bresser pereira e financiamento público

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  • 7/23/2019 Bresser Pereira e Financiamento Pblico

    1/25

    lgica

    perversa da estagnao:

    dvida, dficit e inflao

    no Brasil

    Luiz Carlos Bresser Pereira

    Neste artigo, o autor

    prO UIa

    relacionar a estagnao econmica e as altas taxas de

    in-

    flao existentes no Brasil com a dvida pblica interna e externa, o dficit pblico e a

    poupana pdblica negativa. Dessa maneira, este artigo representa uma tentativa de an

    lise formal da crise lS ai existente no Brasil, que levou perda de crdito e paralisia

    do Estado brasileiro.

    1 1ntroduo: 2. A lgica perversa da divida externa: 3.

    O

    desequiJlbrio de estoque

    conduzindo ao desequillbrio de flww: 4. O cardter perversc do ajustamento; 5. A pou-

    pana do setor plIb6co e o dlficit plIblico:

    6.

    A crise da divida e a crise fiscal;

    7.

    A m -

    croeconomia perversa do processo de ajustamento com inflao; 8. O financiamento do

    dIficiJ plIblico: endividamento interno e senhoriogem: 9. J imobilimo do Estado no

    tocante a reformas estruturais: 10 A lgica perversa da estagnao; 11. Um novo p -

    dro de financiamento de investimentos

    1

    ntroduo

    A estagnao e as altas taxas de inflao so as principais caractersticas

    da economia brasileira nos anos 80. Um pas que nos 6ltimos cem anos se

    desenvolveu a taxas muito elevadas teve o seu caminho

    de

    crescimento

    subitamente interrompido em 1981. Em 1988, a renda

    per capiia era

    infe

    rior

    de

    1980. Num primeiro momento - entre 1981 e 1983 - a dimi

    nuio no ritmo

    de

    crescimento foi corretamente atribuda ao esforo de

    ajustamento imposto pela crise

    da

    dvida; numa segunda etapa - 1984 a

    1986 - a crise parecia estar superada e o processo

    de

    ajuste parecia haver

    logrado sucesso; desde 1987, porm, a crise est de volta. Naquele ano, o

    PIB cresceu mesma

    t x

    do crescimento populacional; a taxa

    de

    cresci

    mento do PIB em 1988 foi negativa (0,3 ), e a expectativa de que a de

    1989 sofra uma reduo de 1 . A renda

    per capita

    estar caindo em am

    bos os anos.

    A crise pode ser explicada de vrias maneiras. Est bem clara sua re

    lao com a dvida externa. A crise fiscal que se desenvolveu a partir

    da

    dvida est, obviamente, no centro da estagnao econmica. A acele

    rao da inflao que se verifIcou durante os anos 80 pode ser parcial-

    Trabalho preparado para o simpsio The Present and lhe Future

    of

    the Pacific Basin Economy:

    a Comparison

    of

    Asia and Latin America, patrocinado pelo lnstitute

    of

    Developing Economies,

    Tquio julho

    1989. Traduzido por Ricardo Borges Costa.

    Professor

    na

    EAESPIFGV.

    R. Bras. Econ.,

    Rio de Janeiro.

    45(2):187-211.

    abr./jun.

    1991

  • 7/23/2019 Bresser Pereira e Financiamento Pblico

    2/25

    mente explicada pela crise fiscal, mas j

    era

    certamente o conflito distri

    butivo, que caracteriza uma economia em que a renda t desigualmente

    distribuda como a brasileira, a causa fundamental

    da

    inflao e

    sua

    acele

    rao. A dvida externa, medida

    que

    agiu agravando direta ou indireta

    mente o conflito distributivo, desempenhou, obviamente, um papel impor

    tante

    na

    acelerao

    da

    inflao. Esta,

    por

    sua vez, realimenta a crise no

    setor real

    da

    economia,

    na

    medida em que agrava o dficit pblico, afasta

    os investimentos e diminui a produtividade do capital. A inflao to

    danosa e perturba de tal forma a atividade econmica que, entre 1984 e

    1986, quando

    se

    alcanou o equil1brio

    na

    conta corrente, tomou-se popu

    lar

    no

    Brasil a crena de que a crise da dvida havia sido supemda, de

    que

    o dficit oramentrio estava sob controle e

    de

    que a nica causa dos pro

    blemas do pas em a inflao.

    Todos esses fatores se inter-relacionam.

    H um

    ditado que diz que nada

    to bem-sucedido quanto o sucesso; o inverso verdadeiro: o c'culo

    vicioso

    da

    crise

    ou

    parece ser interminvel.

    H

    uma lgica perversa no

    processo

    de

    estagnao

    da

    economia brasileim. Neste trabalho, tentarei

    descrever e formalizar essa lgica. Tentarei definir a macroeconomia

    per

    versa

    da

    estagnao no Brasil.

    Na

    segunda parte, discuto a dvida externa,

    a qual est na origem

    da

    atual crise - uma crise definida pela crise fiscal

    do

    Estado,

    pela

    reduo

    da taxa de

    investimentos e

    pela

    perda de eficin

    cia

    do estoque de capital.

    Na

    terceira parte, defino essa crise como uma

    crise de estoque, alm de ser uma crise de fluxo, e na quarta, analisa-se o

    carter perverso do ajustamento sob tais circunstncias. Na quinta seo,

    discute-se a crise fiscal

    em

    termos de dficit pblico e reduo

    da

    pou

    pana pdblica; mostrada a relao entre os dois fenmenos.

    Na

    sexta

    parte veremos como a crise da dvida toma-se uma crise fiscal. A stima

    seo consiste em uma anlise das altas

    taxas de

    inflao que predominam

    em tais circunstncias; a inflao torna-se inercial

    ou

    autnoma, enquanto

    tende necessariamente a um lento, porm fmne processo de acelemo. A

    moeda, nesse processo, desempenha um papel passivo; esse o assunto

    mtado

    na

    oitava parte. A imobilizao

    do

    Estado devido crise fiscal

    discutida

    na

    nona seo.

    Na

    dcima seo estaremos prontos para discutir

    a lgica global

    da

    estagnao num pas assolado pelo endividamento, pelo

    dficit e

    pela

    inflao. Mas como a estagnao no

    pode

    ser uma situao

    permanente, finalizo o trabalho, em sua dcima primeira seo, com uma

    discusso a respeito

    do

    padro de fmanciamento

    de

    investimentos. Naque

    la seo,

    s

    mpidamente apresentados os requisitos

    pare

    a supemo

    da

    crise e a retomada do crescimento.

    2 lgica perversa d dvida externa

    A crise

    da

    economia brasileira tem incio claramente em 1979, quando o

    Brasil, como todos

    os

    pases altamente endividados, deveria ter-se empe

    nhado num forte processo

    de

    ajustamento. O segundo choque

    do

    petr6leo,

    o

    choque

    da

    taxa de juros

    e a recesso americana

    emm

    indicaes claras

    de

    que esse em o caminho a seguir. A Coria foi um dos poucos pases al-

    188

    R B E 2/91

  • 7/23/2019 Bresser Pereira e Financiamento Pblico

    3/25

    tamente endividados que se decidiu pelo ajuste naquela momento. O

    Bra

    sil,

    como

    todos os outros pases latino-americanos,

    no

    o fez. Quando, em

    1981, deu incio ao ajustamento, depois de dois anos

    de

    crescimento ace

    lerado,' j era

    muito tarde. A dvida tomara-se

    alta

    demais

    para ser

    paga.

    A lgica perversa

    da

    dvida externa aparece quando

    ela

    se

    toma

    alta

    demais .

    Mas

    em

    que

    instante se

    d

    essa

    transformao, e o

    que

    uma

    dvida

    alta demais ?

    Uma

    dvida se

    torna

    alta demais do ponto

    de

    vista dos

    credores quando

    estes

    decidem suspender seu reescalonamento - o financiamento

    dos

    juros

    a serem pagos.

    Num

    primeiro momento, quando se inicia o processo de

    endividamento, o pas

    recebe

    emprstimos para

    rmanciar

    despesas reais

    (com consumo ou, preferencialmente, com investimentos). Depois de l-

    gum tempo, contudo, os juros devidos se tornam to elevados que o -

    nanciamento destes interrompido.

    Na

    realidade, o processo

    de endivi

    damento passa por fases consecutivas: primeiro, os emprstimos servem

    para

    financiar despesas adicionais;

    em seguida,

    despesas adicionais e

    ju

    ros; depois, somente

    os

    juros; em quarto lugar, apenas uma

    parte dos

    juros

    a serem pagos sobre emprstimos antigos; finalmente,

    os

    novos emprsti

    mos so definitivamente suspensos.

    A suspenso de

    novos emprstimos

    p r

    o Brasil,

    em

    1982, certamente

    fazia parte

    de uma

    deciso mais geral

    dos

    banqueiros em face do def ult

    do

    Mxico

    de

    agosto

    daquele ano.

    Est, entretanto, fundamentada

    em al

    gumas consideraes objetivas que levaram os banqueiros a

    considerar

    a

    dvida

    brasileira alta demais. H, basicamente, dois parmetros. Em

    primeiro lugar,

    h

    uma

    regra

    prtica

    de

    estoque

    que diz que

    a relao

    entre a

    dvida externa

    de um pas, Dx, e suas exportaes,

    X, nunca

    deve

    ser

    maior

    que

    2

    (no

    Brasil, a razo dvida/exportao

    alcanou esse

    limite

    em

    1979). Em segundo lugar, h

    um

    raciocnio de fluxo que diz que,

    quando

    essa razo

    atingida, a

    taxa

    de juros, j no deve ser maior

    que

    a

    taxa

    de crescimento

    d s exportaes, x .

    Aps

    serem suspensos os emprstimos

    de

    umercado , isto , os

    em

    prstimos voluntariamente concedidos a

    um

    pas devedor, h trs con

    dies

    sob

    as

    quais uma dvida

    se

    toma

    alta demais

    do ponto de

    vista do

    devedor. Basicamente, ela alta demais se, mesmo depois de um processo

    razovel

    de

    ajustamento interno,

    continua

    impossvel cumprir integral

    mente

    com

    o seu servio. Nesse caso, os juros externos,

    J

    x

    , para

    serem

    pagos integralmente, (1) tm de ser financiados

    por

    meio de emprstimos

    , Uma poltica econmica populista-desenvolvimentista, adotada pelo governo direitista e auto

    ritrio durante aqueles dois anos, conseguiu produzir taxas de crescimento do PIB acima de 8 ,

    enquanto a dvida externa aumentava de 38 p r 60 bilhes de dlares. O populismo pode ser dis

    tributivista, quando tem origem

    na

    esquerda, ou desenvolvimentista, quando

    na

    direita. Seus re

    sultados no so muito diferentes no que se refere aos desajustamentos interno e externo.

    Dfvida

    dficit e inflao

    189

  • 7/23/2019 Bresser Pereira e Financiamento Pblico

    4/25

    adicionais, o que

    leva

    a um aumento no total da dvida,

    dD;e

    e/ou 2) s6

    podero

    ser

    pagos

    atravs de

    um

    supervit comercial,

    R, bastante

    elevado.

    Um supervit

    comercial bastante

    elevado

    aquele que implica uma

    transferncia

    real de recursos para os pases credores, o qual, para

    ser

    al

    canado, depende da

    reduo das

    importaes,

    M

    e no

    do

    aumento das

    exportaes,

    X.

    A

    reduo

    das

    importaes

    basicamente

    conseguida

    pela

    reduo dos investimentos,

    I, e no pela

    reduo

    do

    consumo,

    C. Nessa

    situao,

    o

    supervit comercial

    efetivo, R, maior do

    que

    o

    supervit

    po

    tencial, RX j que se defme supervit potencial como o

    supervit

    comer

    cial que

    pode

    ser

    conseguido

    mantendo-se

    o

    nvel

    necessrio de

    inves

    timentos, IX

    Uma

    terceira situao

    em

    que

    a dvida

    elevada

    demais

    aquela

    em

    que a

    dvida

    quase

    que inteiramente

    de responsabilidade

    do Estado,

    DXGt

    ao passo que

    as receitas provenientes

    das

    exportaes

    so privadas,

    pr

    Nesse caso,

    a

    dvida externa

    toma-se

    um dos

    motivos

    bsicos

    da

    cri

    se,

    mesmo quando o

    pas est

    produzindo um

    supervit

    comercial. Os ju

    ros

    pagos sobre a dvida externa pblica tomam-se uma causa bsica do

    dficit pblico.

    medida que no se consegue mais financiar o dficit

    pblico atravs

    do aumento da dvida externa,

    passa-se

    a financi-lo pelo

    aumento da dvida interna ou atravs

    da emisso

    de

    moeda. A

    crise

    fiscal

    e a

    inflao

    so, obviamente, os resultados dessa situao.

    Assim, uma dvida

    externa alta demais

    quando, para

    pagar integral

    mente os

    juros devidos

    a

    ela,

    temos:

    e/ou

    e/ou

    quando

    (3) DXc;t versus X

    pr

    No

    Brasil,

    durante

    os

    anos 80,

    as trs condies esto presentes. To

    memos como base o

    ano

    de

    1980,

    j que foi

    no fmal desse

    ano que se

    deu

    incio ao

    processo

    de ajustamento

    no

    Brasil devido crise da dvida. A

    partir

    de

    ento, 1) o total da dvida

    externa praticamente

    dobrou, 2) a

    taxa

    e

    investimentos

    caiu

    por

    volta

    de 5 pontos

    percentuais

    abaixo

    do

    nvel anterior,

    e 3) a dvida externa pblica, que

    representava, em

    1979,

    68% do total da dvida externa, hoje perfaz 87%

    desse

    total, enquanto

    continuam

    a ser

    quase que

    inteiramente privados as

    exportaes

    e o su

    pervit comercial.

    3.

    O

    desequilbrio de estoque conduzindo

    ao

    desequilbrio de fluxo

    Iniciemos esta

    seo

    raciocinando na linha dos modelos de estabilizao

    convencionais

    ou de livro-texto.

    2

    Suponhamos que, na primeira metade

    2 Veja-se, por exemplo, Meier 1980, captulos

    5-7),

    Sdersten 1980, captulo 25).

    So

    exce

    lentes textos, mas apresentam o equilbrio do balano de pagamentos na forma convencional cri

    ticada nesta seo.

    190

    R.B.E.2/91

  • 7/23/2019 Bresser Pereira e Financiamento Pblico

    5/25

    do anos 70, as variveis macroeconmicas brasileiras estivessem basica

    mente equilibradas, isto

    ,

    a demanda agregada

    era

    igual

    oferta

    agrega

    da, de maneira que

    I G X = S T M

    onde G representa

    as despesas.do

    Estado, incluindo

    as

    despesas

    das

    ~

    presas estatais,

    S,

    a poupana privada e T as receitas do Estado impostos

    e vendas d s empresas estatais).

    Esse agradvel equilbrio, no

    qual

    no se consideram os juros, seria

    completado

    por

    um equilbrio em

    cada

    setor:

    no setor privado

    1 =

    S

    no setor pdblico

    G

    =T,

    e no setor de comrcio exterior

    x = M

    O endividamento externo ocorrido durante os anos 70 rompeu os trs

    equilbrios. O endividamento externo do

    setor

    pdblico

    era

    sinnimo de d

    ficit pdblico G

    >

    n, que tinha como contrapartida um dficit comercial

    X