz a necessidade de tratar-se o capital natural diferentemente do capital físico. Enquanto as formas de capital material podem ser reproduzidas pelo crescimento

do produto, o capital natural tende a decrescer e impor restrições ao crescimento

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futuro, criando, consequentemente, condições de não-sustentabilidade do crescimento e problemas de bem-estar para gerações futuras.

“Uma forma de incorporar os custos ambientais no cálculo econômico é utilizar instrumentos (taxação, por exemplo) que sinalizem preços tais que reflitam o custo de oportunidade social do recurso. Ou seja, que se internalize o

preço correto do recurso natural no sistema econômico. Com o uso de preços corretos para os recursos naturais, as externalidades seriam corrigidas, aumentando-se o grau de eficiência do sistema. As perdas de bem-estar, por

conta da redução do produto econômico decorrente desse processo de internalização, seriam compensadas pelo ganho de bem-estar advindos da

melhoria ambiental. Logo, introduzir os custos ambientais nas atividades de produção e consumo aumenta a eficiência do sistema, ao invés de reduzi-la”

De outro lado, verifica-se atualmente que o planeta Terra está em

perigo com a crescente poluição da atmosfera provocada pelos gases resultantes das queimadas das florestas e dos gases liberados pelo sistema industrial, à qual se soma o aquecimento excessivo das águas oceânicas provocando mudanças

climáticas violentas em todos os continentes. Torna-se necessário redobrar os esforços e adotar medidas mais rigorosas de proteção aos sistemas ambientais

em todo o mundo e, de modo especial, no Brasil. Foi isso o que se tentou na Conferência de Cúpula Mundial Eco-92+10, realizado em Johanensburg, na África do Sul, em 2002.

Apesar disso, os compromissos assumidos pelos países industrializados na Conferência Mundial de Kyotto, Japão, em l998, patrocinada

pelo ONU, de adotarem medidas restritivas à poluição ambiental sofreram um duro golpe com a decisão unilateral do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de não dar cumprimento ao decidido, embora aquele país seja responsável

por 25% da poluição total do planeta Terra!

8. Da Família

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado,

conforme estabelece a Constituição Federal brasileira. Rui Barbosa, numa frase lapidar e antológica, emprestou à noção de família um significado de grandeza

incomparável, ao dizer: “A Pátria é a família amplificada”. Portanto, a família deve ser protegida e prestigiada pela sociedade brasileira como o cerne da nacionalidade.

A proteção especial do Estado à família compreende:

“§1º – o casamento é civil e gratuita a celebração.

§2º - o casamento religioso tem efeito civil, nos temos da lei.

§3º – para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar

sua conversão em casamento.

§4º – entende-se, também, como entidade familiar a entidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

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§5º – os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. (art. 206 da C.F.).

Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os

filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade. E ainda, a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo a sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida.

Sem dúvida, além da proteção legal, a família necessita de muitos outros cuidados para que se mantenha íntegra e prestante como a instituição

mais importante da sociedade, em razão dos laços de sangue, afetividade e interesses recíprocos que geralmente unem os que a integram. Existe, não há negar, com o fenômeno da urbanização, da liberalização dos costumes e das

necessidades da luta pela vida em nossos dias, um quadro social certamente diferente do que existiu ao tempo da sociedade patriarcal que conhecemos noutras épocas. Apesar disso, a família, constituída pelo casamento, é ainda a

forma mais usada de união entre o homem e a mulher amada, a bem dos filhos do casal.

Com a promulgação do novo Código Civil Brasileiro, a vigorar no início do ano 2003, a sociedade brasileira ganhou um novo instrumento legal destinado ao seu fortalecimento e modernização, e, em especial, a família

brasileira, tem agora um novo modelo consubstanciado em regras de direito que contemplam e acolhem as grandes transformações existentes no mundo

civilizado, as quais serão incorporadas aos costumes, de acordo com os valores morais e espirituais da nossa gente.

O BRASIL NO MUNDO

POLÍTICA EXTERIOR

Compreende-se, com facilidade, que uma apreciação correta da

política exterior do Brasil, com a peculiaridade dos problemas a serem enfrentados e resolvidos dentro do contexto da política mundial, requereria o

conhecimento de muitos fatos, que, pela própria natureza, não se encontram ao alcance do observador comum. Muitas vezes, por sua complexidade e significação, o enunciado de uma determinada política é, de imediato,

divergentemente analisado e as suas reais repercussões podem escapar, até mesmo confundir os mais experimentados nesses assuntos. Portanto, ao

examinar as modificações postas em prática pelos órgãos governamentais especializados na condução da política exterior brasileira, dificilmente poder-se-á afirmar, nos anos mais recentes, a inexistência de atitudes coerentes e de

objetivos claros e definidos de interesse nacional, ajustados às grandes aspirações do nosso povo na comunidade internacional.

Recompondo a tessitura dos fatos e o sentido das manifestações de

vontades humanas expressas soberanamente em nome do País, nas mais diferentes ocasiões, a diligência dos intérpretes e a pertinácia dos estudiosos e

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críticos desses assuntos vai descobrindo, nas dimensões do tempo e do espaço, as projeções de tendências marcantes e definidoras de uma conduta

internacional que se aproxima da revelação de objetivos e de princípios de validez permanentes para o País, na atual fase de reorganização do Mundo em processo de globalização.

Porque, é no amplo quadro algo instável e mais dinâmico do mundo contemporâneo, onde as necessidades de intercâmbio ultrapassam as relações simplesmente diplomáticas de uma amistosa convivência internacional, que se

colocam os objetivos particulares, específicos, de cada Estado nacional, numa reciprocidade de interesse e de propósitos comuns, buscando uma posição de

respeito e de prestígio no seio da comunidade dos povos civilizados.

A inserção do Brasil no mundo globalizado é essencial para o desenvolvimento humano sustentável do país e deve ser uma das metas

principais da sua política exterior.

I. Presença do Brasil no Mundo

Numa perspectiva mais ampla, têm importância para determinar a

posição do Brasil no quadro geral da comunidade humana os fatores que contribuem para a formação de uma idéia concreta dos elementos definidores de sua presença no Mundo, ressaltando-se, dentre outros já assinalados neste

estudo, o território, população, língua, raça, religião, os valores culturais, cujos componentes dão significado à sua atuação internacional e podem constituir

elemento seguro para estimar a projeção que buscamos.

Do ponto de vista do espaço físico abrangido pela soberania nacional, acha-se o Brasil em quarto lugar, com os seus oito e meio milhões de quilômetros

quadrados, ou seja, é superado apenas pela União Soviética, a China Continental e os Estados Unidos, este contando com o Alaska. Na América Latina, tem a significação de um subcontinente, na unidade territorial do Hemisfério, em

posição geográfica privilegiada.

Possuindo atualmente uma população estimada em 167 milhões de

habitantes, situa-se entre as dez nações mais populosas do Mundo, na qual os altos índices de incremento populacional – da ordem 1,38% por cento em 1999, – fazem prever um crescimento demográfico que, a curto prazo, juntamente com a

América Latina, poderá contribuir para um balanço populacional com o Continente “asiático”, de cujos cálculos – algumas estimativas, via de regra,

omitem as possibilidades de progressão do Hemisfério Ocidental. Os seus recursos naturais, minerais, flora e fauna, ainda não convenientemente conhecidos e explorados, projetam-se neste início do século XXI e do terceiro

milênio como o maior potencial disponível na Terra.

Quanto à língua falada no Brasil, incluindo Portugal e os países lusófonos, o português é um dos idiomas que se situa entre os primeiros lugares

das línguas faladas, (cerca de 250 milhões, no fim deste século) não havendo, como em outros países de maior densidade demográfica, dialetos que impeçam a

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unidade nacional de comunicação pela linguagem falada e escrita – o português. A raça, com a predominância do elemento branco, constitui um “melting pot” de

vários outros grupos raciais. (como o negro e o índio) e os subgrupos oriundos da miscigenação em que desponta o tipo tropical ou subtropical, sem preconceitos e discriminações oriundas da cor da pele. A quase totalidade da população adota a

religião católica apostólica romana, já sendo a maior nação católica do mundo.

Considerados os elementos sócio-culturais e espirituais, de um modo geral, os valores tradicionalmente defendidos pela civilização brasileira são os

euro-tropicais, quando não predominam os tropicais, endógenos, no que guardadas as peculiaridades naturais de cada povo, se assemelham com os

existentes entre os demais povos do Hemisfério, situados ao Sul do Rio Grande. Politicamente, o apego às formas de governo democrático e representativo, apesar dos desvios, em décadas passadas, marca um dos traços fundamentais da nossa

identidade nacional. Esses fatores positivos das potencialidades criadoras da nossa gente, embora importantes, não seriam suficientes para aquilatar com exatidão uma situação concreta, sem avaliar a auto-suficiência econômica, a

renda média per capita, os índices de industrialização e de modernização da sociedade, a posição relativa no comércio internacional, os avanços tecnológicos,

a capacidade científica e inventiva da nossa gente, e a habilidade para utilizar todos esses recursos materiais e humanos na formulação de um futuro no qual se projetasse: a) o tipo de civilização que estamos construindo, b) a contribuição

que desejamos levar para o Mundo em que gostaríamos de viver e ajudar construir.

Em seguida, trataremos dos assuntos referentes à nossa política externa, encarando: I - os objetivos imediatos, específicos, do atual momento histórico e os instrumentos utilizados para a sua consecução; II – os princípios

que norteiam a nossa conduta externa: e, III - tendo como base os interesses nacionais, o contexto histórico da nossa convivência internacional.

II. Objetivos imediatos

Em se tratando de um País em acentuada fase de transição, o Brasil pugna no sentido de concretizar determinados interesses nacionais, os quais se

traduzem em objetivos imediatos a serem alcançados e que tem como ponto básico o desenvolvimento econômico e o bem estar da comunidade nacional, mediante a absorção dos recursos que a moderna tecnologia põe à sua disposição

e os progressos éticos da humanidade exigem de qualquer povo civilizado. Por sua atualidade, merecem ser relembradas as palavras pronunciadas pelo

Chanceler Magalhães Pinto, ao empossar-se no cargo de Ministro das Relações Exteriores, quando acentuou com propriedade: “que se impõe nesta hora uma política que reflita, no plano internacional, as aspirações de um povo firmemente

decidido a acelerar o processo de seu desenvolvimento. Ampliação efetiva dos mercados externos, preços justos e estáveis para os nossos produtos, intensificação de ajuda técnica e econômica, promoção de cooperação cientifica

devem figurar entre nossos objetivos primordiais”.

Para torná-los realidade, está claro que o esforço maior será aquele oriundo

da auto-ajuda, da utilização inteligente e conveniente dos próprios recursos

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materiais e humanos disponíveis. As proporções desse cometimento, nos tempos modernos, dados os altos custos de uma obra de tal envergadura e envolvendo as

dimensões gigantescas de um subcontinente como é o Brasil, em que as fronteiras internas ainda estão por serem conquistadas e integradas num todo orgânico e harmonioso, exige recursos de impressionante magnitude,

racionalização de métodos e prioridade absoluta de objetivos.

Portanto, a transformação do Brasil numa sociedade industrial, moderna, justa e solidária, pressupõe, além da existência de pré-condições, uma

combinação inteligente de outras medidas que possibilitem ao País conseguir a cooperação externa sem se expor aos perigos de perder o controle dos centros de

decisão da sua vontade soberana.

Considerando-se que os desafios com que nos defrontaremos possam encontrar soluções adequadas num clima de liberdade e sob a égide do Direito, os

instrumentos ou alavancas para a obtenção do nosso desenvolvimento econômico e bem estar social, seriam: a industrialização, o desenvolvimento da agricultura, o incremento do turismo, a cooperação internacional, a cooperação externa, a

integração econômica latino-americana através do fortalecimento do Mercosul, como estágio para a criação e funcionamento da Alca, previsto para o ano de

2005, conjugados para a concretização de objetivos condizentes com o propósito nacional de acelerar a modernização de nossa sociedade e ajudar a construir um mundo melhor e mais justo para os milhões de seres humanos desprotegidos da

fortuna em todos os Continentes.

A – Industrialização

É sabido que na pauta dos nossos produtos de exportação figuram, dominantes, o café, óleo de

soja, cacau, algodão, suco de laranja, frutas tropicais, e matérias primas exportadas para os países

industrializados, com o acréscimo de bens duráveis, cuja pauta de exportação, atualmente é

bastante diversificada e alcança cifra superior a 52% da nossa balança comercial. Sujeitos às

desvantagens dos termos de comércio que prevalece nas trocas feitas com os países industrializados,

o fenômeno assume aspectos de suma gravidade para as pretensões do país. Essas dificuldades, que

não são somente nossas, têm merecido dos organismos internacionais ligados à ONU – como a

CEPAL – estudos, debates, conferências e recomendações, e na OMC, ao fim dos quais se advogam

não só melhores preços na remuneração dos produtos vendidos aos países desenvolvidos, como uma

nova estrutura sem agasalhar medidas protecionistas para o comércio internacional, que possa

assegurar crescimento mais ordenado e acelerado dos países em desenvolvimento.

Outro ponto e estrangulamento do comércio internacional tem sido os

sérios obstáculos encontrados nas relações com os países europeus aos produtos similares vindo de países com os quais mantinham até recentemente laços

políticos. Ainda que esses laços políticos deixassem de prevalecer, o baixo custo da produção e da mão-de-obra daqueles países, colocariam os nossos produtos em situação desvantajosa nos mercados europeus.

A pequena elasticidade das exportações, como demonstram os índices do comércio internacional dos últimos anos, tanto do Brasil como dos demais

países latino-americanos que têm, como os Estados Unidos, maiores responsabilidades pelo futuro do Continente, fazem acreditar serem razoáveis as

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aspirações de que suas exportações tenham um tratamento preferencial nos mercados mundiais e, especialmente, nos Estados Unidos.

Por essa razão, soam como lamentáveis as restrições autorizadas pelo Congresso norte-americano ao presidente George W. Bush para negociar os termos das trocas comerciais com os países que integrarão a Alca.

B – Desenvolvimento da agricultura

Apesar do notável avanço industrial do País, a nossa economia ainda

conta no setor agrícola, o esteio para a obtenção de divisas nas relações de troca do mercado internacional. É natural, portanto, que toda atenção seja dedicada a melhorar as condições sob as quais a agricultura é feita, visando aumentar a sua

produtividade a preço de custo capaz de competir nos mercados internacionais e melhorar a qualidade dos produtos exportáveis.

A despeito da introdução de métodos modernos no setor, registrando-

se aumento dos meios de produção e dos estímulos criados aos produtores, com a garantia de preços mínimos, vastas áreas do País ainda se encontram ligadas a

atividades agrícolas por processos rudimentares, nas quais as relações de trabalho são infra-humanas e os fatores da produção reclamam uma modificação substancial de estrutura e orientação técnica para o aproveitamento racional da

terra e a ativação de uma população que corresponde a cerca de 30% dos seus habitantes.

A reforma da estrutura agrária do país, já instrumentada na lei denominada Estatuto da Terra, foi um passo inicial, mas, de certo, a solução do problema não estará simplesmente na distribuição de terra por um maior número

de proprietários. Para que a reforma agrária possa contribuir para o desenvolvimento econômico e o bem estar social, não é necessário apenas distribuir terra, e sim, ensinar aos agricultores usar técnicas e processos

modernos, fertilizantes que, em outros países, produzem resultados excelentes e são largamente utilizados, com o financiamento do processo produtivo em toda

sua extensão, a fim de manter o homem e sua família no trabalho do campo em condições confortáveis.

Por outro lado, a diversificação das nossas colheitas deve ser um dos

propósitos a serem alcançados, de modo que as necessidades internas do país sejam atendidas com o aproveitamento racional desse grande capital que

compreende varias regiões geo-econômicas, alcançando-se, dessa forma, excedentes a serem exportados.

Em adição ao treinamento do agricultor, a modernização do setor

rural do país reclama a penetração de todos os meios necessários à criação de condições indispensáveis à armazenagem, transporte, comercialização, serviços públicos e assistenciais para dar condições de vida humana ao homem do campo,

livrando-o da servidão em que ainda vive, a despeito do Estatuto do Trabalhador Rural e do Estatuto da Terra – leis votadas com esses objetivos - mas

implementadas apenas em áreas prioritárias, com caráter experimental.

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Sem embargo da expressiva produção nacional de grãos, estimada

em l02 milhões de toneladas para a safra de 200l/2002, conforme anúncio feito pelo eminente Ministro da Agricultura, Sr. Pratini de Morais, este é um setor em franco desenvolvimento e do qual se espera uma contribuição muito positiva para

o Brasil e para aliviar a fome no mundo. Como se vê, estamos em período de transição de um modelo de

desenvolvimento assimétrico para um outro de desenvolvimento sustentável.

A transição para um novo estilo de desenvolvimento pressupõe estratégias bem definidas de transformação de setores produtivos essenciais para a economia e o bem-estar da sociedade. De fato, a implantação de um novo estilo

de desenvolvimento sustentável, requer o fortalecimento dos instrumentos existentes e a busca de novos instrumentos e estratégias adequadas aos desafios enfrentados. O primeiro deles é, sem dúvida, o estabelecimento de um sistema de

contas patrimoniais que permita incorporar o valor econômico de recursos naturais no planejamento macroeconômico. Assim como o planejamento

governamental só foi possível a partir da existência de um sólido sistema de contas nacionais, sem o qual seria inviável sinalizar ao setor produtivo a alocação ótima de recursos, assim também qualquer estratégia de desenvolvimento que

busque internalizar os custos ambientais da atividade econômica, requer instrumentos de contabilização do patrimônio natural.

Paralelamente ao estabelecimento de contas patrimoniais, impõe-se

também uma revisão profunda dos paradigmas atualmente em voga. Que o

Estado intervencionista, diretamente ator econômico, deva ser cada vez mais uma realidade passada, não deve dar lugar ao primado exclusivo do mercado. A essa altura, parece cristalino que o desenvolvimento sustentável requer um Estado

ainda mais forte do que o Estado intervencionista do passado. Mas um Estado que seja forte na sua capacidade reguladora e de planejamento, privilegiando,

entretanto, os mecanismos de mercado para implementações de políticas. Isto porque, afigura-se-nos que o desafio do desenvolvimento

sustentável é um desafio eminentemente político.

C - Cooperação externa

Como salientamos, de inicio, a auto-ajuda, o esforço próprio de cada

país é a base em que se assenta o desenvolvimento. E a não ser que este tipo de esforço se faça pela arregimentação verificada na órbita comunista, ou com

imensos e prolongados sofrimentos e restrições das populações atuais dos países em desenvolvimento, como o nosso, em que são gigantescas as dimensões da obra a empreender, aos recursos gerados no país deverá ser adicionada a

cooperação externa, em forma de investimentos de capitais, seja público seja privado, na promoção de projetos prioritários de desenvolvimento econômico que interessem ao país.

O Brasil tem demonstrado a máxima boa vontade em atrair a cooperação externa, em forma de capitais públicos e privados, principalmente

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estes. Com esse desiderato, aprovou lei de garantia de investimento de capitais estrangeiros, modificou a lei de remessa de lucros e, com outras medidas, afastou

as chamadas “áreas de atrito” alegadas contra a entrada do capital estrangeiro em nosso país. Com o mesmo objetivo, adotou o primado da ortodoxia monetarista na execução da sua política econômica e financeira.

Por motivos ligados à orientação política de alguns governos, o fluxo de capitais tanto público como privados não têm correspondido às expectativas nesse terreno, embora algumas fontes supridoras de capitais do sistema inter-

americano, o Fundo Monetário Internacional, o BID, e o BIRD, tenham cooperado na complementação dos capitais necessários ao desenvolvimento do país.

Entretanto, o ritmo de crescimento do produto nacional (estimado em 4% no 2000) bruto, e da renda per capita, não deixam dúvidas de que é necessário acelerar o ritmo de desenvolvimento, de vez que os dados oficiais revelam ser

cada vez maior a distância que nos separa dos países plenamente desenvolvidos.

D – O Mercado Comum do Sul – Mercosul

Criado em 1991, o Mercado Comum do Sul reúne o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, como membros plenos. Tendo o Chile como membro

associado, a Bolívia, Panamá, México e Venezuela deram início a negociações para fechar um acordo de livre comércio com o bloco.

Com um PIB de l,l trilhão de dólares e um mercado consumidor

potencial de 213 milhões de habitantes, o Mercosul é de grande importância em um balanço comercial para o Nafta e União Européia.

A integração econômica latino-americana é um dos temas do

momento no Hemisfério, e, pelas potencialidades dos recursos disponíveis nos

países participantes, tem importância e significação positivas para o desenvolvimento do Brasil e do Continente, como um todo. A existência de dois agrupamentos sub-regionais, já em formação, - o Mercosul e o Nafta - poderá

constituir-se num passo inicial para a ampliação de mercados nos demais países continentais, constituindo a Área de Livre do Comércio das Américas,

patrocinada pelo governo dos Estados Unidos, em ampliação ao Nafta, do qual fazem parte o Canadá e o México.

Seria essa a motivação de uma outra fase do Pan-Americanismo,

como salientou o Sr. Tancredo Neves, no seu Programa de Governo parlamentarista: “A primeira fase do Pan-Americanismo foi essencialmente

jurídica e política. A que agora atravessamos, há de ser predominantemente econômica e social, pois as nações americanas necessitam estimular e institucionalizar a sua colaboração recíproca para vencer os problemas de

estrutura de sua economia e os problemas de elevação do nível de vida e de cultura de suas populações, sem intervir, contudo, em questões de ordem interna das nações, nem impor limites a autodeterminação dos povos”.

Neste sentido, a reformulação da Carta da Organização dos Estados Americanos, levada a efeito pela Terceira Conferencia Interamericana

Extraordinária de Buenos Aires, em 1967, terá sido um passo decisivo para a consecução desses objetivos.

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A aspiração dos países latino-americanos em combinar esforços em

torno de uma política efetiva de integração econômica, com o objetivo de promover o desenvolvimento agrícola, industrial e social, e propiciar a expansão de mercados, de certo, envolve muitos outros problemas delicados a serem

articulados em nível multi-nacional. Mesmo assim, esses problemas foram enfrentados em reuniões preparatórias para o encontro de Chefes de Estado da América do Sul realizado em Brasília, em setembro do ano 2000, o qual

constituiu um marco histórico na integração do Hemisfério Sul do Continente.

Apesar das dificuldades que tem encontrado e vencido, graças à compreensão, apoio e determinação dos Chefes de Estado dos países participantes do Mercosul, a livre associação dos povos latino-americanos é hoje

uma realidade palpitante e de grande dinamismo econômico, social e cultural, em fase de crescimento e afirmação regional e perante o mundo.

Os graves problemas econômicos, financeiros, sociais e políticos por que tem passado a Argentina nos dias atuais, tiveram, no apoio e solidariedade

dos Chefes de Estado participantes do Mercosul e dos povos que eles representam, uma demonstração inequívoca do espírito de unidade e visão de futuro que inspiram as principais lideranças dirigentes destes países. Tais

atitudes têm um significado e importância que ultrapassam quaisquer discussões sobre questões comerciais e técnicas necessárias à promoção do intercâmbio

entre os países membros do Mercosul, constituindo parte de um ideal mais alto de fazer política tendo como preocupação que o bem comum só será atingido com o progresso e o bem-estar de cada uma das nações deste Hemisfério Sul.

E - ALCA- Área de Livre Comércio das Américas

Os países componentes do Nafta - Estados Unidos da América,

Canadá e México - e a América Latina se encontram empenhados numa tarefa gigantesca e comum de trabalho multilateral, destinada à criação de uma organização batizada pelo Presidente Clinton com o nome de Área de Livre

Comércio das Américas – ALCA. Será formada por 34 países dos Hemisférios norte, centro e sul das Américas, menos Cuba, num primeiro momento, cujos

países, embora apresentem diversidade geográfica, racial, cultural e diferentes estágios de progresso tecnológico e riqueza material, cultuam os mesmos valores humanísticos e têm nos ideais de liberdade e da democracia os bens supremos

que dignificam a vida. Por isso, estarão irmanados na luta contra a pobreza, o analfabetismo, a doença, o desemprego, a violência e o crime organizado, e outros males que atormentam grande parte de suas populações, em busca do progresso

e de melhores condições de vida para todos.

Se esse projeto for adiante, a Alca será um bloco com Produto Interno Bruto (PIB) de quase 11 trilhões de dólares e uma população de 823 milhões de habitantes. É maior que a União Européia (UE) e terá provavelmente a

mesma estatura do pacto asiático, a Cooperação econômica da Ásia e do(Apec). Os Estados Unidos são os mais interessados em fechar esse acordo. O país já

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participa de vários blocos comerciais e tem na conta um déficit comercial de 445 bilhões de dólares, segundo o Banco Mundial. Precisa, portanto, exportar mais

para fazer o saldo da balança comercial subir. Sem imposto de importação nos países da América, os Estados Unidos poderiam inundar os futuros países da Alca com seus produtos.

Vem de longe a idéia de unir as Américas. O ideal de um sistema pan-americano, inspirado em princípios de igualdade e respeito mútuo, despontou em diferentes momentos de nossa história. No início do século XIX,

homens como Thomas Jefferson e diplomatas luso-brasileiros sonhavam com um “sistema americano”. Depois de muitos equívocos de parte a parte, restou o

entendimento de que a construção de uma ampla associação entre nações livres e independentes só será possível se tiver como base valores culturais e políticos comuns e não regras oriundas da assimetria de poder hegemônico de uma nação

ou de um grupo de nações sobre as demais. A propositura de uma ação de envergadura nas Américas, através da

Operação Pan_Americana concebida pelo presidente Juscelino Kubistchek, os

acontecimentos verificados em Cuba e a retomada da política do “good neighbours”, preconizada por Roosevelt para a América Latina e a “Aliança para o

Progresso” sustentada pelo presidente Kennedy, teriam sido os antecedentes mais próximos e a inspiração de uma ação conjugada no sentido da promoção do desenvolvimento econômico e social do Hemisfério.

A Carta de Punta del Este, firmada pelas Republicas americanas, foi o instrumento jurídico no qual os países signatários concordavam com a adoção

de programas globais, em que predominam o aspecto social, através do empreendimento de uma serie de reformas, de modo particular, agrária, tributaria, fiscal e dos métodos de administração. Além destas, outras

providencias de grande alcance deveriam ser tomadas pelos países concordantes para dar sentido operativo aos vários objetivos que se propunham realizar, animados de um sadio espírito de cooperação inter-americana.

Os seus principais objetivos, expressos na Carta de Punta del Este, constituem um ideal de luta contra a fome, a doença, a falta de escolas, nos

vários níveis, contra a má distribuição de renda nacional, o latifúndio improdutivo, o desemprego, a falta de moradia, e contra muitos outros males que afligem essas populações em proporções assustadoras.

Para esse tipo de ação conjunta a ser empreendida com os recursos então prometidos e com a duração de dez anos, a programação global teria

importância fundamental, e, dessa forma, os órgãos de planejamento nacionais, como no caso brasileiro, a cargo do Ministro Extraordinário do Planejamento e Coordenação Econômica, desempenhariam um papel de grande importância,

coordenando-se com os organismos similares criados nos níveis estadual, regional e nacional, tanto no que diz respeito à formulação de programas de investimentos como no acompanhamento e fiscalização da execução dos

programas de origem governamental e da orientação do esforço privado.

A criação do Comitê Inter-Americano da Aliança para o Progresso

(CIAP), como órgão executivo dos programas da Aliança para o Progresso, instrumentou a Aliança com condições operativas que poderiam assegurar-lhe

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grandes êxitos no desempenho do papel visionado pelo Presidente Kennedy, quando, em março de 1961, na Casa Branca, falou aos representantes das

nações latino-americanas, propondo que os países deste hemisfério se juntassem numa Aliança para o Progresso, por ele definida como “um vasto esforço cooperativo, sem paralelo em magnitude e nobreza de propósitos, destinado a

satisfazer as necessidades básicas do povo americano de moradias, trabalho e terra, saúde e escolas”.

A despeito das criticas feitas à Aliança para o Progresso e das

dificuldades burocráticas que a impediram de corresponder, de imediato, às expectativas criadas em torno de sua criação, um balanço isento de paixão

creditou-lhe um saldo positivo de realizações. As esperanças dos povos e governos das Américas depositadas nos instrumentos de luta para debelar os males que afligem as populações latino-americanas constituem, por si só, um

motivo de confiança num futuro melhor, com o objetivo de evitar a explosão revolucionária no Continente, reafirmando o seu encontro com a democracia dentro de um clima de respeito às liberdades públicas essenciais à vida com

dignidade.

Sucedendo a evolução histórica visando a integração das Américas,

reuniram-se em Quebec, Canadá, em 20 de abril de 2001, plenipotenciários de 34 países americanos para discutir uma ampla agenda de cooperação, em que foi ressaltada a importância do acesso às tecnologias e ao conhecimento na nova

economia globalizada. Tratando-se de assunto colocado em discussão para representantes de um continente plural e diversificado quanto a renda, aos

padrões de vida, as línguas faladas, a cultura, as raças e aos modos de organização social, essa diversidade tem um contra-ponto que é a idéia de que as Américas são também um continente unido em sua aspiração de democracia com

liberdade, justiça social e prosperidade para todos.

Em discurso pronunciado em Quebec, na sessão de abertura da IIIa. Reunião de Cúpula das Américas, o presidente do Brasil, Fernando Henrique

Cardoso, ao ressaltar as diversidades culturais e a unidade de propósitos dos países ali reunidos, manifestou-se sobre a criação da ALCA como segue (cfr. site

http://www.mre.gov.br):

“Falei da diversidade que nos caracteriza como região e que queremos preservar. Nem a integração hemisférica, nem o processo de globalização podem

significar um declive inexorável rumo à homogeneidade cultural. Nesse plano, a diferença é um valor em si mesma, mas se desejamos caminhar para uma efetiva

integração do hemisfério, devemos colocar-nos como tarefa a eliminação da diversidade que é injusta: a profunda desigualdade de renda e de condições de vida, tanto dentro dos países como entre os países. Nosso objetivo deve ser uma

Comunidade das Américas. E “comunidade” pressupõe consciência de um destino comum e, portanto, eliminação de assimetrias e garantia de oportunidades iguais para todos. Pressupõe também reconhecer que os caminhos históricos de cada

povo para moldar suas instituições econômicas são variáveis. Não há pensamento único que possa ditar os rumos das nações. O livre-comércio é um dos

instrumentos. A eliminação progressiva dos obstáculos às trocas comerciais pode ter um papel decisivo na criação de oportunidades para o crescimento econômico

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e para a superação das desigualdades. Assim concebemos no Brasil a possibilidade de uma ALCA. Assim temos realizado, com êxito, a construção do

Mercosul, que para o Brasil é uma prioridade absoluta, uma conquista que veio para ficar, e que não deixará de existir pela participação em esquemas de integração de maior abrangência geográfica”.

E acrescentou o presidente brasileiro sobre as expectativas em torno da criação da Comunidade de Nações das Américas: “A ALCA será bem vinda se a sua criação for um passo para dar acesso aos mercados mais dinâmicos; se

efetivamente for o caminho para regras compartilhadas sobre anti-dumping; se reduzir as barreiras não tarifárias; se evitar a distorção protecionista das boas

regras sanitárias; se, ao proteger a propriedade intelectual, promover, ao mesmo tempo, a capacidade tecnológica de nossos povos...; não sendo assim seria irrelevante ou, na pior das hipóteses, indesejável”...

O presidente FHC finalizou o seu importante discurso com estas palavras: “Se tivermos a sabedoria de fazê-la bem feita, a ALCA pode vir a ser um avanço na promoção do desenvolvimento e da justiça social”.

Com a votação pelo Congresso norte-americano da lei conhecida como TPA – autoridade de promoção comercial, através da qual é conferida ao

presidente George W. Bush, pela Câmara de Representantes, um mandato para negociar acordos comerciais, segundo as regras da livre competição, a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), enfrentará grandes obstáculos.

As limitações aprovadas pela Câmara de Representantes retiram capacidade competitiva de trezentos a quinhentos produtos da pauta exportadora brasileira.

Pelo menos, é o que informa levantamento preliminar feito pelo Ministério das Relações Exteriores.

Um bloco comercial como a ALCA, projetado para estender-se do

Canadá à Patagônia, não terá existência real se o principal parceiro, os EUA, insistir em relações dominadoras de poder sobre os mercados locais. Ou admite ceder às exigências da igualdade nos critérios de concorrência, ou não avançará

na organização da ALCA. O insucesso com certeza prejudicará com maior intensidade as nações abaixo do Rio Grande. Mas o isolamento certamente não

atenderá aos interesses norte-americanos neste Hemisfério. Diante dessa situação embaraçosa e polêmica criada pela Câmara de Representantes norte-americana, algo é preciso mudar visando um objetivo maior que é a formação da

Área de Livre Comércio das Américas – ALCA.

III. Princípios básicos de convivência internacional

Desde que alcançou a sua independência política, ao longo dos anos

o Brasil vem construindo um sistema de convivência no seio da comunidade internacional, baseando a sua conduta em princípios que o credenciam entre as demais nações do mundo, pela sabedoria, habilidade, trabalho pertinaz de muitas

gerações e pela visão dos seus homens proeminentes. É, antes, graças à conjunção desses elementos do que à força ou ao exercício do poder, que

possuímos uma tradição diplomática respeitável e respeitada, dando

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continuidade à nossa política exterior que, não sendo estática, busca definir-se de acordo com os momentos históricos que condicionam a sua atuação, sem

descaracterizar os traços mais relevantes dos princípios que a informam.

Até mesmo porque, o apego a certos princípios básicos é essencial à sobrevivência das nações no meio à disparidade das forças mundiais, sobretudo

nos tempos que vivemos, como já alertava o Chanceler San Thiago Dantas, em discurso pronunciado na Academia Nacional de Direito de Buenos Aires, em 1961: “No mundo que vivemos, onde a disparidade de forças atingiu níveis nunca

imaginados, a intangibilidade dos princípios é a arma defensiva da soberania das nações militarmente fracas”.

Estes princípios, pacientemente elaborados e defendidos por sucessivos governos, a Constituição Federal de l988, no seu artigo 4o,os definiu da seguinte forma: “ A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações

internacionais pelos seguintes princípios:

- independência nacional;

- prevalência dos direitos humanos; - autodeterminação dos povos;

- não-intervenção; - igualdade entre os Estados; - defesa da paz;

- solução pacífica dos conflitos; - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

- cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; - concessão de asilo político.

“Parágrafo único - A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Estes princípios constantes do texto da Carta Magna brasileira, pela singeleza e conteúdo apodítico do seu enunciado, afiguram-se-nos auto-

explicáveis. Aduziremos tão somente alguns comentários elucidativos sobre a compreensão histórica de alguns deles.

Independência Nacional – A independência nacional é o sentido básico existente nas nossas relações internacionais. Conceitualmente ligado à

idéia de soberania, através de uma secular construção, entre os internacionalistas, o conceito parece carecer de revisão em face da inter-dependência cada vez maior dos negócios mundiais e da internacionalização dos

direitos individuais.

Historicamente, o conceito de soberania nacional, básico na formação do Direito Internacional Público, vai-se aos poucos “esboroando”, na expressão do

Professo Levi Carneiro, fato que se constitui numa verdadeira revolução que assistimos no século XXI, diante dos anseios da organização de um “Mundo Só”,

a que aludiu Wendell Wilkie, e que no atual contexto histórico da globalização

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irreversível ganha novos contornos e os reclamos são de que ela se faça exibindo “uma face humana”, e não como está aparecendo: desumana e excludente da

imensa maioria das populações e grupos menos favorecidos da fortuna em todas as partes do mundo.

Contudo, na ordem interna, a soberania se afirma com vigor e é

absoluta, caracterizando não só o princípio de auto-determinação como o âmbito espacial de validez e eficácia da manifestação da vontade incontrastável e soberana do Estado.

A afirmação do principio de independência nacional tem-se traduzido através dos pronunciamentos oficiais dos governos, podendo ser captado na sua

evolução, na apresentação do no Programa de Governo à Câmara dos Deputados pelo Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Tancredo Neves, em cujo documento se lê: “Deixando de lado a evolução anterior, podemos dizer que a

posição internacional do nosso país, de que depende a nossa orientação em face das questões concretas que se nos deparam, tem evoluído constantemente para uma atitude de independência em relação a blocos político-militares, que não

pode ser confundida com outras atitudes comumente designadas como neutralismo ou terceira posição, e que não nos desvincula dos princípios

democráticos e cristãos, nos quais foi moldada a nossa formação política”.

“Essa posição de independência permite que procuremos, diante de cada problema ou questão internacional, a linha de conduta mais consentânea

com os objetivos a que visamos sem a prévia vinculação a blocos de nações ou compromisso de ação conjunta, ressalvados os compromissos regionais também

sem prevenção sistemática em relação a quaisquer outras, de formação política ou ideológica diferente”. (Citado por San Thiago Dantas no livro de sua autoria “Política Externa Independente” , Rio, l963-l7/18).

Seguindo linha idêntica de coerência na enunciação dos pontos básicos da nossa política externa, independente e solidária com os interesses de outros povos coincidentes com os nossos, tendo em vista o desenvolvimento

econômico e bem estar do País e a paz mundial, o Presidente Castelo Branco, em discurso pronunciado no Itamarati, em julho de 1964, após afirmar que o seu

governo fizera uma opção básica que se traduzia na fidelidade cultural e política ao sistema democrático ocidental, com margens de aproximação comercial, técnica e financeira com os países socialistas, acentuou, aludindo à

solidariedade: “Reciprocamente, não devemos dar adesão prévia às atitudes de qualquer das grandes potências – nem mesmo às guardiãs do Mundo – pois que

na política destas é necessário distinguir os interesses básicos da preservação do sistema ocidental dos interesses específicos de uma grande potência”.

Até porque, como enfatizou o presidente Fernando Henrique Cardoso,

- “soberania não se negocia, se exerce” - referindo-se à posição do Governo e do povo brasileiro com respeito às questões mundiais relacionadas com a guerra contra o terror, a inserção do país na globalização, bem como a nossa

participação independente e de ação solidária em organismos regionais como a Alca e o Mercosul.

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Pacifismo – A busca de soluções para os conflitos acaso surgidos é norma de conduta incorporada à nossa tradição no convívio internacional, além

de ser uma das características marcantes do temperamento da nossa gente, avesso à violência. Por isso, desde a nossa primeira Constituição republicana, de 1891 (arts. 34 e 88) e na Constituição de 1946, assim como na Constituição

Federal de 1988, vigente (art.4,VII). Uma conduta pacificista nas relações internacionais foi continuadamente adotada, ao aceitar o arbitramento como meio de solução dos problemas das nossas fronteiras com outros Estados,

cabendo ao Barão do Rio Branco basear a maior parte dos tratados assinados no reconhecimento da cláusula do arbitramento. Por outro lado, é uma clara

manifestação do espírito pacificista da Nação o reconhecimento de uma organização internacional a solução de conflitos eventualmente surgidos, contando que dela o Brasil faça parte como o exige a Constituição Federal.

A vocação do povo brasileiro pelas soluções pacificas e a condenação à guerra, tem levado o nosso País, em conferências internacionais, a tomar atitude em favor da proscrição dos meios que conduzem à guerra que, com a

existência de mísseis e dos foguetes intercontinentais, oferecem o perigo de destruição catastrófica, indiscriminada e total da humanidade. Na Conferencia do

Desarmamento, de 1962, em Genebra, o Brasil apresentou a “Declaração das Oito Potências”, contrárias às experiências atômicas, e da qual foram signatárias: o Brasil, Birmânia, Etiópia, Índia, México, Nigéria, República Árabe e Suécia,

contribuindo, dessarte, para afastar um dos maiores pesadelos que atormentam a humanidade com adoção de uma posição nítida entre as duas superpotências

que se enfrentavam em uma “guerra fria”. A sugestão de desnuclerização da América Latina, também se inscreve entre as medidas reveladoras do espírito pacificista do nosso povo, e de coerência de atitudes, no sentido de evitar a

proliferação das armas atômicas e contribuir para a preservação da Paz Mundial, sem que tais fatos signifiquem a renúncia dos meios indispensáveis à sua auto-defesa e do aproveitamento da energia nuclear para o desenvolvimento do País.

Igualdade das Nações. – Tradicionalmente, a política externa brasileira vem sustentando o principio de igualdade entre as nações, a despeito

de a desigualdade de fato, devido à força, à riqueza, ao desenvolvimento cultural e político, e nas responsabilidades de liderança nos negócios mundiais, constituir a marca de uma situação desigual existente, inclusive, na ONU, de cujo Conselho

de Segurança participam apenas cinco países - os grandes, que podem vetar quaisquer pretensões da Assembléia Geral onde tiveram assento, em 2.001, 198

membros.

O progresso moral da humanidade e os sentimentos de solidariedade coletiva vão, aos poucos, trabalhando no sentido do ideal de que a igualdade

jurídico-formal entre os Estados se converta numa realidade em que as diferenças por motivos de poder, riqueza, raça, cultura e população não constitua argumento para a manutenção de desigualdade num mundo em que as

responsabilidades da paz e do progresso devem ser igualmente partilhados por todos os povos.

Em Haia, Rui Barbosa, foi campeão na defesa desse principio, e na Corte Internacional de Justiça, o voto do nosso representante, Raul Fernandes,

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sustentou a mesma tese. De fato, entre os povos ligados à civilização ocidental, o Brasil é, talvez, o país que não só defenda o principio com maior ênfase, mas até

mesmo o pratique, numa feição do espírito igualitário se despindo de qualquer preconceito de raça.

Ao acolher, em Brasília, os delegados das nações interessadas no

“Seminário da ONU, sobre o Apartheid”, em 1966, a maior reunião do gênero das já realizadas para o debate de um problema que é considerado pelo mundo afro-asiático uma ameaça à Paz Mundial, o Brasil deu demonstração de compreensiva

atitude sobre o assunto que divide nações e povos, estabelece discriminações e afirma desigualdades, e de cujos debates e recomendações alguma coisa ficará

permanentemente incorporado à convivência internacional dos povos.

A Solidariedade Coletiva e o Principio da Não Intervenção –

Embora sejam princípios que, sob certos aspectos, parecem não se harmonizar no Direito e na prática, especialmente, como acentuou San Thiago Dantas, dadas as enormes disparidades de forças e interesses que se conjugam em níveis nunca

antes imaginados, pondo em perigo a soberania de nações militarmente fracas, ambos os princípios fazem parte da tradição diplomática do Brasil, com

conotações diversas, sobretudo nos últimos tempos. Baseia-se no contraste que se dá ou na ênfase que se empresta à soberania de um Estado e os organismos internacionais dos quais ele faz parte, quer seja no âmbito regional ou mundial.

As dificuldades residem tanto nas suspeitas que podem suscitar dos meios a serem empregados como na determinação da oportunidade do emprego

desses meios e na estruturação jurídico-política dos organismos a serem utilizados para coordenar os esforços solidários em alguma direção. Como exemplos históricos de solidariedade continental, podem ser citados o “Pacto do

ABC”, em 1915, entre Argentina, Brasil e Chile, do “Chaco Boreal”, em 1938, e no caso de “Letícia”, em 1934, em que neste caso foi isolada a intervenção do Brasil. (Cfr. Jaime de Barros, “A Política Exterior do Brasil”, l930-42, 2a. ed. Rio, l943).

Pelo “Tratado Interamericano de Assistência Recíproca”, de Petrópolis, em 1947, a solidariedade continental ficou estabelecida ao

concordarem as nações americanas que todo ataque armado por parte de qualquer Estado contra um Estado americano, é considerado ataque contra todos e como tal poderá precipitar a ação imediata de cada um dos outros em defesa do

agredido”. Não só no plano continental, mas vinculando-se no âmbito mundial ao principio de solidariedade, o nosso país foi levado à intervenção armada pelas

autoridades internacionais da ONU, para atuarem em Suez, no Congo e no Timor Leste.

Ao tomar posse no cargo de Ministro das Relações Exteriores, o

Chanceler Afonso Arinos de Mello Franco em solenidade realizada no Itamarati, definiu a intervenção: “É, sem duvida, a falta de maturação democrática que leva certos governos à necessidade de enfatizar demasiado o principio de não

intervenção, em detrimento da solidariedade coletiva, ou da soberania do Estado, em prejuízo da eficácia dos organismos internacionais. Por isso, repetimos, a

nossa ação deve ser prudente, refletida, de forma a salvaguardar, tanto quanto

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possível, conjuntamente, os nossos interesses, o desenvolvimento e a emancipação dos povos atrasados e a causa da paz”.

Quanto ao principio de não-intervenção, as dificuldades para uma ação positiva residem tanto nas delongas das discussões sobre a oportunidade e conveniência dos meios a serem empregados como na estruturação jurídico-

política dos mecanismos institucionais a serem utilizados. No caso de Cuba, na reunião de Punta Del Este, a delegação brasileira, chefiada pelo Ministro San Thiago Dantas, analisando os argumentos expendidos em favor da ação

continental contra a ilha do Caribe, negou o assentimento do Brasil às medidas propostas. As razões de seu voto estão contidas nestas palavras: “E não o

faremos (votar pela intervenção), inclusive, por estarmos convencidos de que uma ação com tais efeitos não é, do ponto de vista político, o meio idôneo de que dispomos para defender a unidade política deste hemisfério”. (San Thiago Dantas,

op. cit. p. 36).

Ao eclodir a ação unilateral dos Estados Unidos contra a República de São Domingos, com o respaldo da OEA e a invocação do conceito de “fronteiras

ideológicas”, o governo brasileiro anuiu em mandar um contingente armado em missão pacifica da Organização dos Estados Americanos, o qual ali permaneceria,

segundo o Decreto presidencial, até o restabelecimento da ordem e da democracia.

As apreensões causadas nos meios políticos continentais, algumas

delas traduzindo-se em veementes notas de protesto contra a retomada da política do big stick por parte dos Estados Unidos da América, de certo, terão

contribuído para a evolução contrária à criação da Força Interamericana de Paz, e dos acordos de Assistência Militar, como instrumento preventivo e defensivo. Evitaram ações aramadas unilaterais, como a de São Domingos, por entenderem

os países ao sul do Rio Grande que o combate ao comunismo, à subversão da ordem e à violência, se envolvem problemas de segurança coletiva do Continente,

têm causas mais profundas, de natureza econômica, social e política que precisam ser atacadas com determinação e não se constituem apenas num caso de policia, como ficou claro esse entendimento na VII Reunião de Consultas dos

Ministros das Relações Exteriores, realizada em Punta Del Este, no documento que recebeu o titulo de “Ofensiva do Comunismo na América Latina”, item 4º da Ata, posição em que se alinhavam as vinte nações do nosso Hemisfério.

Mutatis mutandis, a pretexto de combate à produção de drogas e ao intenso mercado que se estabeleceu na América Latina e que tem origem no

território colombiano, com amplo apoio da população daquele país e das FARC, os Estados Unidos desencadearam a luta armada contra o narcotráfico, a partir da Colômbia e nos territórios vizinhos da bacia amazônica, inclusive do Brasil.

Problema de igual magnitude é o que se apresenta agora após o ataque terrorista de 11 de setembro ao World Trade Center e o desencadeamento

da chamada guerra da “liberdade duradoura” pelos Estados Unidos contra o terrorismo a nível mundial, com o apoio dos países que defendem a liberdade, a democracia e os valores da civilização Ocidental que praticamos. É verdade que o

mundo mudou, e jamais será o mesmo, depois do início desses acontecimentos

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sangrentos. Para onde iremos, só o futuro dirá. Pois, a cão e a reação ao terrorismo estão assumindo conotações de verdadeira selvageria e barbárie entre

as partes envolvidas na guerra. IV. O Brasil na Ordem Mundial

A - A Organização dos Estados Americanos – OEA

A Historia da União Interamericana é cheia de vicissitudes, como as coisas humanas. Contudo, já apresenta um acervo positivo de trabalho no

sentido da estruturação jurídico-política do sistema Interamericano, a completar-se, agora, nos aspectos econômicos e sociais e culturais, como um organismo regional capaz de dar continuidade e dinamismo às enormes potencialidades na

construção de um futuro melhor para os povos irmãos do Continente. Às peculiaridades de cada nação, somam-se os fatores sócio-culturais e políticos das origens colonizadoras ibéricas e a comunidade de interesses que as unem, como

um todo, em torno de ideais e objetivos que as identificam.

Desde a Doutrina de Monroe, é acidentada e cheia de pontos

positivos e negativos a história da União Interamericana, sendo o seu período inicial muito mais narrativo do “imperialismo”, da política do big stick e de

queixas amargas contra os Estados Unidos da América do Norte, no tratamento de seus vizinhos e amigos, do que a solidariedade e confraternização pelos laços de amizade e companheirismo entre nações independentes e Estados soberanos.

Ingressamos numa nova etapa do sistema com o respaldo da Carta da Organização dos Estados Americanos, que, ao enunciar princípios e propósitos da mais alta importância a que aderiam os seus signatários, numa perfeita

unidade e compreensão dos gigantescos problemas a serem enfrentados, tais como: a solução pacifica de disputas e da segurança coletiva regional, a

manutenção de democracia representativa como sistema de governo, aprovaram recomendações que visam a promoção de interesses econômicos e sociais, culturais e o desenvolvimento e edificação do Direito Internacional.

Com o advento da guerra-fria entre as super potências mundiais, o continente latino-americano passou a ser palco de graves acontecimentos para a manutenção de propósitos e princípios declarados na Carta da Constituição da

OEA, os quais puseram à prova o sistema concebido e executado, que não se afirmou como instrumento adequado a viabilizar o vasto programa nos campos

econômico, social e político reclamados e, já agora, reivindicados veementemente pelos povos do Continente, como solução pacífica das transformações modernizantes das sociedades deste Hemisfério. Talvez como nunca antes da

Historia das Américas, os governos desses países terão encontrado situação idêntica a debater, estando o tempo a trabalhar contra as dilações costumeiras

da diplomacia internacional e as simples declarações solenes de boas intenções.

A existência de um Estado que se afastou do sistema Interamericano, como foi o caso de Cuba de Fidel Castro; as reivindicações e as expectativas

crescentes das populações por uma vida condigna; a falta de uma nova fé ou de uma ideologia que reúna essas sociedades em transição em torno de

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programações construtivas e eqüidistantes das ortodoxias do neoliberalismo e do socialismo real; a globalização que se faz exibindo “face desumana” e as graves

crises econômico-financeiras e sociais advindas com o endividamento dessas nações; o analfabetismo, o desemprego e a exclusão social existentes no Continente Sul americano. São apenas alguns dos problemas com que nos

defrontamos na caminhada para o desenvolvimento econômico e social ansiosamente buscado, cujos problemas afetam o equilíbrio político-institucional dessas comunidades, em alguns casos através do apelo desesperado a soluções

violentas, como se verificou na Argentina, com a queda do governo chefiado pelo presidente Fernando de la Rua em meio à crise social e política e à repressão

policial violenta contra os movimentos de insatisfação popular em Buenos Aires e outras cidades do país.

De um lado, a guerra contra as FARC e o narcotráfico na Colômbia

trouxe á evidencia a fragilidade da O.E.A e fez reviver os receios da política norte-americana do big stick em relação aos seus vizinhos e amigos deste Hemisfério, e

a criação da Força Interamericana de Paz tem sido, desde o episódio histórico de São Domingos, colocada enfaticamente como indispensável à segurança coletiva regional para evitar males e repetições de atos unilaterais praticados contra o

principio de não intervenção em outros Estados. Do outro, alega-se, os instrumentos construtivos é que devem funcionar com precedência e rapidez para

a interação do Continente, reestruturando-se a O.E.A. e dando-lhe os meios indispensáveis à realização dos objetivos, a fim de que não ganhe alento a idéia de que as legitimas reivindicações dessas populações constituem

primordialmente um caso de polícia, ou um caso a mais na luta do “bem contra o mal”.

A reforma da Carta da OEA, pelo Protocolo de Buenos Aires, em

1967, deu alento novo a essas esperanças, em decorrência do aprimoramento do Sistema Interamericano por ela propiciado.

Os frutos a serem colhidos poderão vivificar o Sistema Regional Interamericano e dar efetividade aos princípios que mantém unidas as nações do Continente, abrindo novos horizontes à cooperação dos seus governos no sentido

de dar ao desenvolvimento econômico e social do Hemisfério a categoria de um direito, que a consciência jurídica e a cultura política desses povos reclamam com redobrada insistência e determinação irreversíveis.

B - As Relações Extra-Continentais

Como país que ascende à posição de crescente prestigio no mundo

moderno, a política externa do Brasil tende a refletir e a ganhar maior relevo e

significação, traduzindo-se na preocupação de determinar a influência que a nossa presença possa trazer para o tipo de mundo em que gostaríamos de viver e

ajudar a construir. As origens ocidentais da nossa civilização e a contribuição eminentemente tropicalista a elas emprestada incorporaram ao nosso sistema de vida os valores e as crenças do humanismo que as forças telúricas

amalgamaram. Acreditamos no humanismo que se consubstancia no valor e no respeito devidos à pessoa humana, na crença nos ideais de liberdade, direitos

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humanos, justiça social e igualdade, e na ação solidária entre indivíduos e Estados. Politicamente, acreditamos que o regime democrático representativo é a

melhor forma de alcançar esses ideais básicos da cultura política moderna.

Em conseqüência, as responsabilidades do nosso País na comunidade internacional dos povos irão sempre aumentando, na medida em que

estes valores aceitos e praticados pela maior civilização euro-tropical em construção puderem contribuir para os propósitos de manter relações amistosas, pacificas e de mútuo respeito com os demais povos da Terra, ainda que adotem

outros sistemas de vida, ideologias políticas contrárias, concepções raciais e credos diferentes dos nossos. Assim é que:

1- dos povos líderes do Mundo Ocidental temos recebido muito e continuaremos a receber, no presente e no futuro, como resultado de uma permanente cooperação e amizade e troca profícua de interesses que se estendem

a quase todos os campos das atividades humanas. Os laços que nos prendem deitaram raízes profundas na formação cultural e política, e os traços de identidade permanecem nas relações amistosas indispensáveis a novos avanços,

num sadio intercâmbio de informações culturais e de interesses recíprocos que ultrapassam de muito as relações simplesmente diplomáticas.

2- Com os povos socialistas, da órbita chinesa, cubana ou não, as relações diplomáticas e comerciais que mantemos com alguns deles constituem nova dimensão de contatos proveitosos para ambos os lados, sem interferência

ideológica no modo de vida que escolhemos para a construção de uma sociedade baseada nos valores cristãos do mundo ocidental. As proporções crescentes desse

intercâmbio abrem perspectivas de maiores e mais proveitosos entendimentos, onde a coexistência de regimes contrários se faz num clima de mútuo respeito.

3- Com o Japão, Índia e povos do sudeste asiático, são de grande

importância as nossas relações, não somente comerciais, mas culturais também em razão do expressivo contingente humano, especialmente de japoneses, chineses, coreanos e outros povos que, desde cedo, vieram para o Brasil e se

irmanaram conosco, emprestando a sua valiosa colaboração para o progresso do país.

4- Com os povos do Oriente Médio e os afro-asiáticos, com alguns mantemos relações diplomáticas e de trocas comerciais, estas em vias de tornarem-se mais ativas. E a despeito das peculiaridades nacionais e dos

caminhos por vezes divergentes na busca do desenvolvimento econômico, é a luta pela modernização o traço comum mais forte que a eles nos ligam neste inicio do

século XXI, assim como a tolerância racial que nos aproxima dos povos da “negritude” – esta, expressão do Presidente Senhor.

5- Portugal e seus territórios ultra-marinos, país peninsular do

continente europeu, tem como o Brasil, a singularidade de uma tradição que, pelos laços históricos, culturais, econômicos e políticos comuns tende a formar com o nosso país uma comunidade luso-afro-brasileira. A Comunidade lusófona

tem sido objeto de interesse e maturação em ambos os lados, pelas novas dimensões que trará para os povos da comunidade lusófona, de estreitamento

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dos laços de amizade de que são instrumento o Tratado da Amizade e Consulta (1953), a Declaração Conjunta sobre Relações Econômicas e outros atos.

C. ONU: Esperança de Paz Mundial

Sob os escombros ainda fumegantes dos meios de destruição da guerra moderna, em Dumbarton Oaks, antes da vitória completa dos exércitos aliados, pensava-se na organização da Paz Mundial. O término da Segunda

Grande Guerra Mundial, encerrando a conta de tragédias representada em perda de vidas humanas e de bens materiais da civilização ocidental, que correra o risco

da destruição total dos seus valores mais caros acumulados ao longo dos séculos, se, por um lado, aliviara a humanidade de muitos sofrimentos, do outro, aumentava enormemente as responsabilidades dos líderes das nações vitoriosas

na reconstrução do mundo e preservação da paz.

A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em abril de 1945, após várias combinações de alto nível entre as potências vencedoras e mais

diretamente responsáveis pelos encargos da guerra, foi o resultado de um trabalho cuidadoso e exaustivo na sua preparação, em cujo documento, à guisa

de preâmbulo, os integrantes das Nações Unidas introduziram estes quatro solenes compromissos:

1. preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade,

2. reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas,

3. restabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional, possam ser mantidos, e

4. a promover o progresso social e melhores padrões de vida, dentro de uma liberdade mais ampla”.

Para cumprir essas finalidades, as Nações Unidas criaram os

seguintes órgãos que compuseram a sua estrutura inicial, além de agências

especiais para tarefas especiais. São eles: I- A Assembléia Geral – Fórum do Mundo; II- O Conselho de Segurança – Guardião da Paz; III- O Conselho

Econômico e Social – Vida Melhor para todos; IV- Conselho Tutelar – Proteção aos povos sem governo próprio; V - A Corte Internacional de Justiça – Tribunal que julga as nações; e VI- O Secretariado – Equipe de homens e mulheres,

responsável pelo funcionamento da organização.

Contando com 198 membros, em 2.000, as Nações Unidas se constituem, por sua Assembléia Geral, no Fórum do Mundo para onde convergem

e tem ressonância internacional as questões que dizem respeito à Paz mundial, cuja tarefa, como sabiamente foi dito na introdução da Carta: “Nós os povos das

Nações Unidas...”, não poderiam ser delegadas a Governos, por mais poderosos e

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mais bem intencionados que fossem, porque somente a própria organização poderia executar através do Conselho de Segurança.

Os organizadores da Carta das Nações Unidas imaginaram que a paz poderia ser mantida pelos cinco grandes – Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra e China Nacionalista. Estes, quando solicitados, deveriam atender às

requisições de forças armadas feitas pelo Conselho de Segurança da ONU, onde cada um dos grandes tem o direito singular de veto. As divergências táticas entre as super-potências empenhadas na guerra-fria logo demonstraram que a margem

de acordo seria mínima ao apreciaram os casos concretos para a manutenção da paz mundial, a despeito das resoluções aprovadas pela Assembléia Geral para

contornar os efeitos do veto de um dos grandes.

Apesar disso, nenhuma sanção poderia ser tomada pela ONU contra os membros faltosos. Problemas ligados à soberania e a questões financeiras

paralisaram a ONU como no caso da guerra do Vietnã, ainda que se registrassem vitoriosas atuações em beneficio da paz, com a expedição de forças para o Suez e o Congo, mais recentemente, para o Golfo Pérsico e a Bósnia. Nem mesmo após o

fim da guerra-fria, do aumento do número de membros da ONU, quando se tornou patente que nenhuma nação ou bloco político-militar de nações poderá

impor, pela força, uma única forma de domínio no mundo, ficou mais fácil o transito de medidas que pudessem contrariar os interesses dos que detém o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.

Aos desejos de paz de que a ONU seria, na expressão do presidente Kennedy, “the last best hope of mankind”, sobrepõe-se, em ultima análise do

problema cubano, iraquiano, ou da guerra contra o terror, o balanço do arsenal de poder militar, tecnológico, atômico e econômico incontrastável de que a pax americana é a única fiadora.

Com toda oportunidade, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em discurso pronunciado na sessão de abertura da 56ª Assembléia Geral da

Organização das Nações Unidas, em Nova York, fez uma crítica sutil aos poderes excepcionais exercidos pelos cinco grandes países da ONU, ao dizer: “A Carta das Nações Unidas reconhece aos Estados membros o direito de agir em auto-defesa.

(...) Mas é importante termos consciência de que o êxito na luta contra o terrorismo não pode depender apenas da eficácia das ações de auto-defesa ou do

uso da força militar de cada país”. E finalizou o presidente brasileiro, FHC, ao sintetizar a sua visão de mundo e a posição do Brasil neste momento histórico da vida internacional: “Nosso lema há de ser o da „globalização solidária‟, em

contraposição à atual globalização assimétrica”.

Na verdade, são imensas as tarefas desempenhadas pela ONU, através dos seus diferentes órgãos, especialmente do Conselho Econômico e

Social e do Conselho de Segurança e do Secretariado em benefício da melhoria das condições de vida dos seres humanos e da paz mundial, em especial neste

momento conturbado e aflito que atravessamos. Assim é que, vinculadas à ONU, existem agências especiais para o desempenho de tarefas especiais, tais como: FAO, UNESCO, OIT, Unicef, OACI, FMI, BIRD, OMC, OMS, OMM, e mais. No

mesmo sentido são os extraordinários efeitos produzidos pelas recomendações

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oriundas do ciclo de conferências sociais da ONU para todos os povos do mundo, de modo especial em relação nosso país, a saber: as resoluções da Cúpula

Mundial da Infância (Nova York, 1990), que balizaram as políticas públicas do Estatuto da Criança e do Adolescente; os desdobramentos da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992),

com a Agenda 21 sobre a Biodiversidade; a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) e os seus efeitos sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos; a implementação no Brasil das resoluções da Conferência

Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), com a criação, em 1995, da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento; as

recomendações contidas na Declaração e Programa de Ação da Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995), de que a Comunidade Solidária constitui um suporte institucional para a mobilização e acompanhamento desta

agenda no país; a implementação da IV Conferência sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz (Beijing, 1995), em vários estados e municípios do brasileiros. Em outras esferas de atuação, são úteis as gestões feitas pela ONU

utilizando medidas que vão desde a simples “negociação”, “inquérito”, “mediação”, “conciliação”, “arbitragem”, “solução judicial”, até o emprego de forças com

missões pacíficas, ou quando atua desarmando as nações e controlando a bomba atômica.

Além destas gestões, nas quais a ONU encontrou em Oswaldo

Aranha, Dag Hammarskjold, U Than e Kofi Anhan, dentre outros ocupantes do cargo de Secretário Geral da instituição, personalidades de impressionante

habilidade e iniciativa, a ação da ONU se estende a vários setores de atividades nos campos econômico e social, promovendo e incentivando um vasto programa de elevação das condições de vida da humanidade e desenvolvendo o espírito de

cooperação e solidariedade entre os povos em benefício da causa comum - a Paz mundial. Embora tenha também os seus críticos, menos em razão do que fez do que pelo que deixou de fazer em face das dificuldades encontradas dentro da sua

própria estrutura e organização política, o saldo de sua atuação é positivo e é para a ONU que apelam todos os povos da Terra em favor da Paz, cujos apelos

foram reforçados por S.S.o Papa João Paulo II, quando ergueu a sua voz na Assembléia Geral da ONU clamando pela Paz no Mundo.

UTOPIA

(À guisa de conclusão)

De acordo com alguns escritores, estamos vivendo uma era marcada pelo fim das grandes utopias, tanto as de caráter secular como as religiosas, de

vez que, embora se verifiquem notáveis avanços científicos e tecnológicos que propiciam melhores condições de vida para os seres humanos em diferentes partes do mundo, até agora, nenhuma dessas utopias de vida edênica se cumpriu

integralmente. Certamente, a falha está em nós, faz parte da nossa condição humana.

Para comprová-lo, basta olhar ao lado ou em torno de nós, e ver que nos encontramos diante de uma realidade econômica e social aflitiva, a nível

interno e internacional, que nos deixa uma dúvida atroz sobre antigas certezas

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cultuadas até o presente. Isto porque: ou a Fé das criaturas humanas não é bastante forte nos desígnios de Deus a serem cumpridos aqui na Terra, ou as

conquistas do conhecimento científico e das modernas tecnologias postos à disposição do homem na promoção da riqueza e o do bem-estar geral perderam inteiramente o significado. Tudo isso à mingua de um compromisso maior dos

poderosos em pensar o mundo regulado segundo os princípios da razão e movidos por um elevado padrão ético de solidariedade humana.

O neoliberalismo capitalista vitorioso e em expansão em todos os Continentes, nesta virada para o século XXI e início do terceiro milênio da era

cristã, apresenta-se com uma “face desumana”, como avaliam os seus críticos reunidos em fóruns mundiais, na medida em que convive com formas intoleráveis de desigualdades e de exclusão a nível pessoal e de grupos menos afortunados da

sociedade. Tais situações geram, de um lado, a pobreza absoluta, a revolta e a violência dentro das nações e no exterior; de outro lado, a intolerância, a reação desesperada de grupos e de Estados protagonistas de políticas hegemônicas

desencadeiam em autodefesa a chamada “guerra santa” contra outros países e culturas em nome da guerra ao terrorismo, envolvendo os demais povos da terra

em ações da mais brutal selvageria e destruição, com desrespeito também aos direitos humanos.

É neste contexto histórico que os brasileiros enfrentam antigos e novos desafios opostos à construção de uma grandiosa e próspera civilização

multi-racial e multi-cultural na região tropical e subtropical do Hemisfério Sul do planeta.

Conforme vimos ao longo deste trabalho, vencer os desafios exigirá uma luta sem tréguas contra o tempo para a realização do nosso sonho de Brasil. De certo, todo o esforço para esse desiderato é válido e patriótico, e dependerá do

nosso trabalho e determinação, contando com o apoio e a cooperação de povos amigos e parceiros dentro da comunidade internacional. Principalmente da

habilidade e sabedoria política das elites dirigentes nacionais, ao atuarem sintonizadas com as aspirações e interesses do nosso povo, tendo como objetivo mudar a realidade que temos hoje, no país próspero, forte, justo e igualitário

desejado em futuro próximo por todos os brasileiros.

Temos a Constituição da República Federativa do Brasil que baliza as linhas mestras de um projeto de vida e de integração nacional com os países deste Hemisfério e de inserção mundial a ser realizado consoante os postulados

do Estado Democrático de Direito, dentro do qual encontraremos o caminho seguro para o progresso e o bem-estar do povo brasileiro.

A nossa utopia, viável e necessária, corresponde à visão do Brasil reconhecido e acatado como uma sociedade democrática moderna, equilibrada,

próspera, socialmente justa, solidária e fraterna, onde todos os brasileiros possam usufruir um padrão de vida digno e confortável para si e seus familiares, e em todas as partes do mundo.

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BIOBIBLIOGRAFIA

Francisco Ferreira de Castro nasceu em Floriano, estado do Piauí, onde fez

o curso primário, e o ginasial no Colégio Marista, em Fortaleza, estado do Ceará.

Graduou-se Bacharel em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, em

Belo Horizonte, no ano de 1.948. Foi presidente do Centro Acadêmico Afonso

Pena da Faculdade de Direito, tendo recebido para pronunciar conferência o

Embaixador Osvaldo Aranha, então presidente da Assembléia Geral da ONU.

É advogado. Doutor em Direito. Foi presidente da OAB-DF, no

período 1967-69, tendo participado ativamente da resistência civil e democrática

contra atos praticados durante o regime militar que dominou o país; membro

Honorário Vitalício do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do

Distrito Federal; membro Fundador e ex-presidente do Instituto dos Advogados

do DF. Professor aposentado da Universidade de Brasília, onde lecionou Direito

Constitucional e Ciência Política. É aposentado como Sub-Procurador Geral do

DF.

Foi eleito deputado estadual, 1950-1954, tendo sido líder da bancada

do Partido Trabalhista Brasileiro -PTB- na Assembléia Legislativa; eleito vice-

governador do Estado, 1954-1958, exerceu o governo do Piauí e, posteriormente,

o mandato de deputado na Câmara Federal, 1958-1962. Assessor da presidência

da Republica para assuntos jurídicos no governo do presidente João Goulart.

Membro do Conselho de Administração da Companhia Urbanizadora da Nova

Capital do Brasil – Novacap e da Sociedade Abastecimento de Brasília – Sab,

representando o Distrito Federal. Foi fundador e presidente do Partido

Trabalhista Brasileiro (PTB) no Distrito Federal. Candidatou-se ao Senado Federal

nas eleições constituintes de 1.986, no Distrito Federal, pela legenda do PTB.

Ferreira de Castro tem vários trabalhos publicados e outros inéditos, sobre

temas diversos de direito e de ciência política, além de artigos em jornais e

periódicos, razões e pareceres. Destacam-se: “Entradas e Caminhos da Civilização

no Piauí”, Teresina, 1956; “Dos Fins do Estado: principais doutrinas”, Teresina,

1956; “A campanha eleitoral de 1958 no Piauí, Rev. Brasileira de Estudos

Políticos, UMG-BH, 1959; “Democracia Social”, imp. Univ. do Ceará, 1960;

“Modernização e Democracia: o desafio brasileiro”, ed. EBRASA, BSB, 1969; “A

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política dos Objetivos Nacionais na Constituição Brasileira”, em Noticia do Dir.

Brasileiro, UnB, 1971; “Aspectos do Controle de Constitucionalidade das Leis pelo

Judiciário”. conferência, Itapetininga, São Paulo, 1972; “Terras do Distrito

Federal: titularidade e discriminação de domínio pela União Federal. Dec-Lei nº

203/67”, conferência, OAB-DF, 1968; “O Visconde de São Leopoldo e a criação

dos Cursos Jurídicos do Brasil”, in rev. do IADF, 1977; “Prof. Cláudio Pacheco

Brasil: advogado brilhante, jornalista polêmico e renomado constitucionalista”,

saudação feita no IADF, 1980; “A Constituinte e o Novo Pacto Social: historia e

doutrina”. UnB, 1987; “O Processo Constituinte de 1987: sua singularidade”.

UnB, 1987; “Emendas Populares: uma fecunda inovação legislativa”, UnB, 1987;

“Solução Pacifica de Controvérsias Internacionais. Estudo de caso. Canal de

Beagle”. UnB, 1988; ”Sistema Interamericano – novos desafios à integração

regional face à crescente globalização”, UnB, 1988; “Gilberto Freyre – o Mestre de

Apipucos – intérprete incomparável da nossa formação histórica, social e

antropológica”, UnB, 1989; “Monarquia x República, Parlamentarismo x

Presidencialismo: a grande opção”, Voz do Advogado, OAB-DF, 1993; “Cristino

Castro- empresário pioneiro em Floriano e na região do Gurguéia”, ed. Verano,

Brasília, 1997; “ OAB-DF 40 anos- Uma História de Lutas e Afirmação”, ed.

Verano, Brasília, 2000.

Foi incluído no Who‟s Who in Brazil, São Paulo, 1972 e Who‟s Who in the

World, Millennium Edition, 2000 e no ano 2001; “Deputados Brasileiros” – 1964-

67, ed. Câmara dos Deputados, 1972; “Os Pioneiros da Construção de Brasília”,

de José Adirson Vasconcellos, Brasília, 1982; “Dicionário de Escritores de

Brasília”, de Napoleão Valadares, 1994; “Dicionário histórico e geográfico do

Estado do Piauí”, de Cláudio Bastos, Teresina, 1994; “Dicionário Biográfico

Escritores Piauienses de Todos os Tempos”, 2a. ed.,por Adrião Neto, Teresina

1994; “Pioneiro na Advocacia do Distrito Federal”, OAB-DF, 1991; Membro do

Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, 1995; Membro efetivo da “The

Planetary Society” com sede em Pasadena, Califórnia, USA; Membro Honorário da

Academia de Tênis de Brasília, 1977; AGRACIADO com as Comendas: “Mérito

Jurídico”, do Governo Brasileiro, comemorativa do Centenário de nascimento de

Clovis Beviláqua, 1959; “Mérito Buriti”, do Governo do Distrito Federal, 1970;

“Sesquicentenário da criação do Poder Legislativo do Piauí”, Teresina, 1985;

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“Mérito do Município de Cristino Castro”, 1991; “Mérito Agrônomo Parentes”, do

Município de Floriano, por ocasião do 1º Centenário da Cidade, 1997; Grã Cruz

da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí, 1997; Diploma e “Comenda

da Ordem do Mérito de Pioneiro”, concedidos pelo Clube dos Pioneiros de Brasília,

em 1999.

Membro do American Biographical Institute, Raleigh – NC – USA,

1998; membro da International Order of Merit, por decisão unânime do Board do International Biographical Centre, Cambridge, Inglaterra, julho de 2.000. Distinguido com o Titulo “Outstanding Man of the 21st Century”, por

decisão do Board of International Research do American Biographical Insstitute, USA, ano de 2000; com a American Medal of Honor pelo American Biographical Institute, com sede em Raleigh, North Carolina, USA, em dezembro

de 2001.